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SÍNTESES ESQUEMÁTICAS DE FILOSOFIA PARA O 10º ANO UNIDADE 1 – INICIAÇÃO À ACTIVIDADE FILOSÓFICA Capítulo 1. O que é a filosofia A FILOSOFIA E OS SEUS PROBLEMAS A filosofia estuda problemas para os quais não há solução científica. CARACTERÍSTICAS DOS PROBLEMAS FILOSÓFICOS 1 – São relativos às nossas crenças básicas ou fundamentais 2 – São problemas que os filósofos tentam resolver recorrendo ao pensamento. São problemas de carácter geral ou não empírico. Não se podem resolver recorrendo à experiência, nem à experimentação. 1 – São relativos às nossas crenças básicas ou fundamentais. O que são crenças? São teorias ou afirmações que têm a propriedade de serem verdadeiras ou falsas e com as quais tentamos resolver um problema ou conjunto de problemas. O que são crenças básicas ou fundamentais? São crenças cuja verdade ou falsidade determina a verdade ou falsidade de outras crenças que delas dependem. A crença fundamental de várias religiões é a de que Deus existe. Se esta crença for falsa, então outras crenças que dela dependem tornar- se-ão falsas ou pelo menos terão de ser revistas. É o caso da crença de que a moralidade das nossas acções consiste em cumprir a vontade de Deus expressa num dado número de mandamentos. Qual é a atitude dos filósofos acerca desse tipo de crenças? A filosofia interroga – se sobre a verdade deste tipo de crenças, transforma-as em

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SÍNTESES ESQUEMÁTICAS DE FILOSOFIA PARA O 10º ANO

UNIDADE 1 – INICIAÇÃO À ACTIVIDADE FILOSÓFICA

Capítulo 1. O que é a filosofia

A FILOSOFIA E OS SEUS PROBLEMAS

A filosofia estuda problemas para os quais não há solução científica.

CARACTERÍSTICAS DOS PROBLEMAS FILOSÓFICOS

1 – São relativos às nossas crenças básicas ou fundamentais

2 – São problemas que os filósofos tentam resolver recorrendo ao pensamento. São problemas de carácter geral ou não empírico. Não se

podem resolver recorrendo à experiência, nem à experimentação.

1 – São relativos às nossas crenças básicas ou fundamentais.

O que são crenças?

São teorias ou afirmações que têm a propriedade de serem verdadeiras ou falsas e com as quais tentamos resolver um problema ou conjunto de problemas.

O que são crenças básicas ou fundamentais?

São crenças cuja verdade ou falsidade determina a verdade ou falsidade de outras crenças que delas dependem. A crença fundamental de várias religiões é a de que Deus existe. Se esta crença for falsa, então outras crenças que dela dependem tornar-se-ão falsas ou pelo menos terão de ser revistas. É o caso da crença de que a moralidade das nossas acções consiste em cumprir a vontade de Deus expressa num dado número de mandamentos.

Qual é a atitude dos filósofos acerca desse tipo de crenças?

A filosofia interroga – se sobre a verdade deste tipo de crenças, transforma-as em

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problemas. A crença «Deus existe» é pela filosofia transformada no problema «Será que Deus existe?»

Exemplos de crenças básicas ou fundamentais

1. Acreditamos – algumas pessoas acreditam - que a moralidade de uma acção depende da sua intenção ou do seu motivo.

2. Acreditamos que uma obra de arte é artística por ser bela.

3. Acreditamos que só tem direitos quem cumpre certos deveres.

4. Acreditamos que justiça é sinónimo de igualdade

O que implica termos certas crenças básicas ou fundamentais

Se acreditamos que só tem direitos quem cumpre deveres então temos de abandonar a crença de que as crianças de tenra idade têm direitos.

Se acreditamos que a justiça é sinónimo de igualdade então temos de abandonar a eventual crença de que cada um deve receber ou ganhar de acordo com o mérito ou o esforço bem-sucedido.

Se acreditamos que em questões morais tudo é relativo e isso for verdade temos de considerar falsa a crença de que «Roubar é moralmente errado» é uma regra objectiva, válida em todo o lado.

2 – São problemas que os filósofos tentam resolver recorrendo ao pensamento. São problemas de carácter geral ou não empírico. Não se podem resolver recorrendo à experiência, nem à experimentação.

Para tentar resolver os problemas filosóficos não podemos recorrer:

1 – À experiência.

2 – À experimentação científica ou ao método experimental

O método experimental não serve para resolver questões como «Será que Deus existe?» ou «Será que a vida tem sentido?». Formula hipóteses e confronta-as com factos, o que, neste caso, é tarefa condenada ao fracasso.

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3 – Ao cálculo matemático.

A filosofia não recorre, como a matemática, a métodos formais de demonstração nem a simples cálculos para resolver os seus problemas. É uma afirmação bastante óbvia. Basta pensar que um problema como o da existência de Deus não é de modo algum um problema matemático.

Como os problemas da filosofia não são empíricos será que ela despreza a experiência e unicamente relaciona ideias?

Não. O facto de a filosofia não ser uma disciplina empírica ou experimental, não deve sugerir que ignore a experiência e a prática. A filosofia usa informação empírica obtida pelas ciências e pela observação. O carácter conceptual da filosofia não significa que esta unicamente relacione conceitos e ideias. Não é possível argumentar de forma racionalmente persuasiva acerca da moralidade do aborto, da eutanásia, da clonagem sem informação empírica. Não é possível defender que devemos ser vegetarianos se não tivermos dados empíricos confiáveis que mostrem que o consumo de carne é dispensável.

3 – Exemplos de problemas filosóficos e de problemas não - filosóficos

Problemas filosóficos Problemas não - filosóficos

1. Será que Deus existe?

2. Será que somos livres?

3. Como devemos viver?

4. O que é a justiça?

5. O que distingue uma acção moralmente correcta de uma acção moralmente errada?

6. O que faz de uma coisa uma obra de arte?

1. A que se deve o triunfo do cristianismo?

2. Como surgiu a Sida?

3. Fumar faz mal à saúde?

4. O que são países desenvolvidos?

5.O que é a vida (o que é um ser vivo)?

6. Os alimentos geneticamente modificados são seguros?

7. O que fazer para combater o efeito de estufa?

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UNIDADE 1 – INICIAÇÃO À ACTIVIDADE FILOSÓFICA

Capítulo 2. Os instrumentos do trabalho filosófico.

OS ELEMENTOS DA FILOSOFIA

Problemas Teorias Argumentos

As questões fundamentais a que se procura responder.

As respostas que conseguimos dar aos problemas fundamentais.

O modo como justificamos ou defendemos as respostas que damos.

OS ARGUMENTOS

Os argumentos são um dos elementos centrais da actividade a que chamamos filosofia. Sem eles as respostas aos problemas da filosofia não passariam de simples opiniões. Estudar filosofia é, em parte, analisar, discutir e avaliar os argumentos que os filósofos usam para defender as suas teorias.

O que é um argumento?

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Um argumento é um conjunto de proposições em que uma delas é defendida pelas outras. A proposição defendida – a tese – tem o nome de conclusão. A proposição ou as

proposições que a defendem são as premissas.

Exemplo de argumento

1-Se Deus é perfeito, então tudo o que ele criou é perfeito.

2-Ora o mundo é imperfeito dado que há muito sofrimento, muita fome e cada vez menos recursos naturais.

3-Logo, Deus não é perfeito.

Se Deus é perfeito, então tudo o que ele criou é perfeito.

Premissa 1 Proposições que fundamentam ou

justificam a conclusão. São as razões que se

apresentam para fazer aceitar a tese.

2-Ora o mundo é imperfeito dado que há muito sofrimento, muita fome e cada vez menos

recursos naturais.

Premissa 2

Logo, Deus não é perfeito.

Conclusão Aquilo que é justificado ou apoiado pelas

premissas.

CONJUNTO DE FRASES QUE NÃO CONSTITUEM UM ARGUMENTO

“No Irão, os adúlteros de ambos os sexos são punidos com a lapidação pública. Os homens que cometerem adultério são enterrados até à cintura e apedrejados; as

mulheres adúlteras são-no também, só que são enterradas até aos sovacos. Quem conseguir libertar-se é ilibado.”

O anterior conjunto de frases contém algum argumento? Tenta explicitamente provar ou defender alguma ideia? Justifica-se alguma tese? Apresentam -se razões para aceitar alguma ideia ou tese? Não. O texto é simplesmente descritivo e não argumentativo.

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IDENTIFICAR E CLARIFICAR ARGUMENTOS

Eis um argumento por clarificar:

Sabemos que, se a inflação baixa, o consumo aumenta. Dado que a inflação está a baixar, podemos concluir que o consumo vai aumentar.

Clarificação do argumento

Clarificamos o argumento reconstruindo-o na seguinte forma padronizada (forma-canónica): apresentamos primeiro as premissas, uma em cada linha.

A conclusão surge no fim:

Se a inflação baixa, então o consumo aumenta.

A inflação está a baixar.

Logo, o consumo vai aumentar.

Indicadores de conclusão

Então… O que mostra (prova) que… Assim… Consequentemente…. Daí que… Por conseguinte… Assim sendo… Por isso… Portanto… Segue-se que… E por essa razão…

Qualquer frase colocada a seguir a estes indicadores é a conclusão. Ex: Todos os animais que ladram são cães e por isso o animalque tenho em casa é um cão. A proposição antes do indicador por isso é uma premissa. A proposição a seguir é a conclusão. Implícita está a outra premissa: Tenho em casa um animal que ladra. Argumento: Todos os animais que ladram são cães. Tenho em casa um animal que ladra. Logo, o animal que tenho em casa é um cão.

Indicadores de premissa

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Porque… Uma vez que… Pois… Visto que… Em virtude de… Como… Assumindo que… Considerando que… Pode inferir-se disto… Devido a… Por causa de… Ora...

Qualquer frase colocada a seguir a estes indicadores é uma premissa. Ex: O animal que tenho lá em casa é um cão, visto que é um animal que ladra. A proposição antes do indicador visto que é a conclusão. Implícita está a outra premissa: Tenho em casa um animal que ladra.

Argumento Todos os animais que ladram são cães. Tenho em casa um animal que ladra.

Logo, o animal que tenho em casa é um cão.

O QUE SÃO BONS ARGUMENTOS?

Para defenderem as suas teorias os filósofos procuram apresentar bons argumentos

Os bons argumentos são:

1 – Válidos

2 – Constituídos por premissas e conclusão de facto verdadeiras ou pelo menos plausíveis

Tem de haver uma preocupação com a verdade de facto (valor de verdade) das proposições que constituem os argumentos.

Os nossos argumentos não serão convincentes e persuasivos se a validade não for acompanhada pela verdade efectiva ou plausível do que dizemos, isto é, das premissas e da conclusão.

BOM ARGUMENTO MAU ARGUMENTO

1 - Todos os animais que ladram são cães

Os Serra da Estrela são animais que ladram

Logo os Serra da Estrela são cães.

2 -Todos os animais são seres que ladram

Os Serra da Estrela são animais

Logo, os Serra da Estrela são seres que ladram

Ambos os argumentos são válidos mas se perguntarmos qual deles é o melhor a resposta será que o argumento 1 é melhor do que o 2. Porquê? Porque não só é logicamente correcto como também é constituído por premissas e conclusão de facto verdadeiras.

O argumento 2, apesar de válido, não é bom porque tem uma proposição que é falsa: a premissa Todos os animais são seres que ladram.

O que é a validade de um argumento?

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A validade tem a ver com a relação entre o valor de verdade das premissas e o valor de verdade da conclusão. Há dois grandes tipos de argumentos: os argumentos dedutivos

e os argumentos indutivos.

• O que são argumentos dedutivos? São argumentos cuja validade depende exclusivamente da sua forma lógica.

• O que são argumentos indutivos? São argumentos cuja validade não depende unicamente da sua forma lógica.

Validade dedutiva e validade indutiva

Argumentos dedutivos válidos

São argumentos em que, a partir da verdade das premissas, se infere (deduz) necessariamente a verdade da conclusão. São argumentos em que é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Argumentos cuja conclusão tem de ser verdadeira, admitida a verdade das premissas e havendo uma relação apropriada entre elas.

Exemplo de argumento dedutivo válido:

Todos os dentistas ganham muito dinheiro.

João é dentista.

Logo, João ganha muito dinheiro.

Como se determina a validade deste argumento? Como se avalia se é válido ou inválido?

Raciocinando do seguinte modo: Se a proposição “Todos os dentistas ganham muito

dinheiro” for verdadeira e se supusermos que a proposição “João é dentista” também é

verdadeira, o que dizer da conclusão “João ganha muito dinheiro”? Temos de afirmar que

a conclusão é verdadeira. Quem não o fizer comete uma contradição porque as

premissas implicam que João ganha muito dinheiro. Deriva necessariamente das

premissas? A resposta, neste caso, é obviamente afirmativa, ou seja, o argumento é

válido.

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Exemplo de argumento dedutivo inválido:

Todos os dentistas ganham muito dinheiro.

Deco ganha muito dinheiro.

Logo, Deco é dentista.

Neste caso, raciocinamos do mesmo modo: Se a proposição “Todos os dentistas ganham

muito dinheiro” for tomada por verdadeira e a proposição “Deco ganha muito dinheiro”

também, o que dizer da conclusão “Deco é dentista”? Que não deriva necessariamente

das premissas, isto é, que o argumento não é válido. Com efeito, não se diz nas premissas

que só os desportistas ganham muito dinheiro.

Como avaliar a validade de um argumento dedutivo?

Para avaliar a validade de um argumento dedutivo não importa saber se as premissas

ou a conclusão são de facto verdadeiras. O que importa é saber se, supondo ou

imaginando que as premissas são verdadeiras, a conclusão pode ser considerada (ou

não) uma consequência necessária das premissas.

A verdade factual das premissas e da conclusão não garante a validade de um

argumento. A falsidade das premissas e da conclusão não impede que um argumento

seja válido:

A – Um argumento pode ser

válido tendo premissas e

conclusão falsas.

Ex:

Um mês tem 365 dias.

Um ano tem 31 dias

Logo, um mês é maior do que um

ano

B – Um argumento pode ser inválido

tendo premissas e conclusão

verdadeiras

Ex:

Pavarotti é um cantor

Todos os tenores são cantores

Logo, Pavarotti é italiano

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Forma lógica e validade

Considerem-se estes dois raciocínios:

1 - Todos os queijos são filósofos

Alguns produtos do Zumbo são queijos

Logo, alguns produtos do Zumbo são filósofos

2 – Todos os portugueses são minhotos. Alguns europeus são portugueses Logo, alguns europeus são minhotos

Se olharmos para o conteúdo vemos que estes argumentos tratam de assuntos diferentes.

Mas têm a mesma forma ou estrutura. Para verificar isso basta substituir o sujeito e o

predicado por letra ou símbolos.

Todos os A são B

Alguns C são A

Logo, alguns C são B

Todos os A são B Alguns C são A Logo, alguns C são B

Estes argumentos são válidos e é suficiente inspeccionar a sua forma lógica para o

verificar. Qualquer raciocínio independentemente do seu conteúdo será válido se tiver

esta forma. Esvaziemos o argumento das letras ficando assim:

Todos os … são …

Alguns … são …

Logo, alguns … são …

Seja o que for que se escreva nos espaços vazios terá como resultado um

argumento válido porque a forma é válida:

Todos os homens são casados Todos os A são B

Alguns solteiros são homens Alguns C são A

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Logo, alguns solteiros são casados. Logo, alguns C são B

Independentemente de falarem de filósofos e de queijos, de casados e de

solteiros, de europeus e de portugueses, estes raciocínios são avaliáveis como

válidos ou inválidos devido à forma ou estrutura lógica que apresentam. Os que

apresentámos são válidos. A validade dedutiva é uma questão formal. A validade

de um argumento dedutivo depende unicamente da forma lógica do argumento,

ou seja, da relação correcta que se dá entre as premissas e a conclusão (sejam

estas de facto verdadeiras ou não).

Argumentos indutivos válidos

São argumentos em que, apesar de muito improvável, não é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Um argumento indutivo é válido quando é improvável (ou muito pouco provável) mas não impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Um argumento indutivo válido é aquele em que a verdade das premissas nos dá fortes razões para pensar que a conclusão é verdadeira. Por isso se diz que um bom argumento indutivo é um argumento forte.

Argumento indutivo válido Argumento indutivo inválido

1 - Todas as pessoas que comeram no restaurante Zodíaco ontem à noite ficaram doentes.

Logo, a comida estava estragada

O argumento 1 é válido no sentido em que a premissa nos dá muito fortes razões para crer que a conclusão é verdadeira. Não é impossível que algumas pessoas tenham ficado doentes por terem apanhado um resfriado mas é muito provável que a conclusão seja verdadeira. A verdade da premissa torna fortemente provável a verdade da conclusão.

2 - Até agora nenhuma mulher foi Presidente da República em Portugal

Logo, nenhuma mulher será Presidente da República de Portugal

Do argumento 2 podemos dizer que não é válido porque é fraco. Com efeito, é perfeitamente possível e altamente provável que apesar da verdade da premissa a conclusão seja falsa. Com efeito, noutros países há e já houve mulheres presidentes da república, em Portugal já houve uma candidata ao cargo e o acesso de mulheres a cargos importantes está a generalizar-se tornando provável que num futuro próximo tenhamos uma mulher na presidência da república.

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A IMPORTÂNCIA DA LÓGICA PARA O ESTUDO DA FILOSOFIA

A lógica é indispensável para o exercício da actividade filosófica pelas seguintes razões:

1 – Permite-nos distinguir argumentos de não-argumentos. Só é considerado argumento um conjunto de proposições formado pela conclusão e pelas premissas que visam apoiá-lo.

2 – Permite-nos clarificar argumentos. Clarificar argumentos significa saber identificar a conclusão (a tese ou ideia que se quer provar) e as premissas que pretendem prová-la. Deste modo podemos reconstruir argumento destacando as premissas e a conclusão. Em muitos casos isso implica detectar premissas que estão subentendidas.

3 – A lógica ensina-nos a pensar de forma consequente. O que é pensar de forma consequente? É saber chegar a conclusões apoiadas em boas razões. Dadas certas premissas sabemos que conclusão é logicamente possível retirar delas e que conclusão as premissas não permitem que defendamos. O pensamento consequente é o pensamento rigoroso. Se fico a saber que o meu irmão percorreu 250 km em duas horas penso consequentemente se inferir que o meu irmão circulou a uma média de mais de 100 km por hora. Se reconheço que a vida só faz sentido se formos imortais, da ausência de imortalidade retiro a conclusão de que a vida não faz sentido.

4 – Ensina-nos a avaliar criticamente argumentos, isto é, a verificar se são bons. Para avaliar criticamente um argumento, para mostrar se é ou não é um bom argumento, temos de perguntar duas coisas:

a) A conclusão é apoiada pelas premissas? Há uma relação apropriada entre as premissas

e a conclusão?

No caso de argumentos dedutivos, a questão traduz-se assim: se considerarmos as premissas verdadeiras será que isso garante a verdade da conclusão?

No caso dos argumentos indutivos, a questão traduz-se assim: será que se as premissas forem verdadeiras isso torna provável que a conclusão seja verdadeira?

b) As premissas são verdadeiras ou falsas?

Sabendo que um argumento dedutivo é bom se for válido e tiver premissas verdadeiras basta mostrar ou que tem uma premissa falsa ou que não é válido para o refutar.

Sabendo que um argumento indutivo é bom se for válido (as premissas tornam provável a conclusão) e se tiver premissas verdadeiras basta que algum destes critérios não seja cumprido para que se refute o argumento.

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4 – Como a actividade filosófica consiste essencialmente na discussão de ideias, mediante a lógica tornamo-nos mais capazes de apresentar argumentos a favor de uma ideia ou de contra-argumentar, isto é, de apresentar argumentos que a refutem.

Se a verdade da conclusão depende da verdade das premissas, tentar negar a conclusão ou tese que é defendida por alguém consiste em tentar negar a verdade da ou das premissas.

Vejamos o seguinte argumento:

Todas as pessoas que gostam de ler romances são advogados.

Miguel é advogado

Logo, Miguel gosta de ler romances

Podemos atacar a conclusão, negando a premissa inicial, isto é, mostrando que é falsa: há milhões de pessoas que gostam de ler romances e não são advogados. Podemos também mostrar que o argumento tem forma inválida, ou seja, que a sua conclusão não deriva das premissas, não é logicamente apoiada por estas: ser advogado não implica gostar de ler romances.

Considere-se ainda outro argumento:

Todos os estudantes são cábulas.

Alguns portugueses são estudantes

Logo, alguns portugueses são cábulas

O argumento é logicamente correcto. Não há possibilidade de negar a conclusão se aceitarmos as premissas. Mas será que o argumento é inatacável, será que além de válido é bom? A resposta é não porque a primeira premissa é falsa. E como provamos que é falsa? Negando-a, ou seja, opondo-lhe uma proposição que seja verdadeira. Essa proposição é Alguns estudantes não são cábulas. A negação de uma proposição falsa tem de ser uma proposição verdadeira pois não se nega uma proposição falsa com outra proposição falsa como seria o caso de dizer que Nenhum estudante é cábula.

