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Leonardo de Medeiros Garcia Coordenador da Coleção Marcelo André de Azevedo Promotor de Justiça no Estado de Goiás. Assessor Jurídico do Procurador-Geral de Justiça. Mestre em Direito pela PUC-GO. Pós-graduado em Direito Penal pela UFG. Professor de Direito Penal na Escola da Magistratura do Estado de Goiás, na Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais, na Pós-Graduação da Rede LFG e nos cursos IOB, Rede Juris e Praetorium. Alexandre Salim Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul. Doutor em Direito pela Universidade de Roma Tre. Especialista em Teoria Geral do Processo pela Universidade de Caxias do Sul. Professor de Direito Penal na Escola da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, na Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais, na Pós-Graduação da Rede LFG e nos cursos Verbo Jurídico, IOB e Praetorium. 4ª edição Revista, ampliada e atualizada 2014 COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS DIREITO PENAL PARTE GERAL De acordo com a Lei n.º 12.850/13 (Lei que define ‘Organização Criminosa’)

Sinopse para Concurso- Penal Parte Geral

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  • Leonardo de Medeiros GarciaCoordenador da Coleo

    Marcelo Andr de AzevedoPromotor de Justia no Estado de Gois.

    Assessor Jurdico do Procurador-Geral de Justia.Mestre em Direito pela PUC-GO. Ps-graduado em Direito Penal pela UFG.Professor de Direito Penal na Escola da Magistratura do Estado de Gois,

    na Fundao Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais, na Ps-Graduao da Rede LFG e nos cursos IOB, Rede Juris e Praetorium.

    Alexandre SalimPromotor de Justia no Rio Grande do Sul.

    Doutor em Direito pela Universidade de Roma Tre. Especialista em Teoria Geral do Processo pela Universidade de Caxias do Sul.

    Professor de Direito Penal na Escola da Defensoria Pblica do Rio Grande do Sul, na Fundao Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais,

    na Ps-Graduao da Rede LFG e nos cursos Verbo Jurdico, IOB e Praetorium.

    4 edioRevista, ampliada e atualizada

    2014

    C O L E O S I N O P S E S P A R A C O N C U R S O S

    DIREITOPENALP A R T E G E R A L

    De acordo com a Lei n. 12.850/13 (Lei que define Organizao Criminosa)

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    C a p t u l o I

    Direito PenalSumrio 1. Conceito de Direito Penal: 1.1. Conceito formal; 1.2. Conceito social 2. Deno-minaes especfi cas do Direito Penal: 2.1. Di-reito Penal objetivo e Direito Penal subjetivo; 2.2. Direito Penal de culpabilidade e Direito Penal de periculosidade; 2.3. Direito Penal do fato, Direito Penal do autor e Direito Penal do fato que considera o autor; 2.4. Direito Penal primrio (clssico) e Direito Penal secundrio (extravagante ou penal administrativo); 2.5. Direito Penal de duas velocidades (Direito Pe-nal nuclear e Direito Penal perifrico); 2.6. Di-reito Penal de terceira velocidade; 2.7. Direito Penal do inimigo; 2.8. Direito Penal de quarta velocidade ou neopunitivismo; 2.9. Direito Pe-nal de emergncia, Direito Penal simblico e Direito Penal promocional; 2.10. Direito Penal subterrneo e Direito Penal paralelo; 2.11. Di-reito Penal Internacional 3. Funes do Direi-to Penal: 3.1. Funo de proteo de bens ju-rdicos; 3.2. Funo de garantia de vigncia da norma; 3.3. Outras funes 4. Bem jurdico--penal e Constituio: 4.1. Conceito e evoluo do conceito de bem jurdico; 4.2. Bem jurdico--penal constitucional 5. Garantismo penal 6. Cincias criminais (noo conjunta do Direito Penal): 6.1. Criminologia; 6.2. Poltica criminal; 6.3. Dogmtica penal 7. Modelos de poltica criminal: 7.1. Abolicionismo penal (poltica cri-minal verde); 7.2. Abolicionismo moderado ou minimalismo penal; 7.3. Direito Penal mximo (efi cientismo penal).

