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Medicina (Ribeirão Preto) 2010;43(3): 231-7 Simpósio: Condutas em enfermaria de clínica médica de hospital de média complexidade - Parte 2 Capítulo II Manejo das complicações a Manejo das complicações a Manejo das complicações a Manejo das complicações a Manejo das complicações agudas gudas gudas gudas gudas da doença f da doença f da doença f da doença f da doença falcif alcif alcif alcif alcifor or or or orme me me me me Management of acute complications of sickle cell disease Denise M. Brunetta 1,3,4 , Diego V. Clé 2,4 , Tissiana M. de Haes 1,5 , Jarbas S. Roriz-Filho 2,6 , Julio C. Moriguti 7 RESUMO Anemia falciforme (HbSS) é uma doença autossômica recessiva caracterizada pela herança homozigo- ta da hemoglobina S (HbS). Clinicamente apresenta-se com anemia hemolítica e vaso-oclusão. O termo doença falciforme engloba a anemia falciforme e heterozigozes compostas com hemoglobina S, como S? talassemia e hemoglobinopatia SC, além de outras associações menos comuns. São várias as complicações agudas na doença falciforme: crises vaso-oclusivas, infecções por microorganismos encapsulados, principalmente do trato respiratório e septicemia, síndrome torácica aguda, sequestro esplênico, priapismo, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e crise aplástica. O conhecimento das intercor- rências na Doença Falciforme é de extrema importância para todos os níveis de atendimento destes pacientes. A detecção precoce das complicações possibilita tratamento adequado e diminuição da morbimortalidade relacionada a elas. Palavras-chave: Doença falciforme. Anemia falciforme. Crise vaso-oclusiva. Síndrome Torácica Aguda. Introdução Introdução Introdução Introdução Introdução Anemia falciforme (HbSS) é uma doença au- tossômica recessiva, caracterizada pela herança ho- mozigota da hemoglobina S. Surge a partir da substi- tuição do ácido glutâmico pela valina na posição 6 da cadeia beta da globina, levando à formação de hemo- globina anormal que, na forma não oxigenada, é polimerizada e leva à falcização da hemácia. 1 É ca- racterizada clinicamente por anemia hemolítica e vaso- 1. Médico Assistente da Área de Clínica Médica do Hospital Esta- dual de Ribeirão Preto. 2. Ex-Médico Assistente da Clínica Médica do Hospital Estadual de Ribeirão Preto. 3. Médico Assistente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Pre- to. 4. Pós-graduando da Área de Clínica Médica da FMRP-USP. 5. Pós-graduanda da Área de Neurologia da FMRP-USP 6. Professor Doutor da Faculdade de Medicina da Universidade de Fortaleza (CE) 7. Diretor de Atividades Clínicas do Hospital Estadual de Ribeirão Preto e Professor Livre-Docente da Divisão de Clínica Médica Geral e Geriatria da FMRP-USP. Correspondência: Denise Menezes Brunetta Hospital Estadual de Ribeirão Preto Avenida Independência, 4750. 14026-160- Ribeirão Preto - SP Telefone: 16-3602-7100 oclusão. O termo doença falciforme engloba a ane- mia falciforme e heterozigozes compostas com he- moglobina S, como Sβ talassemia e hemoglobinopatia SC, além de outras associações menos comuns. 1 Não se sabe ao certo a prevalência da doença falciforme no Brasil. Estima-se, porém, que existam mais de 4 milhões de portadores do gene da hemoglo- bina S (HbS) e entre 25.000 a 30.000 pessoas afeta- das.1 Desde a implantação do Programa de Triagem Neonatal do HCFMRP, em 1994, até dezembro de

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Complicações na doença falciforme

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  • Medicina (Ribeiro Preto) 2010;43(3): 231-7

    Simpsio: Condutas em enfermaria de clnica mdica de hospital de mdia complexidade - Parte 2Captulo II

    Manejo das complicaes aManejo das complicaes aManejo das complicaes aManejo das complicaes aManejo das complicaes agudasgudasgudasgudasgudasda doena fda doena fda doena fda doena fda doena falcifalcifalcifalcifalcifororororormememememeManagement of acute complications of sickle cell disease

    Denise M. Brunetta1,3,4, Diego V. Cl2,4, Tissiana M. de Haes1,5, Jarbas S. Roriz-Filho2,6, Julio C. Moriguti7