UNIDADE 2

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A acção e os valores

Capítulo 1 – A acção humana

1. Análise e compreensão do agir. O QUE É UMA ACÇÃO? QUE CARACTERÍSTICAS DEVE TER UMA COISA PARA SER CONSIDERADA UMA ACÇÃO. 1 – Uma acção é um acontecimento. Considera-se que todas as acções são acontecimentos, ou seja, são coisas que acontecem num dado momento e num certo lugar. Assim, ir à praia é um acontecimento porque vamos a uma praia num determinado local e em dado momento – normalmente no Verão, de manhã ou de tarde. Mas nem tudo o que acontece é uma acção, ou seja, se todas as acções são acontecimentos nem todos os acontecimentos são acções. Um furacão é um acontecimento, mas não é uma acção. 2 - Uma acção é algo que envolve um agente. O que distingue a proposição João foi à praia da proposição João sofreu um ataque cardíaco? A primeira proposição fala-nos de algo que alguém fez. A segunda de algo que simplesmente aconteceu a alguém. Uma acção é um acontecimento que envolve um agente (o sujeito de uma acção). 3 – Uma acção é algo que um agente faz acontecer. Uma acção é algo que acontece por iniciativa do sujeito nela envolvido. Ir à praia é algo que João faz acontecer, mesmo que não o deseje (é de má vontade que obedece à ordem do pai para se juntar à família). Sofrer um ataque cardíaco é algo que acontece no organismo do João, mas não resulta de vontade sua. No primeiro caso, não diremos que João foi à praia por vontade do pai. Foi algo que ele fez. Seja qual for o motivo, por gosto ou por obrigação, ir à praia foi algo que ele fez. 4 – Uma acção é um acontecimento intencional (nem tudo o que fazemos é uma acção). Imaginemos que, inadvertidamente, escorrego numa casca de banana e acabo por entornar uma garrafa de Coca-Cola em cima do livro de um colega que estudava comigo no bar da escola. Sujar o livro do colega foi algo que eu fiz. Mas será isto uma acção? Não, porque não tive intenção de sujar o livro do meu colega, não o fiz de propósito. Estamos perante algo que eu fiz sem querer e assim sendo o livro foi estragado pelo que me aconteceu e não propriamente por mim. Definição de acção – Uma acção é um acontecimento desencadeado pela vontade e intenção de um agente. Não é um simples acontecimento, não é simplesmente

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algo que um agente faz, é algo que um agente faz acontecer intencional ou propositadamente.

Um exemplo de acção

Vou à farmácia comprar uma embalagem de aspirinas porque me dói bastante a cabeça. A dor de cabeça é algo que me acontece, mas ir à farmácia comprar o medicamento é algo que eu faço acontecer porque quero tratar a dor de cabeça. Vou à farmácia com esse propósito e por esse motivo.

A rede conceptual da acção

Que conceitos são necessários para caracterizar uma acção?

1 – Deliberação 2 – Decisão

3 – Intenção 4 – Motivo

ACÇÃO

Ir à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor de cabeça.

1 – Deliberação Antecede habitualmente a decisão e consiste em ponderar diferentes

possibilidades de acção Ex: Devo ir à farmácia ou não? Será que não há alguém que possa ir por mim? A

aspirina não irá fazer-me mal ao estômago? Se calhar isto passa sem tomar medicamentos, dormindo um pouco.

2 – Decisão

Momento em que se escolhe uma das alternativas ou possibilidades de acção, preferindo uma delas.

EX: Vou à farmácia. Esta dor de cabeça tem de ser tratada com medicamento e não vou poder dormir.

3 – Intenção

Trata-se do que pretendo com a acção. Neste caso a intenção é tratar uma dor de cabeça.

Quando perguntamos "0 que quer fazer aquele que age?", referimo-nos à intenção, ao que o agente pretende ser ou fazer.

4 – O motivo

O porquê ou a razão de ser da acção. "Por que razão quero ir à farmácia comprar um medicamento para tratar uma dor

de cabeça?» A resposta apresentar-nos-á o motivo dessa decisão, tomando-a

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compreensível. O motivo pode ser acabar com o desconforto físico e poder trabalhar em melhores condições.

As condicionantes da acção

Entende-se por condicionantes da acção: 1- Os limites que factores internos e externos impõe à nossa acção. 2 – As possibilidades que factores externos e internos conferem às nossas acções.

Condicionantes físicas, biológicas e psíquicas

A nossa constituição genética impõe-nos limites: não podemos voar como algumas aves, não podemos viver dentro de água como os peixes e se nascermos com mãos pequenas e baixa estatura é quase impossível ser jogador da NBA. Mas

somos dotados de inteligência e criatividade que nos permitem voar de avião, passar bastante tempo debaixo de água.

Somos seres com um programa genético aberto e flexível (1)

Programa genético aberto – Programa constituído por um conjunto de genes que

não determinam de forma absolutamente rígida características e comportamentos.

Programa genético fechado – Programa constituído por um conjunto de instruções genéticas que controlam de forma muito rígida quase todos os aspectos do

comportamento de um ser, deixando pouco espaço para que as relações com o meio exerçam a sua influência.

Somos seres com um programa genético aberto e flexível (2)

Imagine que a maioria dos nossos comportamentos é biologicamente herdada, como se fôssemos abelhas. Quanto mais comportamentos herdamos por via biológica menos comportamentos podemos aprender. Sabemos que as abelhas apresentam comportamentos muito complexos mas são os únicos que podem realizar porque quase toda a sua conduta está determinada geneticamente. O ser humano não está submetido ao determinismo biológico.

Somos seres com um programa genético aberto e flexível (3)

Dependemos mais do que fazemos com o que nos é dado do que do que nos é dado. A relativa indeterminação biológica, o facto de os nossos comportamentos não serem rigidamente controlados pela nossa herança genética, abre ao ser

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humano a possibilidade de auto-determinação, e torna-o essencialmente uma criatura social e cultural. Inacabados e desprotegidos pela natureza, cabe aos seres humanos completar o seu projecto por si próprios, usando a razão e a reflexão, que só eles têm.

Somos seres com um programa genético aberto e flexível (4)

No ser humano a adaptação cultural prevaleceu ao longo da história sobre a adaptação biológica. Graças à cultura o homem pode adaptar-se modificando o seu próprio meio e não simplesmente ajustando-se a ele. Quando graças à cultura o ser humano modifica o seu meio de modo a torná-lo mais favorável no que respeita à satisfação das suas necessidades ou à sua sobrevivência, diz-se que a cultura tem uma função adaptativa. Trata-se de uma adaptação criativa e inventiva. Enquanto, por exemplo, as outras espécies animais adaptam o seu corpo ao alimento que podem consumir, o ser humano adaptou o alimento ao seu corpo e assim se tornou omnívoro.

Somos seres com um programa genético aberto e flexível (5)

Não nos adaptamos a um determinado meio como uma chave se adapta a uma fechadura. Transformamos o meio mediante a nossa imaginação e as nossas capacidades de raciocínio e de reflexão. Somos «programados para aprender». Temos, em comparação com os outros animais, a possibilidade de agir segundo normas e padrões de comportamento aprendidos, de modificar as aprendizagens efectuadas. Assim, há em nós um reduzido conjunto de comportamentos de base instintiva e estereotipada.

As condicionantes psicológicas

As nossas acções também dependem das nossas características psicológicas. Se decido deixar de fumar, a realização dessa decisão – a acção de deixar de fumar – vai depender em parte da minha força de vontade, da capacidade de persistência e do grau de motivação.

As condicionantes sócio-culturais

Para aprender e desenvolver a capacidade de adaptação não basta um programa genético aberto nem um cérebro complexo. Isso é necessário mas não suficiente. É necessário um meio que ensine e permita aprender. Esse meio são as outras pessoas. Estas actuam sobre cada indivíduo desde que nasce – e mesmo antes. Através delas e do que transmitem e ensinam, o indivíduo biologicamente muito

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indeterminado quanto à sua conduta, aprenderá a comportar-se de acordo com o que o grupo social exige.

As condicionantes sócio-culturais

A SOCIALIZAÇÃO (1)

É um constante processo de aprendizagem que nos torna relativamente sociáveis, nos integra num meio sócio-cultural e nos faz pertencer a vários grupos. Vários agentes sociais (família, escola, grupos de pares, meios de comunicação social e outras instituições) participam nesse longo processo de aprendizagem e de adaptação. Aprendemos a ser humanos, a viver em sociedade, a interiorizar atitudes, comportamentos, valores e normas, em suma, os elementos culturais do ambiente social em que crescemos e somos educados.

As condicionantes sócio-culturais

A SOCIALIZAÇÃO (2)

Mediante esse processo, aprendemos a ler, a escrever, a falar, a distinguir alimentos comestíveis de não-comestíveis e a consumi-los de certas formas. Criamos laços afectivos. Adquirimos conhecimentos sobre o mundo e sobre o que é moralmente certo e errado. Aprendemos uma profissão. Tomamos consciência de que as regras e leis a que temos de obedecer impõem limites aos nossos impulsos mas também nos protegem dos impulsos dos outros. Compreendemos que sem um certo grau de obediência e de conformismo é necessário para uma vida social minimamente estável, que não é desejável que tudo o que é possível seja por isso mesmo permitido.

As condicionantes sócio-culturais

A SOCIALIZAÇÃO (3)

Os outros exercem uma poderosa influência sobre nós tanto mais que chegamos ao mundo completamente dependentes e sem competências para vivermos por nós mesmos. Mas será que somos o que os outros fazem de nós? Será que pessoas educadas e criadas no mesmo meio são necessariamente iguais?

As condicionantes sócio-culturais

A SOCIALIZAÇÃO (4)

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Socializar não é «programar socialmente» um indivíduo, como se fôssemos totalmente determinados pelo que nos transmitem. Também somos agentes da nossa própria socialização, ou seja, indivíduos socialmente activos. Não nos limitamos a guardar o que nos é transmitido. Reagimos, protestamos, propomos mudanças, inovamos.

As condicionantes sócio-culturais

A SOCIALIZAÇÃO (5)

Cada um de nós é ao mesmo tempo natureza, sociedade e cultura. Somos o que nos deram (o que herdamos por via genética), somos o que fizeram de nós (mediante a transmissão social) e somos o que fizemos e fazemos de nós (mediante as nossas experiências e o modo como reagimos à influência dos outros). Investigadores estudaram uma família composta por duas raparigas, um rapaz e respectivos pais. A mãe sofria de esquizofrenia paranóide, estando convencida de que um dos membros da família procurava envenená-la. Só fazia as refeições em restaurantes. Uma das filhas desenvolveu temores semelhantes recusando-se a comer a não ser em restaurantes. A outra rapariga somente comia em casa se o pai estivesse presente. Licenciou-se e levou uma vida normal. O rapaz não padeceu destes temores familiares. Desde a idade dos sete anos sempre fez as refeições em casa não mostrando quaisquer sinais de ansiedade. Licenciou-se e seguiu uma carreira profissional bem sucedida. Pessoas que crescem em meios semelhantes desenvolvem-se de modo diferente.

Somos seres condicionados por factores biológicos, psicológicos e

sócio - culturais

Não somos simplesmente o que herdámos. Não somos simplesmente o que nos ensinaram. Não somos unicamente o resultado das nossas experiências pessoais. Somos a resposta, positiva ou negativa, a todos esses factores. Seja qual for o instrumento e seja quem for que o dê (a genética ou a transmissão cultural) a música depende normalmente do intérprete. Para certas pessoas a vida é um problema. Para outras a vida é resolver problemas, viver conflitos e ultrapassá- los.

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Capítulo 1 – A acção humana

2. Determinismo e liberdade na acção humana.

Somos livres ou o livre-arbítrio é uma ilusão?

Formulação do problema 1 – Se todas as nossas acções são determinadas – efeito necessário de causas anteriores – não somos livres. Se não somos livres não podemos ser responsabilizados pelo que fazemos, não podemos ser elogiados nem culpabilizados. 2 – Se todas as nossas acções são indeterminadas - se não têm uma causa, se são obra do acaso – então não são nossas e não podemos também ser por elas responsabilizados.

Somos livres ou o livre-arbítrio é uma ilusão?

Três respostas

Determinismo radical Determinismo moderado Libertismo

Não somos livres – não há livre-arbítrio – porque todas as nossas acções são o desfecho necessário de causas anteriores.

Somos livres porque as nossas acções podem ao mesmo tempo ser livres e determinadas, porque a liberdade e o determinismo são compatíveis.

Somos livres porque nem todas as nossas acções são o efeito necessário de causas anteriores.

O ARGUMENTO DO DETERMINISMO RADICAL

1 – Se tudo tem uma causa, então não há acções livres. 2 – É verdade que tudo tem uma causa. 3 – Logo, não há acções livres. 4 – Se não há acções livres, não podemos ser responsabilizados pelas nossas acções. 5 – Logo, não podemos ser responsabilizados pelas nossas acções.

Explicitação

Podemos resumir o determinismo universal atribuindo-lhe três características: a) Crença no determinismo universal, b) Negação do livre-arbítrio

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c) Negação da ideia de responsabilidade moral. Crença no determinismo universal

Para o determinista radical a crença no determinismo significa acreditar que todo e qualquer acontecimento é o desfecho necessário de acontecimentos anteriores.

Negação do livre - arbítrio

A crença no livre - arbítrio é a crença de que há acontecimentos (acções humanas) que não são o simples desfecho de acontecimentos anteriores, isto é, dependem da nossa vontade. O determinismo radical considera falsa esta crença. 1 – Todos os acontecimentos, sem excepção, são causalmente determinados por acontecimentos anteriores. 2 – As escolhas e acções humanas são acontecimentos.

3 - Logo, todas as escolhas e acções humanas são causalmente determinadas por acontecimentos anteriores.

A queda de uma peça de dominó determina a queda da outra, dando origem a uma cadeia causal que só termina com a queda da última peça. As acções dos seres humanos também estão sujeitas a cadeias causais determinadas. Julgamos que as nossas acções derivam da nossa vontade mas iludimo-nos. Se a certa temperatura e sem qualquer interferência, o único comportamento possível para a água que está no copo é congelar, o mesmo se pode dizer de uma dada acção humana. O ser humano faz exactamente aquilo que tinha de fazer e não poderia fazer outra coisa; a determinação de seus actos não depende da sua vontade mas de certas causas, externas e internas. As acções humanas não constituem uma excepção à necessidade causal que governa todos os acontecimentos. Pode objectar que as acções humanas resultam de estados mentais e de factores psicológicos como crenças, desejos, motivos, intenções, valores e personalidade que nos fazem pensar que ao contrário da água no copo não somos determinados por forças externas. É muito diferente a acção de preferir um sumo a um café, a universidade x à universidade y e o congelamento da água em virtude de factores externos. Mas o determinista radical perguntaria pela origem da sua personalidade. Decidiu ter a personalidade que tem? E a que se devem os valores morais que tem? Reage dizendo que os escolheu. Mas mesmo que os tenha escolhido, o que te fez escolher estes e não outros? A nossa constituição psicológica tem uma origem e termos certos valores, desejos e crenças é algo que precisa de explicação tanto quanto o facto de sermos altos, baixos ou magros, diabéticos ou saudáveis. Grande parte das nossas acções têm uma origem interna – não são o resultado de forças externas - mas isso não faz com o que o determinista radical mude de ideias. As nossas escolhas são o resultado da influência de factores biológicos - genéticos e fisiológicos – e ambientais - as circunstâncias em que fomos socializados e educados. Assim, se um estado psicológico causa uma certa acção numa dada situação, esse estado mental é, por sua vez, o produto de múltiplas causas

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anteriores. Negação da ideia de responsabilidade moral.

A atribuição da responsabilidade de um acto a um agente supõe que este aja livremente, ou seja, que tendo agido de certa maneira pudesse ter agido de outro modo. Como a crença no livre arbítrio é falsa, então não somos responsáveis pelas nossas acções. Antes dos nossos actos há uma longa cadeia de acontecimentos que escapam ao nosso controlo: quer o cobarde quer o assassino, quer o intrépido alpinista estavam «programados» pelos genes e pelo ambiente em que cresceram para agir cobardemente, cruelmente e corajosamente. São agentes que não podiam escolher agir de modo diferente do modo como agiram. Responsabilizá-los pelo que fizeram não faz nesta perspectiva qualquer sentido.

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O ARGUMENTO DO DETERMINISMO MODERADO

1 – Todas as acções humanas têm uma causa.

2- Essas causas ou são externas ou internas.

3– Agimos livremente quando não somos compelidos ou coagidos por forças externas ou internas que nos dominam (As acções livres são acções causadas pelas nossas crenças e desejos ou por outros estados internos).

4 – Somos causalmente determinados e também livres e responsáveis pelo que fazemos.

5 – Assim, o determinismo causal é compatível com a liberdade e a responsabilidade.

Explicitação

Para o determinista moderado uma acção é livre se:

a) Não for causada por compulsão externa, por coerção ou constrangimento externo, como por exemplo quando sou forçado a fazer algo por alguém que me aponta uma pistola à cabeça. (faço o que quero e não o que outros querem).

b) Não for causada por compulsão interna como o caso de adormecer contra a minha vontade quando estou a conduzir.

A ausência de compulsão, e não a ausência de causa, é a marca de um acto livre. Todos os actos são causados, mas apenas alguns são compelidos (não livres).

O que distingue acções livres de acções não - livres é a natureza das causas que estão na sua origem: as acções livres têm causas internas ou psicológicas (desejos, crenças) que não me compelem ou forçam, ao passo que as acções não - livres têm causas externas. Vemos aqui a diferença entre o determinista moderado e o radical. Este considera que uma acção livre seria uma acção sem qualquer causa, o que ele nega por não ser cientificamente credível ou respeitável. O determinista moderado concebe a liberdade de outro modo: livre é a acção que tem como causa os desejos e crenças de um indivíduo, isto é, uma acção cuja causa não são forças externas ao agente nem forças que internamente o constranjam. Assim se alguém, apontando-me uma pistola à cabeça me força a assaltar a casa do meu vizinho, a causa imediata da acção é externa. A acção é realizada por mim mas a sua origem não está em mim. Trata-se de uma acção compelida, contrária aos meus desejos (não quero assaltar a casa do vizinho) e às minhas crenças (considero errado ou perigoso roubar). No caso da jovem que visitou um enfermo em vez de ir a um agradável concerto, o determinista moderado diria que a sua acção foi livre porque se baseou nas suas crenças (é preferível ajudar alguém a divertir-me, esse é o meu dever) e na sua

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O ARGUMENTO DO LIBERTISMO

1 – Nem todos os acontecimentos estão submetidos ao mesmo tipo de causalidade. 2 – A causalidade natural rege o mundo físico. 3 – Os agentes humanos são causas de acções que produzem efeitos no mundo. 4 – A causalidade livre é própria de algumas acções dos seres humanos. 5 – Essas acções não são o desfecho inevitável de acções anteriores. 6 – Se há acções livres, os agentes humanos são responsabilizáveis por elas. 7 – Assim sendo, o determinismo é falso e a crença na liberdade e na responsabilidade é verdadeira.

EXPLICITAÇÃO

Segundo os libertistas, o determinismo é falso (o que significa que algumas acções são livres, não são causalmente determinadas) e o indeterminismo também. Isto significa que nem todas as acções são o desfecho necessário de causas anteriores (negação do determinismo) ou o resultado do acaso. O que há de comum entre acções causalmente determinadas e acções aleatórias, resultantes do acaso? Em ambos os casos as acções não dependem da nossa vontade. Não fazemos o que queremos fazer (não somos livres) porque não controlamos os acontecimentos. Para o determinista radical a liberdade era sinónimo de acontecimento sem causa (possibilidade que ele rejeitava). Os libertistas alteram o significado e a amplitude do conceito de causa. Para eles não há um só tipo de causas a produzirem efeitos no mundo. Uma coisa é falar da causa dos eclipses do Sol e da Lua, da queda dos corpos ou dos tsunamis. Outra bem diferente é falar das causas de acções realizadas por nós. Em termos mais técnicos, uma coisa é a causalidade dos acontecimentos, outra a causalidade da vontade dos agentes. A causalidade dos acontecimentos significa que um acontecimento ou fenómeno natural ocorre antes de outro e causa necessariamente o acontecimento seguinte. A causalidade dos agentes ocorre quando algo resulta da vontade de um agente. Assim, é diferente o vidro de uma janela ser partido por uma pedrada do Manuel e ser quebrado por uma forte rajada de vento. Nem todos os acontecimentos do universo são o efeito do tipo de causas estudadas pelos físicos e biólogos. Os seres humanos são seres com um estatuto diferente e nem todas as suas acções seguem as leis que regem o comportamento de plantas, minerais e outros animais. Não escolho livremente ter asma, tensão arterial elevada, ou cumprir a lei da gravidade. Contudo, escolho livremente se caso ou não, se leio um livro ou uma revista. Embora essas decisões possam ser influenciadas por vários factores, não são causalmente determinadas por condições anteriores (estados psicológicos anteriores ou factores externos).

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SÍNTESE

Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre-arbítrio?

Determinismo radical

Crença no determinismo

Crença no livre - arbítrio

Crença na responsabilidade moral

Verdadeira.

1.Todos os acontecimentos, sem excepção, são causalmente determinados por acontecimentos anteriores

2.As escolhas e acções humanas são acontecimentos.

3.Logo,todas as escolhas e acções humanas são causalmente determinadas por acontecimentos anteriores.

Falsa

Se todas as acções são o desfecho inevitável de causas anteriores, não há acções livres.

Falsa

Se não há acções livres não podemos ser responsabilizados pelo que fazemos

O determinismo radical é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença no determinismo

Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre – arbítrio?

Libertismo

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Crença no

determinismo

Crença no livre - arbítrio

Crença na responsabilidade moral

Falsa

1.Nem todos os acontecimentos, são causalmente determinados por acontecimentos anteriores

2- As acções humanas são acontecimentos.

3.Logo,há acções humanas desligadas do encadeamento causal e que dão origem a uma nova série de acontecimentos.

Verdadeira

Se nem todos os acontecimentos são o desfecho inevitável de causas anteriores, então há acções livres.

Verdadeira

Se há acções livres então podemos ser responsabilizados pelo que fazemos

O Libertismo é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença no livre-arbítrio.

Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre- arbítrio?

Determinismo moderado

Crença no determinismo

Crença no livre - arbítrio

Crença na responsabilidade moral

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Verdadeira.

1.Todos os acontecimentos, sem excepção, são causalmente determinados por acontecimentos anteriores

2- As escolhas e acções humanas são acontecimentos.

3.Logo,todas as escolhas e acções humanas são causalmente determinadas por acontecimentos anteriores.

Verdadeira

1. Todas as acções são determinadas por causas anteriores.

2. As acções cujas causas são forças externas ao sujeito que age são acções compelidas ou constrangidas.

3. Há acções cujas causas são estados internos do sujeito (crenças e desejos).

4. Acções que não derivam da força de factores externos são acções livres.

5. Há acções unicamente causadas por desejos, motivos, crenças ou outros estados internos do sujeito que age.

6.Logo, há acções livres

Verdadeira

Se há acções livres podemos ser responsabilizados pelo que fazemos.

O determinismo moderado é a teoria que reconhece como verdadeiras as crenças no determinismo e no livre-arbítrio.

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Síntese final

Determinismo

Radical Libertismo

Determinismo Moderado

Todos os acontecimentos são determinados por causas anteriores

Aceita Rejeita Aceita

Não há acções livres

Aceita Rejeita Rejeita

Ninguém é responsável pelas suas acções

Aceita Rejeita Rejeita

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UNIDADE 2

Capítulo 1 – Análise e compreensão da experiência

valorativa

1. Valores e valoração - a questão dos critérios valorativos

O que são os valores?