    1. CONCEITO DE DIREITO PENAL

    1.1. Conceito formal

    Sob o aspecto formal, trata-se de um conjunto de normas ju-rdicas mediante o qual o Estado probe determinadas condutas (aes ou omisses), sob ameaa de sano penal (penas e medi-das de segurana). Tambm se incluem as normas que estabelecem

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    os princpios gerais e as condies ou pressupostos de aplicao da sano penal, que igualmente podem ser impostas aos autores de um fato previsto como crime.

    1.2. Conceito social

    Em uma perspectiva social, o Direito Penal um dos modos de controle social utilizados pelo Estado. Sob o enfoque minimalis-ta (Direito Penal de interveno mnima), esse modo de controle social deve ser subsidirio, ou seja, somente estar legitimada a atuao do Direito Penal diante do fracasso de outras formas de controle jurdicas (Direito Civil e Direito Administrativo, por exem-plo) ou extrajurdicas, tais como a via da famlia, da igreja, da es-cola, do sindicato, as quais se apresentam atuantes na tarefa de socializar o indivduo.

    2. DENOMINAES ESPECFICAS DO DIREITO PENAL

    2.1. Direito Penal objetivo e Direito Penal subjetivo

    O Direito Penal objetivo constitui-se das normas penais incrimi-nadoras (defi nem as infraes penais e cominam as sanes pe-nais) e no-incriminadoras.

    Direito Penal subjetivo o direito de punir do Estado (jus pu-niendi), ou seja, o direito do Estado de aplicar as normas penais. O direito de punir possui trs momentos: 1) ameaa da pena (pre-tenso intimidatria); 2) aplicao da pena (pretenso punitiva); 3) execuo da pena (pretenso executria). At mesmo na hip-tese de ao penal privada o Estado no transfere o jus puniendi vtima, mas sim possibilita por parte desta o exerccio do jus accusationis.

    As normas penais (Direito Penal objetivo), alm de criarem o direito de punir do Estado, conferem direitos para o prprio cida-do, uma vez que tambm possuem a funo de limitar o prprio jus puniendi, garantindo ao cidado, dentre outros direitos, o de no ser punido por fatos no defi nidos em lei, evitando a arbitra-riedade do Estado.

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    DIREITO PENAL

    2.2. Direito Penal de culpabilidade e Direito Penal de periculosidade

    O Direito Penal de culpabilidade concebe o homem como pes-soa capaz de entender e autodeterminar-se segundo a norma e sustenta que a pena uma retribuio pela reprovabilidade. Se a pessoa pode escolher agir ou deixar de agir conforme a norma, pode ser censurada (culpabilidade). O limite da pena o grau de culpabilidade (Zaffaroni e Pierangeli, Manual de Direito Penal Brasi-leiro, p. 116).

    Para o Direito Penal de periculosidade o homem determinado (no possui capacidade de escolha) e a pena tem como objeto e nico limite a periculosidade.

    2.3. Direito Penal do fato, Direito Penal do autor e Direito Penal do fato que considera o autor

    A expresso Direito Penal do fato signifi ca que as leis penais somente devem punir fatos causados pelo homem e lesivos a bens jurdicos de terceiro. No se pune o pensamento, mas sim as mani-festaes exteriores do ser humano.

    O Direito Penal do autor marcado pela punio de pessoas que no tenham praticado nenhuma conduta. Pune-se algum pelo seu modo de ser ou pela sua caracterstica ou condio pessoal e no pelo seu fato.

    Como bem sistematizam Zaffaroni e Pierangeli, todo Direito Pe-nal de periculosidade um Direito Penal de autor, enquanto o Direito Penal de culpabilidade pode ser de autor ou de ato (que o seu oposto) (Manual de Direito Penal Brasileiro, p. 116).

    Na lio de Francisco de Assis Toledo, existem correntes mode-radas, no sentido de predominar o Direito Penal do fato, mas le-vando tambm em considerao o seu autor. A comprovao disso se d ao analisarmos as leis penais, que tipifi cam fatos (modelo de conduta proibida) e no o perfi l psicolgico do autor. Porm, con-dies ou qualidades do autor tambm so consideradas dentro do quadro de punibilidade do fato, como a personalidade e os ante-cedentes criminais, utilizados como critrios na aplicao da pena (Princpios Bsicos de Direito Penal, p. 251). A propsito, como vere-mos, uma corrente minoritria sustenta que esses dados pessoais

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    no poderiam ser considerados no momento da fi xao da pena, justamente por manifestar o Direito Penal do autor.