    RESUMO

    Anemia falciforme (HbSS) uma doena autossmica recessiva caracterizada pela herana homozigo-ta da hemoglobina S (HbS). Clinicamente apresenta-se com anemia hemoltica e vaso-ocluso. Otermo doena falciforme engloba a anemia falciforme e heterozigozes compostas com hemoglobina S,como S? talassemia e hemoglobinopatia SC, alm de outras associaes menos comuns. So vriasas complicaes agudas na doena falciforme: crises vaso-oclusivas, infeces por microorganismosencapsulados, principalmente do trato respiratrio e septicemia, sndrome torcica aguda, sequestroesplnico, priapismo, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e crise aplstica. O conhecimento das intercor-rncias na Doena Falciforme de extrema importncia para todos os nveis de atendimento destespacientes. A deteco precoce das complicaes possibilita tratamento adequado e diminuio damorbimortalidade relacionada a elas.

    Palavras-chave: Doena falciforme. Anemia falciforme. Crise vaso-oclusiva. Sndrome Torcica Aguda.

    IntroduoIntroduoIntroduoIntroduoIntroduo

    Anemia falciforme (HbSS) uma doena au-tossmica recessiva, caracterizada pela herana ho-mozigota da hemoglobina S. Surge a partir da substi-tuio do cido glutmico pela valina na posio 6 dacadeia beta da globina, levando formao de hemo-globina anormal que, na forma no oxigenada, polimerizada e leva falcizao da hemcia.1 ca-racterizada clinicamente por anemia hemoltica e vaso-

    1. Mdico Assistente da rea de Clnica Mdica do Hospital Esta-dual de Ribeiro Preto.

    2. Ex-Mdico Assistente da Clnica Mdica do Hospital Estadualde Ribeiro Preto.

    3. Mdico Assistente da Fundao Hemocentro de Ribeiro Pre-to.

    4. Ps-graduando da rea de Clnica Mdica da FMRP-USP.5. Ps-graduanda da rea de Neurologia da FMRP-USP6. Professor Doutor da Faculdade de Medicina da Universidade

    de Fortaleza (CE)7. Diretor de Atividades Clnicas do Hospital Estadual de Ribeiro

    Preto e Professor Livre-Docente da Diviso de Clnica MdicaGeral e Geriatria da FMRP-USP.

    Correspondncia:Denise Menezes Brunetta

    Hospital Estadual de Ribeiro PretoAvenida Independncia, 4750.

    14026-160- Ribeiro Preto - SPTelefone: 16-3602-7100

    ocluso. O termo doena falciforme engloba a ane-mia falciforme e heterozigozes compostas com he-moglobina S, como S talassemia e hemoglobinopatiaSC, alm de outras associaes menos comuns.1

    No se sabe ao certo a prevalncia da doenafalciforme no Brasil. Estima-se, porm, que existammais de 4 milhes de portadores do gene da hemoglo-bina S (HbS) e entre 25.000 a 30.000 pessoas afeta-das.1 Desde a implantao do Programa de TriagemNeonatal do HCFMRP, em 1994, at dezembro de

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    2005, das 103.021 crianas que realizaram o rastrea-mento para anemia falciforme e outras hemoglobino-patias, 14 delas tiveram o diagnstico de anemia falci-forme e 11 de doena SC, estabelecendo-se incidn-cia de 1:7358 e 1:9365, respectivamente. Alm disso,foram realizados 2.747 diagnsticos de trao falcifor-me, o que define ocorrncia de 1 afetado para cada37,5 nascimentos (2,6%).1

    A alta prevalncia da HbS no mundo parecerefletir a vantagem adaptativa desses indivduos malria. Estudos recentes na frica Ocidental suge-rem impacto da presena da HbS nas formas gravesde malria, tendo pouco efeito, entretanto, na infec-o per se. O mecanismo protetor parece ser relacio-nado entrada do parasita na hemcia e inibio deseu crescimento.2

    Doena falciforme est relacionada a vriascomplicaes agudas e crnicas. Importante morbi-dade e morte prematura levam a expectativa de vidasignificativamente mais curta para essa populaovariando de 42 a 53 anos para homens e de 48 a 58anos para mulheres.3

    Crises vaso-oclusivasCrises vaso-oclusivasCrises vaso-oclusivasCrises vaso-oclusivasCrises vaso-oclusivas

