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Objetivos e sistemas de controle de empresas estatais· Alfredo Lopes da Silva Neto** Sumário: I. Introdução; 2. A evolução do SPE; 3. Objetivos das empresas estatais: 4. A necessidade do controle; 5. O SPE no Brasil; 6. Sumário e conclusões. Palavras-chave: empresas estatais; estatização; finanças públicas. Este artigo apresenta uma discussão de importantes questões que estão diretamente relacionadas com a organização e o funcionamento de empresas estatais. A inserção do conjunto dessas empresas nas modernas economias de mercado é a principal justifica- tiva para o argumento desenvolvido. É um fato bastante conhecido que os investimen- tos das empresas estatais brasileiras têm uma importante participação no PNB. Dessa forma, os fatores que afetam o desempenho operacional dessas empresas são parte de um assunto que deve interessar a amplos setores da sociedade brasileira. Objectives and controI systems of public enterprises This article intends to discuss important issues directly related to the organization and management of public enterprises. This is justified by the core position occupied by these enterprises in the modem market economies. It is a well known fact that the Bra- zilian public enterprise investments generate a relevant share 01' the GDP. Therefore, the elements that affect public enterprise operational performance should be a subject that pertains to key segments 01' the Brazilian society. 1. Introdução o desempenho do setor produtivo estatal (SPE), tanto no Brasil quanto em vá- rios outros países, tem sido objeto de uma grande e inconclusiva controvérsia. Muitos dos argumentos que freqüentam esse debate são, em sua essência, políti- cos. Outros estão diretamente relacionados às funções econômicas do SPE nas economias de mercado. Com relação a este último aspecto, destaca-se, por exem- plo, o fato de que não existe uma metodologia padrão para avaliar o desempenho financeiro e econômico das empresas que compõem o SPE, o que dificulta esse tipo de análise e, praticamente, impossibilita qualquer avaliação comparativa, dada a multiplicidade de fontes de informações que usam diferentes critérios ana- líticos. Um terceiro aspecto da referida controvérsia diz respeito a questões institu- cionais relacionadas com a estrutura e o funcionamento do SPE. Este artigo apre- senta três destas questões que estão no âmago de políticas públicas atuais, como * Artigo recebido em ou!. 1996 e aceito em mar. 1997. ** Professor adjunto 111 da Universidade Federal de Viçosa e PhD pela University 01' Bradford, Inglaterra. RAP RIO DE JANEIRO ,1(3):5-22. MAIO/JUN. 1997

Silva_1997_Objetivos-e-sistemas-de-contro_13198.pdf

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  • Objetivos e sistemas de controle de empresas estatais Alfredo Lopes da Silva Neto**

    Sumrio: I. Introduo; 2. A evoluo do SPE; 3. Objetivos das empresas estatais: 4. A necessidade do controle; 5. O SPE no Brasil; 6. Sumrio e concluses. Palavras-chave: empresas estatais; estatizao; finanas pblicas.

    Este artigo apresenta uma discusso de importantes questes que esto diretamente relacionadas com a organizao e o funcionamento de empresas estatais. A insero do conjunto dessas empresas nas modernas economias de mercado a principal justifica-tiva para o argumento desenvolvido. um fato bastante conhecido que os investimen-tos das empresas estatais brasileiras tm uma importante participao no PNB. Dessa forma, os fatores que afetam o desempenho operacional dessas empresas so parte de um assunto que deve interessar a amplos setores da sociedade brasileira.

    Objectives and controI systems of public enterprises This article intends to discuss important issues directly related to the organization and management of public enterprises. This is justified by the core position occupied by these enterprises in the modem market economies. It is a well known fact that the Bra-zilian public enterprise investments generate a relevant share 01' the GDP. Therefore, the elements that affect public enterprise operational performance should be a subject that pertains to key segments 01' the Brazilian society.

    1. Introduo

    o desempenho do setor produtivo estatal (SPE), tanto no Brasil quanto em v-rios outros pases, tem sido objeto de uma grande e inconclusiva controvrsia. Muitos dos argumentos que freqentam esse debate so, em sua essncia, polti-cos. Outros esto diretamente relacionados s funes econmicas do SPE nas economias de mercado. Com relao a este ltimo aspecto, destaca-se, por exem-plo, o fato de que no existe uma metodologia padro para avaliar o desempenho financeiro e econmico das empresas que compem o SPE, o que dificulta esse tipo de anlise e, praticamente, impossibilita qualquer avaliao comparativa, dada a multiplicidade de fontes de informaes que usam diferentes critrios ana-lticos.

    Um terceiro aspecto da referida controvrsia diz respeito a questes institu-cionais relacionadas com a estrutura e o funcionamento do SPE. Este artigo apre-senta trs destas questes que esto no mago de polticas pblicas atuais, como

    * Artigo recebido em ou!. 1996 e aceito em mar. 1997. ** Professor adjunto 111 da Universidade Federal de Viosa e PhD pela University 01' Bradford, Inglaterra.