    2.4. Direito Penal primrio (clssico) e Direito Penal secundrio (extravagante ou penal administrativo)

    O Direito Penal primrio aquele contido nos Cdigos Penais. O Direito Penal secundrio o contido nas leis especiais no inte-grantes do Cdigo Penal (cf. Jorge de Figueiredo Dias. Temas bsicos da Doutrina Penal, p. 48).

    2.5. Direito Penal de duas velocidades (Direito Penal nuclear e Di-reito Penal perifrico)

    Como veremos no captulo Direito Penal na Sociedade do Ris-co, para conter os problemas da expanso do Direito Penal mo-derno (hipertrofi a penal), na Cincia Penal espanhola, Jess-Mara Silva Snchez (A Expanso do Direito Penal: Aspectos da poltica cri-minal nas sociedades ps-industriais, p. 144-147) prope um modelo dualista de sistema penal, denominado de Direito Penal de duas velocidades, que varia de acordo com seu nvel de intensidade.

    Direito Penal de primeira velocidade: assegura todos os crit-rios clssicos de imputao e os princpios penais e processuais penais tradicionais (ex.: princpios da subsidiariedade e ofensivi-dade), mas permite a aplicao da pena de priso. Trata-se do Direito Penal clssico, que protege bens jurdicos individuais e, eventualmente, supraindividuais, sempre que efetivamente houver leso ou perigo concreto de leso (ob. cit., p. 147). Nesse nvel de intensidade, o Direito Penal reduzido ao seu ncleo duro (Direito Penal nuclear).

    Direito Penal de segunda velocidade: ao lado do Direito Penal nuclear, em uma zona perifrica, admitir-se-ia a segunda expanso do Direito Penal, dirigido proteo dos novos e grandes riscos da sociedade, com a possibilidade de fl exibilizao de garantias penais e processuais penais (Direito Penal perifrico). Confere pro-teo aos bens jurdicos supraindividuais, possibilitando a anteci-pao da tutela penal (tipifi cao de condutas presumivelmente perigosas crimes de perigo presumido) e a criao de crimes de

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    acumulao (a leso ao bem jurdico pressupe a soma de vrias condutas praticadas individualmente). Porm, diante dessa fl exibi-lizao, no admite a aplicao da pena de priso, mas somente as penas restritivas de direitos e pecunirias.

    2.6. Direito Penal de terceira velocidade

    Direito Penal marcado pela relativizao de garantias poltico--criminais, regras de imputao e critrios processuais. Apesar de reconhecer a sua existncia nas legislaes modernas, principal-mente no Direito Penal socioeconmico, Silva Snchez sustenta que seu mbito deve ser reconduzido a uma das duas velocidades (ob. cit., 148). Caracteriza-se como Direito Penal de terceira velocidade o chamado Direito Penal do inimigo (Jakobs).

    2.7. Direito Penal do inimigo

    Segundo Gnther Jakobs (Direito Penal do Inimigo: Noes e Crticas, 2005), o Estado deve proceder de dois modos com os criminosos. Ao delinquente-cidado aplica-se o Direito Penal do cidado, ao pas-so que o delinquente inimigo se aplica o Direito Penal do inimigo.

    Para Jakobs, algumas pessoas cometem erros e devem estar sujeitas ao Direito Penal do cidado. Nesse caso, apesar de haver danifi cao vigncia da norma, deve ser chamado de modo coa-tivo, como cidado, a equilibrar o dano. Esse equilbrio se d com a aplicao da pena.

    Por outro lado, outros delinquentes (inimigos) devem ser im-pedidos de destruir o ordenamento jurdico, mediante coao, utilizando o denominado Direito Penal do inimigo. Isso porque o inimigo no possui a condio de cidado, tendo em vista que no cumpre a sua funo no corpo social ao deixar de satisfazer, de forma duradoura, mnimas expectativas normativas.

    Assim, pode-se apontar como caractersticas do Direito Penal do inimigo: a) processo mais clere visando aplicao da pena; b) penas desproporcionalmente altas; c) suprimento ou relativiza-o de garantias processuais; d) o inimigo perde sua qualidade de cidado (sujeito de direitos); e) o inimigo identifi cado por sua

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    periculosidade, de sorte que o Direito Penal deve punir a pessoa pelo que ela representa (Direito Penal prospectivo).

