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1 Sistema de Escassez Estudo de Caso: Civilização Asteca, suas relações monetárias e pirâmide social Reescrevendo Soustelle José Lourenço Gomes

Sistema de Escassez

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Livro que conceitualiza um possível viés no conceito de escassez usado pelo modelo econômico e que provavelmente pode ter influenciado todas as culturas concebidas dentro desse modelo e toda uma visão de mundo. Usando fontes históricas, textos científicos e documentários de fontes diversas, tenta-se juntar pontas de diversos pontos de vistas que são vistos usualmente de forma independente, mas que também se relacionam, inevitavelmente, entre si.

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    Sistema de Escassez

    Estudo de Caso:

    Civilizao Asteca, suas relaes

    monetrias e pirmide social

    Reescrevendo Soustelle

    Jos Loureno Gomes

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    Dedicatria

    Dedico este livro a absolutamente todas as pessoas, sem exceo.

    Porque o futuro dos meus filhos e dos meus netos depende do futuro dos seus

    filhos e dos seus netos.

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    O ser humano sempre se achou imprevisvel. Sempre achou que determina o

    meio no qual vive. Neste livro levantaremos a possibilidade do caminho oposto. De

    que o meio quem determina o ser humano. E que dentro de um conceito de

    escassez temos muitos comportamentos facilmente previsveis.

    Temos portanto essa mquina biolgica fantstica com um DOS (sistema

    operacional em disco), que o fato de ser humano, num conceito extremamente

    vago, mas que todos ns sentimos l no fundo, com infinitas possibilidades e

    potenciais.

    Como interface para interao temos este tipo de Windows 3.2 (escassez/

    sistema monetrio) que entra constantemente em conflito com o seu DOS, inclusive

    com o surgimento de tela azul durante o processamento. Dentro desse ambiente

    Windows temos diversos aplicativos e programas como amor, poltica, sucesso,

    felicidade, medicina, engenharia, etc... Todos concebidos dentro desse ambiente de

    escassez.

    Seria possvel atualizar essa interface? Reprogram-la? No para conceber

    uma mquina sem conflitos ou sem erros, pois o perfeito simplesmente no existe.

    Mas para que os conflitos com seu DOS fossem reduzidos ao mximo possvel.

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    ndice

    1. PRLOGO----------------------------------------------------------------------5

    2. CONSIDERAES INICIAIS-------------------------------------------------7

    3. INTRODUO-----------------------------------------------------------------21

    4. ASPECTOS HISTRICOS----------------------------------------------------25

    5. CIVILIZAES PR-ASTECAS----------------------------------------------35

    6. O IMPRIO ASTECA E SUAS RELAES MONETRIAS---------------46

    7. SOCIEDADE ASTECA E SEUS CIDADOS--------------------------------51

    7.1. A ELITE--------------------------------------------------------------------54

    7.2. OS ESCRAVOS E MENDIGOS-------------------------------------------56

    7.3. OS HOMENS DE NEGCIO---------------------------------------------57

    7.4. OS HOMENS DE RELIGIO--------------------------------------------58

    8. O DINHEIRO-------------------------------------------------------------------60

    9. A RELIGIO--------------------------------------------------------------------61

    10. GOVERNO HIERRQUICO---------------------------------------------------65

    11. LEIS E SISTEMA JURDICO--------------------------------------------------68

    12. QUEDA DO IMPRIO---------------------------------------------------------70

    13. CONSIDERAES FINAIS----------------------------------------------------75

    14. ADENDO------------------------------------------------------------------------92

    15. REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS------------------------------------------94

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    PRLOGO

    A Histria de Uga e Buga.

    Existiam 2 vizinhos. Uga tinha gua. Buga tinha comida. Quando um ficava com

    fome e o outro com sede brigavam. Eles no falavam a mesma lngua e no se

    entendiam. No entendiam seus costumes e no entendiam as coisas ao redor deles.

    No havia dilogo entre eles e no final das contas, tinham, na verdade, medo das

    coisas ao redor e um do outro e de tudo que no entendiam. Quando ocorria

    relmpagos com troves era uma correria s. Achavam que alguma criatura muito

    poderosa estava com raiva deles.

    Aps um tempo, eles decidiram trocar as coisas em vez de brigar. Um pouco de

    gua por um pouco de comida. Um tempo depois, como no achavam muito justo,

    criaram uma moeda para poder mensurar as trocas. Porm depois que eles juntaram

    um pouco de moeda surgiu a necessidade de estocar o mximo de comida ou de gua

    quando a transao favorecia um ou o outro. Para no passarem por momentos de

    escassez.

    Ainda assim havia perodos em que consumiam de forma exagerada toda a

    comida e toda a gua. Quando isso ocorria, olhavam eles um para o outro. Pouco

    tinham aprendido sobre a lngua um do outro. Pouco tinham entendido sobre a

    histria um do outro. Mas viam que a cor da pele entre eles era diferente. E que os

    hbitos de um desagradavam o outro. Confiar, no confiavam um no outro. Afinal j

    haviam manipulado tantas vezes os preos a favor de si mesmo. Haviam passado

    tantas vezes a perna um no outro na hora de contar o dinheiro. No importava mais

    que fossem vizinhos. No importava mais conversarem e se entenderem. E quando

    no concordavam com alguma negociao, logo voltavam a brigar como antes.

    Um dia Buga teve um sonho. Sonhou que ele e Uga estavam brigando. Eles j

    nem sem lembravam o motivo. Ento, exaustos eles sentavam para descansar.

    Olhavam um para o outro e comeavam a ver o quanto eram iguais. Os dois estavam

    cansados. Os dois tinham famlias para sustentar. Os dois eram vizinhos e moravam

    no mesmo planeta. Os dois dependiam um do outro e dependiam dos mesmos

    recursos naturais. Precisavam comer e beber. Os dois tinham pensamentos

    abstratos (sonhos e planos). A famlia de cada um havia construdo uma tecnologia

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    que ajudava a vida de ambas as famlias. O filho de Uga tinha descoberto a roda e a

    cadeira, o filho de Buga tinha aprendido a manipular o fogo e a construir casa de

    alvenaria. A neta de Uga tinha criado roupas de tecelagem e a porcelana. O neto de

    Buga tinha inventado o aqueduto e o relgio.

    Quantas tecnologias maravilhosas tinham eles criados. E se eles, agora que j

    conheciam mais a lngua um do outro, os costumes um do outro, sentassem e

    conversassem. Ao invs de trocar as coisas de forma to desesperada em possuir na

    quantidade que eles tivessem dinheiro para comprar, ser que eles poderiam

    conversar e ver o quanto eles tinham de recurso e quanto que eles precisavam. Sem

    medo de um dia no ter. Apenas gerenciando da melhor forma seus recursos e

    ampliando suas tecnologias de forma renovvel e maximizando a reciclagem de seus

    recursos. At teriam de sobra as coisas que eles quisessem produzir. Quem sabe

    sobraria um tempo para participar da vida de seus filhos, de seus netos. Talvez um

    tempo para conversar sobre suas diferenas, suas semelhanas. E at para que as

    geraes seguintes pudessem conversar entre si, sem que o dinheiro substitusse as

    palavras, o afeto e a lgica...

    Triiimmm! O neto de Buga havia inventado o despertador. Buga j no se

    lembrava direito do sonho. Ele tinha que ir trabalhar para garantir o sustento de sua

    famlia que s crescia. Afinal as coisas comearam a custar dinheiro ou no? Ora,

    pensou ele, se fosse para isso acontecer, o Uga que viesse conversar comigo. Eu vou

    estar esperando."

  • 7

    CONSIDERAES INICIAIS

    So duas as principais dificuldades em entender o que ser discutido. Primeiro,

    a crena dogmtica de que as coisas so como so e que no mudam. Para quem tem

    apenas a viso micro e no usa a viso macro das coisas.... Para quem v apenas o

    momento e no tem uma viso da histria do universo como um todo, pode parecer

    verdade. Existem dois sites que de uma forma bem didtica oferecem uma viso

    sobre a histria do Universo. Dessa histria somos uma pequena parte, pois de 13,7

    bilhes de anos fazemos parte apenas de 200 mil anos. Os sites so Big History

    Project e The Reality of Me. Essa histria mostra que nosso mundo e todas as

    coisas ao redor continuam se modificando independente da presena humana e

    tambm por causa dela. E se um dia a raa humana se extinguir, o universo

    continuar sua mudana. Tudo muda. O tempo todo.

    A segunda dificuldade vem de uma viso segmentada do mundo. Como se as

    coisas, os assuntos e os seres vivos fossem caixas individuais e que nada tem a ver

    com nada. Que economia no se mistura com sade, que pessoas no tm a ver com

    ecossistemas martimos. Ningum uma ilha. Mesmo que se v para o meio do

    mato, ainda assim vai se comer comida do meio ambiente e vai se beber gua do

    meio ambiente. Fala-se muito de viso holstica, mas pouco se pratica. Ser que

    devido ao conceito de especializao criada pela prpria economia? Cada um sabe de

    si e pronto. O mdico fala e eu obedeo, no preciso entender do que ele fala. O

    economista fala seus clculos e isso. Pronto, eu obedeo, no preciso entender. Pra

    que... uma linguagem muito tcnica, no tem traduo. Ser que no podemos nos

    esforar um pouquinho para entender um s um pouquinho das coisas que nos

    afetam diretamente. Ento vamos l tentar.

    A base do sistema monetrio a escassez e o direito propriedade, to

    defendida por John Locke e Adam Smith. Afinal, se no h para todo mundo, preciso

    definir de quem , ou seja, a propriedade. Se no houver escassez, no h demanda e

    logo no h troca. Mas esse ainda um sistema instvel, portanto para mant-lo

    surgi a terceira base: o medo. Porm o medo ainda no totalmente estvel em

    grandes populaes como vemos em revoltas camponesas e de escravos durante a

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    revoluo neoltica. Entra ento a estratificao social com distribuio de recursos

    de forma escalonada conforme um gradiente de escassez do recurso. Isso deu maior

    estabilidade ao sistema. Portanto, pode-se dizer que a base do sistema um trip: a

    escassez, a propriedade e o medo. Esse trip projetvel em qualquer sistema de

    escassez, incluindo o monetrio. Logo, no s a base da econmica, ela acaba

    influenciando cada aspecto de nossas relaes no mundo.

    Algum pode pensar que o medo necessrio. Eu diria que na verdade ele

    ocorre naturalmente da anlise de experincias prvias ruins, sejam suas ou de seus

    genitores, segundo a possibilidade de uma herana epigentica. Voc comeu algo e

    passou mal ou algum comeu algo, passou mal e voc viu. Logo, voc ter medo da

    prxima vez que encontrar essa comida. Mas voc pode confront-lo, conviver com

    ele ou estud-lo. Das trs, prefiro estud-lo. Pode-se aprender muito com eles e

    inclusive assim venc-lo sem danos maiores. Conviver com ele no faz o medo sumir

    e voc sempre estar se sentindo limitado por ele, podendo at pior-lo ou agreg-lo

    a outros medos. Principalmente se voc acredita que o medo te mantm vivo.