Os valores são os critérios das nossas preferências (são os motivos fundamentais das nossas decisões). Ao tomarmos decisões agimos segundo valores que constituem o fundamento, a razão de ser ou o porquê (critério) de tais decisões. A atitude valorativa é uma constante da nossa existência: em nome da amizade, preferimos controlar e orientar noutra direcção uma atracção física pela namorada ou mulher do nosso amigo; em nome do amor, preferimos desafiar as convenções sociais em vez de perder a oportunidade de sermos felizes; por uma questão de saúde preferimos o exercício físico, a dieta e o fim do consumo de tabaco aos hábitos prejudiciais até então seguidos; em nome da liberdade, preferimos combater, lutar e correr riscos a aceitar um estado de coisas que, apesar de tudo, satisfaz os interesses económicos da família a que pertencemos; por solidariedade, preferimos auxiliar os famintos e os doentes na Somália e em Moçambique a permanecer em Lisboa dando consultas; por paixão pela música decidimos interromper um curso que não corresponde à nossa vocação profunda; em nome de Deus, renunciamos a certas "ligações terrenas", etc.

ACÇÕES VALORES EM QUE SE BASEIAM

1 – Parar quando o semáforo está vermelho. 2 – Consultar regularmente o

Civismo Saúde

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médico. 3 – Cumprir o que se prometeu. 4 – Participar numa manifestação contra a repressão em Timor. 5 – Assumir e cumprir as obrigações inerentes a determinada função. 6 – Defender as suas convicções de forma racional em ambiente hostil e opressivo.

7 – Vestir "roupas de marca" combinando bem as cores.

Honradez Solidariedade Responsabilidade Coragem

Elegância

Os valores são diversos e hierarquizados (uns são considerados mais valiosos do que outros)

Toda e qualquer pessoa dá mais importância a determinados valores em relação a outros, estabelecendo-se assim uma espécie de hierarquia de valores. Os valores a que cada pessoa confere mais importância vão reflectir-se nas suas acções e decisões, vão de certa forma organizar e orientar toda a sua conduta futura. Os valores podem, por sua vez, ser agrupados em vários tipos. Assim, e destacando apenas os principais tipos, podemos falar em valores religiosos, estéticos, éticos (sendo provavelmente estes três domínios aqueles que enquadram os valores mais importantes), políticos, teoréticos (da ordem do conhecimento), sensíveis (da ordem do prazer e satisfação), vitais e económicos.

Diversos valores podem inspirar uma mesma acção

Acção: Visitar Roma

A acção pode ser orientada por: 1 - Valores religiosos (ir a Roma para receber a bênção do papa) 2 - Valores estéticos e artísticos (ir a Roma para ver os seus belos monumentos e obras de arte) 3 – Valores morais (ir a Roma com os pais como prova de gratidão pelo que estes fizeram por mim até ao momento) 4 – Valores económicos (ir a Roma porque é um local apropriado para fechar um negócio).

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5 – Valores sensoriais (ir a Roma porque se gosta da diversão nocturna da cidade e da sua gastronomia)

A RELAÇÃO ENTRE VALORES E ACÇÃO Os valores são ideias que influenciam as nossas decisões e acções, as nossas escolhas e preferências. À razão que justifica a decisão de agirmos de um modo e não de outro damos o nome de motivo. Quando justificamos as nossas acções e decisões – quando indicamos o porquê ou a razão de ser – estamos sempre a referir-nos a valores. Agimos sempre segundo valores que constituem o fundamento, a razão de ser ou o porquê (critério) das nossas acções.

VALORES INTRÍNSECOS E VALORES INSTRUMENTAIS

Uma coisa, acção ou objecto tem valor instrumental quando vale como meio para atingir certo fim. Tem valor intrínseco se e só se for valiosa em si mesma. O dinheiro tem claramente valor instrumental ou extrínseco. Considera-se que um ser humano, por ser uma pessoa e ter dignidade, é um fim em si, tem valor intrínseco independentemente do seu estatuto económico, da nacionalidade, etnia e género.

Juízos de facto

Juízos de valor

Descrevem a realidade ou informam-nos acerca de fatos, coisas, acontecimentos ou acções.

Durante a Segunda Guerra Mundial seis milhões de judeus morreram nos campos de concentração nazistas.

Avaliam determinados acontecimentos, coisas e acções.

A morte de seis milhões de judeus nas mãos dos nazistas foi um acto criminoso e horrendo.

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O juízo de fato é verdadeiro ou falso, isto é, refere-se aos fatos podendo ser negado ou confirmado pela experiência

Não se tem a certeza sobre o número de judeus que morreram nos campos de concentração nazis. Só se sabe que o número de vítimas mortais foi elevado.

O juízo de valor refere-se, de forma explícita ou implícita, a valores ou princípios fundamentais nos quais nos baseamos para produzir uma avaliação

A morte de seis milhões de judeus foi um ato criminoso porque (justificação do juízo) o respeito pela vida e digni-dade do homem é valioso.

Os juízos de fato são descritivos ou informativos: não prescrevem ou proíbem o que deve ou não fazer-se.

Os juízos de valor são normativos ou prescritivos.

Ao julgar-se que a morte de seis milhões de judeus foi um ato criminoso dos nazistas, considera-se que esse ato não devia ter sido cometido. O respeito pelo valor da vida e da dignidade humanas traduz-se na norma: "Não matarás", que, neste caso, foi infringida.

Capítulo 1 – Análise e compreensão da experiência

valorativa

2. Valores e cultura - a diversidade e o diálogo de culturas

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QUESTÃO CENTRAL

OS JUÍZOS DE VALOR TÊM VALOR DE VERDADE (PODEMOS DIZER QUE SÃO VERDADEIROS OU FALSOS)?

Outras formas de apresentar o problema:

1. Há juízos morais universalmente válidos ou objectivos?

2. Há verdades morais objectivas?

3. Há princípios e normas morais que, seja onde for, é errado não respeitar?

Para respondermos a esta questão, vamos apenas debruçar-nos sobre os

juízos de valor com conteúdo moral, por serem aqueles que aplicamos com

maior regularidade no nosso dia-a-dia.

Várias respostas ao problema

1.O Relativismo Moral Cultural (RMC)

2.O Subjectivismo Moral (SM) 3.A Teoria dos Mandamentos Divinos (TMD) 4.O Universalismo Moderado

O RELATIVISMO MORAL CULTURAL: Há verdades morais mas não são objectivas.

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«Matar é errado», «Roubar é incorrecto» e «Mentir é imoral». Será que estes juízos são verdadeiros? Será que são objectivos e universais? «Há verdade e falsidade em assuntos morais?», «Faz sentido dizer que uma crença moral é correcta e que outra é errada?»

O relativismo moral afirma que aqueles juízos são verdadeiros mas não em todo o lado e para todas as pessoas. A verdade dos juízos morais é relativa ao que cada sociedade aprova. Moralmente verdadeiro é o que cada sociedade - ou a maioria dos seus membros - acredita ser verdadeiro. Moralmente verdadeiro é igual a socialmente aprovado e moralmente errado é igual a socialmente desaprovado. Um juízo moral é falso quando os membros – a maioria – de uma sociedade o consideram falso e verdadeiro quando o consideram verdadeiro. Assim, afirmar que «Matar é errado» significa dizer «A sociedade X considera que matar é moralmente incorrecto». Afirmar que «Matar é moralmente correcto» significa dizer «A sociedade X considera que matar é moralmente correcto».

As convicções da maioria dos membros de uma sociedade são a autoridade suprema em questões morais. O relativismo cultural acerca de assuntos morais afirma que o código moral de cada indivíduo se deve subordinar ao código moral da sociedade em que vive e foi educado. Os juízos morais de cada indivíduo são verdadeiros se estiverem em conformidade com o que a sociedade a que pertence considera verdadeiro.

ARGUMENTO CENTRAL DO RELATIVISMO MORAL CULTURAL

Premissa 1 – O que é considerado moramente correcto ou incorrecto varia de sociedade para sociedade. (Diversas culturas dão diferentes respostas às mesmas questões morais). Premissa 2 – O que é moralmente correcto ou incorrecto depende do que cada sociedade acredita ser moralmente correcto ou incorrecto. Conclusão – Logo, não há nenhuma resposta objectivamente verdadeira a essas questões (não há verdades morais universais)

OBJECÇÃO Resumindo o argumento:

Premissa – Diversas culturas dão diferentes respostas às mesmas questões

morais.

Conclusão – Logo, não há nenhuma resposta objectivamente verdadeira a

essas questões (não há verdades morais universais)

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Contra-argumento

Premissa – Diversas culturas discordaram quanto à forma da Terra (umas

pensaram que era esférica, outras plana, outras esférica mas um pouco

achatada)

Conclusão – Não há nenhuma verdade objectiva acerca da forma da terra.

A premissa é verdadeira mas a conclusão é falsa (sabemos que a Terra é redonda). Como de premissa verdadeira não pode logicamente derivar conclusão falsa este argumento não é válido. Como o argumento do R.M.C. ´

tem a mesma forma deste, temos de concluir que não é válido.

OUTRAS OBJECÇÕES AO R.M.C.

1 - Há uma diferença significativa entre o que uma sociedade acredita ser moralmente correcto e algo ser moralmente correcto.

O relativismo moral cultural transforma a diversidade de opiniões e de crenças morais em ausência de verdades objectivas. Mas isso pode ser sinal de que há pessoas e sociedades que estão erradas e não de que ninguém está errado. Se duas sociedades têm diferentes crenças acerca de uma questão moral, o relativista conclui que então ambas as crenças são verdadeiras. Os adversários do RMC objectam que a conclusão não deriva necessariamente da premissa porque essa discórdia pode ser sinal de que uma sociedade está certa e a outra está errada.

2. O RMC reduz a verdade ao que a maioria julga ser verdadeiro.

Desde quando o que maioria pensa é verdadeiro e moralmente aceitável? Os nazis acreditavam e fizeram com que a maioria dos alemães acreditassem que os judeus eram subhumanos e que exterminá-los era um favor que faziam à humanidade. Isso é claramente falso.

3. O RMC parece convidar-nos ao conformismo moral, a seguir, em nome da coesão social, as crenças dominantes.

Algumas pessoas ao longo da história quiseram e conseguiram mudar a nossa maneira de pensar acerca de certos problemas morais. Estou a lembrar-me de quem combateu a escravatura em nome dos ensinamentos de Cristo – embora os defensores da escravatura dissessem que a Bíblia justificava o que faziam – de quem lutou contra o apartheid na África do Sul( Nelson Mandela) e contra a segregação racial nos EUA ( Martin Luther

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King).Essas pessoas fizeram bem à humanidade, combateram injustiças e devemos-lhes grande progresso moral. Ora, o RMC parece implicar que a acção dos reformadores morais é sempre incorrecta.

4.O relativismo moral torna incompreensível o progresso moral

É verdade ou pelo menos parece que não há acordo entre os seres humanos sobre muitas questões morais. Mas também é verdade que a humanidade tem realizado progressos no plano moral. A abolição da escravatura, o reconhecimento dos direitos das mulheres, a condenação e a luta contra a discriminação racial são exemplos. Falar de progresso moral parece implicar que haja um padrão objectivo com o qual confrontamos as nossas acções. Se esse padrão objectivo não existir não temos fundamento para dizer que em termos morais estamos melhor agora do que antes. No passado, muitas sociedades praticaram a escravatura mas actualmente quase nenhuma a considera moralmente admissível. Muitos de nós e com razão consideramos esta mudança de comportamento e de atitude um sinal de progresso moral. Mas se para o RMC nenhuma sociedade esteve ou está errada nas suas crenças e práticas morais torna-se difícil compreender a ideia de progresso moral. Tudo o que o R.M.C. nos permitiria dizer é que houve tempos em que a escravatura era moralmente aceitável e que agora ela é já não é aceite.

O SUBJECTIVISMO MORAL: a cada um a sua verdade em assuntos morais

Subjectivismo moral - Forma de relativismo segundo a qual cada indivíduo responde às questões morais baseado no seu código moral pessoal e não

pode estar errado se os seus juízos corresponderem aos seus sentimentos. Os nossos juízos morais baseiam-se nos nossos sentimentos e como os

sentimentos são subjectivos nenhum juízo moral é objectivamente certo ou errado. É também denominado relativismo individual.

João

«É moralmente errado matar animais para os comermos além de

desnecessário»

Miguel

«É moralmente correcto matar animais para os comermos»

Quem tem razão?

Segundo o subjectivismo ambos os juízos morais são verdadeiros porque cada um está em conformidade com os princípios em que cada um dos indivíduos acredita. Uma vez que João aceita o princípio de que matar

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animais para os comer não é incorrecto, o seu juízo é verdadeiro para ele. Como Miguel tem como princípio moral pessoal que é errado matar animais para esse fim, o seu juízo também é verdadeiro. Para o subjectivismo moral não tem sentido perguntar quem está errado acerca da correcção ou incorrecção moral de matar animais para os comer.

A verdade em assuntos morais é uma questão de opinião pessoal

A cada qual a sua opinião de acordo com aquilo em que acredita e em nenhum caso o juízo moral de uma pessoa é mais correcto ou razoável do que o de outra. O subjectivismo ético, a que podemos chamar relativismo individual, afirma que todas as opiniões acerca de assuntos morais e estilos de vida devem ser consideradas igualmente boas. A tolerância parece ser um elemento central do subjectivismo moral. Rejeita a subordinação do indivíduo ao modo de pensar da maioria da sociedade e não acredita em verdades morais absolutas e objectivas. Ninguém pode dar lições de moral a ninguém. A cada qual a sua verdade e assim deve ser.

OBJECÇÕES AO SUBJECTIVISMO MORAL

1. O subjectivismo moral torna inviável a discussão de questões morais. O subjectivismo moral parece sugerir que não podemos dizer que as opiniões e juízos morais dos outros estão errados. Se as verdades morais dependem dos sentimentos de aprovação ou de desaprovação de cada indivíduo basta que os nossos juízos morais estejam de acordo com os nossos sentimentos para serem verdadeiros. Um genuíno debate moral em que cada interlocutor tente convencer o outro das suas razões acerca de algo em que acredita perde qualquer sentido. Para o subjectivista será mesmo sinal de intolerância.

2. O subjectivismo ético acredita que não há juízos morais objectivos porque os assuntos morais são objecto de discórdia generalizada mas isso não prova que não haja uma resposta correcta ou verdades objectivas.

Será que o facto de as pessoas discordarem acerca da existência de Deus prova que não há uma resposta à questão Será que Deus existe? Durante muito tempo as pessoas pensaram que as doenças eram causadas por demónios. Sabemos hoje em dia que na maioria dos casos são causadas por microrganismos tais como bactérias e vírus.

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A TEORIA DOS MANDAMENTOS DIVINOS: Se Deus não existisse nada seria moralmente certo ou errado.

Roubar é errado.

O que torna este juízo moral verdadeiro? O facto de Deus ter determinado que roubar é errado. Moralmente correcto significa decidido e aprovado por Deus, o criador das leis morais. Moralmente errado significa que não foi querido nem é aprovado por Deus.

A verdade moral depende da vontade de Deus e não da vontade dos seres humanos

Para a Teoria dos Mandamentos Divinos, há também juízos morais verdadeiros mas esta verdade não depende do que o indivíduo ou as culturas julgam ser moralmente certo ou errado. A TMD opõe-se às duas teorias anteriores (O RMC e o SM) porque nenhuma delas permite falar de objectividade e universalidade dos juízos morais tais como Roubar é errado e Matar é incorrecto. Há normas morais absolutas ou que devem ser sempre respeitadas

Como a vontade de Deus é absoluta as normas morais que ela institui são absolutas, isto é, valem para qualquer ser humano em qualquer época e em qualquer lugar, não admitem excepções. Por outras palavras, se Deus existe há um código moral absoluto - as leis ou mandamentos de Deus - que constitui o critério fundamental que nos permite avaliar as diversas crenças e práticas humanas. Assim, a prática da tribo Kwakiutl de matar pessoas inocentes quando morre um familiar é errada porque viola as leis de Deus. O mesmo se pode dizer do costume indiano de queimar a viúva do esposo falecido juntamente com este. Ambas as sociedades podem não o saber mas segundo a perspectiva que estamos a expor isso só mostra que desconhecem a lei de Deus.

OBJECÇÕES À TEORIA DOS MANDAMENTOS DIVINOS

1. Nem todos acreditamos que Deus existe.

Para os defensores da teoria dos mandamentos divinos as verdades morais resultam da vontade de Deus. As noções de bem e de mal têm origem

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divina. Esta crença depende de uma crença mais básica e fundamental: a existência de Deus. Mas podemos provar que Deus existe? Podemos justificar a tese de que Deus existe? Parece que se há desacordo quanto à resposta correcta a determinada questão moral também há desacordo quanto a saber se Deus existe. Quem não acredita que Deus existe não tem de aceitar a teoria de que a moral depende da religião.

2 – Mesmo os que acreditam na existência de Deus discordam quanto ao

que Deus permite e proíbe.

O UNIVERSALISMO MORAL MODERADO: Há princípios morais universais.

Tese central

Há verdades morais que não dependem nem das crenças de cada cultura, nem dos gostos e sentimentos dos indivíduos, nem da vontade de Deus.

1.Há valores e princípios universais. Essa universalidade é necessária (imprescindível). 2. Há que distinguir verdades morais absolutas e verdades morais universais.

Um princípio moral universal aplica-se a todos os indivíduos mas admite excepções conforme os casos. Um princípio moral absoluto aplica-se a todos os indivíduos seja qual for o caso, ou seja, não admite excepções. Todos os princípios ditos absolutos são universais mas nem todos os princípios ditos universais ou objectivos são absolutos.

Verdades morais consideradas universais e necessárias

1- Devemos proteger as crianças.

2- Mentir é errado

Todas as culturas têm uma norma contra a mentira porque se houver a expectativa de que na maioria dos casos os outros vão mentir então a comunicação e a interacção social atingirão o ponto de ruptura e chegarão a um grave impasse.

3- O assassínio é errado.

Nenhuma cultura aprova que se mate arbitrariamente alguém. Se vivermos na expectativa permanente de que os outros nos podem matar, se esta expectativa for a regra e não a excepção não arriscaríamos dar um passo para fora de casa e a desconfiança generalizada conduziria ao colapso da vida social.

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SÍNTESE FINAL

HÁ VERDADES MORAIS?

RELATIVISMO TEORIA DOS MANDAMENTOS

DIVINOS

UNIVERSALISMO

MODERADO

Há verdades morais mas não são objectivas.

Há verdades morais e são absolutas

Há verdades morais e algumas são objectivas mas não absolutas. RMC SM

As verdades

morais dependem

do que cada

sociedade pensa.

As verdades

morais dependem

do que cada

indivíduo sente e

aprova ou desaprova.

Podemos dizer que acerca de problemas éticos há juízos verdadeiros e falsos?

Exemplo de juízo moral: Mentir é errado

Relativismo moral cultural

Subjectivismo moral

Teoria dos mandamentos divinos

Universalismo moral moderado

Este juízo é verdadeiro se uma sociedade ou cultura o considerarem moralmente verdadeiro.

Este juízo é verdadeiro se estiver de acordo com os sentimentos, gostos e crenças de um indivíduo.

Este juízo é verdadeiro porque Deus decidiu que é errado mentir

Este juízo é verdadeiro porque a desconfiança generalizada destruiria uma vida social minimamente

Há verdades morais absolutas

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Não há verdades morais objectivas e absolutas. Moralmente verdadeiro é o que depende do que uma sociedade ou uma cultura acreditam ser verdadeiro.

Objecções saudável Objecções 1.Nem todos acreditamos que Deus existe. 2.Mesmo os que acreditam que Deus existe não estão de acordo quanto ao que ele proíbe e permite.

Há verdades morais objectivas

Objecções Objecções Objecções 1.Há culturas

que desprezam a honestidade e louvam a mentira inteligente e eficaz.

1.O RMC contradiz-se. 2.O RMC torna incompreensível a ideia de progresso moral. 3.O que uma sociedade acredita ser moralmente correcto pode ser moralmente incorrecto 4.O RMC não parece tornar possível o diálogo moral intercultural

1.O SM contradiz-se. 2.O SM torna impraticável a discussão de questões morais.

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UNIDADE 3 - Dimensões da acção humana e dos valores - A dimensão ético – política: Análise e compreensão da experiência convivencial.

CAPÍTULO 1

Intenção ética e norma moral

O que são normas morais?

As normas morais são regras que pretendem regular as nossas acções estabelecendo o que é proibido e o que é permissível. Dizem-nos o que devemos e o que não devemos fazer. Ajudar os necessitados, ser fiel aos seus compromissos, não matar, não mentir são exemplos de normas morais. As normas morais podem expressar-se de várias formas. Assim, a norma que condena o roubo pode enunciar-se destes modos: «Não deves roubar!», «Não roubes!», «Roubar é errado», «Roubar não é moralmente correcto» e «As pessoas não devem roubar».

Moral e direito: Normas morais e normas jurídicas

Normas morais Normas jurídicas

Pretendem regular a nossa consciência distinguindo o

certo do errado

Não têm a pretensão de regular a nossa consciência, pelo menos de

uma forma directa.

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As normas morais são impostas pela vontade a si própria. Nenhuma força ou ameaça institucional as impõe.

As normas jurídicas são coactivas, isto é, são acompanhadas pela ameaça de imposição de penas e punições de tipo físico e financeiro. São elaboradas, instituídas e reforçadas pelo poder político, isto é, pelo Estado.

A violação de certas normas morais é moralmente errada mas não é legalmente errada. Ser infiel à namorada ou não ajudar pessoas necessitadas não é objecto de punição pelos tribunais.

A violação de certas normas morais é moralmente errada e também legalmente errada. É o caso de matar, roubar ou não cumprir determinados contratos. Mas uma coisa é experimentar sentimentos de culpa e outra bem diferente é ser declarado culpado pelas autoridades judiciais.

A transgressão das normas morais não é punida com multas ou prisão. Pode dar origem a sentimentos de culpa, de remorso e a reprovação social mas não a castigos juridicamente estabelecidos

A sua transgressão é punida com multas ou prisão.

