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Estudos de Sintaxe Visual TEORIA APLICADA:

Sintaxe visual

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Trata-se da apresentação do livro “Teoria aplicada: estudos de Sintaxe Visual”, cujos capítulos são compostos por quatro artigos feitos por acadêmicos do programa de pós-graduação em Design (Pós-Design/EGR/UFSC), que cursaram a disciplina “Sintaxe da informação gráfico-visual em Design”, no ano de 2012. Os artigos aqui reproduzidos foram escolhidos pelos organizadores, entre diversos outros textos desenvolvidos no mesmo período. Em grande parte, os artigos produzidos nas edições da disciplina, nos anos de 2011, 2012 e 2013, foram publicados em eventos ou revistas científicas. Isso significa a retomada, a revisão e a revitalização de princípios teóricos fundamentais, na consolidação da teoria de Design na cultura modernista e industrial das primeiras décadas do século XX.

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Estudos de Sintaxe Visual

TEORIA APLICADA:

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Teoria aplicada: estudos de Sintaxe visual

Organizadores: Richard Perassi Luiz de Sousa, Cristina Colombo Nunes e Álvaro Roberto Dias.

Projeto Gráfi co: Bárbara Zardo De Nardi e Luciano Patrício Souza de Castro.

ISBN: 978-85-8431-003-6

1a EdiçãoFlorianópolis/SC

CCE/UFSC2015

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina

T314 Teoria aplicada : estudos de Sintaxe visual / Organizadores,

Richard Perassi Luiz de Sousa, Cristina Colombo Nunes e Álvaro Roberto Dias ; Projeto Gráfi co, Bárbara Zardo De Nardi e Luciano Patrício Souza de Castro. – 1. ed. – Florianópolis : CCE/UFSC, 2015.64 p.: il., tabs.

ISBN: 978-85-8431-003-6

Inclui bibliografi a

1. Semiótica. 2. Desenho - Estudo e ensino. I. Sousa, Richard Perassi Luiz de. II. Nunes, Cristina Colombo. III. Dias, Álvaro Roberto. IV. Título.

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Apresentação

Retomando os princípios teóricos de Sintaxe Visual

Trata-se da apresentação deste livro “Teoria aplicada: estudos de Sintaxe Visual”, cujos capítulos são compostos por quatro artigos feitos por acadê-micos do programa de pós-graduação em Design (Pós-Design/EGR/UFSC), que cursaram a disciplina “Sintaxe da informação gráfi co-visual em Design”, no ano de 2012. Os artigos aqui reproduzidos foram escolhidos pelos orga-nizadores, entre diversos outros textos desenvolvidos no mesmo período. Em grande parte, os artigos produzidos nas edições da disciplina, nos anos de 2011, 2012 e 2013, foram publicados em eventos ou revistas científi cas. Isso signifi ca a retomada, a revisão e a revitalização de princípios teóricos fundamentais, na consolidação da teoria de Design na cultura modernista e industrial das primeiras décadas do século XX. Como sistema de informação para o desenvolvimento do produto de comunicação, por exemplo, o símbolo gráfi co de uma marca comer-cial, um projeto requer diferentes desenhos: (1) há o desenho técnico--estrutural, que defi ne o formato e as proporções do produto gráfi co; (2) há o desenho de representação visual do produto gráfi co ou layout, que cumpre a função de protótipo do produto gráfi co; (3) às vezes, há também o desenho do sistema de aplicação de alguns elementos ou acabamentos.

Atualmente, os recursos de computação gráfi ca permitem ajustes instantâ-neos e recorrentes nos ensaios compositores e até na defi nição do layout do produto gráfi co, devido à agilidade decorrente do uso da tecnologia di-gital. Isso enfatiza e viabiliza, como método criativo, um intenso e continu-ado processo de tentativa e erro para o desenvolvimento e a defi nição do projeto e do produto gráfi co.

(1) Desenho estrutural

(2) Layout

(3) Desenho de aplicação

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Anteriormente, durante o desenvolvimento e a popularização dos recursos de computação gráfi ca, a defi nição do layout do produto gráfi co exigia pla-nejamento antecipado e detalhado, com a realização prévia de diversos es-boços manuais. O processo de tentativa e erro era restrito à etapa preliminar, porque alguma incoerência na produção manual de um layout mais bem acabado implicava em exaustivo e antieconômico processo de retrabalho.

No contexto projetivo da computação gráfi ca, o processo de criação e desen-volvimento do produto gráfi co pode ocorrer de maneira poética e intuitiva. Pois, a partir do briefi ng e do estudo contextual são identifi cados os conceitos e as funções básicas e, depois disso, a escolha e a adaptação de recursos e elementos, os quais garantem expressão e funcionalidade ao produto gráfi co.

Há teorias relacionadas com os processos projetivo e gráfi co-compositivo, desenvolvidas durante séculos anteriormente ao advento da tecnologia digital. Atualmente, esse corpo teórico ainda instrui e explica a criação e o desenvolvimento de projetos e produtos com recursos da computação gráfi ca. Pois, são princípios e conceitos relacionados às possibilidades de representação gráfi ca de imagens representativas de coisas naturais, artifi -ciais ou imaginárias.

Os elementos básicos são os pré-fi gurativos: pontos, linhas, planos e man-chas (PERASSI, 2010). Também, consideram-se as possibilidades de confi gu-rações, denotações e conotações visuais, caracterizando as teorias relacio-nadas aos seguintes temas: representação, linguagem e comunicação visual.

Os estudos complementares aos processos de expressão e representação visual tratam da percepção visual. Pois, a imagem gráfi ca é sugestiva e efe-tiva, na medida em que é complementada pela imaginação dos observa-dores. Isso enfatizou os estudos e a produção de teorias em Psicologia da Percepção, consolidando o valor histórico dos pressupostos perceptivos da teoria Gestalt (GOMES FILHO, 2004).

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Até a metade dos anos 1980, no cenário acadêmico brasileiro, os estudos teórico-práticos sobre representação e projetação gráfi co-visual ocuparam posição central nos currículos dos cursos universitários dos campos de ex-pressão, linguagem e comunicação visual. Eram privilegiadas na estrutura programática as disciplinas que tratam da organização do campo gráfi co--visual: Composição, Fundamentos da Linguagem Visual e Teoria da Forma. Mas, depois disso, a ênfase da aprendizagem recaiu sobre os programas de computação gráfi ca, de acordo com suas linguagens específi cas, na medida em que os sistemas gráfi co-digitais fi caram mais amigáveis e ágeis.

Em 2007, houve a publicação da terceira edição brasileira do livro “Sintaxe da Linguagem Visual” de Donis A. Dondis que. em 1973, foi originalmen-te publicado em inglês. Também, outros livros clássicos são reeditados ou citados de maneira recorrente. Por exemplo, “Arte e Percepção Visual” (ARNHEIN, 1960/2009); “Design e comunicação visual” (1997/2006); “Funda-mentos del Diseño” (SCOTT, 1978), entre outros.

No contexto pedagógico do programa de pós-graduação em Design (Pós--Design/EGR/UFSC), houve o desenvolvimento da disciplina “Sintaxe da informação gráfi co-visual em Design”, como um dos tópicos especiais em gestão de Design Gráfi co (EGR 8203000). Na disciplina, são considerados os aspectos histórico-contextuais que justifi caram os estudos sobre forma, percepção e linguagem gráfi ca, na sociedade industrial. Também, são re-cuperados e atualizados conceitos e teorias, através de estudos e publica-ções sobre temas afi ns, como a comunicação gráfi co-visual das marcas co-merciais e institucionais, desenvolvidos pelo grupo “Signifi cação da Marca, Informação e Comunicação Organizacional” (SIGMO/UFSC/CNPQ). Entre outros, destacam-se os seguintes artigos: “Gramática Comparada da Repre-sentação” (PERASSI, 2010); “A representação visual da moda nos suportes gráfi cos” (CAMPOS e PERASSI, 2012); “Cultura, linguagem gráfi ca e alfabetis-mo visual” (PERASSI, et.al.).

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Por sua vez, os capítulos deste livro são compostos pelos artigos: (1) “Dinâmica e marca: uma análise do movimento sugerido nas marcas olímpicas” (QUEIROZ; ZWIRTES e NUNES); (2) “A cor funcional na info-cartografi a temática” (QUINTÃO); (3) “O sistema Isotype e a moderna estilização geométrica dos pictogramas em interfaces gráfi cas digitais” (BORTOLÁS e COTO); (4) O estilo universalista na representação gráfi ca da mascote da copa FIFA de 2014 (ARAÚJO e SÁ).

Em outras publicações, como anais de eventos ou revistas, esses artigos foram apresentados tendo como coautores o professor ministrante e os respectivos professores orientadores dos acadêmicos participantes da disciplina. Porém, nesta publicação, os capítulos são assinados apenas pelos acadêmicos, porque se trata de um registro da produção dos mes-mos, decorrente dos estudos realizados durante a disciplina “Sintaxe da informação gráfi co-visual em Design”, no ano de 2012.

Este livro também é resultado de uma atividade programada de pes-quisa (APP), que foi realizada com doutorandos do programa de pós--graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (PPEGC/UFSC). Por isso, agradecemos o trabalho dos professores e pós-graduandos Cristina Colombo Nunes e Álvaro Roberto Dias no processo de desenvol-vimento da disciplina e na organização desta publicação. Agradecemos também a colaboração como ministrantes de Luciano Patrício Souza de Castro e Isaac Antônio Camargo, colegas professores do departamen-to de Expressão Gráfi ca (EGR/UFSC) e, de modo especial, nossos agra-decimentos pelo excelente trabalho da designer gráfi co e mestranda (PPEGC/UFSC) Bárbara Zardo De Nardi.

Florianópolis, abril de 2015.

Richard Perassi Luiz de Sousa.Professor dos programas de pós-graduação

Pós-Design e Engenharia e Gestão do Conhecimento.

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Sumário

Dinâmica e Marca: Uma análise do movimento sugerido nas marcas olímpicasAmanda Queiroz CamposAmanda Machado ZwirtesCristina Colombo Nunes

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A cor funcional na infocartografi a temáticaFernanda S. Quintão 22

O sistema isotype e a moderna estilização geométrica dos pictogramas em interfaces gráfi cas digitaisNatália BortolásJuan Coto

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O estilo universalista na representação gráfi ca da mascote da copa FIFA 2014Sharlene AraújoTúlio Henrique Mandolesi Sá

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Artigos

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Amanda Queiroz Campos

Amanda Machado Zwirtes

Cristina Colombo Nunes

Dinâmica e Marca: Uma análise do movimento sugerido nas marcas olímpicas

Palavras-chave: Marcas Olímpicas, Teoria da Forma, Branding.

Resumo

Atualmente há cada vez menos tempo para que as histórias sejam contadas. As marcas gráfi cas surgem como síntese de tudo que as instituições almejam representar. Neste contexto, as marcas gráfi cas dos eventos olímpicos objetivam retratar todo ideal esportivo situado no espaço da cidade sede e no tempo da realização dos jogos. Esta dinâmica entre tradição e contemporaneidade motivou esta pesquisa que visa analisar as alterações estético-formais das marcas olímpicas. Para tal foral selecionadas três marcas olímpicas: 1972, 1992 e 2012. Além dos 20 anos que separam os eventos entre si, todos ocorreram em continente europeu. Neste contexto, pretende-se discutir as similaridades e diferenças nas estratégias estético-formais adotadas no contexto da comunicação das marcas gráfi cas.

CAMPOS, A. Q. ; ZWIRTES, A. M.; NUNES, C. C.; PERASSI, R. (Superv.) Dinâ mica e Marca: uma aná lise do movimento sugerido nas marcas olí mpicas. In: PERASSI, R. (Org). Teoria Aplicada - Estudos de Sintaxe Visual. Florianó polis: CCE/ UFSC, 2015. p 10 -21.

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IntroduçãoEste artigo é decorrência da soma dos questio-namentos levantados pela disciplina de Tópicos Especiais em Gestão do Design Gráfico, ministrada no programa de Pós-Graduação em Design, com as pesquisas realizadas no grupo de pesquisa “Signifi-cação da Marca, Informação e Comunicação Organi-zacional” (SIGMO/UFSC) que reúne acadêmicos do Programa de Engenharia e Gestão do Conhecimen-to (EGC/UFSC) e do Mestrado em Design e Expressão Gráfica (Pós-Design/UFSC). Entre outros estudos, o grupo estuda a composição informativa das formas gráficas e, também, a comunicação visual no desen-volvimento de projetos e nos processos interpretati-vos de marcas gráficas e identidades visuais, no con-texto das áreas de Gestão e Comunicação da Marca.

Este trabalho pretende discorrer sobre questões relacionadas à temporalidades das marcas gráfi-cas, onde a estratégia expressiva se relaciona com a ideologia e valores em voga. Para tal, propõe-se uma leitura da essência do objeto de design, desta-cado similaridades e diferenças no discurso simbó-lico no decorrer do tempo.

A composição das formasElementos básicos da comunicação visualOs estudos sobre composição, expressão e comu-nicação da forma ou da ideia nos processos cul-turais de produção, simbolização e comunicação pré-verbais datam do princípio do século XX, res-pondem à necessidade de um vocabulário formal que prescindisse de imagens figurativas para co-municar. Assim, a teoria indica os pontos, as linhas e os planos gráfico-visuais, como elementos bási-cos da composição das formas (PERASSI, 2010).

Dondis (2007, p.51) atesta que “sempre que alguma coisa é projetada e feita, esboçada e pintada, dese-nhada, rabiscada, construída, esculpida ou gesticu-lada, a substância visual da obra é composta a par-tir de uma lista básica de elementos. Não se devem confundir os elementos visuais com os materiais ou o meio de expressão”. Para os autores e também para Perassi, Dias e Campos (2011), os materiais são suportes, ferramentas e insumos utilizados para a construção das obras. Os elementos básicos da representação gráfico-visual são os que subsistem sob as diferentes representações visuais figurativas ou metafóricas. Recursos básicos para a configura-ção de uma composição, são alicerces do design (LUPTON, PHILLIPS, 2009).

A partir dos elementos básicos, é possível expressar planos visualmente uniformes ou representar man-chas, através de hachuras ou pontos, compondo tex-turas visuais. O traçado de linhas permite configurar contornos ou formatos. As relações estabelecidas en-tre os elementos perceptíveis também podem demar-car proporções e sugerir relações tridimensionais de profundidade e volume, entre outras possibilidades.

Kandinsky (2006) considera ponto, linha e plano como elementos básicos (primários e secundários) da composição de uma produção imagética. Em decorrência do modo como forem organizados, es-tes três elementos podem vir a repercutir seus in-tentos e/ou simbologias. Por sua vez, Wong (2001) assevera que ponto, linha, plano e mancha são, por definição, conceitos, já que consistem em palavras que arbitrariamente foram associadas aos elemen-tos perceptíveis por aquilo que conhecemos por pontos, linhas, planos e manchas.

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Frente ao posicionamento do autor, Perassi (2009) entende os conceitos como meramente informati-vos do valor visual que representam e que é essen-cial indicá-los nominalmente para referência. Por conseguinte, indica ponto, linha, plano e mancha como elementos expressivos, já que podem ser percebidos materialmente. Ainda poderiam ser considerados elementos pré-figurativos, já que são os elementos básicos, através dos quais se pode representar quaisquer efeitos bi e tridimen-sionais. Logo, o que se busca evidenciar é o caráter visual dos conceitos que se referem aos elementos (ADORNO, 2011).

Lupton e Phillips (2008), na tentativa de redefinir os fundamentos do design, não estabelecem clas-sificações explícitas ao deles tratar, entretanto, afirmam que ponto, linha e plano constituem nas bases fundamentais do design.

Elementos conceituais da comunicação visualToda substância, seja tinta ou luz, organizada como informação gráfica é dotada da capacidade de expressar ou representar um conceito. Os ele-mentos conceituais são aqueles oriundos das rela-ções entre os elementos expressivos, ou elementos básicos, da comunicação visual (caderno da disci-plina). De acordo com autores como Dondis (2007), Adorno (2011) e Perassi (2001), o elemento concei-tual de maior relevância é a forma. Isso se dá, ini-cialmente, pela própria ideia de forma ser sinônima a ideia de conceito. Nesse sentido, a união de traços e/ou manchas representa ou expressa ideias inseri-das num contexto cultural.

Faz-se válido ressaltar que os seres humanos são seres culturais e, coincidentemente, simbólicos. Sendo assim, torna-se natural que construam sim-bolismos e projetem ideias sobre qualquer reta-lho, fragmento ou porção de material percebido. Do mesmo modo, fragmentos de substâncias são percebidos como formas, ou conceitos, por seres culturais. Estes pretendem conferir às formas sig-nificados e sentido. Segundo Adorno (2011, p.26), “isso decorre do processo de imaginação e com-paração que busca identificar um tipo de organiza-ção ou um tipo de coisa que pode ser representada pelo que é observado”.