    Confront-lo uma forma de estudar, porm muito combativa. Voc pode se

    machucar ou machucar outros nesse processo e nem sempre estar aberto a tudo

    que o medo pode te ensinar: ensinar a no ter medo conhecendo as variveis

    envolvidas e que naturalmente voc poder usar em outras situaes.

    Para entendermos a base da nossa economia e como ela pode nos influenciar

    precisamos definir alguns conceitos acima. Demanda procura. E se uma ao s

    pode ser feita por organismos vivos. E esta procura ser sempre causada por uma

    escassez ou manipulao dela.

    J escassez, segundo o dicionrio Aurlio sinnimo de carncia. Carncia s

    faz sentido tambm com organismos vivos. Se houver menos gua num lago ele

    apenas muda de nome para poa de lama. No faz sentido dizer que o lago tem

    carncia de gua. Portanto carncia s faz sentido com organismos vivos porque eles

    tm necessidades. E quando eu no atendo essas necessidades totalmente ou

    parcialmente ou apenas por um perodo eu gero uma carncia ou uma demanda.

    Essa a ferramenta num sistema de trocas, pois apenas existe a troca porque h

    escassez e interesse. No se faz o trabalho pelo que ele ou porque algum precisa

    ou por bondade ou por filantropia, mas apenas por interesse, seja ele qual for. Essa

    a regra de como funciona. Pois no final voc tem que pagar suas contas, seus

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    impostos, certo?

    Como a escassez influencia a sociedade? Uma sociedade de leoa tem vrias

    caractersticas de sistemas de escassez. A mais antiga e mais forte lidera sobre um

    regime de medo, um respeito pelo medo. O leo lder se alimenta primeiro, depois a

    leoa lder se alimenta primeiro. As leoas mais de baixo dessa sociedade se digladiam

    sobre a comida num constante teste a pirmide social. E por ltimo os filhotes se

    alimentam. Eles consomem carne sem se preocupar sobre a sustentabilidade do

    recurso que precisam e obviamente seu conhecimento os deixam a merc da

    escassez que na natureza ocorre de forma espontnea. Portanto, se uma sociedade

    de leoas entra em escassez de comida, elas ficam mais estressadas, lideranas so

    questionadas e pode chegar ao momento de uma luta corporal que pode causar no

    s a morte de algumas das leoas, mas at atos de canibalismo. Parece um pouco com

    nossa sociedade? Parece que um quer comer o outro vivo? De certa forma...

    Esse comportamento frente a escassez extrapolvel para o comportamento

    humano. Vemos inclusive em smios e macacos. Quando algo se torna escasso

    ficamos mais competitivos, ansiosos em adquirir. Portanto ficamos mais

    possessivos, pois aquilo que conseguimos de forma suada no queremos dividir.

    Ficamos mais desconfiados, com medo que outros roubem aquilo que est em nossa

    posse e com medo de que talvez no tenhamos pego a melhor opo. Portanto

    comparamos mais as coisas que podemos dispor para pegar a melhor escolha

    possvel.

    A competio traz o melhor resultado? Esse um conceito de escassez, pois se

    eu sou o vencedor porque ningum consegue fazer que nem eu. Se tratando do

    vencedor, no h dvidas do benefcio, mas e para o bem-estar comum? E para o

    perdedor? Alis, quem o ganhador sem o perdedor? A competio, em muitos

    casos, no leva a guerra? Se analisarmos o ganhador veremos que a meritocracia

    tem algumas coisas esquisitas. A imensa maioria dos casos dos ganhadores tiveram

    condies para se desenvolverem. Tiveram alimentao adequada, tiveram estimulo

    dentro do mais avanado para o corpo ou para a mente se desenvolverem

    dependendo do campo de atuao. E tiveram persistncia, muitas vezes fascista ou

    sadomasoquista. Mas probabilisticamente falando, persistncia quer dizer que eu

    vou tentar o maior nmero de vezes. Isso no aumenta a minha chance de sucesso?

    Quanto mais eu tento, mais eu conheo as variveis envolvidas, e consigo control-

  • 10

    las melhor. Ento se levarmos em conta as condies para se desenvolver um

    campeo e a probabilidade da sua persistncia, nos perguntamos qual o seu

    mrito? um benefcio apenas prprio? Isso d direito a pisar em cima dos

    perdedores? Hum, abriu mo de lazeres e amigos... Mas foi sua opo ou foi imposta,

    muitas vezes quando o campeo no tinha nem idade para melhor discernimento

    sobre si mesmo ou sobre sua sociedade. Ou simplesmente porque era a nica opo

    de sobrevivncia como no pas do futebol. Isso d direito a excluir pessoas? Bom,

    numa sociedade estratificada, acho que isso normal. Ser que cooperao no leva

    a um resultado melhor? Como no conceito open source.

    Outro exemplo de como escassez influencia nossa sociedade o termo criar

    dificuldade para vender facilidade. No ser isso apenas a manipulao da escassez

    para conseguir algo? Como lucro ou um benefcio em negcios; sejam eles polticos,

    financeiros ou prestgio social. E quando uma pessoa se esmera tanto em um

    conhecimento que ele se torna to raro e precioso como um diamante Koh-i-Noor.

    Sua opinio vale mais que cem homens juntos. Seu preo s a prpria pode estimar.

    Isso tambm no manipulao de escassez de informao?

    Numa sociedade onde h escassez de informao, quem tem mais informao

    pode manipular essa escassez. E seu valor no mercado se baseia nisso. Portanto a

    prpria linguagem tcnica acaba gerando escassez de informao e contribuindo

    para o valor de mercado de determinadas reas. Em teoria, ela serve para diminuir a

    variabilidade de interpretao daquela palavra, portanto deveria fazer parte do dia a

    dia de todos e da educao de todos para melhorar a comunicao entre as pessoas.

    Porm alguns termos tcnicos parecem ter apenas a funo de afastar o pblico

    geral de determinados campos de conhecimento.

    Um exemplo histrico para ilustrar o conceito de escassez e que merece o

    conhecimento de todos a ilha de Pscoa e seu passado com o povo polinsio.

    Colonizada provavelmente entre 800 a 900d.C. Por volta de 1300 h indcios de que a

    populao alcanou o limite suportvel para a quantidade de recursos naturais da

    ilha dentro dos seus recursos tecnolgicos, com vrios relatos de ecocdios e guerras

    com genocdios entre as diferentes famlias e at mesmo dentro da mesma famlia.

    Se compararmos a populao mundial que recentemente chegou a 7 bilhes, nos

    faz perguntar: Estamos fadados ao mesmo erro?

    A cultura e o nvel de educao de uma sociedade influenciam o seu

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    comportamento num sistema de escassez. Historicamente um dos exemplos

    recentes que podemos citar o incidente de Fukushima em 2011. Houve escassez de

    alimentos devido a proibio aos produzidos pelas regies afetadas pela radiao e

    que antes eram distribudos por todo o Japo. Houve racionamento tambm de gua,

    devido ao risco da contaminao da mesma. As medies de iodo-131 e de csio-137

    sugeriram lanamentos radioativos no meio ambiente na mesma ordem de grandeza

    de Chernobyl em 1986. Porm um comportamento diferente permitiu evitar uma

    catstrofe como a anterior. Por maior que seja o orgulho japons, no houve

    acobertamento do ocorrido e todas as informaes prvias como treinamento j

    haviam sido dadas e todas as informaes sobre o acidente eram atualizadas o mais

    rpido possvel. O alto nvel de educao da populao incluindo conhecimento

    tcnico sobre o que estavam enfrentando e os diversos treinamentos para agir em

    catstrofes permitiu um comportamento peculiar que permitia a populao cobrar

    transparncia do seu governo (ou seja, ainda houve um aumento do grau de

    desconfiana) e ao mesmo tempo aplicar o que j sabiam. No houve saque ou

    tumultos relatados durante o perodo. Culturalmente o pas j tem outros fatores que

    contriburam para esse comportamento. Mas por quanto tempo esse

    comportamento peculiar se manteria antes de surgir o caos social nunca

    saberemos. Alis, o ideal seria deixar uma sociedade por nenhum tempo que no o

    absolutamente necessrio e justificado em escassez que no fosse possvel de

    prevenir.

    Portanto o estado cultural pode atenuar ou agravar a sensao de escassez de

    uma civilizao. Dentro do Brasil temos at exemplos regionais. Um aniversrio de

    criana no nosso pas tem tradicionalmente a mesa de doces a qual dado acesso

    aos convidados somente aps os parabns. Pois dependendo da regio do pas essa

    mesa chegar ou no intacta a esse momento. Em algumas regies essa mesa ser

    pilhada aps os parabns como se fosse faltar comida no supermercado. At com

    brigas dentro das prprias famlias. Crianas so incentivadas a furtar antes dos

    parabns os doces mais requisitados. So criadas vrias estratgias para acumular o

    mximo de doces possveis, mesmo que muitos deles acabem depois no lixo. Em

    outras localidades existem fila para a distribuio. E em outras existe um

    desinteresse pelo doce, pois a educao sobre uma dieta mais saudvel acaba

    causando desinteresse sobre a mesa de doces. Isso pode ser explicado pelo estado

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    cultural e educacional de cada regio.

    Em termos culturais, temos a sensao de viver a cultura da escassez, de uma

    forma inconsciente, talvez devido escassez de tempo para refletirmos o estado

    atual das coisas: S voc pode conseguir. Somente o ganhador dessa etapa poder

    ter acesso. Vitoriosos so poucos, o resto rasteja. S os mais fortes

    sobreviveram, Apresentamos essa exclusividade para clientes VIP. So sabores

    nicos. Homens como ele existem poucos. Corra, oferta por tempo limitado.

    Trabalhos bons s existem poucos, agarre bem o seu. Tnis s se for aquele.

    Carro, somente aquele tipo com aquela configurao. O resto carroa. Bolsa, no

    tem igual quela. Para vender produtos, cai muito bem. Mas e quanto as emoes,

    ser que podem ser influenciadas por esse estado cultural: Mas o que voc tem

    nunca o suficiente. Amor verdadeiro s existe um. S voc me entende. No

    confie em ningum. Minha pacincia hoje pouca, voc quer brigar? Como

    chegamos a essa situao?

    A concepo de que somente os mais adaptados sobrevivem um conceito

    evolucionista que serve apenas para todos os seres vivos com exceo do homem.

    Porque se examinarmos como determinados tipos de escassez selecionaram

    espcies e subespcies, veremos que essas populaes apresentavam uma

    variedade gentica surgida espontaneamente aps milhares de anos. Portanto no

    houve uma interveno inteligente sobre essa escassez. Houve a ao de eventos

    naturais agindo sobre um pool gentico. O homem com sua suposta capacidade

    intelectual superior a dos demais animais consegue prever e manipular a escassez.

    Isso extremamente diferente do que vemos com todas as outras espcies.

    Vamos ento tentar entender uma sociedade organizada pelo dinheiro. O

    dinheiro apenas uma tentativa de regulamentao de um sistema de troca. Portanto

    quem detm o suprimento de dinheiro, pode manipular as trocas? Quem detm esse

    poder? E como isso pode influenciar o trabalho que tanto influencia nosso humor? J

    que a maior parte do nosso dia.

