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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA DANIELLE RIEGERMANN RAMOS DAMIÃO SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: REFLEXOS NA ORDEM ECONÔMICA E NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS MARÍLIA 2012

SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: … · Ao Professor Doutor Ruy de Jesus Marçal Carneiro que me fez apaixonar pelo Direito Constitucional Econômico; À todos aqueles que

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Page 1: SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: … · Ao Professor Doutor Ruy de Jesus Marçal Carneiro que me fez apaixonar pelo Direito Constitucional Econômico; À todos aqueles que

UNIVERSIDADE DE MARÍLIA

DANIELLE RIEGERMANN RAMOS DAMIÃO

SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: REFLEXOS NA ORDEM

ECONÔMICA E NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

MARÍLIA

2012

Page 2: SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: … · Ao Professor Doutor Ruy de Jesus Marçal Carneiro que me fez apaixonar pelo Direito Constitucional Econômico; À todos aqueles que

DANIELLE RIEGERMANN RAMOS DAMIÃO

SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: REFLEXOS NA ORDEM

ECONÔMICA E NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

Direito da Universidade de Marília, como requisito para a

obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação

do Professor Doutor Lourival José de Oliveira.

MARÍLIA

2012

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DAMIÃO, Danielle Riegermann Ramos.

Situações análogas ao trabalho escravo: reflexos na ordem

econômica e nos direitos fundamentais / Danielle Riegermann Ramos Damião –

Marília – UNIMAR, 2012.

159 f.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Curso de Direito da

Universidade de Marília, 2012

1. Trabalho análogo ao de escravo 2. Direitos fundamentais do

trabalhador 3.Trabalho forçado. Universidade de Marília. Curso de Direito da

Universidade de Marília.

CDD – 000.000

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DANIELLE RIEGERMANN RAMOS DAMIÃO

SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: REFLEXOS NA ORDEM

ECONÔMICA E NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília

como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação do Professor

Doutor Lourival José de Oliveira.

Aprovado em: _____/_____/______

_____________________________________________

Coordenação do Programa de Mestrado em Direito

Considerações_______________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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Dedico este trabalho:

À minha filha, razão da minha vida Sofia;

À minha insubstituível mãe Gisela, sendo meu

referencial de amor;

Ao meu marido David, grande companheiro, pelos

incansáveis incentivos;

Aos meus alunos, responsáveis pela minha

dedicação acadêmica;

Aos milhares de trabalhadores, objetivo maior de

toda atividade científica.

Page 6: SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: … · Ao Professor Doutor Ruy de Jesus Marçal Carneiro que me fez apaixonar pelo Direito Constitucional Econômico; À todos aqueles que

Agradeço imensamente pela grande colaboração na realização desta dissertação:

À minha família, pelo irrestrito incentivo, paciência em compreender minhas ausências,

especialmente a minha filha Sofia que por várias vezes adormeceu com a luz acesa para que

eu pudesse estudar, minha mãe que incentivou, colaborou e principalmente torceu

positivamente pela conclusão do curso e meu marido, que desde o início esteve do meu lado,

me ajudando a pesquisar e proporcionando motivação para que eu chegasse até aqui.

Obrigada, também ao meu pai do coração Johnny e minha querida irmã Gabriella.

Ao meu Professor Doutor Lourival José de Oliveira, a quem tive a honra de tê-lo como

Orientador, por ter me mostrado o caminho a ser percorrido nesta Dissertação;

À Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro, por me mostrar a direção do caminho do

Mestrado, sendo exímia Coordenadora do Programa de Mestrado da qual faço parte;

Ao Professor Doutor Ruy de Jesus Marçal Carneiro que me fez apaixonar pelo Direito

Constitucional Econômico;

À todos aqueles que integraram o corpo docente do Programa de Mestrado, especialmente aos

Professores Doutores Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira, Paulo Roberto Pereira

de Souza, Walkiria Martinez Heinrich Ferrer e Marisa Rossinholi, pelos valiosos

ensinamentos durante o curso;

À Universidade de Marília, especialmente na pessoa do Sr. Jose Augusto Marchesin, posto

que todas as vezes que solicitei algo, fui prontamente bem atendida;

Aos meus alunos, fontes de aprendizado e colaboração, percebendo que quanto mais eu

ensinava, mas aprendia, especialmente ao aluno Marcos Henrique Antônio, pela valiosa

colaboração quanto ao acervo histórico desta pesquisa;

À Faculdade São Luís, ao IMESB – Instituto Municipal de Ensino Superior de

Bebedouro “Victório Cardassi”, à ESMARN – Escola da Magistratura do Rio Grande

do Norte, Instituições de Ensino da qual tenho a honra de integrar;

Ao Fotojornalista Joel Soares da Silva, integrante da Folha de São Paulo, a quem também

agradeço, por ceder as fotos que compõe este texto;

Ao Ministério Público do Trabalho, especialmente na pessoa do Procurador Dr. Rafael de

Araújo Gomes, por compartilhar sua pesquisa em relação aos trabalhadores submetidos ao

labor forçado;

A minha amiga Sirléia Mattos, que muito me auxiliou neste trabalho;

Aos meus amigos, cujos nomes deixo de citar, para que não cometa a injustiça de omitir o

nome de algum, pelos momentos de descontração e amizade;

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[...]utato nomine de te fabula narratur.

Por “tráfico de escravos” leia-se “mercado de

trabalho”.

Karl Marx

[...] Liberdade, essa palavra que o sonho humano

alimenta que não há ninguém que explique e

ninguém que não entenda...”

Cecília Meireles

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SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: REFLEXOS NA ORDEM

ECONÔMICA E NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

RESUMO: Esta pesquisa teve como objetivo observar como ocorrem as situações análogas da

escravidão trabalhista, buscando analisar seus atuais conceitos e os requisitos para a sua

caracterização. Foram demonstradas violações nos direitos fundamentais e na ordem

econômica. Esquadrinhou-se parâmetros em legislações nacionais e internacionais para

justificar as argumentações, bem como para demonstrar os fatores que conglobam para a

existência de trabalho degradante. Após a identificação dos sujeitos responsáveis pela

erradicação do trabalho forçado, comentou-se as medidas processuais cabíveis. Foram

demonstradas as possibilidades de indenização por danos morais coletivos e da realização de

denúncia ao CADE, por interferência na economia e na concorrência. Mostrou-se as

possibilidades de expropriação da propriedade particular e da responsabilização da cadeia

produtiva, em razão do labor forçado. Analisou-se as ações de combate a tal forma de

trabalho, e sugeriu-se propostas para a erradicação. Realizou-se uma reflexão histórica e

jurídica no âmbito constitucional, voltadas ao tema. Neste contexto, pretendeu-se demonstrar

que a realidade de labor forçado permanece em dias atuais, tendo o trabalhador a sua

liberdade cerceada e sua dignidade subjugada por seu empregador. A metodologia de pesquisa

escolhida se justifica pela natureza do tema e pelos objetivos alçados e foi realizada pelo

método dedutivo. Desta forma, a conquista dos objetivos propostos demonstrou a importância

do combate ao trabalho forçado, que mesmo com a evolução do Direito trabalhista, ainda se

destaca no Brasil contemporâneo. Ao final foram sugeridas propostas que podem corroborar

com a erradicação do trabalho forçado. As propostas consistem no incremento de maiores

investimentos em projetos voltados à erradicação da pobreza no Brasil, a criação de um selo

nacional para certificar a inexistência de trabalho forçado na cadeia produtiva, a proibição,

via lei ordinária, de inscritos na “lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego em

participarem de contratações com o Poder Público e o maior oferecimento de qualificação

profissional para os trabalhadores libertados. Ao final, concluiu-se com a possibilidade de

expropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores análogos aos antigos escravos,

bem como a discussão acerca de ser possível responsabilizar toda a cadeia produtiva que em

alguma fase tenha utilizado o labor escravizador.

Palavras-chave:

Direitos fundamentais do trabalhador. Trabalho análogo ao de escravo. Trabalho forçado.

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SITUATIONS SIMILAR TO SLAVE LABOR: REFLECTIONS ON ECONOMIC ORDER

AND THE FUNDAMENTAL RIGHTS

ABSTRACT: This study aimed to observe how similar situations occur slavery labor, trying

to analyze their current concepts and requirements for its characterization. Been demonstrated

violations of fundamental rights and economic order. Parameters are scanned in national and

international law to justify the arguments, and to demonstrate the factors that corroborate for

the existence of degrading work. After the identification of individuals responsible for the

eradication of forced labor, said the measures are procedural measures. We demonstrated the

possibility of compensation for moral damages and the realization of collective complaint to

CADE, for interference in the economy and competition. Showed the possibilities of

expropriation of private property and responsibility of the production chain, due to forced

labor. We analyzed the actions to combat this form of work, and it was suggested proposals

for eradication. We performed a historical reflection within the constitutional and legal,

focused on the theme. In this context, we sought to demonstrate that the reality of forced labor

remains today, with the employee their freedom curtailed and dignity overwhelmed by your

employer. The research methodology chosen is justified by the nature of the theme and the

objectives elevations and was conducted by the deductive method. Thus, the achievement of

proposed objectives demonstrated the importance of combating forced labor, that even with

the evolution of labor law still stands in contemporary Brazil. When the final proposals have

been suggested which can corroborate the eradication of forced labor. The proposals consist

in the increase of investments in major projects aimed at eradicating poverty in Brazil, the

creation of a national stamp to certify the absence of forced labor in the production chain, the

prohibition, through ordinary legislation, subscribers in the "dirty list" of Ministry of Labour

and Employment in participating in contracts with the government and the largest offering of

professional qualification for workers released. At the end, it was concluded with the

possibility of expropriation of land where workers are found similar to former slaves, as well

as discussion of possible blame the entire production chain that at some stage have used

enslaving work.

Keywords:

Fundamental rights of the worker. Work analogous to slavery. Forced work.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 01 – Fotografia produzida em ação do MTE, demonstrando o mau estado do

alojamento de empregados.......................................................................................................35

Ilustração 02- Fotografia produzida em ação de resgate de trabalhadores pelo MTE,

demonstrando que um determinado empregado dormia em barraca de acampamento para não

ter contato com ratos e baratas..................................................................................................36

Ilustração 03- Fotografia de alojamento de trabalhadores análogos à escravos......................38

Ilustração 04 – Alojamento de trabalhadores análogos à escravos.......................................... 39

Ilustração 05 – Trabalhadores em obras do PAC.................................................................... 60

Ilustração 06 – Trabalhadores em obras do PAC.....................................................................61

Ilustração 07 – Alojamento de trabalhadores da Zara ..............................................................65

Ilustração 08 - Modelo de Cadeia de Relacionamento ..........................................................109

Ilustração 09 - Gráfico de Aspirações e Projetos de vida dos Atores Envolvidos no Trabalho

Escravo Rural do Brasil .........................................................................................................118

Ilustração 10 - Mapa da escravidão: concentração das propriedades que fazem parte da "lista

suja" ....................................................................................................................................... 124

Ilustração 11: Gráfico de dados do labor análogo ao de escravo por região do país ........... 131

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Quadro das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo –

SIT/SRTE: 2010 ...................................................................................................................... 33

Tabela 02 – Diferenças das escravidões moderna e contemporânea ..................................... 40

Tabela 03 – Dados anuais ..................................................................................................... 125

Tabela 04 – Ranking do Trabalho escravo ............................................................................125

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACP – Ação Civil Pública

ART. – Artigo

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CF – Constituição Federal

CC – Código Civil

CONATRAE - Grupo Executivo de Erradicação ao Trabalho Escravo

CP – Código Penal

CDC – Código de Proteção e defesa do Consumidor

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

GERTRAF - Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado

ISO - International Organization for Standardization

INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia

LC – Lei Complementar

MPT – Ministério Público do Trabalho

MTE - Ministério do Trabalho e Emprego

PL – Projeto de Lei

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

OEA – Organização dos Estados Americanos

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONG – Organização Não Governamental

SIF – Serviço de Inspeção Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STF – Supremo Tribunal Federal

TRF – Tribunal Regional Federal

TRT – Tribunal Regional do Trabalho

TST – Tribunal Superior do Trabalho

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................14

1 TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO: O DESRESPEITO AOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS .................................................................................................................17

1.1. HISTÓRICO .....................................................................................................................17

1.2. CONCEITO DE TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO ................................... 23

1.3. TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO PLANO NORMATIVO NACIONAL

E INTERNACIONAL ............................................................................................................. 43

1.3.1. Legislação Internacional ............................................................................................... 44

1.3.2. Organização Internacional do Trabalho e o combate ao trabalho escravo..................... 48

1.3.3 Legislação Nacional ....................................................................................................... 56

1.4. FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O TRABALHO ANÁLOGO AO DE

ESCRAVO NO BRASIL .........................................................................................................60

1.5. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO ....62

2 MEDIDAS PROCESSUAIS CABÍVEIS PARA O COMBATE AO TRABALHO

ANÁLOGO AO DE ESCRAVO ...........................................................................................70

2.1. SUJEITOS RESPONSÁVEIS PELA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO FORÇADO 72

2.2. INQUÉRITO CIVIL .........................................................................................................74

2.3. TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA ............................................................................77

2.4. AÇÃO CIVIL PÚBLICA ..................................................................................................78

2.5. AÇÃO CIVIL COLETIVA .............................................................................................. 82

2.6. RECLAMATÓRIA TRABALHISTA ..............................................................................84

2.7. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS ................................................87

2.8. DENÚNCIA AO CADE EM RAZÃO DA INTERFERÊNCIA NA ECONOMIA E NA

CONCORRÊNCIA ..................................................................................................................92

2.9. DA EXPROPRIAÇÃO DA PROPRIEDADE PARTICULAR EM RAZÃO DO LABOR

ANÁLOGO AO ESCRAVO ...................................................................................................95

2.9.1 Projeto de lei sobre trabalho análogo ao de escravo .....................................................103

2.10. TUTELA PENAL .........................................................................................................104

2.10.1 crime de redução a condição análoga à de escravo .....................................................105

2.10.2 crime de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional 106

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2.10.3 crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista .....................................108

2.11. DA POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA ....... 109

3 AÇÕES DE COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO

BRASIL ................................................................................................................................ 117

3.1. POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE AO LABOR ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

............................................................................................................................................... 118

3.2. PLANO NACIONAL DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ANÁLOGO AO DE

ESCRAVO ............................................................................................................................ 122

3.3. PACTO NACIONAL PELA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO

BRASIL .................................................................................................................................126

3.4. PROPOSTAS DE ERRADICAÇÃO AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

................................................................................................................................................128

3.4.1. Investimento em projetos voltados à erradicação da pobreza através da educação

profissional .............................................................................................................................131

3.4.2. Criação de um selo nacional para certificar a inexistência de trabalho forçado na cadeia

produtiva ................................................................................................................................135

3.4.3 Outras propostas necessárias para a efetividade dos Pactos já existentes .....................136

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 138

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................142

APÊNDICE I ........................................................................................................................154

APÊNDICE II ......................................................................................................................157

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INTRODUÇÃO

O trabalho surgiu a partir do momento que o homem sentiu necessidade de produzir e

manipular os alimentos, defender-se, e fabricar os instrumentos necessários a sua

sobrevivência.