    A manifestao mais comum dos doentesfalciformes a crise lgica, ou crise vaso-oclusiva(CVO). Aproximadamente 90% das internaes hospi-talares desses pacientes so para tratamento destacomplicao.4 Esse quadro de dor est intimamenterelacionado com isquemia tecidual secundria falci-zao das hemcias. Outros fatores que podem con-tribuir para a ocorrncia de CVO so ativao de c-lulas endoteliais, adeso de eritrcitos e leuccitos5,vasoconstrio, ativao da coagulao, desidrataocelular, resposta inflamatria, leso de reperfuso eprejuzo ao fluxo sanguneo pela diminuio da biodis-ponibilidade do xido ntrico.6

    Indivduos com HbSS e S 0 talassemia so osque apresentam mais frequentemente CVO, com 0,8a 1 episdio em mdia por ano, respectivamente.7

    Apesar da alta incidncia, a heterogeneidade bas-tante pronunciada, com indivduos assintomticos co-existindo com outros com mltiplas internaes ao anopor crises de dor. O surgimento da CVO imprevisvel.8

    Pode apresentar-se aps desidratao, exposio aofrio, estresse emocional, exerccio fsico, uso de lco-ol ou diurticos, acidose ou hipxia, devendo o pacien-te, portanto, ser alertado para evitar estas situaes.6

    Os stios mais comumente acometidos por CVOso regio lombar (48,6%), fmur (29,5%) e joelhos

    (20,8%).4 Alm da dor, so comuns o edema, o calor,a hiperemia e a restrio de movimento.6

    A CVO pode ser dividida em quatro fases6:

    1. Prdromo: paciente apresenta parestesias nos sti-os posteriormente afetados pela dor. Essa fasepode durar at 2 dias;

    2. Fase inicial do infarto: caracterizada pelo incio dador, que aumenta gradualmente at um pico nosegundo ou terceiro dia.

    3. Fase ps-infarto: dor forte persistente. Os sinais esintomas de inflamao so proeminentes nestafase.

    4. Fase de resoluo (ps-crise): a dor gradualmenteremite em um a dois dias.

    O manejo da CVO baseado apenas em estu-dos no randomizados.9 As bases do tratamento inclu-em a hidratao e a analgesia, podendo ser necessri-as tambm a oxigenioterapia e a terapia transfusional.

    Recomenda-se usualmente a hidratao do pa-ciente com solues hipotnicas at estado de euvo-lemia e, a partir de ento, no ultrapassar 1 a 1,5 ve-zes o volume de manuteno.10

    A analgesia pode ser feita com analgsicos co-muns como dipirona e paracetamol nos casos em quea dor se apresente com leve intensidade. O uso de anti-inflamatrios no esteroidais (AINE) de extrema valiapara controle da dor6,8,10, entretanto seu uso deve sercauteloso, devido ao possvel comprometimento renalsecundrio doena de base. Os opiides devem serutilizados em quadros dolorosos moderados a inten-sos. A morfina um agonista completo do receptor e a droga de escolha para se alcanar analgesia rpi-da nos doentes falciformes.6 Outros agonistas como ahidromorfona, a oxicodona, o fentanil (endovenoso outransdrmico) so tambm eficazes no controle da dor.Entretanto, os opiides mais comumente prescritos soos opiides fracos como a codena, associada ao para-cetamol, e o tramadol. Este ltimo um analgsicoatpico, que age a nvel central e tem relativamentepouca afinidade pelo receptor .6 Ele inibe a recaptaode serotonina e norepinefrina no ncleo da rafe, au-mentando seu efeito inibitrio na transmisso da dor.Pode ser usado nos pacientes no candidatos ao usode AINE ou de opiides mais potentes.

    A meperidina outro opiide muito prescrito naprtica clnica. Entretanto, seu metablito normeperi-dina tem meia-vida longa (15 a 40 horas) e pode seacumular e causar toxicidade, principalmente neuro-lgica, com crises convulsivas, delirium e mioclonia.

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    Alm disso, possui efeito inotrpico negativo e podelevar morte se associada aos inibidores da mono-amino oxidase.6,8,10 Portanto, seu uso deve ser evita-do no controle da dor do doente falciforme.