Perassi (2011) considera a forma ou o aspecto da forma como sua configuração. Mas, em comple-mento a Gomes (2008) considera que os valores vi-suais da forma ultrapassam apenas a indicação da configuração, da forma. Dentro os valores visuais ou conceituais, acrescenta cor, tonalidade, textura e volume.

O termo forma expressa um conceito indicativo da relação entre uma coisa material ou mental, perce-bida ou pensada, e uma ideia, ou conjunto de ideias, que identifica, qualifica e nomeia essa coisa. As iden-tificações ou nomeações decorrentes dessa relação se referem a aspectos como: limites, proporções, volumes e, também, com qualidades de superfície como textura, tonalidade e cor (PERASSI, 2005, p. 2).

Organizados e compostos, ponto, linha, plano e mancha tendem a configurar e representar formas e conceitos, construídos e associados dentro da cultura. As associações e representações têm como

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base, além de uma cultura compartilhada, a com-paração do modo como os elementos expressivos se relacionam. Da interação dos elementos básicos surgem outras relações estético-formais. De manei-ra ampla, teóricos da percepção também conside-ram essas relações através de indicações de termi-nologias como: proporcionalidade, espacialidade, dinamismo, equilíbrio, ritmo, enquadramento, entre outros (Lupton e Phillips, 2008. Dondis, 2007. Wong, 2001. Gomes, 2008).

“A informação e a comunicação gráfica decorrem de um conjunto de estímulos sensoriais que, tam-bém, estimulam a imaginação de observadores ou leitores” (ADORNO, 2011, p.38). Frente aos estímu-los sensoriais, o observante, humano e, portanto, cultural, é incitado à construção de associações, as quais modificam composições gráficas em repre-sentações gráficas, já que os elementos sensoriais, quando associados a ideias mentais e coisas ima-ginadas, adquirem atitude simbólico ou conceitual.

O presente artigo não tem como objetivo tratar de modo aprofundado de cada uma das possíveis re-lações conceituais originadas entre pontos, linhas, planos e manchas. Pretendeu-se evidenciar a exis-tência dessas relações e sua relevância para os es-tudos de construção e análise de composições visu-ais. O âmbito estético-perceptivo e conceitual dos elementos, das representações e de suas relações gráfico-visuais é parte do domínio indicado como “alfabetismo visual”. Assim, considera-se que o de-senvolvimento e o controle da inteligência visual im-plicam em uma compreensão mais fácil de todos os significados que assumem as formas visuais.

A sugestão visual de movimentoDe acordo com Scott (1978), o movimento envolve dois conceitos: mudança e tempo. O movimento de uma composição pode ser objetivo ou subjeti-vo. Quando subjetivo é fruto do processo de per-cepção. No caso do presente artigo, abordar-se-á de modo específico a sugestão visual, portanto, perceptiva visualmente, do movimento enquanto elemento conceitual do design e das artes gráficas.

Lupton e Phillips (2008) tratam o conceito de movi-mento em conjunto ao conceito de tempo. Segun-do os autores os conceitos estão estritamente rela-cionados, pois qualquer elemento que se move, ou altera sua posição no espaço também opera tem-poralmente. “O movimento é um tipo de mudan-ça, e toda mudança acontece no tempo” (LUPTON, PHILLIPS, 2009, p.217). O que os autores afirmam é que a sugestão visual de movimento faz-se percep-tível devido ao fato que o desenho em si é o cami-nho do movimento registrado graficamente.

Qualquer que seja a composição visual gráfica é possível identificar sugestão de movimento ou es-tagnação através da disposição e composição dos elementos expressivos. Para tanto, alguns princí-pios básicos são aplicados para sugerir ou expres-sar mudança temporal e movimento. Este traba-lho se fixará na sugestão visual de movimento em mídia estática, isentando-se de tratar da sugestão visual de movimento e temporalidade em anima-ções e outras mídias baseadas em duração.

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A presença de linhas ou manchas diagonais confere a sensação de movimento. Como provocam, ainda, sugestão de aproximação da superfície da tela para seu interior ou para o seu exterior, dependendo da composição e outros elementos trabalhados, pro-duzem a sensação de intensa atividade. A sensa-ção de movimento é insinuada pelo desequilíbrio da linha diagonal em relação ao plano ortogonal. Assim, indicam movimento justamente por uma re-ação do leitor em buscar o equilíbrio da linha que se desequilibra.

Concordantemente com a linhas ou disposição diagonal de objetos, formas pontiagudas ou trian-gulares também são sugestíveis de movimento e temporalidade. A forma de seta ou flecha, compos-ta pelo encontro das extremidades de duas linhas diagonais de direções opostas no centro também são indicativas de movimento (Lupton e Phillips, 2008). Há ainda a indicação de linhas rabiscadas e rascunhadas como sugestores visuais de movi-mento, que registram o movimento do lápis, em contraste com desenhos construídos por linhas contínuas, únicas e constantes que descrevem composições estáticas.

Mais princípios que induzem a percepção visual de movimento referem-se aos efeitos de explosão e erupção. Autores asseveram que a repetição de formas idênticas ou formas semelhantes em confi-guração explosiva, ou seja, concentradas num cen-tro em comum, com as formas afastando-se espa-cialmente concentricamente, de modo ordenado ou não, no restante do plano. A ideia de explosão enquanto movimento pode ser explicitada através da aplicação de sangria nas manchas ao alcança-rem as bordas da composição.

Outro elemento altamente sugestivo de movimen-to é a curvilineidade. Através das linhas sinuosas e curvas ficam indicados os conceitos de flexibilida-de, maleabilidade e dinamismo. Como sugestão implícita, a repetição sequencial de formas tam-bém é altamente sugestiva de tempo e movimento, insinuando o movimento percorrido pela forma na composição e, até mesmo, o processo do design na construção. A indicação sequencial pode ainda ser evidente em composições formadas por várias imagens sequenciais, indicando a movimentação ao longo do tempo. Sequencialmente, o movimen-to pode ser sugerido por alterações na posição, rotação, escala, forma, cor, transparência e profun-didade. As relações foram apresentadas na figura apresentada a seguir.

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Figura 1: Mudanças ao longo do tempoFonte: Adaptado de Lupton e Phillips

Figura 2: Mudanças ao longo do tempoFonte: Adaptado de Lupton e Phillips

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Scott (1978) defende o efeito dinâmico do equilí-brio ao asseverar que composições dinâmicas são mais fortes que as estáticas. Uma relação dinâmica coma a gravidade aumenta enormemente o poder de atração da composição. Em composições em que há maior disposição de elementos, ou maior área ocupada, na parte superior da composição, há movimento sugerido pela instabilidade da base, ou parte inferior da imagem. Como já explicitado anteriormente neste artigo, posições instáveis, em desequilíbrio ou em posição em improvável de equilíbrio denotam movimento.

Pode ainda haver reforço na sugestão de movimen-to ao considerar o movimento dos olhos ao per-correr a composição. Nossos olhos acompanham as linhas e figuras da composição, movem-se em saltos fixando-se por mais tempo nos pontos de atração, que por sua vez, seguram o olhar dos ob-servadores por maior ou menor período de tempo, conferindo temporalidade e noção de passagem de tempo para a composição (SCOTT, 1978).

Análise das marcas olimpíadas Este item apresenta a análise de três marcas gráfi-cas de olimpíadas realizadas no continente euro-peu, como uma periodicidade de 20 anos. O intuito da análise é explicitar as estratégias estético-for-mais adotadas para que seja transmitida a sensa-ção de movimento, conforme descrito no item 2, característica em conformidade com o ideal que os jogos olímpicos representam.

A seguir, cada marca gráfica será analisada individu-almente, considerando apenas os elementos com-positivos percebidos, não são contempladas nesta análise observações acerca do contexto histórico, técnicas de produção gráfica disponíveis e outras va-riáveis que motivaram a concepção da marca gráfica. O foco deste artigo está nas sensações percebidas. Munique – 1972A marca gráfica adotada para a olimpíada de 1972 apresenta em sua configuração um círculo, com listras brancas e pretas em sentido radial, não apre-senta cores. Estas listras, porém são interrompidas e desencontradas, criando a ilusão de uma linha espiral, conforme apresentado na figura 3. Na base da marca gráfica encontram-se os dizeres “Muni-ch1972” expressos em uma fonte sem serifa, de traço contínuo. O texto é grafado com letras maiúsculas e minúsculas sem a utilização de espaçamento entre o nome da cidade e ano da realização dos jogos.

Figura 3Fonte:http://fotos.estadao.com.br/logos-das-olimpiadas-a-logo-marca-da-olimpiada-de-1972-disputada-em-munique-na-alemanha,galeria,3810,128246,,,0.htm?pPosicaoFoto=1

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A descontinuidade das linhas alimenta a ilusão de tridimensionalidade, conforme representado na figura 4. Este efeito era bastante utilizado pelo mo-vimento artístico denominado “Op art”, onde se utilizava de um alto rigor formal para representar a instabilidade e mutabilidade do mundo.

A composição da marca gráfica é dominada pela linha curva em espiral, que induz o olhar do obser-vador do centro para a borda externa da figura, em um movimento circular que evoca também a ideia de crescimento. Esta percepção é reforçada pelas linhas brancas, dispostas em uma simetria radial, assemelhando-se ao efeito luminoso de brilho. O efeito de explosão parece ser controlado pela es-piral, que evoca a percepção de um crescimento limitado e ordenado.

Figura 4Fonte:http://fotos.estadao.com.br/logos-das-olimpiadas-a-

-logomarca-da-olimpiada-de-1972-disputada-em-munique-na-

-alemanha,galeria,

A marca gráfica criada por Olt Aicher para as olim-píadas de Munique pretende representar, conforme as palavras o designer, a “radiante Munique”. Ob-serva-se na marca gráfica resultante uma extrema racionalidade, onde todos os elemento expressivos são adotados com uma intencionalidade percep-tiva clara: luz, movimento, volume. O observador, obediente, percebe e identifica os códigos, porém, é como se o próprio brilho emitido pela “ radiante Munique” pudesse ser controlado. A ausência das cores reforça a ideia de racionalidade e controle, evitando que uma determinada cor possa suscitar uma percepção emotiva.

Barcelona – 1992Os jogos Olímpicos de Barcelona, que ocorreram em 1992, tiveram sua marca gráfica desenvolvida por Josep Maria Trias, designer catalão, conforme apresentada na figura 5. A marca gráfica apresenta um símbolo, composto por três manchas com con-tornos irregulares que reforçam sua expressividade e gestualidade. Na base no símbolo encontra-se uma mancha vermelha alongada, tal qual um traço de espessura irregular, assemelha-se ao traço ca-racterístico da aplicação de tinta por meio de um pincel. Essa percepção é reforçada pela utilização de um mancha cinza na base do traço que simu-la uma sombra, como aquela gerada pelo volume do acúmulo da tinta sobreposta no plano. Acima, tem-se a utilização de uma mancha amarela alon-gada, porém esta apresenta uma forma curvilínea. O mesmo recurso expressivo é repetido: bordas irregu-lares, variação da espessura do traço e a simulação de uma sombra na base do traço. O coroamento do

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símbolo é feito por uma mancha azul, menor que as demais e sem o aspecto alongado, entretanto, man-tém todos os aspectos estéticos acima descritos.

Abaixo do símbolo encontra-se escrito “Barcelo-na’92”. A fonte utlizada é serifada, similar a fontes tradicionais. Utiliza-se de maiúsculas e minúscu-las, grafadas em preto. A única particularidade é a utilização do apóstrofo, representando a oclusão proposital dos algarismos “1”e “9” que completam o ano de realização dos jogos: 1992. Essa informa-lidade contrapõe-se com a formalidade da fonte.

A base da marca gráfica é formada pelos anéis olím-picos, conforme descrito no item 2.3, marca gráfi-ca dos jogos olímpicos. Esta encontra-se alinhada com o texto, em uma posição de centralidade.

Figura 5Fonte: http://www.triasquod.com

A marca gráfica dos jogos olímpicos de Barcelona utiliza a gestualidade do traço como estratégia de movimento. Parece possível imaginar a rápida pin-celada do artista, dada a expressividade impingida no traço da marca gráfica. Há também a ilusão de uma imprevisibilidade, como se o traço tivesse vida própria e pudesse ter sido um pouco mais longo, ou mais curto, ou mais fino. Em suma, a marca grá-fica aparenta um certo grau de liberdade formal. A marca gráfica alude à arte catalã, relembrando por suas cores primárias e saturadas e traços simples, a produção naïf de Joan Miró entre outros.

Percebe-se ainda na figura, a estilização de um hu-mano saltando. Onde o traço vermelho representa as pernas; o amarelo, os braço e a cabeça é simbo-lizada pela mancha azul. Essa percepção reforça a sensação de instabilidade e de movimentos, pois ninguém permanece estático em um salto.

Londres – 2012Percebe-se na figura 6 a marca gráfica das olimpí-adas de Londres, realizadas em 2012. A marca grá-fica, que foi desenvolvida pela equipe do escritório Wolff Olins, apresenta cinco formas geométricas pontiagudas em um tom magenta com uma linha de contorno de espessura variável em amarelo. Dentro forma no canto superior esquerdo, lê-se gra-fada em branco, com o uso exclusivo de letras mi-núsculas, a palavra “london”. A fonte utilizada não apresenta serifa, possuí um traço fino e uma leve inclinação para a direita. Na forma ao lado percebe--se a inserção dos anéis olímpicos sem suas cores tradicionais, adotando apenas o branco.

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Figura 6Fonte: http://www.wolffolins.com/work/london-2012

A composição é estruturada por linhas diagonais em diversas direções. A ausência de um sentido domi-nante transmite a sensação de um movimento curto e descontínuo, tal qual uma vibração. As linhas de contorno amarelas reforçam esta percepção, asse-melham-se à captura de um objeto em movimento.

As formas geométricas são a estilização do ano de realização dos jogos, 2012. Porém, as formas que representam os algarismos “2” são diferentes. A composição apresenta um equilíbrio dinâmico, incita o observador a encontrar a lógica, o encaixe das formas, no entanto, os ângulos não se ajustam. Essa percepção remete ao conceito de desconstru-ção, onde a integridade do objeto é abandonada e valoriza-se a quebra e a ruptura.

Discussão da análiseAs três marcas gráficas analisadas transmitem a sensação de movimento, no entanto as estratégias estético-formais variam. Cada marca situa-se em um contexto diverso e, portanto, a representação do movimento tem um propósito distinto.Na marca gráfica da olimpíada de 1972 em Muni-que a representação do movimento é dada por uma linha sinuosa ordenada como uma espiral. Essa configuração cria a ilusão de um movimento totalmente previsível, pois o crescimento dentro de uma estrutura em forma de espiral apresenta um lugar específico no espaço para acontecer. Este movimento ordenado e previsível é coerente com a visão utópica racionalista, a crença em um futuro planejado, resultante do progresso.

A segunda estratégia de movimento resgata a uti-lização de linhas rabiscadas e rascunhadas, ex-pressando um movimento gestual e veloz. O movi-mento nesta marca apela mais ao lado emocional, criando a ilusão de espontaneidade, como se a tinta pudesse ter escorregado mais à esquerda ou à direita. Em outras palavras, os contornos da for-ma são menos importantes do que a percepção do todo. Há uma clara indicação da direção do movi-mento, apontando para cima. Essa marca gráfica pode ser interpretada como representação de um momento de grande otimismo, é a olimpíada do fi-nal da guerra fria, onde pela primeira vez não houve boicote. Também representa a primeira olimpíada após a criação da união europeia. Representa a es-perança em um futuro melhor, porém, indefinido.

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20 Dinâmica e Marca: Uma análise do movimento sugerido nas marcas olímpicas

Já a marca gráfica das olimpíadas de Londres em 2012, se utilizam de linhas diagonais e formas pontiagudas, utilizando o recurso da explosão, ou melhor, do momento após a explosão. A ausência de uma direção definida cia um movimento curto, como se a forma tremesse ou vibrasse. A marca gráfica assume as fissuras, rupturas e a ausência de um único encaixe correto. A marca gráfica de Lon-dres representa uma visão contemporânea onde o hedonismo e a presentificação substituíram as grandes utopias. A configuração da marca gráfica não apresenta uma direção um sentido ou uma previsão do crescimento das formas, move-se de modo caótico, pulsa no presente.

Considerações finaisO presente trabalho intentou problematizar a su-gestão visual de movimento nas marcas gráficas das Olimpíadas de Munique, em 1972, Barcelona, em 1992 e de Londres, no ano de 2012. Viu-se que as marcas mesmo mantendo a semelhança da sensação de movimento, apresentam divergên-cias no modo como o movimento é graficamente sugerido. As diferenças entre o modo como cada composição visual promove a sensação de movi-mento pode ser justificada pela temática particular de cada edição da competição.