    Como esse assunto foi cobrado em concurso? No concurso para Promotor de Justia/MG/2008 foi abordado o tema: Modernamente, o chamado Direito Penal do inimigo pode ser enten-dido como um Direito Penal de: (...) terceira velocidade.

    2.8. Direito Penal de quarta velocidade ou neopunitivismo

    Neopunitivismo um termo cunhado por Daniel Pastor (La deri-va neopunitivista de organismos y activistas como causa del despresti-gio actual de los derechos humanos, in Nueva Doctrina Penal. Buenos Aires: 2005/A, pp. 73-114). Seria o modelo de sistema penal utili-zado pelo Tribunal Penal Internacional, com restrio e supresso de garantias penais e processuais penais de rus que no passado ostentaram a funo de chefes de estado e, como tal, violaram gravemente tratados internacionais que tutelam direitos humanos.

    Para o Direito Penal do inimigo e Direito Penal de terceira velo-cidade, o inimigo (ru no mbito do Direito Penal interno) aquele que perdeu a condio de cidado por ter deixado de cumprir sua funo no corpo social (no satisfez as mnimas expectativas nor-mativas), ao passo que, para o neopunitivismo, o inimigo (ru na esfera do Direito Penal internacional) aquele que alguma vez foi detentor do poder estatal e violou direitos humanos.

    2.9. Direito Penal de emergncia, Direito Penal simblico e Direito Penal promocional

    Predomina na legislao penal ps-CF/88 o movimento puniti-vista. fcil perceber os motivos quando se analisa a explorao e potencializao da violncia social por parte da mdia, o que incentiva um estado de insegurana, de medo e de terror, e, por consequncia, cria-se a falsa ideia de ser o Direito Penal um instru-mento efi caz de combate violncia.

    Verifi ca-se que o Brasil vem seguindo a tendncia de vrios pa-ses no sentido de utilizar o Direito Penal como funo simblica e

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    DIREITO PENAL

    promocional, o que contribui para a chamada expanso do Direito Penal (hipertrofi a penal), com a criao de novos tipos, muitos de perigo abstrato, com o agravamento de vrias penas j existentes, sem a mnima preocupao com as fi nalidades destas, e, ainda, com a fl exibilizao de vrias garantias penais e processuais penais.

    Nessa seara vem o Direito Penal de emergncia, expresso uti-lizada para expressar as hipteses nas quais o Estado utiliza le-gislao excepcional para limitar ou derrogar garantias penais e processuais penais em busca do controle da alta criminalidade. Nesse sentido, foram criadas as Leis 8.072/90 (crimes hediondos) e 9.034/95 (organizaes criminosas).

    Sempre que a sociedade clama por segurana pblica, mxime nos tempos atuais de uma sociedade de risco, surge o legislador com sua pretenso de dar uma rpida resposta aos anseios so-ciais, e, com isso, muitas vezes criminaliza condutas sem qualquer fundamento criminolgico e de poltica criminal, criando a iluso de que resolver o problema por meio da utilizao da tutela pe-nal. Com efeito, se a criao da lei penal no afeta a realidade, o Direito Penal acaba cumprindo apenas uma funo simblica. Da a expresso Direito Penal simblico.

    Entretanto, apesar desse aspecto negativo da funo simblica do Direito Penal, a doutrina aponta um aspecto positivo, consis-tente na gerao de sentimento de segurana e tranquilidade para a sociedade, que em um primeiro momento acredita na efi ccia da lei penal.

    Na viso do autor alemo Winfried Hassemer, o Direito Penal simblico multifacetado e marca um Direito Penal que se ins-pira menos na proteo dos respectivos bens jurdicos do que no atingimento de efeitos polticos de longo alcance, como a imediata satisfao de uma necessidade de ao. Trata-se de um fenmeno de crise da Poltica Criminal moderna orientada para as consequn-cias (Direito Penal. Fundamentos, Estrutura, Poltica, p. 230).