Nessa época, há mais de 400 mil anos, quando do surgimento da vida humana na

Terra, o trabalho visava unicamente a produção de alimentos e equipamentos necessários a

sobrevivência do núcleo familiar.

Posteriormente, com o surgimento da vida em sociedade e o crescente aumento dos

seus habitantes, a produção, principalmente de alimentos teve que crescer de forma

proporcional. Com isso, se fez necessário uma quantidade maior de mão-de-obra que, a

princípio, foi suprida com a escravização.

Destaca-se, assim, que a escravidão existe dentro das sociedades, antes mesmo que

houvesse lei ou dinheiro e com as transformações experimentadas pelas sociedades antigas até

a formação das primeiras grandes civilizações como Sumérios, Egípcios e Mesopotâmia,

havia a existência de escravos como parte da sociedade.

Essa situação perdurou por todos os povos antigos, atravessando, inclusive grandes

impérios como Grego e Romano1 que contribuíram de forma significativa para a formulação

das nossas atuais instituições, onde podemos incluir o Direito2.

Na Idade Média, a servidão foi a forma de trabalho que se destacou, o trabalhador não

era escravo, mas também não era livre, pois tinham que entregar quase toda a produção

realizada na terra de seu senhor em troca de abrigo, alimentos, proteção política e militar3.

Ainda no mercantilismo, compreendido entre os séculos XV e XVIII a escravidão

ganhou novos atributos com o comércio de negros africanos ou povos locais conquistados

através das grandes navegações.

Com a colonização europeia no Brasil, foi estabelecida a escravidão por aqui. Iniciou-

se a forma arbitrária de labor com os indígenas e após com os negros. Via-se neste modelo de

trabalho uma forma barata de exploração do continente, não sendo colocado o escravo à

condição de pessoa – sujeito de direitos -, mas sim como sendo objeto de seu detentor –

empregador.

1 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001, p. 143.

2 BRASILEIRO, Ricardo Adriano Massara. História do direito como discurso legitimador: Chiovenda e o

direito romano, com especial referimento à doutrina da ação. Trabalho publicado nos anais do XV Congresso

Nacional do Conpedi, realizado em Manaus - AM nos dias 15 - 18 de novembro de 2006. 3 Ibid 1

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Ao longo dos tempos, de acordo com toda a bibliografia que compõe este trabalho, é

possível afirmar que nem todos os trabalhadores gozam de suas liberdades integralmente. A

história demonstra que os homens sempre escravizaram homens, em razão de sua labuta

exploratória, com objetivos exacerbados de ganhos de capital.

No Brasil, não foi diferente. A Lei Áurea, nº 3.353 de 13 de maio de 1888, decretada

pela Princesa Isabel, em tese, deveria ter extirpado a escravidão neste país.

Embora haja grande contribuição do Estado, de organizações internacionais, como a

OIT (Organização Internacional do Trabalho), de grupos não governamentais, não se pode

dizer que a escravidão já fora abolida no Brasil.

De certo, realmente houve uma extirpação do modelo antigo de escravizar homens.

Estes eram literalmente, prisioneiros, objetos de direito, pertenças de seus empregadores. Hoje

já não é assim. O homem trabalhador pode até estar livre formalmente, mas continua

aprisionado pelo seu trabalho.

A todo instante é clássico a mídia apresentar reportagens acerca deste tema, que

embora antigo é extremamente atual, sempre demonstrando situações em que os trabalhadores

são oprimidos, marginalizados, excluídos, inclusive sem direito a uma alimentação adequada,

da compaixão pelo explorador, ao mínimo de dignidade que o ser humano merece, afastados

do direito de humanizar-se, de constituir seu próprio futuro e, principalmente de ter um

trabalho digno e respeitoso.

Ademais, somam-se a estes fatos, matérias jornalísticas onde são mostrados

trabalhadores sofrendo, direitos internacionais e nacionais sendo violados e falha a atuação da

justiça laboral brasileira.

Conhecer o passado das relações de trabalho, certamente é uma forma de reconhecer

os pilares das relações laborais atuais. Os conflitos nas relações de trabalho, ao longo dos

tempos, contribuíram para a melhoria das condições de trabalho e emprego, mas certamente

não extirparam a escravidão e tampouco trouxeram o almejado equilíbrio nas relações

empregatícias.

A realidade atual demonstra que até mesmo a situação do trabalhador escravo foi

modificada, pois embora dito homem livre, possui outras formas de dependência e é

submetido a outras formas degradantes de emprego. É certo que submeter o empregado a

trabalhos forçados, descumprindo, o empregador, de normas básicas de segurança e saúde,

capaz de colocar em risco a vida do trabalhador, também são formas de constrangimento, por

isso denominada formas análogas à condição de escravo.

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Esta pesquisa decorreu da necessidade de busca de entendimentos, acerca da exaustiva

persistência da dura realidade escravista em pleno século XXI, para ao final observar como

ocorre a escravidão contemporânea, seus reflexos sociais, econômicos, financeiros e

psicológicos, bem como as violações de leis atuais.

Pretendeu-se, também, indicar de modo conciso as ações governamentais,

internacionais e de grupos extra estatais, acerca do tema, que deram certo, as que ainda estão

em processo de realização e as dificuldades que as que não obtiveram sucesso encontraram.

Para realizar os objetivos propostos, este trabalho foi desenvolvido em três capítulos

que se complementam.

O primeiro capítulo versa acerca da delimitação conceitual do tema, analisando o

histórico das práticas escravagistas, conceituando o trabalhador análogo à escravo, bem como

direcionando a legislação nacional e internacional protetiva dos trabalhadores levados ao

labor forçado. O capítulo encerra com a demonstração da inconstitucionalidade do trabalho

análogo ao de escravo, caracterizando as violações constitucionais vertentes ao caso.

O capítulo seguinte, segundo, é o balizador das medidas processuais cabíveis para a

erradicação efetiva do labor forçado, trazendo e definindo competências, bem como

identificando os personagens responsáveis pela erradicação do trabalho análogo ao de

escravo. Demonstra-se, também a possibilidade de pagamento indenizatório, na forma de

dano moral coletivo, quando encontram-se trabalhadores escravizados, bem como a

manifestação acerca da probabilidade de expropriação da propriedade particular em razão do

labor análogo ao escravo. Discute-se, também a forma de responsabilização de toda a cadeia

produtiva em que em algum momento utilizou-se de trabalhos forçados.

O terceiro e último capítulo engloba e descreve as ações de combate ao trabalho

análogo ao de escravo, realizando ao final propostas inovadoras e com o condão de propor a

efetividade das medidas já existentes.

O interesse em entender como o trabalho escravo ocorre no Brasil implica numa

abordagem metodológica dedutiva que permitiu o acesso crítico ao fenômeno tal qual ele se

apresenta na realidade e é formalizado.

As técnicas de pesquisa que sustentaram a metodologia serão orientadas pelos

princípios dialéticos, em face da necessidade de confronto da realidade com a perspectiva

teórica. Levantou-se dados a partir de pesquisas documentais (leis, decretos, resoluções,

tratados, convenções internacionais, sentenças, pareceres e etc.), e em pesquisas bibliográficas

livros, artigos, monografias, dissertações, teses, periódicos.

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1 TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO: O DESRESPEITO AOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

1.1 HISTÓRICO

Para que se possa compreender a forma da escravidão atual, que se apresenta no

mundo contemporâneo, globalizado, necessário se faz uma breve análise dos antecedentes

históricos acerca dos métodos escravagistas ao longo dos anos.

A expressão ‘escravo’, inicialmente adveio do nome ‘eslavo’, conforme ensina

Meltzer4, que reporta a época em que os germanos supriam os mercados da Europa com

prisioneiros eslavos. Assim, um gentílico que significava ‘glória’ passou, por acaso ou por

maldade, a significar servidão. Todavia, outra acepção pode ser considerada em relação às

circunstâncias geopolíticas, uma vez que quando os anglo-saxões tomaram a Inglaterra, no

século V d.C., a palavra em sua língua para a pessoa sem liberdade era welshman (galês), o

que denominava as pessoas aprisionadas. Com o passar do tempo, e com a derivação da

palavra mencionada acima, welsh passou a significar escravo.

As mencionadas práticas escravagistas não são recentes, eis que já existiam antes de

qualquer lei ou dinheiro, conforme afirmou Hochschild5. Tais modos de agir são bem antigos

e ao longo da história ocorreram de formas diferentes. Não se pode olvidar que a principal

mudança está na percepção do homem escravo, pois este já foi visto como propriedade, eis

que integrava o patrimônio do seu detentor. Tinha classificação de bem, do gênero coisa, e no

mundo contemporâneo é avistado como pessoa, como não poderia deixar de ser. Neste

diapasão já comentou Rosa6: “A escravidão pressupõe a subjugação de um outro, do qual não

se reconhece nada além do que sua coisificação. O escravo é assim afastado das

características humanas”. Ainda no mesmo sentido, a doutrina de Meillassoux7 assegura que é

uma intenção da escravidão a resigna em conhecer qualidades apreciáveis e comuns no

aprisionado, o que faz com que a expressão ‘outro’, sirva para diminuir o escravo, o incluindo

em uma condição rebaixada.

No início dos tempos, o estudo da história mostra que os homens viviam isolados ou

em pequenos grupos, preponderando a auto-suficiência. Não ocorria a interface entre povos,

4 MELTZER, Milton. História ilustrada da escravidão. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 189.

5 HOCHSCHILD, Adam. Bury The Chains. New York City: Houghton Mifflin, 2005, p. 146.

6 ROSA, Mirian Virgínia Ramos. Espinho: a desconstrução da racialização negra da escravidão. Brasília, DF:

Thesaurus, 2004, p. 67. 7 MEILLASSOUX, Claude. Antropologia da escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 1995, p. 118.

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pois não havia conhecimento de uns com outros. Ocorre que pela essência do homem, este é

um ser gregário, necessitando de interação com outros semelhantes, para troca de insumos,

conhecimentos, meios de produção e conseqüente aglutinação e retenção de capital, como já

mencionada Comte8.

Nas palavras de Ballastero-Alvarez9, foi com o expansionismo mercantilista, que a

humanidade conheceu os primeiros efeitos globais de relações econômicas, políticas e sócio-

culturais, tendo em vista as bases das grandes companhias comerciais inglesas e holandesas,

além da companhia das índias, de nacionalidade portuguesa, controladas por corporações de

ofícios.

A primeira forma de escravidão, propriamente dita, teve relação com prisioneiros de

guerra. Os povos lutavam entre si e aos dominados eram repassados serviços forçados.

Observe-se que a prática de dominação laboral não era o objetivo da disputa, mas sim uma

conseqüência desta. Há este tempo, tendo em vista a cultura patriarcal, as influências

religiosas, as mulheres eram equiparadas aos escravos, posto que a estas eram negados

direitos que eram atribuídos aos do sexo masculino.

A prática de escravização foi largamente utilizada no mundo, estando presente na

Índia, China, Mesopotâmia, além dos povos hebreus e antigos egípcios.

Conforme doutrina de Funari10

, os escravos possuíam, na civilização grega, diversas

funções. Eram trabalhadores voltados para a mineração, artesania, exerciam labores

domésticos, eram responsáveis pela força policial de arqueiros da cidade, além do trabalho

nos campos. Saliente-se que na condição de coisa, o escravo não possuía qualquer

participação de poder social, posto que a estes não era dado o direito ao voto.

Considerando o aumento da riqueza e com objetivo de conquista e conhecimento de

novos territórios, já no Império Romano, foi necessário que os empregadores e líderes

buscassem a maior quantidade de mão-de-obra escrava. Eram aprisionados pequenos

produtores, além dos prisioneiros de guerra.

Neste tempo, conflitos entre homens livres e aprisionados levaram a cume uma

manifestação, denominada Revolta de Espártaco (73-71 a.C), cujo objetivo era questionar esta

forma de labor. Muitos escravos faleceram nesta disputa, segundo Joly11

.