    RAP RIO DE JANEIRO ,1(3):5-22. MAIO/JUN. 1997

  • o processo de privatizao. Dessa fonna, a segunda seo, a seguir, sugere que os inmeros problemas operacionais apresentados por essas empresas tm como ori-gem a diversidade de motivos que levaram o Estado a tornar-se um proprietrio de empresas. A terceira seo compara o processo de definio de objetivos em empresas privadas com aquele que ocorre em empresas estatais. Essa uma ten-tativa de mostrar as contradies e indefinies que decorrem da atuao empre-sarial do Estado. A quarta seo discute os problemas e os impactos que diferentes estruturas de controle tm sobre o desempenho das empresas estatais. Finalmente, o argumento da quinta seo que os problemas institucionais existentes no SPE de vrios pases tambm esto presentes no caso brasileiro.

    2. A evoluo do SPE

    Parece ser inegvel a rele\'ncia do SPE na alavancagem do processo de in-dustrializao. Como regra geral, essas empresas esto produzindo bens e servi-os to importantes, mas tambm to diferentes como ao, petrleo, eletricidade, telecomunicaes, transporte, servio postal, processamento de dados, produtos qumicos e muitos outros mais.

    Apesar da falta de homogeneidade estrutural, um ponto comum que une as di-ferentes empresas do SPE Q setor econmico onde elas esto localizadas: inds-trias bsicas e utilidades pblicas. Entretanto, esta no a nica similaridade entre estas empresas. Como regra geral elas so:

    a) oligopolistas ou monopoli~tas;

    b) intensivas em capital;

    c) de grandes propores em relao aos mercados de fatores e de produtos;

    d) capazes de gerar efeitos para trs ou para frente sobre a cadeia produtiva (United Nations, 1973; Vernon & Aharoni, 1981).

    A experincia mostra que nos pases subdesenvolvidos o Estado intervm no funcionamento do mercado na tentativa de acelerar o processo de industrializa-o. Para isso, alguns instrumentos de poltica econmica so usados com o obje-tivo de criar vantagens para o setor privado. A criao de empresas estatais um desses instrumentos e resulta da tentativa de implementar o mencionado objetivo. Isto acontece quando o setor privado no responde aos incentivos governamentais por falta de condies estruturais do sistema econmico. Sabe-se que os pases subdesenvolvidos, em sua maioria, apresentam mercados de capitais muito limi-tados. Alm disso, tm uma -:apacidade empresarial e gerencial bastante escassa (Farias Neto, 1994, capo 2).

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  • Assim, se por uma razo ou outra o capital externo tambm no se interessa pelo esforo de industrializao, a alternativa que resta o estabelecimento de uma empresa estatal. O Estado , nessa situao particular, o nico agente econ-mico que tem condies para mobilizar as poupanas necessrias e para assumir os riscos que no so bancados por investidores privados. Esse um forte argu-mento que explica a criao da maior parte das empresas estatais que produzem insumos bsicos e servios de utilidade pblica. De outro lado, naqueles setores onde o avano tecnolgico muito rpido (produtos qumicos e farmacuticos, biotecnologia, energia nuclear e solar etc.), o Estado tambm estabelece empresas estatais pela mesma razo ou, algumas vezes, em associao com o capital externo (jont ventllres).

    No nenhuma novidade que o mercado pode alocar recursos de uma maneira extremamente deficiente, desse modo dificultando o processo de industrializao. Essa uma conhecida falha de mercado que pode resultar de custos de produo decrescentes. Assim, quanto maior a empresa, maior a vantagem de custo, de for-ma que a atividade que tem como objetivo o lucro leva as outras empresas a se retirarem do mercado, exceto a maior delas, criando assim um monoplio natural. Em casos menos radicais, o resultado o aparecimento de oligoplios, com todos os males que esto a eles associados, tais como aes conjuntas para reduzir o n-vel de produo e/ou aumentar preos (Jones & Mason, 1982:24; Sheahan, 1975:205-33 e Jones, 1975: 13-8).

    Economias externas tambm podem resultar em importantes falhas de merca-do. Isso ocorre quando alguma atividade econmica gera custos (por exemplo, po-luio) e benefcios (por exemplo, treinamento de mo-de-obra) para a sociedade que no entram na contabilidade da empresa. Assim, mesm que, de um ponto de vista estritamente empresarial, custos marginais igualassem receitas marginais, eles seriam diferentes de um ponto de vista social mais amplo. Desta forma, existe um forte argumento para substituir a mo invisvel do mercado pela mo visvel do governo para aumentar o nvel de bem-estar da sociedade, restaurando as con-dies marginais de um ponto de vista social (Jones & Mason, 1982:26).

    Empresas monopolistas e oligopolistas tendem a aplicar seus excedentes em seu prprio processo de expanso, crescimento e diversificao. Essa uma im-portante justificativa para o processo de criao de empresas do SPE. Em deter-minados momentos histricos, algumas das mais lucrativas empresas estatais tiveram autonomia para criar novas subsidirias ou se associaram ao capital es-trangeiro na criao dejont ventllres. Nesse caso, novas empresas so estabeleci-das via crescimento interno e diversificao das antigas. Um estudo do Banco Mundial conclui que a maior parte das empresas estatais industriais criadas no Brasil depois de 1967 no setor de minerao e na indstria de transformao deve sua existncia ao processo de criao de subsidirias, algumas vezes empresas que so de terceira e quarta gerao (Ayub & Hegstad, 1987).