    De outra parte, o Direito Penal promocional ocorre quando o Esta-do utiliza as leis penais para consecuo de suas fi nalidades polticas, por ser um poderoso instrumento de desenvolvimento e transforma-o social (funo promocional). Essa funo criticada por parte

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    da doutrina, uma vez que o Direito Penal deixa de ser utilizado pelo legislador como modo de controle social subsidirio (ultima ratio).

    2.10. Direito Penal subterrneo e Direito Penal paralelo

    Na verdade, se referem aos sistemas penais paralelos e subter-rneos. Segundo Zaffaroni, sistema penal o conjunto das agncias que operam a criminalizao primria e a criminalizao secun-dria ou que convergem na sua produo. Denomina-se criminali-zao o processo de seleo de um nmero reduzido de pessoas realizado pelo Estado (detentor do Poder), as quais sero sub-metidas punio. A criminalizao primria a elaborao das leis penais, ao passo que o programa deve ser cumprido pelas agncias de criminalizao secundria (Polcia, Ministrio Pblico, Judicirio e agentes penitencirios).

    Porm, como o sistema penal formal do Estado no exerce grande parte do poder punitivo, outras agncias acabam se apro-priando desse espao e passam a exercer o poder punitivo para-lelamente ao estado (sistemas penais paralelos). Ex.: mdico apri-sionando doentes mentais; institucionalizao pelas autoridades assistenciais dos morados de rua; famlias abandonando pessoas idosas em estabelecimentos particulares; autoridades administrati-vas e as corporaes ao impor sanes que implicam desemprego, que pode ser mais grave que uma sano penal (cf. Zaffaroni, De-recho Penal. Parte Generale, p. 25).

    No esclio do citado autor, todas as agncias executivas exer-cem algum poder punitivo margem de qualquer legalidade ou com marcos legais muito questionveis, mas sempre fora do po-der jurdico, o que acarreta um abuso de poder. Chama-se esse mbito de atuao ilcita de sistema penal subterrneo. Ex.: ins-titucionalizao de pena de morte (execuo sem processo), de-saparecimentos, torturas, extradies mediante sequestro, grupos especiais de inteligncia italianos, norte-americanos e espanhis que atuam fora da lei (ob. cit.,p 26).

    2.11. Direito Penal Internacional

    So as normas de direito internacional (combinao de prin-cpios de Direito Penal e direito internacional) que dispem as

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    DIREITO PENAL

    consequncias jurdico-penais. O Direito Penal Internacional origina--se por celebrao de convenes multilaterais entre os Estados in-teressados, pelo direito consuetudinrio ou pelos princpios gerais de direito (cf. Kai Ambos, A Parte Geral do Direito Penal Internacional, p.42-43).

    3. FUNES DO DIREITO PENAL

    3.1. Funo de proteo de bens jurdicos

    Uma das mais destacadas funes do Direito Penal a proteo dos bens jurdicos. Entretanto, o Direito Penal no tutela todos os bens jurdicos, mas somente os mais relevantes para um convvio harmnico em sociedade.

    3.2. Funo de garantia de vigncia da norma

    Para Gnther Jakobs (Direito Penal e Funcionalismo, 2005, p.33-34), o Direito Penal garante a vigncia da norma e no a proteo de bens jurdicos. Na verdade, o Direito Penal no pode garantir a existncia dos bens, mas sim que as outras pessoas no os ata-quem. Assim, o Direito Penal seria uma estrutura que garante a relao entre as pessoas, ou seja, garante a expectativa de que no se produzam novas ameaas aos bens. A ttulo de exemplo, cita que o proprietrio de um bem pode autorizar a sua destruio, mas pode pretender que isso no ocorra. Portanto, do ponto de vista do Direito Penal, o bem aparece exclusivamente como preten-so do proprietrio de que este seja respeitado. Em outras pala-vras, do ponto de vista do Direito Penal, o bem no deve ser re-presentado como um objeto fsico ou algo do gnero, e sim, como norma, como expectativa garantida (grifo nosso).

    3.3. Outras funes

    Diz-se, ainda, que o Direito Penal possui a funo de prevenir a vingana privada.

    De outro lado, como a pena encerra a violncia ao indivduo, o Direito Penal tambm possui a funo garantista consistente na proteo do indivduo contra os possveis excessos de poder

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    (Direito Penal garantista). Por fi m, em certas situaes, visa a ame-nizar o dano sofrido pela vtima.