Pode-se ainda considerar que, além de apresenta-rem temáticas diferentes, cada marca gráfica de-senvolvida expressa um contexto cultural ao qual é contemporâneo. De acordo com Rubio (2010, n.p.),

Analisar um fenômeno sociocultural, como os Jo-gos Olímpicos, que atravessa um período repleto de singularidades como o século XX requer a clareza dos diversos momentos sobre os quais se fala. Da conjuntura pré Primeira Guerra à pós-modernidade muitos são os movimentos implicados na compre-ensão não só da geopolítica mundial, como das dis-tinções e exclusões promovidas pelas diversas crises de identidade geradas pela criação e negação de na-ções e Estados, bem como das questões próprias do esporte como o amadorismo, a profissionalização ou o” fair play”.

Sendo assim, faz-se compreensível que cada perí-odo histórico condiz com uma realidade cultural, política, econômica e social particular. Essa reali-dade é refletida não apenas nas transformações vividas pelo Movimento Olímpico, mas também na expressividade gráfica, atualizando, por exemplo, a linguagem visual, como ficou evidente através das diferentes modalidades de se expressar o conceito de movimento.

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Pesquisa e AutoriaAmanda Campos de QueirozPós-Design / UFSC [email protected]

Cristina Colombo Nunes, M.Eng. EGC - Universidade Federal de Santa Catarina [email protected]

Amanda Machado Zwirtes, M.Sc. EGC - Universidade Federal de Santa Catarina [email protected]

Supervisão e OrientaçãoRichard Perassi Luiz de Sousa, Dr.EGC/UFSC e Pós-Design/UFSCUniversidade Federal de Santa Catarina [email protected]

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A cor funcional na infocartografi a temática02 Palavras-chave: Cores funcionais; Jean Baudrillard; Cartografi a temáticaPortoAlegre.cc.

Resumo

Embora não se tenha certeza sobre quando o primeiro mapa foi feito, pode-se dizer que o último foi criado há apenas uma fração de segundo. Nos dias atuais, o desenvolvimento da cartografi a, assim como o das tec-nologias da informação, possibilita a proliferação da imagem cartográfi ca nos meios digitais, acompanhada pelo surgimento de novas formas de interação homem-mapa. Este trabalho apresenta um mapa disponível no website PortoAlegre.cc como suporte de aplicação das cores funcionais, as quais participam de um sistema lógico-cromático de informação. No texto, também é apresentado um breve histórico da relação entre car-tografi a e tecnologia e, ainda, o conceito de cor funcional proposto por Jean Baudrillard. O estudo aborda a cartografi a temática e a maneira como as cores são aplicadas em mapas dessa categoria. Assim, toma como exemplo um mapa interativo da cidade de Porto Alegre-RS para evidenciar que as cores utilizadas não seguem às convenções estabele-cidas pela cartografi a sistemática, mas servem de informação para outro tipo de comunicação gráfi ca.

Fernanda S. Quintão

QUINTÃ O, F. S; TRISKA, R. (Superv.) A cor funcional na infocartografi a temá tica. In: PERASSI, R. (Org). Teoria Aplicada - Estudos de Sintaxe Visual. Florianó polis: CCE/ UFSC, 2015. p 22 -39.

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Cartografia e tecnologiaHá uma ironia na história da cartografia que é evi-denciada neste texto. Pois, em princípio, a falta de recursos fotográficos fez com que os mapas fossem desenvolvidos como representações gráficas ou desenhos. Atualmente, como mostra o exemplo em estudo, há recursos tecnológicos que permi-tem fotografar em detalhes toda superfície terres-tre. Contudo, a tradição gráfica tornou os discursos cartográficos predominantemente lógicos, subme-tendo a analogia fotográfica à lógica da informa-ção gráfico-simbólica.

A construção gráfica do espaço em mapas está pre-sente na sociedade humana desde os povos pré--históricos ou primitivos: “a apreensão do espaço e a elaboração de estruturas abstratas para repre-sentá-lo sempre marcaram a vida em sociedade dos homens” (MARTINELLI, 2006, p.8). Apesar dos mapas serem concebidos como sistemas abstra-tos, o ato de mapear, assim como o de pintar, pre-cede tanto a linguagem escrita quanto os sistemas numéricos (HARLEY, 1987).

A história da cartografia pode ser contada a partir da sua relação com os materiais e as tecnologias dis-poníveis em cada época. Isso ocorreu desde a mar-cação em rochas até a visualização de uma rota em um mapa do Google. Mas a época de elaboração dos primeiros mapas não é consenso. Para Dent, Torgu-son e Hodler (2009), os mapas remontam ao século quinto ou sexto antes de Cristo. Por sua vez, Peter-son (2003) informa que os primeiros mapas simples da Mesopotâmia são ainda mais antigos, tendo sido produzidos em placas de argila por volta do século 25 a.C. para representar fronteiras e elementos físi-cos, como rios e montanhas (Fig. 1).

Figura 1: Mapa de área urbana da Mesopotâmia: canais de diferentes larguras; muralha com portões; fosso; casas e par-que. Fonte: THROWER, 2008, p.15.

Figura 2: Primeiro mapa impresso, com parte do oeste chinês, exibindo parte da Grande Muralha, rios e montanhas.Fonte: THROWER, 2008, p.31.

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Segundo Thrower (2008), o primeiro mapa impresso foi feito na China (Fig. 2), por volta de 1155, cerca de três séculos antes de uma impressão na Europa. A impressão barateou o custo dos mapas e possibilitou a reprodução de cópias idênticas.

Figura 3: Portulano Carte Pisane, Itália (1290), região dos ma-res Mediterrâneo e Negro. O primeiro mapa a exibir uma esca-la. Fonte: THROWER, 2008, p.52.

Posteriormente, no século XIII, a invenção da bús-sola possibilitou uma nova cartografia composta por “portulanos” ou mapas de navegação (Fig. 3). Por sua origem e função, esses mapas enfatizam a linha da costa.

A chamada “Revolução Científica” ocorrida na Europa no período entre os séculos XVI e XVIII foi responsável por avanços tecnológicos que influen-ciaram a cartografia de maneira positiva, pois a técnica da triangulação, descrita por Gemma Fri-sius em 1533; a prancheta ou prancha topográfica; o relógio de pêndulo, proposto por Galileu e cons-truído em 1657 por Christian Huygens, permitiram

determinações mais precisas da longitude (THRO-WER, 2008). Na época, a França se tornou uma li-derança no mapeamento topográfico, desenvol-vendo métodos que se tornaram padrão, porque foram amplamente adotados (THROWER, 2008). A imagem a seguir (Fig. 4) mostra parte de um mapa topográfico da costa nordeste da França, com efei-tos visuais de tridimensionalidade a partir do uso de hachuras gráficas.

Figura 4: Seção do mapa topográfico da França (1793).

Em 1815, depois de aproximadamente vinte e cinco anos de pesquisa, o engenheiro civil inglês William Smith publicou o mapa “The Strata of England” (Fig. 5), como o primeiro mapa geológico do Reino Unido (GEOLOGICAL MAP, 2009). O mapa colorido à mão deu início ao sistema de notação e uso de cores para repre-sentar diferentes tipos de rochas (THROWER, 2008).

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Figura 5: Mapa geológico da Inglaterra, de 1815.Fonte: Site da University of Bristol <http://www.bristol.ac.uk/cente-

nary/look/cabinet/geological-map.html>.

No século XX, ocorreu o desenvolvimento das tec-nologias relacionadas à informática. A computação gráfica, por exemplo, trouxe vantagens para a ela-boração de mapas, através do sistema Computer Aided Design (CAD), com programas para produzir desenhos digitais. Isso originou a cartografia assis-tida por computador (Computer Aided Cartography – CAC) ou o mapeamento assistido por computador (Computer Assisted Mapping – CAM) (FITZ, 2008).

Um mapa gerado a partir do uso de programas especializados pode ser visto na imagem a seguir (Fig. 6). Trata-se de uma imagem da situação sís-mica da região de Northridge, na Califórnia, uma semana após o terremoto ocorrido em janeiro de 1994. Além da superfície da região, com estradas e ruas, a imagem exibe o epicentro do fenômeno, indicado pelo triângulo branco.

Figura 6: Mapa do epicentro do terremoto de Northridge (1994). Fonte: THROWER, 2008, p. 231.

O desenvolvimento da informática fez com que alguns problemas relacionados à simbologia e ao design na computação gráfica fossem superados. Atualmente, há poucos limites ao uso de cores e dimensões na produção de imagens cartográficas. Pode-se dizer que o computador transformou a cartografia tanto ou mais que a impressão gráfica e a fotografia aérea, pois a computação transformou radicalmente os modos já existentes de produção dos mapas (THROWER, 2008).

A comunicação interativa da internet também re-definiu o uso dos mapas. Não estando mais restri-tos ao suporte do papel, os mapas podem ser ra-pidamente produzidos, transmitidos e visualizados em lugares distantes. Embora não se tenha certeza sobre quando o primeiro mapa foi feito, pode-se dizer que o último foi criado há apenas uma fração de segundo (PETERSON, 2003). Assim, surgem no-vas maneiras de interação homem-mapa, como o mapeamento colaborativo e a produção coletiva de conteúdo em mapas disponíveis na web.

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As cores e o sistema cultural Jean Baudrillard (1929-2007) foi sociólogo, filósofo, semioticista e ensaísta francês, sendo frequente-mente percebido como pós-estruturalista (BECCA-RI, 2011). O primeiro livro que publicou foi sua tese de doutorado, cujo título é “O Sistema dos Objetos” (1968). Esse estudo trata de áreas da vida contem-porânea que necessitam de análise (LANE, 2000), através de uma exposição sobre como as pessoas entram em relação com os objetos “[...] e da siste-mática das condutas e das relações humanas que disso resulta.” (BAUDRILLARD, 2002, p. 11).

Além de tratar dos objetos culturais de maneira ge-ral, o estudo de Baudrillard (1968/2002) também trata do uso simbólico de alguns materiais, como vidro, metal ou madeira e, ainda, das cores indica-das como naturais, tradicionais ou funcionais. As-sim, a ambiência diz respeito à maneira como os aspectos particulares de cada objeto: cor, material, formato ou textura, são combinados no arranjo funcional, compondo e baseando-se em um siste-ma de signos (BAUDRILLARD, 2002).

Atualmente, há diversas normatizações, internacio-nais ou regionais, sobre o uso técnico-cultural das cores, a começar pelas cores, verde, amarela e ver-melha, das luzes dos semáforos do trânsito urbano. Do mesmo modo, o mapa manualmente colorido por William Smith iniciou o sistema técnico-geoló-gico de uso das cores. Contudo, a classificação de Baudrillard (2002) é particularmente interessante, na medida em que trata de um uso culturalmen-te convencionado das cores que, entretanto, não é tecnicamente normatizado. Assim, evidencia-se

que há cores cuja origem decorre da natureza ou da tradição, mas também, e principalmente, há usos e tipos de cores que são decorrentes da cul-tura industrial. Essa “cor funcional” é tipicamente expressa em materiais e produtos industriais.

A cor funcionalA cor funcional é um dos valores de ambiência indi-cados por Baudrillard (2002). Já a “cor tradicional” caracteriza a negação da cor natural, destacando--se pelos tons, preto, branco, cinzas, beges e mar-rons. As cores são associadas simbolicamente a aspectos psicológicos, considerando-se que o vermelho é passional, o azul é sereno e o amarelo é otimista. Mas todas essas cores ameaçam a tra-dição e a moral burguesa, que privilegia os tons sóbrios. Assim, em oposição à cor funcional, a cor tradicional assume e expressa sentidos ou signifi-cados tradicionais, como um tipo de metáfora cul-tural (BAUDRILLARD, 2002).

De acordo com Baudrillard (2002), a expressão da cor natural nos objetos culturais ocorreu na mesma época em que o objeto funcional foi industrialmente produzido com base nos materiais sintéticos. Fre-quentemente, a cor natural foi aplicada aos objetos funcionais produzidos em série, para compensar a ausência de outras qualidades, tendo sido perce-bida como vulgar, com relação aos materiais e aos tons tradicionais (BAUDRILLARD, 2002).

De maneira direta ou metafórica, como expressão das cores naturais aplicadas aos produtos sintéti-cos, a cor funcional ou industrial está relacionada e simboliza a funcionalidade modernista e tecno-

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lógica. Entretanto, também referencia à ideia da natureza relacionada ao lazer e às férias, sendo igualmente expressa em brinquedos e em outros materiais esportivos ou de lazer.

As cores funcionais são diversificadas e saturadas como as cores naturais. Porém, geralmente, são apresentadas de maneira plana ou uniforme em superfícies regulares. Assim, de modo geral, exceto quando há intenção de mimetizar algum aspecto visível da natureza, a aparência dos materiais sin-téticos ou dos produtos funcionais é mais monóto-na e racionalmente organizada do que a aparência dos elementos naturais.

Como campo de estudos e atividades, a criação e o desenvolvimento da área de Design são também decorrentes da cultura industrial. Os produtos in-dustriais ou funcionais apontados por Baudrillard (2002) são resultados típicos dos estudos e das ati-vidades de Design. Do mesmo modo que o design de produtos organizou a aparência dos bens fun-cionais, o design gráfico também organizou a co-municação dos produtos gráfico-visuais, propon-do e utilizando-se de formas geométricas básicas e cores funcionais. O repertório funcional, formal e cromático, desenvolvido pelo design gráfico-indus-trial ainda caracteriza os produtos gráficos impres-sos ou digitais. Isso ocorre a despeito dos avanços tecnológicos para a produção ou reprodução gráfi-ca das linguagens pictóricas ou fotográficas.

De modo específico, a linguagem visual caracte-rística do design gráfico é evidentemente distinta das visualidades típicas da pintura clássica e da

fotografia, pois, de acordo com a lógica da funcio-nalidade, a cor é tratada com objetividade, sendo funcional por ser “[...] reconduzida a um conceito abstrato de cálculo.” (BAUDRILLARD, 2002, p. 43).

O uso das cores nos mapas da cartografia temáticaNa cultura industrial, a produção de mapas tam-bém é integrada à cultura racional e tecnológica do design gráfico. Oliveira (1993) e Fitz (2008) adotam o conceito da Associação Brasileira de Normas Téc-nicas (ABNT) indicando o “mapa” como uma “re-presentação gráfica, em geral uma superfície plana e numa determinada escala, com a representação de acidentes físicos e culturais da superfície da Ter-ra, ou de um planeta ou satélite”.

Compondo um amplo panorama, pode-se consi-derar que: (1) inicialmente a cartografia foi um tipo de arte. (2) A partir do período renascentista, a car-tografia foi tratada como ciência. (3) Atualmente, a cartografia está integrada e normatizada pela cul-tura tecnológica.

Nos séculos XV e XVI, época renascentista, as ati-vidades navais mercantilistas entre Ocidente e Oriente requeriam cada vez mais a precisão dos mapas. Por isso, houve o rápido avanço da carto-grafia (MARTINELLI, 2006). No século XVIII, a conso-lidação das academias científicas de Geografia ins-taurou as bases da ciência cartográfica moderna (SUNAGAWA, 2010). Posteriormente, a cartografia foi dividida em duas grandes vertentes. Uma ver-tente é indicada como “cartografia sistemática”, que trata especificamente dos aspectos relaciona-dos ao mapeamento do solo.

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A outra vertente é indicada como “cartografi a te-mática”, porque destaca e apresenta temas diver-sos, sobre economia, população e cultura, entre outros que estão relacionados ao ambiente geo-gráfi co-espacial (MARTINELLI, 2006).

Na cartografi a temática o mapa decorrente da cartografi a sistemática serve de base para a com-posição de infográfi cos (Fig. 8) sobre diversos as-pectos ou situações políticas ou socioeconômicas, entre outras. Por isso, diferentes autores, como Fitz (2008) ou Sunagawa (2010), consideram que a car-tografi a sistemática ou topográfi ca tradicional re-trata a superfície terrestre de maneira geométrica e descritiva, com padronização de escalas, represen-tações gráfi cas e recortes espaciais. Por outro lado, a cartografi a temática é considerada uma solução analítica ou explicativa, cujo campo de atuação não é restrito à área de Geografi a, servindo tam-bém a diferentes áreas do conhecimento. Assim, os mapas temáticos representam fenômenos que ocorrem na superfície do planeta, utilizando-se de simbologias específi cas (FITZ, 2008).

Os mapas temáticos podem apresentar dados quantitativos ou qualitativos e, para apresentar esses dados grafi camente, faz uso das chamadas “variáveis visuais”, defi nidas por Bertin (1986). Es-ses elementos gráfi co-visuais são codifi cados e utilizados para comunicar o assunto abordado ao leitor do mapa. A partir disso, o leitor coleta infor-mações e interpreta o mapa (DENT, TORGUSON e HODLER, 2009). A imagem a seguir (Fig. 7) apre-senta os grafi smos codifi cados e indicados como variáveis visuais, com base no trabalho de Bertin

(1986). O referido trabalho foi realizado na década de 1970, mas “[...] continua sendo referência na metodologia de construção de mapas temáticos [...]” (SUNAGAWA, 2010, p. 61).

