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Simbiose Morena Chocalho

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(ou Porque Nostradamus seria um ótimo designer), post do Filosofia do Design, sobre hipóteses, intenções do usuário e a impossibilidade de delimitar o uso de um artefato.

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  • A Simbiose Morena-Chocalho (ou Porque Nostradamus seria um timo designer)

    por Eduardo Souza em 27/01/2013, disponvel em http://losoadodesign.com/a-simbiose-morena-chocalho/

    Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela

    Ser que ela mexe o chocalho ou o chocalho que mexe com ela?

    Morena de Angola, Chico Buarque

    De um modo geral, ns, designers, quando projetamos, devemos prever todos os possveis usos do artefato, para que

    possamos proteger o usurio das possveis idiotices que ele pode fazer com aquilo. Entretanto, isso me parece impossvel.

    Alis, claro que impossvel.

    O uso de um artefato qualquer poder se dar nos mais diferentes contextos, por usurios dos mais diferentes tipos e com os

    mais diferentes objetivos. Um exemplo clssico desse problema o da faca ser utilizada para apertar um parafuso; oras, a faca

    no um artefato projetado para tal. Entretanto, por diversas vezes na falta de uma chave de fenda, ou na falta de disposio

    de buscar uma ela cumpre essa funo.

    Para ns, do outro lado da mesa, o que signica isso? Acredito que h dois pontos importantes a serem levantados. Um deles :

    at que ponto o usurio determina a funo de um artefato; no o designer. O outro at que ponto vale a pena dar ateno

    ao usurio na concepo de um projeto.

    mais ou menos generalizado que o design h de ser centrado no usurio; talvez por bonito e marketeiro que isso parea,

    talvez pelo complexo messinico do designer. Todavia, cabe questionar: ser mesmo que devemos estar centrados no usurio?

    A identidade um tema extremamente delicado na losoa, principalmente pela constante desconstruo depois do declnio

    da losoa moderna cartesiana. O que signica que h uma barreira intransponvel entre o que o indivduo percebe de si e o

    que o mundo percebe dele, por assim dizer. Em outras palavras, as pessoas no sabem o que querem.

    Eu no conheo muito da obra de iek, mas pelo pouco que eu conheo, no gosto muito. De todo modo, ele exemplica

    bem esse cenrio: http://www.youtube.com/watch?v=U88jj6PSD7w

    A situao a seguinte: um cara est infeliz no casamento e arruma uma amante. E a ele comea a imaginar como a vida seria

    perfeita se a mulher o deixasse e ele pudesse car com a amante; a seria feliz. O ponto que iek evidencia que o cara no

    quer isso; ele quer manter a amante sempre distncia, sempre em uma possibilidade impossvel de virar sua mulher. Ele cria

    uma auto-induo angstia, por assim dizer, para projetar uma felicidade impossvel. Em minha interpretao, isso ocorre

    porque, s vezes, ns pensamos o futuro no como um presente-no-futuro, mas como uma utopia, um mundo disjunto do

    presente. Principalmente quando vou vamos elaborar algum cronograma para entregar um trabalho.

    De modo anlogo, por exemplo, uma entrevista com um usurio acerca de algum prottipo pode ser razoavelmente ecaz,

    mas nunca vai reetir a atitude dele ao utilizar o arfefato, porque ele est em um contexto especco. Que dir apresentar um

    desenho e perguntar voc compraria esse produto? se sim, por quanto?

  • Esse TED mostra de forma menos hipottica que nem as pessoas sabem o que querem, muito menos outras pessoas sabem o

    que as pessoas querem.

    O problema dado o seguinte: h muito engarrafamento na ilha central de Estocolmo, ento eles decidem cobrar uma

    pequena quantia para quem quiser passar de carro por l. Eles acham que no vai mudar muito, porque, bom, se as pessoas

    pagam quantias grandes para estacionamentos, porque eles deixariam de pagar quantias pequenas para cruzar ali? Alm do

    mais, o apoio pblico era de apenas 30%. Eles comeam a cobrar.

    O trfego diminui 20%. Congestionamento acaba. O apoio sobe para 70%. Os motoristas de Estocolmo no se deram conta que

    mudaram de opinio: a metade, em uma pesquisa posterior, disseram que no mudaram de opinio. E, como dissemos, no

    s uma questo de pesquisas. As pessoas realmente no se conhecem.

    [Isso me lembra uma piada: Uma pesquisa revelou que 20% dos entrevistados mentem ao fazer pesquisas.]

    O cerne da questo que voc no deve tentar planejar as coisas para as pessoas, mas tentar inclin-las a seguir aquela direo.

    E elas tm de decidir possivelmente de maneira inconsciente o que fazer com aquilo. Isso uma mudana drstica de

    mindset no processo de projeto.

    Filosocamente falando, isso ainda mais profundo e algo que tem se dito muito aqui no blog. necessrio que haja um

    vazio, um rudo entre o designer e o usurio. Cada um deve ceder um pouco da sua realidade para criar um consenso, um

    intermdio, uma interface, que o arfefato. Acredito que uma boa comparao para isso seria a sensao de movimento:

    preciso haver uma pausa, entre imagens. Para isso servem os quadrinhos nas HQs, o virar de pgina nos ipbooks, os frames no

    cinema.

    Isso, entretanto, no signica que no devamos nos importar com o usurio, obviamente. Mas aqui podemos criar aqui uma

    clara distino entre o design centrado no usurio e o design centrado nas impresses do usurio. Suas impresses so mais ou

    menos irrelevantes. O designer tem que analisar um contexto e saber onde agir muito mais do que revolucionar.

    Portanto, o artefato no pode ser hermticamente lacrado em sua funo, porque o seu uso um modo de interpretao e a

    entra a importncia do usurio. Assim como na obra de arte que no apenas intencionalidade e nem apenas interpretao ,

    o objeto de design deve criar um hiato. E exatamente por isso que Nostradamus seria um designer incomparvel. Ele

    consegue unir duas pontas aparentemente impossveis: ele consegue fazer com que as pessoas acreditem que ele previa o

    futuro atravs das interpretaes, no de sua intencionalidade.

    E a conseguimos responder a pergunta de Chico Buarque: ambos.