8 COMTE, Augusto. Système de politique positive ou traité de Sociologie instituant la Religion de l'Humanité.

3ème

ed. 4 v. Paris: Larousse, 1890, p. 67-68. 9 BALLASTERO-ALVAREZ, Maria Esmeralda. Administração da qualidade e produtividade: abordagens do

processo administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, p. 294-296. 10

Ibid 1. 11

JOLY, Fabio Duarte. A Escravidão na Roma antiga: política, economia e cultura. São Paulo: Alameda Casa

Editorial, 1999, p. 47.

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19

Todavia, importante afirmar que os movimentos libertadores, e da necessidade do

Estado em utilizar os produtos diretamente da terra, sem intermediários, objetivando baixar os

custos, em troca de fidelidade para a entrega de bens produzidos, camponeses de parcos

recursos passaram a integrar famílias dos grandes empresários, para que estes lhe

proporcionassem sustento e proteção. Desta maneira, iniciou-se o labor servil, ou seja, os

pequenos camponeses livres passaram desta condição para servos, que embora obtivessem

liberdades formais, as mesmas não eram reais. Assim, iniciaram-se os domínios presentes na

Idade Média, conforme posição de Davis12

.

A prática escravagista teve aumento considerável na Idade Média, pois se verificou ser

extremamente lucrativa a produção com o baixo custo propiciado pelo labor de aprisionados,

incluindo-se mulheres e crianças. A escravidão era pautada em crenças religiosas e raciais,

onde alegava-se a preponderância dos europeus. As sociedades americanas foram instituídas

na opressão de povoados por outros povoados, sendo utilizada a exclusão do povo africano,

como confirma Munanga13

:

Quando os primeiros europeus desembarcaram na costa africana em meados

do século XV, a organização política dos Estados africanos já tinha atingido

um nível de aperfeiçoamento muito alto. As monarquias eram constituídas

por um conselho popular no qual as diferentes camadas sociais eram

representadas. A ordem social e moral equivalia à política. Em contrapartida,

o desenvolvimento técnico, incluída a tecnologia de guerra, era menos

acentuada. Isto pode ser explicado pelas condições ecológicas, sócio-

econômicas e históricas da África daquela época, e não biologicamente,

como queriam alguns falsos cientistas. Neste mesmo século XV, a América

foi descoberta. A valorização de suas terras demandava mão-de-obra barata.

A África sem defesa apareceu então como reservatório humano apropriado,

com um mínimo de gastos e de riscos.

Na América pré-colombiana, em 1492, o cenário era diferente. Os escravos que

conseguissem pagar as suas dívidas, ao longo do tempo, poderiam requerer a libertação.

Laboravam essencialmente no campo e no exército. Na Idade Média, destacou-se o período

do feudalismo, que tinham nos servos, a base de economia da época, uma vez que, eles

realizavam o trabalho no campo e estavam ‘presos’ a terra, submissos a uma intensa

exploração. Os trabalhadores tinham a obrigação de realizar a prestação de serviços ao senhor

feudal e pagar-lhes muitos tributos em troca da permissão de usar a terra e gozar de proteção

militar14

.

12

DAVIS, David Brion. O problema da escravidão na cultura ocidental. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

2001, p. 348-349. 13

MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1986, p. 38. 14

SOUZA, Adriano Stanley Rocha. do direito de propriedade ao dever da propriedade. Trabalho publicado nos

anais do XV Congresso Nacional do Conpedi, realizado em Manaus - AM nos dias 15 - 18 de novembro de

2006.

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20

Foi na Revolução Industrial que o trabalho passou a se transformar em emprego15

. Em

virtude da escassez de emprego, a mão-de-obra volumosa tornou-se de baixíssimo preço, o

que fazia o agrado dos interesses patronais, pois puderam realizar grandes investimentos de

capitais em novas instalações, já que o custo da mão-de-obra trabalhista era muito pequeno.

Desta situação surgiu uma causa jurídica, pois os trabalhadores começaram a reunir-

se, a associar-se, para reivindicar por melhores qualidades de trabalho e de salário, diminuição

das jornadas exageradas e contra a exploração de crianças e mulheres. Como o trabalhador

encontrava-se numa situação de desvantagem pelo fato de ser o empregador o dono das

máquinas, o Estado interveio para melhorar as condições de trabalho e garantir um bem-estar

social para esses trabalhadores, passando a existir um amparo jurídico e econômico.

Foi apenas com Revolução Francesa de 1789 que se estabeleceu o ideal de igualdade

de todos perante a Lei, o direito à propriedade privada e de resistência à opressão, nas

palavras de Hobsbawn16

. Eram os ditames desta revolução, a liberdade, a igualdade e a

fraternidade. Este foi um período que surgiu nova esperança mundial para o trabalho, e os

trabalhadores deixaram de ser vistos como uma classe bastarda, ganhando cada vez mais

espaço na sociedade, destacando ainda neste período a Declaração dos Direitos do Homem e

do Cidadão de 1789, inspirada na Declaração de Independência dos Estados Unidos da

América.

Já no Brasil, para Staden17

, o início da escravidão iniciou-se pelos índios, antes mesmo

da chegada dos portugueses. Os indígenas aprisionavam derrotados de guerra, para que os

servissem. Inclusive realizado o antropofagismo. Quando do início da colonização pelos

portugueses, os índios comercializaram os seus escravos com aqueles.

Como para os colonizadores portugueses, o Brasil era terra com possibilidades

econômicas, principalmente em matéria-prima, estes inicialmente usaram o escambo com os

indígenas para que estes fizessem os carregamentos de navios, extração de pau-brasil,

recebendo nesta troca, os mais variados supérfluos objetos: pentes, espelhos, anzóis e outros.

A já mencionada doutrina de Rosa18

declara o cenário da chegada dos portugueses no Brasil

em relação aos indígenas:

Aqui chegando, os portugueses depararam-se com uma nova categoria de

estranhos, os chamados ‘negros da terra’, isto é, as populações indígenas

cujas comunidades desconheciam o tipo de escravidão tal como praticada no

15

NOGUEIRA, Lilian Katiusca Melo. As interfaces da flexibilização trabalhista à brasileira. Trabalho

publicado nos anais do XV Congresso Nacional do Conpedi, realizado em Manaus - AM nos dias 15 - 18 de

novembro de 2006. 16

HOBSBAWN, Eric John Earnest. A Era das revoluções - 1789 – 1848. Paz e Terra, 2009, p. 89. 17

STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. São Paulo: Edusp, 1974, p. 96-97. 18

Ibid 6. p. 72.

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21

mundo europeu. Em alguns grupos de indígenas, os prisioneiros de guerra,

não devorados em festins, eram assimilados pela tribo, inicialmente em

condição de inferioridade. A eles estava destinada uma carga maior de

trabalho físico.

Conforme menciona Bazzan19

, com o tempo, os índios começaram a perceber que tais

apetrechos não possuíam valor e considerando que os espanhóis e os franceses também viam

no Brasil uma grande oportunidade de aglutinação de capitais, os portugueses alavancaram o

processo de colonização, para que pudessem alimentar suas riquezas. Neste ideal, foram

criadas as capitanias hereditárias.

Como não houve o sucesso esperado das capitanias, boa parte das terras voltou para as

mãos da metrópole, que acabou por estabelecerem um governo geral. A cultura de

escravização indígena não deu certo a esta fase, considerando inúmeros aspectos, pois que

verificou-se ser incompatível com a cultura indígena o trabalho intensivo e regular, que era

objetivado pelos portugueses. Ainda coloca Bazzan20

, que corroboraram para este insucesso o

fato da monarquia romper com a igreja, que estava, através dos jesuítas, catequizando os

indígenas; a dizimação de enfermidades trazidas da Europa pelos brancos; além de várias

guerras onde os índios foram postos a lutar.

Para proteger os índios, havia a este tempo o INDIGENATO - Instituição Jurídica

luso-brasileira que deita suas raízes já nos primeiros tempos da colônia, quando o Alvará de 1º

de abril de 1680, confirmado pela lei em 1755 - que determinava que parte da terra dos

portugueses (homens brancos) deveriam ser reservadas aos índios. Ainda que ineficaz

parcialmente, tal ditame acabou a desestimular a escravização indígena.

Na busca de outra solução a ser considerada, o tráfico negreiro seria a melhor opção.

Por duas faces: para utilização de mão-de-obra a baixo custo e também pela arrecadação

tributária advinda deste comércio. Ademais, os negros já possuíam experiência laboral, pois

alguns deles, antes da vinda para o Brasil, já haviam trabalhado no campo (engenhos de

açúcar, principalmente). O tráfico negreiro objetivou a vinda de escravos com a ficta intenção

de integração entre Europa, África e América.

Tratados como mercadorias, os negros vinham da África, em condições precárias,

através da navegação, cambiados por manufaturas. Chegavam ao Brasil e eram trocados por

açúcar, que estava em alta na época, principalmente na Europa. Tal negócio gerou muito lucro

aos traficantes, posto que as trocas lhes rendiam assessórios vultuosos.

19

BAZZAN. Felipe Tancini. Trabalho escravo contemporâneo. Ribeirão Preto, 2006. 61 fls. Trabalho de

Conclusão de Curso (Direito) UNICOC. 2006. p. 42. 20

Ibid. 19. p. 43.

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22

Davis menciona o preconceito dos europeus, ditos homens brancos, em relação aos

negros ao colocá-los como demônios, corroborando com a divisão de classes, onde escreveu

“a cor da morte, do rio Estige, do demônio; era a cor de uma magia má e de uma melancolia,

do veneno, do luto, do amor abandonado, e do mais baixo fosso do inferno”. E continua “para

a maior parte dos teóricos do século XVIII, o homem branco era a norma humana, o negro, o

desvio”.

Esclareceu Klein21

que no espaço de trezentos anos de tráfico negreiro, foram trazidos

mais de quatro milhões de africanos para os portos brasileiros, sendo que no primeiro censo

nacional em 1872, africanos e descendentes perfaziam 58% (cinqüenta e oito por cento) da

população nacional.

Após incessantes lutas e vários sentimentos abolicionistas foram proclamadas as

seguintes leis: Lei Eusébio de Queiroz, na qual proibia o tráfico de escravos da África para o

Brasil; a Lei do Ventre Livre, de 1871, em que os filhos de escravos nasciam livres e, em

1885 foi aprovada a Lei Saraiva - Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, na qual, libertava os

escravos maiores de 60 anos. Curioso é que esta última tornava o escravo livre, mas previa

também mesmo após a libertação os trabalhadores deveriam passar três anos trabalhando para

seu senhor. Ademais vale ressaltar que, eram poucos os escravos que sobreviviam a essa

idade por causa dos trabalhos forçados que eram submetidos durante toda a vida. Ressalte-se

que esta lei tratou-se de uma mera estratégia política, eis que os benefícios eram

exclusivamente dos senhores:

A Lei fixava a idade de oito anos como limite para o ingênuo ser alienado ao

Estado com a generosa indenização, porque era na idade de sete aos oito

anos que os menores começavam a fazer o trabalho pesado, e já dava para

saber se seria um escravo apto para o trabalho pesado ou se tinha algum

problema de saúde, problema físico, pois, devido a prática das mães negras

pouparem seus filhos da vida escrava e pela perversa situação em que as

negras davam a luz somente 5% das crianças chegavam aos 8 anos de idade,

conforme observou Perdigão Malheiros, “a maior mortandade era até os sete

anos”(Décio, 3ª edição, 1991, p. 109), portanto, somente seria interessante

aliena-lo ao Estado antes dos oito anos, pois depois desta idade a

probabilidade de morte era remota e a lucratividade com seus serviços

gratuitos eram maiores. Portanto a Lei de Rio Branco, Lei dos Nascituros, ou

como ficou vulgarmente conhecida “Lei do ventre Livre”, na verdade,

tratava-se de uma arrojada estratégia política, onde os benefícios eram

exclusivamente dos senhores, ou seja, os proprietários de escravos. Com essa

Lei tinham-se duas opções: Se o escravo era apto para o trabalho, ficava; se

fosse inapto para o trabalho, era apto para aliená-lo ao Estado. 22

21

KLEIN, Hebert. A demografia do tráfico Atlântico de escravos para o Brasil. São Paulo: IPE, 1987, p. 64. 22

BATISTA, Alex Ferreira; COSTA, Rodolfo Grellet Teixeira da. A igualdade formal e a desigualdade material

do negro no Brasil. Trabalho publicado nos anais do XV Congresso Nacional do Conpedi, realizado em Manaus

- AM nos dias 15 - 18 de novembro de 2006, p. 614-615.

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23

Após todas essas mudanças no mundo, o Brasil, que foi o ultimo país da América a

abolir a escravidão, o fez, em 13/05/1888, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel.

O Brasil, por influências externas23

, foi incentivado a criar leis que determinassem

proteção ao direito dos trabalhadores, como, por exemplo, a Consolidação das Leis do

Trabalho - CLT24

que foi aprovada em 01/05/1943, através do Decreto-lei de nº 5.452, cujo

objetivo foi regular as leis que se encontravam esparsas no que se referia aos assuntos

trabalhistas.

Conforme Cassar25

somente no ano de 1988 foi proclamada a atual Constituição

Federal, cuja matéria trabalhista esta regulada nos artigos 7 a 11. Os direitos trabalhistas

foram inclusos no Capítulo II, que versa sobre Direitos Sociais, do Título II, “Dos Direitos e

Garantias Fundamentais”, diferentemente das constituições anteriores, em que os direitos do

trabalho eram elencados no âmbito da ordem econômica e social.