Figura 7: Variáveis visuais. Fonte: Adaptado de Bertin (1986)

Na imagem mostrada anteriormente (Fig. 7), os elementos gráfi co-visuais apresentados estão rela-cionados à posição no espaço bidimensional, com relação às coordenadas (X e Y). Também, tratam das proporções de cada parte do mapa, de acordo com as variações do que está sendo representado. Portanto, há variações de tamanho, indicando di-ferentes ordens quantitativas de grandeza. Há, ain-da, as variações qualitativas entre os elementos. Essas são sinalizadas por variações tonais entre os valores branco e preto. As relações de identidade

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e diferença entre as partes representadas são de-marcadas por variações de forma ou formato; de granulação ou textura, e de cor ou matiz. Por fim, o posicionamento dos elementos gráfico-visuais orienta sobre direções ou direcionamentos.

As artes gráficas são tradicionalmente relacionadas aos materiais e às técnicas de impressão. Assim, de maneira empírica, nos campos das artes gráficas e do design gráfico, todas as expressões das tintas de impressão são denominadas de cores e são in-dicadas, inclusive, as cores branca e preta. Porém, no contexto da teoria físico-fisiológica das cores, os estímulos visuais decorrentes da tinta branca, da tinta preta ou de suas misturas são denomina-dos de acromáticos ou sem cor, pois o estímulo do branco é produto da reflexão conjunta de todas as frequências luminosas cromáticas e o estímulo do preto é produto da absorção ou da ausência de to-das as frequências luminosas cromáticas.

A teoria propõe, portanto, que as sensações cro-máticas são decorrentes dos estímulos reconheci-dos como os seguintes matizes: amarelo, magenta, azul, verde, violeta e vermelho ou alaranjado. Em certas situações, algumas dessas sensações são decorrentes da recepção conjunta de estímulos de dois matizes.

Quando se trabalha com tintas, (1) as sensações de vermelho ou alaranjado podem decorrer da mistura de tinta magenta com tinta amarela; (2) as sensações de violeta ou roxo podem decorrer da mistura de tinta azul com tinta magenta, e (3) as sensações de verde podem decorrer da mistura de tinta amarela com tinta azul.

Quando se trabalha com luzes coloridas, entretanto, (1) a sensação de magenta pode decorrer da mistura de luz violeta com luz vermelha; (2) a sensação de amarelo pode decorrer da mistura de luz vermelha com luz verde, e (3) a sensação de azul pode decor-rer da mistura de luz verde com luz violeta.

Ao misturar uma tinta colorida com uma tinta branca ou preta, promove-se uma alteração na to-nalidade da sensação cromática, que passa a ser sentida como mais clara ou mais escura e croma-ticamente menos intensa. A perda de intensidade cromática no âmbito da sensação também ocorrer por diluição da tinta colorida. Por exemplo, nas tintas que se diluem em água, o acréscimo desse líquido provoca a perda de saturação da tinta, pro-vocando também sensações cromáticas menos in-tensas no observador.

Considerando o trabalho com tintas, Scott (1970) trata as sensações decorrentes das misturas de co-res para gerar outras cores como variações de “ma-tiz”. As alterações na intensidade cromática são chamadas de variações de “saturação”. As mudan-ças tonais, mais claras ou mais escuras, são con-sideradas variações de “valor”. Assim, Scott (1970) considera que há três qualidades cromáticas: (1) matiz, (2) saturação e (3) valor.

Como produtos da cartografia, os mapas também são produtos gráficos e, tradicionalmente, foram impressos com tintas sobre papel. Assim, sob os aspectos técnicos e sensoriais, o uso das cores na impressão dos mapas pode ser planejado para apresentar variações de matiz, de saturação ou in-tensidade cromática, e de tonalidade. Em muitos

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casos, os mapas são compostos por mais de uma cor. A partir da combinação de cores, é possível “[...] dar ideia de tensão por antagonismos num mesmo campo ou, ao contrário, buscar a sensação de quietude” (MARTINELLI, 2006, p.20). Por exem-plo, o contraste acontece quando são justapostas áreas pintadas com cores opostas, como as cores verde e vermelha, laranja e azul ou violeta e ama-rela. A harmonia pode ser alcançada utilizando co-res análogas como as cores azul e verde, laranja e amarela ou vermelha e violeta. As cores são os elementos expressivos mais emo-cionais das composições gráficas. Por isso, são consideradas as componentes mais fascinantes e menos entendidas nos projetos de cartografia. Apesar de alguns padrões de uso já serem adota-dos na cartografia sistemática, o amplo espectro subjetivo das cores impõe dificuldades ao estabe-lecimento de regras, especialmente na cartografia temática (DENT, TORGUSON, HODLER, 2009).

Os elementos visuais de mesma origem com carac-terísticas distintas entre si são úteis nos processos perceptivos e simbólicos de organização. Portanto, assim como diversos tipos de traços ou de hachu-ras gráficas, as diferentes cores também são úteis na organização visual dos produtos gráficos. Com relação aos mapas, Dent, Torguson e Hodler (2009) consideram que as cores atuam como elementos organizadores nos processos de percepção e leitu-ra dos mapas. As diferentes cores atraem, organi-zam e hierarquizam a atenção do observador, des-tacam a relação entre figura e fundo, e promovem reações subjetivas, afetivas ou conotativas.

Os autores relacionam objetivamente as seguin-tes funções para o uso das cores na cartografia: (1) estabelecer a organização entre figura e fundo; (2) estabelecer uma hierarquia visual; (3) desenvolver um equilíbrio no mapa; (4) prender a atenção do leitor do mapa; (5) identificar e nomear locais; (6) identificar categorias; (7) enfatizar; (8) mostrar or-dem e estrutura no projeto; (9) destacar proprieda-des físicas do mapa; (10) revelar informações para uma melhor comunicação (DENT, TORGUSON e HODLER, 2009, p. 260).

Para cumprir com eficiência essas funções, as cores não podem ser aplicadas de maneira aleatória ou autoarbitrária. No caso da cartografia sistemática, devem ser respeitadas as convenções: (1) azul para a água; (2) vermelho para temperaturas quentes, azul para temperaturas frias; (3) amarelo e tons de laranja para áreas secas ou com pouca vegetação; (4) marrom para áreas de terra e (5) verde para ve-getação espessa e intensa (DENT, TORGUSON, HO-DLER, 2009). Indicam-se os tons de rosa para cida-des e vilas e o preto para construções (FITZ, 2008). Na cartografia temática, devem ser consideradas as possibilidades estético-simbólicas das cores no processo de aplicação. Por exemplo, Dent, Torgu-son e Hodler (2009) assinalam que as cores “quen-tes”, vermelhas e alaranjadas, são mais indicadas para compor as figuras do mapa, enquanto as cores “frias”, azuis e verdes, são mais apropriadas para colorir as áreas do fundo.

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Um mapa temático no website PortoAlegre.ccEfeitos e sensações visuais na observação da interface gráficaComo exemplo de possibilidade do uso de cores funcionais na cartografia temática em suporte digi-tal, apresenta-se aqui o mapa de Porto Alegre (Fig. 8), que é a cidade capital do estado brasileiro Rio Grande do Sul. O mapa é parte integrante da inter-face do website PortoAlegre.cc (Fig. 8).

Figura 8: Página inicial do website PortoAlegre.ccFonte: website PortoAlegre.cc

Na imagem anterior (Fig. 8), observa-se a página ini-cial do website, que é predominantemente ocupada por um mapa gráfico da cidade de Porto Alegre. Há duas barras com informações e links de navegação emoldurando a parte que apresenta o mapa.

Uma barra é horizontal e ocupa toda a parte inferior da tela. Na parte superior dessa barra há uma varia-ção de tonalidade que, visualmente, propõe uma divisão na barra inferior, demarcando outra barra mais fina. Todavia, esse elemento é aqui considera-do como parte da grande barra horizontal. Os fun-dos e os elementos tipográfico-textuais dessa barra expressam diferentes tonalidades de azul acinzenta-do, além das tonalidades de preto e branco.

A outra barra é percebida na extremidade vertical da tela, à esquerda do observador. Mas ocupa ape-nas parcialmente a lateral da tela, porque toda a parte inferior é tomada pela barra horizontal. Nes-sa barra lateral, predomina o fundo branco, mas aparecem também pequenos elementos geométri-cos, palavras e imagens fotográficas. Além das to-nalidades, destacam-se as cores verde amarelado, azul e laranja na expressão dos elementos compo-nentes da barra lateral.

Com relação à expressão específica do mapa geo-físico (áreas de terra e de água), não há uma forte distinção entre figura e fundo. Todo o conjunto é percebido na cor azul e nos tons de cinza azulado e preto. É possível considerar que a parte que repre-senta o “fundo” é uniformemente azul. A parte que representa a faixa de terra ocupada pela cidade caracteriza-se como “figura” na composição visual do mapa. Nessa parte, há constantes variações vi-suais, com predomínio dos tons de cinza azulado e preto. Porém, essa figura é ainda permeada por textos tipográficos e algumas manchas, que ex-pressam a mesma cor azul da parte que representa

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o fundo. Essa recorrência cromática torna comple-xa a distinção entre figura e fundo na composição visual do mapa geofísico.

Sugerindo um conjunto que se sobrepõe ao dese-nho do mapa em cor azul e tons de cinza e preto, aparecem na mesma parte da tela muitas figuras coloridas. Algumas dessas figuras expressam indi-vidualmente tons de cinza e marrom. As outras são individualmente coloridas, percebem-se nas cores desse conjunto duas variações de verde e duas variações de azul, além de vermelho, alaranjado, rosa e magenta. A cor rosa aparece como o matiz da magenta em menor saturação.

Na imagem anterior (Fig.8), o conjunto que parece sobrepor-se ao mapa é composto por muitas figu-ras de diferentes formatos. Contudo, esses diferen-tes formatos repetem partes de uma figura padrão (Fig. 9), do tipo círculo-seta, porque pode ser des-crita como um círculo com uma pequena seta. As-sim, no plano videográfico, a justaposição dessas muitas figuras coloridas e de formatos diferentes é percebida pelo observador como uma sequência de superposições de figuras com formatos idênti-cos e tonalidades ou cores variadas.

Figura 9: Formato círculo-seta padrão do conjunto de figuras.Fonte: website PortoAlegre.cc

Os efeitos visuais de superposição de figuras no plano videográfico são reforçados pela dinâmica de uso da interface. Por ser interativa, a interface gráfica reage às intervenções feitas à distância pelo usuário. Entre outros aspectos, essas reações são notadas devido à ocorrência de mudanças de pági-nas ou de ambientes e de alterações que acontecem na visualidade da tela da mesma página que está sendo observada. Por exemplo, quando uma figura é deslocada no plano da tela, a figura que suposta-mente estava sob essa é visualmente complemen-tada pelo sistema para se assemelhar integralmente com a que se deslocou. Esse e outros procedimen-tos reforçam a impressão de que há superposições, volumes e outras relações espaciais no plano da tela videográfica.

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Possibilidades de utilização da interface gráfico-interativaPor ser tecnicamente interativo e politicamente colaborativo, o website PortoAlegre cc. atua como plataforma colaborativa, desde março de 2011, sendo produto de uma parceria entre a universi-dade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), a Pre-feitura Municipal de Porto Alegre e a organização comunitária Parceiros Voluntários. O principal ob-jetivo dessa iniciativa é promover a discussão so-bre temas relacionados à cidade de Porto Alegre, a partir do ponto de vista de seus moradores.

Cada figura círculo-seta (Fig. 9) cumpre a função de sinalizar no mapa um ponto relevante, de acordo com um tipo de atividade urbana. Assim, a forma segue a função, porque a parte circular serve para conter e apresentar o símbolo representativo da atividade e a seta indica o ponto de sua ocorrência no mapa (Fig. 10).

Figura 10: Recorte que evidencia a aplicação das figuras no mapa. Fonte: website PortoAlegre.cc

Ao ser acionada, cada figura indicativa (Fig. 10) se comporta como um link, acionando a substituição da tela observada por outra, cujo conteúdo trata especificamente da atividade já desenvolvida ou a ser desenvolvida no local. Geralmente, a nova tela traz textos escritos e imagens gráficas ou fotográfi-cas sobre a atividade em questão. Porém, também é possível a apresentação de audiovisuais, de info-gráficos e outros recursos.

O discurso da ”navegação” em ambiente digital propõe a metáfora do transporte, preconizando que o usuário foi encaminhado para outro ambien-te. Todavia, esse permanece parado em frente à tela videográfica, sendo mudado o conjunto visual de textos escritos e imagens apresentado e outros possíveis estímulos sonoros.

Por outro lado, para publicar um conteúdo associa-do a um ponto da cidade, o usuário deve se cadastrar no site, preencher um formulário e selecionar uma categoria (Fig. 11), que abrigue o conteúdo proposto.

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34 A cor funcional na infocartografi a temática

Figura 11: Símbolos gráfi cos relacionados às categorias de conteúdos.Fonte: website PortoAlegre cc.

São propostas 12 categorias para a escolha do usuário: (1) cidadania; (2) cultura; (3) educação; (4) empreendedorismo; (5) esportes e lazer; (6) meio-ambiente; (7) mobilidade urbana; (8) saúde e bem-estar; (9) segurança; (10) tecnologia; (11) tu-rismo e (12) urbanismo.

As categorias “cidadania” e “meio-ambiente” são apresentadas de maneira distinta por diferentes nuanças de verde; “educação” e “esportes e lazer” são distintas por diferentes nuanças de azul; “cultu-ra” é representada pela cor rosa e “tecnologia” pela cor magenta; “empreendedorismo” é representado pela cor amarela, “saúde e bem-estar” é represen-

tada pela cor vermelha, e “mobilidade urbana” pela cor laranja; “turismo” e “urbanismo” são distintos e representados por diferentes tons de marrom, e “se-gurança” é representada pelo tom cinza escuro.

Além dos pictogramas diferenciados dentro de cada tipo específi co de fi guras círculo-seta, as co-res também participam do processo de identifi ca-ção de cada categoria de conteúdos. Assim, cada cor atua como um ícone cromático, que é devida-mente associado a uma categoria. Isso facilita a distinção e a identifi cação das diferentes catego-rias diante do emaranhado de fi guras em formato círculo-seta que aparecem como superpostas ao mapa geofísico.

As cores funcionais no mapa infográfi co-digital

Nas imagens a seguir (Fig. 12, 13 e 14) são apre-sentadas três versões do mesmo mapa, sendo a primeira versão (Fig. 12) apresentada como um gráfi co colorido, representado de maneira lógico--científi ca, de acordo com a tradição da cartografi a sistemática. Esse mapa gráfi co apresenta as con-venções cartográfi cas citadas por Dent, Torguson e Hodler (2009), porque a cor azul é usada para representar áreas com água e a cor verde é usada para representar regiões com vegetação.

A segunda versão (Fig. 13) é fotográfi ca, decorrente de um registro por satélite, sendo acrescida com intervenções gráfi cas para a identifi cação ou sina-lização das partes registradas. A imagem registra-

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da por satélite é a mais complexa e detalhada, do ponto de vista da cartografia. Porém, não se trata unicamente de uma fotografia, porque inclui infor-mações rodoviárias e geopolíticas da região.

A terceira versão (Fig. 14) é o registro visual estático de um determinado instante da dinâmica de um infográfico multicolorido, digital e interativo. Trata--se do mapa de Porto Alegre utilizado na interface do website PortoAlegre.cc. As cores convencionais da versão gráfica do mapa (Fig. 12) foram substi-tuídas por tons de preto e cinza e pela cor azul. O mapa aparece como uma mancha azul que apare-ce como “fundo” para muitas figuras coloridas.

Sob o ponto de vista técnico, as três versões são decorrentes de linguagens híbridas entre o dis-curso gráfico e o fotográfico, pois as três foram compostas a partir de uma base fotográfica. Mas, também, receberam interferências gráficas e, ain-da, foram observadas e capturadas em suportes gráfico-digitais.

Sob o ponto de vista estético, na primeira (Fig. 12) predomina visualmente o aspecto gráfico-científi-co; na segunda (Fig. 13) predomina visualmente o aspecto fotográfico-tecnológico, e na terceira (Fig. 14) predomina visualmente o aspecto eufórico e lú-dico dos videogames.

Figura 12: Mapa gráfico da cidade de Porto Alegre.Fonte: Google Maps

Figura 13: Imagem de satélite da cidade de Porto Alegre.Fonte: Google Maps

Figura 14: Infográfico da cidade de Porto Alegre.Fonte: website PortoAlegre.cc.

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36 A cor funcional na infocartografia temática

Tradicionalmente, ao longo de todo o percurso cul-tural, há a complexa e conflituosa relação entre os fatos, as ações ou os acontecimentos e as suas re-presentações. Trantando disso, com relação às três versões do mesmo mapa apresentadas a seguir (Fig. 12, 13 e 14), considera-se que o fato comum é a existência de uma porção de território igualmen-te indentificada em cada representação. Porém, há um jogo de aproximação e distanciamento que se mostra distinto nas diferentes versões.