    As histrias da Petrobras e da CVRD so bastante ilustrativas desse processo. Nos meados da dcada de 60, a Petrobras era uma empresa domstica de explora-

    OBJETIVOS E SISTEMAS DE CONTROLE DE EMPRESAS ESTATAIS 7

  • o e refino de petrleo. Poucos anos depois, ela se transformou em uma impor-tante holdillg que controla ou tem significativa participao em mais de 70 empresas. De forma semelhante, a CVRD iniciou suas atividades como uma mo-desta empresa mineradora e exportadora de minrio de ferro. Nos anos 70, ela ini-ciou um movimento agre~sivo de criao de subsidirias e de participaes minoritrias na explorao de bauxita, alumnio, mangans, fosfatos, fertilizantes, celulose e titnio.

    Existem outras razes para a criao de empresas estatais. Uma das mais re-levantes a tentativa de atingir objetivos sociais atravs da organizao empresa-rial. Assim, em quase todo~ os pases subdesenvolvidos. empresas estatais foram criadas para promover objetivos sociais e de eqidade. incluindo redistribuio de renda, correo de desigualdades sociais e reduo do desemprego (Gillis, 1980:263).

    Tanto pases desenvolvidos quanto subdesenvolvidos criaram empresas esta-tais com o objetivo especfico de preservar o emprego. Como regra geral, isso foi feito via nacionalizao de empresas privadas deficitrias. Em muitos outros ca-sos, empresas estatais foram criadas por motivos ideolgicos ou de ordem polti-ca. Isso aconteceu. por exemplo, em pases industrializados como ustria, Inglaterra e Itlia, onde o processo de nacionalizao foi levado adiante para cum-prir programas de partidos polticos. Em alguns pases subdesenvolvidos, o so-cialismo foi identificado pelos governos nacionais como uma alternativa mais razovel do que as precrias economias de mercado locais. Assim. as empresas passaram a ser de propriedade do Estado, de forma que elas pudessem operar em benefcio dos interesses nacionais (Aharoni, 1977).

    3. Objetivos das empresas estatais As empresas estatais tm importantes objetivos a alcanar, independentemen-

    te das razes para as quais elas foram criadas. As questes relevantes aqui so:

    a) quais so estes objetivos)

    b) como foram definidos?

    c) de que forma as empresas estatais foram organizadas para cumprir esses obje-tivos?

    A resposta a estas perguntas crucial para a anlise de desempenho dessas empresas. essencial que os objetivos sejam bem definidos para que eles possam balizar a atuao dos administradores de empresas, dando-lhes uma indicao cla-ra para suas decises. De outro lado, o conhecimento desses objetivos um ele-mento importante para a determinao do critrio que pode ser usado na avaliao do desempenho.

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  • A estrutura orgnica das empresas estatais um elemento muito importante para a anlise dos objetivos dessas organizaes. Empresas privadas so estrutu-radas de uma outra forma no apenas porque os proprietrios so diferentes, mas tambm porque elas tm diferentes objetivos. Apesar da controvrsia terica, ao menos de acordo com a teoria neoc\ssica, no longo prazo os acionistas privados tentam maximizar lucros. I Esse um objetivo bem definido e a empresa organiza-se de forma a melhor alcan-lo.

    Do outro lado, a estrutura das empresas estatais tm duas caractersticas que esto na raiz dos seus problemas. Em primeiro lugar, como empresas, elas foram criadas para produzir e vender bens e servios no mercado. Assim, o ambiente operacional dessas empresas tende a ser semelhante quele que comum s em-

    . d 7 presas pnva as.-Segundo, como componentes do aparelho do Estado, elas esto sujeitas in-

    fluncia poltica e, como tal, elas podem ser usadas para alcanar objetivos pol-ticos. Dessa forma, empresas estatais so entidades que tm uma forma hbrida: por um lado, elas tm algumas caractersticas de empresas privadas e, por outro, elas podem ser levadas a operar como um tpico departamento governamental. Isso muito importante, porque o desempenho dessas empresas ir refletir esse fato e, portanto, qualquer critrio de avaliao de desempenho precisar lev-lo em conta (Abranches, 1979:97-8).

    Definindo objetivos para empresas privadas

    o processo de definio de objetivos para empresas privadas fornece alguns pontos de referncia importantes para a anlise do mesmo processo nas empresas estatais. Para isso, duas consideraes so necessrias. Primeiro, considere-se uma moderna empresa privada, onde a propriedade separada da administrao e onde os administradores so sujeitos disciplina do mercado. Isso quer dizer que o desempenho desses administradores ser avaliado pelos resultados da empresa e que h competio no mercado de executivos. Segundo. a interferncia de gru-pos de interesse no ser considerada. 3

    De maneira geral, a definio de objetivos em empresas privadas uma tarefa que depende de trs agentes: proprietrios, diretores e executivos. Esses agentes definem trs tipos de objetivos: primrios, estratgicos e operacionais.

    Os objetivos primrios so definidos pelos proprietrios e refletem as razes fundamentais da existncia da empresa. Alguns exemplos de objetivos primrios

    I Veja. por exemplo. Galbraith (1967). ~1arris (1964) e Baumol (1959). 2 Definindo-se por ambiente operacional as relaes comerciais COI11 clientes e fornecedores. bem corno o processo de tornada de decises que dizem respeito aos \rios aspectos do funcionamento de urna empresa. 3 Para urna excelente descrio da ao desses grupos de intercsse. "cr Pickering & Cockeril (1984:4).