    Qual o empregador que no acha que paga demais seus funcionrios. E qual o

    empregado que no acha que recebe de menos. Isso uma constante e que mina

    progressivamente qualquer relao de confiana entre os dois.

    Se tomarmos os salrios dos empregados como um lucro fixo, comeamos a

    entender alguns pensamentos. Muitos empregados esto ali para pagar suas contas

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    e no porque seu trabalho faz diferena na vida de outras pessoas ou mesmo na sua

    vida. Se estivermos falando ento de trabalhos repetitivos e montonos ento

    fechamos um ciclo vicioso. Pois independente do que ele fizer seu salrio ser o

    mesmo no final do ms. J o patro tem um salrio varivel, pois seu lucro depende

    de uma demanda varivel seja qual for a rea dele. Alm de ter que lidar com vrios

    tipos de empregados, ele ainda tem que lidar com a parte burocrtica e legal e a

    parte de impostos para poder trabalhar. Se o negcio falhar todo o peso do fracasso

    e os custos da falncia tambm ficam por sua conta. Se ele no conseguir gerenciar o

    seu lucro pode haver meses em que fique no negativo dependendo do decrscimo da

    demanda, a menos que ele possa manipular esta demanda para no ficar tanto a sua

    merc. Portanto dinheiro ensina sim e muito as pessoas em vrios aspectos do seu

    cotidiano.

    Alis, o dinheiro, hoje em dia, quem gerencia todo o acesso aos nossos

    recursos naturais, nossos recursos tecnolgicos e servios. Se voc no tiver

    dinheiro voc morre de fome, de sede ou de condies de vida insalubres. Vivemos

    num mundo onde 805 milhes de pessoas no mundo no comem o suficiente para

    serem consideradas saudveis; onde 3 milhes de crianas morrem anualmente de

    causas relacionadas a fome ou a condies insalubres de vida. A fome mata

    anualmente mais pessoas do que a AIDS, malria e tuberculose juntas. Viveremos

    num mundo onde a previso para daqui a 30 anos teremos 24 milhes de crianas

    em condies de fome. A fome no uma doena contagiosa. No uma fatalidade do

    transito. E considerando que o mundo joga hoje mais de 1,3 bilho de tonelada de

    comida por ano, por que essas pessoas no tm acesso a comida? O acesso

    gerenciado basicamente por dinheiro e todas as instituies oriundas de uma

    sociedade baseada no dinheiro. Ento est faltando dinheiro no mundo?!?!

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    No Brasil os dados no so diferentes. J tivemos em torno de 22 milhoes de

    desnutridos no incio da dcada de 90. Hoje temos em torno de 4 milhes segundo

    relatrios incluindo o da FAO (Organizao das Naes Unidas para Alimentao e

    Agricultura). Porm anualmente 26 milhes de toneladas de comida so jogadas no

    lixo no Brasil, segundo dados de 2013. No faz sentido. Se diminuirmos a comida que

    jogamos no lixo no vai aumentar para essas pessoas. E se simplesmente

    aumentarmos o acesso sem educao corremos o risco de ainda termos pessoas que

    no se alimentam direito por escolhas mal direcionadas.

    At que ponto vivemos numa economia que gerencia escassez ou numa

    economia que manipula escassez? Nossas necessidades podem ser necessrias a

    sobrevivncia ou fazer parte de uma cultura de escassez. Por exemplo: algum com

    fome uma necessidade real, afinal necessrio ser suprida para a sua

    sobrevivncia. Porm um perfume numa propaganda que diz que com ele aquela

    mulher conseguir o homem que ela desejar j poder ser considerada uma

    necessidade virtual. Ou seja, foi criada uma necessidade que no necessria para

    sua sobrevivncia e que provavelmente no influenciar realmente nas chances de

    procriao daquela mulher principalmente dependendo da sua escolha de parceiro. A

    manipulao dessas necessidades, ou melhor, dessa escassez; seja produzindo a

    sensao de escassez; seja especulando e prevendo o seu surgimento; ou

    simplesmente percebendo seu ponto de vantagem no momento em que ela surge

    permite que o Interesse acumule Capital. Na nossa economia a transformao da

    necessidade em escassez automtica porque no h interesse em simplesmente

    atender necessidade. Tem que haver uma troca.

    Como posso viver sem troca na nossa sociedade, ento? Doao?! Ser que d

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    para viver de doao? Esse tipo de pensamento nos d uma noo vaga de que j

    entramos nessa sociedade em dvida. A dvida, na verdade, financeira. Pois, mesmo

    morando na casa dos pais, mesmo sem contribuir com os impostos da casa ou com

    os impostos pessoais ou com os gastos pessoais em alimento, bebida, roupa ou

    higiene. Mesmo assim, teremos que juntar dinheiro, ou pagar no crdito, ou pegar

    financiamento para conseguir algum desejo, um vdeo game, uma viagem. Apesar

    disto, ns aceitamos essa dvida sem questionamento atravs de concepes morais

    baseadas em escassez. Afinal, temos que batalhar para ter nosso lugar ao sol. Sem

    dor, sem ganho. Nada vem de graa. Entre outras. Se seus pais no tivessem o

    dinheiro necessrio para pagar pela sua educao, pela sua cultura, pela sua sade

    como voc cresceria? Teriam seus pais at mesmo tempo para lhe dar amor e

    compreenso? Mas eu no pedi para nascer!!. Meus pais que tivessem pensado

    nisso antes de te conceber! . essa a sociedade que queremos? E se seus pais no

    tivessem dinheiro para te criar? Poderiam seus pais te criar s com doaes? No

    sem o risco de se criar um desnutrido com deterioramento progressivo da sade. E

    atendimento mdico? Pode-se atender bem esse desnutrido? Ele ter acesso a

    medicao que precisa? Conseguir ele entender as informaes necessrias sua

    sade? E educao, ser que existe uma de boa qualidade para esse desnutrido?

    Segurana, talvez. Ah! Esse desnutrido acaba sendo o prprio alvo da segurana local.

    E qualquer coisa com um grau de dignidade a mais... Bom, a tenho que entrar numa

    economia onde tudo negocivel. Onde nossos filhos j entram endividados. Como?

    Bom, imposto uma dvida, certo? E emprstimo, um tipo de dvida que no final eu

    sempre pago um montante alm do valor emprestado. Sempre h juros, seja para

    pessoa fsica, jurdica ou pblica. Contando que todo o dinheiro em circulao vem

    de algum tipo de emprstimo, ento temos uma economia baseada em dvidas.

    Ento, existe uma liberdade extremamente limitada fora do dinheiro, que

    basicamente depende da boa vontade de pessoas para ceder o alimento e a bebida.

    Com nenhuma segurana e at correndo o risco de ter o corpo incendiado, ou ser

    esfaqueado, ou ser alvejado, porque simplesmente est incomodando os outros com

    a sua presena. S em Braslia j aconteceu os trs tipos de agresso. O ndio Galdino

    Jesus dos Santos participou de manifestaes do Dia do ndio em 1997 pela

    recuperao da Terra Indgena Caramuru - Paraguau. Esteve em reunio com o

    ento presidente Fernando Henrique Cardoso e outras autoridades junto com sete

  • 16

    lideranas indgenas. Chegou tarde penso onde estava e no pode entrar. Resolveu

    ento passar a noite em um abrigo de ponto de nibus. Teve seu corpo incendiado

    em 20 de abril de 1997. Morreu horas depois devido a gravidade das queimaduras.

    Na poca, um dos rapazes disse imprensa que ele e seus amigos achavam que

    Galdino fosse um mendigo e por isso decidiram levar a frente atrocidade.

    Moradia gratuita.... Esquea! Assistncia a sade depende da boa vontade

    poltica. Educao.... Sem comentrios. Quem de uma classe social mais alta quer

    aumentar a competio que seus filhos iro enfrentar. Ento, se voc quiser

    realmente liberdade... Poder viajar, comprar o que quiser, ter um acesso digno a

    sade e a informaes significativas s saber negociar. Saber entrar de baixo da

    mo invisvel de Adam Smith.

    A escassez em situaes naturais ocorre de forma espontnea e previsvel. Com

    a tecnologia e o conhecimento que dispomos, h capacidade de prever ou prevenir

    praticamente todos os tipos de escassez, se no todos. Portanto a economia de

    gerenciar escassez comea a no fazer mais sentido no nosso atual nvel de

    tecnologia e de conhecimento.

    E o conceito de propriedade no dicionrio? Segundo o dicionrio jurdico o

    direito de usar, gozar e dispor de um bem, com exclusividade, de acordo com os

    limites e obrigaes impostas no ordenamento jurdico.

    Na nossa sociedade muitas coisas j foram consideradas como propriedade:

    pessoas podem ser consideradas propriedade e j foram legalmente consideradas

    propriedade. Sentimentos e ideias so muitas vezes considerados propriedade. A

    ideia de exclusividade gera uma projeo do eu onde muitas vezes a pessoa d sua

    vida pelos seus bens. Carros se tornam mais importantes do que filhos ou do que

    seres vivos atropelados. Vemos assim uma sociedade treinada para ser competitiva,

    com cidades entulhadas de carros e com acessos restritos nas ruas, onde a escassez

    de tempo se transforma em escassez de dinheiro. Resultado: olhe o transito de

    nossas cidades.

    E namorados, cnjuges e amantes que matam seu ente amado. Porque se no

    pode ser meu no de mais ningum. Bom, teoricamente, se as pessoas esto

    juntas deveria ser porque elas querem e no porque so propriedade uma da outra.

    Na nossa economia e nosso estado cultural-educacional atual, ns sabemos que uma

    pessoa pode ser manipulada para ficar com a outra. Alis, na nossa economia,

  • 17

    qualquer um pode ter sexo a qualquer hora, sem que haja qualquer tipo de

    convivncia ou relacionamento afetivo. Simplesmente se adquire esse produto

    atravs do dinheiro. Ou seja, apenas porque a pessoa que oferece o produto precisa

    comer, viver e ter acesso as coisas. At no sexo casual existe uma qumica entre as

    partes, mas no sexo monetrio h algo automatizado, algo despersonalizado como

    descrito em algumas sndromes psiquitricas. Chega a ser mecnico. O mesmo

    acontece na sndrome Burnout e em trabalhos montonos. Onde est o rob? Parece

    que na economia monetria as pessoas acabam virando os robs.

    Sim, um aspecto que permeia a economia monetria a despersonalizao.

    Quando voc compra uma vassoura de piaava voc sabe o que est comprando? E

    quem so as pessoas envolvidas na fabricao? Que recursos naturais esto sendo

    usados? Se o meio de produo poluente ou no? Que tipo de energia eles usam?

    Quantos distribuidores existem at chegar a voc? Voc simplesmente compra e

    magicamente a vassoura sua, no importa as outras informaes. No vai

    influenciar a sua vida.... Ser? A despersonalizao tambm ocorre durante o

    trabalho da pessoa. Muitas vezes, elas se esquecem que esto ali para ajudar ou

    facilitar a vida das outras pessoas, s o que interessa o dinheiro no final do dia ou

    do ms. Como nos casos de despersonalizao de cuidadores que em alguns casos

    maltratam as pessoas que eles deveriam ajudar. Ou mesmo quando um chefe cobra

    resultado de seu subordinado. Ele no quer saber sobre que tipo de escassez ou

    presso seu subordinado est passando. E pode dar como desculpa algo totalmente

    pessoal e intransfervel: Eu j passei por isso.

