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SINAIS DO FUTURO IMEDIATO...corporações e viverem seus saltos exponenciais rumo ao futuro. Esse papel do genial Silvio Meira, nos leva um pouco ao, como ele mesmo diz, futuro do

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SINAIS DO FUTURO IMEDIATO INTERNET DAS COISAS, PLATAFORMAS, MERCADOS EM REDE

E TRANSFORMAÇÃO DIGITAL

Silvio Meira, Chief Imagination Officer, MuchMore.digital

Com Bruno Encarnação, Ariela Primo, Teco Sodré, Bob Wollheim, MuchMore.digital

PREFÁCIO: Nizan Guanaes, DM9DDB & Grupo ABC

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Índice

Daqui pro Futuro: porque os Sinais são Imediatos? ........................................................................... 4

Prefácio: Adoro tudo que vem pela frente, desde que venha pela frente .................................. 5

A Internet das Coisas ........................................................................................................................................ 6

As Plataformas e os Mercados em Rede ................................................................................................ 19

A Grande Transformação Digital ............................................................................................................ 32

Créditos, Agradecimentos e Copyright ................................................................................................ 46

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Daqui pro Futuro: porque os Sinais são Imediatos?

Vez por outra a gente é tentado a fazer previsões para o futuro próximo, como se houvesse uma descontinuidade radical entre o que está acontecendo agora e o que poderá vir a rolar depois de uma data qualquer, como o 31/12 de qualquer ano. Na MuchMore, não pensamos o futuro nestes termos. O futuro –qualquer um que há de acontecer- já está rolando, em parte, agora, só não está homogeneamente distribuído. Seja como imaginação, ou planos, ou protótipo ou, quem sabe, talvez até já tenha até acontecido há algum tempo e ninguém tenha notado. Ou, em muitos casos, tenha acontecido, mas não era seu tempo ainda –deu errado- e, de repente, vai voltar a acontecer.

Aí, pra se prevenir, é melhor a gente falar do futuro imediato, e não do ano ou do trimestre que vem. Qual é a diferença entre o futuro imediato e o futuro, só? É que o imediato é o que vai se dar nos próximos poucos anos, digamos 1, 3, ou 5. E o futuro pode se dar a qualquer tempo, entre amanhã e o fim do mundo. De qualquer forma, mesmo que se tenha um certo grau de certeza sobre o que poderia vir a acontecer daqui a algum tempo, quem faz previsões sempre se arrisca muito, pois um grande número de coisas pode atrapalhar o desenrolar das ideias, projetos, processos, tecnologias, tudo. A eleição de um presidente aqui, a queda de outro acolá, um tsunami lá, uma mudança radical na base tecnológica, em todo canto. Ou pode não haver futuro nenhum, se depender de Stephen Hawking1 . Mas isso já é outra história.

Neste texto, vamos apostar nos futuros mais próximos que dependem - de uma ou outra forma - de tecnologias da informação e comunicação. E escolhemos quatro temas que são muito relevantes para todos os tipos de organizações [nos próximos anos, senão agora, já]: primeiro, a internet das coisas; segundo, plataformas; terceiro, mercados em rede e, quarto, transformação digital.

Internet das coisas, IoT, poderá ter um impacto tão grande como a internet, na maioria dos negócios. E está quase pronta para acontecer em grande escala econômica e social. Plataformas

são os fundamentos essenciais para Mercados em Rede, e trataremos os dois em conjunto. A última parada será uma conversa sobre a Grande Transformação Digital em todos os setores, mercados e negócios, além de seu impacto nas pessoas, dentro e fora dos negócios, resultado de cinco décadas de maturação das tecnologias de computação, comunicação e controle digitais, seja na forma de hardware e [ou] software mas, acima de tudo, de conhecimento e comportamento, na prática, no dia-a-dia, das organizações e das pessoas.

1 No site da CNN, no link... cnn.it/2lf2HRo.

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MuchMore.digital, Porto Digital, abril de 2017.

Adoro tudo que vem pela frente, desde que venha pela frente O mundo sempre mudou, nenhuma novidade, o que nos diferencia hoje de algumas décadas é a velocidade da mudança e não a mudança em si. Como bem explica Salim Ismael da Singularity em seu livro Organizações Exponenciais, vivemos tempos acelerados, onde a mudança é extremamente rápida e, onde as pessoas e as empresas que querem se perpetuar, precisam acompanhar esse ritmo.

Simples assim.

Mas, como nosso organismo e nossas organizações são feitos para resistir à mudança, ao desconhecido e a se manter no modo seguro, atual, conhecido, um mundo em velocidade exponencial torna-se agressivo, as vezes violento para muita gente e para a maioria das organizações do mundo.

Não tão simples, então.

Seja do ponto de vista pessoal, como das empresas, o momento exponencial pede a capacidade de reinvenção, do repensar constante, da libertação do conhecido, da abstração do que valia ontem e talvez hoje não valha mais, da curiosidade constante pela descoberta, pela nova invenção, processo, produto ou modelo de negócio.

É com esse olhar, aberto e curioso, que trafego minha vida, seja pessoal, apreendendo todo o dia com os mais jovens e com os diferentes de mim, seja profissional, olhando praquilo que ontem não existia, sem preconceito, sem sofrimento e sem ficar preso a padrões, modelos ou formatos.

Foi desse modo que conheci gente como Silvio Meira, Teco Sodré e Bob Wollheim, pessoas que vivem nesse modo exponencial e que, mais do que isso, trouxeram essa vibração mais perto de mim e do Grupo ABC, nascendo assim a MuchMore, empresa que irá ajudar grandes corporações e viverem seus saltos exponenciais rumo ao futuro.

Esse papel do genial Silvio Meira, nos leva um pouco ao, como ele mesmo diz, futuro do presente, o futuro que já é agora!

Divirta-se, apreenda, ensine e venha junto mudar o mundo!

Nizan Guanaes,

Chairman do Grupo ABC e fundador da DM9.

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A Internet das Coisas

Para começar, vamos olhar rapidamente um dos gráficos que o setor de TICs mais analisa, todo ano, na eterna busca de sinais de possíveis futuros e, talvez, de não ser pego de surpresa se por acaso os sinais se tornarem realidade. A imagem abaixo é o Hype Cycle For Emerging Technologies2 do Gartner Group3, versão 2016 para o universo digital, mostrando só alguns pontos de interesse desse texto.

A explicação do Gartner sobre os detalhes deste gráfico e o contexto para o ano de 2016, em particular, está no link da nota 2, no rodapé; e a Wikipedia4 tem uma boa explicação sobre o processo de construção do gráfico. Como você está vendo, a primeira “coisa” que aparece na imagem, como um círculo lilás –que quer dizer adoção em escala em 10 anos ou mais…- é “smart dust”. E isso nos leva a explicar algo relevante sobre o gráfico: ele não trata de tecnologias, em si, mas de tecnologias que têm um potencial de mudança, no mercado.

2 No site do Gartner Group, no link gtnr.it/2lkP00a. 3 No site do Gartner Group, no link gtnr.it/2lfbZwO. 4 No site da Wikipedia, no link bit.ly/2kItB3m.

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Smart dust está no começo da subida do innovation trigger; isso não quer dizer que a tecnologia é nova [o conceito é de 20015; a primeira implementação prática é de 20076] ou que está sendo testada; mas que as primeiras aplicações práticas que têm grande potencial estão a caminho. No caso, como mostra a ilustração abaixo, já se consegue colar smart dust nos nervos de um modelo animal [um rato, no caso] e tanto enviar como retirar informação de lá. O potencial é imenso, como discutido em Sprinkling of Neural Dust Opens Door to Electroceuticals7, de agosto de 2016.

Mas estamos a dez ou [muito] mais anos de tal “poeira” aparecer num nervo humano, meu ou seu, pra testar ou controlar alguma coisa. O segundo ponto da curva do gartner é 4D printing. Que é uma forma de 3D printing que resulta em objetos que têm um comportamento armazenado, que será ativado quando for combinado com alguma coisa. Como água, por exemplo, ou os fluidos do seu trato intestinal.

5 O artigo original, na ACM DIGITAL LIBRARY, está no link bit.ly/2g619WK. 6 O texto sobre a implementação da HITACHI apareceu na PopSci, no link bit.ly/2kBaJkk. 7 No site Berkeley News, no link bit.ly/2fdS0ID.

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É interessante notar que quase tudo que se chama de impressão 3D, hoje, é na verdade impressão 2D aditiva; múltiplos níveis de impressão em duas dimensões criando um objeto em três dimensões. Elementar e rudimentar, ainda, para o que pode vir a ser a síntese de objetos tridimensionais complexos de grande porte e em muito larga escala, como drones militares8, usando um chemputer9, ficção que você pode ver no YouTube10, e que talvez nem esteja tão remota no futuro da fabricação de objetos. Essa não está em lugar nenhum do gráfico do Gartner... E talvez não esteja, nem tão cedo.

É bom dizer que um grande número de pontos que aparece no gráfico do Gartner desaparece sem deixar rastro, pois não resiste à passagem pelo pico das expectativas inflacionadas, o cume do gráfico, onde muita gente acha que aquilo vai resolver tudo... E depois vê que não resolve quase nada. E aí não tem mercado. Não acho que este é -ou será- o caso do nosso primeiro sinal do futuro imediato, a internet das coisas, que aparece no início do pico do gráfico, como IoT platforms, plataformas para a internet das coisas, com um horizonte de 5 a 10 anos para adoção em larga escala.

