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Sim a Deus, Sim à Vida - Ziel Machado

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O crescimento da Igreja Evangélica tem promovido um debate qualitativo — alguns o consideram como algo positivo e dinamizador da sociedade civil, enquanto outros o veem com suspeita e o colocam sob um rótulo genérico de “retrocesso”. O fato é que tal crescimento é uma realidade e a sociedade brasileira será impactada por este processo. Qual será, então, o aporte social deste segmento da igreja cristã no Brasil? Com esta pergunta nas mãos, Ziel Machado se debruçou sobre a conjuntura dos anos 1980, época marcada por abertura política e profunda crise econômica. Estas circunstâncias possibilitaram uma maior politização da sociedade brasileira e o surgimento de vários grupos sociais ativos, entre os quais certos segmentos evangélicos. Abandonando a postura histórica de não envolvimento, passaram a atuar politicamente com maior intencionalidade, aproximando-se das propostas defendidas pelo campo democrático popular e formando uma nova esquerda confessante.

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Copyright © Editora Novos Diálogos, 2011

Equipe EditorialClemir Fernandes | Flávio Conrado | Wagner Guimarães

Capa e DiagramaçãoOliverartelucas

Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados.Editora Novos DiálogosCaixa Postal 24.127Rio de Janeiro - RJCEP 20.550-970

Site: www.novosdialogos.comTwitter: @NovosDialogosFacebook: http://www.facebook.com/novosdialogos

Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Machado, Ziel Sim a Deus, sim à vida : evangélicos redescobrem a sua cidadania / Ziel Machado.- Rio de Janeiro : Novos Diálogos, 2011.

158p. ; 23cm. (Coleção protestantismo e sociedade).

ISBN: 978-85-64181-08-3

Evangélicos ——- Crescimento. 2. Evangélicos—— Missão. I. Tí-tulo. II. Título : Evangélicos redes-cobrem sua cidadania. III. Série.

CDD 284

Índice para catálogo sistemático :1. Protestantes: 284

M 149 s

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À Solange, Thiago, Lucas e Sarah,

Com toda certeza, vocês valemmuito mais!

...até que corra a justiça como um riacho perene.— Amós 5.24

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SUMÁRIO

Apresentação ............................................................................................09

Agradecimentos ........................................................................................11

Introdução ...............................................................................................13

CAPÍTULO 1 O crescimento da comunidade evangélica e seu impacto social .........17

CAPÍTULO 2 Conceitos de missão: conflitos e mudanças .......................................29

CAPÍTULO 3 Da margem ao compromisso: trajetória progressista ..........................47

CAPÍTULO 4 Diferenciação e mobilização: a opção progressista .............................61

CAPÍTULO 5 Mobilização política: pé na estrada ....................................................77

CAPÍTULO 6 Santidade e cidadania .......................................................................93

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Conclusão ..............................................................................................103

Referências Bibliográficas .......................................................................107

Anexo ....................................................................................................115

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9APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

Entre os vários segmentos dinâmicos da sociedade brasileira, um em espe-cial vem despertando interesse: os cristãos evangélicos e o seu crescimento. O que antes era considerado uma minoria relativamente silenciosa, hoje tem se transformado em um contingente que se faz notar. O crescimento do núme-ro de fiéis, o multiplicar de seus templos por todas as cidades do país, a forte presença na mídia e as muitas histórias de conversão e transformação pessoal, que já não se limitam a um universo de anônimos, são alguns aspectos que estimulam a curiosidade e inquietam aqueles que se dispõem a refletir sobre o que está acontecendo neste segmento da sociedade brasileira.

O crescimento da Igreja Evangélica tem promovido um debate qualitativo — alguns o consideram como algo positivo e dinamizador da sociedade civil, enquanto outros o veem com suspeita e o colocam sob um rótulo genérico de “retrocesso”. O fato é que tal crescimento é uma realidade e de alguma forma a sociedade brasileira será impactada por este processo. Qual será, então, o aporte social deste segmento da igreja cristã no Brasil?

Com esta pergunta nas mãos me debrucei sobre um período da história social do país, a conjuntura dos anos 1980, a qual foi marcada por uma maior abertura política e uma profunda crise econômica. Estas circunstâncias possibilitaram uma maior politização da sociedade brasileira e o surgimento de vários grupos sociais ativos. Entre os novos atores sociais, estavam certos segmentos evangélicos que, de forma geral, eram conhecidos até então como um segmento de pouco ou nenhum envolvimento social.

A característica de não envolvimento deliberado nas questões políticas possibilitou uma forma de ver e entender o segmento evangélico como pos-

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10 SIM A DEUS, SIM À VIDA — EVANGÉLICOS REDESCOBREM SUA CIDADANIA

suidor de um perfil político-ideológico único, com um tipo de aporte social perfeitamente previsível. O consenso geral era de que tratando-se de cristãos evangélicos na política já se sabe, a priori, que posição irão tomar e ao lado de que forças sociais estarão mobilizados. A realidade, contudo, mostrou-se um pouco mais dinâmica do que as ideias estabelecidas. Abandonando a postura histórica de não envolvimento, um segmento da igreja evangélica brasileira passou a atuar politicamente com maior intencionalidade, aproximando-se das propostas defendidas pelo campo democrático popular e formando uma nova esquerda confessante. Estes grupos se apresentavam como sendo porta-dores de uma compreensão teológica de seu lugar no mundo expressa no seu conceito de Teologia da Missão Integral, na qual mantinham uma confissão teológica evangélica conservadora aliada a um discurso político considerado, naquele momento, como progressista.