Atualmente, em pleno século XXI, vivendo em um mundo globalizado, industrial, o

trabalho escravo ainda é uma grande realidade nesta atual sociedade. Todavia, o que se

observa é que muitas mudanças na forma de cercear as liberdades dos trabalhadores, foram

alteradas. A trajetória histórica mostra que o empregado saiu da condição de bem (objeto de

direito), pertencente ao patrimônio do empregador, para estar igualado a este em direitos, ou

seja, ganhando a condição de pessoa, como será demonstrado no item posterior.

1.2 CONCEITO DE TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

A Abolição da Escravidão no ano de 1888, com a Lei Áurea não marcou o fim da

exploração pelo modo escravocrata, registrando na história apenas uma transição do trabalho

escravo para o trabalho assalariado, não menos degradante, em alguns casos e preservando

conceitos e fatores indicativos de exploração humana. A necessidade de se obter trabalho livre

se deu por consolidação do capitalismo mundial, fazendo com que tal prática fosse

incompatível com os ideais de expansão mercantilista, conforme menciona Miraglia:

Com a consolidação do sistema capitalista, ao longo do século XIX, os

ideais escravagistas brasileiros mostraram-se incompatíveis com a realidade

mundial emergente. Isso porque o trabalho livre era elemento indispensável

à consolidação e expansão dos mercados dos países de orientação capitalista.

23

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 97. 24

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 1 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial [da]

República Federativa do Brasil, 9 ago. 1943. Disponível em

<http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/10/1943/5452.htm> Acesso em 14 mar.2011. 25

Ibid. 23, p.101.

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24

[...] Sendo assim, tendo em vista o novo cenário mundial e a pressão

exercida pelos países capitalistas – especialmente a Inglaterra -, a princesa

Isabel aboliu, em 1988, o regime escravocrata brasileiro, com a promulgação

da Lei Áurea.26

No mesmo sentido, Machado coloca que somente com as três sucessivas leis de

locação de serviços de 1830, 1837 e 1879, que o Estado proporcionou uma intervenção

específica acerca do tema.

A extinção do uso da mão-de-obra escrava no Brasil se deu por um processo

lento e gradual, com vistas à transição para a formação de um mercado de

trabalho livre. Por isso, a segunda metade do século XIX é um período

marcado pela preocupação de constituição e regulamentação legal do uso do

trabalho livre no Brasil. A regulação dessas novas modalidades de uso da

mão-de-obra contou com a mediação do Estado (Império) disciplinando os

contornos do trabalho livre. Conquanto haja uma inexplicável lacuna na

bibliografia do direito do trabalho, as leis de locação de serviços de 1830,

1837 e 1879, representam o principal marco de intervenção estatal na

contratação do trabalho livre no Brasil.27

A situação degradante de trabalho não sofreu grandes mudanças, senão pela falsa

liberdade, eis que embora libertos, não houve por parte dos governos a implementação de

políticas públicas de integração do ex-escravo ao meio social. Somados a isto, com a grande

oferta de mão-de-obra e a escassez de postos de trabalho, os trabalhadores voltaram a se

submeter a condições indignas:

Cabe salientar que, embora tenha libertado os negros das senzalas, o governo

brasileiro não se preocupou em criar normas e/ou condições para que o

antigo escravo se integrasse, efetivamente, ao meio social como verdadeiro

cidadão. Desse modo, foi enxotado para as margens da sociedade, sem

qualquer direito ou proteção estatal, o que levou muitos deles ao retorno às

condições precárias de trabalho, posto que se viram obrigados a laborar em

troca de um prato de comida.28

Hoje, no Brasil, o que predomina é a modalidade de escravidão denominada

escravidão por dívida, em que o trabalhador labora em condições análogas às de escravo. Essa

forma de escravidão distinguiu-se das anteriores porque ela é de curta duração, totalmente

ilegal, e não é proveniente de guerras. Mas, as condições laborais dos trabalhadores de hoje

são semelhantes a dos trabalhadores dos séculos passados. Os fatores contribuintes para tais

situações hodiernas são: a má distribuição de renda, a educação precária (quando se tem)

disponibilizadas às classes desprovidas de condições de usufruir ensino privado e a

centralização de terras para uma pequena quantidade de pessoas. São esses os fatores que

26

MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho escravo contemporâneo: conceituação à luz do princípio da

dignidade da pessoa humana. São Paulo: Ltr, 2011, p. 129. 27

MACHADO, Sidnei. Trabalho escravo e trabalho livre no Brasil: alguns paradoxos históricos do direito do

trabalho. Disponível em < http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/view/1766/1463>. Acesso em

12.03.2012. 28

Ibid 23, p. 131.

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25

possibilitam a propagação dessa triste realidade que é o trabalho em condições análogas às de

escravo.

Como mencionado no item anterior, a Lei Áurea, em 1888, de modo formal, pretendeu

a abolição da escravatura, no Brasil. Acontece que tal diploma, não foi capaz de exterminar as

práticas escravagistas, eis que ainda existem pessoas colocadas ao regime de escravidão. De

acordo com os dados citados por Miraglia29

, no Brasil, atualmente existem cerca de 25 a 40

mil indivíduos sujeitos a condição análoga à de escravo. Saliente-se que tais dados somente

consideram apenas os trabalhadores.

Todavia, observe-se que antes da promulgação da Lei Áurea, os escravos eram

classificados como objeto, como patrimônio, propriedade do senhor-escravizador, e hoje, não

mais, são reconhecidos como pessoas, dotadas, inclusive de personalidade, o que não poderia

deixar de ser. Neste contexto, declara Vólia Bomfim Cassar30

:

O escravo sempre foi tido como coisa, mercadoria. Apesar de não ser

reconhecido como sujeito de direito, transmitia essa condição aos filhos.

Estava presente uma absoluta relação de domínio. Seu trabalho era gracioso

e forçado em favor do amo.

A escravidão nos moldes do Brasil-colônia era mais cara, pois o detentor do escravo

deveria alimentá-lo, dar moradia, em caso de morte do escravo, havia imediata diminuição do

patrimônio material daquele. O custo para a aquisição da mão-de-obra escrava era alto e

perigoso. Por volta de 1850, um escravo, em razão do tráfico negreiro, chegava a custar o

equivalente a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Há quem diga31

que a forma análoga de

escravidão, vista atualmente, é bem mais vantajosa tanto no ponto de vista financeiro, quanto

no operacional:

Percebe-se que o trabalho similar ao do antigo escravo se manteve, mas

agora com uma nova roupagem, apresentando-se com uma maior freqüência

sob a forma de servidão, ou “peonagem” por dívida. Nela, o trabalhador

empenha sua própria capacidade de trabalho ou a de pessoas sob sua

responsabilidade a fim de que suas dívidas sejam saldadas. E isso acontece

sem que o valor do serviço executado seja abatido da conta de forma

razoável ou que a duração e a natureza do serviço estejam claramente

definidas. A nova escravidão é mais vantajosa para os empresários que a da

época do Brasil Colônia, pelo menos do ponto de vista financeiro e

operacional, já que as diferenças étnicas não são mais levadas em conta

durante a escolha da mão-de-obra e a seleção desta, agora, dá-se apenas

quanto à capacidade produtiva.

29

Ibid 23, p. 131-132. 30

Ibid 23, p. 101. 31

MONTEIRO, Mariah. A escravidão contemporânea do setor sucro-alcooleiro. Disponível em

<http://www.criticadodireito.com.br/todas-as-edicoes/numero-1-volume-17/a-escravidao-contemporanea-do-

setor-sucro-alcooleiro>. Acesso em 06.12.11.

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26

Dispõem Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo32

, discorrendo acerca de um conceito

de escravo, nos moldes antigos:

Como definir o escravo? Segundo David Brion Davis, apontaremos três

características principais: 1)sua pessoa é propriedade de outro homem; 2)

sua vontade está subordinada à autoridade do seu dono; 3) seu trabalho é

obtido mediante coação. Outros autores acrescentariam que tais

características só definiriam um escravo nos casos em que transcendessem

os limites das relações estritamente familiares: não são chamados escravos

os filhos e esposas explorados por pais e maridos tirânicos em sociedades

patriarcais. Além do exposto, diversos outros atributos decorrem de ser o

escravo uma propriedade. A sua situação não depende da relação que tenha

com um senhor em particular, e não está limitada no tempo e no espaço. Em

outras palavras, sua condição é hereditária e a propriedade sobre a sua

pessoa é transferível por venda, doação, legado, aluguel, empréstimo,

confisco etc[...].

E no mesmo diapasão conceitua Brito Filho:

Podemos definir trabalho em condições análogas à condição de escravo

como o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer

forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os

direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador.33

A forma análoga à escravidão, e atual, é bem diferente de todos os patamares

mencionados no item acima, eis que embora motivada pelos ideais do capitalismo, o homem é

colocado na sua forma de liberdade, ainda que seja uma liberdade irreal, por vezes sem

amarras físicas, mas preso por sua própria condição de dependência/hipossuficiência em

relação ao seu empregador. Neste sentido, têm-se as palavras de Jairo Lins de Albuquerque

Sento-Sé34:

[...] poderíamos conceituar o trabalho escravo contemporâneo na zona rural,

como sendo aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições

de trabalho degradante, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá

realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimentos

físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar

o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir

o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de

ampliar o lucro às custos da exploração do trabalhador.

Atualmente trabalhadores são postos em uma liberdade ficta35

, como uma espécie de

dependência financeira, constrangidos a assumir dívidas para a própria sobrevivência, além de

prestarem serviços penosos, em condições degradantes, sempre sob a mira de ameaças dos

empregadores que utilizam-se de punições severas e até praticam assassinatos. Melo, ainda

32

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 2000, p. 89. 33

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo: análise a

partir do tratamento decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel;

FAVA, Marcos Neves (Coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo:

LTr, 2006, p. 133 34

SENTO-SÉ. Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr, 2000, p. 121. 35

FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil

contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 78-79.

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27

apresentou divisões acerca das coações a que são submetidos os trabalhadores em condições

análogas ao de escravo:

a) Coação moral, em que o empregador, de forma ilícita e fraudulenta,

aproveitando-se da pouca instrução dos trabalhadores, envolve-os em dívidas

com a finalidade de impossibilitar o desligamento do trabalhador. Tem-se

aqui o regime de “servidão por dívidas” (truck system), vedado pelo

ordenamento jurídico, conforme art. 462, § 2º, da CLT .

b) Coação psicológica, em que os trabalhadores são ameaçados de sofrer

violência, a fim de que permaneçam trabalhando e não tentem a fuga,

podendo haver a utilização de empregados armados para exercerem esta

coação.

c) Coação física, em que os trabalhadores são submetidos a castigos físicos,

ou até mesmo assassinados, servindo como punição exemplar para evitar

tentativas de fugas. A apreensão de documentos e objetos pessoais dos

trabalhadores também constitui forma de coação para que o empregado

permaneça prestando serviços.36

As formas de escravidão subsistem, havendo, também, a escravidão da vida do

trabalhador, tendo em vista a sua impossibilidade de libertação real, considerando as

desigualdades sociais, econômicas, raciais e culturais, impostas a este grupo de pessoas.

A jurisprudência, farta em conceituar o labor análogo à escravo, menciona, também, a

proibição do direito a intimidade, a vinculação com dívidas em armazéns patronais, e no caso

abaixo, declarando que os trabalhadores sequer possuíam água potável:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO -

O conjunto probatório revela que os trabalhadores que prestavam serviços ao

Réu não apenas não tinham CTPS assinada, mas também estavam sujeitos a

condições absolutamente indignas a qualquer laborista, seja pela inexistência

de equipamentos de proteção, primeiros socorros a despeito da atividade

desenvolvida estar impressa de possibilidade de lesões, seja pela moradia

absolutamente sem estrutura, ausência de água potável, direito à intimidade,

seja, ainda, pela formação de truck system configurado na indução do

trabalhador a se utilizar de armazéns mantidos pelos empregadores em

preço, em regra, superfaturado, inviabilizando a desoneração da dívida.

Nesse passo, devem ser julgados procedentes os pedidos afetos a obrigações

de fazer e não-fazer, sob pena de multa diária. A indigitada situação deve ser

veementemente combatida; considerar o trabalho em condições aviltantes

como normal em face das circunstâncias de determinada região do País é

transgredir a finalidade ontológica do Judiciário e fazer letra morta a

legislação tutelar do trabalho. A dignidade da pessoa humana é um dos mais

importantes pilares do Estado Democrático de Direito.37

A liberdade que se prega, não existe. Na forma anterior a Lei Áurea, o trabalhador era

preso em razão de castigos físicos, e atualmente é retido pela humilhação, por condições

degradantes de labor, por excesso de jornada, pela precarização total do trabalho.

36

MELO, Luís Antônio Camargo de. Premissas para um eficaz combate ao trabalho escravo. Revista do

Ministério Público do Trabalho, Brasília: LTr, n. 26, a. XIII, p. 13-14, set. 2003. 37

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (10. Região). Recurso Ordinário n. 00011-2004-811-10-00-6 –

Relatora: Flávia Simões Falcão. Brasília, 06 de maio de 2005. Diário da Justiça da União, Brasília, 06 maio

2005.

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28

Não é dizendo ao homem que ele é livre, através de uma norma, que se atingiu a sua

eficácia e eficiência. O escravo atual, que diga-se, denomina-se cidadão em condição análoga

ao de escravo, eis que sua observação constitucional passou de propriedade para pessoa, não

possui liberdade formal.