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  • so: lucro; sobrevivncia da empresa; independncia de controle externo; cresci-mento da empresa no longo prazo. Cabe diretoria da empresa tomar medidas para que esses objetivos sejam alcanados. Para isso, ela elabora os objetivos es-tratgicos da empresa, que devem traduzir as diretrizes dos proprietrios de uma forma consistente, isto , sem conflitos entre si. A seguir, os objetivos estratgicos devem ser transmitidos aos executivos em todos os departamentos da empresa. Alguns exemplos de objetivos estratgicos so: planejar um novo produto; manter a participao da empresa em um determinado mercado; desenvolver esforos e iniciativas no sentido de aumentar as exportaes de um produto tradicional. Fi-nalmente, os executivos so responsveis pelos objetivos de curto prazo da em-presa e pela especificao de seus objetivos operacionais, tais como: cumprir rigorosamente os oramentos previamente definidos: cuidar para que a entrega das mercadorias cumpra os prazos e as condies firmadas com os clientes (Cooke & Slack, 1984:243).

    A experincia mostra que esse modelo apresenta pelo menos trs importantes vantagens. Em primeiro lugar. a principal caracterstica desse processo a descen-tralizao, onde os principais agentes so responsveis por suas decises. Segun-do, o modelo cria um mecanismo que traduz objetivos de longo prazo em outros de curto prazo. Terceiro, os conflitos relevantes tendem a ser eliminados ao longo desse processo. O quadro I mostra as relaes entre proprietrios, diretoria e exe-cutivos, bem como resume o processo de tomada de decises.

    Quadro I Processo de tomada de decises em empresas privadas

    Agente/funes

    Proprietrios

    Definir objeti~'os primrios

    Diretoria

    Estabelecer diretrizes estratgicas Controlar desempenho Nomear, advertir. premiar e exonerar executivos

    Executivos

    Implementar aes para operacionalizar objetivos

    Fonte Ayub & Hegstad ( 1987::121.

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    Caractersticas h~sicas

    Viso de longo prazo. no interferindo com o dia-a-dia da empresa Nomear e exonerar a diretoria Aprovar as contas anuais \1onitorar desempl:nho

    Viso de mdio prazo Definir estratgias Monitorar pellorl/lallce de perto. comparando-a com os objetivos previamente definidos

    Viso de curto prazo Desenvolver alternati\'as atravs de planos l: programas Administrar recursos Detalhar a tomada de decises e controlar o desempenho operacional

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  • Definindo objeti\'Os para empresas estatais

    Esse modelo de tomada de deciso tambm aplicado na gesto de empresas estatais. Isto possvel porque os trs agentes que tomam essas decises esto pre-sentes nessas empresas. Assim, o governo (proprietrio das empresas) incumbe-se da definio dos objetivos primrios, a diretoria trata de traduzi-los em objeti-vos estratgicos, e cabe aos executivos a tarefa final nesse processo, que a defi-nio de objetivos operacionais.

    Entretanto, o funcionamento adequado desse modelo em empresas estatais est sujeito a uma srie de condicionantes que nem sempre se verificam na prtica. Em primeiro lugar, como ser visto mais adiante, os sistemas desenvolvidos para controlar as empresas do SPE apresentam uma srie de ineficincias que acabam por se refletir na definio dos objetivos dessas empresas.

    Segundo, o governo formado por indivduos e instituies que, muitas ve-zes, interagem de forma contraditria. Em regimes democrticos, o processo po-ltico utiliza a negociao como caminho usual para harmonizar interesses antagnicos. Entretanto, isso no garante que as empresas estatais tenham objeti-vos primrios definidos de forma consistente.

    Em terceiro lugar, as empresas do SPE podem ser utilizadas pelo governo como instrumento de poltica econmica. Nesse caso, essas empresas podem atuar como um canal para a operacionalizao de metas de natureza micro e macroeco-nmicas. Aqui aparece um grande complicador que resulta da multiplicidade des-sas metas. Assim, empresas que foram constitudas para produzir bens e servios podem ser solicitadas a atuar como um instrumento da poltica de redistribuio de renda ou a colaborar com a poltica de estabilizao do nvel de preos ou em-prego (Rees, 1976; Werneck, 1987).

    No se nega que importantes efeitos macroeconmicos tm como origem o fato de as empresas estatais estarem localizadas em setores estratgicos da economia. Assim, essas empresas realizam elevados volumes de investimento que podem criar efeitos tanto para frente como para trs sobre a cadeia produtiva, podendo tambm influenciar e direcionar as variaes dos ciclos econmicos (Reichstul & Coutinho, 1983). Entretanto, o fato de terem sido utilizadas em vrios pases como instrumento de poltica macroeconmica tem dado origem a uma srie de conflitos com os obje-tivos empresariais propriamente ditos. A experincia mostra que a definio de ml-tiplos objetivos primrios para as empresas estatais tem sido uma pssima estratgia econmica, chegando a inviabilizar o SPE em alguns pases.-+

    4 o caso brasileiro ilustrativo desse efeito. Ver. por exemplo. Werneck (1987. caps. -+ e 6) e Fau-cher (1982).