A organização desta esquerda confessante abriu um novo leque de possibi-lidades quanto ao futuro político desta comunidade evangélica e de seu apor-te social, expressos no compromisso com a justiça no país. É sobre estes novos atores sociais, sua história, dilemas e possibilidades que este livro se ocupa.

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11AGRADECIMENTO

AGRADECIMENTOS

O trabalho que deu origem a esse livro se tornou possível devido à ajuda de um grupo muito especial de pessoas ao qual quero reiterar meus agrade-cimentos. Em primeiro lugar sou grato aos meus pais, Ziel Paiva Machado e Stella Maris de Oliveira Machado. Ela não está mais conosco, mas en-quanto por aqui esteve, juntamente com meu pai, foi fonte de estímulo e confiança.

Agradeço o apoio recebido dos membros da Igreja Metodista Livre da Saúde, que além de tornar economicamente possível este projeto, me per-mitiram ter acesso a um lugar isolado necessário para a produção do texto; e com palavras de encorajamento, me impulsionaram até o fim. Da mesma forma, sou grato aos companheiros da Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), pela compreensão e o empenho que tornaram possível escrever na época a dissertação, reduzindo a pressão da agenda de trabalho e conceden-do-me uma licença, que foi o fôlego final de que precisava.

Quero expressar minha gratidão aos companheiros do Programa de Pós--Graduação em Ciências da Religião, pois nas horas que fugiam o ânimo e as ideias, encontrei apoio para seguir adiante. Em especial, quero agradecer aos professores Dr.ª Maria José Fontelas R. Nunes , Dr. Ênio José da Costa Britto e Dr. José Queiros que, desde os primeiros esboços deste trabalho, brindaram-me com valiosa atenção e estímulo.

Na elaboração do trabalho que originou este livro pude contar com um apoio especializado de amigos como John Griffin, Leila Barbosa, Alexandre Brasil Fonseca, Daniela Frozi e do Dr. Paul Freston. Fica aqui minha grati-dão pelo tempo que vocês gastaram comigo. E ao falar de tempo, agradeço a

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12 SIM A DEUS, SIM À VIDA — EVANGÉLICOS REDESCOBREM SUA CIDADANIA

paciência da família mais ampla que compreendeu minha ausência por um bom período.

Chegar ao fim da dissertação foi um exercício de paciência e determi-nação, qualidades que pude visualizar na orientação cuidadosa que recebi do prof. Dr. Luiz Eduardo Wanderley. Sou-lhe profundamente grato por ter podido receber sua ajuda naquele período de aprendizado na arte do estudo.

De forma muito especial, quero finalizar estes agradecimentos dedicando--os a Solange, Thiago, Lucas e Sarah, que participaram comigo de todo o processo. Sem o suporte emocional que vocês me deram, nenhuma linha seria escrita. Vocês foram e são fundamentais.

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13INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, as igrejas evangélicas têm despertado o interesse de vários setores da sociedade brasileira. As características de sua expansão, e as implicações decorrentes de seu crescimento, têm proporcionado uma série de novas perguntas para os interessados em estudar as transformações sociais que o país vem atravessando, e em saber com que novas forças o país poderá contar para a consolidação de uma sociedade democrática.

Uma destas transformações tem sido o abandono progressivo da postura tradicional evangélica em relação à sua participação política. A partir dos anos 1980, o ingresso na política se intensificou, sendo as eleições para a As-sembleia Constituinte um marco importante desta nova fase, uma vez que o Brasil passa a ser a primeira experiência de presença parlamentar significativa de uma minoria protestante, num país de tradição católica.

O momento de intensa politização do país, marcado por greves, surgimen-to de novos partidos e organizações sindicais, reformulação da Constituição, eleições diretas para todos os níveis, e o agravamento das condições sócio--econômicas, atingiu também a igreja evangélica. Esta viu surgir, dentro de suas fileiras, grupos identificados com distintos projetos de sociedade. Estes diferentes grupos, ao se organizarem, revelaram uma pluralidade ideológica, que foi motivo de surpresa para muitos, uma vez que consideravam a comu-nidade evangélica como possuidora de uma orientação política conservadora — portanto, com um destino político definido.

Os setores identificados com as propostas do campo democrático popular procuraram desenvolver uma dupla frente de militância: na sociedade, forta-lecendo a luta por transformações que priorizassem a justiça social e, no inte-

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14 SIM A DEUS, SIM À VIDA — EVANGÉLICOS REDESCOBREM SUA CIDADANIA

rior de seu segmento religioso, procuraram recuperar a tradição evangélica de protesto e participação no processo de transformação social. A novidade deste movimento está no fato de professarem uma convicção teológica evangélica conservadora (diferente das posturas teológicas de outros grupos cristãos de esquerda) aliada a um discurso político progressista. Desta forma, nos anos 1980, viu-se o surgimento de uma esquerda evangélica com fortes vínculos com suas comunidades, buscando ocupar espaços em partidos, sindicatos e participação ativa nos movimentos sociais de protesto.

A pesquisa que originou este livro buscou compreender as circunstâncias e possíveis causas que possibilitaram o surgimento deste segmento progressista na igreja evangélica. A pesquisa desenvolvida analisou um segmento especí-fico desta igreja, formado por intelectuais, estudantes e profissionais liberais que professam ao mesmo tempo uma teologia conservadora, denominada Teologia da Missão Integral, e se identificam com as propostas políticas do campo popular democrático, formando assim uma esquerda confessante.