    O oxignio suplementar s deve ser utilizado sehouver hipoxemia.10

    No existem evidncias slidas do benefcio docorticide em CVO e sua suspenso parece estar re-lacionada ao efeito rebote.10

    A transfuso de concentrado de hemcias (CH)deve ser indicada apenas em crises refratrias, com ocuidado de no elevar o hematcrito acima de 30%.Deve-se tambm transfundir CH leucorreduzidos, pro-venientes de doadores sem trao falciforme e, se pos-svel, fenotipados possuindo compatibilidade Rh e Kellpara evitar aloimunizao.10

    InfecesInfecesInfecesInfecesInfeces

    Ocorre risco aumentado de infeces por mi-croorganismos encapsulados nos doentes falciformes,principalmente do trato respiratrio e septicemia. Issose deve ao dficit de opsonizao relacionado auto-esplenectomia, alm de alteraes do complemento,das imunoglobulinas, da funo leucocitria e da imu-nidade celular.11

    A introduo de antibioticoprofilaxia e vacina-o rotineira contra pneumococo, meningococo eHaemophilus influenzae b diminuiu drasticamente afrequncia de infeces e a mortalidade.10,12 Entre-tanto, mesmo com estas medidas, a infeco pneu-moccica invasiva continua a ser vista, com incidn-cia de at 3% das crianas falciformes. Possivelmen-te, isso pode estar relacionado baixa adeso profi-laxia e resistncia ao antimicrobiano.

    As infeces mais comuns no falciforme so apneumonia13, quadro muitas vezes indistinguvel da sn-drome torcica aguda, e a otite mdia, geralmente cau-sadas pelo pneumococo. Meningite tambm infec-o bastante incidente no paciente falciforme, sendoS. pneumoniae e H. influenzae os agentes mais im-plicados.14

    Outra complicao infecciosa a osteomielite,com prevalncia descrita em at 12% dos pacientesfalciformes.15 Fmur, tbia e mero so os ossos maisacometidos.15 Os principais agentes etiolgicos soSalmonella, Staphylococcus e bacilos gram negati-vos entricos16 (Tabela 1). Sua alta incidncia estrelacionada, alm dos mecanismos j citados anteri-ormente, aos frequentes infartos sseos.15,16

    Tabela 1Causas de osteomielite em doena falciforme

    Salmonella typhimurium

    Salmonella enteritidis

    Salmonella choleraesuis

    Salmonella paratyphi B

    Staphylococcus aureus

    Haemophilus influenzae

    Escherichia coli

    Enterobacter spp.

    O diagnstico complicado pelo quadro clnicomuitas vezes indistinguvel de uma simples CVO.Alm disso, exames radiolgicos simples so de baixaacurcia. Alteraes precoces nas radiografias comoperiostite e osteopenia so inespecficas. A sensibili-dade da ultrassonografia pode alcanar at 74%15, maso principal achado de fluido periosteal pode ocorrerem CVO no complicada. Muitas vezes, essa compli-cao s suspeitada aps 1 a 2 semanas de trata-mento para crise lgica sem sucesso. Cintilografiassea e ressonncia magntica so as melhores op-es diagnsticas.15,16

    Embora a hemocultura possa identificar o agenteetiolgico da osteomielite em aproximadamente metadedos casos15, no restante, a escolha antibitica deve serbaseada nos patgenos mais comumente implicados.Uma boa opo teraputica para tratamento emprico a associao de Oxacilina com Ceftriaxona ou Ci-profloxacina.15 Na osteomielite aguda, o esquema an-tibitico deve ser mantido por no mnimo 6 semanas.15

    Sndrome torcica agudaSndrome torcica agudaSndrome torcica agudaSndrome torcica agudaSndrome torcica aguda

    Sndrome torcica aguda (STA) a segundaprincipal causa de hospitalizao e a maior causa deinternao em centro de terapia intensiva e mortalida-de precoce em falciformes.17 Aproximadamente me-tade dos pacientes apresentar STA durante sua vidae parte deles ter quadros recorrentes.17

    Na maioria das vezes, a STA se desenvolveaps 24 a 72 horas de CVO em membros ou t-rax.10,17,18,19 definida como infiltrado alveolar novo radiografia de trax, associado a um ou mais sinto-mas como febre, sibilncia, tosse, taquidispnia, dortorcica e hipoxemia.