8 No site da BAE Systems, no link bit.ly/2kGLIXq. 9 The Guardian, bit.ly/2kGWoW5. 10 No YouTube, Growing UAVs Through Chemistry, no link bit.ly/2kGLUG9.

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Coisas, nos termos que entendemos, e que são muito amplos, são dispositivos que têm, em alguma intensidade, capacidades de computação, comunicação e controle, simultaneamente, como indica o gráfico abaixo.

Se não tem sensores ou atuadores que lhe permitem características de controle, um objeto está no plano de computação e comunicação, é uma máquina em rede; se não tem capacidade de comunicação, é um sistema de controle digital; se não tem capacidades computacionais, é o que antigamente se chamava [e eles ainda existem, hoje] sistemas de telemetria.

Coisas, aqui pra nós, têm as três características, e todas elas digitais. A gente até poderia dizer que coisas, no sentido de internet das coisas, são objetos digitais completos.

Mas é preciso dizer que as coisas, no verdadeiro sentido da internet das coisas, são na verdade outras coisas -objetos físicos, sem qualquer das características acima, que são envelopados por uma camada digital que tem as características da imagem. E isso vai de uma lâmpada e uma fechadura até uma turbina e um veículo inteiro. Daqui pra frente, neste texto, coisas são a combinação de

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objetos físicos quaisquer com sua camada digital, normalmente inseparáveis. Lá na frente, pode ser que tal inseparabilidade seja uma propriedade dos objetos digitais nativos, mas isso fica pra outras história.

Há um conjunto de características desejáveis para uma coisa em rede, resumido na noção de SmartX, que este autor descreveu há anos11. Por economia de nomenclatura, vamos tratar nossos SmartX como coisas, nesse texto, abusando da sobrecarga que o nome já tem. Uma coisa, daí, é uma combinação dos conceitos de everyware, de Adam Greenfield12, e spime, de Bruce Sterling13, e pode ser definida pelo decálogo a seguir:

1. Cada e toda coisa está [mas não necessariamente de forma permanente] na rede;

2. A forma de uma coisa se conectar à rede é [quase sempre] wireless;

3. A vasta maioria das coisas é múltipla [pode haver uma infinidade de cópias] mas...

4. Cada coisa é identificável de forma única [ou seja, pode ser endereçada] e... 5. Coisas obedecem ao princípio SFO [search, find, obtain; ou seja, dá pra procurar, encontrar e obter uma cópia de uma coisa, se existir]; mas...

6. As características de computação, comunicação e controle de tais coisas são [quase sempre] imperceptíveis [a “olho nu”] porque... 7. As coisas estão embarcadas, embutidas, associadas ou, de resto, fazem parte de objetos físicos e, também por causa disso,...

8. As coisas têm interface [quase sempre] “invisível”. Ainda mais, coisas... 9. Carregam seu próprio plano de construção, uso e reciclagem e, por fim... 10. Uma coisa guarda ou deposita na rede seu rastro histórico.

As características 1 - 10, acima, não são uma definição de como as coisas são agora, mas de como elas deveriam ser -ou serão- quando derem certo. "Dar certo", aqui, quer dizer ter uma penetração -ali no futuro- como celulares e smartphones têm, hoje, aqui. Isso vai levar alguma coisa entre 5 a 15 anos. O que quer dizer que a lista de 10 "desejos", acima, é uma grande oportunidade para criar, inovar e empreender. E isso não vai se dar, necessariamente, no

11 Em boletim.de/silvio, no link bit.ly/1lbLfrN. 12 Em The Well, no link bit.ly/2kBkCid. 13 Discussão sobre o livro Shaping Things no BoingBoing, bit.ly/2jW9avx.

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mercado de pessoas e casas, primeiro. É muito mais provável que comece -em escala, porque começar já começou...- pelas empresas e, em particular, pelas grandes empresas.

A imagem abaixo é um chute da Forrester14 para o potencial de IoT na indústria e empresas: o quadro ainda é muito disperso, mas já dá pra ver que produção industrial -fábricas- e logística são duas áreas muito quentes agora e no futuro próximo.

É quase certo, também, que não haverá um BYOT [bring your own things...] nos ambientes corporativos, de uma hora pra outra. Você não vai levar sua câmera IP, ou sensores de temperatura e humidade, para o prédio em que trabalha. Nem os caminhões de entrega do seu trabalho serão informatizados -em parte- por coisas que os próprios trabalhadores vão inserir no processo. Isso pode até funcionar na partida, de forma ingênua, mas não vai passar pelo crivo dos dez princípios sistêmicos que mostramos a seguir, que tendem a definir o que as coisas -quer no trabalho, nas lojas e ruas, em casa ou em você- vão ser.

14 Na Forbes, no link bit.ly/2gR5lHg.

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As coisas não existem soltas, por aí. E não são, ou não deveriam ser, simplesmente, sensores e atuadores em rede. Isso seria diminuir muito o que se espera de #IoT, the internet of things, e reduzir seu potencial ao da velha, boa e ultrapassada telemetria. Para que todo seu potencial possa ser capturado, as coisas têm que fazer parte de um sistema, de uma ou de um conjunto articulado de plataformas.

Mas uma das tendências, para tudo que se faz em informática, desde sempre, é olhar e pensar primeiro do ponto de vista físico. E deixar as consequências para depois. Mas o que acontece quando vemos coisas como parte [possivelmente virtual] de um sistema? Essa é a verdadeira tendência que está começando a emergir agora, na gênese da internet das coisas. Sem medo de errar, pode-se dizer que as coisas-como-tal, descritas acima, passarão muito em breve a ser vistas como coisas-num-sistema, o que vai possibilitar arranjos e soluções muito mais interessantes, sofisticados e sustentáveis.

Pra isso, teríamos que olhar para as propriedades de cada coisa, vistas como parte de um sistema e cada uma delas, não por acaso, como um sistema de informação e suas propriedades. E tudo isso em rede, claro. Aí... cada coisa tem [ou deveria ter]...

1. Um conjunto de funcionalidades bem definidas;

2. A tais funcionalidades há que se atribuir certas características de disponibilidade e

3. Performance; estas características quase sempre estarão associadas tanto ao substrato físico de uma coisa quanto ao seu invólucro digital... E normalmente só farão sentido em tal combinação; ainda por cima, 1+2+3 devem ser fornecidas de forma

4. Segura.

Aqui a gente faz uma pausa nesta lista de propriedades para dizer que segura é tudo o que a internet das coisas ainda não é. E que a tentativa de levar ao mercado serviços-baseados em coisas- que não passam pelos mínimos testes de segurança vai criar muitos problemas, gerar prejuízos, fomentar desconfiança e embates legais que deverão afetar, severamente, muitos fornecedores.

Porque os clientes e usuários já estão vivendo parte do caos e dos prejuízos. Um experimento feito por um especialista, há pouco, mostra o estado de [in]segurança da internet das coisas: uma câmera IP foi infectada 98 segundos depois de "entrar no ar" [na rede] e, cinco minutos depois, estava programada para ser um agente de um botnet da classe Mirai15. Um destes botnets, em outubro passado, derrubou o provedor DYN DNS16, no maior ataque DDOS de [por enquanto] todos os tempos, com cerca de 1.1 Terabit por segundo de tráfego.

15 Na Wikipedia, no link bit.ly/2ldzSVD. 16 No TechTarget, no link bit.ly/2jWcRBd.

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Imagine seu negócio saindo do ar durante horas por causa de um grupo de adolescentes que assumiu o controle de uma miríade de máquinas de lavar e secar, TVs, fechaduras e roteadores, sem falar em lâmpadas e câmeras. Pra você e as dezenas de milhões de usuários afetados, não terá a menor graça e pode, sim, haver prejuízo e riscos reais como efeito colateral. Com vidas em jogo, inclusive. Pode não ter graça, mesmo. Tudo porque as coisas dominadas pelos garotos eram inseguras. Muito inseguras.

Se dermos conta disso, voltamos para nossa lista de propriedades sistêmicas para afirmar que teremos que ter

5. Usabilidade, combinada com

6. Resiliência.

Usabilidade é um conceito intuitivo; no fundo, diz que o uso de uma coisa não deve demandar capacidades intelectuais e conhecimento incomuns do seu público alvo, que poderá, de forma simples e satisfatória, usar algum objeto de forma eficaz e eficiente. E isso tem que se aplicar ao ciclo de vida do objeto, concreto ou virtual. Pense na usabilidade dos seus objetos e dê uma nota de zero a dez, pra ver como ainda não temos a usabilidade que deveríamos ter [nos smartphones, por exemplo]. Resiliência é a habilidade de, mesmo diante de certos tipos de falhas, manter uma parte da funcionalidade a serviço do usuário. Combinar usabilidade e resiliência -ao mesmo tempo- não é trivial. E quase nada no mercado consegue chegar nem perto disso. E não vai ser mais fácil na internet das coisas.

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A sétima propriedade das nossas coisas em rede deveria ser

7. Manutenibilidade e Evolução: coisas dispersas por aí precisam -ou precisarão- ser mantidas e evoluir, como parte e no contexto de um sistema.

Olhe para o que aconteceu nos smartphones e imagine o tamanho do problema que teremos com coisas. Embarcadas, embutidas, associadas ou, de resto, fazendo parte de objetos físicos. Por causa disso, as coisas terão bugs como qualquer outro objeto digital. E, se isso não for resolvido... imagine o resultado.