Escolhemos um caminho metodológico que privilegiou a observação par-ticipante em vários eventos promovidos por grupos ligados a esta corrente, entre os anos de 1992 e 1997. Foram realizadas também três entrevistas com candidatos oriundos deste setor. Foi aplicado um questionário no 1º. Encon-tro Nacional do Movimento Evangélico Progressista, obtendo-se 111 respos-tas. Analisamos, ainda, todas as atas do Comitê de Campanha Evangélico Pró-Lula de São Paulo, e impressos disponíveis dos setoriais evangélicos do Partido dos Trabalhadores e do Partido Popular Socialista. Coletamos dados em acervos do antigo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), na documentação produzida pelo Instituto de Estudos da Religião (Censo Institucional Evangélico e Novo Nascimento) e na bibliografia dispo-nível sobre a temática.

O resultado deste processo de investigação está organizado neste livro em duas partes. Na primeira parte, o foco se centra nas afirmações evangélicas progressistas de que, ao se tornar cristão, o cidadão não anula sua preocu-pação pela sociedade. Dizer sim a Deus implica necessariamente dizer sim à Vida. O primeiro capítulo trata do crescimento evangélico e da polêmica em torno de seu significado e seu potencial de impacto na sociedade. No segun-do capítulo, discutimos o processo de mudança institucional da igreja e de como se dá o conflito entre distintas concepções de missão presentes na mes-ma, o que produzirá modelos diferenciados de relação com a sociedade. No

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15INTRODUÇÃO

terceiro capítulo, procuramos traçar a trajetória do atual progressismo evan-gélico, estabelecendo as principais influências recebidas por este movimento.

Na segunda parte, procuramos focalizar a mobilização deste segmento, que procura fazer uma diferenciação da imagem política predominante da comunidade evangélica, e passa a se organizar em diversas instituições am-pliando sua participação social. No quarto capítulo, analisamos o processo político da sociedade brasileira nos anos 1980 e suas influências sobre a co-munidade evangélica, o tipo de diferenciação que este novo segmento faz e o que entende por progressismo. No quinto capítulo, discutimos a forma-ção do movimento mais expressivo deste segmento na época, o Movimento Evangélico Progressista (MEP), a experiência eleitoral dos progressistas em São Paulo, os comitês evangélicos pró-Lula e as tensões presentes na deci-são de se votar na esquerda. No sexto capítulo, apresentamos a relação entre “santidade” e “cidadania”, enfatizando a compreensão dos progressistas sobre o modelo de santidade encarnacional que assume uma solidariedade com toda a realidade criada, que não nega o mundo mas envolve-se, buscando sua plena restauração.

Nas considerações finais, apontamos para o fato de que a comunidade evangélica não está alheia ao processo de politização experimentado pela so-ciedade brasileira, e que, devido à natureza de sua expansão, a mesma passa por um processo de sensibilização social que a levou a buscar alternativas através da participação ativa na sociedade. Neste empenho participativo, os setores identificados com a Teologia da Missão Integral encontram nas propostas do campo democrático popular uma afinidade ideológica, o que permite a formação de uma esquerda confessante que os leva a assumir um compromisso com um projeto de cidadania que busca garantir os direitos civis, sociais e econômicos de toda a população.

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17O CRESCIMENTO DA COMUNIDADE EVANGÉLICA E SEU IMPACTO SOCIAL

CAPÍTULO 1

O CRESCIMENTO DA COMUNIDADE

EVANGÉLICA E SEU IMPACTO SOCIAL

A proliferação das seitas protestantes, promovendo o espírito gregário, a solidariedade e a autoproteção, como demonstrou o censo recente do ISER, é o sinal evidente de que uma verdadeira sociedade civil, com novas redes de interação, está nascendo. Enquanto o Estado se enxuga até o limite de só lhe restar pele e osso, a sociedade organizada se expande.— Aspásia Camargo, Folha de São Paulo, 27/11/95.

EVANGÉLICOS EM NÚMEROS

O crescimento da comunidade evangélica1 tem despertado o interesse de vários segmentos da sociedade brasileira. Políticos, presidiários, atletas, ar-tistas, estão entre aqueles que vão se incorporando a esta comunidade que

1 Neste trabalho usarei os termos protestante e evangélico como sinônimos, seguindo a orientação de Freston (1993: 1), segundo o qual “A autoidentifi cação problemática refl ete uma identidade forjada em oposição à igreja dominante e a falta de unidade interna. Esta decorre não só da concorrência missionária original, mas do crescimento rápido no qual todos os grupos encontram um lugar ao sol. A segmentação resultante precisa ser comple-mentada por uma identidade unifi cadora. “Evangélico” é a identifi cação que une e permite ações conjuntas; e o nome denominacional (“batista”, “metodista” etc.) é a identifi cação que diferencia e justifi ca a existência de organizações múltiplas”.

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tem aumentado sua visibilidade: seja por meio da mídia2, ou da expansão numérica de seus templos e membresia, e mais recentemente por uma maior atividade no campo da política partidária.

Trabalhos de pesquisa, como os coordenados pelo Instituto de Estudos da Religião (1992; 1996), mostram características deste crescimento em termos de sua penetração nos setores pobres e marginalizados da sociedade, como também o efeito de sua mensagem no campo social, político e religioso. O Censo Institucional Evangélico da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (CIN) apresentou dados que mostravam um ritmo de crescimento, entre 1990 e 1992, de 5 novos locais de culto por semana. Num universo de 85 di-ferentes denominações foram encontrados 3.477 templos: 61% pentecostais e 39% protestantes históricos. Dados como este têm levado alguns autores a se perguntar se estaria ocorrendo uma “explosão evangélica” na América Latina (Stoll, 1990) ou uma “protestantização” da América Latina (Martin, 1990).