Acerca da liberdade, define Dalmo de Abreu Dallari38

: “Para que se diga que uma

pessoa tem o direito de ser livre, é indispensável que essa pessoa possa tomar suas próprias

decisões sobre o que pensar e fazer e que seus sentimentos sejam respeitados pelas outras”.

Trata-se nesse caso de trabalhadores que, buscam satisfazer suas necessidades pessoais

e as de sua família, sedentos pela construção de sua dignidade a partir de um posto de trabalho

e que, chegam a dispor da liberdade de ofertar a sua mão-de-obra a quem tiver interesse ou até

mesmo o direito de ir e de vir. Possibilitando o entendimento de que, se de um lado o trabalho

figura como um operador da identidade social do homem, do outro lado pode ser o

responsável pela destruição de sua própria existência, quando não houver observância de suas

condições mínimas laborais.

Acerca da liberdade de ir e vir, embora seja admitida corrente contrária, eis que para

alguns julgadores, como, por exemplo, no caso da sentença prolatada39

na Vara do Trabalho

de Porecatu-PR, para se caracterizar a condição de labor análogo ao de escravo, deve haver a

restrição total da liberdade:

(...)Os trabalhadores, em condição análoga à de escravo, ficam,

literalmente, "presos" aos estabelecimentos em que prestam serviços sob

condições desumanas e degradantes, tornando necessária a ação enérgica dos

auditores fiscais do trabalho para libertá-los, com o reforço da Polícia

Federal e acompanhamento por membros do Ministério Público do Trabalho.

(grifo nosso)

Da mesma forma, já entendeu o STJ:

TRABALHO ESCRAVO - DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE

PROTEÇÃO AO PRESTADOR DE SERVIÇOS - O simples

descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é conducente a se

concluir pela configuração do trabalho escravo, pressupondo este o cerceio à

liberdade de ir e vir. 40

(grifo nosso)

Tal posição deve ser rechaçada, uma vez que uma das formas de perda de liberdade é o

confinamento psicológico, através de simples coação, sendo desnecessária a manutenção do

empregado encarcerado para que o mesmo esteja, de fato, preso. A prisão do empregado deve

ser vista sob dois patamares: privação de liberdade física, psicológica ou moral. Ademais, não

38

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 2001, p. 46. 39

ACPU-01018-2008-562-09-00-2 (ação civil coletiva) apensada a AD-01043-2008-562-09-00-6 (ação

declaratória de atos) 40

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 466508. Relator: Min. Marco Aurélio.

Brasília, 02 de outubro de 2007. Diário Oficial da União, Brasília, 02.10.2007, p. LC 01.

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29

pode ser desconsiderada maléfica servidão por dívida, que se dá quando ocorre o

endividamento do trabalhador em razão de despesas indevidas com seu patrão.

Atualmente é vasta a legislação aplicada a coibir o labor análogo a escravo: art. 1º, II,

III e IV; art. 3º, I, III e IV; art. 4º, II; art. 5º III; art. 7º, XXII, XXVIII; art. 170, III; art. 186, III, IV

e art. 193, sendo todos da Lei Maior.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

...

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais

e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação. 41

De acordo com o Ministério Público do Trabalho, através de sua cartilha42

, houve

somente em 1995, o reconhecimento pelo Brasil da existência de labor escravo em terras

nacionais, sendo que a contar desta data, foram resgatados mais de trinta e cinco mil

trabalhadores nesta situação. A estes empregados, foram garantidos os direitos trabalhistas,

assim como houve a aplicação de cobranças severas aos infratores, tanto no âmbito

administrativo, penal e laboral.

A amplitude do tema e embasado na relevância atual do tema, fez com que o

Ministério Público do Trabalho criasse em 12 set. 2002, a Coordenadoria Nacional de

Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), que definiu através orientações, o que deveria

ser visto como prática escravagista:

Orientação 03. Jornada de trabalho exaustiva é a que, por circunstâncias de

intensidade, freqüência, desgaste ou outras, cause prejuízos à saúde física ou

mental do trabalhador, agredindo sua dignidade, e decorra de situação de

sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a sua vontade.43

Orientação 04. Condições degradantes de trabalho são as que configuram

desprezo à dignidade da pessoa humana, pelo descumprimento dos direitos

41

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 06 out.

2011. 42

Ministério Público do Trabalho. O trabalho escravo está mais próximo do que você imagina. Disponível em:

<http://portal.mpt.gov.br/wps/wcm/connect/9a0cf38047af3bb1bd98bfd0854ab81a/Cartilha+Alterada_3-

1.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=9a0cf38047af3bb1bd98bfd0854ab81a> Acesso em 31 out. 2011. 43

Ibid 36.

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30

fundamentais do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde,

segurança, moradia, repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos

da personalidade, decorrentes de situação de sujeição que, por qualquer

razão, torne irrelevante a vontade do trabalhador.44

Os valores constitucionais do trabalho são inegáveis e constituem fundamentos da

República e são elevados a objetivos fundamentais desta. A Lei Maior buscou em seus

primeiros artigos elencar a valorização do trabalho, como forma igualitária de constituição e

manutenção do bem-estar social. O trabalho deve ser probo, para manter-se a dignidade da

pessoa humana. De tal forma, devem ser valorizadas a livre iniciativa e os valores sociais do

labor.

Em razão da globalização, o trabalho não pode ser visto somente no patamar nacional.

Por isso, a proteção constitucional foi estendida ao âmbito internacional, aos trabalhadores do

Brasil, aqui labutando ou em serviço no exterior, até mesmo como forma de mantença da

soberania nacional:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações

internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;45

Nos artigos 5º, III e no 7º, XXII e XXVIII, têm-se tutelas mais específicas a serem

aplicadas no combate ao labor escravo, eis que rezam que nenhuma pessoa (daí incluem-se os

trabalhadores), deve ser submetida a tratamentos desumanos, devendo o labor ter seus riscos

reduzidos, garantido a saúde, higiene e segurança. Inclusive o inciso XXVIII do art. 7º, abaixo

transcrito, explana possibilidade de indenização toda vez que o empregador ensejar em dolo

ou culpa. Nestes casos, inclui a devida reparação ao labor degradante, precário e, por

conseguinte, análogo ao de escravo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

...

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante;

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que

visem à melhoria de sua condição social:

...

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de

saúde, higiene e segurança;

....

44

Ibid 36. 45

Ibid 41.

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31

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem

excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou

culpa;46

Conforme texto constitucional, a dicotomia marxista capital versus trabalho

transpassou para a relação capital versus direitos dos homens. É certo que ao Estado cabe

intervir na economia, toda vez que ocorrer relevante interesse coletivo ou a ameaça/violação

aos imperativos da segurança nacional. O que visa a Lei Maior é a constituição de uma

sociedade livre, porém justa e solidária. Os cidadãos devem ser livres, inclusive para

contratar, empreender, porém com bases na justiça social, não inimizando os homens entre si.

As políticas públicas devem buscar a liberdade real e não somente a formal, onde prática e lei

caminhem a passos opostos. É exatamente neste sentido que os artigos abaixo se coadunam:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e

na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme

os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

...

III - função social da propriedade;

...

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em

lei, aos seguintes requisitos:

....

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores.

Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como

objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Além da Lei Maior, há tutela penal para a escravidão, onde colocou que a mesma é um

crime contra a humanidade, punido pelo art. 149 do Código Penal brasileiro47

e por

declarações universais48

49

50

:

No entanto, muito embora atual, a prática de constranger pessoas ao trabalho forçado

não é recente, como relatado no item anterior a este.

46

Ibid 23. 47

BRASIL. Decreto-Lei n. 2848, de 01 de Janeiro de 1916. Código Penal. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 jan. 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848.htm>. Acesso em 08 dez 2011. 48

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 29. Disponível em

http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/conv_29.pdf. Acesso em 30 jul 2012. 49

ORGANIZAÇAO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Disponível em http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos/. Acesso em 30 jul 2012. 50

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção Suplementar sobre a abolição da

escravatura de 1956. Disponível em http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/conv_105.pdf.

Acesso em 30 jul 2012.

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32

Por mais incoerente que possa parecer, existe uma corrente que ousa negar a existência

do trabalho análogo ao de escravo no Brasil. Tal corrente é denominada ‘negacionismo’, e

tem como seus percussores Plassat e Gonçalves51

.

Como mencionado no item anterior, os conflitos laborais se perpetraram em todo

tempo, passando por momentos cruéis, como por exemplo, o que motivou o feriado nacional

de 01 de maio, onde em muitos países lembram-se das lutas sindicais ocorridas em Chicago,

em 1886. Ocorre que os conflitos trabalhistas sempre tiveram os mesmos objetivos: atingir

melhorias, independência entre as partes envolvidas e principalmente estabelecer o equilíbrio

da relação contratual, no limite de suas desigualdades52

.

Embora haja grande contribuição do Estado, de organizações internacionais, como a

OIT (Organização Internacional do Trabalho), de grupos não governamentais, não se pode

dizer que a escravidão já fora abolida. É pertencente a este século ainda a presença de

trabalhadores postos a situação laborativa forçada. Não mais se conceitua o empregado como

escravo, mas sim como análogo a este, uma vez que mudanças na forma da escravização,

foram percebidas, como será demonstrado com a construção de fatos e conceitos que se

seguem.

A todo instante é clássico a mídia apresentar reportagens acerca deste tema, que

embora antigo é extremamente atual, sempre demonstrando situações em que os trabalhadores

são oprimidos, marginalizados, excluídos, inclusive sem direito a uma alimentação adequada,

da compaixão pelo explorador, ao mínimo de dignidade que o ser humano merece, afastados

do direito de humanizar-se, de constituir seu próprio futuro e, principalmente de ter um

trabalho digno e respeitoso.

Conhecer o passado das relações de trabalho, certamente é uma forma de reconhecer

os pilares das relações laborais atuais. As lutas trabalhistas, ao longo dos tempos,

contribuíram para a melhoria das condições de trabalho e emprego, mas certamente não

extirparam a escravidão e tampouco trouxeram o almejado equilíbrio nas relações

empregatícias. Ainda hoje, mesmo após a assinatura das leis anteriormente citadas, da

evolução do trabalho e da sociedade, os fiscais do Ministério do Trabalho, bem como o

Ministério Público do Trabalho, vêm fazendo a identificação de situações de trabalho escravo

no Brasil, a saber53

:

51

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de; STEDILE, João Pedro. A natureza do agronegócio no Brasil. Brasília:

Via Campesina, 2005, p. 34. 52

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 2000, p. 87. 53

BRASIL. Presidência da República. Plano nacional para a erradicação do trabalho escravo. Brasília, DF, 11

mar. 2010. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/fisca_trab/quadro_2010.pdf>. Acesso em 01 mar 2011.

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33

Tabela 01 – Quadro das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo – SIT/SRTE:

2010

Fonte: Relatórios Específicos de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo

Como se vê, só em 2010, em 20 estados inspecionados, todos apresentaram

trabalhadores em situação de escravidão, somando-se para este ano o valor de R$8.770.879,81

(oito milhões setecentos e setenta mil oitocentos e setenta e nove reais e oitenta e um

centavos), só em indenizações pagas a este título.

Em resultado a trezentos e cinco inspeções, no ano de 2010, foram resgatados dois mil

seiscentos e dezessete trabalhadores em condições análogas a de escravo. Outros

trabalhadores tiveram seus contratos de trabalho regularizados, tendo a soma de dois mil

setecentos e vinte e um trabalhadores. Isso tudo além da enorme quantidade de autos de

infração lavrados.

Percebe-se que em um país tão grande como é o Brasil, com todas as dificuldades de

fiscalização existentes (falta de agente humano, insumos, transporte e outros), muitos

empregados foram libertos. São dados que chamam a atenção para a realização de um

trabalho para este foco, eis que comprovadamente real e alarmante. Trabalhadores colocados

em condições de desrespeito as suas dignidades.

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34

Nos locais inspecionados, observou-se que as pessoas são obrigadas a trabalhar muitas

horas por dia, com acomodações de péssima qualidade e envolvidas em dívidas com seu

empregador-escravizador, as quais com o pouco recebido, nunca poderão ser pagas. Esses

focos de trabalho escravo encontrados são prontamente desmanchados e os responsáveis

presos e multados.

Os atuais trabalhadores escravizados são trazidos de regiões muito pobres do Brasil,

tais como: Mato Grosso, Bahia, Goiás e Pará. Sãos os dados publicados pela Comissão

Pastoral da Terra:

[...] Mais de 50% das pessoas resgatadas em condições análogas ao trabalho

escravo no Brasil são jovens com menos de 30 anos, do sexo masculino e a

maioria migrante do Nordeste, segundo levantamento da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) divulgado nesta terça-feira (25).

Os dados são resultado de pesquisa realizada entre 2006 e 2007 em Mato

Grosso, Pará, Bahia e Goiás. Os quatro estados estão no topo da lista de

denúncias. Durante o levantamento, 121 trabalhadores foram ouvidos pelos

coordenadores em 10 fazendas durante operações do Grupo Móvel¸

composto por Auditores Fiscais do Trabalho, procuradores, Policiais

Federais e Policiais Rodoviários Federais.[...]54

Conforme Gabriel Velloso e Marco Neves Fava, sobre os números de acordo com um

perfil de gênero:

Quando traçamos um perfil de gênero, descobrimos que são homens em sua

grande maioria (98%), entre 18 e 40 anos (75%), que possuem como único

capital de trabalho a força bruta e por isso são utilizados em árduas tarefas,

principalmente na derrubada da floresta ou na limpeza da área devastada (o

conhecido roço da juquira) para o plantio de pastos (80% dos casos) ou de

outros insumos agrícolas.55

Conforme notícia de capa do Jornal Folha de São Paulo56

, até em obras do PAC (Plano

de Aceleração do Crescimento), são encontrados trabalhadores precários. São labutantes na

construção civil. Que são colocados em alojamentos insalubres, apertados, sem condições

mínimas de limpeza e segurança.