A sua aceitação e cumprimento não são impostos pelo Estado mas resultam de uma decisão voluntária ou de adesão interior

A sua aceitação e cumprimento são impostos pelo Estado, apoiam-se no poder coercivo do Estado

Posso não as cumprir se me parecerem injustas.

Sou obrigado a cumpri-las mesmo que me pareçam injustas.

O reconhecimento de que há normas jurídicas injustas – caso de leis de segregação racial, de leis que discriminam conforme o sexo ou a orientação sexual – e aplicações injustas da lei mostram que uma acção não é moralmente correcta só porque é legalmente admitida nem moralmente incorrecta só porque é ilegal.

Que certas acções sejam ao mesmo tempo imorais e ilegais não implica, contudo, que a moral e o direito sejam a mesma coisa.

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NORMAS MORAIS E CONSCIÊNCIA MORAL

1.A intenção ética é importante porque não basta a conformidade ou o acordo externo com as normas morais.

A avaliação da moralidade de uma acção exige mais do que a verificação da sua conformidade externa com a norma moral. Uma coisa é não roubar porque tenho receio de represálias – adesão exterior e não íntima ao que a norma exige – outra é não roubar porque considero isso errado e indigno.

2.Por maior que seja a pressão social, a moralidade é uma questão de consciência, a única autoridade perante a qual tenho de responder.

A INTENÇÃO E AS CONSEQUÊNCIAS

Como distinguir uma acção moralmente incorrecta de uma acção moralmente correcta?

Na avaliação da moralidade das acções podemos, entre outros, dar relevo a factores como a intenção, as consequências e o carácter de

quem age e toma decisões.

1- António é encarregue pelo director do museu em que trabalha de transportar um precioso quadro para o museu da cidade mais próxima. Ao passar por um rio repara que uma jovem se está afogar. Imediatamente salta para a água sem tirar o fato que um amigo lhe emprestou. Como nada mal usa o quadro para flutuar e tentar chegar à jovem que está em situação aflitiva. Apesar de todos os seus esforços não consegue salvar a rapariga. O quadro fica irremediavelmente danificado e o mesmo acontece com o fato do seu amigo.

2- João, considera intolerável que tantas crianças morram de fome no mundo e decide dar 1.000 euros a uma instituição que se dedica a combater esse flagelo. Inspirados pelo seu extraordinário exemplo, muitos estudantes da faculdade que frequenta dão também uma quantidade significativa de dinheiro à instituição de caridade.O que não sabem é que João roubou os 1.000 euros a um tio muito rico que eventualmente nem dará pela sua falta. Como resultado directo e indirecto da generosidade de João muitas crianças são alimentadas.

3- Miguel dedica boa parte dos seus fins-de-semana a iniciativas em benefício dos pobres.Com tal esforço pensa assegurar uma boa reputação e atrair clientes às suas lojas de materiais informáticos.

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4- Manuel é o melhor amigo de Joaquim. Estudam literaturas modernas e Joaquim tem aspirações a romancista. Um dia mostra ao amigo uma novela que pensa apresentar numa aula. Manuel considera que o escrito de Joaquim não tem a mínima qualidade mas não quer ferir os sentimentos do amigo e desiludi-lo. Diz que a novela está magnífica. Encorajado e iludido, Joaquim lê o seu escrito na aula sendo humilhado pelos colegas que consideram a obra insuportável. Joaquim nunca mais confia no seu amigo.

António agiu com a intenção de salvar uma vida mas as consequências foram desastrosas: não só não conseguiu o que pretendia como também prejudicou o museu e o amigo. Serão estes aspectos relevantes ou irrelevantes na avaliação moral do acto de António?

Miguel envolveu-se numa actividade em si mesma louvável. Contudo, ajudou por interesse pessoal, por egoísmo. Será que este motivo retira valor moral à sua acção?

Manuel provavelmente não imaginou que as consequências da sua acção seriam tão negativas. Pensou provavelmente que a sua simpática mentira seria a melhor opção. Teria sido melhor que tivesse dito a verdade sobre o que pensava da novela escrita pelo Joaquim? O motivo que o levou a mentir foi o de não ferir ou desmoralizar o seu amigo.

João age baseado num bom motivo ou com uma boa intenção: ajudar crianças que passam fome. As consequências da sua acção foram boas. As crianças foram ajudadas. Será relevante para a avaliação moral do que fez sabermos que a sua generosidade resultou de um roubo?

A intenção ou as consequências? Qual o critério adequado para determinar a moralidade de um acto? Este problema é um dos grandes problemas da reflexão moral ou ética.

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CAPÍTULO 2

A necessidade de fundamentação da moral: análise comparativa de duas teorias filosóficas.

A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL

Fundamentar a moral significa encontrar um critério, uma base que distinga uma acção boa ou moralmente correcta de uma acção má

ou moralmente incorrecta.

Como distinguir o bem do mal?

Como distinguir o moralmente correcto do moralmente incorrecto?

Quais os critérios mais frequentemente apresentados?

1.A intenção

2.As consequências ou resultados da acção.

As duas teorias a estudar distinguem-se pelo valor que atribuem a cada um dos critérios

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As duas teorias mais estudadas acerca deste problema

A teoria deontológica de Kant

A teoria utilitarista de Mill.

1. A TEORIA ÉTICA DE KANT

TIPOS DE ACÇÕES SEGUNDO KANT

Acções contrárias ao dever

Acções em conformidade com o dever

Acções feitas por dever

Acções que violam o dever

Ex: Matar, roubar, mentir.

Acções que cumprem o dever não porque é correcto fazê-lo mas porque daí resulta um benefício ou a satisfação de um interesse.

Ex: Não roubar por receio de ser castigado.

Acções que cumprem o dever porque é correcto fazê -lo. O cumprimento do dever é o único motivo em que a acção se baseia. A intenção de cumprir o dever não está associada a outras intenções, é a única intenção.

Ex: Não roubar porque esse acto é errado.

AS ÚNICAS ACÇÕES MORALMENTE BOAS

As únicas acções moralmente boas são as acções feitas por dever. Agir por dever significa reconhecer que há deveres absolutos como não roubar, não mentir e não

matar.

AGIR POR DEVER É CUMPRIR O QUE A LEI MORAL EXIGE

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Quem apresenta este princípio «Age por dever!» à minha vontade? A razão.

Que nome dá Kant ao princípio ético fundamental que exige que eu cumpra o dever sempre por dever, sem qualquer outra intenção ou motivo? Kant dá -lhe o nome de lei moral.

As acções feitas por dever são assim acções que cumprem o que a lei moral exige.

REPEITAR A LEI MORAL É CONSIDERAR QUE O SEU CUMPRIMENTO É UM IMPERATIVO CATEGÓRICO

Ouvir a voz da lei moral é ficar a saber como cumprir de forma moralmente correcta o dever. Essa lei diz-nos de forma muito geral o seguinte: «Deves em qualquer circunstância cumprir o dever pelo dever, sem segundas intenções». O cumprimento do dever é uma ordem incondicional, não depende de condições ou de interesses. Devemos ser honestos porque esse é o nosso dever e não porque é do nosso interesse.

Pense em normas morais como «Não deves mentir»; «Não deves matar»; «Não deves roubar». A lei moral, segundo Kant, diz-nos como cumprir esses deveres, qual a forma correcta de os cumprir. Assim sendo, é uma lei puramente racional e puramente formal. Não é uma regra concreta como «Não matarás!» mas um princípio geral que deve ser seguido quando cumpro essas regras concretas que proíbem o roubo, o assassinato, a mentira, etc.

O que é um imperativo categórico O que é um imperativo hipotético

Um imperativo categórico é um princípio que:

- Ordena que se cumpra o dever sempre por dever, ou seja, ordena que a vontade cumpra o dever exclusivamente motivada pelo que é correcto fazer.

- Ordena que se aja por dever.

Um imperativo hipotético é um

princípio que:

-Transforma o cumprimento do dever numa ordem condicionada pelo que de satisfatório ou proveitoso pode resultar do seu cumprimento.

As acções baseadas num imperativo hipotético são:

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- Ordena que sejamos imparciais e desinteressados, agindo segundo máximas que todos podem adoptar.

- Ordena que respeitemos o valor absoluto de cada ser racional nunca o reduzindo à condição de meio que nos é útil

«Deves ser honesto porque esse é o teu dever!»

- Acções conformes ao dever, feitas a pensar nas consequências ou resultados de fazer o que é devido.

- As acções que cumprem o dever baseadas em interesses e por isso seguem máximas que não podem ser universalizadas.

- As acções que não respeitam absolutamente o que somos enquanto seres humanos

«Deves ser honesto se quiseres ficar bem visto perante os vizinhos do teu bairro.

AS FORMULAÇÕES MAIS IMPORTANTES DO IMPERATIVO CATEGÓRICO

Fórmula da lei universal

“Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal

Fórmula da Humanidade

Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.

Imagine que uma pessoa com problemas financeiros decide pedir dinheiro emprestado. Sabe que não pode devolver o dinheiro que lhe for emprestado, mas prometê-lo – mentir – é a única forma de obter aquilo de que precisa. A máxima da acção poderia enunciar-se assim “Se isso servir os teus interesses, não devolvas dinheiro emprestado ao seu dono.” A referida pessoa não pode querer sem contradição universalizar a excepção que abriu para si própria porque se tornará excepção para

Quem pede dinheiro emprestado sem intenção de o devolver está a tratar a pessoa que lhe empresta dinheiro como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece respeito, consideração. Pensa unicamente em utilizá-la para resolver uma situação financeira grave sem ter qualquer consideração pelos interesses próprios de quem se dispõe a ajudá-lo. Sempre que fazemos da satisfação dos nossos interesses a finalidade única da nossa acção, não estamos a ser imparciais e a máxima que seguimos não pode ser universalizada. Assim sendo, estamos a usar

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todos. Se todos nós fizéssemos promessas com a intenção de não as cumprir todos desconfiaríamos delas e o empréstimo de dinheiro baseado em promessas acabaria. A prática de fazer e de aceitar promessas desapareceria. A máxima referida auto destrói-se ao ser universalizada porque ninguém poderá agir de acordo com ela.

os outros apenas como meios, simples instrumentos que utilizamos para nosso proveito. Esta fórmula não fala só de respeitar os outros. Diz que nenhum ser humano se deve tratar a si mesmo apenas como um meio. A prostituição, o masoquismo são exemplos de violação desta norma, mas, mesmo quando desrespeitamos directamente os direitos dos outros, como no caso da escravatura, da violação, do roubo e da mentira, estamos também a abdicar da nossa dignidade.

AUTONOMIA HETERONOMIA

Característica de uma vontade que cumpre o dever pelo dever. Quando o cumprimento do dever é motivo suficiente para agir a vontade não se submete a outra autoridade que não a razão. Quando decido independentemente de quaisquer interesses, isto é, quando sou imparcial e adopto uma perspectiva universal, obedeço a regras que criei ao mesmo tempo para mim e para todos os seres racionais. Uma vontade autónoma é uma vontade puramente racional, que faz sua uma lei da razão, que diz a si mesma «Eu quero o que a lei moral exige».Ao agir por dever obedeço à voz da minha razão e nada mais.

Característica de uma vontade que não cumpre o dever pelo dever. Quando o cumprimento do dever não é motivo suficiente para agir tendo de se invocar razões externas como o receio das consequências, o temor a Deus, etc., a vontade submete-se a autoridades que não a razão. Por isso, a sua acção é heterónoma, incapaz de respeitar incondicionalmente o dever. Todas as éticas de tipo consequencialista são, para Kant, heterónomas, reduzem a moralidade a um conjunto de imperativos hipotéticos.

O QUE É UMA BOA VONTADE

É uma vontade que age de forma moralmente correcta

É uma vontade que cumpre o dever respeitando absolutamente a lei moral, ou seja, cuja única intenção é cumprir o dever

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É uma vontade que age segundo regras ou máximas que podem ser seguidas por todos porque não violam os interesses de ninguém

É uma vontade que respeita todo e qualquer ser humano considerando-o uma pessoa e não uma coisa ou um meio ao serviço deste ou daquele interesse.

É uma vontade autónoma porque decide cumprir o dever por sua iniciativa e não por receio de autoridades externas ou da opinião dos outros.

UM EXEMPLO ILUSTRATIVO DO QUE É PARA KANT AGIR CORRECTAMENTE

Imagine que um grupo de terroristas se apodera de um avião em Berlim. Os seus passageiros e tripulantes ficam reféns. Contudo, os terroristas propõem libertá-los se um cidadão local que eles consideram envolvido em actividades antiterroristas lhes for entregue para ser morto. Se as autoridades da cidade não colaborarem no prazo de quatro horas ameaçam fazer explodir o aparelho com todas as pessoas lá dentro. As autoridades locais sabem que o cidadão em causa não cometeu o menor crime durante a sua vida e que os terroristas estão enganados pois não participou na morte de membros do grupo que agora dele se quer vingar. Não obstante, sabem que será vã a tentativa de convencer os terroristas de que estão enganados. Após longa deliberação decidem entregar o referido cidadão aos terroristas que libertam os reféns e matam quem queriam matar.

Posição de Kant

A acção é moralmente incorrecta

Justificação

1. Há actos intrinsecamente errados (errados em si mesmos apesar de poderem ter boas consequências) que é nosso dever evitar e actos intrinsecamente correctos que é nosso dever realizar. Certos deveres constituem uma obrigação moral sejam quais forem as consequências. Que deveres absolutos são esses? Eis alguns: «Não matar», «Não roubar», «Não mentir». Por insistir em que há deveres absolutos a ética kantiana é considerada deontológica.

2.Viola-se o imperativo categórico de respeitar absolutamente a pessoa humana. Transforma-se uma vida em meio para atingir um fim que é a salvação de outras vidas humanas. É evidente que as autoridades que decidem entregar o cidadão aos terroristas estão a tratá-la como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece respeito, consideração. Pensam unicamente em utilizá-lo para resolver uma situação grave sem ter qualquer consideração pelo seu interesse próprio. Para Kant, uma vida humana não é mais valiosa do que outra nem várias vidas humanas valem mais do que uma. Devido a esta ideia a ética kantiana é frequentemente denominada ética do respeito pelas pessoas.

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2. A TEORIA ÉTICA DE JOHN STUART-MILL

TEORIA ÉTICA CONSEQUENCIALISTA

As consequências de uma acção é que determinam se é moralmente correcta ou incorrecta.

TEORIA ÉTICA HEDONISTA

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Todas as actividades humanas têm um objectivo último, isto é, são meios para uma finalidade que é o ponto de convergência de todas. Esse fim é a felicidade ou bem-estar. Mais propriamente procuramos em todas as actividades a que nos dedicamos viver experiências aprazíveis e evitar experiências dolorosas ou desagradáveis. Esta perspectiva que identifica a felicidade com o prazer ou o bem-estar tem o nome de hedonismo. Mas trata-se da felicidade geral e não da individual.

O CRITÉRIO DA MORALIDADE DE UMA ACÇÃO

Segundo Mill a utilidade é o que torna uma acção moralmente valiosa. O critério da moralidade de um acto é o princípio de utilidade. Este princípio é o teste da moralidade das acções. Uma acção deve ser realizada se e só se dela resultar a máxima felicidade possível para as pessoas ou as partes que por ela são afectadas. O princípio de utilidade é por isso conhecido também como princípio da maior felicidade. A ideia central do utilitarismo é a de que devemos agir de modo a que da nossa acção resulte a maior felicidade ou bem - estar possível para as pessoas por ela afectadas. Uma acção boa é a que é mais útil, ou seja, a que produz mais felicidade global ou, dadas as circunstâncias, menos infelicidade. Quando não é possível produzir felicidade ou prazer devemos tentar reduzir a infelicidade. Costuma-se resumir o princípio de utilidade mediante a fórmula «A maior felicidade para o maior número». Esta fórmula foi cunhada por Francis Hutchinson e não aparece tal e qual nos escritos de Mill.

MORALMENTE INCORRECTO/MORALMENTE CORRECTO

Acção moralmente

correcta

Acção moralmente incorrecta

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A acção que tem boas consequências ou dadas as circunstâncias melhores consequências do que acções alternativas.

A acção que tem más consequências ou dadas as circunstâncias piores consequências do que acções alternativas

O que é uma acção com boas consequências

O que é uma acção com más consequências

-Acção cujos resultados contribuem para um aumento da felicidade (bem -estar) ou diminuição da infelicidade do maior número possível de pessoas por ela afectadas.

- Acção subordinada ao princípio de utilidade.

- Acção cujos resultados não contribuem para um aumento da felicidade (bem-estar) ou diminuição da infelicidade do maior número possível de pessoas por ela afectadas.

- Acção egoísta em que a felicidade do maior número não é tida em conta ou em que só o meu bem-estar ou satisfação é procurado.

- Acção que não se subordina ao princípio de utilidade.

NÃO HÁ DEVERES ABSOLUTOS

Para o utilitarista as acções são moralmente correctas ou incorrectas conforme as consequências: se promovem imparcialmente o bem-estar são boas. Isto quer dizer que não há acções intrinsecamente boas. Só as consequências as tornam boas ou más. Assim sendo, não há, para o utilitarista, deveres que devam ser respeitados sempre e em todas as circunstâncias. Se para a ética kantiana, alguns actos como matar, roubar ou mentir são absolutamente proibidos mesmo que as consequências sejam boas, para Mill justifica-se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar ou mentir.

O PRINCÍPIO DE UTILIDADE E AS NORMAS MORAIS VIGENTES

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As normas morais comuns estão em vigor em muitas sociedades por alguma razão. Resistiram à prova do tempo e em muitas situações fazemos bem em segui-las nas nossas decisões. Contudo, não devem ser seguidas cegamente. Nas nossas decisões morais devemos ser guiados pelo princípio de utilidade e não pelas normas ou convenções socialmente estabelecidas. Dizer a verdade é um acto normalmente mais útil do que prejudicial e por isso a norma «Não deves mentir» sobreviveu ao teste do tempo. Segui-la é respeitar a experiência de séculos da humanidade. Mas há situações como em que não respeitar absolutamente uma determinada norma moral e seguir o princípio de utilidade terá melhores consequências globais do que respeitá-la.

FELICIDADE GERAL E FELICIDADE INDIVIDUAL

A minha felicidade não é mais importante do que a felicidade dos outros. O utilitarismo de Mill não defende que tenhamos de renunciar à nossa felicidade, a uma vida pessoal em nome da felicidade do maior número. Trata-se através da educação segundo o princípio de utilidade de abrir um espaço amplo para que a inclinação para o bem geral se sobreponha com frequência cada vez maior ao egoísmo. O princípio da maior felicidade em Mill exige que cada indivíduo se habitue a não separar a sua felicidade da felicidade geral sem deixar de ter projectos, interesses e vida pessoal.

UM EXEMPLO ILUSTRATIVO DA TEORIA ÉTICA DE MILL

Imagine que um grupo de terroristas se apodera de um avião em Berlim. Os seus passageiros e tripulantes ficam reféns. Contudo, os terroristas propõem libertá-los se um cidadão local que eles consideram envolvido em actividades antiterroristas lhes for entregue para ser morto. Se as autoridades da cidade não colaborarem no prazo de quatro horas ameaçam fazer explodir o aparelho com todas as pessoas lá dentro. As autoridades locais sabem que o cidadão em causa não cometeu o menor crime durante a sua vida e que os terroristas estão enganados pois não participou na morte de membros do grupo que agora dele se quer vingar. Não obstante, sabem que será vã a tentativa de convencer os terroristas de que estão enganados. Após longa deliberação decidem entregar o referido cidadão aos terroristas que libertam os reféns e matam quem queriam matar.

Posição de Mill

Acção moralmente correcta

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Justificação

Há que ter em conta a acção que produziria mais felicidade global. O que produz mais infelicidade? Deixar morrer um inocente ou deixar eventualmente morrer dezenas de inocentes? Quantas famílias não ficariam enlutadas caso não se cedesse às pretensões dos terroristas? Para Mill justifica-se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar ou mentir. Nenhum desses actos é intrinsecamente errado e, por isso, os deveres que proíbem a sua realização não devem ser considerados absolutos. Deve notar-se que estamos a referir-nos a um caso dramático em que as alternativas – permitir a morte de um ou permitir a morte de muitos – são ambas repugnantes. Mas há que optar e, segundo Mill, seguir um princípio como cumpre o dever é vago.

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COMPARAÇÃO ENTRE AS DUAS TEORIAS

Teoria deontológica de Kant Teoria utilitarista de Mill

O que é uma acção moralmente boa?

É uma acção feita por dever, que cumpre a lei moral considerando – a um imperativo categórico.

É uma acção cujos resultados contribuem para o aumento da felicidade ou para a diminuição da infelicidade do maior número possível de pessoas por ela afectadas.

Importância das consequências e da intenção na avaliação da acção

Os bons resultados da acção não são de desprezar mas o que conta é a intenção ou o motivo que nos leva a cumprir o dever quando o cumprimos

A acção é avaliada pelas suas consequências e o motivo ou a intenção não são decisivos porque se referem ao carácter do agente e não à acção em si mesma.

O estatuto ou a importância das normas morais convencionais

Há normas morais absolutas que proíbem o assassínio, o roubo, a mentira e que devem ser incondicionalmente respeitadas em todas as circunstâncias.

Há normas morais que se tem revelado úteis para organizar a vida dos seres humanos mas devemos ter em conta que nem sempre o seu cumprimento produz bons resultados.

O fim último das actividades humanas

O fim último da acção moral é o respeito pela pessoa humana, pelo valor absoluto que a sua racionalidade lhe confere. A felicidade é um bem mas não deve influenciar as nossas escolhas morais.

O egoísmo, impedindo acções desinteressadas e imparciais é o grande inimigo da moralidade

A felicidade é o objectivo fundamental da acção moral embora não se trate da felicidade individual nem da felicidade que se traduza na redução do bem- estar da maioria das pessoas a quem a acção diz respeito.

O egoísmo é também condenado porque impede que se tenha em vista um fim objectivo que é a maior felicidade para o maior número possível de pessoas.

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CAPÍTULO 3 – A dimensão pessoal e social da ética: A justificação da moralidade (Por que razão havemos de agir moralmente?)

Se certos actos são errados e outros correctos por que razão se deve fazer o que é correcto e evitar o que é errado? Por que razão havemos de ser morais?