No segundo semestre de 1996 o Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE) divulgou os resultados do Censo de 1991. A presença evan-gélica, que em 1980 representava 6,62% da população (7.885.846), passou para 8,56% ou 12 milhões e meio de habitantes. Conforme a tabela abaixo:

Religião 1980 1991 2000N % N % N %

CATÓLICA ROMANA 105.861.113 88,95 121.812.771 82,97 124.976.912 73,60Outra Cristã Tradicional - - 553.949 0,38 - -Evangélica Tradicional 4.022.343 3,38 4.388.284 2,99 7.159.383 4,22Evangélica Pentecostal 3.863.503 3,25 8.179.708 5,57 17.689.862 10,42Cristã Ref. não dec. - - 621.298 0,42 - -Outros evangélicos - - - - 1.317.685 0,78EVANGÉLICOS 7.885.846 6,63 13.189.290 8,98 26.166.930 15,41Neocristã 875219 0,60 1381486 0,81MEDIÚNICAS 1.538.230 1,29 2.292.830 1,56 2.908.761 1,71Judaixa e Israelita 91.795 0,08 86.416 0,06 101.062Oriental 257.006 0,22 368.578 0,25 449.02 0,26Outra 1.124.280 0,94 94.556 0,06 714.998 0,42Sem religião 1.953.096 1,64 6.946.221 4,73 12.330.101 7,26Sem declaração 299.686 0,25 595.979 0,41 382.489 0,23Total 119.011.052 100,00 146.815.818 100,00 169.799.170 100,00

Fonte: IBGE

O IBGE apresentou duas novas classificações em relação às adotadas no Censo de 1980: a Cristã Reformada não determinada e a Neocristã. Se consi-

2 Segundo Freston, o Brasil é hoje o segundo país no mundo em termos de produção de programação evangélica na televisão (Ibid.: 135).

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19O CRESCIMENTO DA COMUNIDADE EVANGÉLICA E SEU IMPACTO SOCIAL

derarmos estes grupos (de classificação relativamente imprecisa), como evan-gélicos, acrescentamos 1%, chegando a cerca de 14 milhões de habitantes.

Enquanto o Censo de 1980 apresenta uma superioridade dos históricos (51%) em relação aos pentecostais, o Censo de 1991 mostrou que houve uma inversão significativa nestes números, com as igrejas tradicionais repre-sentando 35% do universo de evangélicos. A projeção do IBGE para a popu-lação brasileira no ano 2000 foi de 165 milhões, e segundo Fonseca (1997), mantido o ritmo de crescimento experimentado no período de 1980 a 1991, os evangélicos deveriam ser aproximadamente 22 milhões, ou seja 13% da população brasileira. Na verdade, o Censo de 2000 revelou que a população evangélica tinha crescido para 26 milhões de fiéis ou 15,4% da população.

Rubem César Fernandes, coordenador do CIN 1992 e da pesquisa Novo Nascimento, afirma que este crescimento evangélico é marcado pelas seguin-tes características: é rápido (com uma média de um novo templo por dia); é uma opção dos pobres (quanto mais carente a região, mais templos evangéli-cos per capita); e nacional (1994: 166, 172).

Não faz mais sentido pensar o protestantismo como uma “religião estran-geira” (...) Combinada às observações sobre a penetração maior nos bairros pobres, a proliferação de pequenas denominações forma um quadro de im-pressionante vitalidade. De iniciativa local e autônoma em relação a maiores hierarquias (uma característica comum entre os pentecostais), tais congrega-ções se formam em múltiplos segmentos, por geração por assim dizer espon-tânea, e pobre, nas bases da sociedade. (1992: 19)

Preocupado com a relação entre o voto e a filiação religiosa, o Datafolha promoveu uma pesquisa entre 15 a 17 de agosto e 5 de setembro de 1994, com amostra de quase 21 mil entrevistas a eleitores por todo o país (Prandi e Pierucci, 1994). Os resultados indicaram que os evangélicos totalizavam 13,3% do colégio eleitoral (13 milhões); os históricos com 3,3% e os pente-costais com 9,9%.3

3 A pesquisa trabalhou com as categorias Protestantismo Histórico, para classifi car as igrejas reformadas de origem europeia e norte-americana vindas para o Brasil no século dezenove (Metodista, Episcopal, Batista, Luterana, Presbiteriana), as quais se atribui um baixo grau de proselitismo; e Pentecostais, para classifi car as igrejas de origem estrangeira e as nascidas no Brasil sob a infl uência do reavivamento protestante norte-americano, caracterizado por forte proselitismo (Congregação Cristã, Assembleias de Deus, Evangelho Quadrangular, O Brasil para Cristo, Casa da Benção, Nova Vida, Deus é Amor, Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça Divina, Renascer em Cristo etc.).

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20 SIM A DEUS, SIM À VIDA — EVANGÉLICOS REDESCOBREM SUA CIDADANIA

Esta pesquisa encontrou as mesmas características sobre o crescimento evangélico apresentadas pelo CIN. Entre os pentecostais, em relação aos ou-tros grupos religiosos, foram encontrados: a maior proporção de analfabetos e de vida escolar breve (não ultrapassando o primeiro grau); uma taxa de desemprego acima da média nacional; 33% com renda até dois salários mí-nimos; e enquanto a média nacional dos que trabalham por conta própria irregularmente é de 19,1%, entre os pentecostais este número chega a 27,2% (Ibid.: 9). A religião evangélica é, portanto, um fenômeno popular, nacional e em rápida expansão (Freston, 1993: 31).