A realidade atual, conforme posição de José de Souza Martins57

demonstra que até

mesmo a situação do trabalhador escravo foi modificada, pois embora dito homem livre,

54

OIT divulga pesquisa sobre o trabalho em condição de escravidão no Brasil. Quarta, 26 de outubro de 2011,

13:14h. Disponível em

<http://www.cptnacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=854:oit-divulga-pesquisa-

sobre-trabalho-em-condicao-de-escravidao-no-brasil&catid=49:trabalho-escravo&Itemid=94> Acesso em 12

mar 2012. 55

VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves. Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a

negação. São Paulo: LTr, 2006, p.77. 56

MAGALHÃES, João Carlos; COSTA, Breno. Infrações em obras avançam após o PAC. Folha de São Paulo,

São Paulo, 11 abr. 2011. Caderno econômico, p. A6. 57

MARTINS, José de Souza. A Escravidão nos dias de hoje e as ciladas da interpretação. In.: Trabalho escravo

no Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1999, p. 162.

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35

possui outras formas de dependência e é submetido a outras formas degradantes de emprego.

É certo que submeter o empregado a trabalhos forçados, descumprindo, o empregador, de

normas básicas de segurança e saúde, capaz de colocar em risco a vida do trabalhador,

também são formas de constrangimento, por isso denominada formas análogas à condição de

escravo.

Nas fotos abaixo, produzidas em inspeção do MTE, foram resgatados trabalhadores

análogos às condições de escravização, onde eram colocados para dormir com ratos e

morcegos, em decorrência do péssimo estado do alojamento. Inclusive, na segunda foto, um

dos empregados demonstra a preferência em dormir em barraca de camping, para que não

fosse atingido por ratos e morcegos. Tal ocorrência se deu no fim de fevereiro de 2012, em

lavouras de soja, café e milho, nos municípios de Montividiu e Rio Verde, em Goiás58

.

Ilustração 01 – Fotografia produzida em ação de resgate de trabalhadores pelo MTE, demonstrando o

mau estado do alojamento de empregados.

Fonte: Repórter Brasil, 2012.

58

SANTINI, Daniel. Trabalhadores resgatados em Goiás dormiam com ratos e morcegos. Disponível em

<http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=2013>. Acesso em 28 mar 2012.

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36

Ilustração 02- Fotografia produzida em ação de resgate de trabalhadores pelo MTE, demonstrando que

um determinado empregado dormia em barraca de acampamento para não ter contato com ratos e

baratas.

Fonte: Repórter Brasil, 2012.

Ao que pese discorrer sobre a expressão ‘trabalho escravo’, não se estabelece qualquer

excesso de linguagem. Isto porque não se pode usar outra colocação para denominar um

sistema em que famílias inteiras migram de municípios de parcos recursos, para outros

lugares, muita das vezes afastados dos grandes pólos e capitais, na ilusão de melhores

condições de vida, e o que acabam encontrando são barbáries de constrangimento, a começar

pela retenção abusiva de seus próprios documentos pelo empregador, sob o prisma de

contraírem dívidas para a própria subsistência, trabalhando e residindo em lugares

degradantes, sempre sob a força de grandes ameaças.

No entanto, o mais importante a destacar é que os paradigmas para se colocar alguém

caracterizado em situação escravagista, mudaram. Não se pode tratar as vítimas da

precarização do trabalho como sendo escravos propriamente ditos, pois na

contemporaneidade, como já dito, os homens tem liberdade física. Anteriormente à Lei Áurea

o trabalhador escravo era considerado como uma coisa ou animal, o qual pertencia ao seu

senhor e, assim, este tinha todos os direitos sobre a vida e a morte daqueles.

Em muitas situações o senhor, para disciplinar seus escravos, utilizava de reprimendas

severas, como açoites, marcas com ferro em brasa, emparedamento vivo, amputação de seios,

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37

acorrentamento sem alimentação, e, algumas vezes, até a morte. Hoje as punições são outras,

não menos cruéis59

.

Diferentemente dos dias atuais, o trabalho físico como um todo, era algo desagradável,

tanto que do latim, trabalho decorre da palavra tripalium60

, que significa tripudiar. Tripudiar

reporta a dor, castigo e sofrimento. Dessa maneira, os nobres não exerciam as funções

laborativas, e o trabalho ficava a cargo das pessoas de pouca ou nenhuma condição financeira,

sujeitos as ordens de seus senhores, tais como os servos e os escravos.

Desta forma, é possível verificar o quão antiga é a escravidão, pois sempre houve um

grupo superior a outro, e este inferior estava sujeito a todas as ordens que lhes fossem

destinadas.

A Escravidão no Brasil do Século XXI ainda persiste em muitas cidades do Brasil,

predominando hoje a modalidade de escravidão denominada escravidão por dívida, em que o

trabalhador labora em condições análogas às de escravo. Observa-se também um grande

desrespeito a um dos grandes princípios que abalizam os direitos dos trabalhadores, como

bem ilustra o art. 468, caput, da CLT61

, que trata do Princípio da Proteção do Trabalhador.

Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das

respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que

não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de

nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Não estando condicionado apenas a propriedades pequenas, existem trabalhadores,

também nas grandes e modernas fazendas, que na maioria, produzem mercadorias para a

exportação62

. Saliente-se, mais uma vez, o caso da Fazenda Tabuleiro, em que no ano de

2003, foram encontradas pessoas em situação de escravos, que, como já dito, o dono da

referida propriedade era o pai do fundador da companhia aérea Gol.

Nos trabalhadores são realizados castigos, agressões e execuções, tudo com o objetivo

de disciplinar e amedrontar os mesmos63

. Dessa forma, a precariedade e o medo adquirido

pelos trabalhadores nesse tipo de exploração tornam-os impotentes. Tornam-se endividados

em virtude dos gastos com transportes, alimentação, roupas, remédios, utensílios de trabalho,

etc. Tudo isso os torna escravos por dívidas, obrigados a permanecerem na fazenda, tendo

assim, a liberdade de locomoção negada. Isso, sem falar que a dívida, em muitos casos é

59

PRADO Junior, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 84. 60

Ibid 23, p. 103. 61

Ibid 24. 62

BRASIL. Governo Federal. Comissão Pastoral da Terra (Coordenação da Campanha contra o Trabalho

Escravo). Dominicanos: São Paulo, 10 maio de 2003. Disponível em:

<http://www.dominicanos.org.br/jp/escravo.htm>. Acesso em 01 mar 2011. 63

PINTO, Melina Silva. A constitucionalidade da "lista suja" como instrumento de repressão ao trabalho em

condições análogas à de Escravo no Brasil. Santa Catarina: UFSC, 2011.

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adquirida antes mesmo de arranjarem o transporte, pois muitos se deslocam de suas terras sem

o mínimo capital disponível e se hospedam em hotéis chamados de ‘hotéis pioneiros’64

e a

hospedagem é fornecida pelos adiantamentos do salário que, quando iniciarem o trabalho

ganharão. Já os gastos adquiridos nas fazendas, com alimentos e demais utensílios para a

subsistência, são dados aos empregados e prontamente subtraídos dos seus salários. Como se

observa, sem ter como adquirir produtos em outro lugar, longe do comando de seus patrões,

os empregadores passar a ter dívidas eternas com aqueles, pois o escravizador pode pôr nas

mercadorias o preço que desejar e que lhe for conveniente (falta de concorrência somado ao

desejo de vinculação dos obreiros).

Conforme foto publicada pelo Fotojornalista, Joel Silva, na Folha de São Paulo, os

trabalhadores também são expostos a muitas doenças, tais como a malária, dengue, além dos

acidentes laborais, por trabalharem em condições de insalubridade, periculosidade e

penosidade, frente a não observância do cumprimento das normas de segurança e saúde e do

ambiente laboral. Os trabalhadores são postos em alojamentos precários, com instalações

elétricas aparentes, sem qualquer higiene, com banheiro aparente, sem qualquer privacidade,

tampouco limpeza.

Ilustração 03- Fotografia de alojamento de trabalhadores análogos à escravos.

Fonte: Joel Silva, 2011.

64

Ibid 63.

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39

Ilustração 04 – Alojamento de trabalhadores análogos à escravos

Fonte: Joel Silva, 2011.

Para levar os trabalhadores contratados, estes, ainda hoje, são transportados em boléias

de caminhão, em caminhão de gado, ônibus e trens. Atravessam milhares de quilômetros,

passando por estradas vicinais e até por rodovias federais, estaduais; sem saber para onde se

está indo e, o que é pior, já devendo ao futuro empregador (escravizador) a passagem do

transporte. Alguns transportadores, capatazes dos fazendeiros, denominados ‘gatos’, chegam

até a embebedá-los, fruto de estratégias de aliciamento, para despistar o caminho.

Já para fugir da Polícia Rodoviária Federal e fiscalizações dos órgãos responsáveis

(Ministério do Trabalho e Emprego), passam por estradas perigosas e em péssimas condições

de trafegar. Tudo que é consumido é anotado em um caderno de dívidas: alimentação,

transporte, viagem, etc., e que ficam na posse dos ‘gatos’ ou dos gerentes, longe do alcance

dos trabalhadores, que nem ao menos podem saber o que está sendo anotado como despesa.

Até mesmo os materiais que necessitam para realizar a atividade são anotados e a preços

muito superiores aos do mercado65

.

Corroborando com tema, Bales66

, menciona uma série de diferenças entre a antiga

escravidão e condição análoga atual, de acordo com a tabela abaixo:

65

Ibid. 52, p. 78. 66

BALES, K. Disposable people: new slavery in the global economy. Berkeley: University of California Press,

2000, p. 48.

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40

Tabela 02 – Diferenças das escravidões moderna e contemporânea

Fonte: BALES, K. Disposable people: new slavery in the global economy. Berkeley: University of

California Press, 2000, p. 48

Diante do que expôs o citado doutrinador, alguns pontos merecem destaque. A

escravidão nos moldes anteriores a Lei Áurea era legal, ou seja, havia amparo no escopo

legislativo, era admitida pelos usos e costumes. A atual é repugnada, negada e abominada pela

sociedade contemporânea. Custos e lucros se inverteram. Antes o custo era alto e o lucro

baixo, hoje o custo é baixo (devido a precarização da mão-de-obra) e o lucro é alto, devido a

grande demanda de trabalhadores desempregados, que se submetem a condições degradantes

de labor, há grande disponibilidade de mão-de-obra precária. Sob a mesma justificativa, tem-

se o contrato encurtado, sendo o trabalhador facilmente substituído por outro em igual ou

piores condições, o que o Autor denominou de ‘descartabilidade’.

Ademais, ainda conforme Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo67

antigamente o

escravo era visto como incapaz, sequer possuindo legitimidade para estar em juízo ou ser

parte:

(...) Não pode legalmente possuir, legar, iniciar processo. E, no entanto, sua

incapacidade jurídica não é acompanhada pela incapacidade penal: pelo

contrário, ao escravo estão reservados os castigos mais duros e a tortura. O

mundo dos escravos não era homogêneo. Distinguia-se, em primeiro lugar,

entre o cativo recém-chegado da África, o ‘bocal’, e o ‘ladino’ – africano já

aculturado e entendendo o português. Os africanos eram, como um todo,

opostos aos ‘crioulos’ nascidos no Brasil. Havia ainda distinções

reconhecidas entre ‘nações’ africanas de origem, diferentemente valorizadas.

E, dada a mestiçagem, a pele mais ou menos clara também era fator de

diferenciação. Os mulatos e os negros crioulos eram preferidos para tarefas

domésticas, artesanais e de supervisão, cabendo aos negros, sobretudo os

africanos, a dura labuta dos campos e outras tarefas pesadas.

67

Ibid. 32, p. 90.

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41

Hoje, não só o trabalhador tem a condição de ser parte em processo, como tem seus

direitos humanos reconhecidos. Ou, pelo menos, deveriam ter. Por isso a prática escravagista

em pleno século XXI é inadmissível.

É no agronegócio que a prática escravagista ganha espaço, muito embora também

esteja presente na zona urbana, como recentemente foi noticiado por todos os grandes jornais,

denúncias envolvendo a empresa de roupas ZARA68

. Em regra geral, ainda com base na

pesquisa do Ministério da Justiça, os trabalhadores se deslocam de zonas muito pobres, tais

como: Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará. Possuem um baixíssimo Índice de

Desenvolvimento Humano – IDH são analfabetos, iletrados ou com pouco estudo.

Mencionam Gabriel Velloso e Marco Neves Fava69

, sobre os números de acordo com

o perfil de gênero:

Quando traçamos um perfil de gênero, descobrimos que são homens em sua

grande maioria (98%), entre 18 e 40 anos (75%), que possuem como único

capital de trabalho a força bruta e por isso são utilizados em árduas tarefas,

principalmente na derrubada da floresta ou na limpeza da área devastada (o

conhecido roço da juquira) para o plantio de pastos (80% dos casos) ou de

outros insumos agrícolas.