Através do website Google, as duas primeiras ver-sões do mapa (Fig. 12 e 13) são acessíveis aos usu-ários de computadores interligados na internet. Além de acessíveis, os dois mapas também são dinâmicos. Porém, apesar de sinalizarem roteiros específicos por solicitação dos usuários, os seus re-cursos interativos são relativamente limitados.

Por sua vez, no website em estudo, a interação en-tre os usuários e o infográfico composto a partir do mesmo mapa é organizada e apresentada de modo a facilitar o acesso às informações produzi-das colaborativamente. Aliás, sem as possibilida-des interativas, o infográfico seria inútil, porque a imagem fixa não permite a visualização efetiva de todas as figuras apresentadas.

No infográfico em estudo, os conjuntos que su-gerem muitas figuras círculo-seta coloridas estão emaranhados. Algumas figuras ocupam parte do espaço das outras e todas ocupam espaços do mapa. Todavia, o usuário pode acionar cada figu-ra, destacando-a ou utilizando-a como link para fichas gráficas com outras imagens.

Além disso, as pessoas cadastradas podem usar o sistema para incluir figuras círculo-seta no sistema e, também, as fichas com dados e imagens sobre uma situação específica da cidade. Essas fichas com-põem o material que é acessado pelos usuários com o acionamento das figuras círculo-seta. Assim, além da visualidade de videogame, o infográfico ainda se assemelha visualmente e atua tecnicamente como base para uma rede social municipal.

Na prática, o mapa no infográfico em estudo ofe-rece uma sugestão aproximativa da localização, servindo também como símbolo de cientificidade. Depois que se forma o emaranhado de figuras, as informações do mapa geofísico desaparecem. Para distinguir com mais precisão um ponto de referên-cia no mapa, o usuário pode (1) aproximar a área desejada, por meio da escala presente à esquerda, ou (2) acionar, na página, a visualização por bairro. Assim, as figuras círculo-seta podem ser percebi-das individualmente e mais precisamente sobre a localização indicada. Porém, na página em que o mapa aparece por inteiro, esse é proposto como fundo, para que as figuras coloridas sejam desta-cadas como manifestação do usuário. Assim, cada figura círculo-seta passa a ter uma relação direta com o usuário e com a ficha de dados e imagens de uma determinada localidade do espaço urbano.

Nos dois primeiros mapas (Fig. 12 e 13), há um dis-tanciamento em relação ao usuário. Essa distância reforça a impressão de frieza com relação à ciência e à tecnologia. Assim, os produtos científico-tecno-lógicos atuam em favor do público, mas não se co-locam sob seu domínio. No infográfico em estudo

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(Fig. 14), a cientificidade ou a tecnologia é subju-gada pela ação lúdico-funcional dos usuários. Há uma aproximação do sistema em direção ao usuá-rio, sendo que a sua atitude individual é destacada nas figuras coloridas. Contudo, o sistema científi-co-tecnológico, que é representado pelo mapa em preto, cinza e azul, é colocado sob o domínio da manifestação pública.

As cores funcionais, nos dois primeiros mapas (Fig. 12 e 13), aparecem restritas aos poucos elementos gráfico-funcionais, como linhas coloridas e outros pequenos sinais, que são timidamente apresenta-dos. Porém, essas cores aparecem de maneira exu-berante na multiplicidade de figuras coloridas que predomina no infográfico em estudo (Fig. 14).

O infográfico em estudo (Fig. 14) é parte de um sistema mais amplo, porque atua como gráfico interativo para expressar a dinâmica de uma rede social, que se manifesta em outras páginas do próprio website e em outros websites de relacio-namento social, como Twitter e Facebook. Como uma comunidade criativa, essa rede é composta por pessoas que procuram diagnosticar causas ur-banísticas ou sociais, lutar pelo progresso do que é percebido como positivo e buscar soluções para os problemas encontrados.

Acredita-se, portanto, que o diálogo em rede pos-sibilita o controle sobre os índices de eficiência do sistema que, para a gestão do município, atua como um processo de “governo eletrônico”. Porém, não obstante a eficiência prática do sistema, com relação ao processo estético-comunicativo do in-

fográfico digital-interativo (Fig. 14), o uso da cor funcional associado aos aspectos lúdicos da visu-alidade de videogame e à aparência e à dinâmica dos websites sociais provoca impacto sensorial e emocional, promovendo a produção de diversos sentidos e significados estimulantes e positivos na sua comunicação com o público.

Considerações finaisO presente trabalho expôs o mapa interativo dispo-nível no website PortoAlegre.cc como exemplo de aplicação do conceito das cores funcionais. Para isso, foi apresentado um breve histórico da relação entre cartografia e tecnologia, além do conceito de cor funcional, proposto por Jean Baudrillard.

De acordo com as ideias de Baudrillard (2002), quando são aplicadas aos produtos, as cores fun-cionais ou cores saturadas, “vivas” ou “naturais”, expressam e simbolizam a modernidade tecno-lógica disponibilizada ao público em formato de produtos e utensílios para o trabalho cotidiano. Essas cores assinalam também a ideia da natureza associada ao lazer, aos esportes e às férias. Assim, afetiva e simbolicamente, as cores funcionais estão relacionadas à atividade física, ou seja, à ação pro-dutiva, lúdica e prazerosa.

Diante da profusão de cores estimulantes, das possibilidades ativo-interativas, da visualidade e da dinâmica lúdica dos websites das redes so-ciais, o usuário tende a vivenciar sentimentos eu-fóricos, produzindo sentidos estimulantes, positi-vos e compensadores.

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38 A cor funcional na infocartografia temática

Os significados associados a esses sentidos são re-lacionados com: (1) a disponibilidade e o domínio político-tecnológico, (2) com a compreensão e o entendimento de informações úteis e objetivas, (3) com o compartilhamento de ideias e ações politi-camente corretas em sociedade.

No entanto, no exemplo exposto, do mapa presente na interface do website PortoAlegre.cc, a utilização excessiva de cores saturadas para identificar as dife-rentes categorias de conteúdo acaba por provocar uma poluição visual que pode, de alguma maneira, vir a interferir negativamente na interpretação dos dados apresentados. Para se observar tal suposição, tornam-se necessários estudos posteriores, com apli-cação de pesquisas com usuários da plataforma.

Observa-se, ainda, a partir da página do website PortoAlegre.cc na rede social Facebook, que o nú-mero de usuários que acompanham o projeto tem aumentado periodicamente, o que pode ser um indicativo de sua popularidade e aceitação. Além do aspecto utilitário, o website provoca nos usuá-rios diferentes tipos de encantamento, entre eles, o estético, o lúdico, o tecnológico e o participativo. Entretanto, para verificar se o aumento da aceita-ção da plataforma, observado pelo crescimento de usuários que a acompanham pela página do Facebook, se deve ao seu apelo utilitarista ou aos diferentes tipos de encantamento despertados em quem faz uso de seus recursos, também seria ne-cessária a realização de pesquisa com usuários.

Por fim, resta sempre alguma desconfiança, pois mesmo neste tempo de ampla comunicação entre as pessoas, predomina a cultura lúdica e estético-

-sensorial do pós-modernismo de mercado, fazen-do o público esquecer que o excesso de euforia pode ser inebriante e enganoso. Considerando-se mais uma vez as ideias de Baudrillard (2002), assi-nala-se que, em comparação com a cor tradicional, a cor funcional foi considerada vulgar porque, com frequência, é utilizada para compensar a ausência de outras qualidades.

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Abstract Although there is no assurance about when the fi rst map was made, we can say the last one was created less than a second ago. Nowadays, the development of cartography, along with information technologies, enables the proliferation of cartographic image in digital media, followed by the emergency of new for-ms of human-map interaction. This paper presents a map available on the website PortoAlegre.cc as support for the implementation of functional colors, which participate in a chromatic-logical information system. The text also presents a brief history of the relationship between cartography and technology and, yet, the concept of functional color proposed by Jean Baudrillard. The study approaches the thematic cartography and the way colors are applied on maps of this category. Thereby, an interactive map of Por-to Alegre-RS is used as an example to evidence that the colors used do not follow the conventions esta-blished by systematic cartography, but fi t as informa-tion for another type of graphic communication.

Keywords: Functional colors; Jean Baudrillard; The-matic cartography; PortoAlegre.cc.

Pesquisa e AutoriaFernanda S. QuintãoMestranda do Pós Design - UFSC, Instituição, [email protected]

Supervisão e OrientaçãoRichard Perassi Luiz de SousaProfessor Doutor, PósDesign - UFSC, [email protected]

Ricardo TriskaProfessor Doutor, PósDesign - UFSC, [email protected]

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03 O sistema isotype e a moderna estilização geométrica dos pictogramas em interfaces gráfi cas digitais

Natália Bortolás

Juan Coto

Palavras-chave: Sistema Gráfi co-Geométrico; Design de Interface; Comunicação Visual.

Resumo

No presente artigo são especialmente descritos e avaliados dois picto-gramas do sistema ISOTYPE, sob a ó tica da sintaxe da linguagem visual embasada nos estudos de Robert G. Scott (1951) e Donis A. Dondis (2003). Idealizado por Otto Neurath (1882-1945), o sistema ISOTYPE (Internatio-nal System of Typographic Picture Education) propõe o desenvolvimento de uma sé rie de símbolos gráfi cos a partir de uma padronizaçã o icônico--geométrica como representação de pessoas e também animais, vege-tais ou objetos. O sistema foi proposto para atender a fi ns comunicativos e educativos, envolvendo ainda questões econômicas. Em conjunto com o trabalho do artista Gerd Arntz (1900-1988), as idealizações de Neurath resultaram no sistema em estudo que, até hoje, infl uencia a linguagem e a prática em Design Gráfi co, a partir do desenho de imagens geome-tricamente estilizadas, no sentido de produzir informaçã o gráfi co-visual. Considerando-se o design da interface gráfi ca do sistema Windows 8, ob-serva-se que o uso facilitado da imagem fotográfi ca em interfaces digitais videográfi ca de diferentes aparelhos eletrônicos, como tablets ou telefo-nes celulares, não suprimiu a utilização de pictogramas. Isso mostra que a tradição gráfi ca fundada no sistema ISOTYPE persevera também nos processos de comunicação visual da mídia eletrônico-digital.

BORTOLÁ S, N.; COTO, J. ;BRAVIANO, G.; VIEIRA,M.L.H. (Superv) O sistema isotype e a moderna estilizaç ã o geomé trica dos pictogramas em interfaces grá fi cas digitais. In: PERASSI, R. (Org). Teoria Aplicada - Estudos de Sintaxe Visual. Florianó polis: CCE/ UFSC, 2015. p 40 - 55.

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IntroduçãoA parte mais signifi cativa da atual cultura mundial de mercado está imersa no mundo digital ou no "ciberespaço", sendo esse simbolicamente orga-nizado como "cibercultura" (LÉVY, 1999). As ideias e os outros valores da cibercultura são divulgados na internet, sendo acessados através das telas vi-deográfi cas e dos sistemas de som dos aparelhos tecnológico-digitais interativos, como tablets e te-lefones celulares, entre outros. A tecnologia digital permite a representação, a ex-pressão e a interação humana em todas as lingua-gens visuais e audiovisuais. Em princípio, isso po-deria indicar a hegemonia da imagem fotográfi ca, estática ou dinâmica, na mídia digital. Porém, ape-sar de ser muito utilizada a fotografi a digital ou di-gitalizada divide espaço na mídia com outras repre-sentações gráfi cas, como textos escritos ou imagens gráfi co-fi gurativas e, entre essas, os pictogramas.

A mídia digital reproduz a histórica diversidade de linguagens visuais, variando entre as representa-ções naturalistas ou visualmente verossimilhantes e as abstratas ou geometricamente estilizadas. As-sim, as fotografi as digitais dividem espaço com ou-tras representações ou expressões gráfi cas, fi gura-tivas ou abstratas, como pictogramas, ideogramas ou letras, entre outros símbolos.

Desde os primórdios da cultura, há registros gráfi -cos indicando o interesse dos seres humanos pelas imagens e por suas possibilidades de representa-ção e comunicação. Todavia, as representações fi -gurativas mais naturalistas do período pré-históri-co-paleolítico (Fig.1/A) foram, em sequência, sendo substituídas por representações mais estilizadas, que caracterizaram as imagens do período pré-his-tórico-neolítico (Fig.1/B).

As representações de imagens naturalistas continu-aram acontecendo e sendo desenvolvidas ao longo dos séculos, seja na antiga cultura greco-romana (Fig.2/A) ou na cultura renascentista (Fig. 2/B), até o pleno domínio da verossimilhança visual. No século XX, houve, ainda, a consolidação da fo-tografi a mecânico-analógica e, mais tarde, da foto-grafi a eletrônico-digital.

Figura 1: (A) Desenho pré-histórico mais naturalista. (B) Desenho pré-histórico mais estilizado.

Adaptações de imagens, fonte: Perassi (2005, p. 27). As imagens originais são pinturas rupestres. (A) Imagem paleolítica gruta de Lascaux, produzida entre 15.000 e 13.000 a.C.. (B) Imagem neolítica de caça aos cavalos em Valltorta, Espanha, produzida por volta de 10.000 a.C..

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42 O sistema isotype e a moderna estilização geométrica dos pictogramas em interfaces gráficas digitais

Figura 2: (A) Antiga pintura romana naturalista. (B) Pintura renascentista naturalista.

Adaptações de imagens, fonte: Perassi (2005, p. 36 e 48). As ima-gens originais são pinturas: (A) Pintura antiga, “Télefo na presen-ça de Arcádia”, Museu Arqueológico Nacional Nápoles. (B) Pintura renascentista de Rafael Sanzio, “Madona e Criança”, início do séc. XVI.

Por sua vez, as representações figurativas e geomé-trico-estilizadas, como estilizações e pictogramas, foram igualmente recorrentes na história, predo-minando em culturas como a do antigo Egito e a do período medieval (Fig. 4).

Figura 3: Alfabeto Fenício.Adaptações de imagens, fonte: Wikipédia, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabeto_fenício

(B) Desenho estilizado em iluminura medieval.Adaptações de imagens, fonte: Perassi (2005, p. 36 e 41) (A) Iluminura de um manuscrito bizantino, “Teófilo e sua esposa Teodora”. (B) detalhe do Afresco da tumba do faraó Senefer.

Figura 4: (A) Desenho estilizado em parede do antigo Egito.

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Durante a evolução da sociedade industrial, houve a consolidação do estilo lógico-racional moder-nista, marcado pela simplificação geométrica das formas visíveis, criadas ou representadas. Isso ca-racterizou a estética estilizada modernista. A sim-plificação ordenada das formas projetadas viabili-zou sua produção industrial em série. Além disso, objetivou a informação gráfica, tornando-a mais ágil e eficiente no processo de comunicação. Este ambiente industrial já consolidado foi o contexto de criação do sistema ISOTYPE, que expressou os aspectos visuais e conceituais da cultura vigente.

O ser humano é profundamente visual e conceitu-al, pois desde nossa primeira experiência no mun-do, organizamos nossa vida e nossas preferências, prazeres e temores, de acordo com o que vemos ou queremos ver. Além disso, primeiramente, a visua-lidade se estabelece por analogia, minimizando a necessidade de convenções para o estabelecimen-to das semelhanças entre a representação e a coisa representada. Pois, “ver é uma experiência direta, e a utilização de dados visuais para transmitir in-formações representa a máxima aproximação que podemos obter com relação à verdadeira natureza da realidade” (DONDIS, 2003, p. 7).

A comunicação visual é uma possibilidade decor-rente das relações de analogia entre a coisa e a sua representação gráfica ou escultórica, entre outras. A partir da representação verossimilhante foram sendo estabelecidos os processos de redução e or-ganização da informação, visando agilizar os pro-cessos de expressão e comunicação gráfico-visual. Assim, além da comunicação por analogia visual, um conjunto de convenções foi sendo estabeleci-

do e continuamente ampliado para compor dife-rentes tipos de linguagens e mensagens visuais. Atualmente, há fortes convenções com relação à configuração das imagens e ao uso técnico-comu-nicativo das cores.

Munari (1997, p.68) assinala que “a comunicação visual ocorre por meio de mensagens visuais que fazem parte da grande família de mensagens que atingem os nossos sentidos”. Para Perassi (2005), uma mensagem é basicamente dividida em uma parte conceitual (conteúdo) e outra parte material (expressão). A parte material da mensagem é de-nominada como “meio” ou “mídia”, porque essa parte expressa e comunica a ideia ou a forma pre-tendida, materializando-a como “informação”.

O processo de mediação ocorre geralmente através de sistemas compostos por meios diferentes e inte-grados. Há três tipos básicos de meios ou mídia: (1) o meio que atua como suporte; (2) o meio que atua como veículo; (3) o meio que serve de canal de co-municação. Por exemplo, no cartaz impresso, o pa-pel serve basicamente de suporte (1), a tinta atua como veículo (2), e a luz é o canal (3). Em exemplo, como uma mensagem resultante da dobradura do papel, ao mesmo tempo, o papel é o suporte e o veículo da mensagem visual.