O avanço desta minoria religiosa é inversamente proporcional à quantida-de de estudos sobre o mesmo; só muito recentemente as pesquisas começam a aparecer em maior quantidade. A dinâmica interna deste segmento — que possui mais de 70 editoras, centenas de escolas teológicas, emissoras de rádio e TV, e milhares de templos espalhados por todo país — tem indicado que o fato de ser minoria, não a torna silenciosa. Várias pesquisas captam a dinâmi-ca e alimentam a polêmica sobre o significado deste crescimento.

...não há bairro da metrópole que se preze se aí não se puder achar, num só giro do olhar, a igreja crente, a loja de umbanda e a academia de aeróbica e musculação — três símbolos metropolitanos da civilização brasileira de-sinteressada dos problemas coletivos, egoísta e narcisista. Porque as religiões pentecostais estão sobremaneira preocupadas com o indivíduo em sua estrita subjetividade, preferindo situá-lo sempre em confronto com o diabo, que é o mundo físico e social, aquele com sua imprevisibilidade e perigos, este com suas paixões e misérias. (Prandi, 1996: 66)

CRESCIMENTO E POLÊMICA

Segundo Ricardo Mariano, este crescimento fez a diplomacia ecumênica perder terreno no campo religioso (1995: 8). Isto pode ser verificado em pesquisas que atribuem a este crescimento características de ameaça à iden-tidade cultural e social dos povos (Galindo, 1995: 13); de ser financiado pelos Estados Unidos da América; de ser agressivo e hostil na propagação de formas de religiosidade estranhas ao catolicismo tradicional; e de estimular a passividade política.

Em sintonia com esta visão, um trabalho sobre a Doutrina Social da Igre-ja (Ávila, 1993) trata dos evangélicos nos verbetes: fundamentalismo, seita (Martinez, 1991) e ecumenismo. Quando fala de ecumenismo, menciona o

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21O CRESCIMENTO DA COMUNIDADE EVANGÉLICA E SEU IMPACTO SOCIAL

CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs) como promotor do verda-deiro ecumenismo, embora este órgão tenha uma influência muito limitada no segmento evangélico4. Ao indicar que o fundamentalismo tem sua expres-são mais ruidosa nas seitas, afirma que o mesmo se constitui em uma ameaça contra a consolidação de uma nova ordem internacional fundada na justiça e na paz (Ávila, op.cit.: 203).

No âmbito da política, o recente ingresso de evangélicos como atores so-ciais também tem provocado reações. Alguns o entendem como sendo fisio-logismo (Jornal do Brasil 7/8/88), ou uma oportunidade de instrumentalizar o Estado. Pierucci o considera como uma irrupção de conservadorismo ativo, e vê nesta nova situação uma possibilidade, a ser ainda provada, de reorgani-zação da direita5:

...esta novidade representa, para as coalizões de direita, um novo e fenomenal aporte de recursos culturais e retóricos, além de recursos humanos e organi-zacionais de base, constituindo-se por isso mesmo os evangélicos conserva-dores e fundamentalistas no Brasil desse final dos anos 1980, uma ala nada desprezível da chamada “nova direita”. Se se trata de uma estratégia de longo alcance em âmbito continental ou mesmo mundial, ou seja, se o fenômeno da bancada evangélica conservadora em Brasília inscreve-se num contexto de ação orquestrada da chamada New Christian Right estadunidense para as Américas, é ainda uma indagação cuja resposta não tem elementos suficientes de evidência. (Pierucci, 1996: 166)

4 Fundado em 1982, o CONIC é formado pelas seguintes igrejas: Católica, Evangélica de Confi ssão Luterana , Episcopal Anglicana, Presbiteriana Unida, e Siriana Ortodoxa de Antioquia.

5 Retomando esta questão, Freston (1992) observa que existem dúvidas sobre a possi-bilidade de relacionar a direita americana ao caso brasileiro. Analisando as notas dadas aos constituintes pelo DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), ele per-cebe que a nota média dos constituintes (4.94) não fi cou muito distante da nota obtida pelos constituintes evangélicos (4.52). Sua convicção é de que o direitismo evangélico foi fruto de um fi siologismo de caráter corporativo. O voto evangélico se distancia dos demais nas questões comportamentais (orientação sexual, aborto e divórcio) e nas questões onde houve muita pressão do governo federal ou de lobbies (mandato do Sarney, reforma agrária). Diferenciando a nota dos evangélicos, percebe-se que os pentecostais obtiveram uma média maior do que os históricos, o que difi culta a classifi cação dos pentecostais como nova direita. E sobre a comparação com a New Christian Right, ele afi rma que os evangélicos do Brasil não possuem uma racionalidade de ação política tão estruturada e nem uma estrutura de apoio e ação que permita tal comparação.

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22 SIM A DEUS, SIM À VIDA — EVANGÉLICOS REDESCOBREM SUA CIDADANIA

Numa perspectiva diferente, existem aqueles que analisam este crescimen-to e participação social de forma positiva. Cecília Mariz (1996) considera que o pentecostalismo tem sido eficiente ao auxiliar os indivíduos no en-frentamento da pobreza, restabelecendo a dignidade pessoal, rompendo o sentimento de impotência, criando uma rede de apoio mútuo e ajudando na adaptação às sociedades modernas. Para a antropóloga Elizabeth Brusco (1993), o machismo encontra na religião evangélica um opositor mais efi-ciente que o feminismo. E até mesmo o que é considerado por alguns como uma postura agressiva (o combate ao espiritismo popular), é visto, por Luís Eduardo Soares (1993), como a emergência de uma sociedade igualitária, onde a tolerância de uma ordem social hierárquica é rejeitada. Para Ventura (1994), os evangélicos são a contracultura da droga, ou na opinião de um dirigente de ONGs, eles são a alternativa ao narcotráfico6.