A doutrina não diverge quanto a conceituação de trabalho análogo ao de escravo, mas

cada autor com sua visão individual, acaba por conglobar um conceito único. Alexim,

ressalta que “[...] Existem muitas maneiras de impedir que um trabalhador exerça o seu direito

de escolher um trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu emprego quando julgar

necessário ou conveniente.[...]”70

. Ao que se verifica nesta citação é que há uma ligação entre

a liberdade de trabalhar e a de permanecer, ou não no labor, como forma a não caracterizar

labor forçado. E continua:

[...] Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, está proibida em

basicamente todos os países, surgem formas de dissimulação que causam

efeitos talvez menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática em

formas muito semelhantes.[...]

O processo mais comum e conhecido é o da “servidão por dívida”, que afeta

milhões de trabalhadores no mundo inteiro. O empregador, ou um

contratista, a seu mando, usa o artifício de oferecer um adiantamento ao

trabalhador, que se iria descontando em seus futuros salários. Entretanto

esses rendimentos raramente são suficientes para cobrir as despesas diárias

que lhe são cobradas e ainda resgatar a dívida assumida

antecipadamente.[...]71

68

DOMINGOS, Roney; PRADO, Rapael. Diretor da Zara lamenta uso de trabalho escravo em São Paulo.

Diponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/09/diretor-da-zara-lamenta-uso-de-trabalho-escravo-

em-sp.html>, em 10 out11. 69

Ibid. 32, p. 78. 70

ALEXIM, João Carlos. Trabalho Forçado. In VV.AA. Trabalho Escravo Contemporâneo. São Paulo: Edições

Loyola, 1999, p. 44-45. 71

Ibid 70, p. 44.

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42

De fato, a modalidade da servidão por dívida, prende o empregado ao arbítrio do seu

empregador, uma vez que as dívidas são impagáveis, longas, intermináveis. Assim, labuta o

empregado no presente para quitar adiantamento no passado, que foi utilizado para viajar de

sua origem para o local de trabalho, em total afronta aos direitos do trabalhador. Usam os

empregadores a dissimulação para cobrar do labutante despesas como alimentação, vestuário,

moradia, artefatos para o trabalho e outros.72

Alexim ainda coloca que esta modalidade ilícita

de realização contratual “impede o desligamento do trabalhador para o resto de sua vida,

podendo isso estender-se a sua família e descendentes: a OIT tem registrados casos de dívidas

que obrigaram ao trabalho escravo a oito gerações de uma família”.73

Miraglia aumenta este conceito para de forma objetiva colocar a relação do capital

com o trabalho, ou seja, vincular os anseios de lucro ou vantagem exacerbada:

[...] Nessa esteira, pode-se inferir que o trabalho escravo contemporâneo é

aquele que se realiza mediante a redução do trabalhador a simples objeto de

lucro do empregador. O obreiro é subjugado, humilhado e submetido a

condições degradantes de trabalho e, em regra, embora não seja elemento

essencial do tipo, sem o direito de rescindir o contrato ou deixar o local de

labor a qualquer tempo.[...]74

Para Gomes e Souza, o que predomina para a caracterização de labor análogo ao de

escravo, além do cerceamento físico, é questão da remuneração, sendo esta injusta ou por não

traduzir a intenção do empregado:

[...] Trabalho análogo ao de escravo é aquele que se assemelha a ele por não

apresentar a vontade do trabalhador ou a justa remuneração em moeda

corrente. É prática atentatória à dignidade da pessoa humana, e o ato de

submeter o trabalhador a condições análogas às de escravo constitui crime

nos ordenamentos jurídicos dos países signatários da Organização das

Nações Unidas - ONU, em razão da Declaração Universal dos Direitos

Humanos.[...]75

(grifo do autor)

Vincular a remuneração como agente caracterizador da analogia à escravidão, torna-se

um tanto quanto descomedido, ainda que seja este o objetivo de todos os que labutam. De

fato, o salário interfere na questão do labor forçado, seja pela falta deste, seja pelo confisco

para pagamento de contas no caso da “servidão por dívidas”, mas não pode ser analisado de

forma isolada. Corroboram as questões de cerceamento de locomoção, de servidão por dívida,

de restrições de liberdades.

72

Ibid 70, p. 44-45. 73

Ibid 70, p. 45. 74

Ibid 26, p. 131. 75

GOMES, Nathalie Santos Caldeira; SOUZA, Mércia Cardoso de. O Direito internacional dos Direitos

humanos como instrumento de erradicação do trabalho forçado e do tráfico de pessoas no mundo globalizado.

Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias

09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010, p 3647-3663.

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43

Maués corrobora esclarecendo que o modelo de exclusão perpetrado pelo Brasil

contribui para esta prática, ressaltando a ignorância dos trabalhadores sobre seus reais

direitos. Ademais, coloca também a questão da violência física e mental – assédio moral –

como sendo percussor da conceituação de trabalhador reduzido à condição análoga a de

escravo.

[...] O trabalho escravo contemporâneo e mais uma das consequências do

modelo desenvolvimentista de exclusão adotado pelo Brasil, que se expressa

em proteção e impunidade para os ricos, constrangimento e indignidade para

os pobres. [...] Quanto aos direitos trabalhistas, alem dos obreiros não terem

ciência dos direitos oriundos da relação laboral, o arregimentador não se

preocupa em verificar a existência de documentos de identificação e muito

menos de Carteira de Trabalho e Previdência Social. Quando, raramente,

possuem tal documento, este e retido pelo preposto do patrão, com o

objetivo do rurícola ter mais um vinculo para com o suposto empreiteiro.[...]

Por último, tem-se as violências diretas, indiretas, físicas e morais contra

minorias étnicas, grupos marginais, operários, trabalhadores rurais,

mulheres, crianças,homossexuais e outros. Nota-se que nesta ultima

categoria estão insertos os trabalhadores reduzidos a condição análoga a de

escravo, e quando se fala sobre violação, refere-se desde a insegurança no

transporte dos trabalhadores para as fazendas ate a violência física praticada

no intuito de que estes permaneçam sob o jugo do empregador, ou mesmo a

violência moral traduzida nas dividas dos barracões.[...]76

Desta forma, pode-se dizer que há situação análoga à escravidão toda vez que um

trabalhador tiver em situação forçada de trabalho, encarcerado e com a liberdade de ir e vir

cerceada, preso, ou não, mas sob forte coação, punições e até mesmo homicídios. São práticas

escravagistas manter empregados em condições precárias em alojamentos, obrigados por

dívidas com seus próprios empregadores, sem percepção de salário ou sendo este bem abaixo

do mínimo legal.

1.3 TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO PLANO NORMATIVO NACIONAL

E INTERNACIONAL

O combate à situação escravagista, ainda que visto com o molde contemporâneo, e

como já dito, considerando o análogo a escravo como pessoa, possui vasto material legal,

incluindo normas de direito nacional e de direito internacional.

76

MAUÉS, Herena Neves. A redução de trabalhadores â condição análoga à de Escravo como fator de

descumprimento da função social da propriedade rural. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro

Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010, p 2750 – 2767.

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44

A questão do trabalho decente, livre, deve ser visto sob um patamar global, eis que não

se trata de um problema nacional, eis que em outros países, como a China, por exemplo, o

trabalho análogo a escravo está presente77

.

1.3.1 Legislação internacional

No âmbito internacional, a primeira vez que se tratou do tema, foi no ano de 1926, em

Genebra, quando da Convenção das Nações Unidas sobre a escravatura, foi desenvolvida78

.

Em seu primeiro artigo havia a conceituação breve do que deveria ser compreendido como

estado de escravidão, indicando que seriam considerados escravos aqueles que eram

submetidos aos atributos do direito de propriedade de outrem.

No ano de 1956, houve a complementação da convenção anterior, por uma

denominada suplementar79

, acrescendo ao título as expressões “abolição da escravatura, do

tráfico de escravos e das instituições e práticas análogas à escravatura”. O Brasil aprovou esta

convenção através do Decreto Legislativo n. 66, em 1965, ou seja, passados nove anos do

pacto internacional. O depósito do instrumento de adesão somente ocorreu, junto à ONU, em

1966, quando em ato posterior houve a promulgação do Decreto n. 58.563 de 1º de junho de

1966.

A importância da Convenção Suplementar está na definição internacional da diretriz

de liberdade ao trabalho, eis que no preâmbulo, há o seguinte dizer: “(...) Considerando que a

liberdade é um direito que todo ser humano adquire ao nascer80

”.

Como já mencionado neste trabalho, o requisito, meta-princípio ‘liberdade’, é o forte

indicativo para a condição, ou não, da condição da caracterização nos moldes das situações

análogas à escravidão. O homem precisa ser livre para desempenhar a sua vida, como um

todo, inclusive no momento de exercer o seu ofício.

O 1º artigo da convenção é conceitual quanto às práticas análogas escravagistas:

Artigo 1º

(...)

77

DOCUMENTÁRIO China Blue (2005). Disponível em: <http://www.bullfrogfilms.com>, Acesso em 31 out

2011. 78

MARCÍLIO, Maria Luiza. Convenção suplementar sobre abolição da escravatura, do tráfico de escravos e das

instituições e práticas análogas à escravatura – 1956. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OIT-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Internacional-do-

Trabalho/convencao-suplementar-sobre-abolicao-da-escravatura-do-trafico-de-escravos-e-das-instituicoes-e-

praticas-analogas-a-escravatura-1956.html>, Acesso em 12 mar 2012. 79

Ibid 50. 80

Ibid 50.

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45

§1. A servidão por dívidas, isto é, o estado ou a condição resultante do fato

de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma

dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade,

se o valor desses serviços não for eqüitativamente avaliado no ato da

liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem

sua natureza definida.

§2. A servidão, isto é, a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei,

pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a

outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou

gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição.

§3. Toda instituição ou prática em virtude da qual:

(...)

§7. Toda instituição ou prática em virtude da qual uma criança ou um

adolescente de menos de dezoito anos é entregue, quer por seus pais ou um

deles, quer por seu tutor, a um terceiro, mediante remuneração ou sem ela,

com o fim da exploração da pessoa ou do trabalho da referida criança ou

adolescente81

.

Foram tocados os assuntos da escravidão por dívida, trabalho infantil, e

principalmente foi caracterizado o trabalho como bem, condicionando a impossibilidade de

mudança da condição servil pelo obreiro.

Tal convenção, pactuada inclusive sem a possibilidade de recepção com reservas pelos

países que a assinaram, complementou explicitamente o que estava sendo combatido, ou o

que se pretendia erradicar do mundo:

Artigo 7º

Para os fins da presente Convenção:

§1. "Escravidão", tal como foi definida na Convenção sobre a Escravidão de

1926, é o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem

todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade, e "escravo"

é o indivíduo em tal estado ou condição.

§2. "Pessoa de condição servil" é a que se encontra no estado ou condição

que resulta de alguma das instituições ou práticas mencionadas no artigo

primeiro da presente Convenção.

§3. "Tráfico de escravos" significa e compreende todo ato de captura,

aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizá-la; todo ato

de aquisição de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão,

por venda ou troca, de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada,

assim como, em geral, todo ato de comércio ou transporte de escravos, seja

qual for o meio de transporte empregado82

.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos83

, ano de 1948, também participou ao

tema, trazendo no bojo dos seus artigos 4º e 5º, que ninguém deveria ser mantido em

escravidão ou servidão, proibindo a escravidão e o correspondente tráfico de escravos, além

de aduzir que nenhum homem deveria ser mantido sob tortura, castigos cruéis, desumanos ou

degradantes.

81

Ibid 50. 82

Ibid 50. 83

Ibid 49.

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46

Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e

o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V - Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo

cruel, desumano ou degradante.

Na Convenção Americana sobre Direitos Humanos84

, de 1969, o preâmbulo também

correlaciona o tema com a liberdade, dizendo que o homem deve ter um regime de liberdade

pessoal: “Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das

instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no

respeito dos direitos humanos essenciais”.

E ainda no art. 7º:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.

2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas

condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-

partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.

(...)

7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os

mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de

inadimplemento de obrigação alimentar.

A mesma convenção aduz no art. 6º a intenção de proibição da escravidão e da

servidão, da mesma forma vedando o tráfico de escravos, esticando, também, a negativa para

o tráfico de mulheres:

Artigo 6º - Proibição da escravidão e da servidão

1. Ninguém poderá ser submetido a escravidão ou servidão e tanto estas

como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em

todas as suas formas.

A OIT, em 1930, firmou a convenção de n. 2985

, que entrou em vigor somente em

01.05.1932, onde também estabeleceu no art. 2º:

Artigo 2º - 1. Para fins desta Convenção, a expressão "trabalho forçado ou

obrigatório" compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa

sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido

espontaneamente.

Já no ano de 1957, ocorreu a Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado de nº

105, na qual definiu, em seu artigo 1º que, o trabalho forçado jamais poderia ser usado para

fins de desenvolvimento econômico ou como instrumento de educação política, de

discriminação, disciplinamento através do trabalho ou como punição por participar de greves.

Essa Convenção não alterou o conceito de trabalho forçado da Convenção anterior. Trabalho

ou serviço imposto sob ameaça de punição e aquele executado involuntariamente, esses são os

84

CONVENÇAO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969): (Pacto de San José da Cosa Rica).

Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>, Acesso

em 07 dez 11. 85

Ibid 48.

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47

dois elementos fundamentais adotados pela OIT para definir o trabalho forçado. Depois de

todos esses anos, os órgãos supervisores da organização buscaram explicar tais elementos.