Muitos destes bugs terão consequências lá atrás, no item 4, causando problemas de segurança. E você certamente vai querer que o seu fornecedor conserte o backdoor da fechadura da sua casa. E a empresa que fornece sua água encanada vai querer que se corrijam as falhas de segurança em válvulas, bombas e sistemas que custaram cem, mil vezes mais do que sua fechadura mas que foram, do ponto de vista de engenharia de software, projetados e construídos com o mesmo cuidado. Ou falta dele. Isso quer dizer que as coisas que darão certo, do ponto de vista prático e tanto nos ambientes industriais e de negócios como nas casas e para as pessoas, têm que ser pensadas e construídas primordialmente dos pontos de vista de segurança, manutenção e evolução. E ainda falta muito pra gente chegar lá.

E ainda temos mais três pontos, quando se olha para coisas-como-sistema, para dar conta. Primeiro,

8. Escalabilidade: de um lado, das coisas em si, da possibilidade de haver muitos objetos digitais do mesmo tipo, em muitos lugares, sem qualquer tipo de conflito. Por outro lado, quando se trata coisas-como-sistema, da necessidade da plataforma [vamos falar disso na próxima seção] que sustenta as coisas [e, talvez, boa parte de sua funcionalidade e outras características] dar conta do eventual sucesso -ou seja, de haver muitos, muitos deles na rede- de uma certa classe de objetos digitais.

O pior que pode acontecer, pra quem vai ter coisas de todos os tipos ao seu redor, é elas terem problemas de performance ou indisponibilidade porque parte de sua funcionalidade [por exemplo] depende de uma plataforma que não está disponível vez por outra, quase sempre.

Se tudo der certo, o número de coisas na rede vai crescer muito. Nada menos do que cinco vezes em uma década, e saindo de uma base instalada de mais de 15 bilhões de coisas em 2015, como mostra o histograma da IHS17 na página seguinte.

E como o nome internet das coisas já diz, isso acontece em rede. Aí, escala é o que vai contar. Mesmo que seu negócio, hoje, só seja a plataforma [mesmo sem você saber] para dezenas ou

17 Na Forbes, no link bit.ly/2gR5lHg.

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centenas de coisas em rede, ele só vai sobreviver se você ganhar escala. Imaginando que tudo, na rede das coisas, vai crescer por fatores de 5, 10, 15, 100... 1000, nos próximos dez anos, essa é a sua chance de ganhar escala, se você tiver uma plataforma para tal.

Face ao crescimento desordenado do mercado global de coisas, os números, tanto da base instalada como das previsões para o futuro, não são coerentes. A diferença entre a estimativa acima e a da BI Intelligence para o número de coisas instaladas em 2020 é mais de 5 bilhões [o número da BI é 25 bilhões18]. Mas a gente tem que convir que mesmo 25 bilhões de qualquer coisa é um monte de coisas... tipo mais de sete vezes o número total de usuários da internet no mundo em 2016 [3.5 bilhões, segundo o Statista19].

O número de coisas em 2020 é ainda menor para o Gartner Group [20.4 bilhões20, perto de seis vezes a quantidade de pessoas em rede], com um crescimento de 31% entre 2016 e 2017. Coisa de gente grande. E de potencial tão grande que os grandes provedores internacionais de plataformas de software corporativo vão apostar bilhões na parada: só a SAP está investindo €2 bilhões até 202021 para ter sua própria IoT Platform. Lembra da nossa primeira figura? Quem estava saindo da fase de gatilho de inovação e entrando no pico das expectativas inflacionadas? Eram, justamente... as IoT Platforms. Aquele gráfico do gráfico não é um chute; consolida as visões e

18 Tech Insider, no link read.bi/2dV7UGt. 19 Statista, no link bit.ly/2oCFMzS. 20 Gartner Group, no link gtnr.it/2oLnUDt. 21 Fortune, no link for.tn/2nPWWv2.

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apostas de fornecedores e consumidores do que aparece lá. É muito provável que qualquer provedor de plataformas corporativas que não tenha uma oferta muito relevante em IoT, no fim da década, esteja, lá, começando a sair do mercado.

Depois a gente fala de impacto da internet das coisas nos modelos de negócios, porque este vai ser um novo capítulo da história dos mercados, de impacto talvez tão grande quanto o da própria internet. Agora, só pra gente tentar entender o que pode acontecer no mercado de coisas, é olhar a imagem abaixo, da Zinnov22, que mostra uma duplicação do investimento corporativo em IoT em cinco anos, e quase tudo em hardware, por sinal, o que é natural na construção de uma infraestrutura de informação [como é o caso de uma que, ainda por cima, tem uma alta densidade de sensores e atuadores na sua periferia].

Aqui vale um lembrete pra nós, brasileiros [especialmente os que vão tentar empreender em IoT]: por um número de razões de nosso próprio entendimento de mundo, desenvolvimento, investimentos e [in]competência históricas, o Brasil é, e sempre foi, inviável como produtor e fornecedor -de classe mundial- de qualquer classe de hardware. Não entre nessa. Mesmo que o governo [qualquer que seja...] apareça com um discurso sobre a importância de hardware na internet das coisas, e diga que tem uma política pra isso, saiba que o Brasil não fez [e não está fazendo, e não deverá fazer... infelizmente] o dever de casa para ser competitivo no setor, seja em computadores, smartphones ou... coisas. Chips, então, nem pensar. E boa parte das razões descritas em um texto23 que escrevi para "comemorar" os 40 anos da reserva de mercado, em

22 Na Forbes, no link bit.ly/2gR5lHg. 23 O Mercado, a Balança, a Reserva e a Mesma e Velha [e Inútil?]..., em boletim.de/silvio, no link bit.ly/1KGfBZV.

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2012, continua valendo. Vá ler. E depois não diga que não foi avisado. Coisas, aqui, como negócio, só se forem produtos-intensivos em serviços, como é proposto pela rede do CESAR24, para uma potencial política brasileira para o setor.

Ah!... Voltando às coisas-como-sistema, a penúltima condição para que coisas existam como parte de um conjunto articulado de todos, como sistema, é uma combinação, uma fusão dos fatores que, em cada [nicho de] mercado, fará as coisas lá entrarem e, em última análise, darem certo, fazerem sentido naquele cenário em particular:

9. Investimento estrutural, custo/benefício aceitável, time to market e roll out apropriados, tempo [esperado] de vida, tempo [esperado] de evolução para patamares de custo, performance e benefício muito mais atrativos... e por aí vai.

E, por fim, mas não menos importante ou relevante,

10. As coisas, nos negócios, têm que levar em conta o legado e sua interação com ele.

Porque sua inserção em contextos de negócios não é num vazio informacional, num campo plano para se construir tudo do zero. De padarias a fábricas de automóveis e aviões [e às coisas que estes fabricam] já há sistemas de informação nos lugares, tanto hardware como software e, em muitos casos, há vastas operações de "telemetria" que se confundem, na cabeça de quem as tem, com uma certa -talvez mais simples e rudimentar- internet das coisas. Em tais cenários e contextos, a integração com objetos, produtos, serviços e sistemas legados será absolutamente fundamental para garantir o sucesso de iniciativas relacionadas à internet das coisas.

Taí. Dez pontos sobre como as coisas-em-si terão que ser e, mais detalhadamente, outros dez pontos sobre como as coisas-como-sistema provavelmente serão, para "dar certo".

Se você achou que ficou longo e complexo... é porque o problema é não só de muito grande dimensão e complexidade, ele também é complicado e será caótico em muitas organizações e ambientes de negócio. E a gente não contou nem 10% do que acha que pode vir a acontecer neste cenário das coisas, no futuro, porque o tempo é curto e, quem sabe, a paciência, do leitor, também.

24 IoT: Uma Estratégia para o Brasil, no site do CESAR.org.br, no link bit.ly/2kNWskp.

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Agora passe a vista na última imagem desta seção, logo abaixo25. De acordo com a pesquisa recente que o histograma representa, ainda não há nenhum mercado onde mais de 10% dos agentes considere que IoT é crítico para o sucesso de seu negócio. E só em um único mercado IoT é considerado muito importante por mais de 20% das empresas. Mas eu e você sabemos que IoT está aí e vai fazer uma grande diferença em todos os mercados.

Então... o que falta para que todos os agentes percebam, pelo menos, que IoT será muito importante, para não dizer crítico, para seu sucesso, no curto prazo? Bem... além do que já se disse até aqui sobre tudo o que ainda falta ser feito do ponto de vista de infraestrutura e serviços relacionados a IoT, falta, obviamente a killer app de cada mercado, talvez uma ou mais killer apps que sirvam a vários mercados.

Quando ela[s] aparecer[em]... vai ser um deus-nos-acuda. É por isso mesmo que você não pode simplesmente esperar que tais apps apareçam do nada; trate de experimentar, de tentar descobrir porque, como e pra que IoT vai mudar sua forma de servir usuários, clientes e fazer negócios, talvez pra sempre, pra sair da frente da competição. Ou junto com ela, na pior das hipóteses.

25 Este gráfico está na Forbes, no link bit.ly/2gR5lHg.

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As Plataformas e os Mercados em Rede A Feira de Caruaru,/ Faz gosto a gente vê./ De tudo que há no mundo,/ Nela tem pra vendê,/ Na feira de Caruaru.// Tem massa de mandioca,/ Batata assada, tem ovo cru,/ Banana, laranja, manga,/ Batata, doce, queijo e caju,/ Cenoura, jabuticaba,/ Guiné, galinha, pato e peru,/ Tem bode, carneiro, porco,/ Se duvidá... inté cururu.