Superando a leitura de que os evangélicos crescem, exclusivamente, de-vido à fragilidade das classes desfavorecidas, vitimadas pela pobreza e sem condições de perceber a intenção proselitista daqueles a quem Ávila (1993: 417) chama de profissionais das farsas pseudocarismáticas, ou ao processo de secularização das instituições religiosas tradicionais, Oro (1996) reco-nhece méritos dos próprios evangélicos em seu crescimento. Ele destaca neste crescimento o fato da religião se tornar mais acessível e disponível, a prática religiosa emocional, a proximidade pastor/fiel, a atenção individu-al aos fiéis, o discurso direto dos pastores e a apresentação de uma mensa-gem facilmente compreendida pelas camadas baixas e médias da sociedade (ibid: 40).

IMPACTO SOCIAL

Polêmico quanto às suas possibilidades e implicações, o crescimento evangélico é uma realidade e, segundo Mariano, seu futuro aponta na di-reção de maior flexibilização, ajustamento e assimilação (1995: 239). Um dos aspectos presentes neste crescimento é o elevado índice de participação 7 do fiel nas atividades da igreja, o que foge do padrão de comportamento

6 Veja, 26.10.94.

7 A pesquisa Novo Nascimento (1996: 87) indica que 85% dos evangélicos têm uma participação semanal nas atividades das igrejas, o que diferencia em muito da prática católica (18%), da Umbanda e Candomblé.

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do brasileiro. Fernandes (1994), fazendo menção ao trabalho de Wanderley G. dos Santos, afirma que é baixo o grau de participação e compromisso social do brasileiro. Mariz (1996: 179) acrescenta dizendo que ao contrá-rio do padrão dominante, no meio evangélico são os mais pobres os mais engajados.

O ingresso de pentecostais na política, a partir de 1986, mostra um novo caminho para esta participação, antes circunscrita ao âmbito da igreja. Freston (1993: 21) indica que o tamanho numérico e a velocidade de cres-cimento, aliados ao sentimento de minoria e a natureza sectária da sociali-zação pentecostal, transformam esta comunidade num reservatório político importante. Em sua opinião, existe uma possibilidade de que o voto evan-gélico tenha definido as eleições de 1989 (ibidem), quando a comunidade evangélica não viveu a mesma divisão de votos equilibrada da sociedade brasileira, preocupada com o “perigo” que a eleição de Lula representaria, como vemos nas palavras do deputado e pastor da Assembleia de Deus, Carlos Apolinário:

Porque a esquerda no mundo todo proíbe a liberdade religiosa. Cuba, União Soviética, onde tiver esquerda no poder há dificuldade à liberdade religiosa. E o Lula representava este perigo. Sendo ele o presidente da Republica, nós teríamos problemas de liberdade religiosa. Então o voto no Collor é porque ele não representava perigo à liberdade de culto. Os evangélicos preferem vi-ver num barraco e poder dizer que Cristo Salva, a morar numa mansão e não poder dizer que Deus existe. (Pierucci e Mariano, 1992: 103)

Uma das conclusões da pesquisa do Datafolha é que efetivamente a reli-gião do eleitor faz diferença no resultado da votação. Portanto, este ingresso dos evangélicos na política terá um peso importante para a sociedade brasi-leira, uma vez que a postura tradicional do não envolvimento e apoliticismo vem sendo gradativamente abandonada. Este maior envolvimento pode ser demonstrado através dos números de parlamentares eleitos a partir de 1983. De 1983 a 1987, 17 (12 titulares e 5 suplentes); de 1987 a 1991, 36 (32 titulares e 4 suplentes); de 1991 a 1995, 35 (23 titulares e 12 suplentes). Em 1995 foram eleitos 4 senadores, 26 deputados federais, 2 deputados distritais no DF, dois vice- governadores do Paraná e Goiás (Freston 1996), e vários deputados estaduais.

A transformação política da comunidade evangélica, saindo da margem em direção ao compromisso social e político, foi saudada como a bem-vinda

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politização dos pentecostais (Pierucci: 1996a), e suas consequências para cul-tura política brasileira serão motivo de muitas análises. O fato é que hoje, segundo Pierucci:

...converter-se a uma igreja pentecostal não é mais o túmulo da política. Converter-se a uma igreja pentecostal não representa mais fugir do mundo da política. Entrar em um grupo pentecostal, no Brasil de hoje, com raras exceções, pode significar para a pessoa uma descoberta (até agora inusitada) da importância da política em geral e da política partidária em particular, do papel insubstituível dos políticos no sistema democrático, da ação política como forma de melhorar o mundo para si e para os outros. (Ibid.: 6)

Esta transformação ocorrida na comunidade evangélica brasileira está in-serida em um contexto mais amplo de mudança; a postura evangélica em relação à política também passou por mudanças em outros países latino-ame-ricanos. Em 1978, na Venezuela, formou-se um partido político evangélico chamado Organización Renovadora Autentica; em 1990, no Peru, a participa-ção dos evangélicos foi fundamental para a eleição de Fujimori que, apesar de fazer uma campanha pobre em relação ao seu opositor, Vargas Llosa8, pôde contar com um exército de militantes evangélicos por todo país como promotores de Cambio 90 9 (Padilla, 1991: 13). Neste mesmo ano, na Gua-temala, foi eleito como presidente do país o pentecostal Jorge Serrano Elias, e no ano seguinte na Argentina foi formado o partido evangélico Movimiento Cristiano Independiente.