    A despersonalizao tambm potencializa o desperdcio. Por exemplo: quando

    voc vai comprar uma ma, voc no pega qualquer uma. Afinal a distribuio

    desde quando foi colhida at chegar a sua mo no culpa sua. E partindo do

    pressuposto que todos pagam o mesmo preo pela ma voc entende o seu direito

    de pegar a melhor ma daquele mercado. Mas, e as mas machucadas durante o

    transporte que ningum pega e que depois iro ser desprezadas, j apodrecidas. Sem

    falar na ineficincia do sistema montado para a ma chegar a sua mo. Imaginemos

    uma rvore no seu quintal com uma ma que est madura, mas j tem uma cicatriz

    de um bicho. Ser que voc no aproveitaria at as machucadas no cho? Tentaria

    voc aproveitar ao mximo as mas que esto ali? Existem pessoas que at comem

    o machucado da ma. Uma ma sem preo. Ser que at as pessoas nesse modelo

  • 18

    despersonalizado ou terceirizado acabam sendo pouco aproveitadas? E se tornam

    facilmente descartveis. Acabam com seu potencial pouco aproveitado ou mesmo

    desperdiado. Como uma ma.

    Outro distrbio que parece ser estimulado pelo nosso modelo econmico so os

    delrios persecutrios. Numa sociedade extremamente competitiva natural que e

    no se confie com quem se est competindo, pois o seu colega de trabalho pode

    ganhar a promoo que voc tanto queria. E at que ponto a tentativa de definir o

    que tico numa competio tambm no deixa as pessoas paranoicas, procurando

    erros nos outros, tentando definir o que certo e o que errado. Mas, alm disso, h

    a desconfiana devido a estratificao social que simplesmente mostra qual o meu

    grau de acesso aos recursos tecnolgicos, recursos naturais e servios. Portanto

    aquele celular chique que sumiu de cima da mesa tem basicamente duas

    proposies: Ou a moa da limpeza realmente passou a mo j que ela mesma

    queria um celular assim ou precisava do dinheiro que aquilo representa; ou voc

    simplesmente esqueceu debaixo do banco do seu carro. E andamos assim pela rua

    olhando ao redor para adivinhar quem ir nos roubar algo. Portanto da prxima vez

    que voc estiver dirigindo e achar que o cara do outro carro est apenas querendo

    lhe prejudicar, pense com cuidado. Pode ser um assaltante de carro, mas pode ser

    algum perdido procurando placas ou simplesmente distrado. Pois, no porque

    voc est sendo espremido no seu trabalho e que tem hora para cumprir que voc

    ter o direito de exigir do outro, ou achar simplesmente que o outro est querendo

    lhe prejudicar. Sim, claro, estamos todos inseridos num sistema de escassez que

    pem as pessoas constantemente sobre presso. Portanto, a tendncia de motoristas

    estressados ser reagir com violncia e mesquinharias. Seja pela competitividade no

    trabalho, seja pela escassez de acesso at sua casa, seja pela projeo do seu eu

    sobre aquele carro. Mas, basicamente, cuidado com os delrios persecutrios. Pode

    ser o comeo de uma esquizofrenia. Portanto, atravs desses modelos, vemos como

    delrios persecutrios podem ser incentivados pelo modelo de sistemas de escassez.

    Alis, somos todos ciclotmicos, variando nosso ciclo de humor ao longo do dia,

    da semana, do perodo menstrual. O que aconteceria se botssemos um ciclotmico

    sobre presso no de um dia, no de apenas um fim de namoro, mas de toda uma

    preparao sadomasoquista na escassez de oportunidades para um projeto de vida.

    Uma expectativa de como a vida deveria ser e no est sendo. Ou quando a vida se

  • 19

    torna a expectativa que se queria, ele se torna o super-homem com a receita

    infalvel para o sucesso. Ser que ele teria picos de frustao ou picos de

    entusiasmo? Ser que poderia romper os limites mal definidos da ciclotimia? Se

    tornar um bipolar ou ter um predomnio da fase depressiva ou da fase manaca?

    Poderia ter ideao suicida, talvez distrbios do sono, uma inquietude inexplicvel.

    Uma verborragia na busca por reafirmao e por reconhecimento. Ou talvez uma

    sensao de culpa excessiva.

    A noo inconsciente de propriedade e escassez tambm parece estimular um

    comportamento acumulativo. H uma quantidade de coisas que compramos e

    usamos uma ou duas vezes, s vezes nem usamos. Fica, ento, guardado no armrio,

    na prateleira, no closet, na sapateira e s lembramos que aquilo estava l quando

    mudamos de casa, isso quando lembramos. No pensamento, a ideia de que, um dia,

    quando precisarmos, aquilo estar disposio. Isso nos d a sensao de que

    estamos fazendo o melhor uso das coisas. Ser? Qual o limite para que isso no

    acaba se tornando o distrbio de acumulao compulsiva? A famosa sndrome de

    Digenes ou sndrome da misria senil (apesar de acometer jovens tambm). E

    quando relacionados a animais se chama sndrome de No. Muitos acham que na

    verdade um estgio final de um subtipo do transtorno obsessivo-compulsivo. De

    qualquer jeito, parece que a prpria economia ajuda no surgimento desta sndrome.

    A partir do momento em que vivemos a sensao de escassez no dia a dia e a noo

    de propriedade permite o acumulo, a pessoa no consegue suportar no ter aquele

    bem a sua disposio quando precisar. E o acesso a outro igual quele gerenciado

    pelo dinheiro. Note-se que esse comportamento mesquinho vemos em qualquer

    classe social. Alguns tm em suas garagens carros que no usam e que no

    precisam. E mesmo que o carro fosse digno de um museu, o dono quer ter como sua

    propriedade.

    Mas como podemos pensar diferente? Na economia monetria, a forma de se

    marcar ponto acumulando e ganhando dinheiro. Exemplo disso que quanto

    mais raro, entenda-se como mais escasso, for a sua coisa acumulada, mais dinheiro

    pode se ter. Pega-se um dinheiro comum e se guarda por bastante tempo. Pronto, ele

    passa a valer mais. Ou uma figurinha rara. Um tnis de modelo raro como da Nike.

    Um carro raro. Um pedao de terra numa regio onde j h muitas pessoas morando.

    No s pode-se ganhar mais dinheiro, mas tambm aquelas coisas escassas podem

  • 20

    dizer qual a sua posio naquela sociedade estratificada.

    Voc, caro leitor, pode achar: mas, e o ouro? Ele no uma coisa rara e logo

    escassa. Na verdade, no. O conceito de raridade vem da noo de consumo, de uso

    sem reciclagem. Sem sustentabilidade. Vamos tornar mais claro. A estimativa de ouro

    j explorado est em torno de 171 mil toneladas. Sem contar o que h de baixo da

    terra ou em outros planetas. Portanto hoje a maior parte do ouro usado em joias,

    bijuterias e cofres reciclada. A nica parte que no est sendo reciclada so

    medicamentos produzidos com ouro e pequenas quantidades usadas em circuitos e

    chips que representam 12% da produo anual. Estes usos representam realmente

    um consumo de ouro, porque no possvel reciclar com a tecnologia atual, devido

    ao custo monetrio de um mtodo de reciclagem atual e porque ainda no o

    substitumos por materiais de reciclagem mais fcil. O ouro por si s no h como

    dizer se temos pouco ou muito. uma comparao sempre relativa a algum ponto

    de vista. Por exemplo, do ponto de visto ortodntico foi substitudo por materiais

    mais fceis de serem produzidos e at reciclados, pois entram no ciclo do carbono.

    Ento porque ele vale alguma coisa? Basicamente, porque estamos numa economia

    de troca (escassez), por causa do interesse que se pe sobre ele, e por ltimo devido

    a quantidade que se tem disponvel para negociao (quantidade esta sujeita a

    especulao ou manipulao). Foi um dos primeiros metais que homem manipulou.

    Tem propriedades de alta condutividade e resistncia oxidao. Para maioria de ns

    d uma ideia de pureza, de valor, de realeza e ostentao. Nas competies os

    ganhadores so premiados com ouro. Na histria relembra a realeza e a prpria

    histria do dinheiro. E j foi causa de vcio temerrio: a febre do ouro. Porm, esses

    so apenas valores culturais e no necessariamente verdadeiros. Quem est dando o

    valor ao ouro? Somos ns mesmos. E passamos isso de gerao para gerao. Quem

    nunca teve que disputar uma medalha na escola ou no clube. Quem nunca torceu

    pelo seu atleta ou clube por uma medalha de ouro. Qual menina no foi elogiada

    devido a uma bijuteria ou estimulada a ter uma bijuteria de ouro.

    Historicamente percebemos tambm que o direito de propriedade um

    conceito bem frgil. Por exemplo, quando somos assaltados, roubados, pilhados ou

    forados a entregar devido a dvidas. At mesmo quando o seguro para cobrir um

    roubo ou acidente no cumprido, ou quando compramos algo que no entregue.

    Ou entregue com defeito e no conseguimos nem reaver o dinheiro nem um item

  • 21

    novo. E principalmente, quando morremos, cad o direito propriedade? Ser que

    no haveria uma maneira melhor de se gerenciar a questo de propriedade? Muitas

    vezes no o iate que as pessoas desejam, e sim a experincia do uso daquele

    produto. Muitas vezes, a questo de compartilhar essas propriedades com outras

    pessoas traz muito mais felicidade do que a exclusividade de uso.

  • 22

    INTRODUO

    Os aspectos discutidos sobre propriedade e escassez esto presentes em

    qualquer sociedade baseada em dinheiro. Neste livro abordaremos os aspectos

    histricos da sociedade asteca. Historicamente, temos o privilgio de observar a

    insero de uma cultura monetria numa sociedade tribal igualitria, causando

    significativa modificao de sua estrutura social e do comportamento de seus civis.

    Poderemos observar que suas tecnologias de guerra e de subsistncia eram

    inferiores dos espanhis. Porm a organizao da sua sociedade e evoluo do

    senso de humanidade e de participao de um ecossistema eram iguais dos

    invasores. Com guerras constantes, uma lei organizada e hierrquica e uma religio

    que se adaptou para atender as necessidades de uma elite que direcionava o resto da

    sociedade, sua histria lembra a prpria histria do resto da humanidade. O leitor

    mais descuidado poderia afirmar que somos absolutamente superiores a eles. Afinal

    eles tinham escravos. Pois ns temos os nossos. No portal do ministrio do trabalho

    e do emprego, temos 609 empregadores flagrados na avaliao semestral publicada

    em julho de 2014 com trabalhadores em condies anlogas as de escravo. E os

    que no foram flagrados? No Japo de 2013 foram flagrados trabalhadores em

    condies anlogas as de escravo limpando o cho de Fukushima. Portanto em

    termos tecnolgicos, no h dvida sobre a superioridade. Porm em termos

    humanos, incluindo organizao social e resoluo de problemas humanitrios

    estamos estagnados. Falamos em mobilidade social e incentivo a produo atravs do

    interesse ou da ambio e esquecemos que a mobilidade no ocorre muito no topo

    de qualquer pirmide em qualquer pas ou sociedade independente da poca e lugar.