O suporte e o veículo, portanto, costumam ser per-cebidos e considerados como um todo conjugado. Inclusive, isso é justificado no exemplo da dobradu-ra do papel em que um mesmo material é suporte e veículo. Assim, algumas vezes, o conjunto composto por veículo e suporte é chamado apenas de suporte

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ou, em outras vezes, apenas de veículo. Em qual-quer situação, é preciso considerar particularmen-te o sistema midiático, para compreender a função de cada tipo de meio ou mídia no processo de in-formação e comunicação da mensagem.

Concordando com Munari (1997), é proposto que, para estudar a comunicação visual, é necessário exa-minar seus componentes, dividindo a mensagem em pelo menos duas partes: (1) a primeira parte é a “infor-mação propriamente dita” (mensagem) e (2) a segun-da parte é o “suporte visual” (meio ou mídia), como conjunto de elementos que tornam visíveis a mensa-gem. O meio ou mídia reúne todas as partes que de-vem ser consideradas e aprofundadas para poderem ser utilizadas com a máxima coerência em relação à informação. Nessa divisão, todos os elementos mate-riais são tomados como partes do suporte.

No exemplo do cartaz impresso, o papel e a tinta são considerados como elementos integrados no conjunto que suporta a mensagem. Há a escolha do papel, do formato, das tintas e, também, a sua organização como expressões de formas e cores. Essas atividades participam das funções típicas de Design Gráfico, que é a área de projeto da interação dos materiais como expressão de formas, cores e texturas, de acordo com a mensagem desejada.

No âmbito acadêmico especializado, são estuda-das as teorias e práticas de Arte e Design. Porém, são pouco esclarecidas as doutrinas filosóficas, as quais antecederam e embasaram as teorias e prá-ticas das artes aplicadas.

Por exemplo, no início do século XX em conjunto com sua equipe de estudos, Otto Neurath (1882-1945) desenvolveu um sistema de comunicação vi-sual que influenciou permanentemente os projetos de Design Gráfico. Atualmente, esse sistema ainda influencia e é parcialmente expresso nos projetos gráficos, inclusive nos que desenvolvem as interfa-ces gráfico-digitais. Neurath foi um dos fundadores da doutrina filosófica denominada Positivismo. As-sim, o sistema gráfico que foi desenvolvido a partir das ideias de Neurath seguiu os princípios positi-vistas de racionalidade e objetividade.

A ordem geométrica e a simplicidade das figuras configuraram pictogramas propostos para serem facilmente reconhecidos e compreensíveis para o público. O sistema foi denominado de Internatio-nal System of Typographic Picture Education, cuja sigla é ISOTYPE.

Neste artigo, dois pictogramas do sistema ISOTYPE são descritos e interpretados, especialmente, com base nas teorias de Percepção e Organização da Forma (SCOTT, 1957) e de Sintaxe da Linguagem Visual (DONDIS, 2003).

Anteriormente, foi apresentada e ilustrada (Fig. 1 e 3) a representação visual como um recurso de co-municação que, desde os primórdios da cultura, é próprio do ser humano. O uso desse recurso foi evoluindo de diversas maneiras até encontrar a ca-pacidade de escrita e leitura verbal (DONDIS, 2003), mas as diferentes representações gráficas também evoluem como desenhos figurativo-estilizados que designam alguns símbolos visuais da comunicação.

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Além das letras que compõem a escrita fonética (Fig. 3), portanto, houve também a consolidação de outro conjunto de elementos básicos da linguagem visual, que é composto por “pontos”, “linhas”, “pla-nos” e “manchas”. Esses elementos são organizados para expressar diferentes cores, formatos ou figuras e, também, sugerem ao observador a percepção de relações dinâmicas nas representações fixas. A falsa percepção decorre das sugestões de “ritmos”, “equilíbrio”, “espacialidade” e “movimentos”, entre outras impressões sugeridas nas relações expressi-vas dos elementos gráficos (PERASSI, 2010).

Como tempo de consolidação da era industrial, portanto, o início do século XX caracterizou-se tam-bém como o momento histórico da plena cons-cientização da autonomia dos elementos básicos da linguagem gráfico-visual, com relação às com-posições figurativas naturalistas, como a pintura clássica e a fotografia modernista.

O Sistema ISOTYPE de Otto NeurathAssim como a sociedade e a economia moderna, o campo de Filosofia passou por mudanças e foi afe-tado com o surgimento das fábricas, das máquinas e do processo de produção em série. No cenário de Revolução Industrial, um pensamento filosófico conhecido como Positivismo surgiu dando crédito à experiência e à racionalidade.

Apesar de ter sido contestada em muitos aspectos, a doutrina positivista ainda é a principal base das metodologias objetivas de pesquisa científica. Os métodos positivistas baseiam-se na observação ou na experimentação dos fatos ou fenômenos empíri-cos. Atualmente, considera-se o positivismo lógico,

desenvolvido no contexto do chamado Círculo de Viena (1919-1936), como sendo o modo mais avan-çado do pensamento positivista (DUTRA, 2005).

Neurath integrou o círculo de Viena, representando a área de Sociologia e empenhando-se em con-solidar o conceito de “objetividade” em Ciências Sociais. O sistema ISOTYPE foi desenvolvido na busca de um padrão para comunicar visualmente os complexos conceitos científicos ao público em geral, que é composto de não especialistas.

Com este objetivo, Neurath direcionou seus estu-dos para o desenvolvimento de uma linguagem pictórica adicional, que complementasse sem substituir a linguagem verbal (LIMA, 2008). O esfor-ço na direção proposta culminou na formulação do sistema ISOTYPE que, segundo Lima (2008), foi parte do projeto de unificação das ciências do po-sitivismo, pois o propósito foi desenvolver um pa-drão visual para fins educativos, especialmente, os que envolviam questões econômicas.

Para a composição gráfico-visual dos pictogramas, Neurath manteve contato com integrantes da es-cola alemã Bauhaus (1919-1933). O artista plástico construtivista Gerd Arntz (1900-1988) foi convidado por Neurath para projetar os pictogramas ISOTYPE. As figuras humanas representadas foram inspira-das na vida dos operários e nos ideais da “luta de classes”. As características geométricas das figuras compostas por Arntz são decorrentes da intenção sintética e generalista com que Neurath orientou a criação do sistema ISOTYPE.

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A linguagem visual dos pictogramas do sistema ISOTYPEA representação figurativa.Nas imagens (Fig. 5. e 6), observa-se que o uso de figuras simples, mas com alto grau de seme-lhança visual com pessoas, atende ao propósito de composição e apresentação de pictogramas autoexplicativos.

Figura 5 - Pictogramas do sistema ISOTYPE. Adaptação de imagens, fonte: Gerd Arntz Web Archive, disponível

em http://www.gerdarntz.org/

Os pictogramas são representações tipificadas de duas pessoas (Fig. 5 e 6). Uma dessas representa o gênero masculino (Fig.5/Pictograma1) e a outra o gênero feminino (Fig.5/Pictograma2). As duas figuras foram representadas em posições idênticas: troncos e cabeças eretos; mãos e braços esticados e colados ao corpo; pernas juntas e pés em posição frontal.

Há um perfeito equilíbrio entre os lados opostos dos corpos, porque todas as suas partes são si-metricamente organizadas, com relação a um eixo vertical e central (Fig. 6). Além disso, o eixo vertical

é perfeitamente perpendicular à margem de base do campo retangular que contorna a representa-ção (Fig. 5 e 6).

A posição das figuras se mostra mais cultural do que natural. A postura geometrizada e impessoal é culturalmente percebida como estado de pron-tidão. As figuras parecem manter-se estáticas em estado de alerta e não de repouso.

A falta de expressões fisionômicas na representação dos rostos das figuras sugere também a falta de au-tonomia ou intencionalidade. Essa ausência é indi-cativa de uma pré-disposição para o atendimento, sem o questionamento das demandas alheias.

As representações das vestimentas carecem de de-talhes, entretanto, os formatos das linhas de con-torno de cada figura são diferentes entre si, dife-renciando também os formatos que representam as vestimentas.

A primeira representação (Fig.5/Pictograma1) su-gere vestimentas culturalmente reconhecidas como masculinas, sendo configuradas por linhas retas para representarem uma camisa de mangas cumpridas e calças longas, até a altura dos pés.

A segunda representação (Fig.5/Pictograma2) su-gere vestimentas culturalmente femininas, porque essas são parcialmente configuradas por linhas curvas e representam um vestido com mangas lon-gas, gola reta e com cumprimento abaixo da linha dos joelhos.

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Na representação com vestimentas masculinas (Fig.5/Pictograma1), pode-se considerar a repre-sentação de um tipo de chapéu e que toda a cabe-ça da figura está envolvida por um capuz, como um prolongamento da camisa que também é integra-do ao desenho do chapéu.

Na representação com vestimentas femininas (Fig.5/Pictograma2), pode-se considerar que toda a cabeça está igualmente envolvida. Porém, isso é menos evidente, uma vez que o desenho pode também sugerir um tipo de configuração para o ar-ranjo dos cabelos. De qualquer modo, é evidente que as particularidades individuais dos diferentes arranjos de cabelos foram suprimidas em favor de um formato contido e antinatural.

De modo geral, as representações das vestimentas estão mais próximas do rigor dos uniformes do que da descontração das roupas casuais ou sensuais, sendo também apresentadas sem os detalhes que caracterizam as roupas de cerimônia. A configuração das vestimentas, a postura simbólica de prontidão e a falta de expressões faciais afirmam o significado classista e o viés socioeconômico dos pictogramas. Pois, esses tipificam os trabalhadores industriais como ícones de massa, sem personalidade ou inten-cionalidade, distinguindo, entretanto, o gênero mas-culino e o feminino no contexto da classe operária.

Elementos característicos da sintaxe visual CoresNos pictogramas do sistema ISOTYPE são apresen-tadas cores puras e uniformes e muito saturadas, geralmente denominadas como “planas” ou “cha-padas”. No caso dos pictogramas em estudo (Fig. 5), a tonalidade preta é intensa, e o contorno é claramente delineado com o alto grau de contras-te entre preto (figura) e branco (fundo), sem apre-sentar tons cinzentos. Assim, a percepção da forma torna-se mais evidente (SCOTT, 1951).

Os formatos geometricamente estilizados e os contornos bem definidos tornam a percepção e, consequentemente, a comunicação mais clara e direta, pois a uniformidade das cores define os planos que facilitam a representação geométrico--estilizada e generalista dos desenhos. A apresen-tação uniformizada de cores ou tons reduz as va-riações perceptivas e interpretivas na leitura dos pictogramas e, também, reduz as ambiguidades, promovendo mais recorrências no processo inter-pretativo. Portanto, os pictogramas (Fig. 5) atuam principalmente como símbolos, cuja precisão se aproxima da palavra escrita.

FormasOs formatos figurativos das partes e do conjunto que configuram cada um dos pictogramas em es-tudo (Fig.5) são geometricamente estilizados, mas isso ocorre de maneira orientada por analogias, com base na percepção naturalista dos corpos hu-manos e das peças do vestuário.

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A geometria é o ramo de Matemática que oferece os elementos conceituais ordenadores das figuras projetadas em Design. A geometria oferece o senso de coesão e composição, que organiza e dá legibi-lidade às formas gráficas (VISCONTI, 2004).

Nas representações gráficas impressas, a tinta é a substância que deve ser informada sobre o supor-te de papel, de acordo com o projeto designado. Contudo, nas representações videográfico-digitais, a luz é a substância que deve ser informada. O pro-jeto é o campo das formas ou das ideias, porque neste sentido “forma” é sinônimo de “ideia” que, originalmente, é uma entidade metafísica.

As substâncias perceptivas como a tinta ou a luz são informadas para expressar as ideias previa-mente pensadas pelos designers. Portanto, os pictogramas em estudo (Fig. 5) são informações visuais, decorrentes da organização ou codificação das substâncias visíveis como tintas ou luzes. As substâncias básicas, luz ou tinta, foram expressas de maneira ordenada ou codificada, para compo-rem formas geométricas. Por sua vez, as represen-tações geométricas também foram organizadas ou codificadas para compor representações simplifi-cadas de seres humanos com suas vestimentas.

A forma é a ideia que orienta o trabalho humano na ordenação das substâncias, configurando as-sim os objetos ou os produtos culturais. “A ideia básica é esta: se vejo alguma coisa, uma mesa, por exemplo, o que vejo é a madeira em forma de mesa” (FLUSSER, 2007, p. 26). A ideia ou forma de

mesa é metafísica e eterna, podendo ser imagina-da mesmo sem a presença de uma mesa material. Todavia, a madeira como matéria informada para expressar e funcionar como mesa é perene. Assim, mais cedo ou mais tarde, a madeira vai apodrecer e perecer. Contudo, a ideia de mesa irá perseverar (FLUSSER, 2007).

Nos projetos gráficos, constantemente, as formas são configuradas e expressas por linhas (DONDIS, 2003). Todavia, nos pictogramas em estudo as for-mas são expressas e definidas e as linhas são suge-ridas em decorrência do alto contraste tonal entre figura e fundo, devido às variações na incidência, reflexão ou absorção da luz (SCOTT, 1951).

Contrastes visuaisNa representação visual, a distinção entre figura e fundo ou entre diferentes partes de uma mesma fi-gura só é possível com algum tipo de diferenciação visível ou contraste entre essas partes. É a variação perceptiva contrastante que permite a visualização das formas ou das figuras em relação ao fundo ou background. Visualmente, os contrastes são res-ponsáveis pela sustentação da forma (SCOTT, 1951).

Os pictogramas do sistema ISOTYPE são compos-tos para promover a plena e definitiva diferencia-ção entre figura e fundo, através do alto grau de contraste tonal ou cromático. Também, em outras representações visuais, são percebidas as diferen-ças decorrentes da variação de textura ou da apli-cação de hachuras ou retículas diferenciadas.

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Visualmente, o contraste decorre da maneira como cada uma das partes do suporte gráfico foi tratada para projetar, refletir, ou absorver a luz de manei-ra diferenciada. Nos pictogramas em estudo (Fig. 5) a distinção entre figura e fundo decorre de for-te contraste tonal entre preto (como ausência de luz) e branco (como a plena expressão luminosa). Porém, ressalta-se que o sistema ISOTYPE também propôs em diversos exemplos o contraste entre co-res saturadas e uniformes, como azul, vermelha e verde, entre outras.

LinhasA linha é um conceito fisicamente expresso por um tipo de traço contínuo e uniforme. Como elemento conceitual, a linha é uma abstração e, portanto, não existe na natureza. Apesar disso, alguns elementos naturais são culturalmente percebidos como linhas. Por exemplo, os caules ou ramos muito finos de algumas plantas.

A linha representada com traços é o elemento gráfi-co por excelência, porque possibilita a delimitação visual de áreas do suporte físico. Assim, essas áreas passam a ser percebidas como formas ou figuras (Fig. 4). Nos pictogramas em estudo (Fig. 5), há linhas pretas que configuram os rostos das duas figuras e, também, o pescoço e as pernas da figura femi-nina (Fig.5/Pictograma2). Portanto, o conceito e a expressão física da linha contribuem decisivamen-te para o processo de representação gráfico-visual (DONDIS, 2003).

Uma vez consolidado culturalmente, o conceito de linha passou a ser fisicamente percebido e repre-sentado de outras maneiras, além dos traços con-tínuos e uniformes. Tendo em vista os pictogramas em estudo (Fig. 5), o limite decorrente do contras-te entre as figuras pretas e o fundo branco é visu-almente percebido como a demarcação de uma linha. Além disso, há partes das figuras pretas se-paradas por áreas brancas finas e cumpridas. Isso propõe a percepção de linhas brancas, geométri-cas, uniformes e grossas, formando retas e curvas no interior dos pictogramas (Fig. 5).

Os tipos de linha apresentados no contexto sintático--visual dos pictogramas participam do processo se-mântico, o qual atribui gêneros diferentes às figuras representadas. Assim, além de serem apresentadas em outras partes das figuras, as linhas retas parti-cipam também da representação do tronco e das pernas da figura masculina (Fig.5/Pictograma1) e as linhas curvas participam da representação do tronco e das pernas da figura feminina (Fig.5/Pictograma2).

Equilíbrio visualDe modo geral, as relações de equilíbrio visual nas representações gráficas são parametrizadas pelas bordas do tradicional suporte retangular das com-posições. O suporte pode ser a folha de papel ou a tela videográfica, entre outros.

A disposição das linhas que representam ou estrutu-ram as figuras da composição são visualmente con-sideradas, de acordo com o paralelismo vertical ou horizontal, com relação às bordas do suporte. Mas, podem também ser consideradas por sua posição diagonal, que é antagônica aos limites do suporte.