    A par dessas funes legtimas, o Direito Penal acaba exercendo outras funes consideradas ilegtimas, tais como a funo simb-lica (Direito Penal simblico) e a funo promocional (Direito Penal promocional).

    4. BEM JURDICO-PENAL E CONSTITUIO

    4.1. Conceito e evoluo do conceito de bem jurdico

    No perodo pr-iluminista o crime era visto como um pecado, de sorte que com a sua prtica havia a violao da vontade divina. Com a separao entre Estado e Igreja, o crime passou a ser um dano nao. No perodo iluminista, Feuerbach busca um conceito material de crime, e com isso defi ne-o como uma violao de um direito subjetivo alheio. Em seu ponto de vista, aquele que ultra-passa os limites da liberdade legal viola um direito, causando uma ofensa (leso).

    Com Birnbaum (1834) abandona-se a defi nio do crime como violao de direitos subjetivos e inicia-se o conceito de bem ju-rdico. O autor busca o contedo do crime na ofensa a valores reconhecidos pela sociedade. O crime passa a ser a ofensa a bens protegidos pela norma. Os bens passam ao centro da discusso do crime e no mais os direitos (ANDRADE, Manuel da Costa. Consen-timento e Acordo em Direito Penal. Contributo para a fundamentao de um paradigma dualista, p. 51).

    Surgem variantes metodolgicas acerca do conceito de bem ju-rdico. Como bem sintetiza Nilo Batista: para uns, o bem jurdico criado pelo direito, atravs da seleo exercida pelo legislador (Binding); para outros, o bem jurdico um interesse da vida, que o legislador toma de uma realidade social que lho impe (Von Liszt). Houve quem deslocasse o bem jurdico estritamente para a tarefa de critrio de interpretao teleolgica da norma, no mo-vimento que fi cou conhecido como direo metodolgica (Ho-nig). (...) Recentemente, intenta-se positivar os bens jurdicos, deduzindo-os do texto constitucional (Angioni) (Introduo Crtica ao Direito Penal Brasileiro, p. 95).

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    Sobre o tema, destaca-se na doutrina brasileira a obra de Luiz Regis Prado. Conforme o autor: O bem jurdico vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistncia e o desenvolvimento do homem em sociedade e, por isso, jurdico-penalmente protegido. E, segundo a concepo aqui acolhida, deve estar sempre em compasso com o quadro axiolgico (Wertbild) vazado na Constituio e com o prin-cpio do Estado Democrtico e Social de Direito (Bem Jurdico-Penal e Constituio, p.52-53).

    Nessa perspectiva de bem jurdico como contedo do crime, e tendo como funo primordial do Direito Penal a sua proteo, verifi ca-se a importncia do bem jurdico como elemento estrutu-rante do prprio Direito Penal.

    4.2. Bem jurdico-penal constitucional

    Com a necessidade de se identifi car qual bem jurdico merece tutela penal, surgem teorias que fi xam a Constituio como par-metro de legitimidade, uma vez que nesta esto os valores mais relevantes para uma determinada sociedade.

    a) teorias constitucionais amplas: a Constituio apenas um dos parmetros legtimos para elaborao da lei penal. Nada impede ao legislador penal proteger bens jurdicos no acolhidos pela Constituio, mas desde que no afronte seus princpios e valores.

    b) teorias constitucionais restritas: os bens jurdico-penais so-mente poderiam ser buscados na Constituio, pois devem expressar os bens mais relevantes para a sociedade.

    No estudo de qual bem jurdico poder obter a qualifi cao de bem jurdico-penal se destaca a anlise do princpio da exclusiva proteo de bens jurdicos e, assim, dos princpios do pluralismo e da subcultura, dos princpios da liberdade e da tolerncia e da no proteo de valores morais (BIANCHINI, Alice. Pressupostos Materiais Mnimos da Tutela Penal, 2002). Sobressai ainda o argumento da existncia de uma zona livre de direito (rea neutra de valorao, em que um determinado fato no pode ser considerado permitido

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    nem proibido), na qual o Estado deve se abster de qualquer inge-rncia. Exemplos: no punio do incesto e adultrio.