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As estrofes do subtítulo desta seção vêm do começo d’A feira de Caruaru, de Onildo de Almeida, gravada por Luiz Gonzaga em 1957, há 60 anos; a letra lista mais de 50 itens que estariam à venda na mítica feira de mais de 200 anos, que eu achei uma enormidade quando estive lá pela primeira vez no início da década de 60, acompanhando meu pai. A gente morava em Arcoverde, cuja feira, comparada com o tamanho da de Caruaru, à época, parecia um mero terreiro. A "feira" de Caruaru, claro, era [ainda é] um mercado. E a feira não "é" de Caruaru, muito pelo contrário: a feira criou Caruaru; foi ao redor dela que a cidade nasceu e cresceu, de certa forma tornando diário um evento que, lá atrás, só rolava aos sábados.

A feira nasceu e cresceu em Caruaru porque o lugar é um entroncamento [é uma encruzilhada], uma meia distância entre o litoral e o começo do sertão de Pernambuco e, naquele ponto, mais ou menos equidistante dos limites norte e sul do estado. De repente, a posição, o lugar, fez de Caruaru o local certo pra uma feira, a maior que o nordeste já viu. Do ponto de vista da logística, do movimento de coisas, animais e pessoas, Caruaru era a plataforma pra que a feira acontecesse. A combinação de facilidades, lá, e as dificuldades, nas vilas e cidades mais próximas, tornaram Caruaru o lugar óbvio para uma boa feira.

Depois que ela começou a crescer e se tornar grande, e depois muito grande, entrou em cena o efeito quem-ganha-leva-tudo, o winner takes all que nós conhecemos muito bem na rede, hoje. E nunca aconteceu uma feira como a de Caruaru a um dia de distância de lá, e nem muito mais longe do que isso, e em muitas direções. Enquanto feiras eram essenciais, Caruaru took it all.

A "feira", claro, era analógica. Parte de um mundo e dentro de um contexto de sistemas analógicos. E era um mercado em rede. E não mesmo assim, ou apesar disso. Era um mercado em rede, ponto. Rede física, analógica, concreta. Tudo e todo mundo tinha que ir até lá, pra ter acesso à Plataforma Caruaru e seu grande, diverso, confuso e rico mercado ao ar livre, cheio de oportunidades.

Agora salte do fim do século do começo da feira, o XVIII, para o XXI, o nosso. Lembre-se de que lá, no começo da feira, não havia eletricidade, nem rádio, automóveis… não se usava anestesia lá no agreste e sertão e eram os barbeiros que cuidavam dos dentes dos clientes. Cuidar, aqui, quer dizer extrair quando doíam. Não havia nada que nos lembraria minimamente do futuro, de hoje. A descontinuidade de lá pra cá é radical. E, nesse tempo, o que foi que aconteceu com as plataformas e os mercados em rede?

Mais ainda, nos próximos poucos anos, o que é que pode vir a acontecer como os elementos que usamos para construir, manter e evoluir as plataformas e como eles vão mudar, e em que intensidade, os mercados em rede?....

Mercados em rede, aqui, não é pura e simplesmente a versão, para a internet, de algo como a feira de Caruaru. Nunca funcionaria. Mesmo uma simples loja - ou barraca da feira - não pode ser transposta para a internet simplesmente mostrando o estoque, online, e habilitando

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processos de escolha, compra e entrega. A gente tá cansado de saber que é muito mais do que isso. Mas… é muito mais o que?

Primeiro… o que é um mercado em rede? Para redes como a internet, digitais, abertas, globais…?

Há uma definição clássica para mercados em rede: são aqueles onde os agentes, compradores e vendedores, têm que investir em conexões que habilitam sua capacidade de se relacionar e interagir com terceiros. Um mercado em rede é um grafo26, onde os nós conectados por arcos têm o potencial de realizar transações. No mercado da figura abaixo, os vértices27 - o outro nome pra nós - [artistas = preto; galerias = azul, curadores = vermelho…] são pessoas e instituições de um certo mercado de arte abstrata28 e os arcos as conexões entre eles. Como é de se esperar, quem estava fora desta rede não apareceu neste cenário, não participou de exposições, não vendeu trabalhos… etc.

Pode parecer a coisa mais simples do mundo, mas não é. Em Inefficiencies in Networked Markets, Matthew Elliott29, dá uma boa ideia do tamanho do problema, mostrando que em muitos mercados é preciso fazer investimentos específicos em certos tipos de relacionamentos, para possibilitar transações. Nada que a gente não saiba, pelo faro, mas é sempre muito bom saber, de verdade e teoricamente, qual é o jogo e suas regras.

Dito isto, o que viria a ser um mercado em rede no nosso cenário, digital? Aí… é uma abstração de um mercado em rede clássico, onde os participantes, além das conexões físicas que sejam essenciais

26 Leia sobre Teoria dos Grafos na Wikipedia, no link bit.ly/2kmTZPh. 27 Mais sobre grafos no site do IME/USP, no link bit.ly/2khuyMG. 28 No Smithsonian, no link s.si.edu/2lfffIr. 29 Na biblioteca digital da CALTECH, no link... bit.ly/2gXlUnc.

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naquele mercado, tenham que criar, também, conexões abstratas, digitais, para fins de conexão, relacionamento e transações. É certo que há mercados em rede em que não há nenhuma conexão física… o que será o caso dos mercados em rede digitais.

Todos os mercados da atualidade são, de alguma forma, digitais. Por isso que vamos deixar o digital pra lá neste texto e tratar, simplesmente, de mercados em rede. Não fizemos um círculo para chegar no mesmo ponto; nossos mercados sempre têm formas de conexão digital e podem, ou não, ter conexões físicas.

Curioso é que a gente botou plataformas antes de mercados, lá no título, e começou definindo mercados. Essa era a ideia. A definição de mercados vai levar à demanda por e à definição de plataformas no nosso contexto.

Pra começar, imagine a internet como mercado. Mas a internet - e todas as suas facetas, possibilidades e complexidade - é [para os nossos fins] como se fosse o planeta. Se existe, ou está em rede ou se fala dele, ou dela, lá. Claro que o planeta é um, “o” mercado; mas você não vende nada neste mercado, o planeta. No planeta, os mercados estão segmentados, em múltiplas facetas, de muitas formas.

Lá no passado [na feira de Caruaru e até pouco tempo] o ciclo de vida de um produto e sua venda era mais ou menos representado pela figura abaixo, que mostra o caminho da ideia para o desenvolvimento e produção [a primeira nuvem à direita] de lá para a distribuição, deste para o revendedor e, finalmente, para o consumidor. Sem canal de retorno. Como se fossem apenas uma evolução das feiras medievais, onde o fornecedor passava [quase literalmente] só uma vez na vida por cada lugar, os mercados antes da rede tinham muito pouca conexão entre agentes e quase nenhuma abertura para o consumidor fazer qualquer coisa além de comprar. Dar suas opiniões… nem pensar.

23

Aí entra em cena a internet e os mercados passam a se comportar mais ou menos como a figura abaixo, a ponto do observador externo normalmente não fazer sentido nas múltiplas conexões à vista [sem falar das ocultas]. Quando você ia a Caruaru comprar uma sela, caderno ou capote, era o que havia lá ou nada. Na hora em que escrevi este texto, o Mercado Livre tinha 4.339 ofertas para a busca por geladeira. Na minha busca, o primeiro resultado era da loja virtual do maior fabricante de refrigeradores do país. Que está lá no Mercado, competindo com um vendedor do mesmo produto, usado, por menos da metade do preço. E outros 13 concorrentes, um dos quais vendendo o produto, novo, mais barato do que a fábrica.

Pense. Se Onildo de Almeida olhasse um mercado livre de perto, era capaz de achar que um mercado [em rede, digital] não passa de uma feira de Caruaru… [digital]. É quase isso. Mas, e de muitas formas, é muito mais que isso. A informática que está por trás do Mercado Livre [e seus competidores, como o Luiza Marketplace e outros] não é um puro e simples sistema de e-

commerce onde você [se quiser vender algo] pode listar seu produto e ter compradores em potencial para ele. Como se, na feira de Caruaru, você não tivesse uma barraca e ficasse na ponta

da feira, se aproveitando de quem está indo ali à procura das barracas, mas vai ter que passar pelas bordas, também. Especialmente, se você conseguir, pela sua borda.

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Os sistemas de informação em rede como os do Mercado Livre e Magazine Luiza são, hoje, plataformas. E são a maneira de habilitar e sustentar os mercados em rede que descrevemos acima. No caso do Mercado, a plataforma foi desenhada, desde o começo, para habilitar um marketplace, uma feira digital. No caso do Magazine [e da Amazon], a plataforma começou habilitando um e-commerce e evoluiu, paulatinamente, para um marketplace onde a “loja” original é apenas mais uma, em muitas.

Pra ver a diferença entre um simples sistema de venda digital online [leia e-commerce] e uma plataforma, vamos descrever as três principais características das plataformas, segundo Bonchek e Choudary em Three Elements of a Successful Platform Strategy, um texto já clássico de 201330. Segundo eles, plataformas são ambientes digitais que...