Segundo Padilla (Ibid.: 5), foram três as principais causas do apoliticismo evangélico: a influência dos missionários com seu ensino, desconsiderando a dimensão da responsabilidade social da fé cristã; o complexo de minoria re-ligiosa (muitas vezes forjado debaixo de perseguição aberta), e a ênfase numa escatologia futurista, onde o interesse do cristão está voltado exclusivamen-te para a salvação das almas. Este último aspecto é relativizado por Freston (1994: 62), em virtude da manutenção desta ênfase escatológica dispensacio-nalista entre os pentecostais. Esta postura tradicional de não envolvimento e de separação do mundo, de uma rotina de vida (Brandão, 1980:143), todavia

8 Segundo informação oferecida por Pedro Arana, candidato ao senado nestas mesmas eleições, Fujimori não gastou uma quantia superior a US$200.000 contra US$20 milhões gastos na campanha de Vargas Llosa. Cf. Mondragon, 1990.

9 Cambio 90 foi um agrupamento político que se formou sob a liderança de Fujimori, com o apoio de líderes evangélicos e pequenos empresários.

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persiste10, mas cede espaço a uma disposição cada vez maior de ajustamento (Mariano, 1995).

Padilla, pensando em termos de América Latina, atribui a certos fatores de sensibilização esta mudança de postura. O primeiro fator seria o crescente empobrecimento de parte significativa da população. Contrapondo-se à ob-servação de D’Epinay (1978), onde a adoção de uma ética protestante (tra-balho, poupança e honestidade) produziria uma saída individual alternativa ao subdesenvolvimento, promovendo uma mobilidade social ascendente, o crescimento da miséria questiona as soluções individualistas de superação da pobreza. O segundo fator seria a crise moral na política, onde os evangélicos se colocam como parte daqueles que querem resgatar a seriedade e morali-dade no trato da coisa pública. Como terceiro aspecto ele menciona a crise eclesiástica, resultante da tensão, a partir de Medellín (1968), entre projetos distintos de igreja.

Seguindo a classificação de Richard (1984), Padilla afirma que o conflito entre a igreja popular e a igreja da nova Cristandade, levou a “uma reafirma-ção do poder hierárquico na Igreja e a manutenção do monopólio religioso da sociedade latino-americana, totalmente oposta ao desenvolvimento das comunidades eclesiais de base” (ibid.: 10). Desta forma, estaria frustrado o projeto de uma igreja popular onde o pobre não seria mais objeto da evange-lização, mas sim sujeito evangelizador e sujeito construtor da Igreja.

Para este autor, uma consequência direta deste conflito foi a migração de milhares de católicos latino-americanos para as igrejas evangélicas e outros grupos religiosos,

...em busca de um ambiente mais participativo, onde cada um seja considera-do sujeito evangelizador e sujeito construtor da Igreja. As igrejas evangélicas florescem no meio de uma situação onde o “magisterium” católico-romano representa no campo religioso o mesmo que as grandes concentrações de ca-pital dos países industriais representam no campo econômico: um sistema de opressão que impõe normas e condutas sobre as grandes maiorias. Se no campo econômico as pessoas comuns resistem ao totalitarismo do mercado

10 Como exemplo, podemos citar a Congregação Cristã que mantém um forte apoliticis-mo. Segundo Freston (1994: 62), esta atitude de afastamento da política eleitoral se deve a: uma rejeição aos métodos massivos de comunicação; a não cooperação com outras igrejas, ao afastamento radical do mundo que a libera da preocupação por status; pela ausência de pastores pagos, evitando a tendência carreirista, e um forte dualismo (espírito/matéria, mundo/igreja).

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por meio de redes de comunicação na forma de movimentos, organizações e grupos ad hoc (...), no campo religioso se resiste ao totalitarismo eclesiástico formando igrejas livres do domínio de Roma. (Ibid.: 10)

Pensando em termos de realidade brasileira, Freston (1992) assinala que a inserção evangélica na vida política (por ocasião da eleição para a Assembleia Constituinte em 1986)11 foi facilitada por um sistema político composto por partidos fracos com pouca consistência ideológica e por um sistema eleitoral proporcional (que aumenta o cacife eleitoral das comunidades nos diversos Estados); pela crise econômica da chamada década perdida que atingiu dire-tamente este segmento; pelo processo de redemocratização que estimulou a participação; e especificamente por fatores internos das Assembleias de Deus.

Como fatores internos, ele apresenta as seguintes razões (Freston, 1994): a posição do clero que busca na política a resolução para um conflito de status, uma vez que o prestígio que desfruta na comunidade religiosa não é equi-valente ao seu prestígio fora da mesma; a possibilidade de ascensão social; a facilidade de acesso a recursos que viabilizam a estruturação de uma comuni-dade em expansão; a possibilidade de ordenar o mundo interno, uma vez que o prestígio obtido na vida pública pode ser transferido para a comunidade, definindo posições e fortalecendo lideranças; o acesso à mídia que abre outro caminho para se chegar a posições de liderança.