    Sua fisiopatologia complexa e envolve infec-o, embolia gordurosa (por necrose ssea), trombo-se pulmonar in situ e vaso-ocluso. A etiologia infec-

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    ciosa compartilhada por microorganismos atpicos,principalmente Chlamydia e Mycoplasma, vrus e ou-tras bactrias mais comuns, como Haemophilusinfluenzae, Staphylococcus aureus, Klebsiella epneumococo.17,18,19

    Devido dificuldade da definio etiolgica e gravidade do quadro, est comumente indicada tera-pia emprica com cefalosporina de terceira ou quartagerao ou beta lactmico, associada a macroldeo.17

    Assim como na CVO, principalmente pelo au-mento da permeabilidade vascular pulmonar na STA,deve-se evitar a hiper-hidratao, pela possibilidadede congesto pulmonar sobreposta ao quadro.9,10 Ba-lano hdrico rigoroso e peso dirio devero servir deguia para controle da infuso de lquidos.

    Oxignio suplementar est sempre indicado emcaso de hipoxemia.10 Deve-se tambm aumentar onvel de Hb nos pacientes hipoxmicos. A transfusosimples est indicada at o Hematcrito (Ht) mximode 30%. Se no houver correo da hipoxemia nestemomento, deve-se iniciar transfuso de troca, na ten-tativa de diminuir a HbS at valores menores que 30%,guiando-se a indicao pelo quadro clnico do pacien-te.10,21 Um esquema que pode ser utilizado na trans-fuso de troca sangria de 500mL, seguida de hidra-tao com SF 0,9% 500mL e nova sangria de mesmovolume, com posterior transfuso de 1 CH.20

    A hiper-reatividade brnquica est presente emmais de 13% dos episdios de STA18,22, portanto ouso de broncodilatadores est indicado, mesmo sem

    Figura 1: Sugesto de atendimento ao paciente falciforme com dor.

    PACIENTE FALCIFORME COM CRISE DE DOR

    Investigao da causa da CVO

    Radiografia de trax

    NormalVelamento alveolar + sinais/sintomas

    respiratrios

    Crise Vaso-oclusiva

    Repetir Raio X de trax em 24 a 72hou se sinais/sintomas respiratrios

    Hidratao at euvole-mia. Evitar hiper-

    hidratao!

    Analgesia com dipirona,AINE e/ou Tramadol,

    paracetamol/codena sedor leve a moderada.

    Uso de morfina ou fentanilse dor forte.

    Evitar meperidina!Balano hdricorigoroso e pesodirio em jejum

    SndromeTorcica Aguda

    Hb>10g/dL:Transfuso de troca.

    Sangria de 500 mL, seguida dehidratao com SF 0,9% 500 mL

    e nova sangria.Transfuso de 1CHF.

    Amoxicilina-Clavulanato1g EV 8/8h + Claritromicina

    500 mg EV 12/12h

    Aerosol combroncodilatador

    Hb10 g/dL.

    Hidratao e analgesia(conforme fluxograma CVO)

    Hipoxemia

    Oxigniosuplementar +Hemograma

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    evidncia clnica de broncoespasmo. Seu uso parecemelhorar o prognstico destes pacientes, assim comoum programa de fisioterapia respiratria precoce.

    Sequestro esplnicoSequestro esplnicoSequestro esplnicoSequestro esplnicoSequestro esplnico

    O sequestro esplnico uma complicao mui-to frequente na infncia.14,23 Entretanto, pode ocorrerem adultos, principalmente em hemoglobinopatia SC. um quadro grave, com mortalidade elevada.

    caracterizado por aumento do volume dobao, com queda de pelo menos 2g/dL da hemoglobi-na, e sintomas de anemia e hipovolemia.23 Seu mane-jo baseado em hidratao venosa cuidadosa e trans-fuso de CH com a finalidade de manter um nvelmnimo de Hb que possibilite estabilidade hemodin-mica. A indicao da transfuso deve ser judiciosa,pelo risco de aumento sbito da viscosidade aps re-soluo do sequestro.