1. Criam conexões simples e efetivas para participantes de uma rede serem capazes de compartilhar [conteúdo, produtos, serviços, bens,…] e fazer transações;

2. São sistemas de atração de produtores e consumidores para agregar valor à rede e...

3. São bases para habilitar fluxos [de informação, transações…] de co-criação e troca de valores para cada um e, ao mesmo tempo, grupos e até todos os membros da rede.

Em resumo, plataformas habilitam conexões para atrair produtores e consumidores, que irão criar e

trocar valores em seu ambiente. Mas não só.

30 Na HBR, no link bit.ly/2b0CZaa.

25

Da mesma forma como fizemos para coisas e coisas-como-sistema, vamos estabelecer um decálogo para plataformas. Os três primeiros fundamentos já vimos; os próximos quatro se devem a John Hagel III e outros, em Turn Products into Product Platforms31, onde se explica as facetas essenciais de plataformas competitivas. Segundo eles, elas devem ter uma faceta...

4. ...social, onde se habilita a rede de conexões e relacionamentos que possibilitará interações e construções sociais e de conhecimento coletivo; outra,...

5. de agregação, para trazer usuários e suas demandas, mais os produtores e seus recursos para o mesmo ambiente, habilitando transações em conjunto; uma terceira,...

6. de mobilização, capaz de prover um ambiente que facilite a ação em conjunto em temas de interesse comum… e, por fim, a faceta...

7. de aprendizado, capaz de realimentar todas as outras, e onde a plataforma serve como infraestrutura para criação de oportunidades de aprender e evoluir, necessariamente em rede.

Bem que você poderia fazer um intervalo, agora, e ver quantas destas 7 características essenciais para plataformas sustentáveis já estão rolando, e em que intensidade e competência, nas plataformas que você usa, de Spotify a Airbnb, de Netflix ao seu marketplace predileto.

Pense. Vá lá nas suas plataformas e teste coisas. Veja o que funciona. E volte aqui.

Se você só descobriu uma ou duas características, no máximo três, rolando na sua plataforma preferida, agora, saiba que ou ela vai evoluir rapidamente para cobrir o espectro desenhado acima ou, no médio ou longo prazo, ela será substituída por outra que dará conta do verdadeiro tamanho - e complexidade - do problema que elas estão tentando resolver agora.

De mais de uma forma, estes 7 pontos representam uma espécie de súmula de um pensamento que poderíamos definir como naturalmente em rede. Eles explicam, em boa parte, porque certas tentativas de criar redes sociais fracassaram e outras deram certo, muito certo. Porque não há como, por exemplo, criar uma rede social - e uma plataforma [de verdade] é uma rede social [de fato] – organizada a priori. Uma rede social é um sistema emergente, que evolui suas próprias bases à medida em que se desenvolve. Se não for assim, morre. Emergência ou morte, poderíamos dizer.

O que nos leva a uma implicação não trivial da segunda faceta da caracterização de Hagel e coautores, nosso número 5, acima.

31 Na Deloitte U. Press, no link bit.ly/2k2E4qJ.

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Ben Thompson [em Aggregation Theory32] simplifica uma cadeia de valor em um mercado qualquer usando apenas três agentes: fornecedores, distribuidores e consumidores. A gente sabe que é muito mais complexo do que isso, e ele, também; a simplificação funciona para explicar o que é essencial, aqui. Antes da rede [imagem abaixo] o problema [quando resolvido, a vantagem] dos distribuidores era a relação exclusiva com fornecedores, criando usuários cativos, pois que havia uma escassez natural de ofertantes de qualquer produto numa certa região e mercado.

Lembra do distribuidor exclusivo?… Pois é; incrível é que ele ainda existe pra um monte de produtos e, curiosamente, serviços. No Brasil, por uma Lei de 197933 [quando DDD ainda não cobria todo o Brasil e FAX ainda era uma raridade34], uma concessionária de automóveis é o distribuidor exclusivo de veículos de uma dada marca numa certa região.

É basicamente por isso que não se consegue, aqui - mesmo que você estivesse confortável com isso -, comprar um carro online, da fábrica, ou de um revendedor nacional, sem área delimitada de atuação. O distribuidor exclusivo é desenho da revolução industrial, criado para incentivar o investimento e mitigar os riscos de quem iria formar – imagine – a rede, a plataforma de criação de mercado para um fabricante que dominava os escassos meios de produção de seu tempo e cujos produtos eram, também, escassos e limitados em alcance e escopo. E sem nenhuma rede.

32 Em Stratechery, no link bit.ly/29W0lD9. 33 No site do Planalto, a Lei Ferrari, no link bit.ly/2lkJvNY. 34 História no site da UFPE, no link bit.ly/2kj8wJx.

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Ponha a rede - digital, global - em cena, reduza [ou zere] custos de transação, aumente o alcance de forma dramática e… ao invés de integrar fornecedores como era feito na era pré-internet, os distribuidores passaram a integrar os… usuários, como é mostrado na imagem abaixo.

As implicações são imensas. Antes da rede, o produtor [de certa forma] controlava o distribuidor, que [quando podia] integrava um conjunto de produtores e se tornava, normalmente, a única alternativa para o consumidor num certo mercado [especialmente do ponto de vista geográfico]. Em tempos de rede, o distribuidor [que assume também, quase sempre, o papel de varejista] integra os consumidores na sua plataforma, se tornando a única [ou uma, entre poucas] interface entre o produtor e seu mercado.

Isso quer dizer que...

I. O produtor [industrial, de qualquer coisa] corre sério risco de se tornar commodity, porque a interface com o usuário [de um produto, ou classe deles] estará na plataforma do distribuidor.

De mais de uma forma, tal já aconteceu no mercado de conectividade pessoal, quando os fabricantes de dispositivos e as teles foram “jogados para trás”35 das plataformas de Google e Apple, que detêm as interfaces com os usuários e tudo que vem daí. Movimento parecido está

35 Uns têm clientes; outros, usuários: quase ninguém tem os dois, no link bit.ly/2bCxpzz.

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começando a acontecer no mercado de mobilidade física pessoal [com Uber e suas variantes36] e vai acontecer em todo produto que for transformado em serviço37. Que, como você pode imaginar, serão quase todos.

Como o verdadeiro problema das plataformas é agregar consumidores, uma consequência da transição entre os cenários descritos pelas duas últimas imagens é que...

II. A disputa entre as plataformas é - e será, sempre - pela relação com o consumidor. No caso das plataformas digitais, a competição [já] é [e continuará sendo] pelo domínio da interface com o usuário.

Pra refletir sobre as implicações de II, pense sobre sua atual plataforma de conectividade pessoal e imagine os custos de transação de trocar pela concorrente [só há duas, agora]. O mesmo, claro, vale para qualquer outra plataforma, em qualquer mercado.

Um dos efeitos do aparecimento de plataformas em [de, ou na] rede é que...

III. Cada plataforma é, em si, um mercado.

Isso porque é possível - e fácil, e econômico - comparado com o mundo físico, colapsar toda uma cadeia de valor, quem sabe, um mercado inteiro, numa plataforma.

E isso tem consequências radicais: se só houver uma plataforma que pode lhe servir, você estará sob domínio de um monopólio, como é o caso de Google e busca na rede, no Brasil. Se ainda não é um problema agora, vai ser, pode ter certeza. Mais frequentemente, será um oligopólio [como já é o caso de serviços de conectividade e mobilidade pessoal…] e, se não houver um regime de incentivos regulatórios para criar mercados abertos, raramente vamos aproveitar uma situação de livre mercado e competição digital, em larga escala, pela nossa participação, atenção, transações e colaboração.

Isso é um problema? Sim. Grande. E providências têm que ser tomadas, por quem de interesse e direito, para que as plataformas e dos mercados em rede tenham um sucesso sustentável. Via de regra, não serão os próprios empreendedores, especialmente depois de um IPO e imposições do antiquado e ultrapassado sistema de criação de shareholder value at the end of the quarter, que hão de cuidar de sustentabilidade. Deveriam. Para o seu- e nosso, claro - próprio bem. Alstyne e co-autores, em Pipelines, Platforms, and the New Rules of Strategy38, dão as três regras fundamentais para toda ação verdadeiramente em rede, que completam nosso decálogo das plataformas.

36 Carros como Serviço: Quando, Aqui?, em boletim.de/silvio, no link bit.ly/1ORBgGg. 37 As coisas, seus Dados e as Mudanças na Indústria, em boletim.de/silvio, no link bit.ly/2g2xoXj. 38 Na HBR, no link bit.ly/20U7qCu.

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Primeiro,

8. É fundamental sair do universo de controle para o de colaboração, criando e evoluindo plataformas abertas.

Parece óbvio, mas não é. Mas, tanto quanto [no caso de software como produto] houve uma evolução natural de closed para open source, o ambiente de serviços [plataformas são serviços digitais] vai migrar de closed para open services. É só uma questão de tempo.

As tentativas de maximizar o poder de construir e operar uma plataforma [baseado no conhecimento, sua aplicação e a disponibilidade de capital para a implementação e evolução] enfrentarão a mesma oposição que software fechado, para aplicações universais, enfrentou… e foi derrotado. Pode levar tempo, mas é o que vai acontecer. A figura abaixo39 quase diz porque, ligando nossa conversa de internet das coisas e de tudo a esta discussão sobre plataformas.