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Além disso, a “referência horizontal-vertical constitui (...) a referência primária do homem, em termos de bem estar e maneabilidade” (DONDIS, 2003, p. 60). Assim, o equilíbrio visual é também relacionado ao equilíbrio corporal do ser humano, com relação à sua “base de sustentação” (SCOTT, 1951, p. 37).

A posição das figuras no campo perceptivo, o qual é definido pelo suporte, também, influencia no equilíbrio visual da composição. A solução mais comum para promover o equilíbrio visual das fi-guras ou da composição é a simetria axial plena ou aproximada (SCOTT, 1951). Nesses casos, há o traçado de um eixo central (Fig. 5), que é paralelo às bordas laterais do suporte. O eixo, também, é perpendicular às bordas superior e à borda inferior do suporte. Esse eixo serve de parâmetro para a distribuição simétrica das partes das figuras ou das figuras como partes da composição (Fig. 6).

Figura 6 – Equilíbrio axial vertical e paralelismo horizontal nos pictogramas. Adaptação de imagem, fonte: Flickr, disponível em http://www.flickr.com/photos/shelfappeal/5506938128/in/photostream/

De modo geral, a composição dos pictogramas do sistema ISOTYPE toma por base o equilíbrio axial, com simetria plena, sendo que, às vezes, apresenta também simetria aproximada. Isso é exemplifica-do nas formas dos próprios pictogramas (Fig.5). Na imagem anterior (Fig. 6) são traçados e destacados o eixo horizontal e os eixos verticais, que estrutu-ram as composições dos pictogramas em estudo.

Entre os quatro elementos básicos da linguagem gráfico-visual (pontos, linhas, planos e manchas), dois (linhas e planos) foram usados para repre-sentar os pictogramas em estudo. O uso de linhas, expressas como traços contínuos e uniformes, e os planos geometrizados, expressos por áreas de tonalidade intensa e também uniforme, caracteri-zam o estilo racionalista e simbólico das represen-tações do sistema ISOTYPE. Através desse sistema, investe-se mais na informação racional-simbólica do que na expressividade sensorial e emotiva.

O predomínio da racionalidade sobre e afetividade é assinalada pela precisão geométrica dos limites figu-rativos, pelo alto grau de contraste tonal entre figura e fundo e pela uniformidade dos traçados e dos pla-nos. O contrário dependeria da imprecisão dos con-tornos e da variedade de texturas visuais, tonalida-des e cores, caracterizando a visualidade expressiva das manchas.

Os pontos também não foram apresentados, por-que o alto contraste e a uniformidade do traço dispensam as retículas puntiformes. Assim, no sis-tema ISOTYPE, os pontos não são utilizados para simular as variações de nuanças ou de tonalida-des, pois as massas de cores e de tonalidades são

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apresentadas de maneira contínua, como super-fícies planas, contrastantes, e visualmente unifor-mes. Mesmo nas reproduções gráficas vídeodigi-tais, com imagens compostas por pixels ou pontos luminosos, os pictogramas ISOTYPE são perce-bidos de maneira uniforme sem variações tonais ou cromáticas. A coerência estilística na composição gráfica dos pictogramas ISOTYPE (Fig. 5 e 6) implica a restrição de artifícios que promovam impressões de espacia-lidade, ritmo e movimento nas imagens. Porém, em outros tipos de representação, algumas impressões do observador sugerem sentidos de espacialidade e movimento, mesmo em imagens fixas e planas.

Decorrentes dos artifícios de representação, as impressões perceptivas denotativas ou sugestivas são os elementos semântico-conceituais ou temá-ticos da composição. Essas impressões são resul-tados das relações estabelecidas pelo observador, de acordo com o modo como são percebidos os elementos expressivos da imagem.

Os pictogramas em estudo (Fig. 5 e 6) foram origi-nalmente expressos por tinta depositada sobre o suporte em formato de traços e manchas geometri-zadas. Esses elementos expressivos foram organiza-dos ou codificados, para a representação de formas, como linhas e planos, representando também as figuras de duas pessoas de gêneros diferentes. Po-rém, desde a escolha do material e do tratamento dado à tinta, o trabalho de composição organizou a sintaxe visual de maneira que essa confirme a re-alidade estática, plana e rigidamente estável das imagens ou dos pictogramas (Fig. 5 e 6).

A base geométrica do design até as interfaces gráfico-digitaisOs pictogramas do sistema ISOTYPE (Fig. 5 e 6) res-ponderam à necessidade de estilização das imagens, em decorrência do processo de consolidação da cul-tura industrial. Entretanto, como foi anteriormente ilustrado (Fig. 1 e 4), há muitos anos atrás a cultura pré-histórica do período neolítico, a antiga cultura egípcia e, também, a cultura medieval priorizaram a estilização geométrica e simbólica das imagens.

O recurso de simplificação ou estilização geomé-trica, portanto, responde a uma necessidade de comunicação e não significa a falta de conheci-mentos ou de outras opções técnicas e estilísticas no processo cultural de representação. Pois, em períodos anteriores ao neolítico e ao medieval, a cultura do período pré-histórico paleolítico e, tam-bém, a cultura greco-romana já haviam produzido imagens verossimilhantes ao que é naturalmente visível. Fica evidente que, ao longo da história da representação gráfica, o uso das imagens estiliza-das é devido ao seu potencial didático-comunica-tivo. Isso decorre do poder de síntese e da precisão das imagens geométrico-estilizadas, no processo simbólico da comunicação visual.

A estilística do sistema ISOTYPE foi amplamen-te utilizada e adaptada durante o século XX e sua influência alterou diferentes setores culturais. Por exemplo, houve alteração no modo de represen-tação dos símbolos comerciais, como é observada no símbolo gráfico da marca Quaker (Fig. 7).

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Figura 7 – Símbolo gráfico Quaker: (A) versão naturalista (1946); (B) versão estilizada (1970).Fonte: Blog Spot: Almanaque da Aveia Quaker.

As adaptações subsequentes ao sistema ISOTYPE simplificaram e generalizaram ainda mais os picto-gramas. Por exemplo, as imagens deixaram de re-presentar indícios diferenciadores de classe social, como pode ser observado nas placas de sinaliza-ção do trânsito (Fig. 8).

Figura 8 – Placas de sinalização do trânsito: (A) “trânsito de pedestres”; (B) “crianças”.Fonte: idetran.blogspot.com.br

Depois dos anos 1980, a tecnologia digital foi do-minando a cultura da representação visual e com-pondo imagens cada vez mais surpreendentes. Apenas visualmente, não há como distinguir com

plena certeza uma imagem produzida por síntese gráfica e uma imagem fotográfica. O repertório dos recursos de criação ou de representação gráfica possibilita o pleno domínio criativo-construtivo de qualquer tipo de imagem plana, seja essa fixa ou em movimento. Além disso, a partir de matrizes di-gitais, o progresso da tecnologia de prototipagem aponta também para o pleno domínio de criações e representações volumétricas. Diante de todas as possibilidades eletrônico-digitais de composição de imagens complexas, as imagens geométricas e estilizadas de maneira similar aos pic-togramas ISOTYPE persistiram e ainda se mostram efetivas, sendo que há situações em que se almeja a precisão da informação didático-comunicativa.

Nas duas últimas décadas, contrariando o estilo ISOTYPE, a tendência na cultura digital foi o de-senvolvimento e apresentação de interfaces com sugestões multicoloridas e luminosas, provocando impressões de volumes, transparências e superpo-sições de imagens. Ao longo do mesmo período, a empresa de softwares Microsoft apresentou uma sequência de interfaces gráficas do sistema Windo-ws que seguiram esse estilo (Fig. 9).

Figura 9 – Luzes e transparências nos pictogramas de diferen-tes versões da interface gráfica Windows.Fonte: http://tecnodia.cc

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Na interface gráfica de seu novo sistema opera-cional para computadores pessoais, Windows 8 (2012), contrariando a tendência anterior, a em-presa Microsoft desenvolveu e apresentou uma lin-guagem gráfica com planos geométricos de colori-do uniforme, reaproximando-se do estilo fundado pelo sistema ISOTYPE (Fig. 10).

Figura 10 – Detalhes e panorama da primeira página da inter-face do sistema Windows 8.Fonte: conexaosystem.com

A semelhança é expressa na simplificação ou esti-lização geométrica das imagens (Fig. 10). Todavia, a representação das imagens da interface do sistema Windows 8 diferencia-se parcialmente da canônica estilística ISOTYPE, com relação ao rigor na “fron-talidade” e na apresentação das imagens em com-posições planas. Pois, incorre no uso de recursos para sugerir espacialidade ou profundidade nas re-presentações planas, como pode ser observado em alguns pictogramas do sistema Windows 8. Esses pictogramas (Fig. 7) representam figuras que suge-rem relações de espacialidade ou profundidade por deformações perspectivadas (Fig. 7/A) ou sugestão de “superposição de formas” (Fig. 7/B) com “varia-ções de posição no plano do quadro” (SCOTT, 1957).

Figura 11 – (A) Representação estilizada de sacola com de-formação perspectivada. (B) Representações estilizadas de nuvens, sugerindo a superposição de figuras e variação de posição no plano. Fonte: conexaosystem.com

Seguindo em parte a visualidade das representa-ções gráficas do antigo Egito (Fig. 4-A), o sistema ISOTYPE apresentou pictogramas com conjuntos de figuras de frente ou de perfil, mas sempre con-firmando o plano como suporte da representação. Pois, mesmo quando há sugestão de sobreposição de figuras, essas não variam de posição com rela-ção à altura do plano. Contudo, ao longo do tempo, o processo de simplificação e estilização geomé-trica na composição de pictogramas informativos foi sendo acrescido com recursos que visualmente sugerem movimento, volume e espacialidade ou profundidade, entre outras possibilidades.

Atualmente, pode-se utilizar com facilidade todas as possibilidades de representação gráfica, seja confirmando a planura do suporte ou sugerindo efeitos de espacialidade. A própria interface do sis-tema Windows 8 (Fig. 11) ilustra essa situação, pois apresenta imagens fotográficas e usa efeitos visu-

A B

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ais para sugerir movimentos de luz no fundo da tela em que são apresentados os pictogramas com co-res planas e simplificação geométrica (Fig. 11). Há um amplo repertório de recursos gráficos e efeitos visuais para viabilizar a composição dos diversos estilos gráficos ou mesmo do ecletismo estilístico.

Observa-se que, depois de apresentar diferentes efeitos cromáticos e luminosos em busca do des-lumbramento estético em outros produtos da mar-ca, os pictogramas da interface do sistema Win-dows 8 retornaram ao processo de simplificação das figuras por estilização geométrica. Assim, pelo menos parcialmente, utiliza-se do mesmo discurso que caracterizou a linguagem gráfico-comunicati-va do sistema ISOTYPE.

FechamentoDiante do exposto neste texto, fica evidente a efi-cácia da estilização geométrica no processo de co-municação gráfico-visual. Isso é indicado ao longo da história da informação visual e foi positivamen-te observado nos modelos propostos por Neurath, tendo em vista o momento histórico dessa propo-sição no qual o processo de reprodução industrial requeria a simplificação dos modelos.

Posteriormente, a ampliação das possibilidades de reprodução dos modelos gráficos, através dos processos digitais da computação, promoveu a multiplicação dos efeitos gráfico-visuais. Assim, expressou-se visualmente a variedade estética que caracteriza a visualidade pós-modernista nas artes gráficas.

Há quem diga que a recente tendência de estiliza-ção geométrica nas interfaces gráficas, especial-mente dos sistemas eletrônico-digitais móbiles, representaria um retorno à objetividade comuni-cativa que marcou a época de Neurath. Todavia, considera-se aqui, a despeito das necessidades práticas que provocaram essa mudança, que a recuperação da estilização geométrica neste mo-mento apenas reforça as características atuais da cultura visual que tudo permite ao mesmo tempo e agora, inclusive a estilização geométrica.

ReferênciasDONDIS, A.. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

DUTRA, Luiz Henrique de Araújo. Oposições filosófi-cas: a epistemologia e suas polêmicas. Florianópo-lis: UFSC, 2005.

FLUSSER, V. O Mundo Codificado: Por uma Filosofia do Design e da Comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

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LIMA, R. Otto Neurath e o legado do ISOTYPE. In: Info-Design - Revista Brasileira de Design da Informação, v. 5, n. 2 (2008). Disponível em: <http://www.infodesign.org.br/revista/index.php/infodesign/article/view/54>. Acesso em: 05/10/2012.

MUNARI, B. Design e comunicação visual: contribui-ção para uma metodologia didática. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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PERASSI, R. Roteiro didático da arte na produção do conhecimento. Campo Grande, MS: EDUFMS, 2005.__________. Gramática comparada da representação gráfi ca. In: Revista Convergências. Lisboa. V. 6, 2010. Disponível em: convergências.esart.ipcb.pt/artigo/92.

SCOTT, R. Fundamentos del Diseño. Buenos Aires: Editorial Víctor Leru, 1951.

VISCONTI, L. A Geometria do Design: Estudos sobre a proporção e composição da forma. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/6700741/Geometria-Do-De-sign>. Acesso em: 15/10/ 2012.

AbstractIn this article, two ISOTYPE system pictograms are des-cribed and analyzed from the perspective of visual lan-guage syntax, using the theoretical studies of Robert G. Scott (1951) and Donis A. Dondis (2003). Designed by Otto Neurath (1882 – 1945), ISOTYPE System (Internatio-nal System of Typographic Picture Education) intended to develop a series of graphic symbols from a geometric--iconic standard that represents people and also ani-mals, plants or objects. The system was proposed to achieve communicative and educative purposes, also involving economic issues. Along with the work of artist Gerd Arntz (1900 - 1988), Neurath idealizations resulted in the system being studied and which, until today, in-fl uences the Graphic Design language and practice, in the sense of producing graphic-visual information with the design of geometrically stylized images. Considering the design of Windows 8 Graphical User Interface, we observe that the facilitated use of photographic image on videographic digital interfaces of diff erent electronic devices, such as cell phones or tablets, did not suppress the use of pictograms. It reveals that the graphic tradition founded in ISOTYPE System still perseveres on the visu-al communication process of electronic-digital media.

Keywords: Graphic-Geometric System; Interface Design; Visual Communication.

Pesquisa e AutoriaNatália BortolásMestranda, UFSC, [email protected]

Juan Coto Mestrando, UFSC, [email protected]

Supervisão e OrientaçãoRichard Perassi Luiz de SousaProfessor Doutor, Departamento de Design e Expressão Gráfi ca – UFSC,[email protected]

Gilson BravianoProfessor Doutor, Departamento de Design e Expressão Gráfi ca – UFSC, [email protected]

Milton Luiz Horn VieiraProfessor Doutor, Departamento de Design e Expressão Gráfi ca – UFSC, [email protected]

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O estilo universalista na representação gráfi ca da mascote da copa FIFA 201404

Palavras-chave: estilização gráfi ca, marca-mascote, sintaxe visual.

Resumo

O objetivo deste texto é propor uma refl exão sobre a representação grá-fi ca da marca-mascote “Tatu Fuleco”, que é apresentada como símbo-lo da Copa da Fédération Internationale de Football Association (FIFA, 2014). Observando-se os elementos e os aspectos gráfi co-visuais e estudando-os sob as categorias e os conceitos de Sintaxe da Lingua-gem Visual, considera-se que o estilo gráfi co da representação remete à estética universalizada dos desenhos animados na atualidade. Origi-nalmente, esta estética é baseada na expressão gráfi co-contemporânea dos desenhos em quadrinhos japoneses, conhecidos como Mangá. As-sim, a despeito do uso das cores nacionais e dos esforços para compor o caráter simbólico-contextual da mascote, relacionando-a com um ani-mal da fauna brasileira, a expressão universalista predomina na compo-sição gráfi co-visual, superpondo-se às outras associações.

Sharlene Araújo

Túlio Henrique Mandolesi Sá

ARAÚ JO, S.; SÁ , T. H. M. ; PERASSI, R. (Superv.) O estilo universalista na representaç ã o grá fi ca da mascote da copa FIFA 2014. In: PERASSI, R. (Org). Teoria Aplicada - Estudos de Sintaxe Visual. Florianó polis: CCE/ UFSC, 2015. p 56 - 63.

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As mascotesO emprego das partes ou das representações de animais por grupos ou indivíduos é antigo, por-que tradicionalmente esses signos serviram como “amuletos de sorte” ou como meios de comunica-ção, que exaltam as características dos animais e as relacionam com as entidades humanas.

Iniciada com os nossos antepassados muito dis-tantes, a arte rupestre foi parte das primeiras mani-festações visuais realizadas pelo homem. Conside-ra-se que os primeiros registros nas cavernas eram realizados com o intuito de controlar ou aplacar as forças da natureza e a principal característica dos desenhos da Idade da Pedra Lascada, era o natura-lismo. O artista pintava um animal do modo como o via, reproduzindo a natureza tal qual sua vista captava (Strickland, 2003).