    E que abaixo destes, todos acabam se digladiando e fazendo qualquer coisa, pois

    quando a msica para e todos sentam em suas cadeiras haver uma grande parte

    que no ter cadeira, porque a sociedade continua estratificada. Portanto ainda

    teremos os escravos e pobres enquanto permitirmos esse tipo de economia.

    Poderemos observar no decorrer do nosso estudo proposto como o

    comportamento humano previsvel dentro de um sistema de escassez que gerencia

    os recursos naturais, tecnolgicos e servios de uma civilizao. Quando ocorre

    alguma escassez numa sociedade monetria vemos o aumento da desconfiana de

  • 23

    seu povo na liderana que o conduz e vemos comportamentos corruptos em

    pessoas que no espervamos. Com isso, ocorre o aumento de manifestaes

    populares que em alguns casos podem tomar propores caticas.

    Corrupo no existe s no Brasil. Existe no mundo todo. Portanto ele faz parte

    do sistema. Afinal o ser humano igual no mundo inteiro. Um bom exemplo a

    denncia de empresas e entidades pblicas brasileiras com empresas estrangeiras.

    Se h um corrompido, h o corruptor, seja brasileiro, holands, belga, suo ou

    alemo. Principalmente na rea de licitao, seja qual for a entidade ou o pas.

    Temos diferentes grupos fenotpicos que hoje com a maior interao da

    economia a nvel global aumentaram suas trocas genticas. Mas em termos

    comportamentais no h justificativa gentica para dizermos que um povo mais

    preguioso que outro ou mais corrupto. A espcie a mesma e a diferena entre

    raas ou subespcie inexistente. Somos obrigados a concordar com o brilhante

    trabalho do bilogo americano prof. Alan Templeton da Washington University of

    Saint Louis que propem o fim do conceito de raa. Ou seja, o conceito de raa

    apenas cultural. Ele coletou genes de mais de 8000 pessoas em todo o mundo,

    incluindo ndios xavantes e ianommis. Concluiu que as porcentagens mais

    significativas de diferena entre os genes so entre pessoas com a mesma

    caracterstica fsica e que a diferena entre o negro africano e o branco europeu

    uma das menores porcentagens. Na mesma linha tambm se encontra o belssimo

    livro do professor Srgio D. J. Pena do departamento de Bioqumica e Imunologia da

    UFMG. Em seu livro: Humanidade Sem Raas? ele explora a diversidade e

    sucessividade das migraes da nossa espcie e a rapidez e precocidade como

    tivemos essas ondas de migraes. Isto impossibilitaria a separao por tempo

    suficiente para termos a distino de raas humanas.

    Portanto como podemos justificar a preguia, o comportamento corrupto, os

    comportamentos violentos? O comportamento corrupto est intrinsecamente ligado

    a escassez e propriedade. Numa sociedade monetria o reforo positivo vem pelo

    dinheiro. Numa sociedade com caractersticas militares o reforo positivo vem pelo

    prestgio. Mas no fundo, a alavanca a escassez, seja com relao ao menor prestgio

    ou menor remunerao de posies inferiores. A escassez de segurana que

    permite o acharque a comerciantes. Se for possvel manipular a escassez para obter

    dinheiro, ento ocorrer. Se for possvel manipular o medo das pessoas, numa

  • 24

    sociedade com caractersticas predominantemente militares, ento uma pessoa

    poder ter mais prestgio, seja para se promover como lder de um grupo, ou seja,

    para manter a ordem numa populao submissa. Se o leitor acha que esforos de

    guerras necessitam de estratificao, ou que o exrcito necessita ser estratificado,

    devemos lembrar que na primeira e na segunda guerra mundial, tenentes, sargentos

    e soldados dividiam as mesmas condies de subsistncia. E decises, s vezes,

    vinham de baixo. Devemos lembrar-nos de guerras como a confederao de

    Guararapes onde o exrcito era formado por vrios povos tupis e sem uma

    estratificao significativa. Devemos lembrar muitos naufrgios onde a

    sobrevivncia de muitos veio da cooperao e no de uma ordem estratificada ou de

    uma competio entre os membros.

    Devemos lembrar acima de tudo que conflitos existem essencialmente devido

    ao medo resultante de um erro de entendimento ou da falta de conhecimento; ou

    devido a uma posio de vantagem que no se deseja perder.

    A preguia, quando no por doena ou cansao fsico temporrio, um sinal

    de total desinteresse e apatia pelas coisas e pelas pessoas ao redor. Mas uma criana

    quando est na sua mais tenra idade tem curiosidade por tudo! Talvez por isso que

    no vemos crianas com preguia com dois ou quatro anos de idade, a no ser pelos

    motivos citados l em cima. Ento ser possvel que nosso formato educacional

    desde a escola at o convvio em casa est fabricando a preguia? At que ponto o

    cio tambm no pode ser produtivo e criativo e, portanto, desejvel. Esse ponto

    bem explorado nos textos de Domenico De Masi e de Robert Heinlein que convergem

    de forma singular em confluncia com o documentrio da REEVO (Rede de Educao

    Viva): A Educao Est Proibida.

    A necessidade a me das invenes. E o cio , ento, o pai das ideias. Mas se

    voc puder trocar por algo j pronto como numa sociedade monetria voc no

    precisa procurar solues. Ainda mais se voc no tiver tempo para pensar porque

    tem trabalhar duro.

    E a violncia Muitos se perguntam o que aconteceu com os ladres de

    galinha. Por que houve uma piora na agressividade. Bom, acho que primeiro

    devemos entender por que existe ladro. O princpio o mesmo. Escassez. Uma

    pessoa com fome antigamente ia roubar galinha. Uma pessoa sem oportunidade,

    sem educao e sem o amor dos pais durante a sua vida, inserida numa sociedade

  • 25

    como a atual, extremamente competitiva e com uma velocidade de consumo acirrada,

    qual ser o efeito? Ser que essa pessoa teve ao menos acesso a uma alimentao

    saudvel? Qual o tipo de educao ou cultura a que ela foi exposta? Qual foi sua

    experincia com o amor? Como cobrar um comportamento tico se no tenho

    nenhuma contrapartida? O reforo positivo para essa pessoa o dinheiro, no o

    tico. E o outro reforo positivo o prestgio da fora, do medo e no do amor.

    Portanto, citando Jacque Fresco, acho que nunca seremos realmente civilizados

    enquanto precisarmos de priso. Quem est na priso representa o lado do ser

    humano que no queremos dialogar, que no queremos entender. Dizemos que

    assim mesmo. Que da natureza humana e no se pergunta mais. Sabemos que no

    existem genes do latrocnio ou estupro. Sabemos que no existe circunvoluo do

    crebro da corrupo, inclusive atravs de experincias de lobotomia, infelizmente.

    Mas simplesmente paramos de perguntar por qu. Botamos na cadeia e assunto

    resolvido. Se for um distrbio psiquitrico, aquela pessoa necessita de ajuda e no de

    excluso. Se foi um momento de raiva, ento, qual o motivo daquela raiva. No

    tomemos qualquer resposta de imediato, at porque a pessoa com raiva est, j por

    definio, em autodefesa. Logo, ela no vai se expor simplesmente. Ela no vai dizer

    seus pontos fracos, seus traumas de infncia. Por que ela confiaria em algum no

    momento em que est se sentindo acuada, punida? Por que ela confiaria em

    qualquer um num mundo onde somos educados a no confiar em ningum? Estamos

    educando as pessoas pela informao ou pelo medo? Qual o respeito que queremos

    das pessoas ou de nossos filhos? o respeito pelo amor ou pelo medo?

    Pelo amor seremos obrigados a receber crticas. E devemos saber receb-las se

    realmente quisermos entender o que est acontecendo no mundo atualmente e o

    que podemos fazer para melhorar a situao atual.

  • 26

    ASPECTOS HISTRICOS

    H um tempo todos os continentes estiveram juntos num supercontinente: o

    Pangia. Depois da separao do Pangia, h 225 milhes de anos, sugerem as

    pesquisas que primeiro formou-se a Laursia(Amrica do Norte e Eurosia) e a

    Gondwana(Amrica do Sul, frica, ndia, Austrlia e Antrtida) que tambm se

    separou h 135 milhes de anos. A conformao atual do nosso atlas comeou a ser

    desenhada a 84 milhes de anos com a unio das Amricas e seu distanciamento dos

    demais continentes. Este processo ainda ocorre nos dias atuais.

    Figura de fonte pblica: deriva continental.

  • 27

    Mas espere um momento. Tomemos o surgimento dos homindeos h mais de

    4 milhes de anos atrs como o Australopithecus afarensis, um dos mais conhecidos

    homindeos com ossadas achadas na regio norte do grande vale do Rift, em Afar na

    Etipia. Tomemos sua evoluo e migrao com o surgimento dos homindeos de

    Dmanisi 1,8 milho de anos num pas chamado Gergia, cuja capital Tbilisi e sua

    posio entre a Turquia e a Rssia no continente asitico. Como foram surgir

    homens modernos nas Amricas j separadas h milhes de anos?

    Os humanos anatomicamente modernos, o Homo sapiens, tem seu fssil mais

    antigo datado de mais ou menos 195 000 atrs. Foi achado no leste da frica, na

    Etipia, mais amide em Omo Kibish. Com aumento da caixa craniana e aumento da

    testa, abriga um crebro que pode chegar a duas vezes o tamanho do crebro do

    gorila ou do chimpanz, alm da alterao da estrutura maxilar, mandibular e

    dentria. Curiosamente no mesmo stio arqueolgico do Omo I h um outro crnio

    com estrutura mais arcaica (Omo II), mostrando que coexistiam subespcies

    diferentes de homindeos em uma mesma comunidade e levantando questionamento

    sobre a definio de espcie. J a ossada mais antiga do homem moderno achada na

    sia teria 63 mil anos segundo as escavaes numa gruta em Laos (gruta dos

    Macacos: Tam Pa Ling). O fssil mais antigo at o momento encontrado no Brasil foi

    numa gruta na Lapa Vermelha, regio metropolitana de Belo Horizonte. Data de 11

    mil anos. Isto sugere as ondas de migrao que ocorreram. Portanto h 9 mil anos

    existem fortes indcios de que o homem j havia alcanado todos os continentes,

    incluindo a Oceania e o rtico. Houve nessa primeira chegada as Amricas uma

    ajuda das eras glaciais. O ltimo mximo glacial teria ocorrido h 20mil anos,

    comeando h 40mil anos e terminado por volta de 10mil anos atrs, permitindo

    uma caminhada pelo estreito de Bering. Com a reteno de gua nos polos o nvel do

    mar teria baixado em 80m com a formao de um subcontinente entre o estreito e

    as ilhas Aleutas, chamado Berngia, permitindo ondas de migraes sucessivas por

    terra. Sugere-se que uma das sucessivas migraes desse perodo tenha sido de

    caadores siberianos do ramo tnico proto-monglico que teriam atravessado o

    subcontinente seguindo manadas de bises. Dataes de diversos stios

    arqueolgicos americanos giram em torno de 20 a 25mil anos reforando esta

    teoria.