    A propsito, os principais princpios penais esto intrinseca-mente relacionados com o bem jurdico. Como veremos mais adian-te, pelo princpio da fragmentariedade o Direito Penal somente deve proibir as condutas que causem leses expressivas aos bens jurdicos mais relevantes para a sociedade. Do princpio da subsi-diariedade decorre que o Direito Penal deve ser necessrio para proteo do bem jurdico, e somente ter legitimidade se for o lti-mo meio de controle social. Pelo princpio da ofensividade, apenas as condutas que causam leso (leso efetiva ou leso potencial) a bem jurdico, relevante e de terceiro, podem estar sujeitas ao Direito Penal.

    Com efeito, sendo o espao normativo do qual o legislador ex-trair os bens jurdicos a serem tutelados pelo Direito Penal, ou sendo o parmetro do qual o bem jurdico dever se conformar, a Constituio acaba desempenhando as funes de fundamentar e limitar o Poder Punitivo.

    Verifi ca-se, assim, a funo da Constituio (pode-se dizer tambm dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos) como fi ltro ou instrumento de purifi cao do Direito Penal. Essa fi ltra-gem constitucional signifi ca que no s o Direito Penal, mas todo o ordenamento jurdico deve ser interpretado luz da Constituio e dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, de sorte que as leis penais vigentes necessitam passar por uma fi ltragem para verifi cao de sua validade. Em sntese, no basta que uma lei tenha vigncia, deve ainda possuir validade (contedo/aspecto material).

    5. GARANTISMO PENAL

    Conforme o autor italiano Luigi Ferrajoli (Direito e Razo, p. 786), o garantismo, dentre outros signifi cados, pode ser visto, sob o plano poltico, como tcnica de reduzir a violncia e maxi-mizar a liberdade. Sob o plano jurdico, seria uma forma de limi-tao do poder punitivo em garantia dos direitos fundamentais do cidado.

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    DIREITO PENAL

    Como esse assunto foi cobrado em concurso? Foi considerado incorreto o seguinte item: O recurso pena no Direito Penal garantista est condicionado ao princpio da mxima interven-o, mximas garantias. Por outro lado, considerou-se correto que: Cabe ao Direito Penal limitar a violncia da interveno punitiva do Estado (Defensor Pblico/SP/2009-FCC).

    Dentro da funo do garantismo penal, Ferrajoli (Direito e Razo, p. 91) destaca dez axiomas:

    1) Nulla poena sine crimine: princpio da retributividade, i.e., a pena uma consequncia do delito.

    2) Nullum crimen sine lege: princpio da legalidade em sentido lato ou em sentido estrito.

    3) Nulla lex (poenalis) sine necessidade: princpio da necessida-de ou da economia do Direito Penal. A lei penal deve ser o meio necessrio para a proteo dos bens jurdicos conside-rados relevantes.

    4) Nulla necessitas sine injuria: princpio da lesividade ou da ofensividade do evento. Os tipos penais devem descrever condutas que possuam aptido para ofender bens jurdicos de terceiros, de sorte que no se poder punir: condutas que no excedam o mbito do prprio autor; meros estados existenciais; condutas desviadas e condutas que no expo-nham sequer a perigo os bens jurdicos.

    5) Nulla injuria sine actione: princpio da materialidade ou da exterioridade da ao. Para que uma conduta seja proibida deve ser manifestada por meio de uma ao ou uma omis-so proibida em lei.

    6) Nulla actio sine culpa: princpio da culpabilidade ou da res-ponsabilidade pessoal.

    7) Nulla culpa sine judicio: princpio da jurisdicionariedade.

    8) Nullum judicium sine accusatione: princpio acusatrio ou da separao entre juiz e acusao.

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    9) Nulla accusatio sine probatione: princpio do nus da prova ou da verifi cao.

    10) Nulla probatio sine defensione: princpio do contraditrio ou da defesa, ou da falseabilidade.

    Saliente-se que A teoria do garantismo penal, antes de mais nada, prope-se a estabelecer critrios de racionalidade e civi-lidade interveno penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniquesta que coloca a defesa social acima dos direitos e garantias individuais. Percebido dessa forma, o mode-lo garantista permite a criao de um instrumental prtico-terico idneo tutela dos direitos contra a irracionalidade dos poderes, sejam pblicos ou privados (CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVA-LHO, Salo de. Aplicao da pena e garantismo, 2002, p. 19).