    OBJETIVOS E SISTE~tAS DE CO:"TROLE DE E\tPRES.\S ES1".-\ TAIS 11

  • Como resultado da atuao de todas essas condicionantes, os objetivos prim-rios que so definidos para as empresas estatais costumam ser: inconsistentes; so-brepostos; mltiplos; sujeitos a alteraes estruturais que resultam de sbitas mudanas no quadro poltico.

    Para se perceber como o governo pode definir objetivos primrios para as em-presas estatais de forma vaga e inconsistente basta examinar os exemplos apresen-tados no quadro 2. Esses obJetivos foram levantados por Choksi (1979) em uma pesquisa que teve como objetivo detalhar o perfil do SPE em vrios pases subde-senvolvidos.

    Quadro 2 Lista parcial de objetivos primrios das empresas estatais

    I. Apoiar o processo de industrializao.

    2. Controlar monoplios do setor privado.

    3. Explorar as rc:sc:rvas de recursos naturais.

    4. Prover servios pblicos.

    5. Gerar lucros.

    6. Usar recurso, de forma eficiente.

    7. Evitar falnca, de empresas do setor privado.

    8. Evitar externJlidades negativas.

    9. Treinar mo-Je-obra qualificada.

    10. Gerar emprel,!o.

    11. Aumentar o n\ el de produo da empresa.

    12. Reduzir desigualdades de renda.

    13. Promover o de,envolvimento regional.

    14. Ajudar na estabilizao do nvel de preos. 15. Subsidiar a produo de cOlllll1odities. 16. Adotar inovaes tecnolgicas.

    17. Gerar/poupar divisas.

    18. Aumentar a exportao de produtos primrios.

    19. Trabalhar erro favor de causas socialistas.

    20. Compensar o poder dos empresrios nacionais.

    21. Aumentar a auto-suficincia nacional.

    22. Elevar o pre,tgio nacional.

    23. Implementar a poltica governamental.

    24. Promover a ,egurana nacional.

    25. Restringir a ao de multinacionais.

    Fonte: Choksi (1979 X).

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  • Pode-se facilmente perceber que nenhum desses objetivos fornece diretoria das empresas estatais uma orientao clara sobre prioridades ou metas a serem al-canadas. No entanto, considerando que o governo o proprietrio das empresas estatais, a partir desse tipo de orientao que a diretoria dessas empresas definir objetivos estratgicos. Isso crucial para empresas estatais, dado que esses obje-tivos esto diretamente relacionados com variveis operacionais relevantes que afetaro o desempenho dessas empresas.

    Objetivos conflitantes: problemas e solues

    Os objetivos estratgicos que resultam da ao da diretoria das empresas es-tatais deveriam ser no apenas consistentes, mas tambm viveis. Entretanto, como resultado dos problemas com a definio de objetivos primrios, esses ob-jetivos estratgicos podero ser conflitantes.

    Assim, os executivos das estatais tm de lidar com os conflitos no resolvidos pelos nveis hierrquicos superiores. Em uma outra situao, tal como os executi-vos das empresas privadas, esses tomadores de deciso estariam cuidando da ope-racionalizao de metas previamente definidas. Com ou sem conflitos, o resultado final desse processo de tomada de decises a atividade operacional, com bens e servios sendo produzidos e vendidos no mercado. Portanto, em empresas esta-tais, os objetivos mltiplos e conflitantes so em nmero muito maior do que nas empresas privadas. Esse um problema central na anlise de desempenho dessas empresas (Jones, 1991).

    Em alguns pases, a ocorrncia de objetivos conflitantes no nvel operacional justifica o pagamento de compensaes s empresas estatais. Isso ocorre quando a atividade comercial de uma estatal tem de conviver com uma atividade de natu-reza no-comercial. Por exemplo, algumas empresas estatais de transporte ferro-virio operam um segmento comercial que o transporte de carga e, muitas vezes, so obrigadas a praticar tarifas subsidiadas para o transporte urbano de passagei-ros. Entretanto, em muitos casos, o pagamento de compensao no vivel, dado que ele exige a correta identificao e quantificao dos objetivos sociais que es-to sendo executados pela empresa.

    Em outros casos, as empresas estatais adotam a prtica de subsdios cruzados como um mecanismo compensatrio para os objetivos conflitantes. Se isso acon-tecer, o pagamento de subsdios pelo governo ser desnecessrio e criar uma ou-tra fonte de ineficincia na economia (Aharoni, 1986: 143: Rees, 1976, capo 2).