Neste capítulo, a questão já não consiste em esclarecer de que depende a correcção moral de um acto mas em perguntar se há alguma razão para fazer o que é correcto. Ficou a saber que, para um kantiano, roubar é errado e que para um utilitarista roubar pode ser errado por não ter boas consequências, ou seja, que nalguns casos roubar é incorrecto. Uma coisa é sabermos o que é moralmente correcto ou incorrecto, outra é tentarmos saber por que razão havemos de fazer o que é correcto e evitar o que em termos morais é errado

Resposta 1: Sermos morais é uma obrigação básica ou

fundamental

Por que razão não devo enganar a minha namorada? Por que razão não devo roubar que me confiou dinheiro? Porque é errado. Mas por que razão é errado? Porque devo agir bem se pode não ser do meu interesse? Há quem responda que a pergunta é absurda porque estaremos a dar razões morais para sermos morais: Devemos agir moralmente porque temos a obrigação moral de agir moralmente.

Resposta 2: Sermos morais é uma obrigação que temos

perante Deus

Invocam-se razões religiosas por vezes (Respeito e temor de Deus porque entendemos que as normas morais são mandamentos seus). O problema é que esta justificação não vale para quem não acredita na existência de Deus.

Resposta 3: O egoísmo: Não há razões válidas para adoptar um ponto de vista

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universal e imparcial nas minhas decisões morais. Só devo preocupar-me com os meus interesses.

A negação do ponto de vista moral baseia-se numa dupla tese:

1.Somos egoístas (egoísmo psicológico)

2. Devemos ser egoístas (egoísmo normativo)

1.Somos egoístas (egoísmo psicológico)

Se fazemos bem aos outros é porque queremos a sua simpatia e amizade ou eventual ajuda no futuro. Se não roubamos é porque não queremos que nos roubem. Se criamos e educamos os filhos com cuidado e amor é porque mais tarde desejamos ser por eles tratados com amor e cuidado. Em suma, para o egoísta psicológico, todos nós esperamos, no imediato ou a médio e longo prazo, ganhar algo com o que fazemos. Segundo o egoísmo psicológico é assim que somos e não podemos deixar de o ser. O prazer, o bem-estar, os nossos interesses têm sempre a última e decisiva palavra. Actos genuinamente altruístas são ilusões.

Mas será verdade? Pensemos no caso do casal que em tempo de privações dá os melhores alimentos disponíveis aos filhos e passa fome. É plausível dizer que o seu próprio bem-estar é a motivação fundamental do seu comportamento? Será admissível dizer que agiram assim para não ficarem de consciência pesada? Mas sentir problemas de consciência neste caso não significa que o bem-estar dos outros é a preocupação fundamental? E a mãe ou o pai que sacrifica a sua vida para preservar a do filho age por motivos egoístas?

Como o egoísmo psicológico afirma que todas as nossas acções são, em ultima análise, determinadas pela preocupação com o nosso bem-estar ou o nosso interesse pessoal, é suficiente encontrar um contra-exemplo plausível para contestar a verdade de tal teoria.

1.Devemos ser egoístas (egoísmo normativo)

O egoísmo normativo é uma teoria de tipo consequencialista que diz que devemos

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agir sempre em função do nosso interesse pessoal. Para o egoísmo normativo cada um de nós tem a obrigação moral de promover o seu próprio interesse. Esta teoria rejeita que sacrifiquemos o nosso próprio bem-estar para ajudar os outros e que os outros sacrifiquem o seu bem-estar para nos ajudar a nós. Se as pessoas devem agir sempre apenas motivadas pelo seu interesse pessoal então é moralmente aceitável qualquer acção que não acarretando prejuízos ao agente satisfaça essa finalidade.

Uma vez que pode justificar actos profundamente imorais, o egoísmo normativo é para muitas pessoas uma teoria sem credibilidade.

O egoísta adopta este princípio básico: «Deves pensar no que é benéfico para ti e não no que serve o interesse dos outros». E admite que esse princípio seja adoptado por todos. Isto significa que se só devo pensar no que é bom para mim também devo admitir que os outros pensem unicamente no que é bom para eles. É esta posição sustentável?

Imagine que estou interessado numa mulher que também interessa a outro homem. Defendo a teoria do egoísmo normativo. O que implica isso? Que ao mesmo tempo defendo que o meu rival deve procurar conquistar essa mulher porque é do seu interesse e que não deve procurar conquistá-la porque isso não é do meu interesse.

O egoísmo normativo parece incapaz de resolver conflitos de interesses dado basear-se no princípio de que todas as pessoas devem procurar satisfazer única e exclusivamente os seus interesses pessoais. Se assim é, eu devo satisfazer o meu interesse e os outros devem satisfazer os seus. Ora se a defesa dos meus interesses implicar que prejudique os outros não tenho também de admitir que os outros me prejudiquem para defenderem os seus. Um dos grandes problemas do egoísmo ético é ser uma teoria que além de inconsistente, se auto-derrota quando procuramos convencer os outros de que é um guia de acção. É, quando muito, uma moral para uso privado, incapaz de resolver conflitos públicos, que fomenta a hipocrisia e que torna difícil conceber como possíveis relações genuínas de amizade, de amor e de solidariedade.

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Resposta 4:Devemos ser morais porque ter um

objectivo mais amplo do que os nossos interesses é

ter uma existência com sentido

Viver eticamente é melhor do que ser egoísta, preenche mais a nossa existência. Interessar-me pelo bem-estar dos outros pode fazer-me mais feliz do que viver centrado exclusivamente nos meus interesses.

Adoptar o ponto de vista moral, agir por razões em que não está envolvido de forma determinante o meu interesse pessoal, nos torna seres humanos mais completos e mais auto-realizados, que uma vida sem acções genuína e espontaneamente altruístas não tem grande valor e é pouco gratificante. Mais importante do que aquilo que obtemos com o que fazemos é aquilo em que nos tornamos. Mais do que o interesse pessoal que as acções humanas em certa medida visam, importa que estas nos engrandeçam como seres humanos. Talvez esta seja a melhor resposta.

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CAPÍTULO 4 – Estado, direito e liberdade.

Estado Direito Liberdade

O Estado é uma instituição que organiza e regula a vida social, exercendo o seu poder sobre os cidadãos e manifestando-se sob a forma de autoridade.

O conjunto de normas e leis que apoiadas no poder coercivo (imposição de penas e punições) do Estado que as elabora e institui regulam o comportamento dos membros de uma sociedade

Em sentido político é a liberdade de optarmos por diferentes modelos de organização económica e social e de, consequente, votarmos ou não no partido que no nosso entendimento mais fielmente defende essas opções políticas.

1. A JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO – Porque devemos consentir em ser governados e em obedecer a regras exteriormente impostas por uma autoridade externa?

AS TEORIAS CONTRATUALISTAS (Hobbes, Locke e Rousseau)

Caracterização geral

Uma teoria contratualista é aquela que defende o estabelecimento de um acordo entre vários indivíduos implicando compromissos recíprocos. A este acordo entre os indivíduos chama-se pacto ou contrato social (porque estabelecido entre os indivíduos de uma determinada sociedade).

Finalidade do acordo

Este acordo visa alterar uma determinada situação na sociedade que se tornou insustentável, concretamente o desrespeito pelos direitos básicos dos indivíduos, desrespeito esse que gera um estado conflituoso. O acordo vai permitir eliminar ou reduzir os conflitos na sociedade.

Estes compromissos traduzem-se geralmente no

seguinte: todos os indivíduos comprometem-se a obedecer a um poder exterior que

Que compromissos recíprocos são

estabelecidos com o acordo?

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garanta uma melhoria das relações entre eles e promova um maior bem-estar geral.

Que poder exterior é esse a que todos os indivíduos se comprometem obedecer?

Esse poder é o Estado. Neste sentido, o contrato social é uma forma de legitimação do

Estado. As teorias contratualistas que vamos estudar são as de Thomas Hobbes, John

Locke e Rousseau.

O CONTRATO SOCIAL SEGUNDO THOMAS HOBBES

O argumento de Hobbes

No estado de natureza assiste-se a uma situação de permanente conflito e medo

entre os indivíduos.

O permanente conflito e medo entre os indivíduos são insustentáveis.

O Estado vai impedir esta situação de conflito permanente entre os indivíduos

exigindo a sua submissão em troca da segurança que estabelece.

Logo, o Estado é um bem necessário.

1.Por que razão é necessário o contrato social e por conseguinte a autoridade do Estado?

Para Hobbes, no estado de natureza, o indivíduo vive num permanente estado de

violência e de medo, estado no qual ninguém se encontra a salvo e onde a vida de cada

um corre sempre um grande risco. Hobbes sintetizou este estado de guerra permanente

entre todos com a seguinte expressão: “O Homem é o lobo do Homem”.

Os indivíduos não podem continuar a viver neste estado de permanente angústia e

temor. Torna-se necessário o estabelecimento de um contrato ou pacto entre todos os

Explicitação

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indivíduos que salvaguarde as suas vidas e os seus bens.

2. De que modo entende Hobbes o estabelecimento deste pacto?

Defende Hobbes que, para se instaurar a paz e a segurança na sociedade, é necessário

transferir os direitos de todos os indivíduos (direitos esses que eram ilimitados no estado

de natureza) para uma pessoa que seria o titular desses mesmos direitos. Esta pessoa, o

soberano, estaria acima dos indivíduos e deteria um poder absoluto (detém todos os

poderes: poder legislativo, executivo e judicial), não se encontrando submetido a

qualquer poder ou lei que não a sua.

3.Porquê transferir os direitos para uma pessoa e não para duas, três ou mais?

Porque, de acordo com Hobbes, ao transferirem-se os direitos para mais do que uma

pessoa, regressava-se ao estado de natureza, no qual vários detinham direitos ilimitados.

4.Por que razão o poder do soberano é absoluto?

Para Hobbes, o soberano não se encontra submetido ao contrato ou pacto estabelecido

entre os vários indivíduos, porque nesse caso também estaria limitado pelo pacto e,

portanto, limitado ao nível dos direitos como os outros indivíduos. Se todos estivessem

igualmente limitados nos seus direitos, não haveria ninguém que pudesse governar os

outros.

5. Mas não se pode transformar este poder absoluto do soberano num poder

despótico?

Hobbes responde que, mesmo que se transforme num poder despótico, os súbditos não

têm direito de resistência (a não ser apenas quando o soberano obriga o próprio súbdito

a matar-se – porque também esta situação não ocorria no estado de natureza), porque o

seu poder lhe foi confiado legitimamente pelos próprios súbditos a partir de um pacto ou

contrato.

O CONTRATO SOCIAL SEGUNDO JOHN LOCKE

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O Argumento de Locke

No estado de natureza os indivíduos possuem certos direitos que não são

totalmente respeitados.

O respeito pelos direitos individuais é um bem.

O Estado vai garantir o pleno respeito de todos os direitos individuais.

Logo, o Estado é um bem necessário.

1. Para Locke, no estado de natureza os indivíduos possuem um conjunto de

direitos naturais – o direito à vida, à liberdade e à propriedade – que são,

inicialmente, reconhecidos e respeitados por todos, reconhecimento de direitos

esse que torna possível a convivência entre os indivíduos.

Verificam-se nesta concepção de estado de natureza de Locke diferenças em relação a

Hobbes. Enquanto para Hobbes, no estado de natureza, se assistia a uma situação de

permanente conflito e medo entre os indivíduos, um estado de guerra de todos contra

todos, para Locke, no estado de natureza, assiste-se a uma situação de convivência e

sociabilidade entre os indivíduos, de respeito pelos direitos do outro, como o direito à

vida, à liberdade e à propriedade (o direito à propriedade é aqui entendido como o

direito sobre o produto do trabalho).

2. Mas se os indivíduos vivem no estado de natureza numa situação convivencial

de liberdade e de responsabilidade, por que razão defende Locke o

estabelecimento de um contrato ou pacto social?

De acordo com Locke, a necessidade do estabelecimento de um pacto entre os vários

indivíduos tem a ver essencialmente com um factor: os conflitos de interesse que

resultam do direito à propriedade privada.

3. Mas por que razão o direito à propriedade privada gera conflitos de interesses?

Para Locke, o direito à propriedade privada começa a provocar discrepâncias de bens

Explicitação

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materiais entre os indivíduos, de tal modo que passa a haver uns indivíduos que

possuem muito e outros que possuem pouco. Esta desigualdade de posses gera conflitos

de interesse entre os indivíduos, porque os que possuem muitos bens procuram

sucessivamente obter mais bens à custa dos que possuem pouco. Ora, esta situação cria

uma dependência dos que possuem pouco em relação aos que possuem muito e, dado

que a posse dos bens não se encontra legitimada, geram-se conflitos entre os indivíduos

pela posse dos bens.

4.Como surge e por que razão é necessário o Estado?

É necessário regular estes conflitos de interesses para bem de todos. É com vista a

regular os conflitos de interesse que se estabelece um pacto entre os indivíduos. Este

pacto social passa pelo reconhecimento de uma autoridade que supervisione e regule

esses conflitos e garanta os direitos que os indivíduos já usufruíam no estado de

natureza. Essa autoridade será o Estado.

4.Qual é a finalidade do Estado?

O Estado terá como finalidade garantir os direitos individuais básicos (designadamente o

direito à propriedade, que no estado de natureza começou a correr alguns riscos) que os

indivíduos já possuíam anteriormente à instituição do poder político, legalizando esses

mesmos direitos.

5.O poder do Estado tem limites ou é absoluto?

Tem limites. O estabelecimento do contrato social não implica que cada indivíduo

transfira os seus direitos (direitos que cada indivíduo possuía no estado de natureza)

para o Estado. O contrato social não anula um conjunto de direitos que o indivíduo já

possuía no estado de natureza (o direito à vida, à liberdade e à propriedade). Enquanto

em Hobbes havia uma clara separação entre o estado de natureza e o estado civil –

encarados como dois estados distintos, residindo no primeiro o conflito e o medo e no

segundo a paz e a segurança –, em Locke o estado civil corresponde apenas a uma

legalização de direitos que o indivíduo já possuía no estado de natureza, não se

verificando, por isso, uma separação tão nítida como em Hobbes.

6. O poder do Estado encontra-se limitado, pois o Estado não poderá interferir ou

pôr em causa o direito à vida, à liberdade e o direito à propriedade por parte dos

vários indivíduos. O que é que isto vai implicar?

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Que os indivíduos apenas obedecem ao Estado se o Estado cumprir as suas obrigações.

Quando o Estado não cumprir a tarefa que lhe foi imposta pelo pacto, os indivíduos têm

o direito e o dever de desobedecer ao poder político, elegendo para tal novos

representantes.

7.Por que razão a desobediência civil é neste caso um dever?

Porque no caso de o Estado não cumprir o seu dever – o de fazer respeitar os direitos

naturais dos indivíduos –, a situação na comunidade ficaria pior do que a situação vivida

no estado de natureza, no qual os direitos eram reconhecidos (mas apenas não se

encontravam legitimados). Reconhece-se na teoria política de Locke, pela primeira vez,

uma limitação do poder político com a sua consequente subordinação ao consentimento

popular.

O CONTRATO SOCIAL SEGUNDO ROUSSEAU

O Argumento de Rousseau

No estado de natureza o indivíduo vive de forma livre e independente.

No estado civilizado surgem os conflitos de interesse entre os indivíduos.

Os conflitos de interesse entre os indivíduos são um mal.

O Estado vai resolver estes conflitos de interesse.

Logo, o Estado é necessário.

1. A civilização corrompe o ser humano.

Para Rousseau, no estado de natureza o indivíduo vive livremente e de forma isolada dos

outros indivíduos. Assegura por si próprio a sua sobrevivência e vive feliz.

Com a passagem do estado de natureza ao estado selvagem, o indivíduo começa a

estabelecer relações com os outros indivíduos, vivendo de forma livre e harmoniosa com

os outros.

Explicitação

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Com a intensificação das relações com os outros surge o estado civilizado. No estado

civilizado o indivíduo começa a comparar-se com os outros, verificando que existem uns

indivíduos que possuem mais bens materiais do que outros. Ao tomar consciência destas

desigualdades e conduzido pela sua inveja, desencadeiam-se os conflitos de interesse,

conflitos mantidos com base na força e que põem em causa as liberdades individuais.

Neste sentido, para Rousseau, é a civilização que torna o Homem mau. Verifica-se aqui

uma importante diferença entre Hobbes (sobretudo este) e Rousseau: enquanto para

Hobbes o estado de natureza é caracterizado por permanentes conflitos entre os

indivíduos, para Rousseau estes conflitos entre os indivíduos apenas surgem com o

estado civilizado.

Torna-se então necessário regular estes conflitos, não com base na força, mas no direito.

Para isso, defende Rousseau a necessidade do estabelecimento de um contrato social.

2. Qual é a finalidade do estabelecimento deste contrato social?

O pacto social tem a finalidade de restabelecer os direitos que o indivíduo já possuía no

estado de natureza: a liberdade, a independência e outro direito crucial, a igualdade.

Para Rousseau, todos os indivíduos são iguais perante a lei, nenhum tem mais poder do

que outro, porque apenas pode haver liberdade num espaço de igualdade entre todos os

indivíduos. Esta perspectiva vai influenciar o modo como Rousseau defende o

estabelecimento do pacto social: não existe uma relação vertical de poder, mas, antes

pelo contrário, o poder é o próprio povo.

3. Como é que Rousseau concebe o pacto social?

O pacto social é um pacto de associação entre os indivíduos, a partir do qual todos

concordam em obedecer a um conjunto determinado de leis, que, por sua vez, foram

aprovadas por todos. Com esta obediência a leis por todos aprovadas criam-se as

condições para o restabelecimento dos direitos naturais entretanto perdidos – como o

direito à liberdade, à igualdade e à independência.

4.Por que razão a obediência a leis por todos aprovadas – à vontade geral –

promove e assegura os referidos direitos naturais?

Os direitos naturais básicos são direitos de que todos os indivíduos desejam usufruir na

comunidade, porque ninguém quer viver sem liberdade, ser tratado de modo inferior em

relação aos outros ou viver na dependência de alguém. Se é desejo de todos os

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indivíduos possuírem esses direitos e se as leis são a expressão da vontade de todos,

então as leis vão certamente promover os direitos naturais. Sendo as leis o reflexo dos

direitos naturais, torna-se deste modo possível a convivência social num respeito pelos

direitos naturais básicos.

5.Quem governa?

As leis são, para Rousseau, a única autoridade que existe no estado civil. Sendo as leis a

autoridade e sendo as leis a expressão da vontade geral (de todos os indivíduos), então é

o próprio povo que passa a ser a autoridade. É o povo que governa. No estado civil, o

indivíduo passa a agir, não enquanto vontade particular, mas enquanto vontade geral,

vontade de todos.

6. Por que razão é importante que cada indivíduo passe a agir como se fizesse

parte activa de uma vontade geral?

Porque se agisse apenas de acordo com a sua própria vontade regressaríamos ao estado

civilizado sem leis. Ao agir de acordo com uma vontade geral, está a agir de acordo com

um interesse comum e que, como tal, fará também parte do seu interesse. Na teoria

política de Rousseau não existe um poder superior aos outros, mas o poder é o próprio

povo. Rousseau evita deste modo o despotismo, a subjugação dos indivíduos a um poder

com mais força do que a totalidade dos súbditos.

2.ESTADO E LIBERDADE: Até que ponto é legítimo que o Estado

intervenha na vida dos indivíduos? É legítimo desobedecer às leis

do Estado?

ESTADO E LIBERDADE

INDIVIDUAL

A liberdade individual é um valor fundamental para muitas pessoas. Contudo, a nossa vida em sociedade é regulada por um vasto conjunto de leis promulgadas pelo Estado e que exigem obediência. Devemos respeitar as regras de trânsito, a propriedade alheia, a integridade física dos outros, exceptuando casos de legítima defesa, cumprir as normas de utilização dos espaços públicos (não sair

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do restaurante sem pagar o que se consumiu) e muito mais. A liberdade não é sinónimo de fazer tudo o que queremos. A liberdade de cada indivíduo deve sofrer as restrições e limites que tornem possível a liberdade dos outros. Mas não haverá aspectos da nossa vida que legitimamente escapam ao controlo social e estatal? Não haverá uma esfera de liberdade pessoal, um conjunto de actividades que legitimamente escapam à intervenção de autoridades externas? Se vou praticar desportos radicais, é legítimo que o Estado intervenha para me obrigar a fazer um seguro? É legítimo ou abusivo que o Estado me proíba de fumar? Que me force a praticar exercício com regularidade? Que declare ilegais certas práticas sexuais?

MILL E OS LIMITES DA INTERVENÇÃO DO ESTADO

1. Em que condições é justificável a limitação da liberdade de acção de uma

pessoa por parte do Estado?

O Estado pode limitar legitimamente a liberdade de acção de uma pessoa se esta causar

danos a outras pessoas ou ameaçar prejudicá-las. Somente para prevenir danos a

outrem o governo está moralmente autorizado a interferir, impondo restrições à

liberdade individual. Este princípio consequencialista é conhecido como princípio do

dano (prejuízo).

2. Onde começa a linha que divide as acções que eventualmente me causarão

dano a mim e as acções que podem prejudicar os outros? Que acções podemos

considerar como envolvendo somente os meus interesses e que portanto só a

mim me afectam?

Por exemplo, posso fumar e embebedar -me em minha casa, posso andar por aí sem

roupa, vestir-me em público de forma considerada bizarra, ter práticas sexuais pouco

comuns com adultos e com o seu consentimento, professar publicamente o ateísmo, etc.

Alguma destas acções prejudica os outros de modo a que legitime uma interferência

quer através de leis quer mediante a pressão social? A resposta de Mill baseia-se na

crença de que a autonomia individual é um dos valores mais importantes. Mas podemos

perguntar se a pessoa que se embebeda frequentemente só causa dano a si mesma. Não

acontece em muitos casos que pode transformar a vida dos seus familiares num inferno

e deixá-los sem apoio por, devido ao vício, perder o emprego? E o vício não a torna

menos capaz de contribuir para a sociedade com o seu trabalho? A resposta de Mill é a

de que o indivíduo em causa pode ser punido por descurar as suas responsabilidades

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familiares, mas que não devemos interferir no estilo e opção de vida das pessoas,

mesmo que a sociedade como um todo seja em certa medida prejudicada. A liberdade

individual, para o bem e para o mal, deve ser preservada o mais possível.