  • 28

    Figura de fonte pblica: extenso territorial de Berngia durante glaciao.

    Com o fim da era glacial as Amricas voltam a ficar isoladas dos demais

    continentes. Portanto as novas migraes para o continente americano teriam

    ocorrido com o domnio da navegao, causando provavelmente um choque entre

    civilizaes diferentes. Um dos provveis vestgios desses confrontos pode ser o

    desaparecimento dos sambaquis. Outra evidncia a expanso martima polinsia e

    dos melansios vindo da Oceania que permitiu experincias fantsticas como a da

    ilha de Pscoa. Outra expanso martima teria sido dos Vikings, colonizadores da

    Groenlndia. A prpria expanso europeia um grande confronto entre civilizaes

    diferentes que s foi possvel pelo desenvolvimento de uma tecnologia de navegao.

    Depois da era glacial o continente americano ficou isolado do resto do mundo por

    algum tempo, pois os povos que conseguiram chegar por mar, muito provavelmente

    no voltaram para contar seu feito como os europeus o fizeram. Esse foi um dos

    grandes feitos dos europeus. No foi chegar s Amricas e sim retornar delas.

  • 29

    Figuras de fonte pblica. Legendas em mil anos.

  • 30

    Portanto a histria das civilizaes pr-colombianas nossa pr-histria

    autctone, pois os povos que aqui chegaram, aqui ficaram. E fizeram parte de forma

    integral da histria do continente. Eles no voltaram para levar riquezas ou contar

    seus feitos. Temporalmente, os estgios evolutivos de nossa pr-histria se deram

    com um atraso de alguns mil anos em relao aos demais continentes. Devido ao ano

    que homem moderno chegou ao continente; devido ao seu isolamento das evolues

    tecnolgicas que ocorriam nos demais continentes, sem troca de informaes ou

    objetos; e tambm devido caracterstica nmade predominante das primeiras

    migraes que alcanaram nosso continente. Sabemos que a evoluo tecnolgica se

    deu com a sedentarizao do homem, com desenvolvimento de tcnicas agrcolas,

    aumento de aglomerao humana e suas tcnicas para organizar essa aglomerao,

    com desenvolvimento das artes e da comunicao e de uma tecnologia de guerra

    para defender um territrio especfico.

    A pr-histria , por definio, o perodo que antecede a inveno da escrita na

    histria do homem moderno. Nas Amricas, at a chegada dos europeus, tivemos

    pictografia, porm no tivemos linguagem escrita. Para ser ter uma ideia do atraso

    americano, podemos dizer que a pictografia egpcia com suas pirmides e sociedade

    estratificada existia h 5200 anos. Os Astecas, com caractersticas extremamente

    similares em termos de civilizao, tm sua pictografia (o Nahuatl) datado de 714

    anos atrs (1300). Outro exemplo o surgimento da primeira atividade agrcola cujo

    surgimento se estima em torno de 10 mil anos atrs na regio de Jeric, prximo ao

    Mar Morto. J nas Amricas, a estimativa gira em torno de 6000 anos atrs na Meso-

    Amrica com algumas dvidas sobre seu desenvolvimento autctone ou sua

    exportao tecnolgica da sia juntamente com alguns espcimes vegetais.

  • 31

    Figuras de fontes pblicas: Exemplos de pictografias do Nahuatl.

    Paleoltico o perodo em que homens e homindeos comearam a produzir

    alguns artefatos com madeira, osso e pedra lascada. Foi desenvolvida roupas com a

    pele dos animais abatidos. Nesse perodo os homens eram essencialmente nmades

    caadores-coletores. Precisavam deslocar-se constantemente em busca de alimento.

  • 32

    Com isso deu-se a primeiras grandes migraes ao longo do globo. Em seguida veio a

    Revoluo Neoltica que se deu em pocas diferentes em cada ponto do globo, porm

    seguindo temporalmente, mais ou menos, as primeiras ondas de migrao do

    Paleoltico.

    No Neoltico tivemos a sedentarizao do homem com o desenvolvimento da

    agricultura, a domesticao de animais, o desenvolvimento da cermica. H um

    aumento do tempo para lazer e para comunicao com o surgimento de diversas

    linguagens pictogrficas. As primeiras divises de trabalho surgiram: Os homens

    cuidavam da segurana, caa e pesca, enquanto as mulheres plantavam, colhiam e

    educavam os filhos. Essa especializao foi se acentuando com o surgimento de

    cidades, do comrcio e de um sistema monetrio. A cermica permitiu os primeiros

    armazenamentos de alimentos. Este perodo antecede a idade dos Metais, onde alm

    do surgimento da metalurgia houve o desenvolvimento de uma linguagem escrita e

    falada.

    As classificaes de Paleoltico inferior, mdio e superior; Mesoltico e Neoltico

    servem apenas para entendimento de caractersticas de diversas civilizaes. Porm

    no podem ser observados com linearidade ou mesmo de forma universal.

    Coexistiam civilizaes em estgios diferentes de agrupamento, de tecnologia e de

    cultura em todos os pontos do globo. Um exemplo dessa falta de linearidade e

    universalidade o fato de que quando os Europeus aqui chegaram havia grupos

    nmades caador-coletores e havia civilizaes com conglomerados urbanos e

    centros polticos. Outro exemplo histrico a revoluo industrial. Que pode ter

    comeado em 1760, mas apenas terminou no sculo XX. Pois, somente aps a

    libertao de colnias ao redor do mundo, pases inteiros puderam se industrializar.

    Vemos historicamente que esses os grupos nmades, devido a sua baixa

    densidade populacional e tecnologia mais rudimentar ficavam em desvantagem em

    relao aos sedentrios e seminmades, geralmente sendo absorvidos pela

    civilizao dominante. Os grupos seminmades, por sua vez, tambm ficavam em

    desvantagem numrica e tecnolgica em relao as civilizaes sedentrias. Por

    conseguinte, tendiam geralmente a serem absorvidos por essas civilizaes. E

    conhecemos bem o poder de destruio do contato dos povos sedentrios ou no das

    Amricas com a civilizao europeia. A progresso demogrfica territorial com

    explorao dos recursos naturais que era promovido em lenta velocidade pelas altas

  • 33

    civilizaes pr-colombianas foi levada a uma escala praticamente industrial pela

    civilizao europeia.

    Alis, a noo de propriedade vai se arrefecendo conforme aumenta o

    conglomerado urbano. Os povos nmades e seminmades no tinham noo de

    propriedade territorial. Portanto, na poca da invaso europeia, estes povos

    habitavam regies marginais as influncias diretas das civilizaes pr-colombianas.

    Adaptavam-se assim ao terreno que sobrava a eles.

    Aqui nas Amricas os povoadores pioneiros eram nmades onde o parentesco

    era a base social (bando). Neste tipo de organizao os homens de um bando devem

    buscar esposas em outros bandos, e elas devem residir no bando do marido. Exemplo

    este que vemos inclusive na histria de Gengis Khan, imperador mongol. O territrio

    era de uso comunitrio do territrio e seus recursos tambm. A estratificao social

    em termos de acesso a esses recursos e em termos sociais se dava pelo prestgio

    pessoal circunscrito ao bando, no existindo linhagens hereditrias. Os bandos

    podiam manter relaes entre si, integrando uma tribo dialetal, sem se constituir

    entre eles um controle poltico institucionalizado. Porm com a baixa produtividade

    das tcnicas produtivas e a dependncia dos recursos ao redor h uma

    impossibilidade de subsistncia de uma grande populao ou mesmo de sua fixao

    num determinado territrio. Como exemplos: os Chichimecas dos desertos

    mexicanos, os pampas da argentina, os nativos das plancies centrais da Amrica do

    Norte e os esquims mais ao norte.

    Com a domesticao de animais e principalmente da agricultura, comea a

    haver a sedentarizao do homem. Ocorre aumento dos ncleos populacionais,

    devido ao aumento da disponibilidade de recursos alimentcios, at o surgimento de

    tribos ou aldeias. Neste estgio temos centenas de pessoas relacionadas diretamente

    a produo de recursos tecnolgicos e naturais. O usufruto desses recursos

    coletivo e comunitrio. O parentesco continua tendo papel central nas relaes

    sociais indo na direo da constituio de famlias alargadas ou cls. Cada vez mais

    vemos o culto aos antepassados, sendo os mais velhos os detentores do saber

    necessrio a sobrevivncia do grupo. Como exemplo, temos os povos Tupis-

    guaranis, que praticavam agricultura rudimentar como a coivara. Esta a derrubada

    da vegetao nativa com sua queima para em seguida promover o plantio nesta

    regio.

  • 34

    Chefias so populaes maiores que as tribos. Podem conter diversas tribos

    formando, s vezes, confederaes, onde o poder era escalonado do chefe central aos

    chefes de aldeia. Plenamente sedentarizada com hierarquias de linhagens e

    estratificao social bem delineada. Com elas surgem as primeiras instituies

    polticas, precursoras na formao de um Estado. Aparecem especializaes como a

    religiosa, a do combate alm das do comrcio, da produo de bens agrcolas e da

    poltica. Com a sedentarizao surge o cio que muitos historiadores reconhecem

    atualmente como grande promotor do desenvolvimento da linguagem, e que

    promoveu tambm as artes, a cermica e a troca de informaes. Surge, tambm, de

    certa forma todos os aspectos que encontramos atualmente na sociedade monetria

    nesse tipo de organizao. E de forma curiosa vemos diversas civilizaes no mundo

    com aspectos monetrios sem que houvesse contato entre eles. Quase como se fosse

    um estgio evolutivo obrigatrio. As civilizaes nmades e seminmades como os

    Tupis tendem a serem absorvidas pelas civilizaes organizadas em chefias atravs

    de guerra, escravizao ou assimilao do modo de vida sedentrio.

    Vemos o que alguns chamariam de comportamento capitalista, mas intrnseca

    a presso demogrfica que por sua vez promovida atravs de uma sociedade em

    crescimento populacional acelerado, estratificada, belicista, cuja noo da

    distribuio de recursos se d atravs da escassez (monetarismo) e com pouco

    conhecimento cientfico em todos os campos. A escassez de conhecimentos da sua

    prpria histria, da histria do mundo e da histria do universo, somado com a falta

    de conhecimento tecnolgico necessrio para conhecer toda essa histria e se

    autocompreender explica o carter blico. Aquele que eu no conheo no meu

    amigo. Sua religio diferente da minha. Qual a correta? A minha! Claro!! Alis, a

    prpria religio tem um conceito de escassez no seu surgimento. S o sacerdote

    sabe o que certo e errado. S ele pode se comunicar com os Deuses. S ele sabe o

    que eles querem. Em alguns casos a chefia encarna a prpria divindade em forma

    terrena, dando assim legitimidade as suas solicitaes. Portanto para se alcanar uma

    ddiva, deve ser feito ou dado algo em troca. Isso uma relao monetria, onde a

    escassez de ddivas permite um trabalho servil na maioria dos casos. Sabemos que

    de forma objetiva as religies deram legitimidade s chefias para dar explicaes de

    determinadas decises atravs do conhecimento que se tinha na poca. Isso justifica

    a estratificao social. E justificava porque aquela sociedade deveria ser daquele jeito

  • 35

    e porque os menos privilegiados deveriam aceitar aquela situao. Portanto uma

    relao intrnseca entre o monetarismo e a religio dos sacerdotes nessas

    sociedades. Afinal, se todos pudessem ser sacerdotes como se organizaria uma

    sociedade?