    A esplenectomia de urgncia pode ser neces-sria, e a eletiva deve ser indicada em todos os casosaps recuperao.23

    PriapismoPriapismoPriapismoPriapismoPriapismo

    Priapismo ocorre pelo aprisionamento das he-mcias falcizadas no corpo cavernoso e tem incidn-cia de at 100% dos pacientes do sexo masculino. Opriapismo pode ser intermitente, definido como epis-dios com durao de 30 minutos a 4 horas, ou prolon-gado, quando se mantm por mais de 4 horas, poden-do levar a fibrose e impotncia.10

    Hidratao, estmulo para urinar, analgesia eagentes adrenrgicos podem ser utilizados na tentati-va inicial de revert-lo. Deve ser indicada abordagemcirrgica em priapismo prolongado para evitar seque-las. Aspirao e irrigao do corpo cavernoso comsoluo de epinefrina foram utilizadas com sucessoem vrios estudos. Se no ocorrer reverso com es-sas medidas, shunt cavernoso deve ser realizado.10

    Transfuso nesses casos parece estar relacio-nada ao aumento da incidncia de eventos neurolgi-cos.10,20

    Acidente vascular cerebralAcidente vascular cerebralAcidente vascular cerebralAcidente vascular cerebralAcidente vascular cerebral

    Acidente Vascular Cerebral (AVC) compli-cao grave que pode ocorrer em qualquer faixa etria.A isquemia cerebral na infncia est relacionada falcizao da vasa vasorum com estreitamento arteri-al subsequente.12,24 Sua incidncia caiu drasticamente

    aps o estudo STOP que evidenciou a importncia doscreening ultra-sonogrfico de hiperfluxo das artriascerebrais na profilaxia primria de evento isqumi-co.12,24,25 A partir dessa triagem de baixo custo, a trans-fuso crnica com objetivo de manter HbS

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    tirosil.27,28 Essa medicao foi usada inicialmente paracontrole do hematcrito e do nmero de plaquetas empacientes com neoplasias mieloproliferativas.

    Sua ao na doena falciforme baseada noprincpio de que os eritroblastos mais ativos, produto-res de hemoglobina S, so mais sensveis ao destadroga que os eritroblastos quiescentes produtores deHb fetal, favorecendo a proliferao destes ltimos eaumentando a concentrao de Hb fetal.29 A HU tam-bm diminui o nmero de leuccitos e plaquetas, dimi-nuindo seu potencial de leso do endotlio. Outro me-canismo envolvido na melhora clnica dos pacientesfalciformes em uso desta droga a produo de xidontrico pelo seu metabolismo. Esse gs leva estimu-lao da guanilato-ciclase, causando vasodilatao. Aproduo deste gs parece levar a compensao daperda do xido ntrico endgeno, cuja concentraoencontra-se diminuda por sua ligao Hb livre re-sultante da hemlise intravascular.

    A HU j teve seu papel comprovado na dimi-nuio das CVO, da necessidade de transfuso, e dos

    episdios de sndrome torcica aguda.30 SegundoSteinberg et al,31 houve reduo da mortalidade em40% aps nove anos de seguimento dos pacientes.Apesar de subutilizada, medicao de uso habitualbastante frequente nos pacientes hospitalizados comcomplicaes agudas da doena falciforme. Seu usodeve ser interrompido naqueles com possibilidade deinfeco, pelo risco de piora do quadro por supressoda resposta medular.

    ConclusoConclusoConclusoConclusoConcluso

    As complicaes da doena falciforme estoassociadas sua fisiopatologia e eventos relaciona-dos falcizao das hemcias.

    O conhecimento das intercorrncias na doenafalciforme de extrema importncia para todos osnveis de atendimento destes pacientes, j que a de-teco precoce das complicaes possibilita tratamentoadequado e diminuio da morbimortalidade relacio-nada a elas.

    ABSTRACT

    Sickle cell anemia (SCA) is an autosomal recessive disease characterized by the presence of hemoglobinS. It presents with hemolytic anemia e vaso-occlusives phenomena. The term sickle cell disease (SCD)includes the SCA and a group of compound heterozygous states in which the person has only one copyof the mutation that causes HbS and one copy of another abnormal haemoglobin allele, like sickle-hemoglobin C disease (HbSC), sickle beta-thalassaemia and other rarer combinations. There are manyacute complications of SCD: vaso-occlusives crisis, encapsulated organisms infections, mainly of theairways and sepsis, acute chest syndrome, splenic sequestration, priapism, stroke and aplastic crisis.The knowledge of these complications is very important for all grades of medical assistence. The earlydetection allows appropriate treatment and reduction of the morbidity and mortality associated with thedisease.

    Key words: Sickle cell disease. Anemia, Sickle Cell. Vaso-occlusives crisis. Acute Chest Syndrome.

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