Tais representações de animais puderam também ser encontradas em períodos mais recentes, cum-prindo funções de marcas de identificação relacio-nadas à nobreza feudal, seja nos brasões das famí-lias, nos escudos dos guerreiros ou nos produtos dos comerciantes. Para Limeira (2008, p.6), “uma marca é, ao mesmo tempo, um sinal que identifica um pro-duto e um símbolo, é a representação de uma ideia, de um pensamento ou comportamento. Portan-to, as marcas têm valor simbólico”. Assim, milênios depois, as imagens de caráter propiciatório da pré--história passaram a ser usadas como símbolos de identificação familiar, militar e comercial.

A abstração voltada ao simbolismo requer uma simplificação radical, uma redução de detalhe vi-sual ao mínimo irredutível. E é exatamente isso que o desenho nos mostra com seus traços simplifica-dos e orgânicos (DONDIS, 2007). Como é assinala-do por Perez (2004 p. 62), “formas arredondadas, proporção e simetria geralmente se misturam já que formas circulares parecem menos poderosas que as oblongas, mas criam percepções de harmo-nia, de suavidade e de perfeição”.

Sobre essa possibilidade de um discurso gráfico de estilização, Perassi (2007) afirma que há um estilo recorrente, que tende a simplificar e a organizar as formas naturais. O estilo racionalista-simbólico é recorrente no desenho, em especial nas represen-tações geométricas da linguagem técnica, porque tende a simplificar e organizar geometricamente as formas naturais A estilização geométrica ou com tendência geométrica é a principal característica do estilo racionalista-simbólico.

Curiosamente, entretanto, em tempos ainda mais recentes e na condição de mascotes, as representa-ções de animais passaram a cumprir a dupla função de elemento de representação e fenômeno propi-ciatório. O duplo vínculo foi definitivamente con-solidado pelas técnicas gráficas de representação e, especialmente, de animação porque, depois de serem tecnologicamente animados, esses simula-cros ganham “vida”. Assim, expressam vividamente sua personalidade diante dos espectadores que lhe projetam um “espírito” próprio, distintivo e identifi-cado com o “espírito” da marca que representam.

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Esta condição de personalidade concedida à mas-cote facilita que, aos poucos, essa transfira seu ape-lo empático e positivo às marcas e aos produtos ou serviços que representam. O traço humano ajudaria ainda na fidelização do consumidor pois, desta for-ma, a mascote transmitiria confiabilidade, simpatia, segurança, serenidade, modernidade, entre outros.

Figura 1: As mascotes das copas mundiais de futebol FIFA de 1966 a 2010.Fonte: http://eternomlk.blogspot.com.br/2012/09/todos-os-masco-tes-das-copas.html

O uso da representação gráfica de um animal ou de outro personagem, como marca-mascote de um evento mundial de futebol, foi primeiramente registrado no sistema de identidade visual da VII Copa do Mundo da FIFA, que ocorreu na Inglaterra em 1966 (Fig. 1A). Desde então, esse recurso gráfi-co de comunicação visual foi usado como parte da identidade visual na Copa dos Estados Unidos de 1994; na França em 1998; na Alemanha em 2006, e na África do Sul em 2010.

Nas imagens anteriores (Fig. 1), é possível obser-var diferentes representações de mascote. Essa diferenciação ocorre com relação ao conteúdo te-mático e, também, no que diz respeito a estilos ou expressões gráficas. Na pesquisa realizada, curio-samente, não foram encontradas imagens gráficas com estilizações planas e contornadas das masco-tes das copas FIFA/2002 e FIFA/2006 (Fig. 1G e 1K). A figura da bola é praticamente onipresente nas ima-gens e, também, em maior ou menor grau, obser-vam-se referências nacionalistas explícitas na qua-se totalidade das imagens (Fig. 1). Em sua maioria, as imagens observadas também aparentam terem sido realizadas com um mesmo tipo de linguagem gráfica, sendo caracterizadas pelo uso parcial ou total das linhas de contorno e pela apresentação de áreas de cor plana ou, quando muito, com sutis variações de tonalidade para sugerir volumes.

A mascote brasileira da Copa FIFA/2014Do ponto vista temático, a composição da mascote brasileira para representar a Copa FIFA/2014 seguiu a tradição que, como foi observado nas imagens

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anteriores (Fig. 1), enfatiza o caráter nacionalista e a figura da bola, como elemento motivador do jogo de futebol. Por isso, a figura do animal tatu bola é um apelo forte e coerente, porque relaciona a cena nacional ao objeto de destaque do evento.

Mesmo sendo originário da caatinga, um bioma existente em apenas 10% do território nacional, a figura do tatu em suas diversas representações, destacando-se especialmente a peculiaridade anatômica desse animal, já participam do imagi-nário gráfico e mental do Brasil. Pois, suas citações verbais e representações visuais são recorrentes em diversas histórias, apesar de se poder acreditar que a maior parte da população brasileira jamais entrou em contato direto com o animal.

As alegações anteriores não são as expressões exa-tas do que foi considerado pelas autoridades res-ponsáveis pela escolha da mascote. Todavia, são aqui propostas como argumentos para tentar ex-plicar o fato do tema tatu-bola ter sido escolhido para compor a mascote da Copa FIFA/2014, sendo oficializado pelo Comitê Organizador Local (COL), após a análise de 47 propostas enviadas por seis agências de publicidade brasileiras.

Do ponto de vista estilístico ou expressivo, a com-posição gráfica da figura da mascote brasileira também segue a tradição, com relação à lingua-gem gráfica, sendo apresentada em uma versão com contornos lineares e cores planas (Fig. 2A).

Figura 2: Três versões da mascote brasileira da copa FIFA/2014.Fontes: http://diariodacomedianet.blogspot.com.br/2012/11/por-que-fuleco-entenda.html; http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/fuleco-e-o-nome-oficial-da-mascote-da-copa; http://www.magazine-luiza.com.br/boneco-fuleco-13cm-grow/p/1812529/br/bnco/

Além da versão gráfica, há também diversos produtos que foram produzidos com o tema da mascote, inclusi-ve, foram fabricados bonecos em diferentes materiais, como ilustra a imagem anterior (Fig. 2C). Mas isso segue igualmente a tradição de desenvolver outros produtos e produzir réplicas tridimensionais da mascote como ocorreu nas diversas edições anteriores da Copa FIFA. O fenômeno diferenciado é observado, entretanto, na representação perspectivada da figura da mascote (Fig. 2A, 2B e 2C) e na ampla divulgação da representação da mascote brasileira da Copa FIFA/2014 (Fig. 2C), cujo tratamento gráfico sugere volumes e brilhos, investin-do ainda mais radicalmente na ilusão de profundidade ou tridimensionalidade.

Um estudo comparado de representações gráficas

O modelo proposto para uma primeira comparação é a representação do personagem Sonic que também foi composto a partir da imagem de um animal, o ouriço.

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Assim, desde 1991, o personagem Ouriço Sonic (Fig. 3A) foi protagonista de jogos eletrônicos da empresa japonesa SEGA, que obtiveram sucesso imediato.

Figura 3: Imagens do personagem Sonic e das mascotes Zakumi e Fuleco.Fontes: http://www.powersonic.com.br/games/personagens/personagens/sonic.htm; http://copadomundo.uol.com.br/2010/a--copa/mascote.jhtm; http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/fuleco-e-o-nome-oficial-da-mascote-da-copa;

O personagem Sonic (Fig. 3A) é herdeiro do fenô-meno ocorrido em décadas recentes, que promo-veu a difusão mundial da tradição gráfica japonesa no estilo Mangá. Primeiramente, o estilo tradicional foi consolidado nos desenhos de quadrinhos. Mas, com o passar do tempo, o estilo foi sendo expandi-do para além das histórias impressas, passando a dominar os desenhos animados e sendo divulga-dos na televisão. Assim, o estilo Mangá obteve po-pularidade e conquistou adeptos em todo o mundo (PERCÍLIA, 2013). O personagem Sonic (Fig. 3A) é um exemplo de que esse estilo também assumiu um amplo espaço no contexto dos jogos eletrônicos.

Os recursos gráficos de composição do persona-gem Sonic são, pelo menos parcialmente, usados na representação do Leopardo Zakumi, mascote sul-africana da Copa FIFA/2010 (Fig. 3B). Mas, os

mesmos recursos também foram usados no dese-nho da mascote brasileira, representante da Copa FIFA/2014 (Fig. 3C).

Figura 4: Mascotes das copas mundiais de futebol FIFA de 1966 a 2010.Fonte: http://eternomlk.blogspot.com.br/2012/09/todos-os-masco-tes-das-copas.html

Em comparação com as representações das mas-cotes de outras copas FIFA (Fig. 4), as representa-ções gráficas do personagem Sonic e das mascotes Zakumi e Fuleco, das copas FIFA de 2010 e 2014, expressam um estilo diferenciado. Essa diferencia-ção é primeiramente destacada pelo desenho das representações (Fig. 3A, 3B e 3C), que investem na acentuação da perspectiva, compondo imagens visualmente próximas das imagens fotográficas ob-tidas com o uso de uma lente “olho de peixe”. Nas representações das outras mascotes das copas FIFA (Fig. 4), não são observados efeitos gráficos eviden-tes para sugerir volume, perspectiva ou profundida-de. Ao invés disso, as representações dos diferentes planos das imagens decorrem do simples efeito de superposição das formas componentes das figuras, evidenciando sua natureza plana e estática.

Para a criação do efeito mais efetivo de profundida-de e tridimensionalidade, são utilizadas as técnicas de claro e escuro (luz e sombra) e o efeito plástico da luz (sombras que valorizam o efeito da forma).

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Assim, com manchas bidimensionais é possível re-presentar a tridimensionalidade (SCOTT, 1978).

Por outro lado, tradicionalmente, foram fabricados diferentes produtos e bonecos tridimensionais das mascotes das copas FIFA. Porém, na ampla divul-gação das representações gráficas das mascotes de copas anteriores, não foram observados os tra-tamentos das formas que sugerem efeitos brilhan-tes e volumétricos. Assim, as representações mais antigas diferem das imagens do personagem Sonic (Fig. 3A) e da mascote brasileira da Copa FIFA/2014 (Fig. 3C). Inclusive, os efeitos volumétricos também não são tão evidentes na representação gráfica da mascote Zakumi da copa FIFA/2010 (Fig. 3B). Mas, a estruturação compositiva da representação da mascote Zakumi segue a mesma estética propos-ta nas representações do personagem Sonic e da mascote brasileira (Fig. 3A e 3B).

Para finalizar a comparação, no personagem Sonic e nas mascotes das copas FIFA de 2010 e 2014 (Fig. 3A; 3B e 3C), considera-se que as imagens estili-zadas e humanizadas representando os animais, também, são apresentadas como personagens de histórias de super-heróis. Isso é resultado da repre-sentação gestual que simboliza atitudes confian-tes, irreverentes e desafiadoras. A capacidade de síntese dos símbolos, globalizados ou universais, permite sua ação eficaz em diferentes culturas, porque foi anteriormente convencionado de ma-neira abrangente, por meio de ampla publicidade (DIAS et. all., 2012).

Em comparação com essas imagens (Fig. 3A; 3B e 3C), as imagens das outras mascotes, que represen-

tam outras copas FIFA anteriores (Fig. 4), foram re-presentadas de maneira ingênua, desarmada e des-pretensiosa. Cada uma dessas mascotes anteriores (Fig. 4) manifesta um tipo de personalidade diferen-ciada, enquanto o personagem Sonic e as mascotes FIFA 2010 e 2014 (Fig. 33A; 3B e 3C) apresentam o mesmo tipo de personalidade, apesar de expressa-rem intenções diferenciadas entre si.

Considerações finaisAs comparações apresentadas anteriormente assi-nalam a semelhança da linguagem gráfico-repre-sentativa da mascote brasileira da Copa FIFA/2014, denominada de Tatu Fuleco, e a linguagem gráfico--representativa do personagem Ouriço Sonic, que representa um estágio avançado e bem adaptado do tradicional estilo japonês Mangá, para o merca-do global de entretenimento.Neste sentido, considera-se que a representação da mascote brasileira para a Copa FIFA/2014 foi gra-ficamente composta e esteticamente tratada para expressar um estilo originalmente japonês. Porém, na atualidade, este estilo foi consolidado como parâmetro universal de linguagem visual, para grande parte dos segmentos de produção e distribuição de histórias em quadrinhos, desenhos animados e jogos eletrônicos. Assim, o tema adota-do é coerente com a cultura nacional e com o obje-to bola, que mobiliza os jogos de futebol. Contudo, a primeira impressão e o sentido geral que resulta do contato visual com a representação gráfica da marca-mascote brasileira são parametrizados pela estética global disseminada por produtos culturais muito bem sucedidos. Os exemplos disso podem ser os jogos protagonizados pelo personagem So-nic ou os desenhos animados da série Pokemón.

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No website oficial da Copa FIFA/2014 no Brasil encontra-se a declaração de “que se trata de uma marca-mascote que deve ser universalmente in-teressante, comunicativa e efetiva”, especialmen-te, considerando-se os interesses comerciais FIFA, cuja abrangência é global, a marca-mascote brasi-leira apresenta os méritos de ser atual, sendo tam-bém bem desenhada e esteticamente universal.

A dificuldade geral está na evidenciação de brasili-dade, porque os elementos que expressam a cultu-ra nacional sucumbem diante da impressão geral causada pela percepção da marca-mascote e por sua imediata associação com a comunicação glo-balizada do entretenimento.

O recurso da descaracterização dos produtos na-cionais, entretanto, atende em longa data aos in-teresses japoneses, porque suas representações também não expressam diretamente as caracterís-ticas do povo e da cultura japonesa. Um exemplo é o tamanho exagerado dos olhos de seus perso-nagens que negam exatamente o desenho natural dos olhos amendoados do povo japonês. Portanto, não se deve estranhar um tatu brasileiro de olhos grandes e verdes como também são os olhos re-presentados no leopardo Zakumi, que é o tema da marca-mascote africana.

ReferênciasBoneco Fuleco. Disponível em: <http://www.magazineluiza.com.br/boneco-fuleco-13cm--grow/p/1812529/br/bnco/> Acesso em: 19 de se-tembro de 2013, 15:25

DIAS, Alvaro Roberto; CASTRO, Luciano; PERASSI, Richard; ZWIRTES, Amanda Machado. Estudos em Design. Revista (online). Rio de Janeiro: v. 20, nº. 2 [2012], p. 1 – 15

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Fuleco é o nome oficial da mascote da Copa. Dis-ponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/fuleco-e-o-nome-oficial-da-mascote-da--copa> Acesso em: 29 de maio de 2013, 14:55

LIMEIRA, Tania Maria Vidigal. Comportamento do consumidor brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.

PERASSI, Richard L. S. Gramática Comparada da Representação Gráfica. Revista Convergência, Portugal, n. 06, 2007. Disponível em: <http://con-vergencias.esart.ipcb.pt/artigo/92> Acesso em: 15 de junho de 2013, 21:15 PERCÍLIA, Eliene. Disponível em: <http://www.bra-silescola.com/artes/o-que-e-manga.htm> Acesso em: 14 de junho de 2013, 15:30

PEREZ, Clotilde. Signos da marca: expressividade e sensorialidade. São Paulo: Thomsom, 2004.

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STRICKLAND, Carol. Arte comentada: da pré-his-tória ao pós-moderno. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. Texto extraído do site: www.historiadaarte.com.br, com citações do livro. (http://julirossi.blo-gspot.com.br/2008/02/pr-histria.html)

Todos os mascotes das copas! Disponível em: <http://eternomlk.blogspot.com.br/2012/09/to-dos-os-mascotes-das-copas.html> Acesso em: 29 de maio de 2013, 14:35

Um leopardo com cabelos verdes. Disponível em: <http://copadomundo.uol.com.br/2010/a-copa/mascote.jhtm> Acesso em: 19 de setembro de 2013,14:50

AbstractThe objective of this paper is to propose a refl ection on the graphical representation of the brand-mascot “Fu-leco Tatu” which is presented as a symbol of the Coppa Fédération Internationale de Football Association (FIFA, 2014). Observing the elements and graphic-visual as-pects and studying them under the categories and con-cepts of Visual Language Syntax, it is considered that the graphic style of representation refers to the aesthe-tic universalized cartoon today. Originally, this aesthetic is based on the graphic-expression of contemporary de-signs in Japanese comics known as Manga. Thus, despi-te the use of national colors and the eff orts to construct the symbolic character-mascot contextual, relating it to an animal of the Brazilian fauna, the universal expres-sion predominates in the composition visual graph, su-perimposing if the other associations.

Keywords: Styling Graphics. Brand mascot. Visual syntax.

Pesquisa e AutoriaSharlene AraújoMestrando - UFSC, Departamento de Expressão Gráfi ca [email protected]

Túlio Henrique Mandolesi SáMestrando - UFSC, Departamento de Expressão Gráfi catulio@fl oripa.com.br

Supervisão e OrientaçãoRichard Perassi Luiz de SousaProfessor Doutor, PósDesign - UFSC, [email protected]

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