    Vemos o comeo desse tipo de relao como, por exemplo, os Chibchas no

    territrio atual da Colmbia na poca da chegada do Europeu. Politicamente uma

    confederao tribal com dois chefes de carter poltico e sacerdotal: o Zipa de Bogot

    e o Zaque de Tunja. Mais uma vez um precursor de um estado atrelado a religio.

    Havia chefes menores constantemente em guerra uns com os outros. Havia feiras

    nos povoados com desenvolvimento considervel da agricultura, artesanato e

    comrcio. E j havia uma distino social entre os agricultores, os comerciantes e os

    sacerdotes.

    Alis, a ntima relao entre governo, militarismo, religio, servido e

    escravido acaba sendo a alavanca para trabalhos coletivos em grandes obras como

    templos, para a coleta de tributos e manuteno destes dois. Parte desses tributos era

    usada para pagamentos de arteses, funcionrios da chefia e manuteno de uma

    guarda. Portanto vemos os surgimentos de engenharia de arquitetura e de

    locomoo. Vemos na alquimia sacerdotal o desenvolvimento de botnica e medicina.

    Alm de outros campos de conhecimentos que tiveram seu desenvolvimento j

    dentro de uma sociedade monetria.

    Nesse ponto temos as sociedades nmades e seminmades como as ltimas

    experincias de uma sociedade sem noes de propriedade e de comrcio, antes do

    avano das civilizaes. interessante estudarmos o desenvolvimento cultural-

    educacional e tecnolgico. Obviamente algumas dessas sociedades tinham algumas

    noes de propriedade e de troca, visto que as caractersticas dos povos caador-

    coletores, dos arranjos tribais, das chefias e das civilizaes se intercambiavam.

    Vemos por exemplo no incio do imprio de Gengis Khan um conceito de diviso

    igualitria dos recursos. E que conforme foi tendo contato com outros cls, a diviso

    dos recursos foi se estratificando de forma monetria.

  • 36

    CIVILIZAES PR-ASTECAS

    Por volta de 1200 a.C. surge os Olmecas, considerados a primeira civilizao

    americana. Localizavam-se na regio do Golfo do Mxico. Seus primeiros centros

    cerimoniais, como San Lorenzo e La Venta, no chegavam a ser cidades, mas

    possuam hierarquia social sendo uma confederao de tribos cujo os lderes eram

    sacerdotes. Sugere-se seu declnio em 900 a.C. No seu perodo, surgem importantes

    caractersticas das tradies culturais mesoamericanas. Surge a escrita pictogrfica,

    surge um calendrio astronmico, surge o culto ao homem jaguar (ultrapassando o

    estgio mais simples de xamanismo e culto aos antepassados), surge a arquitetura

    piramidal dos templos, surge o jogo ritual com bolas de borracha, surge agricultura

    com obras hidrulicas.

    Esta cultura difundira-se por extensa rea Mesoamericana, seguindo o rastro

    de comerciantes que buscavam matrias como o jade em lugares remotos. Sugere-

    se, portanto, que tenha influenciado as quatro civilizaes clssicas: Mitla e Monte

    Albn (no territrio dos Zapotecas que foram destrudos em 950 d.C., aps a invaso

    dos Mistecas); os Maias com suas grandes cidades como Palenque, Yaxchil, Copn,

    Uxmal; El Tajn (no atual estado de Vera Cruz); e Teotihuacn (planalto central). E

    mais curioso que as quatro civilizaes clssicas possuem vrios vestgios de

    contato e comrcio entre elas, apesar das distncias, dificuldades geogrficas e

    barreira lingustica.

    No perodo do incio da era crist (Anno Domini) ocorre nas Amricas a

    entrada na era clssica das civilizaes mesoamericanas. Com o fim da

    preponderncia olmeca, uma crescente hierarquizao social, desenvolvimento de

    tcnicas agrcolas, de centros urbanos e logo o florescimento de cidades-estados

    teocrticas.

    Por volta de 100 d.C. surge Teotihuacn no Planalto Central mexicano.

    considerada a primeira cidade do continente americano, cujo apogeu se deu entre

    400 e 700 d. C. Construda a partir de quatro aldeias era a Cidade dos Deuses,

    alcanando entre os sculos V e VII uma populao de 85 mil habitantes, alm de

    irradiar sua influncia at onde atualmente a Guatemala. Durante sculos foi

    centro de peregrinao, tendo como principais templos as pirmides do Sol e da Lua,

  • 37

    com 63m e 43m de altura respectivamente. Sua principal avenida, a avenida dos

    Mortos, possua 1 700m de comprimento. Seus comerciantes tinham o controle

    sobre a venda e transformao da obsidiana. Matria-prima de suma importncia na

    poca dada a ausncia de metalurgia para fabricao de instrumentos agrcolas e

    blicos. Possua uma sociedade estratificada, sendo considerada uma metrpole

    teocrtica. Os sacerdotes eram originrios da costa oriental de zonas de influncia

    pela civilizao Olmeca e El Tajn, enquanto a populao camponesa era na sua

    maioria composta por otomis e outras tribos rsticas. Na religio h referncias ao

    deus da gua e da chuva (chamado pelos astecas de Tlaloc), a Serpente de Pumas que

    era smbolo da fecundidade agrria (Quetzalcoatl para os astecas) e a deusa da gua

    (Chalchiuhtlicue). Acreditavam em vida aps a morte com o paraso resguardado

    pelo protetor Tlaloc, onde os bem-aventurados cantariam sua felicidade entre jardins

    tropicais.

    Teotihuacn foi destruda e incendiada por volta de 750 d.C. No h dados que

    comprovem alguma hiptese para sua causa, sejam revoltas camponesas, revoltas de

    escravos, revolta de alguma aldeia tributada ou ataque externo. Curioso observar que

    as duas primeiras hipteses configuram revoltas de uma classe social desprestigiada.

    A terceira possibilidade relembra a situao vivida pela Argentina com seus fundos

    abutres. E a quarta poderia ser a invaso de alguma outra civilizao com

    caractersticas expansionistas ou em disputa pelo poder dentro de um arranjo de

    tribos.

    Nessa poca os astecas se encontravam numa regio a noroeste do atual

    Mxico que segundo sua histria tradicional chamava-se Aztln. O nahuatl era uma

    famlia lingustica com dialetos que se distribuam da regio de Utah at a Nicargua.

    Viviam como tribos guerreiras, nmades e coletor-caadoras: azteca chichimeca,

    brbaros de Aztln. Cobriam-se com peles e viviam em cavernas ou cabana de

    ramos. Permaneceram, assim, margem das civilizaes clssicas, passando

    despercebidos por elas.

    Apesar da derrocada de Teotihuacn e do abandono das grandes cidades

    clssicas por fenmenos econmicos e sociais ainda pouco definidos, uma colnia

    desta grande cidade sobreviveu em Azcaptzalco. Oriundos do norte, os toltecas, povos

    de lngua nahuatl, fundaram a cidade de Tula sobre o local de uma aldeia otomi

    chamada Mamhni em 856 d.C. A teoria mais aceita entre os historiadores que os

  • 38

    primeiros imigrantes toltecas, ainda brbaros e pouco numerosos, tenham aceitado

    de certo modo voluntariamente, por mais ou menos um sculo, uma classe

    dominante sacerdotal originria de Teotihuacn e fiel tradio teocrtica da era

    clssica. Isso estaria simbolizado nos relatos mticos do rei sacerdote Quetzalcoatl, a

    Serpente de Plumas. Seu relato histrico fala uma lngua diferente do nahuatl,

    proibia sacrifcios humanos, celebrava o culto do deus da chuva e se mostrava bom e

    virtuoso em todas as circunstncias.

    Esse acontecimento lembra a chegada da tribo levitas (todos eles com nomes

    egpcios, inclusive moiss) a Israel entre o sculo 6 e 5 a. C., refugiados de cidades

    egpcias abandonadas em meio a um colapso climtico, a escassez de comida e a

    ataques de bbaros. Provavelmente, aps passarem por Midian, onde sofreram

    influencias culturais da Babilnia, foram professar a crena de um deus nico como

    sacerdotes entre tribos camponesas na regio de Israel. O deus que veio do sul: Jav.

    Isso em meio a outros deuses israelitas como Baal, Asherah, e El, o grande( ou El, ou

    Elohim). Surge desses sacerdotes a primeira constituio de Israel: as 613 leis,

    derivadas dos 10 mandamentos. Abrandam as leis anteriores como as que regulavam

    a escravido, por exemplo. Organizam uma espcie de Polnia da poca, as tribos de

    Israel que viviam espremidas entre grandes potncias durante a poca do Bronze do

    Oriente Mdio.

    Voltando a Amrica central, vemos que os toltecas foram apenas os primeiros

    de muitos que viriam em ondas migratrias sucessivas do norte para o Mxico.

    Esses novos imigrantes traziam consigo novas ideias e ritos que com o seu aumento

    populacional quebrariam a frgil relao entre os sacerdotes de Teotihuacn e os

    toltecas. Eles traziam a religio astral, o culto da Estrela da Manh, a noo de guerra

    csmica, os sacrifcios humanos legitimados e uma organizao social militarista.

    Acredita-se que esta cultura esteja simbolizada no deus-feiticeiro Tezcatlipoca, deus

    da Grande Ursa, do cu estrelado, do vento noturno e protetor dos guerreiros. Logo,

    evocado uma srie de conflitos, guerras civis e encantamentos, graas aos quais

    Tezcatlipoca consegue banir Quetzalcoatl em 999. O rei derrotado parte, ento, para

    exlio em direo ao misterioso pas negro e vermelho, Tlillan Tlapallan, situado

    alm do mar divino, por trs do horizonte oriental.

    A partir deste ponto, desenvolve-se a civilizao tolteca durante o sculo XI,

    com as velhas divindades da terra e da gua sendo superadas pelos deuses celestes. A

  • 39

    Serpente de Plumas transforma-se em um deus astral: o planeta Vnus. A cidade

    Cholula se torna num centro de peregrinao em honra Serpente de Plumas. Os

    rituais de sacrifcio humano se espalham. Nos monumentos surgem representadas

    guias (smbolos solares) e jaguares (smbolos de Tezcatlipoca) brandindo coraes

    humanos. Os templos deixam de ser santurios de dimenses reduzidas, com espao

    apenas para os sacerdotes, e passam a amplas salas, com espao para os guerreiros

    se reunirem. O rei detm os poderes que antes cabiam classe sacerdotal

    conjugados com o cargo militar de chefia, dentro de uma aristocracia militar, sinais

    de uma sociedade j estratificada. No seu auge, a civilizao tolteca alcanou da

    regio de Michoacn, a oeste, at as costas do golfo, ao leste; e do planalto central at

    as montanhas de Oaxaca e a regio de Yucatn. O essencial de sua arte, de suas

    concepes religiosas e de sua estratificao social com uma organizao dinstica

    sobreviveu at a conquista espanhola. Em 1168, aps uma vasta expanso

    territorial e com a invaso de novos imigrantes, a cidade de Tula foi saqueada e

    abandonada. Porm outras cidades toltecas ainda se mantiveram incluindo Cholula,

    Colhuacn e outras mais ao sul que proporcionaram um renascimento da

    civilizao maia.