E aí há uma história da evolução da rede. Até uns dez anos depois do começo da internet, a rede era um conjunto de conexões entre sistemas fechados em si mesmos; não havia como um serviço [para o usuário final] ser entregue como a orquestração de ações de vários sistemas [representando suas organizações]. Hoje, uma nuvem mais ou menos dispersa de serviços pode - e deve - ser articulada para, a partir de combinações de componentes em sistemas diversos, prover ações de interesse dos usuários. No futuro, cada coisa, serviço e usuários poderão ser,

39 No Research Gate, no link bit.ly/2kKhkvp.

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basicamente, agentes em rede… e se espera que a importância relativa dos atuais sistemas-líderes da rede [as… plataformas!] seja bem menor. Porque a rede seria, de fato, distribuída. Tomara.

A expressão chave do último parágrafo é o se espera. O cenário acima não vai acontecer só porque se espera. Vai ser preciso muito mais do que isso. É preciso, além dos negócios saírem da posição de controle para colaboração,...

9. Migrarem de otimização do que é “seu”, do que se sabe fazer de alguma forma –mas não da melhor forma- para interação do que cada um faz melhor com o que os outros fazem muito bem.

Por fim,

10. É preciso sair da criação de valor para cada um, interno a cada organização, para criação de valor para o ecossistema, habilitando, ao mesmo tempo, as possibilidades de captura de parte desse valor para cada um que é responsável pela sua geração.

Os pontos 8, 9 e 10 são as bases de qualquer receita efetiva para ação em rede e completam nosso decálogo das plataformas e mercados em rede. E, é bom dizer de novo, trata-se de uma lista que nem sempre entrará na agenda de organizações competitivas sem a intervenção firme e deliberada de agentes reguladores que… podem estragar tudo. É, pois, um balanço fino, detalhado e instável. Como quase tudo na vida, aliás.

Ao mesmo tempo, deve-se dizer que plataformas [e sua consequência principal, mercados em rede] são conceitos-limite: eles transformam o que existia antes de sua chegada de forma irreversível, têm o poder de desintegrar os arranjos que estavam estabelecidos e criam uma nova problemática, pois a vida não para. Conceitos-limite, quando começam a ser implementados na prática, dão origem a sistemas em transição, capazes de criar descontinuidades [lembre-se do impacto da internet, lá atrás…] e, ao mesmo tempo e por causa disso, comportamentos emergentes… mesmo que não estejam - e exatamente porque não estão - prontos.

Esse é o estágio onde estamos. Se você –seu negócio- vai entrar na rede agora, já comece pensando numa plataforma como meio de participação num mercado em rede. Ou, ainda melhor, numa plataforma como meio de criação40 de um [novo] mercado em rede.

A conversa podia acabar na frase anterior… mas talvez seja preciso explicitar um conceito fundamental para quem ainda não tentou fazer alguma coisa de maior impacto em [ou com] TICs, em mercados em rede [ou seja, todos]. Mesmo que você só vá participar de um mercado já existente, e de forma periférica, o que você vai fazer será sua plataforma, em oposição à noção, de muitos, de fazer um app para entrar num jogo.

40 No INSEAD Knowledge, How to Build a Successful Platform Business, bit.ly/2k2w7wY.

31

A ideia de fazer um app pra resolver um problema é de uma ingenuidade tal que, se você estiver mesmo pensando nisso [a essa altura da nossa conversa...], não conte para ninguém. Esconda num lugar bem secreto no cérebro, porque essa é uma daquelas coisas que fazem os outros [que entendem, minimamente, o que está acontecendo] tenham vergonha alheia. De você.

Esqueça, pois, aquela sugestão de um seu parente que tem um amigo que conhece o sobrinho de um compadre que aprendeu tudo sobre apps, e sozinho. Não vai dar certo. O que seu negócio precisa é, pra começar, de uma estratégia; precisa que você faça um conjunto de escolhas sobre o que fazer e, a partir daí, comece a descobrir - ou, se você puder, construir – a rede de agentes de inovação41 que vai lhe tirar de onde você está [quase certamente um negócio mais ou menos vertical, baseado em métodos e processos analógicos, informatizados] para onde você quer ir, um negócio digital, baseado em plataformas, que pode ter pontos físicos, em rede.

Resumo? Estamos entrando na era onde todos os mercados são em rede e habilitados por plataformas. E a sua forma de participar de um destes mercados é criar sua plataforma, complementar àquelas que definem o mercado quando da sua entrada. Ou redefinir o mercado inteiro a partir de uma nova plataforma, a sua. E entender as oportunidades, problemas, riscos e apostas destes dois extremos e do espaço entre eles será essencial para aumentar as chances de acertar.

41 Twelve principles for Open Innovation 2.0, em go.nature.com/2oePR3l.

32

A Grande Transformação Digital

Você acabou de ler isso no final da seção anterior, mas não custa nada repetir que Estratégia, e não tecnologia, é a base e motor de qualquer transformação digital. Simples assim. Esse é o título do artigo que resume o 2015 Digital Business Global Executive Study and Research Project, da MIT Sloan Management Review e Deloitte42. Para quem está no processo de começar ou continuar uma transformação digital no negócio, é leitura preciosa. Fica claro, logo no começo do texto, que nem tudo é tão simples como o título faz parecer, quando descreve os seis aprendizados da pesquisa, que podemos mais ou menos tomar como regras gerais de um processo de transformação digital. O trabalho considerou empresas que têm de menos de 100 a mais de 100.000 colaboradores, de menos de US$1M a mais de US$20B de receita, e de menos de um ano de existência [2% delas] a mais de 50 anos de vida [33%], no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

Para começar…

1. Só 15% dos pesquisados nas empresas que estão nos estágios iniciais de maturidade digital reconhecem, nas suas organizações, a existência de uma estratégia digital clara e coerente; nos negócios digitalmente maduros, esta porcentagem é 81%.

Metade, mais ou menos, dos trabalhadores nos negócios que estão no meio do caminho entre a ingenuidade e a maturidade digital, estão vendo uma estratégia no que está acontecendo em sua empresa.

42 Na MIT Sloan Review, bit.ly/2hedppw.

33

Este resultado é quase óbvio, até porque,...

2. Organizações imaturas tendem a focar seus esforços em tecnologias e operações específicas, sem atentar para o cenário e os grandes problemas.

Na maioria dos casos os colaboradores não percebem a existência de uma estratégia porque é bem provável, mesmo, que não haja uma. Nas organizações maduras, as estratégias digitais têm por foco a transformação do negócio e isso é percebido pela quase totalidade de seus colaboradores, como mostra o gráfico a seguir. E tinha que ser assim; se a introdução de tecnologia pode só afetar uns e outros, aqui e ali, a transformação do negócio tende a afetar a tudo e a todos, muitas vezes radicalmente.

Quem não perceber –que, por trás da mudança, há uma estratégia- provavelmente não sobreviverá muito tempo naquela parada. Note que, lá na esquerda da imagem, onde estão as organizações mais imaturas, o maior acordo é sobre digital como chave para o aumento de eficiência… [do negócio como ele é].

34

Nas organizações em estágio inicial de maturidade digital,

3. A maioria dos colaboradores não tem o conhecimento e habilidades necessárias para entender como o digital irá impactar o negócio,...

...o que é quase obrigatório num negócio maduro do ponto de vista digital, que tem [ou já teve] que [re]educar seus profissionais para o digital, e fazer isso do ponto de vista do negócio, como um todo, e não só das tecnologias e seus usos.

Ao mesmo tempo,

4. Pouca gente - em todas as faixas de idade - quer trabalhar para uma organização que não está ou estará liderando no digital.

A pesquisa mostra uma clara percepção por parte das pessoas, de que não haverá vida –nos negócios, pelo menos- fora do digital. A imagem fala por si mesma… em termos da soma das respostas muito e extremamente importante à pergunta… quão importante é trabalhar numa empresa líder digital [ou digitalmente competente]? Para 20% dos pesquisados, já é extremamente importante trabalhar em organizações digitais.

35

Outro aprendizado do estudo é que...

5. Aceitar risco, tanto organizacional quanto pessoalmente, é essencial para o processo de

transformação do negócio.

Outra obviedade, mas confirmada em pesquisa tão ampla, respalda um entendimento comum sobre risco, evolução e transformação. Mais da metade dos colaboradores das empresas digitalmente menos maduras diz que elas são avessas a risco, enquanto pouco mais de um terço diz o mesmo das mais maduras.

Como estamos no meio do caminho para a digitalização de todos os mercados [vide imagem abaixo, que mostra quais setores já são quase digitais, versus os que ainda são analógicos] isso era de se esperar, pois quem sai na frente corre mais riscos –e pode ter maiores e melhores resultados- mas também, dar com os burros n’água –o que ocorre em não poucos casos. Vamos voltar a este ponto já já.

36

O último aprendizado do estudo SMR/DELOITTE é que…

6. A agenda digital tem que ser liderada do e pelo topo do negócio.

Quem trabalha em organizações digitais confia na competência e fluência digital de seus líderes, o que não quer dizer que tais lideranças sejam competentes nas tecnologias da mudança; quer dizer que elas sabem por que e para que as tecnologias são –ou serão- necessárias no futuro do negócio.

Mas… sabe qual é a porcentagem dos colaboradores que concorda plenamente que suas lideranças têm habilidade e experiência para liderar o processo de transformação digital do negócio? Apenas 12%. Sim, doze por cento. O nível C dos negócios terá que ralar muito, e rápido, para dar conta do que é preciso mudar nos negócios daqui pra frente.