3.Podemos sentir-nos ofendidos por comportamentos que consideramos

repugnantes e desagradáveis. Será isso razão para que através de leis ou de

outros meios limitemos a liberdade de quem provoca tais sentimentos?

A resposta de Mill é claramente negativa. Se a forma de vestir de uma pessoa ofende

outras, se as suas crenças religiosas desagradam a muitas, não há razão para que se

recorra à força da lei. Na verdade, o conceito de ofensa é pouco objectivo e facilmente

encontramos sempre alguém que se sinta ofendido com alguma coisa. O que

legitimamente podemos fazer é tentar persuadir essas pessoas a mudar ou então evitá-

las e seguir o nosso caminho.

O PROBLEMA DA DESOBEDIÊNCIA

CIVIL: Devo obedecer sempre às

leis?

1.O que é a desobediência civil?

É uma acção ilegal não criminosa que por razões éticas protesta publicamente contra leis

e medidas das autoridades políticas, estando os seus autores dispostos a sofrer as

consequências da infracção da lei.

2.O que transforma a desobediência em protesto moral?

A injustiça das leis ou das suas aplicações.

3.O que distingue a desobediência civil da desobediência criminosa?

A desobediência civil é pública e visa denunciar publicamente injustiças legais, enquanto

a desobediência criminosa consiste num acto ilegal cometido de forma tão secreta

quanto possível e que não pretende mudar nada que esteja errado. No primeiro caso, a

ilegalidade é um meio de combater uma grande injustiça. No segundo caso, infringe-se

deliberadamente a lei para benefício próprio e prejuízo da sociedade.

4. O respeito pela lei é importante porque nenhuma sociedade subsistiria sem a

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obediência às leis aprovadas. Em que distinção se baseia a desobediência civil?

Baseia-se na distinção entre moralidade (legitimidade) e legalidade. Na Alemanha nazi

era possível prender pessoas que não tinham cometido qualquer crime, confiscar-lhe os

bens porque tinham sido aprovadas pelo governo leis que o permitiam. Sistemas legais

como os da Alemanha nazi ou do apartheid sul-africano mostram que o que é legal — em

conformidade com o direito positivo — pode não ser legítimo, ou seja, pode ser injusto.

A desobediência civil revela-nos que há uma diferença que nunca deve ser esquecida

entre obrigação moral e obrigação política ou jurídica, isto é, uma diferença entre os

direitos das pessoas e os deveres dos cidadãos.

5. Em estados ditos democráticos ou de direito justifica-se a desobediência civil?

As sociedades ditas livres ou abertas são aquelas que procuram evitar abusos de

poder negando a qualquer ser humano — governante ou governado, privilegiado

ou desfavorecido — o direito de estar acima da lei. Mas as leis podem ser injustas

e repressivas e as próprias sociedades democráticas não parecem estar imunes a

esta crítica. Ora, nessas ocasiões é habitual verificar-se um desacordo entre a

legalidade vigente e os princípios da consciência moral dos indivíduos. Estes não

reconhecem legitimidade a uma determinada lei (ou a várias), não a consideram

em conformidade com valores morais fundamentais. Assim, a legitimidade ou

não das leis define-se em função dos valores que estão na sua base.

1

O PROBLEMA DA DESOBEDIÊNCIA

CIVIL: Devo obedecer sempre às

leis?

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O PROBLEMA DA JUSTIÇA: Não

posso ficar com tudo o que

adquiri?

JUSTIÇA

Segundo a antiga definição de Justiniano, imperador romano,

é a vontade constante de dar a cada um o que lhe é devido.

Divide-se em justiça retributiva e distributiva. A retributiva diz

respeito à forma adequada de punir infracções à lei; a

distributiva tem a ver com a apropriada distribuição de bens e

encargos entre pessoas diferentes.

PROBLEMA FUNDAMENTAL DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA:

COMO DISTRIBUIR OS BENS PELOS INDIVÍDUOS DE MODO

A QUE CADA UM TENHA O QUE É DEVIDO?

RESPOSTA 1 - O IGUALITARISMO

Todos devem receber o mesmo

Há sem dúvida diferenças entre os seres humanos mas no que respeita à aplicação da justiça não há diferenças que se possam considerar relevantes entre os seres humanos. Os igualitaristas defendem que numa sociedade justa cada pessoa deve receber uma igual parte dos benefícios que a sociedade proporciona e dos encargos que ela exige.

CRÍTICA

Esta concepção é muito criticada porque ignora a ideia de proporção, ou seja, o que cada um recebe deve ser proporcional ao que faz ou ao que merece. Poderemos considerar justa uma sociedade que promova uma igualdade estrita? Os seres humanos têm diferentes capacidades, diferentes virtudes e diferentes necessidades. Será justo que os professores pertencentes a um mesmo escalão da carreira docente ganhem o mesmo ou quase o mesmo? Não há diferenças relevantes entre eles? Será incorrecto que o mérito seja reconhecido e promovido? Não será educativa e socialmente mais útil que de acordo com o desempenho assim os benefícios sejam diferentes?

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1.Os defensores da ideia de justiça como igualdade de oportunidades pensam que toda a justiça é uma espécie de igualdade mas distinguem dois tipos de igualdade: a igualdade política e a igualdade económica.

2. A igualdade deve ser a regra no plano político.

Todos devemos ter igual direito de participar na vida política da sociedade a que pertencemos. Falamos de direitos cívicos, de direito ao voto, e de direito a concorrer a cargos de natureza política.

2.No plano económico defende-se a igualdade no ponto de partida e tolera-se a desigualdade no ponto de chegada. Os direitos políticos e as oportunidades económicas devem ser distribuídos igualmente ao passo que os benefícios económicos devem ser distribuídos desigualmente de acordo com diferenças relevantes entre os indivíduos.

O igualitarista moderado admite diferenças entre as pessoas quanto à distribuição de rendimentos e de benefícios sociais mas considera justa a ideia de igualdade de oportunidades. Por outras palavras todos devem ter uma igual oportunidade de conseguir empregos e posição social que permitam uma vida economicamente decente e mesmo a constituição de riqueza dependendo os resultados ou do mérito ou do esforço ou da competência. Se admite desigualdades, embora não excessivas, no ponto de chegada, o igualitarista moderado defende a igualdade no ponto de partida. A sociedade deve assegurar a igualdade de oportunidades dando a cada um igual condição no acesso à educação e eliminando a discriminação sexual e racial no acesso a empregos e posições sociais.

CRÍTICA

Se as pessoas em geral competem por dinheiro, cargos, prestígio e estatuto social, será contudo possível assegurar a igualdade de oportunidades que tornaria a competição social realmente justa? Não há pessoas que já estão à partida em vantagem? E será que, por hipótese, iguais condições à partida se traduzirão em resultados semelhantes?

RESPOSTA 2 - A justiça como igualdade de oportunidades: todos iguais nos blocos de partida.

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1. Na perspectiva utilitarista deve dar-se a cada um o que lhe é devido mas tendo em conta o interesse global da sociedade. Nesta visão da justiça, o interesse público ou o bem comum prevalecem.

O critério fundamental da justiça é o interesse do todo, sendo justas as decisões e medidas que promovem a satisfação dos interesses do maior número. O papel de quem governa será o de dirigir as sociedades de situações de menor bem-estar global para situações de maior bem-estar.

2. Em si mesma a desigualdade não é uma coisa boa mas algumas desigualdades em determinadas circunstâncias são justas porque aumentam o bem-estar global ou diminuem os prejuízos sociais.

Se numa sociedade o trabalho competente e esforçado é recompensado com salários mais elevados, é muito provável que mais bem-estar global resulte. Com efeito, tal recompensa constituirá, para muitas pessoas, um incentivo para trabalhar mais e melhor e mais riqueza resultará para a sociedade. Se as pessoas recebessem aproximadamente o mesmo salário independentemente do seu esforço, mérito ou competência é muito provável que essa sociedade fosse menos produtiva e da menor produção de bens e de serviços resultaria um declínio dos padrões de vida em termos comparativos.

3.A justiça distributiva é encarada pelo utilitarista de um ponto de vista consequencialista e imparcial.

O que conta são as consequências das medidas e políticas económicas e sociais. Aumentam o bem-estar da maioria dos afectados? A ser verdade, são justas. Em caso contrário são injustas. Sem desprezar critérios como a igualdade ou desigualdade, o mérito, a competência, o esforço e certos direitos, o utilitarista subordina-os todos a um: o princípio de utilidade social.

CRÍTICA

A aplicação do princípio de utilidade social não gera situações de injustiça? Não haverá casos em que a utilidade social colide com os interesses de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos? Devem certos indivíduos e grupos ser prejudicados em benefício da sociedade? Será que a preocupação imparcial com o bem-estar geral não esquece os interesses deste e daquele indivíduo em particular? Não importa saber por quem se distribui o bem-estar? E não têm as pessoas direitos que não devem ser violados seja em nome de que princípio for?

RESPOSTA 3 - A justiça como utilidade social: é justo o que é socialmente útil

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1.Um filósofo que propõe uma nova forma de contrato social.

Para Hobbes, tinha como objectivo a obtenção da paz e da segurança. Para Locke e Rousseau, a

legitimação de um conjunto de direitos naturais básicos, como o direito à vida, à liberdade, à

igualdade e à propriedade. Rawls pretende conjugar na sociedade duas características: a

liberdade e a justiça social. Porquê ambas? Porque, se apenas houver liberdade, põe-se em

causa a justiça social (uns indivíduos possuirão sempre mais bens do que outros e os que

possuem mais possuirão sempre mais – a riqueza gera mais riqueza). Se apenas houver justiça

social, põe-se em causa a liberdade (limita-se a liberdade de os indivíduos possuírem mais bens

do que a quantidade de bens que possuem).

Exemplo de desequilíbrio entre liberdade e justiça social: o

exemplo das heranças

Enquanto as heranças existirem e não forem objecto de forte tributação, não partimos do

mesmo lugar, porque haverá uns indivíduos que possuirão mais bens do que outros e tenderão

sempre a possuir mais bens e a aumentar continuamente a sua riqueza. Esta é a situação de

apenas haver liberdade e não haver justiça social. Por outro lado, se penalizarmos as grandes

heranças, como, por exemplo, através do pagamento de elevados impostos, estaremos a

limitar os bens desses mesmos indivíduos e, portanto, a limitar a liberdade dos indivíduos para

investir, enriquecer e fazer o que lhes apetecer com a sua herança. Esta é a situação de apenas

haver justiça social e não haver liberdade.

2. Mas, se o mundo é habitado por ricos e pobres, será essa tarefa possível? Como deve

ser estabelecido o contrato social, para que seja possível a promoção simultânea da

liberdade e da justiça social na sociedade?

Para Rawls, o contrato social tem de ser estabelecido com base numa total imparcialidade por

parte de todos os indivíduos, ou seja, tem de ser estabelecido sem que os indivíduos tenham

nele qualquer interesse particular.

RESPOSTA 4 – Ralws - A Justiça como equidade: a injustiça é a desigualdade que beneficia exclusivamente os mais favorecidos.

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Para que seja possível o estabelecimento de um contrato social com base na imparcialidade, os

indivíduos têm de o efectuar a partir daquilo que Rawls denominou “VÉU DA IGNORÂNCIA”.

3.O que é este “véu da ignorância”?

O “véu da ignorância” é o desconhecimento por parte de cada indivíduo da sua condição social

e económica no momento do estabelecimento do contrato social, no momento em que dão

origem a uma determinada forma de sociedade. Esta posição original é uma situação

imaginária de total imparcialidade em que pessoas racionais, livres e iguais criam uma

sociedade regida por princípios de justiça. Para que tal imparcialidade se verifique essas

pessoas devem estar “cobertas” por um “véu de ignorância”.

4. Qual é a vantagem do “véu da ignorância”?

Vai possibilitar que, devido ao desconhecimento da sua situação social e económica, os

indivíduos exijam uma organização da sociedade que seja dentro dos possíveis a mais

vantajosa e melhor para todos, não inferiorizando qualquer grupo de indivíduos. Neste

sentido, vão exigir que a sociedade promova os valores básicos que permitam a todos ter uma

vida aceitável, designadamente a mesma liberdade para todos e o mínimo de desigualdades

sociais e económicas.

Exemplo do comportamento dos indivíduos que

procederão à escolha do seu modelo de sociedade sem

conhecer quais serão nela as suas condições de vida e o

seu estatuto social

Imagine que está num grupo de pessoas prestes a criar de raiz uma nova sociedade e um novo governo. Essas pessoas têm uma tarefa muito importante que é a de decidir como construir uma sociedade justa. Estão numa condição muito especial, a bem dizer extraordinária: estão cobertas por um véu de ignorância quanto à sua condição na futura sociedade. Assim sendo, você não sabes se vai ser homem ou mulher, rico ou pobre, doente ou saudável, idoso ou jovem, pouco ou muito dotado em termos intelectuais, não sabe a que grupo étnico vai pertencer, nem se vai ser católico, protestante, ortodoxo, muçulmano, judeu ou ateu. Em termos gerais não sabe se vai estar no topo, no meio ou no fundo da escala social. Pensa que dada essa condição deve escolher um governo e uma sociedade justa para todos: «Vou escolher um tipo de sociedade que discrimine os ateus? Não porque posso vir a ser ateu. Quero uma sociedade e um governo indiferentes às necessidades dos mais carenciados, que não intervenha para atenuar a desigualdade económica? Não, porque não sei se não virei a estar nessa situação. Quero uma sociedade em que haja discriminação racial no acesso às posições e lugares economicamente mais favoráveis? Não, porque não sei a que grupo racial irei

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pertencer. A prudência aconselha-me mesmo a que me prepare para o pior. Assim, vou escolher um tipo de sociedade em que se me encontrar numa situação desfavorável me seja garantido um nível de vida minimamente digno. Nestas condições seria tolice minha pensar que os outros irão aceitar que a futura sociedade se reja por princípios que beneficiando-me os prejudicarão. Nem posso aceitar princípios que beneficiem os outros em detrimento dos meus interesses. O mais provável é que todos aprovem uma igual distribuição dos recursos sociais. Mas e se, como é muito é provável dadas as diferenças entre os seres humanos, houver desigualdade económica? Admitirei essa desigualdade se ela também for de alguma forma vantajosa para mim. Nem todos vamos ter o mesmo nível de vida mas não aprovarei princípios que permitam que os outros colham benefícios e eu unicamente prejuízos. E se nem todos vamos ser iguais, pelo menos que haja igualdade de oportunidades. Não quero uma sociedade que unicamente respeite os meus direitos políticos, que me permita votar e expressar as minhas ideias, quero também uma sociedade que respeite os direitos das pessoas a bens materiais e a serviços sociais».

5. Como promover a liberdade e a justiça social na sociedade?

Através respectivamente da promoção dos dois princípios seguintes (precisamente os dois princípios que todos os indivíduos iriam querer que existissem na sociedade):

A – O princípio da igual liberdade.

O Estado deve garantir a todos os indivíduos o princípio da igual liberdade, ou seja, a

oportunidade de todos os indivíduos terem acesso de forma igual aos direitos que lhes garantam

as liberdades básicas (direito à liberdade de expressão, direito de voto, direito à propriedade

privada). A partir deste princípio procura-se promover a liberdade.

B – O princípio da diferença e da igualdade de oportunidades.

O princípio da diferença consiste em admitir na sociedade algumas desigualdades

económicas e sociais, desde que essas mesmas desigualdades possam servir em benefício dos

mais desfavorecidos. Se a minha fortuna duplicar e os indivíduos com mais dificuldades

económicas receberem cada um em troca 1 euro com esta minha acção, então a acção que

possibilitou a duplicação da minha fortuna será justa para Rawls. Porquê? Porque também os

mais desfavorecidos beneficiaram com esta minha acção.

O princípio da igualdade de oportunidades consiste em garantir a todos os indivíduos as

mesmas oportunidades de acesso aos vários lugares na sociedade, independentemente de ser de

raça branca ou negra, rico ou pobre, homem ou mulher. Desde que os indivíduos possuam as

mesmas capacidades e competências, têm as mesmas possibilidades de acesso a um emprego.

A partir destes dois princípios, procura-se promover a justiça social.

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6.A justiça como equidade

A equidade equivale a uma distribuição desigual dos bens básicos que deve favorecer quem se

encontra em pior situação, isto é, as pessoas em desigualdade de condições por razões

económicas, físicas ou intelectuais. Por outras palavras, justifica-se que algumas pessoas

ganhem acima da média desde que essa desigualdade beneficie os membros menos

favorecidos da sociedade. A desigualdade justifica-se: a) se beneficiar todos os membros da

sociedade, em especial os menos favorecidos; b) se for uma condição necessária e suficiente

para incentivar uma maior produtividade.

Exemplos

1 – Se o que motiva as pessoas para se tornarem bons médicos e dentistas competentes for a perspectiva de ganharem mais do que a média dos cidadãos, então é justo que, por exemplo, tenham rendimentos duas ou três vezes superiores à média. Se isto é suficiente para que a produtividade, a eficácia e a competência destes profissionais seja alta, será injusto que ganhem cinco ou dez vezes mais do que o rendimento médio de uma sociedade.

2 – Se a condição necessária e suficiente que predispõe certas pessoas para serem eficientes e capazes directores de empresas é o facto de poderem ganhar cinco ou dez vezes mais do que os seus empregados, é justa essa desigualdade. Mas será injusto que, tal como Ralws reconhece acontecer no seu país, o seu salário seja em muitos casos 50 vezes superior ao dos seus empregados.

Ralws quer dizer que, até certo ponto, a desigualdade económica é um incentivo que aumenta

a produtividade global da sociedade. Assim, há mais recursos e bens que podem ser canalizados

para beneficiar os que estão em situação menos vantajosa. Os impostos são uma destas formas

de assistência contínua aos que estão em piores condições.

1. Caracterização geral do conceito de justiça segundo Nozick

Defende um liberalismo radical que considera absolutos direitos individuais como a liberdade e a propriedade. Opõe-se ao conceito de justiça social de Rawls defendendo um Estado mínimo que como um guarda-nocturno proteja a segurança dos cidadãos e as liberdades políticas mas não interfira na vida económica. Propõe uma distribuição da

RESPOSTA 5 – Justiça como titularidade legítima: tenho o direito de dispor livremente do que ganhei e adquiri (A crítica de Nozick a Rawls).

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riqueza baseada no mérito dos indivíduos - ideal que considera uma utopia mas que deve regular a vida social. O estado mínimo é o único poder político legítimo e cada indivíduo é titular absoluto do que ganha e adquire. A justiça social é incompatível com a redistribuição da riqueza, seja qual for o critério, por parte de Estado.

2. Tese central - Uma sociedade justa é a que não impõe qualquer limite legal aos níveis de desigualdade económica nela presentes.

Cada indivíduo, segundo esta perspectiva, deve exigir do Estado a máxima liberdade sobretudo no que diz respeito à possibilidade de adquirir e dispor de uma quantidade desigual de bens sociais.

3.Como justifica Nozick a sua tese?

Não há, segundo Nozick, uma forma padronizada de distribuição da riqueza que determine até que ponto deve ir a desigualdade económica entre os indivíduos, ou seja, o que cada qual deve possuir.

4.As desigualdades sociais e económicas não devem ser ajustadas de modo a que reverta também a favor dos mais carenciados. Porquê?

Por duas razões: 1) distribuir os benefícios sociais de acordo com uma regra ou fórmula geral – um padrão – exige sempre o uso ilegítimo da força e da coerção; b) as livres escolhas dos indivíduos perturbam frequentemente os padrões de distribuição que as sociedades pretendem estabelecer.

Exemplo

Imaginemos uma sociedade em que cada qual tem o que deve ter de modo a que a desigualdade económica não seja injusta. Suponhamos agora que um famoso basquetebolista - um dos maiores jogadores de sempre da NBA, Willt Chamberlain - decide livremente efectuar vários jogos de exibição recebendo por jogo 1 dólar de cada espectador. Milhões de admiradores decidem também livremente gastar essa quantia para o ver jogar. Resultado: no final da época o jogador ganhou dezenas de milhões de dólares. É agora detentor de mais bens do que aqueles que deve ter. Assim sendo, o padrão de justiça em vigor na sociedade exige que algum do dinheiro que ganhou seja transferido para outros indivíduos de modo a que a apropriada distribuição da riqueza seja reposta. Mas será correcto este procedimento? Os admiradores do basquetebolista sabiam que o dinheiro seria de Willt. Não têm direito de se queixar quanto mais porque contribuíram para o seu enriquecimento por livre iniciativa. Por outro lado, os bens dos que não assistiram aos jogos não foram de modo algum afectados e os que asssistiram quase nada gastaram. A distribuição que resultou da conjugação das referidas livres escolhas, isto é, que Willt tenha ficado mais rico nada tem de injusto.

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5.O conceito de justiça de Ralws é imoral.

«O que é meu é meu». Cada um de nós tem direito ao que herdou, recebeu ou ganhou legitimamente – seja muito ou pouco - e esse direito de propriedade não deve ser violado pelo Estado. Mesmo que numa sociedade haja assinaláveis desigualdades económicas, esse facto não torna legitima a redistribuição da riqueza, isto é, que se tire aos mais favorecidos para dar aos mais desfavorecidos. Como o direito de propriedade é, para Nozick, um direito absoluto, qualquer redistribuição da riqueza por parte do Estado é uma violação de um direito fundamental. É imoral que me forcem a partilhar com outros os bens que legitimamente adquiri.

6.Mas não é injusto haver um grande fosso entre ricos e pobres como acontece em muitas sociedades?

O fosso entre ricos e pobres só é injusto se for criado através de meios injustos, tais como a fraude e o roubo. Há várias formas de sermos proprietários de bens: por heranças e doações que recebemos, por esforço pessoal, etc. A não-redistribuição não viola nenhum direito e por isso não é injusta. A justiça social consiste em permitir que os bens de que sou proprietário legítimo permaneçam em meu poder, dispondo deles conforme entendo. A justiça é a titularidade de posses legítimas. Este direito ao que é meu é um direito moral que não pode ser suplantado pelo objectivo utilitarista de aumentar o bem-estar geral nem por ideais igualitários nem por outros direitos como os direitos de subsistência. Providenciar serviços sociais e bens materiais aos mais desfavorecidos redistribuindo a riqueza e forçando o pagamento de impostos é violação do direito de propriedade individual. Segundo Nozick, pode e deve-se apelar à generosidade dos mais favorecidos mas não é justo obrigá-los a socorrer os mais necessitados.