    6. CINCIAS CRIMINAIS (NOO CONJUNTA DO DIREITO PENAL)

    O Direito Penal deve ser estudado como um dos setores das cincias criminais. As trs cincias so: 1) criminologia; 2) poltica criminal; 3) dogmtica penal.

    6.1. Criminologia

    Segundo Luiz Flvio Gomes e Antonio Molina, trata-se de uma cincia emprica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do cri-me, da pessoa do infrator, da vtima e do controle social do com-portamento delitivo, e que trata de subministrar uma informao vlida, contrastada, sobre a gnese, dinmica e variveis principais do crime contemplando este como problema individual e como problema social , assim como os programas de preveno efi caz do mesmo e tcnicas de interveno positiva no homem delinquen-te e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito (Cri-minologia, p. 28).

    6.2. Poltica criminal

    Basicamente consiste na defi nio de estratgias de controle so-cial na busca da proteo do bem jurdico. Para a tutela de bens ju-rdicos o Estado pode se valer de estratgias penais e extrapenais.

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    DIREITO PENAL

    Somente se justifi ca a tutela penal na hiptese de ser um meio efi caz de proteo do bem jurdico. Assim, a poltica criminal, com base em consideraes de outros ramos, tais como a criminologia, a fi losofi a e a sociologia, visa anlise crtica da legislao penal e propositura das devidas alteraes.

    6.3. Dogmtica penal

    Visando a interpretar e aplicar o Direito Penal, busca a dog-mtica penal elaborar um sistema de modo lgico e racional, mas aliada poltica criminal. Nos dias atuais, fala-se de uma dogmtica aberta, de sorte que a cincia penal no pode ser reduzida a um sistema fechado, pois deve procurar certos fi ns valiosos (GOMES, Luiz Flvio; YACOBUCCI, Guillermo Jorge. As Grandes Transformaes do Direito Penal Tradicional, p.48).

    Em sntese, segundo Roxin, transformar conhecimentos crimino-lgicos em exigncias poltico-criminais, e estas em regras jurdicas, da lex lata ou ferenda, um processo, em cada uma de suas etapas, necessrio e importante para a obteno do socialmente correto (ROXIN, Claus. Poltica Criminal e Sistema Jurdico-Penal, p.82).

    7. MODELOS DE POLTICA CRIMINAL

    7.1. Abolicionismo penal (poltica criminal verde)

    Essa concepo defende a extino do sistema penal, j que seus efeitos so mais funestos que benfi cos. Destaca-se nessa li-nha o professor holands Louk Hulsman, que sustenta a resoluo dos confl itos sociais por meios alternativos, como a reparao e a conciliao. Existem correntes abolicionistas mais amenas, como no caso de Thomas Mathiesen, que defende apenas a extino da pena de priso e no do sistema penal, bem como Nils Christie, que defende a extino de qualquer espcie de pena capaz de infringir dor ou sofrimento pessoal.

    7.2. Abolicionismo moderado ou minimalismo penal

    O Direito Penal deve ter uma interveno mnima. No admite a extino do Direito Penal, por ser uma forma de reao social

  • MARCELO ANDR DE AZEVEDO E ALEXANDRE SALIM

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    legtima. O Direito Penal possui a funo de proteo de bens jur-dicos relevantes e de forma subsidiria. Nessa linha destacam-se: Luigi Ferrajoli, Zaffaroni, Alessandro Baratta, Roxin e outros.

    A pena vista como um mal necessrio, por isso busca-se a reduo ao mnimo da soluo dos confl itos sociais por meio do Direito Penal. Uma das caractersticas a aplicao de sanes al-ternativas ou substitutivas pena de priso, tais como: reparao do dano; penas restritivas de direitos; transao penal; suspenso condicional do processo (sursis processual).

    Em um sentido de evitar a pena de priso devem ser lembradas as Regras Mnimas das Naes Unidas para a Elaborao de Medi-das no Privativas de Liberdade (Regras de Tquio).

    7.3. Direito Penal mximo (efi cientismo penal)

    Defende a utilizao do Direito Penal como instrumento efi caz para o combate da violncia. Busca a mxima efetividade do con-trole social com a utilizao do Direito Penal. Trata-se de um mo-delo antigarantista.