    A notcia da queda de Tula transmitiu-se entre as tribos dos lugares mais

    distantes sobre a influncia tolteca, e principalmente entre os povos de lngua

    nahuatl. De toda parte, tribos brbaras puseram-se em marcha para o sul. Os

    Chichimecas ento se instalaram mais ao norte do antigo imprio Tolteca, sem

    necessitar de guerra para estabelecer seu territrio e mantendo inicialmente seu

    modo de vida habitual em cavernas e florestas. Ao manterem um contato mais dirio

    com as cidades toltecas remanescentes, um de seus primeiros reis, Nopaltzin,

    desposa a filha de um senhor tolteca de Colhuacn, dando incio a diversas alianas

    que surgiriam. Em 1168, os astecas comeam a longa marcha at o vale do Mxico,

    junto com as outras tribos que tambm migravam para o sul. Naturalmente como

    acontece com algumas tribos seminmades, essa migrao no deve ter se dado de

    uma forma linear e objetiva. Portanto, podem ter se fixado por anos em algumas

    regies ao longo dessa marcha. Por vezes entrando em conflito, e outras entrando em

    contato pacfico com populaes civilizadas com troca de cultura e troca comercial

    de artesanato e recursos naturais. Segundo a referncia histrica indgena, retratam

    a marcha sendo guiada por sacerdotes. Eles levavam sobre os ombros a efgie de

  • 40

    Uitzilopochtli, divindade solar representada por um colibri, um gnero de beija-flores

    que ocorrem na Amrica Central. Segundo a crena, Uitzilopochtli falava com os

    sacerdotes e eles transmitiam as ordens de Deus. Alm dos sacerdotes havia um

    conselho dos chefes de cls para debater as questes mais importantes. Portanto

    esse regime inicial asteca seria uma teocracia superposta a uma democracia tribal.

    Enquanto os Astecas estavam em sua migrao, as tribos que inicialmente

    chegaram ao planalto central do Mxico assimilaram rapidamente a cultura e

    tecnologia tolteca remanescente. Inclui-se nesse processo a agricultara, os ritos

    religiosos e cotidianos e a forma de governo. Vilas, como Texcoco, comeam a surgir

    no final do sculo XIII. E no sculo seguinte, 28 cidades-estados compartilham o

    planalto central, dentre os quais Colhuacn (Tolteca), Texcoco (Chichimeca),

    Azcapotzalco (dinastia de origem Otomi ou Mazahua), Xaltocn (otomi). Intrigas,

    alianas, guerras e golpes de governo faziam parte do dia a dia dessas cidades que

    ficaram marcadas por uma violncia diria. Cada uma delas lutava pela hegemonia,

    pelo poder, pelo controle das 28 cidades-estados.

    Os astecas so os ltimos a chegarem nesse ambiente com notveis avanos

    tecnolgicos e culturais, mas tambm marcado pela disputa pelo poder entre as

    cidades e dentro de cada cidade e pelos sacrifcios humanos numa sociedade j

    estratificada. A sociedade asteca, nesse momento, homognea e igualitria.

    Essencialmente guerreira, com seus soldados e cultivadores. No reconheciam

    nenhuma autoridade, seno a dos sacerdotes-guerreiros, os intrpretes de

    Uitzilopochtli. Assim que chegam, entram em conflito com Colhuacn, pois

    desejavam ter um rei como os das dinastias vizinhas. Seu soberano Uitzliuitl(Pluma

    de Colibri), chamado O Antigo, foi derrotado, capturado e sacrificado. Exilados em

    Tizapn, os astecas terminaram por se refugiar nas ilhas da zona pantanosa a oeste

    do grande lago. Foi l que, em 1325, Uitzilopochtli (divindade solar em forma de

    colibri) falou ao grande sacerdote Quauhcoatl (Serpente-guia). Revelou-lhe que

    seu templo e sua cidade deveriam ser construdos em meio ao bambuzal, sobre

    uma ilha rochosa na qual se veria uma guia devorando alegremente uma

    serpente. Quaucoatl e os demais sacerdotes puseram-se procura do sinal

    prometido pelo orculo; e viram uma gui pousada sobre uma figueira-do-inferno

    (Tenochtli) tendo no bico uma serpente. L foi erigida uma simples cabana de

    bambus, primeiro santurio Uitzilopochtli e ncleo da futura cidade de Tenochtitln.

  • 41

    Segundo uma crnica asteca: Pobremente, miseravelmente, eles construiram a

    casa de Uitzilopochtli (...). Onde poderiam eles encontrar pedra ou madeira? (...) Os

    mexicanos reuniram-se e disseram: Compremos, ento, a pedra e a madeira com o

    que se encontra na gua: o peixe, o Axolotl, a r, o lagostim (...). E, realmente, os

    astecas desta poca levavam uma vida extremamente ligada ao lago, com suas

    pirogas e redes, subsistindo e conseguindo comercializar o que no tinham na

    regio graas pesca e caa de pssaros aquticos. Suas modestas aldeias

    estendiam-se sobre as ilhotas. Criaram, graas ao acumulo de lodo em cima e entre

    as jangadas de bambu, jardins flutuantes chamados chinampas. Estas eram fixadas

    inicialmente com pesadas pedras e bambu e depois com as razes de chores que

    eram plantados exatamente com este intuito. Nesse perodo passaram por

    instabilidades polticas devido a disputa de poder entre as cidades que habitavam o

    planalto e chegaram a pagar impostos ao Tepanecas de Azcapotzalco. Tambm

    ganharam notoriedade devido a caraterstica blica de sua tribo e a prtica de

    sacrifcios. Com a necessidade de criar uma dinastia e para evitar o desastre de

    Uitzliuitl, os astecas procuraram um soberano tolteca de Colhuacn. Dessa forma se

    ligariam a prestigiosa idade de ouro de Tula. Acamapichtli (Punho de Bambu) foi o

    soberano que subiu ao trono em 1375.

  • 42

  • 43

    Figuras de fontes pblicas: Chinampas.

    Seu sucessor, Uitziliuitl II, desenvolveu vrias alianas matrimoniais

    importantes do ponto de vista econmico e que fortalecia o reconhecimento de sua

    vila perante as demais. Desposou assim a princesa Miahuaxihuitl (Flor de Milho

    Turquesa), filha de um chefe de Quauhnahuac, regio produtora de algodo. Ao

    mesmo tempo a dinastia blica de Azcapotzalco procurava ampliar a subordinao

    das demais cidades do vale central, de tal forma que o terceiro rei asteca,

    Chimalpopoca (Escudo Fumegante), foi pouco mais que um vassalo de

    Azcapotzalco e morreu assassinado em 1428, assim como o rei de Texcoco foi 10

    anos antes.

    O planalto central passava por mais um perodo de instabilidade poltica e

    violncia crescente. O rei Tezozomoc havia anexado ao domnio de Azcapotzalco

    vastos territrios inclusive ao redor do grande lago. O herdeiro do trono de Texcoco, o

    prncipe Nezaualcoyotl (O Lobo que Jejua) se refugiava pelas montanhas,

    perseguido pelos guerreiros de Tezozomoc. Em Tenochtitln, a maioria da populao

    preconizava a submisso em nome da paz.

    O quarto soberano asteca, Itzcoatl (Serpente de Obsidiana), eleito em

    circunstncias dramticas, tomou a liderana de Tenochtitln e se aliou a

    Nezaualcoyotl. Liderou resistncias aos assaltos e saques dos guerreiros de

    Azcapotzalco e em seguida levou a guerra at o rei Tezozomoc, invadindo e

    destruindo Azcapotzalco.

    Os dois soberanos vencedores tomaram estrategicamente como aliada a cidade

    de Tlacopan que tambm era submissa a Azcapotzalco, fundando assim a Trplice

    Aliana.

    Ao final deste captulo interessante demarcar que no podemos culpar o

    dinheiro de forma direta pelas intrigas e a disputa pelo poder. Alis, nesse perodo, o

    dinheiro promovia integrao cultural e permitia aos povos complementarem suas

    necessidades dialogando entre si apesar de dificuldades lingusticas e culturais. O

    dinheiro nessa poca e localizao era a semente de cacau e algodo, alm de outros

    produtos (ou comodity). Tudo que pudesse ser trocado conforme a necessidade a ser

    atendida. Portanto, havia uma relao direta com escassez. Mas veremos que em

    tempo de paz a classe que mais crescia era a dos comerciantes. Os homens que

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    sabiam das necessidades que ocorriam e que tinham ideia dos preos e dos

    cmbios.

    Contudo, na disputa pelo poder, vemos uma estrutura singular, presente como

    estrutura de manuteno do poder para poucos: a escassez. Sim, a escassez de

    conhecimento permitia que religies surgissem e que povos inteiros seguissem

    seus sacerdotes, os nicos detentores do conhecimento das coisas e garantia seu

    prestgio dentro daquele povo. A escassez de conhecimento e de irmandade entre os

    povos permitiu que a estrutura militar, estratificada e justificada pelo medo do

    desconhecido, pelo medo do povo que quer nos destruir, pela insegurana do dia a

    dia, subisse ao poder. Esse medo a principal propaganda para mantermos essas

    estruturas sociais e polticas at hoje. Esse medo no permite que a humanidade

    converse realmente sobre suas verdadeiras necessidades e suas reais identidades.

    Esse medo uma das principais barreiras ainda hoje, pois uma vez que algum d o

    primeiro tiro, mesmo que tenha sido o fabricante de armas, ningum mais conversa.

    Deixamos ligar o piloto automtico do medo com todos os seus preconceitos criados

    de forma meramente cultural.

    E a melhor ferramenta at hoje criada para mostrar esse fato foi o Satyagraha.

    Criado por Mahatma Gandhi, foi reproduzida por pessoas como Nelson Mandela,

    Martin Luther King Jr., John Lenon, Hu Yaobang e os corajosos da Praa Celestial da

    Paz. Todas as pessoas que se usaram do Satyagraha e ganharam notoriedade,

    documentaram para a posteridade como funciona a propaganda do medo e do

    preconceito.

    Caminhos diferentes para mostrar a manipulao pelo medo tambm foram

    mostrados. O grande mestre Morihei Ueshiba possui uma histria de luta e de busca

    pela invencibilidade. Mas a concluso que chega ao final fantstica e extremamente

    comparvel com as concluses de Mohandas Gandhi. Podemos observar no s por

    citaes do mestre como pela reunio de pensamentos que ele faz no livro A Arte da

    Paz. Em muitos aspectos esta obra se mostra mais lgica, e para alguns mais