    Conflitos de objetivos tambm podem ser eliminados atravs de um processo de negociao entre empresas estatais e governo. Os chamados contratos de ges-to foram uma tentativa do governo francs de aumentar a eficincia do processo de tomada de decises nas empresas estatais daquele pas. Devido aos bons resul-tados que apresentaram, tm sido adotado em vrios outros pases, tanto desenvol-vidos quanto subdesenvolvidos. Um contrato de gesto pode ser firmado quando o governo e uma empresa estatal discutem a natureza e as causas dos conflitos de

    OBJETIVOS E SISTEMAS DE CONTROLE DE EMPRESAS ESTATAIS 13

  • objetivos. O principal resultado dessa discusso um contrato onde os conflitos so claramente definidos e onde as partes estabelecem condies para a sua eli-minao. Geralmente, essas negociaes resultam em um melhor conhecimento dos efeitos que objetivos sociais tm sobre o desempenho de empresas estatais. Isso ocorre porque o contrato de gesto um compromisso firmado antes do incio do processo de produo. A~sim. possvel antecipar potenciais conflitos, dando-se aos negociadores tempo para pensar em procedimentos para a sua resoluo (Shirley, 1983:77-87: Shirley & Nellis. 1991, capo 2).

    4. A necessidade do controle

    A questo do controle da~ empresas estatais um outro aspecto institucional que est diretamente relacionado com o desempenho dessas empresas. Diferentes motivos justificam a criao de sistemas que tm como objetivo monitorar as ati-vidades operacionais dessa~ empresas. Em primeiro lugar, destaca-se o fato de que as estatais foram constitudas com dinheiro pblico. Portanto, um sistema de controle precisa monitorar o cumprimento de objetivos estabelecidos pelo gover-no (Farias Neto. 1994. capo ').

    Segundo, ao contrrio das empresas privadas. as estatais no esto sujeitas disciplina do mercado. Portanto. elas no esto ameaadas por um processo de fa-lncia ou incorporao por outras empresas. Esse quadro no cria uma relao li-near entre empresas estatai-; e ineficincia administrativa, mas, eventualmente, isso poder ocorrer. Nesse caso, uma empresa deficitria poder ser o resultado final de uma administrao incompetente. Se isso acontecer. o governo ter de fi-nanciar essa ineficincia atravs da transferncia de escassos recursos do Tesouro Nacional. Em alguns pase~. essa uma importante fonte de dficit pblico e, como resultado, de desequilbrios macroeconmicos.

    Terceiro, uma situao oposta poder resultar de uma administrao compe-tente que leve uma empresa estatal a operar com altas taxas de lucro. Dado que a maior parte das empresas estatais oligopolista ou monopolista. o processo de di-versificao de atividades dever ser uma sada natural. Isso se traduzir num pro-cesso de criao de novas subsidirias ou participao no capital de outras empresas. A experincia tem mostrado que, em alguns casos. a diversificao des-sas empresas pode diferir frontalmente de importantes objetivos governamentais.

    Finalmente, uma empre-;a estatal que tenha grande autonomia pode no inte-ressar a certos propsitos polticos. Uma empresa com esse perfil tende a resistir ao estabelecimento de objetivos sociais que conflitem com objetivos comerciais. Esse um momento em que ficam explcitas a natureza e a origem de objetivos conflitantes. De qualquer forma, o governo, que o proprietrio da empresa, pode reconhecer nela um instrumento para a execuo de alguns de seus inmeros ob-jetivos sociais.

    Algumas questes rele\ antes aparecem quando o controle de empresas esta-tais o objetivo da anlise:

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  • a) qual deve ser o melhor sistema de controle?

    b) como possvel resolver a incompatibilidade entre autonomia e controle?

    c) como pode o governo controlar empresas estatais sem interferir em seus obje-tivos estratgicos e operacionais?

    d) quem deve exercer o controle?

    e) qual mtodo de controle deve ser empregado?

    Estruturas de controle

    o controle das empresas estatais organizado em duas grandes estruturas ins-titucionais: a ministerial e a parlamentar. No que diz respeito eficcia dessas es-truturas, no existe um padro estabelecido ou um modelo a ser recomendado. Diferentes pases adotam uma ou outra dessas estruturas em funo de sua tra-dio de organizao administrativa e poltica. Em outros pases. os sistemas institucionais de controle podem ser complementados por outras organizaes go-vernamentais ou no-governamentais. De particular importncia so os tribunais de conta, os sindicatos de trabalhadores e as organizaes de fornecedores ou con-sumidores.

    O controle ministerial bastante conhecido e utilizado. em pases tanto desen-volvidos quanto subdesenvolvidos. Nesse caso, cada empresa estatal formal-mente ligada a um ministrio setorial que define seus objetivos primrios e que se encarrega da avaliao de seu desempenho. A escolha desse ministrio pode ser complicada nos casos em que a empresa estatal produz bens ou servios que dife-rem quanto s suas caractersticas bsicas (Hanson. 1965 :366).

    Faz parte da estrutura do controle ministerial a participao do ministro da Fa-zenda (e/ou Planejamento). Isso se justifica porque a ao conjunta das empresas estatais pode afetar o equilbrio de importantes variveis macroeconmicas. tais como o nvel de preos, a oferta de moeda, a taxa de juros ou o balano de paga-mentos. Alm disso, existe uma relao direta entre os resultados financeiros das empresas estatais e o oramento fiscal, que se d quando o governo transfere ca-pital ou paga subsdios a essas empresas ou quando essas pagam dividendos ao seu principal acionista.