7.Deste conceito de justiça que conceito de Estado decorre?

Decorre um conceito minimalista de Estado. Uma concepção minimalista do Estado entende que o poder político não deve intervir na vida económica. Unicamente deve ocupar-se em assegurar os direitos políticos dos cidadãos e com a sua segurança relativamente a ameaças internas e externas. Para assegurar estes serviços mínimos é legítimo que o Estado cobre impostos. Assim, forçar os indivíduos a pagar impostos para que o Estado mantenha serviços como a defesa (exército e polícia), o governo e a administração pública é perfeitamente legítimo e necessário. Para além desses objectivos qualquer cobrança de impostos é uma violação dos direitos individuais.

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UNIDADE 4 - Dimensões da acção humana e dos valores - A dimensão religiosa - Análise e compreensão da experiência religiosa.

CAPÍTULO 2 – Religião, razão e fé

O problema da existência de Deus

1.O argumento ontológico de Santo Anselmo

«Portanto, Senhor, Tu que dás o entendimento da fé, concede-me que, quanto sabes ser-me conveniente, entenda que existes como acreditamos e que és o que acreditamos [seres]. E na verdade acreditamos que Tu és algo maior do que o qual nada pode ser pensado.

Acaso não existe uma tal natureza pois o insensato disse no seu coração: «não há Deus»?

Mas com certeza esse mesmo insensato, quando ouvir isto mesmo que digo, algo maior do que o qual

nada pode ser pensado, entende o que ouve e o que entende está no seu intelecto ainda que não entenda que isso exista. Com efeito, uma coisa é algo estar no intelecto, outra é entender que esse algo existe. Com efeito, quando o pintor concebe previamente o que vai fazer, tem isso mesmo no intelecto, mas ainda não entende que exista o que não fez. Mas quando já pintou, não só o tem no intelecto como entende que existe aquilo que já fez. E, de facto, aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado não pode existir apenas no intelecto. Se está apenas no intelecto pode pensar-se que existe na realidade, o que é ser maior.

Se, portanto, aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado está apenas no intelecto, aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado é aquilo relativamente ao qual pode pensar-se algo maior. Existe, portanto, sem dúvida, algo maior do que o qual nada é possível pensar não apenas no intelecto mas também na realidade.»

Santo Anselmo, Proslogion

Explicitação do argumento

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1 – Tenho no meu entendimento a ideia de Deus (como mesmo aqueles que negam a existência de Deus têm a ideia de Deus na sua mente, então todos temos no nosso entendimento a ideia de Deus).

2 –A ideia de Deus é a ideia de «alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar».

3 - Aquilo que existe na mente (entendimento) e na realidade é maior do que aquilo que existe apenas na mente.

4 – Se Deus, o maior ser concebível) existir somente no entendimento então podemos conceber algo maior do que Deus (Se Deus for uma simples ideia, algo que só existe na nossa mente, então tudo o que existe na realidade é maior do que Deus)

5 – Ora é contraditório dizer que há algo maior do que o ser maior do que o qual nada se pode pensar.

6 - Portanto, «aquilo maior do que o qual nada se pode pensar» existe tanto na mente como na realidade, ou seja, Deus não pode não existir (existe necessariamente).

COMENTÁRIO

O argumento é dirigido contra pessoas como o insensato (o ateu) do Salmo, 14, 1 da Bíblia, que dizem que Deus não existe. A estratégia de Santo Anselmo consiste em mostrar que as pessoas que negam a existência de Deus na realidade (fora da mente) não podem negar que ele exista nas suas mentes. Mesmo os insensatos compreendem a definição que é dada de Deus porque negar Deus exige que se compreenda ou tenha a ideia daquilo que se está a negar. Assim Deus existe pelo menos como uma ideia na nossa mente ou no nosso entendimento, isto é quer na mente do crente quer na mente do ateu. A questão é saber se é logicamente admissível dizer Deus só existe na nossa mente.

Anselmo pede-nos para imaginar que sim e para retirarmos as consequências lógicas de uma tal afirmação. Então suponhamos que Deus, «aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado» tem uma mera existência mental. Será que esta afirmação é logicamente compatível com a ideia de que não podemos conceber nada maior ou mais perfeito do que Deus? Anselmo conclui que não porque se Deus fosse uma simples ideia - se só tivesse existência mental - poderíamos pensar em algo maior do que Deus (ou em um Deus ainda maior). Como existir na realidade é superior a existir só no pensamento e não posso conceber um ser maior do que Deus, Deus tem de existir quer no pensamento quer na realidade.

Críticas

1.O argumento assume como pressuposto que a existência é um predicado, uma propriedade que não pode faltar a um ser perfeito.

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Immanuel Kant dirigiu uma célebre crítica a esta versão do “argumento ontológico”. Kant interpreta o argumento do seguinte modo:

Deus é um ser absolutamente perfeito.

Se Deus não existisse não seria perfeito (faltar-lhe-ia uma perfeição ou propriedade fundamental).

Logo, Deus tem de existir.

A crítica de Kant: A existência não é um predicado

Os predicados são geralmente usados para definir e caracterizar coisas. Quando, por exemplo, dizemos «o quadrado é a figura geométrica com quatro lados e quatro ângulos iguais» estamos a usar os predicados «figura geométrica», «quatro lados iguais» e «quatro ângulos iguais» para definir quadrado. Do mesmo modo, quando dizemos que Deus é omnipotente, omnisciente, etc., estamos a usar os predicados «é omnipotente», «é omnisciente», etc, para definir Deus.

Mas será a existência um predicado? Kant, um dos grandes críticos do argumento ontológico, diz que não. Quando digo que George Bush existe não estou, segundo Kant, a atribuir um predicado ou qualidade a esse indivíduo mas simplesmente a dizer que um sujeito possuidor de certos predicados é uma realidade efectiva e não um simples conceito na minha cabeça.

Anselmo parte do pressuposto de que a existência é uma propriedade ou predicado que uma coisa pode ter ou não ter. Declara que ter essa propriedade é melhor do que não a ter e conclui que Deus, ser maior do que o qual nada é possível (perfeito) tem de possuir esse predicado sob pena de ser imperfeito e inferior a outros seres.

Segundo Kant todo este elaborado raciocínio perde o seu carácter persuasivo porque a existência não é um predicado mas a condição da realidade efectiva de qualquer predicado.

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2.O argumento cosmológico de São Tomás de Aquino

A existência de Deus pode ser provada por cinco vias.

A segunda via resulta da natureza da causa eficiente. Vemos que no mundo dos sentidos existe uma ordem das causas eficientes. Não há nenhum caso conhecido (nem, na verdade, é possível) no qual se verifique que uma coisa é a causa eficiente de si mesma; pois, desse modo, seria anterior a si mesma, o que é impossível. Ora, não é possível regredir infinitamente nas causas eficientes, porque em todas as causas eficientes ordenadas, a primeira é a causa da causa intermédia, e esta, quer seja várias ou apenas uma, é a causa da causa última. Ora, retirar a causa é retirar o efeito. Portanto, se não existisse uma causa primeira entre as causas eficientes, não existiria uma causa última nem nenhuma causa intermédia. Mas se for possível regredir infinitamente nas causas eficientes, não existirá uma primeira causa eficiente, nem existirá um último efeito, nem quaisquer causas eficientes intermédias; e tudo isto é completamente falso. Portanto, é necessário admitir uma primeira causa eficiente, à qual todos dão o nome de Deus.

São Tomás de Aquino, Suma Teológica, Parte a, 2, 3.

Explicitação

1 – Algumas coisas são causadas

2 – Nenhuma coisa é causa de si mesma.

3 – Tudo o que é causado é causado por outra coisa, por algo diferente de si.

4 - Não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas.

5 – Se não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas, então tem de existir uma causa primeira que tudo causa e por nada é causada

6 – A essa causa primeira dá-se o nome de Deus.

7 – Logo, Deus existe.

Cada coisa na natureza tem uma causa, esta por sua vez tem outra e esta outra ainda, mas temos de parar em algum lado para que realmente encontremos a explicação da coisa de que partimos e também

para que faça sentido falar de uma série de causas. Na verdade, se não houver uma causa primeira (Deus) não há segunda, terceira ou quarta.

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Comentário

O argumento não parte da premissa de que tudo o que existe tem uma causa. Isso evita que faça sentido perguntar no final do argumento se Deus também não tem uma causa.

A segunda e terceira premissas afirmam que na natureza um acontecimento é causado por outro que por sua vez depende de outro e assim sucessivamente. O seu nascimento não foi causado por si, nem o do seu pai ou da sua mãe foi causado por eles, etc.

Mas se A é causado por B, B por C, C por D, D por E, e assim sucessivamente, será que a cadeia causal é infinita?

São Tomás não o admite e nega tal hipótese mediante um argumento intermédio que é uma redução ou refutação ao absurdo.

Eis o argumento:

- Suponhamos que há uma cadeia infinita de causas ou uma regressão infinita na cadeia de causas (popularizada na questão do ovo e da galinha). Que consequências tem esta hipótese? São logicamente aceitáveis?

Se as cadeias causais (as ligações causa -efeito) regridem infinitamente não há um primeiro membro da cadeia causal e faltando um primeiro membro também falta uma primeira causa. Mas faltando uma primeira causa falta também um primeiro efeito e outros efeitos intermédios. Como os efeitos intermédios são, por sua vez, causa dos efeitos mais próximos e recentes, segue-se que numa cadeia causal sem primeiro membro não há causas nem efeitos, ou seja, não há realmente membro nenhum. Se as ligações causa - efeito regredissem infinitamente nada haveria no início para desencadear a sua sequência.

Como isso é absurdo prova-se que na natureza as cadeias causais não podem regredir infinitamente.

Assim sendo, tem de haver uma causa primeira que esteja na origem de toda a sequência causal. A essa causa primeira e necessária dá-se o nome de Deus.

Logo Deus existe.

Críticas

1.Não se prova a existência de um Deus que tenha as características do deus das religiões monoteístas.

A primeira causa pode ter sido não Deus mas um conjunto de agentes ou de deuses. Isto invalida a conclusão de que o Deus monoteísta seria a origem do acontecimento a que chamamos causa primeira.

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2.O argumento não é sólido porque podemos pensar que o universo existe desde sempre e que não teve um início.

O processo de geração e de destruição pode ser infinito.

3.Dizer que todos os acontecimentos naturais têm uma causa não implica dizer que há uma só causa de tudo.

Se todas as coisas naturais têm uma só causa - que não está na natureza, que é sobrenatural - podemos objectar que se todos os filhos têm uma mãe então há uma mãe de todos os que são filhos, o que é absurdo.

4.Afirmar que cada um dos acontecimentos ou fenómenos naturais deriva de um acontecimento – o poder causal de um ser sobrenatural – que está fora do mundo natural não implica necessariamente afirmar que há um só acontecimento sobrenatural do qual derivam todos os fenómenos naturais. Dizer que todas as pessoas nascem num determinado dia não implica dizer que há um só dia em que todas as pessoas nasceram.

5.Será preciso percorrer toda a série de cadeias causais e culminar numa eventual causa primeira para explicar um acontecimento mais ou memos recente? Parece que não.

Se quisermos explicar porque Hitler invadiu a Polónia em 1939 podemos referir-nos à sua ambição de encontrar espaço vital para os alemães no leste da Europa, à sua vontade de poder e ao seu ódio pelos polacos. Se alguém disser que isto não explica porque invadiu a Polónia então temos de referir-nos às condições económicas e políticas da Alemanha e da Áustria após a primeira guerra mundial, procurando mostrar como essa situação contribuiu para a ascensão de Hitler ao poder e á sua aventura trágica. Se alguém dissesse que ainda não é suficiente, teríamos de referir como era a Alemanha antes da primeira guerra mundial e mostrar como essa guerra contribuiu para que Hitler ascendesse ao poder e anos mais tarde quisesse dominar a Europa. Mas em algum ponto teríamos de parar e encontrar uma explicação. Não precisamos de percorrer toda a história do mundo em sentido regressivo para encontrar as causas da invasão da Polónia pelos exércitos de Hitler em 1939.

6. Não será o BIg Bang um ponto de paragem apropriado? Por que não parar no mundo material?

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3. O argumento teleológico ou do desígnio

Suponha que ao atravessar uma mata tropeço numa pedra e me perguntam como foi ela ali parar. Poderia talvez responder que, tanto quanto me é dado a saber, a pedra sempre ali esteve; e talvez não fosse muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. Mas suponha que eu tinha encontrado um relógio no chão e procurava saber como podia ele estar naquele lugar. Muito dificilmente me poderia ocorrer a resposta que tinha dado antes — que, tanto quanto me era dado saber, o relógio poderia sempre ali ter estado. Contudo, por que razão esta resposta, que serviu para a pedra, não serve para o relógio? Por que razão não é esta resposta tão admissível no segundo caso como no primeiro? Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando inspeccionamos o relógio, vemos (o que não poderia acontecer no caso da pedra) que as suas diversas partes estão forjadas e associadas com um propósito; por exemplo, vemos que as suas diversas partes estão fabricadas e ajustadas de modo a produzir movimento e que esse movimento está regulado de modo a assinalar a hora do dia; e vemos que se as suas diversas partes tivessem uma forma diferente da que têm, se tivessem um tamanho diferente do que têm ou tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em que estão colocadas ou se estivessem colocadas segundo uma outra ordem qualquer, a máquina não produziria nenhum movimento ou não produziria nenhum movimento que servisse para o que este serve. (...) Tendo este mecanismo sido observado (...), pensamos que a inferência é inevitável: o relógio teve de ter um criador; teve de existir num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou artífices que o fabricaram para o propósito que vemos ter agora e que compreenderam a sua construção e projectaram o seu uso. (...) Pois todo o sinal de invenção, toda a manifestação de desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza, com a diferença de que na natureza são mais, maiores e num grau tal que excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos da natureza ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em subtileza e em curiosidade do mecanismo; e, se possível, ainda vão mais além deles em número e variedade; e, no entanto, num grande número de casos não são menos claramente mecânicos, não são menos claramente artefactos, não são menos claramente adequados ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua função do que as produções mais perfeitas do engenho humano. (...) Em suma, após todos os esquemas e lutas de uma filosofia relutante, temos necessariamente de recorrer a uma Deidade. Os sinais de desígnio são demasiado fortes para serem ignorados. O desígnio tem de ter um projectista. Esse projectista tem de ser uma pessoa. Essa pessoa é DEUS.

William Paley, Teologia Natural, 1802, Cap. 1, 3 e 27

Explicitação

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Primeira premissa - Se abrirmos um relógio e inspeccionarmos o modo como todas as peças do mecanismo trabalham conjunta e harmoniosamente, compreenderemos que o relógio teve de ser criado por alguém inteligente, o relojoeiro que o fabricou.

Segunda premissa - O universo e os organismos vivos são muito semelhantes aos relógios, isto é, também revelam complexidade e organização e harmonia (desígnio).

Conclusão - Portanto, também o universo e os organismos vivos têm um criador inteligente, que é Deus.

Comentário

O argumento do desígnio tal como o argumento cosmológico parte da observação de dados empíricos, de factos do mundo. No entanto, quanto à sua estrutura há uma diferença importante em relação ao argumento cosmológico. Este é um argumento de forma dedutiva, ao passo que o argumento do desígnio é um argumento analógico, não-dedutivo. Por isso mesmo a verdade da sua conclusão não é necessária mas sim provável. O que ele prova no caso de ser um bom argumento é a forte probabilidade de Deus existir.

O argumento baseia-se numa analogia entre a natureza e um relógio (compara a natureza, o universo, a um relógio).

Um relógio é um objecto que foi concebido com um determinado propósito ou desígnio, isto é, cumpre uma determinada finalidade ou fim (“telos” em grego significa fim; daí a designação de teleológico dada ao argumento).

Ora, a natureza é como um relógio. Tal como as peças do relógio formam um mecanismo que funciona harmoniosamente (cada peça cumpre a função que lhe está destinada no conjunto) porque não foram colocadas ao acaso, também o mundo natural revela, pela harmonia que reina entre as diversas partes, que não foi obra do acaso ou da união fortuita dessas partes (Não é o resultado de causas puramente físicas). Cada coisa na natureza, analogamente às peças do relógio, cumpre uma função. Mesmo que disso não se possa aperceber, está harmoniosamente adaptada àquilo para que aparentemente foi feita. Cada peça do todo que é a natureza ocupa um lugar previamente definido dentro do conjunto.

Assim sendo, tal como não há relógio sem relojoeiro, não há natureza ou universo sem um Criador, ser superiormente inteligente que pôs a natureza a funcionar como se fosse um relógio. Esse Criador, esse grande Relojoeiro, é Deus.

O argumento de Paley compara - estabelece uma analogia – entre um relógio e as coisas e seres vivos do universo para concluir que se, devido a certas características, o primeiro tem um

criador inteligente o universo devido a características semelhantes, também foi obra de um ser inteligente.

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Críticas

1.Fraca analogia – Um relógio de pulso e um relógio de bolso são suficientemente semelhantes para supormos que foram concebidos por um mesmo relojoeiro. Mas os objectos naturais e os artificiais não são significativamente semelhantes. A analogia entre o universo natural e um relógio é demasiado fraca para que concluamos que tal como um relógio é obra de um ser inteligente que o destinou a uma função, o universo é obra de um Ser Inteligente – de um «Relojoeiro universal» - que o dotou de um propósito e de um conjunto de funções pré-estabelecidas.

2. Não justifica a existência de um único Deus nem de um Deus omnipotente, omnisciente e bom tal como é descrito pelas religiões monoteístas – Mesmo que admitíssemos que a analogia é forte, o argumento só provaria a existência de um Ser inteligente que poderia muito bem não ser o Deus das religiões monoteístas. Por outro lado, o argumento poderia chegar sem qualquer incoerência lógica à conclusão de que a complexidade e subtil ajustamento e harmonia do funcionamento das diversas partes do universo é obra não de um projectista mas sim de vários o que poderia conduzir- nos ao politeísmo.

3. A complexidade dos organismos vivos é para Paley superior à dos objectos fabricados pelos seres humanos mas isso não implica necessariamente que tenha de ser explicada por uma causa sobrenatural – Deus.

Para Paley a beleza de uma paisagem ou a formação dos órgãos dos seres vivos (sobretudo do olho que associa harmoniosamente um aparelho óptico e um aparelho nervoso) são exemplos dificilmente desmentíveis de finalidade ou desígnio na natureza (de que as coisas na natureza foram feitas para um determinado fim, isto é, segundo um plano que atribui a cada uma a função a cumprir). Considera extremamente improvável que a harmonia natural se deva ao encontro acidental de causas puramente naturais. Contudo, na sequência da teoria de Darwin, a biologia actual afirma que a surpreendente harmonia e complexidade dos seres vivos pode ser explicada através de causas simplesmente naturais, sem pressupor um desígnio inteligente e sobrenatural. Essa complexidade dos organismos é o resultado de uma longa evolução regida pela capacidade de adaptação dos indivíduos ao meio e à transmissão das características com maior valor adaptativo por parte dos mais aptos e fortes na luta pela sobrevivência. A teoria de Darwin enfraquece, de facto, a força do Argumento do Desígnio, uma vez que explica os mesmos efeitos sem mencionar Deus como causa. A existência desta teoria acerca do mecanismo de adaptação biológica impede o Argumento do Desígnio de constituir uma demonstração conclusiva da existência de Deus».

4.O ARGUMENTO MORAL

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A felicidade é o estado no mundo de um ser racional para o qual, na totalidade da sua existência, tudo ocorre segundo o seu desejo e a sua vontade e funda-se, pois, na harmonia da natureza com o fim integral desse ser e igualmente com o princípio determinante essencial da sua vontade. Ora, a lei moral, enquanto lei da liberdade, ordena por princípios determinantes que devem ser totalmente independentes da natureza e da sua harmonia com a nossa faculdade de desejar (como móbeis); mas o ser racional agente no mundo não é, contudo, simultaneamente causa do mundo e da própria natureza. Portanto, não existe na lei moral a menor razão para uma conexão necessária entre a moralidade e a felicidade a ela proporcionada de um ser que, fazendo parte do mundo e, portanto, dele dependendo, não pode por isso mesmo ser pela sua vontade causa desta natureza e fazê-la por suas próprias forças coadunar-se inteiramente — o que concerne à sua felicidade — com os seus princípios práticos. No entanto, no problema prático da razão pura, isto é, na aplicação necessária ao soberano bem, postula-se como necessária uma tal conexão: devemos procurar fomentar o soberano bem (o qual, portanto, deve ser possível). Postula-se assim igualmente a existência de uma causa da natureza no seu conjunto, distinta da natureza, a qual contém o princípio desta conexão, a saber, da concordância exacta da felicidade e da moralidade. Mas esta causa suprema deve conter o princípio da concordância da natureza não só com uma lei da vontade dos seres racionais, mas também com a representação desta lei, na medida em que eles a propõem a si como princípio determinante supremo da vontade, por conseguinte, não apenas com os costumes segundo a forma, mas também com a sua moralidade enquanto princípio determinante seu, isto é, com a sua intenção moral. Por consequência, o soberano bem só é possível no mundo enquanto se admite uma causa suprema da natureza que tem uma causalidade conforme à disposição moral. Ora, um ser que é capaz de acções segundo a representação das leis é uma inteligência (ser racional) e a causalidade de um tal ser, segundo esta representação das leis, é a sua vontade. Assim, a causa suprema da natureza, enquanto ela se deve pressupor para o soberano bem, é um ser que, pelo entendimento e vontade, é a causa (por conseguinte, o autor) da natureza, isto é, Deus. Pelo que, o postulado da possibilidade do soberano bem derivado (do melhor mundo) é ao mesmo tempo o postulado da realidade de um soberano bem primordial, isto é, da existência de Deus. Ora, era para nós um dever fomentar o soberano bem, por conseguinte, não só um direito, mas também uma necessidade conexa como exigência ao dever, de pressupor a possibilidade deste soberano bem, o qual, uma vez que só tem lugar sob a condição da existência de Deus, liga indissoluvelmente a pressuposição do mesmo com o dever, quer dizer, é moralmente necessário admitir a existência de Deus.