O estudo é resumido num infográfico43 que tem o diagrama acima à guisa de conclusão. Nossa leitura, sem qualquer filtro, é que…

As lideranças, a partir do topo e levando em conta as interfaces e interações entre tecnologia e negócio, têm que desenvolver uma estratégia de transformação digital para o longo prazo, com ações no curto e médio prazos e mudar, ao mesmo tempo, a cultura do negócio de analógico para digital, em rede e em tempo real, reforçando a necessidade de colaboração e aceitação de risco por todos, em conjunto, e cada um em particular.

43 No repositório da MIT/SMR, no link bit.ly/2kXEezG.

37

Aqui vale a pena gastar umas palavras com o conceito de colaboração [que é trabalhar em conjunto, para atingir algo comum], que não é o mesmo que cooperação [deixar os outros fazerem sua parte, enquanto eu talvez faça a minha]. Colaboração é daquelas palavras fantásticas da língua portuguesa: tem labora [de trabalho], ação, cola [de liga] e co [de juntos], nas mesmas 11 letras. Sem falar que ligando a primeira com as duas últimas sílabas tem-se coração, o que é essencial para engajamento. Pra colaborar, é preciso compartilhar conceitos, dizer o que se que sabe para a comunidade, ter e desenvolver capacidades e usar conexões para ligar quem está fora com quem está dentro do negócio.

Ligar quem está dentro com quem também está dentro é fundamental; o mundo está cheio de negócios dando errado porque, lá dentro, são desconectados. Finalmente, colaboração exige curiosidade e confiança: há muito mais no mundo do que o que você sabe e faz e quase nada que é preciso ser feito dá pra ser feito por uma só andorinha.

Agora imagine que o trabalho de um líder, lá no topo, fosse só criar e evoluir um negócio onde todo mundo realmente colaborasse. Não ia ser fácil. E este é só um dos problemas que um verdadeiro líder tem que endereçar em qualquer negócio, 24x7x365. E ainda mais numa transformação. Digital. Coisa que, quase certamente, ele nunca fez -ou viu- antes.

Dito isto, vamos voltar para o ponto 5, acima, e suas consequências. Só pra você não voltar lá, o ponto 5 era … aceitar riscos, tanto organizacional quanto pessoalmente, é essencial para o processo de transformação do negócio. O que isso quer dizer, mesmo? Pra entender, é bom ler The Best Digital Business Models Put Evolution Before Revolution, de Bonnet e Westerman, na HBR44. Com base numa pesquisa [SMR/CapGemini45] onde só 7% dos executivos consultados diz que iniciativas digitais estavam ajudando a lançar novos negócios e 15% diz que digital os ajuda a criar novos modelos de negócios, os autores perguntam… Por que tão pouco?…

A resposta é que inovar, em modelos de negócios, é muito difícil. Na mesma pesquisa, 42% dos executivos concordava que “digital” estava ajudando a melhorar produtos e serviços existentes e 29% disseram que o mesmo “digital” estava ajudando a lançar novos produtos e serviços. Conclusão? Estes grupos estavam usando [tudo o que é e pode vir do] digital para evoluir, ao

44 No link bit.ly/2kbfFvf. 45 Embracing Digital Technology, na SMR, no link bit.ly/2kvASV4.

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invés de revolucionar, seus modelos de negócios, com vários exemplos de empresas que tiveram bons resultados fazendo exatamente isso.

Aí há uma lição para quem está embarcando numa transformação digital: a de que nem sempre, [ou quase nunca] na partida, se deve tentar uma revolução –ou uma inovação radical- no modelo de negócios… e que sempre há espaço para muitas evoluções –ou inovações incrementais- que podem dar muito bons resultados com níveis muito mais aceitáveis de risco. E menos risco, por sua vez, pode acelerar a mudança evolucionária, fazendo com que se chegue, muito mais rapidamente, à parte revolucionária do processo.

Bertrand Duperrin é ainda mais radical: segundo ele46, transformação digital não começa nos [nem com] modelos de negócios. Segundo ele, ainda mais, quase ninguém, nunca, na era digital em qualquer outra, inventou um modelo de negócios do zero. Pode parecer duro demais para quem está, agora, desesperado atrás de um novo modelo para salvar a lojinha, vendo algum novo entrante digital destruir o negócio... mas a história mostra que as afirmações de Duperrin são verdadeiras.

Imagine um cenário que todos conhecemos bem, a transição entre tração animal e automotores entre os séculos XIX e XX. Não se tem notícia de nenhum empreendimento baseado em cavalos que teve qualquer sucesso com cavalos-vapor. E também não se sabe de qualquer negócio baseado em vapor, o próprio, que tenha conseguido enfrentar o motor de combustão interna no transporte pessoal. E não foi por falta de tentativas: no auge47 dos carros a vapor, entre 1900 e 1913, havia mais de 170 marcas tentando e nenhuma delas conseguiu fazer um veículo competitivo ou, depois, pivotar e sobreviver no mercado de combustão interna.

A dura verdade é que as tecnologias subjacentes ao seu negócio e os usos que delas se faz, no mercado - de forma ampla, a oferta - quase sempre definem o seu modelo de negócios, que nem sempre é pensado a priori, com um plano bem determinado e fixo para ser executado e se chegar a algum ponto específico. É entendendo como tecnologias, usos, custos, preços, escalas... e muito mais pode ser usado na criação de – novas - ofertas que, nesta visão evolucionária de mundo, se [re]cria modelos de negócios.

Nas palavras de Duperrin, o modelo de negócios é um efeito colateral da oferta. Se você entender a experiência de clientes e usuários, por um lado, e a de seus colaboradores, por outro, e todas elas de forma digital, estará dando conta de quem consome, paga e realiza o trabalho para os dois primeiros. Se isso começar a funcionar, o modelo de negócios pode muito bem surgir daí. Se der tempo, claro.

Isso porque a evolução ou revolução do seu negócio está em tempo digital, ao seu redor, se não estiver nele. Mesmo sem saber fazer, alguém pode encomendar um negócio digital que estará no

46 Em Stop looking for disruptive digital business models, no link bit.ly/2kB6CGF. 47 List of steam car makers, na Wikipedia, no link bit.ly/2l2g06S.

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ar, rodando, realizando transações, em dias. Isso se não puder ser encantado em horas. Porque há plataformas prontas, em rede, disponíveis como serviço, que já habilitam uma grande gama de negócios sobre o digital, quando não completamente digitais. Lembre-se dos marketplaces; qualquer um pode botar uma loja na rede, para concorrer com a sua, em alguns cliques. E isso com todos os serviços, incluindo pagamento, crédito e logística, mais garantias, num piscar de olhos.

Claro que botar uma loja online não quer dizer que pronto!.., o sucesso está garantido e você é o próximo unicórnio48. Muito pelo contrário. Mais provavelmente, você só está perdendo dinheiro [pouco, talvez, porque é barato começar um negócio digital, com as ferramentas apropriadas] e energia [muita, principalmente se você não estiver aprendendo nada]. Mas vai haver negócios, já estabelecidos, que vão fazer bonito no digital, como o Marketplace do Magazine, o PagSeguro do UOL... e muitos outros.

Em The future innovation core lies at the edge49, Paul Hobcraft faz uma consideração valiosa, não intuitiva, mas fácil de ser entendida: nestes tempos de mudanças digitais, segundo ele, as oportunidades para inovar não estão no centro [núcleo, core] do seu negócio, mas na periferia, nas bordas. Que é exatamente onde estão os clientes e usuários, que já se mudaram para o digital e que - lá - ainda estão mudando seus comportamentos muito mais rapidamente do que qualquer bom negócio esteja ou possa pensar em estar. O comportamento dos clientes, sua caminhada digital ao redor e através dos negócios, a interface entre os negócios e os usuários é o que está gerando as maiores oportunidades de ruptura.

Lá nas bordas está, ou deveria estar, sua rede de valor, a galera que a gente, lá atrás, chamava de fornecedores. As plataformas que, se você ainda não usa, vai usar em breve, por exemplo, estão lá. Assim como o atendimento e assistência técnica que podem, e talvez devessem, ser plataformas, ou parte de uma. Capaz da sua logística estar lá. Assim como novos meios de pagamento, que hão de mudar parte de seu negócio. E também estão lá, não por acaso, seus clientes e usuários, que são - quase certamente - as maiores fontes de geração de valor de toda sua rede. Se esse valor todo está lá nas bordas... Hobcraft está absolutamente no ponto ao dizer que o locus de inovação, nesta transição e transformação digital, é lá na periferia do seu sistema, do seu negócio.

Do ponto de vista de quase todos os negócios, o grande problema de transformação digital é...

...como participar da rede lá da periferia, onde estão aqueles que [ainda] são meus clientes e usuários, e fazer isso como um agente de primeira grandeza?...

É bom lembrar que os usuários se tornaram digitais bem antes da grande maioria dos negócios não intrinsecamente tecnológicos e, quase que de repente, passaram à frente de seus provedores habituais de qualquer coisa. Em alguns casos, tornando uma marca - que levou décadas e bilhões para ser construída - irrelevante. Porque a posse de uma coisa foi transformada, por exemplo, em 48 Veja a conversa sobre unicórnios na Wikipedia, no link bit.ly/2kRn4RJ. 49 Em paul4innovating.com, no link bit.ly/2lZeFuV.

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acesso a uma coisa daquela classe, por exemplo. O danado, aqui, é que quem transformou a posse em acesso não foi quem fazia a coisa, em nenhum caso.