    A experincia mostra que o controle ministerial apresenta uma srie de distor-es que vem afetando o desempenho de empresas estatais em vrios pases. Ge-ralmente, isso resultado da ao dos ministrios setoriais que:

    a) tendem a intervir no dia-a-dia da administrao das empresas estatais:

    OBJETIVOS E SISTEMAS DE CONTROLE DE EMPRESAS EST..\TAIS 15

  • b) tm uma estrutura tcnica insuficiente para supervisionar empresas estatais de grande porte;

    c) tendem a ser cooptados pelas empresas estatais e, nesse caso, passam a defen-der interesses corporativistas, em vez de investir tempo e recursos na atividade de controle dessas empresas I Cnited Kingdom, 1968: 10).

    o controle parlamentar funciona como um complemento do controle ministe-rial e pode ter grande importncia na promoo da transparncia das atividades das empresas estatais. Em pases de tradio parlamentarista como a Inglaterra, o Parlamento o organismo responsvel pela aprovao das contas das empresas estatais. Nesse caso, os parlamentares podem criar comisses de inqurito ou con-vocar os dirigentes das empresas estatais para prestarem depoimentos que se fize-rem necessrios. 5

    Centralizao versus descenrrali::.ao

    As estruturas de controle necessariamente interferem no processo de tomada de decises que ocorre diariamente em todos os nveis hierrquicos de uma em-presa estatal. Essa interferncia pode ser de tal ordem que elimina toda a autono-mia que diretores e executivos dessa empresa precisam ter para tomar decises. Essa extrema centralizao do processo decisrio uma das piores distores que podem ser criadas pelas estruturas de controle.

    Nesse caso, as estatais perdem toda a sua capacidade de operar como empre-sas e so transformadas em ~imples organismos governamentais. sujeitos a todo tipo de regulamento e controle burocrtico. Certamente, esse no o ambiente adequado para o funcionamento de uma empresa, onde a agilidade nas decises imprescindvel e o risco e a incerteza sempre estaro presentes.

    Existe uma incompatibilidade bsica entre o tipo de controle que funciona no servio pblico e aquele que prevalece em empresas privadas. O primeiro carac-terizado pela obedincia a regras e regulamentos. Por sua vez, o desempenho do burocrata avaliado pelo processo rituaIstico que cumpre, no pelos resultados que alcana. Ao contrrio, em empresas privadas, diretores e executivos sero avaliados com base nos resultados financeiros das empresas, pois isso o que in-teressa aos acionistas. Assim, se uma empresa estatal um ser hbrido, com uma

    5 A Inglaterra um pas que tem U'lla longa e rica tradio de participao de empresas estatais na economia. Como resultado, existe uma vasta literatura que analisa o processo de criao. evoluo e desempenho das estatais inglesa,. Sem tentar exaurir o assunto, alguns dos melhores trabalhos que analisam a experincia britn:ca podem ser encontrados em: United Kingdom (1961, 1967, 1968, 1976 e 1978); Curwen (198t): Coombes ( 1966): Foster ( 1971): Rcdwood & Hatch (1982): Tivey (1973) e Robson (1960).

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  • face privada e outra estatal, um sistema de controle viesado pode eliminar a sua face privada, prevalecendo apenas a estatal (Ayub & Hegstad, 1987:32).

    Estruturas de controle com tais caractersticas acabam por criar um crculo vi-cioso: a centralizao piora o desempenho das empresas. Isso, por sua vez, obriga o governo a criar novos controles, que diminuem a capacidade de ao dos dire-tores e executivos da empresa estatal. O resultado vir a seguir, na forma de uma reduo de desempenho.

    Tudo indica que as estruturas de controle precisam ser mais descentralizadas. De outro lado, o grande problema encontrar um grau de descentralizao que consiga abranger dois resultados ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, permita que os dirigentes das estatais tenham um grau de autonomia adequado para a de-finio e execuo dos objetivos estratgicos e operacionais da empresa. Em se-gundo lugar, seja suficientemente transparente para que auditores tanto estatais quanto privados tenham todas as condies para avaliar as contas das empresas estatais. Em muitos pases, essa transparncia aperfeioada atravs do exame dessas contas pelo Poder Legislativo.

    Tudo indica que as estruturas de controle precisam ser organizadas de forma a refletir o grau de complexidade dos objetivos das empresas estatais. Assim, di-ferentes indicadores devem ser usados na avaliao de desempenho, se elas forem constitudas para alcanar diferentes objetivos. Se o governo deve evitar interferir na administrao do dia-a-dia das empresas, por sua vez os dirigentes dessas em-presas precisam estar cientes de que os resultados de suas decises sero devida-mente avaliados (Menon & Umapathy, 1987:287-304).

    Problemas de coordenao

    A falta ou a dificuldade de coordenao um problema adicional que est re-lacionado ao funcionamento das estruturas de controle. Isso pode ocorrer quando as empresas estatais so numerosas e atuam em vrios setores produtivos. Uma tentativa de solucionar o problema que vem sendo adotada em alguns pases a criao de empresas holding. A recomendao para a criao dessas empresas parte da expectativa de que elas podem desempenhar alguns dos seguintes objeti-vos:

    a) atuar como um amortecedor contra excessiva interferncia poltica;

    b) promover efetiva coordenao do processo de tomada de deciso, melhorando a operacionalidade e a disciplina financeira das empresas controladas;

    c) criar uma mentalidade empresarial entre os executivos dessas empresas, remu-nerando adequadamente pelos resultados alcanados e penalizando pelo que dei-xar de ser feito;

    OBJETIVOS E SISTEMAS DE CONTROLE DE EMPRESAS EST ATAIS 17

  • d) criar economias de escala para as empresas controladas, por exemplo, atravs da negociao de contratos de exportao ou contratos de emprstimo de longo prazo, reduzindo, dessa forma, os custos financeiros dessas empresas.