Immanuel Kant, Crítica da Razão Prática, pp. 143-144

EXPLICITAÇÃO

1.Quem se esforça por ser moralmente perfeito (o virtuoso) não merece uma recompensa.

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2. A recompensa adequada é a felicidade moral, a felicidade devida ao mérito moral.

3. A felicidade é um estado de completo acordo entre os acontecimentos do mundo e a nossa vontade.

4. Não está em nosso poder realizar tal acordo. Não podemos dominar e governar o mundo de modo a que este corresponda totalmente aos nossos desejos porque, pensa Kant, para tal teríamos de ser os seus criadores ou autores.

5. Sermos dignos da felicidade mas não podermos ser felizes é moralmente injusto.

6.Só quem criou o mundo pode estabelecer essa harmonia completa e permanente entre a virtude e a felicidade, ou seja, dar a quem se esforça por ser moralmente perfeito a felicidade adequada ao seu sentido do dever.

7. A esse criador omnipotente e moralmente perfeito chamamos Deus.

8. Deus tem de existir para que seja possível esperar que a virtude será recompensada. Deus tem de existir para que a esperança na recompensa legítima – a felicidade – tenha fundamento.

UM ARGUMENTO CONTRA A EXISTÊNCIA DE DEUS: O ARGUMENTO BASEADO NO PROBLEMA DO MAL

MAL NATURAL, MAL MORAL E MAL DESNECESSÁRIO

MAL NATURAL MAL MORAL MAL DESNECESSÁRIO

O mal natural é o sofrimento que é causado pela natureza – catástrofes como tsunamis e terramotos, doenças, epidemias, etc.

O mal moral é o sofrimento e a dor que os seres humanos infligem uns aos outros (guerras, assassínios, violência gratuita, discriminação, etc.).

Um mal necessário é algo exigido para evitar ou lutar contra um mal maior ou para produzir um bem maior. Certos tratamentos médicos causam sofrimento mas são necessários para evitar a morte ou recuperar e melhorar a saúde. O sofrimento, a dor e a injustiça são necessários se, e só se houver um bem que sem eles não aconteceria.

Um mal desnecessário é o que não evita um mal maior nem promove um bem maior. O sofrimento e a dor são são desnecessários quando não

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contribuem para nada melhor ou nada de bom.

Tendemos a considerar que os males necessários são moralmente justificáveis e que os males desnecessários não têm justificação moral.

O ARGUMENTO CONTRA A EXISTÊNCIA DE DEUS BASEADO NA EXISTÊNCIA DE MAL DESNECESSÁRIO

1 – Se Deus existisse (Se existisse um ser todo-poderoso, omnisciente e perfeitamente bom) então não haveria mal desnecessário no mundo

2 – Há mal desnecessário no mundo.

3 – Logo, Deus não existe.

COMENTÁRIO

Para negar que o argumento seja aceitável, os defensores da existência de Deus têm de mostrar que há razões plausíveis para considerar que todo o mal que existe no mundo é necessário.

Para defender que o argumento é plausível, os que negam a existência de Deus têm de mostrar que há boas razões para acreditar que pelo menos algum mal existente no mundo é desnecessário.

Vários defensores do argumento afirmam que é evidente haver mal desnecessário no mundo e dão como exemplos o genocídio de Auschwitz e no Ruanda argumentando que seria o cúmulo do cinismo e moralmente inaceitável afirmar desses imensos sofrimentos resultou algum bem.

UM CONTRA – ARGUMENTO: POR QUE RAZÃO UM SER OMNIPOTENTE PERMITE A EXISTÊNCIA DO MAL

Muitos teístas afirmam que Deus deve permitir e tolerar mesmo o mal desnecessário de modo a proteger e respeitar a liberdade humana. Segundo o seu argumento, Deus escolheu criar um mundo no qual as criaturas humanas podem realizar escolhas livres. Ora, ter livre-arbítrio significa que somos capazes de fazer boas ou más escolhas. Criando agentes livres, Deus correu um risco. Não podia necessariamente garantir que escolheríamos o bem em vez do mal. Não é logicamente consistente dizer que Deus poderia ter-nos criado livres – com liberdade de

A DEFESA DE DEUS MEDIANTE O LIVRE - ARBÍTRIO

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escolha - e ao mesmo tempo incapazes de fazer coisas más. Duas proposições como «Os seres humanos têm liberdade de escolha» e «Os seres humanos estão programados para fazer só o bem» não são compatíveis. Portanto o resultado da escolha de Deus ao criar um mundo em que há seres livres e não meros robôs é este: Vivemos num mundo em que há pessoas que escolhem agir de forma virtuosa, boa, solidária e pessoas que escolhem que escolhem agir de forma destrutiva, odiosa, imoral e maldosa.

Se não houvesse mal no mundo então não existiria livre- arbítrio.

A liberdade consiste em fazer boas e más escolhas.

Das nossas más escolhas resulta o mal.

Deus deu-nos a liberdade da qual muitas vezes deriva o mal para que tenhamos valor e dignidade moral quando essa liberdade opta pelo bem.

Deus não quer nem causa o mal.

Logo, a existência do mal é compatível com a existência de um ser omnipotente e benevolente.

DIFICULDADES DESTA FORMA DE DEFENDER DEUS

1.Esta defesa apresenta uma imagem de Deus desinteressado dos assuntos do mundo, indiferente.

Ora um aspecto central da concepção teísta de Deus – a que é própria das religiões monoteístas - é a ideia de que Deus intervem no curso do mundo. Não poderia Deus ter evitado com a sua intervenção anomalias morais como Hitler, Estaline e Pol – Pot que chacinaram milhões de seres humanos? Não poderia Deus permitir más escolhas aos seres humanos mas evitar as suas más consequências?

2.Só se deve permitir o mal em nome de um bem maior mas há males cuja gravidade ultrapassa qualquer bem.

De modo a permitir que agentes livres como nós existam Deus tem de permitir que existam os maus resultados do uso dessa liberdade. Não é profundamente cínico dizer que Deus poderia ter evitado os males terríveis e os horrores da história tais como Hitler, Estaline, a escravatura, etc., mas o preço disso seria excluir os grandes momentos da história humana tais como Mozart, Bach, Leonardo da Vinci, Gandhi, Einstein, Confúcio, Buda, e muitos outros?

3.Mesmo que o mal moral não fosse incompatível com a existência de Deus e mesmo que os seres humanos escolhessem sempre fazer o bem haveria ainda o problema do mal natural.

Mesmo que o valor que atribuímos à posse de livre-arbítrio seja tão importante ao ponto de admitirmos o mal moral resta um problema: que sentido atribuir ao mal natural? A chamada «defesa do livre-arbítrio» não resolve o problema do mal desnecessário porque o desloca do

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plano moral para o plano natural. Não se consegue perceber que bem maior advém do sofrimento de quem tem cancro, de quem sofre terríveis deformações genéticas, das razias que os terramotos, os tornados e os furacões causam? Ilibaremos Deus se dissermos que tudo resulta do pecado original cometido por Adão e Eva? Ou dizendo que é acção do Diabo? Neste caso não se põe em causa a omnipotência de Deus? E não é sinónimo de gratuita crueldade que paguemos pelos pecados de antepassados imensamente longínquos e cuja existência histórica é mais do que duvidosa? E fará sentido sermos dotados de livre-arbítrio, o que ganhamos com isso se somos julgados pelos actos de antepassados muito remotos?

UNIDADE 5 - Dimensões da acção humana e dos valores - A dimensão estética: Análise e compreensão da

experiência estética.

CAPÍTULO 1 – O QUE SE ENTENDE POR EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

É uma atitude contemplativa e desinteressada

Não é uma atitude prática ou utilitária.

Não é uma atitude cognitiva (de conhecimento).

Não é uma atitude subordinada, em si mesma, a

princípios e objectivos morais.

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A atitude estética é alheia a qualquer consideração sobre a

utilidade do objecto, não é determinada pelo desejo de

posse, ou pelo eventual valor monetário ou comercial do

objecto contemplado.

EXEMPLO

Negações desta característica

O caso do agente imobiliário que, quando observa as paisagens do Gerês, não consegue evitar pensar no seu valor monetário, no excelente negócio que seria construir um aldeamento naquele local ou o caso de uma pessoa que, num museu, imagina o que seria ter um determinado quadro em sua casa, se ele combinaria com os móveis e tapeçarias da sala.

A relação com os objectos naturais e artísticos na experiência estética não é motivada primordialmente pela vontade de adquirir e de ampliar conhecimentos.

Negações desta característica

O biólogo que estuda um bosque de árvores milenares para verificar o estado da sua flora manifesta uma atitude cognitiva e não estética, tal como o antropólogo que estuda a arquitectura e a cerâmica de uma comunidade para conhecer os seus costumes.

EXEMPLO

A nossa atitude só terá forma estética se dermos

atenção ao objecto contemplado por si mesmo e

não à relação do objecto com os nossos conceitos e

princípios morais.

Negações desta característica

Se uma pessoa sente prazer na contemplação de um dado objecto estético (filme, poema, romance, conto…) somente por lhe reconhecer valor moral, a sua atitude não é estética.

EXEMPLO

A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA COMO DISTANCIAMENTO PSÍQUICO QUE É A SUA CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE

O carácter peculiar do “distanciamento” consiste no seguinte: o sujeito coloca-se perante o objecto da sua contemplação como se a sua personalidade tivesse sido filtrada, ficando isenta de qualquer preocupação prática. Tomemos por exemplo a nossa atitude a respeito do “drama”. As encenações e representações teatrais impressionam-nos muitas vezes de uma forma semelhante aos acontecimentos do quotidiano, só que no teatro não podemos reagir como no dia-a-dia, envolvendo-nos praticamente ou fisicamente naquilo que acontece perante nós. A não participação é muitas vezes explicada referindo que sabemos que o drama não é real e por isso nele não intervimos. Contudo, devemos virar esta explicação do avesso: não é o nosso conhecimento do carácter fictício do drama que cria “o distanciamento” que nos leva a não intervir nele, mas é, ao contrário, o”distanciamento” que ao alterar a nossa relação com as personagens as torna aparentemente fictícias. A filtragem dos nossos sentimentos e a “irrealidade” dos seres e coisas ocorrem quando, por vezes, mediante uma mudança da perspectiva interior, somos invadidos pelo sentimento de que «o mundo inteiro é um palco».

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OS JUÍZOS ESTÉTICOS E O PROBLEMA DA SUA NATUREZA: SÃO OBJECTIVOS OU SUBJECTIVOS?

O QUE É UM JUÍZO ESTÉTICO OBJECTIVISMO SUBJECTIVISMO

Teoria segundo a qual um objecto é belo ou feio em virtude de propriedades ou características que nele se encontram ou lhe pertencem. A beleza e a fealdade dos objectos não dependem dos sentimentos ou das reacções de quem os observa.

Para os partidários do objectivismo estético dizer «A catedral de Milão é bela» é muito diferente de dizer «Gosto da catedral de Milão».

Teoria segundo a qual um objecto é belo ou feio em virtude de sentirmos prazer ou desprazer ao observá-lo. A beleza ou fealdade dependem não das propriedades intrínsecas do objecto mas dos sentimentos que em nós provoca e desperta.

Para os partidários do subjectivismo estético dizer «A catedral de Milão é bela» é igual a dizer «Gosto da catedral de Milão».

Um acto mediante o qual formulamos uma proposição que atribui determinada qualidade estética (beleza, sublimidade, fealdade) a um objecto: “Este palácio é belo” ou «O Requiem de Mozart é uma obra-prima» e «O Padrinho de Francis Ford Coppolla é um filme magnífico».

Por que razão discordam as pessoas acerca da beleza ou da fealdade dos objectos estéticos?

Uma primeira explicação pode ser o facto de algumas pessoas não conseguirem assumir um ponto de vista puramente estético. Há pessoas que estabelecem a ligação da obra com pontos de vista morais e políticos, o que obviamente condiciona a sua avaliação e pode predispô-las para aprovar ou rejeitar certas qualidades da obra. Parece consensual que um autor conotado com o nazismo ou o fascismo tenha mais dificuldade em ser aceite.

Uma outra eventual explicação costuma acentuar a falta de educação estética de algumas

pessoas. Se as propriedades que agradam e deslumbram estão no objecto é preciso saber

descobri-las. Ora, quem limita o seu gosto musical á chamada música pimba ou a música ligeira

dificilmente estará em condições de apreciar Richard Wagner, Bach e Mahler.

CAPÍTULO 2 – A CRIAÇÃO ARTÍSTICA E A OBRA DE ARTE: O QUE SE ENTENDE POR ARTE

A arte é imitação da realidade

A arte é expressão de sentimentos e

A arte é uma transfiguração da

A arte é pura forma

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emoções realidade

A arte — e sobretudo a pintura — imita ou deve imitar a realidade, constituindo-se como uma cópia ou espelho no qual os objectos são reflectidos o mais fielmente possível.

Críticas

1 - O artista não representa as coisas que vê, mas o modo como vê e também como imagina as coisas.

O quadro aparentemente mais “realista” está condicionado na sua criação pela experiência do artista, pelos seus sentimentos, pela forma como avalia as relações sociais do seu meio, pelos ideais que, porventura, queira transmitir. Um quadro de Daumier não é uma cópia do que este viu, mas a tradução pictórica de uma experiência ou a forma simbólica de expressar simpatia pela condição dos desfavorecidos, de protestar contra as duras condições de trabalho das mulheres e das crianças na sociedade de meados do século XIX.

2- Esta concepção baseia-se numa concepção ingénua da

Um dos principais representantes desta teoria é Tolstoi. Defende que só é arte o que for a adequada expressão de um sentimento genuíno. Uma obra é tanto melhor quanto melhor conseguir exprimir os sentimentos do artista que a criou.

Críticas

1 - Há obras que não exprimem qualquer emoção ou sentimento.

2 - Mesmo que uma obra de arte provoque certas emoções em nós, daí não se segue que essas emoções tenham existido no seu autor.

O que o artista cria corresponde a uma transfiguração do mundo real. O universo artístico é o real transfigurado, recriado, nunca algo de absolutamente irreal. Podemos dizer que o artista abre à realidade as portas da imaginação e alarga o horizonte da nossa experiência sensível e também pensante. A arte é criação de formas sensíveis (literárias, pictóricas, cinematográficas, etc.) que, mesmo quando parecem não o fazer, interpretam a realidade enriquecendo-a com novas perspectivas e modalidades de expressão.

1.Nemtoda a obra de arte é simbólica

2.Há obras de arte que muito dificilmente podemos considerar uma transfiguração da realidade dado o seu elevado grau de abstracção.

Críticas

O principal representante desta concepção de arte é Clive Bell. Uma obra é artística se, e só se, provocar em nós emoções estéticas. Estas derivam das próprias obras, da sua forma significante (harmonia, equilíbrio da composição dos elementos).

Para os partidários da concepção de arte como pura forma, o especificamente artístico é a forma. A arte deve ser esvaziada de qualquer conteúdo. A arte não deve ter qualquer preocupação temática ou em transmitir uma mensagem. A arte abstracta é o expoente máximo desta perspectiva. Nela manifesta-se de modo superior a autonomia da arte a respeito de qualquer intenção ou exigência de representar a realidade.

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realidade.

A realidade não se reduz aos objectos da nossa percepção imediata. A física ensina-nos que os constituintes últimos da matéria (electrões, protões, neutrões) não são objectos dos nossos sentidos nem, rigorosamente falando, coisas. Aquilo a que chamamos real não é nada de evidente. Se olharmos para alguns quadros de Picasso podemos dizer que aquilo que mostra é tão pouco evidente como a realidade que os físicos se esforçam por compreender. Não vendo as coisas como são (não vemos os átomos de que é feita uma mesa) podemos, como faz Picasso, imaginar e pintar num quadro a dimensão imperceptível das coisas.

3 – Encontramos na pintura abstracta, na música e na arte não – figurativa exemplos de obras artísticas que não imitam nada.

Críticas

1. Há pessoas que não sentem qualquer tipo de emoção perante certas obras que são consideradas arte.

2. O critério da forma significante é demasiado vago e impreciso para se aplicar às diversas artes.

CAPÍTULO 3 A ARTE: PRODUÇÃO E CONSUMO; ARTE E CONHECIMENTO

As Funções da Arte A arte deve estar

ao serviço da sociedade

A arte vale por si mesma (A arte pela arte)

A arte é uma forma de catarse e de purificação

A arte é uma forma de evasão

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O artista deve estar ao serviço da sociedade, contribuir para a implantação de determinados valores morais e cívicos, deve ter consciência das suas responsabilidades sociais e subordinar as suas obras à educação da colectividade, representando acções, personagens e cenas que despertem no espectador a moral cívica que se supõe dever impregnar a vida de uma sociedade. Temos, assim, a figura do artista socialmente comprometido ao serviço da melhoria da ordem social e, quando os tempos o exigem, de ideias revolucionárias.

Críticas

1.Perigo de instrumentalização e de submissão da actividade artística por parte do poder político.

2. Quer a actividade do artista quer o produto dessa actividade devem ser avaliadas

Teoria cujo principal representante foi Óscar Wilde. Para esta perspectiva a única finalidade que o artista deve ter é produzir e criar uma obra genuína e realmente artística. A arte não deve promover princípios éticos e políticos. Deve ser alheia a propósitos pedagógicos e moralizadores.

1. A arte, em geral, exerce uma influência de tal modo profunda sobre os seres humanos que não é aconselhável avaliá-la em termos simplesmente artísticos.

2. Uma obra com extraordinário valor artístico pode ser o resultado de uma vontade de denunciar o horror da guerra como a Guernica de Picasso ou os vícios dos humanos como algumas obras de Bosch. Os Malditos, filme de Visconti critica com a densidade simbólica que o caracteriza, a corrupção moral da alta burguesia industrial alemã que apoia os nazis hipotecando a sua liberdade e auto-destruindo-se.

Críticas

Para Aristóteles a função principal da arte (e referia-se sobretudo à tragédia grega) era a de libertar indirectamente o espectador de certas paixões que poderiam ser-lhe prejudiciais mediante a contemplação das acções normalmente funestas que acontecem no palco.

O espectador comove-se e revive as paixões que dominam as personagens. Mediante esse “contágio” libertar-se-ia dessas paixões que seriam desastrosas, nas suas consequências, se vividas pessoalmente. Segundo Aristóteles, a tragédia provoca compaixão e piedade no espectador porque este reconhece que poderia sofrer as mesmas consequências que o herói ou o protagonista da “peça teatral” se estivesse envolvido em circunstâncias

semelhantes.

1.A reacção do público às novelas, agredindo por vezes os actores que representam personagens desagradáveis e odiosos coloca alguns limites a esta ideia de arte como catarse e purificação das paixões.

Críticas

A arte permite, quer ao artista quer ao público, a evasão face a uma realidade insatisfatória e desagradável. É uma forma de escapar à rotina quotidiana e de iludir momentaneamente os aspectos dolorosos quer da nossa existência pessoal quer da vida e da condição humanas. A arte oferece-nos, no seio deste mundo tantas vezes insuportável e desencantado, “outro mundo”, maravilhoso, encantador e mágico. Sem esta dimensão extraordinária a vida seria muito mais difícil de suportar.

1.Corre – se o risco de entender em parte o artista como alguém que nos distrai, o que pode criar uma sobrevalorização de produções cujo valor artístico é quase inexistente.

Críticas

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independentemente da sua utilidade (por mais elevada que esta possa ser).

3. Não é por uma obra de arte nos instruir, nos tornar moralmente melhores, promover a unidade e fraternidade entre os seres humanos ou descrever condições reais da vida que tem valor artístico.

3. Há artistas em cuja obra, para além de uma enorme riqueza artística, encontramos aquilo a que se pode chamar a “ideologia do compromisso com a humanidade”. Em Beethoven ecoa a ideia de fraternidade universal no “Hino à Alegria” da Nona Sinfonia (“Todos os homens chegarão a ser irmãos”) e o apaixonado desejo de liberdade.

2. Nem toda a produção artística é uma forma de evasão ou de criação de mundos alternativos dado que não se consegue conviver com os mundos reais em que existimos. Nem todos os artistas produzem obras de arte para criar um mundo no qual possam viver porque se sentem desadaptados a este mundo real em que vivem.

“O que julgam que é um artista? Um imbecil que não tem olhos? A pintura não foi inventada para decorar apartamentos. Ela é uma arma de defesa e de ataque contra o inimigo.”

A dimensão social da arte

A produção artística não é alheia ao contexto social

A qualidade de uma obra de arte não é

A obra de arte não é pura e simplesmente a manifestação da individualidade e da vida interior do artista.

Arte e consumo

A tese de Walter Benjamin

A tese de Theodor Adorno

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determinada pelo contexto social (a coexistência de criadores geniais e medíocres é uma característica de todas as épocas), mas a sua temática, por exemplo, é fortemente condicionada por acontecimentos históricos, políticos, científicos, religiosos, etc.

Nela exprimem-se também múltiplos aspectos da época em que o artista viveu, da sociedade e do grupo social a que pertenceu.

Os avanços tecnológicos e científicos dos finais do século XIX e dos princípios do século XX, tornaram possível um fenómeno a que os teóricos da arte deram o nome de “reprodução mecânica da obra de arte”. As obras de arte, a partir de então, podiam ser reproduzidas ou copiadas em grandes quantidades.

As obras de arte anteriores à época da “massificação” tinham aquilo que Benjamin denomina “aura”, isto é, uma espécie de presença espiritual decorrente do seu carácter único e irrepetível.

Quando alguém contemplava um quadro de um pintor famoso tinha consciência de estar a viver uma experiência estética que só aquele quadro lhe podia oferecer e mais nenhum outro porque realmente só havia esse quadro.

A reprodução técnica em série da obra de arte provoca a perda desta “aura”. Dá-se uma espécie de dessacralização da obra artística.

Vivemos na época da “indústria da cultura” que ameaça reduzir a obra de arte a simples mercadoria, a objecto de consumo sujeito à lei da oferta e da procura. A consequência da industrialização da arte é, para Adorno, muito negativa: impõe-se uma “cultura artística” de massas que só valoriza a obra que vende e é consumida pelo maior número possível de pessoas. As obras de arte deixam de ser fontes de conhecimento, e de transfiguração, transformando-se em simples objectos de entretenimento e de evasão. Desvalorizada, a arte torna-se espectáculo (as indústrias cinematográfica e televisiva são, para Adorno, as formas mais flagrantes de redução da arte a espectáculo).

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