De mais de uma forma, esse é o grande desafio da transformação digital em qualquer negócio:

Como fazer parte da rede digital de valor no lugar onde ela interessa de verdade, que é na interface com o usuário?

Descubra o como, trabalhe pra chegar lá e pronto!... Está feita sua transformação digital, saindo da evolução com a periferia para a revolução no centro.

Mas a diferença entre evolução e revolução não é binária, há um contínuo entre as duas. Seria muito bom se os negócios pudessem medir a intensidade da transformação usando uma escala qualquer. Quem sabe um diagrama de radar para inovação que represente, nos seus níveis, desde nada mudou até tudo mudou. Isso é difícil numa escala linear. Mas pode-se usar uma escala logarítmica para medir intensidade de inovação, como na escala Richter para intensidade de terremotos. Não com tantos níveis, talvez; vamos imaginar cinco, aqui. E vamos pensar em inovação, pura e simplesmente, antes de pensar num índice de transformação digital.

Entre os níveis 0-1: não dá para sentir nenhuma mudança; mesmo que algo tenha mudado, a percepção é de que nada mudou; entre os níveis 1 e 2, algumas coisas mudam: é perceptível, dentro

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e fora de uma dimensão de inovação que está em consideração, que houve mudanças, mas poucas, talvez muito poucas; entre 2-3, para qualquer das dimensões de inovação, é certo que várias coisas mudaram; a ideia, aqui, é que a intensidade de mudança neste nível é 10 vezes maior do que no nível anterior e 10 vezes menor do que no seguinte, 3-4; neste, muitas coisas mudaram, uma ordem de magnitude mais do que no anterior. Por fim, o nível 4-5 é onde quase tudo, senão tudo, muda e é percebido como tal.

Nem que seja incidentalmente, a discussão anterior também serve para reestabelecer uma ordenação semântica que se perdeu, nos últimos anos, aqui no Brasil: várias é menos, às vezes muito menos, do que muitas. E é mais do que algumas. Sempre.

Assumindo que estamos medindo inovação numa escala logarítmica de base 10, a magnitude 0 [nada mudou] não é 5 pontos menos intensa do que a magnitude 5, mas 100.000 vezes [10^5] mais fraca. Aí temos a dimensão da diferença, em termos de inovação, entre diminuir o tamanho das válvulas [que eram usadas nos primeiros computadores digitais] para usar transistores e circuitos integrados. O mesmo tipo de mudança, desta ordem, se vê quando se transforma a posse de um carro [no modelo de negócios em que você compra um na loja] em acesso a um veículo [onde o carro se transforma em serviço, digital].

No diagrama de radar da página anterior, quadrilátero verde denota uma inovação radical –ou uma revolução num produto ou serviço- onde tudo, ou quase tudo, mudou, quer no mercado, tecnologia, marketing e vendas e nas operações do negócio. Pense na mudança de anúncios classificados dos jornais para AdWords em Google, ou no iPod [comparado com os players offline]. Já o quadrilátero azul mostra o que normalmente se chama de inovação tecnológica, uma mudança dramática na tecnologia de um produto e serviço, à qual não correspondem mudanças tão significativas nas operações do negócio, no marketing, vendas e mercado.

O mesmo tipo de diagrama usando para medir, ou dar uma ideia do impacto de inovação pode ser usado para avaliar a intensidade de transformação digital em um negócio, usando quatro outras óticas. Primeiro, à direita do eixo horizontal na imagem da página seguinte, visão e governança, que envolve direta e especialmente os líderes e, junto aos dois, colaboração, que tem que ter [como já vimos] todo mundo na mesma página, sempre. À esquerda, na horizontal, temos a sustentação digital do processo de transformação: há que se ter uma forte interação de todo o ecossistema [interno e externo] de TICs, em especial do CIO/CTO, com as áreas de negócio.

Se estes dois grandes componentes estiverem acertados, haverá condições de transformar, digitalmente, os processos internos e, através e por causa deles, engajar, digitalmente, clientes e usuários. É isso que o próximo diagrama de radar tenta representar. E isso tudo é relativo, claro.

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Imagine onde a sua organização está, agora, em relação à transformação digital que é desejada para o futuro, desenhe as duas situações no diagrama [seja humilde ao fazê-lo, leve em conta sua realidade…] e você terá uma boa medida do esforço que terá de ser feito para chegar onde você quer. Se lembre que a distância entre duas “órbitas” em torno do centro é medida em potências de dez. Mudar dá muito trabalho, sempre.

Transformar um negócio, e fazer isso sobre um novo conjunto de infraestruturas [lembre-se da nossa conversa, logo ali atrás, sobre internet das coisas], de novas plataformas e mercados [falamos disso na seção imediatamente antes dessa] é ainda mais trabalhoso, porque não é como mudar o negócio do ponto A para o B, sobre um plano conhecido.

É mudar um grande número de percepções sobre qual é o negócio, seu mercado, e como se rearticular para ser competitivo no novo cenário. Aí é que dá trabalho mesmo. A vasta maioria dos CxO não está preparada para enfrentar as dificuldades inerentes ao processo, exatamente porque acha que… está muito preparada e o processo, afinal, não é nem tão complicado nem trabalhoso assim. São exatamente estes que estarão fora do negócio assim que seu progresso for medido [em comparação com a competição] em métricas como as mostradas acima.

Não é impossível fazer uma grande transformação digital. Muitos negócios, em muitos mercados, e em todo mundo, estão fazendo exatamente isso enquanto você lê este texto. Mas dá trabalho. Sem uma estratégia que trate, acima de tudo, a transformação do negócio, digitalmente, e não

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sua pura e simples digitalização, não há quem chegue lá, seja lá onde o lá for. Como o “lá” de cada um é diferente do outro, procure o seu e saia, ao mesmo tempo, procurando –estrategicamente- o caminho que vai levar você –e o seu time- até lá.

E boa sorte. Você vai precisar.

Porque estudos recentes mostram que a vasta maioria -70%- dos esforços de transformação digital que estão rolando agora terá fracassado já ali em 201850. Isso porque muitos dos líderes do processo de transformação não estão tratando o caminho de forma colaborativa, integrada, gerenciada, nem usando os apoios externos que deveriam. Criar redes, sem agir em rede, é impossível. Mas há muito expert e líder em tecnologia digital que entende a mudança como resultado da tecnologia, e não como mudança da cultura tendo a tecnologia como insumo e suporte. Depois, os resultados não são os esperados por eles e a culpa é da tecnologia, de sua aplicação ou dos fornecedores. Isso, claro, na cabeça dos tais líderes. Na verdade, eles eram e são o problema.

Uma pesquisa mais recente, também da IDC51, diz que em 2019 [depois do fracasso de 2018?...] 80% dos negócios terão problemas críticos com sistemas de informação legados, de manutenção e evolução de altíssima complexidade e custos insuportáveis. No mesmo ano, veremos 75% dos CIOs reconhecendo as limitações das organizações tradicionais de TICs no negócio e 80% dos grupos de TICs nas organizações mudando sua cultura para a de um startup, com métodos ágeis e participando de comunidades de software aberto.

O ano da graça de 2019, você sabe, é daqui a quinhentos dias úteis ou menos. Se essas previsões [que foram obtidas entrevistando CIOs] se cumprirem e você não estiver junto, não vai ser legal. Se você estiver, beleza; aí você terá que fazer ainda mais para fazer muito melhor -e mais barato- do que quem chegar lá junto com você. Porque o papel do CIO, nessa parada, vai ser de Chief Innovation Officer, de liderar inovação baseada em informação e a gestão do seu ciclo de vida no negócio. Se, por outro lado, você atender pela sigla CTO, saiba que o seu T não estará sendo visto como tecnologia, porque isso é commodity; lhe verão como Chief Transformation Officer, 50 Dados da IDC, citados na S+B, no link bit.ly/2kSqm6a. 51 IDC FutureScape: Worldwide CIO Agenda 2017 Predictions, no link bit.ly/2lsOUX.

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responsável por usar toda e qualquer tecnologia, vinda de onde for, para criar uma organização verdadeiramente digital. Vai ver, você fará os dois tão bem que será chamado de CITO52, Chief Innovation and Transformation Officer.

O papel da inovação e da transformação, no negócio, você sabe muito bem. No longo prazo, não é o de melhorar margens ou lançar um novo produto ou serviço aqui e ali, mas de cuidar para que a empresa sobreviva. Não são os mais fortes ou maiores que sobrevivem, são os mais adaptáveis.

Para se adaptar, para ser MUCHMORE DIGITAL™, muito mais rápido, você terá que usar toda a energia e competências da rede ao seu redor e agir.

Rápido. Porque tarde... Já é!

52 CITO, do latin cytus, do grego antigo κύτος, quer dizer recipiente, receptáculo; é usado para formar nomes de células e classificações de células maduras. Quem sabe, no negócio, não é de onde tudo tudo vai surgir?...

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Créditos

Todas as ilustrações, assim como o design deste texto,

são de autoria de Quihoma Isaac, instagram.com/quihoma

Agradecimentos

Eduardo Campello Peixoto, Executivo Chefe de Negócios, CESAR

Quihoma Isaac, pela velocidade e qualidade do trabalho

CESAR, Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, cesar.org.br

Toda galera da MuchMore.digital, no Porto Digital - Recife, em São Paulo e Belo Horizonte

Sérgio Monteiro Cavalcanti, IKEWAI.com

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