    Uma outra alternativa para lidar com os problemas de coordenao foi o esta-belecimento de agncias governamentais especializadas no controle do setor de empresas estatais. Em alguns casos, essas agncias substituem os ministrios se-toriais e desempenham plenamente a funo de controle. Em outros, elas exercem um papel mais restrito, controlando atividades bsicas, como as decises de inves-timento e o desempenho financeiro das estatais (Shirley, 1983: I 0-20).

    5. O SPE no Brasil

    Os objetivos e estruturas de controle das empresas estatais brasileiras tm me-recido a ateno de vrios analistas. Diferentes estudos trataram dessas questes atravs de diferentes abordagens, ora enfatizando os problemas do setor como um todo, ora chamando ateno para um determinado estudo de caso (Trebat, 1978 e 1983; Raw, 1985; Abranches. 1979; Piquet Carneiro. 1977; Bates, 1975; Carva-lho, 1975; Evans, 1977:43-64; Tendler, 1966; Venncio Filho, 1968).

    No Brasil, como na maioria dos outros pases, o controle ministerial encarre-ga-se da superviso das atividades das empresas estatais. Essa estrutura de contro-le apresenta algumas caractersticas prprias no caso brasileiro. Em primeiro lugar, o Congresso Nacional pouco se envolve na avaliao de desempenho das empresas estatais. Assim, o controle dessas empresas centralizado nos minist-rios setoriais, com todas as vantagens e desvantagens j mencionadas desse tipo de estrutura.

    Em segundo lugar, na tentativa de evitar o agravamento dos problemas de co-ordenao, empresas holding foram criadas e incorporadas estrutura de controle dos ministrios setoriais. Essas empresas holding (Eletrobrs, Telebrs etc.) pas-saram a desempenhar importantes funes relacionadas com as estratgias de in-vestimento e financiamento (Trebat, 1983:96).

    At meados dos anos 70, o controle ministerial adotado no Brasil deu origem a um sistema onde algumas empresas estatais tinham um grau substancial de au-tonomia. De fato, algumas estatais brasileiras puderam financiar seus projetos de investimento e adotar uma estrutura de tomada de decises sem grande interfern-cia dos organismos de controle.

    Essa autonomia foi reduzida no incio dos anos 80, quando o governo brasi-leiro reconheceu que as atiVIdades das suas empresas estavam afetando o nvel de algumas variveis macroeconmicas muito importantes. O desequilbrio macroe-conmico da poca, caracterizado pelo dficit no balano de pagamentos e a ace-lerao das taxas de inflao. foi relacionado com a autonomia de que gozavam as empresas estatais. Dessa forma, o governo teve de fazer alguns ajustes na es-trutura de controle, de forma que essas empresas pudessem se adaptar a um con-

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  • texto de poltica fiscal muito mais restrito. A criao da Secretaria de Controle das Empresas Estatais (Sest) teve como principal objetivo aumentar a interferncia do governo na definio de questes-chave, tais como os nveis de investimento e en-dividamento do setor de empresas estatais brasileiras.

    O grande desafio de uma agncia de controle desse tipo desempenhar suas atividades sem retirar a autonomia que as empresas estatais devem ter para definir e implementar seus objetivos estratgicos e operacionais. Os efeitos macroecon-micos criados por empresas estatais sem qualquer autonomia costumam ser muito srios. No se deve esquecer do fato de que essas empresas esto localizadas em setores que produzem insumos industriais bsicos e servios de utilidade pblica da maior importncia. Dessa forma, elas so responsveis por uma importante fa-tia do PIB e pela capacidade que a economia tem para gerar empregos. Parece que a questo central encontrar um ponto de equilbrio no relacionamento entre em-presas estatais e governo. Esse ponto de equilbrio vital, pois o sistema de con-trole precisa assegurar tanto o interesse pblico quanto a determinao de um nvel adequado de autonomia que permita s empresas cumprir seus objetivos fundamentais.

    6. Sumrio e concluses

    Considerando as caractersticas acima descritas, possvel afirmar que as em-presas estatais podem, inegavelmente, ter um importante papel no processo de de-senvolvimento econmico. Elas podem ajudar tanto a acelerar esse processo, quanto a criar-lhe obstculos. Esse ltimo efeito pode ser conseqncia do mau desempenho de algumas dessas empresas. O resultado final pode ser o surgimento ou o agravamento de desequilbrios em importantes variveis macroeconmicas.

    Assim, um cenrio bastante familiar em pases subdesenvolvidos decorre das transferncias governamentais para cobrir dficits de empresas estatais. Esses subsdios tm de ser financiados por um aumento de impostos, por endividamen-to, por emisso de moeda, ou por um corte de outros gastos pblicos essenciais. um fato conhecido que nenhuma dessas fontes de financiamento isenta de im-pactos negativos sobre o sistema econmico.

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