Outro elemento presente na justificação para a inserção política foi a de-fesa da liberdade religiosa e da família. Houve boatos de que existia uma aliança entre Tancredo Neves e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB para restabelecer o catolicismo como religião oficial do país, e que haveria um esforço concentrado na aprovação de leis que permitissem a lega-

11 Freston faz menção à iniciativa do governo militar que se aproximou dos evangéli-cos, estimulando o apetite político desta comunidade. Segundo Cavalcanti (1994, p.222), “encantados com o desenvolvimento e a segurança, bem como a liberdade religiosa, os evangélicos vão se tornando a partir da década dos 1970 (juntamente com os maçons e os kardecistas) em sustentáculos civis do regime. Compreendendo a perda dos ‘passageiros’ católico-romanos progressistas, o regime procura investir ao máximo nos protestantes: visitas de cortesia, empregos, nomeações para cargos importantes, convites para pastores cursar a Escola Superior de Guerra (...) a ingenuidade, o baixo nível de instrução, a reduzida expe-riência política, a credulidade, tornam os evangélicos presas fáceis, cordeiros nas mãos de lobos. Nem todos eram assim inocentes, e muitos vão perdendo a inocência no caminho, maculados por benesses e mordomias, coautores de delito, manipuladores de seus irmãos. O antipoliticismo vai aos poucos sendo substituído pelo adesismo”.

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lização das drogas, do casamento homossexual e do aborto. Sintetizando este processo, Freston afirma que “a politização pentecostal visa fortalecer lide-ranças internas, proteger as fronteiras da reprodução sectária, captar recursos para expansão religiosa e disputar espaços na religião civil” (1993: 181).

Além da presença pentecostal, outro movimento político entre os evangé-licos se destacou neste novo momento de participação social. Para surpresa de muitos, este processo de transformação política permitiu a visualização de um pluralismo ideológico dentro da comunidade evangélica, esta costu-meiramente vista como uma massa uniformemente conservadora. Pierucci (1996) destaca, em sua análise da bancada evangélica na constituinte, a exis-tência de uma minoria identificada com as teses populares e progressistas de transformação social e superação de desigualdades. Segundo este autor:

A visibilidade mesma dessa minoritária esquerda evangélica impede, de saída, uma generalização abusiva a todos os protestantes das características conser-vantistas aqui enfocadas. Noutras palavras, a bancada dos 33 evangélicos não é política e ideologicamente homogênea e, por conseguinte, tampouco o são suas bases de voto. (Ibid.: 165)

Entre os que formaram estas bases de voto, estavam aqueles que posterior-mente forneceriam pautas para a imprensa quando noticiaram que “Evangé-licos vão apoiar a esquerda”12, “PT e evangélicos se aliam em Maceió”13; “Fi-liação em bloco ao PT por parte de Evangélicos”14. À medida que percebem o crescimento do peso político da comunidade evangélica, e considerando que esta influência deveria ser diferente, estes grupos começam a estruturar esta corrente minoritária, por meio de diversos comitês de campanhas, em divi-sões setoriais nos partidos (como o setorial evangélico do PT e o Movimento Evangélico Popular Socialista [MEPS], no PPS); e através de um movimento suprapartidário denominado Movimento Evangélico Progressista (MEP).

Este progressismo evangélico brasileiro não é recente. Já em maio de 1932, a Confederação Evangélica do Brasil faz um manifesto defendendo o parla-mentarismo, a educação e justiça popular gratuitas, a laicidade do Estado, a participação dos operários nos lucros, uma redução nos gastos militares, o voto secreto, o acesso dos mais pobres ao ensino superior e ensino profissio-

12 Folha de S. Paulo, 19/09/96.

13 Folha de S. Paulo, 05/09/96.

14 Folha de S. Paulo, 21/04/93.

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nalizante (Freston, 1994: 21). Dois anos mais tarde, houve a eleição de Gua-racy Silveira para a Assembleia Constituinte, eleito pelo Partido Socialista; e na segunda metade dos anos 1950, surge uma esquerda evangélica articulada, que fornecerá os quadros dos principais órgãos ecumênicos protestantes no Brasil. Esta última, devido à sua posição teológica e política, irá vivenciar a tensão, em relação à igreja, entre romper ou transformar (Abumanssur, 1991).15

Este novo movimento de esquerda no mundo evangélico traz consigo al-gumas novidades que serão analisadas posteriormente. Entre estas novidades, está o fato de que ele é formado por um grupo de pessoas comprometidas com uma perspectiva teológica conservadora — isto é, que mantém as ên-fases tradicionais do mundo evangélico na Bíblia, na oração e na conversão pessoal —, são politicamente articuladas, estão plenamente integradas às suas igrejas e se propõem a uma militância em duas frentes: na igreja e na socieda-de, por meio dos partidos políticos e movimentos sociais.

15 Vinculados a esta tradição progressista, temos a participação de batistas e pentecostais nas Ligas Camponesas nos anos 1960. Ainda neste período, é possível ver a infl uência de certo seguimento progressista dentro do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Bra-sil, que reunido no Rio de Janeiro, aprova em 1962 um “Pronunciamento Social da Igreja Presbiteriana do Brasil”, no qual apela para sua vocação profética, manifesta-se a favor de justiça social acusando formas de opressão, e incentiva seus membros a uma participação responsável em sindicatos, partidos, diretórios acadêmicos, fábricas; além disso, defende uma maior distribuição de renda e a reforma agrária. Nos anos 1970, também se articula um grupo progressista de jovens batistas no Rio de Janeiro em torno do pastor Davi Malta do Nascimento (ex-candidato a deputado pelo Movimento Democrático Brasileiro). Na década de 1980, vemos a formação de Comitês Evangélicos Pró-Constituinte, e em Belo Horizonte (MG), a formação do Instituto Evangélico de Estudos Sociais e Políticos.