Conforme o Relatório Global da OIT:

A punição não precisa vir na forma de sanções penais, mas pode representar

a perda de direitos e privilégios. Além disso, uma ameaça de punição pode

assumir múltiplas e diferentes formas. Evidentemente, a mais extrema

implica violência ou confinamento ou mesmo ameaças de morte à vítima, ou

a seus familiares. Pode também haver formas mais sutis de ameaça, às vezes

de natureza psicológica.86

Outras formas de punições podem ser de natureza financeira, como no caso das penas

de natureza econômicas relativas a dívidas, o não pagamento de salários ou a perda dos

mesmos sob iminências de demissão se o trabalhador não realizar as horas extras que não

estão discriminadas nos seus contratos ou na legislação brasileira. Ainda com a finalidade de

estabelecer o trabalho forçado, os empregadores também costumam exigir de seus

empregados a entrega dos seus documentos para posteriormente ameaçá-los de confisco,

intimidando ainda mais os mesmos.

Tal norma n. 10587

da OIT, que complementou as idéias da convenção n. 29:

Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar

esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou

obrigatório e dele não fazer uso:

a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter

ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos

ao sistema político, social e econômico vigente;

b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de

desenvolvimento econômico;

c) como meio de disciplinar a mão-de-obra;

d) como punição por participação em greves;

e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Portanto, no entendimento da OIT, são considerados como trabalho forçado: a

escravidão natural (por nascimento) ou em virtude de descendência, rapto ou seqüestro, venda

de pessoas a outra, confinamento no ambiente de trabalho, coação psicológica, dívida

induzida, engano ou falsas promessas, retenção ou não pagamento de salários, retenção de

documentos de identidade. Outro ponto importante trata-se da prostituição da mulher, onde a

OIT entende que, sendo ela forçada ao trabalho e sob ameaça no local em quê trabalha estará

em situação de trabalho forçado, independentemente de ser legal ou não.

De forma mais recente está o Protocolo de Palermo, datado de 2004, cuja ratificação

pelo Brasil se deu pelo Decreto 5.077/2004, onde se definiu o que seria tráfico de pessoas:

86

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Relatório Global OIT –– Aliança Global contra o

Trabalho Forçado, 2005. Disponível em: <www.oit.org.br>, acesso em: 07 dez 11. 87

Ibid 48.

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48

O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento

de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de

coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação

de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios

para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra,

para fins de exploração88

.

Como se pode perceber há uma conscientização globalizada, especialmente em relação

aos membros das Nações Unidas, em combater o trabalho escravo e o análogo a este. As

normas mencionadas acima tocam o estado nacional, eis que o Brasil ratificou as Convenções,

inclusive internalizando suas diretrizes, eis que procedeu a instauração de comissão

permanente89

no Congresso para pesquisar, analisar e combater as formas contemporâneas de

escravidão.

A preocupação com a escravização de trabalhadores ultrapassa as barreiras nacionais

para ratificar, especialmente para os países integrantes da ONU, que o trabalhador precisar ser

livre para desempenhar o seu ofício, eis que é este que lhe garante uma dignidade de vida. De

fato, ainda que consideradas as soberanias dos países e a não hierarquia normativa entre os

mesmos, há um objetivo geral, acrescido do bojo principiológico em não se admitir, nestes

tempos, a presença do labor forçado.

Com base na legislação citada acima, não há qualquer necessidade de complementação

com outras normas para se praticar a extirpação deste modo de labuta. Sequer há a indigência

de criação de leis nacionais específicas, para aqueles países signatários das convenções

internacionais comentadas. A simples conjugação dos princípios da dignidade da pessoa

humana e da liberdade, fazem com que tais normas possam ser postas em prática, colocadas

em eficácia.

O Direito deve ser criativo, dando condições do julgador, seja nacional ou

internacional, em atribuir com maior precisão a almejada justiça laboral, como será

comentado no capítulo III.

1.3.2 Organização Internacional do Trabalho e o combate ao trabalho escravo

Em período pós-1ª grande guerra, as potências europeias assinaram um Tratado,

denominado ‘Tratado de Versalhes’90

, para pôr oficialmente o fim no conflito. Este

documento foi negociado por seis meses, na França, em Paris, e ocorreu para continuar o

88

Ibid. 78. 89

COMISSÃO de trabalho, de administração e de serviço público. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ctasp>, Acesso em 12 dez

2011. 90

Ibid 78.

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49

Armistício de 1918. Tal instrumento teve como foco principal caracterizar a Alemanha como

responsável pela guerra e que este país pudesse promover as devidas reparações.

Foi no Tratado de Versalhes, que a OIT nasceu. Criada em 1919, em razão do Tratado

de Versalhes, como se auto-define a Organização Internacional do Trabalho (OIT)91, esta é

uma agência da ONU (Organização das Nações Unidas), cuja missão é propiciar que os

cidadãos tenham acesso ao labor decente, produtivo, livre (com liberdade real e não só

formal), contido em equidade, segurança e principalmente digno. Fazem parte da OIT, 183

países, compreendido o Brasil.

Tal órgão internacional tem como lema o fundamento de que a paz mundial e

duradoura deve caminhar lado a lado com a justiça social. O exercício livre ao trabalho é um

direito social, logo, é um dos fatores para manter-se a paz.

A OIT, em 1969, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, sendo que há época, o Presidente do

Comitê do Prêmio92

ressaltou que “a OIT tem uma influência perpétua sobre a legislação de

todos os países” e deve ser considerada “a consciência social da humanidade”.

A OIT tem estrutura tripartite, composta por representantes de governos e de

organizações patronais e laborais. É responsável pela formulação e aplicação de diretrizes

internacionais de trabalho. O Brasil é membro-fundador da OIT, sendo participante de todas

as Conferências Internacionais do Trabalho.

A OIT reconheceu a existência do trabalho escravo no Brasil, em 1995, após grande

quantidade de denúncias advindos deste país, junto ao Comitê da OIT e apuração através de

inúmeras investigações que culminaram em relatórios. Nestes relatórios, foi constatada, também,

a existência do tráfico de pessoas com o intuito de labor forçado. Todavia, mesmo em compasso

com a intenção de erradicar o trabalho escravizado, o Brasil vem somando esforços para pôr

fim em algo ainda extremamente presente.

Ocorre que como mencionado pelos autores Oliveira e Miranda93

, o Brasil vem se

esforçando para erradicar o trabalho em condições análogas à escravidão:

Através dessa ação conjunta, o Brasil está se tornando uma referência na

efetividade do combate ao trabalho forçado, ou trabalho análogo ao de

escravo. Isso somente é possível combinando-se políticas públicas eficazes e

a mobilização dos mais diversos setores da sociedade. Polícia Federal,

Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho estão

engajados na mesma luta: proporcionar melhores condições de trabalho,

assim como resgatar a dignidade de cada trabalhador, dignidade essa

totalmente esquecida por muitos exploradores da mão-de-obra humana.

91

Ibid 86. 92

Ibid 86. 93

Ibid 80.

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50

Ano importante foi o e 1998, quando na 87ª Conferência, a OIT passou a adotar a

Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, sendo que dentre outros

aspectos,comprometeu-se a eliminar todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório. Tal

direito foi elevado a fundamental pelos integrantes do órgão.

Pela OIT, no Brasil, foi lançado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho

Escravo94, que apresenta medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos: Executivo,

Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil. Tal projeto visa

atender ao Plano Nacional de Direitos Humanos e foi elaborado pela Comissão Especial de

Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH).

A OIT trata de trabalho análogo de escravo conceituado o mesmo, em seus documentos,

através da expressão “trabalhos forçados”. Tal órgão menciona que o labor escravagista pode, ou

não, estar relacionado com circunstâncias econômicas, quando estará influenciado por fatores

políticos:

O trabalho forçado pode assumir várias formas. De forma concisa, é a

coerção de uma pessoa para realizar certos tipos de trabalho e a imposição de

uma penalidade caso esse trabalho não seja feito. O trabalho forçado pode

estar relacionado com o tráfico de pessoas, que cresce rapidamente no

mundo todo. Ele pode surgir de práticas abusivas de recrutamento que levam

à escravidão por dívidas; pode envolver a imposição de obrigações militares

a civis; pode estar ligado a práticas tradicionais; pode envolver a punição por

opiniões políticas através do trabalho forçado e, em alguns casos, pode

adquirir as características da escravidão e o tráfico de escravos de tempos

passados.

...

Esses exemplos de trabalho forçado estão em parte relacionados com

circunstâncias econômicas. Mas fatores políticos também podem estar por

detrás do trabalho forçado, como ocorreu durante o domínio de Hitler e de

Stálin no século passado e em alguns momentos mais recentes.

Tendo por detrás motivos políticos ou econômicos, o que é certo é que o

trabalho forçado suprime a liberdade do ser humano. Não há lugar para

isso no século XXI95

.”

(grifo nosso)

A OIT celebrou com os seus membros a Convenção 2996

, que entrou em vigor

somente no ano de 1932 e cuidou da erradicação dos trabalhos forçados ou obrigatórios no

âmbito internacional, mencionando no art. 1º, 1:

1. Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que

ratificar esta Convenção compromete-se a abolir a utilização do trabalho

forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço

de tempo possível.

O mesmo diploma conceituou trabalho obrigatório, de forma própria para a época,

admitindo o mesmo em algumas situações específicas, a saber:

94

Ibid 48. 95

Ibid 48. 96

Ibid 48.

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51

Artigo 2º

1. Para fins desta Convenção, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório"

compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça

de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.

2. A expressão "trabalho forçado ou obrigatório" não compreenderá,

entretanto, para os fins desta Convenção:

a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude de leis do serviço militar

obrigatório com referência a trabalhos de natureza puramente militar;

b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas comuns

de cidadãos de um país soberano,

c) qualquer trabalho ou serviço exigido de uma pessoa em decorrência de

condenação judiciária, contanto que o mesmo trabalho ou serviço seja

executado sob fiscalização e o controle de uma autoridade pública e que a

pessoa não seja contratada por particulares, por empresas ou associações, ou

posta á sua disposição;

d) qualquer trabalho ou serviço exigido em situações de emergência, ou seja,

em caso de guerra ou de calamidade ou de ameaça de calamidade, como

incêndio, inundação, fome, tremor de terra, doenças epidêmicas ou

epizoóticas, invasões de animais, insetos ou de pragas vegetais, e em

qualquer circunstância, em geral, que ponha em risco a vida ou o bem-estar

de toda ou parte da população;

e) pequenos serviços comunitários que, por serem executados por membros

da comunidade, no seu interesse direto, podem ser, por isso, considerados

como obrigações cívicas comuns de seus membros, desde que esses

membros ou seus representantes diretos tenham o direito de ser consultados

com referência á necessidade desses serviços.

A convenção 105, que entrou em vigor em 17 de janeiro de 1959, denominada

Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado, ratificou os ditames da Convenção 2997

e

trouxe algumas determinações mais específicas, delimitando expressamente o que não poderia

ser utilizado como trabalho forçado:

Artigo 1º

Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar

esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou

obrigatório e dele não fazer uso:

a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter

ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos

ao sistema político, social e econômico vigente;

b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de

desenvolvimento econômico;

c) como meio de disciplinar a mão-de-obra;

d) como punição por participação em greves;

e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Em Estado brasileiro, com base em tais direitos relacionados nas Convenções acima,

foi celebrado um acordo, denominado Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo

no Brasil. Tal documento foi de empreendimento do Observatório Social, Instituto Ethos,

ONG’s, Agência de notícias Repórter Brasil, além da própria OIT. Conforme citado por

97

Ibid 48.

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52

Oliveira e Miranda98

, o pacto está em vigor dede 2005, e conta com a adesão de empresas que

somadas correspondem a 25% (vinte e cinco por cento) do PIB nacional.

A grande dificuldade em âmbito internacional, sendo a primordial questão é que

ambas as Convenções Internacionais 29 e 105, bem como quase que a totalidade dos

documentos de tal natureza, não trouxe punições específicas e expressas para os países que

não cumprissem as regras pactuadas em conjunto.

Identifica-se o Direito Internacional como sendo ao mesmo tempo um direito das

gentes e entre as gentes, contudo, a fronteira entre as duas não é objetiva, pois não há um

Estado ou instituição hegemônica de direito que possa exigir ou sancionar um determinado

Estado soberano, sem que este último concorde.

É certo de que o estudo do Direito do Trabalho não pode mais ser visto de forma

nacional, individualizando os países e as regras quando às suas soberanias. De sorte, que por

força da globalização, do intercâmbio de pessoas, o trabalho deve ser encarado de forma

internacional, e como diz Oliveira, tal fato se deu, também, por fator econômico:

Alguns críticos alertam para o fato de que não foi só pelo apelo social que

levou à internacionalização do Direito do Trabalho. Também a questão

econômica, por conta da necessidade de equiparar, na medida do possível, os

custos e os encargos sociais relativos às regras de proteção ao trabalho. 99

Neste patamar, é certo de que do mesmo jeito que temos labor em todo o mundo,

temos trabalhadores, empregadores, reclamações trabalhistas em todo o globo. Se não há

hierarquia entre os países, como fazer um determinado Estado cumprir os

pactos/convenções/tratados internacionais? De certo não é fácil tal questão, somente sendo

garantido o fundamento de todas as normas: o pacta sunt servada (o contrato faz lei entre as

partes), que segundo Rezek100

, implica na aceitação de uma decisão contrária tomada por um

tribunal estrangeiro, apenas se tiverem acordado anteriormente com este processo decisório.

No pensamento de Kelsen101

, em se tratando de conflitos entre ordenamentos jurídicos

distintos, o Direito Internacional acolhe duas possibilidades. A primeira seria o caso de um

Estado só admitir o Direito Internacional quando reconhecer a existência do segundo Estado,

integrante da pactuação, quando, então, a mesma seria válida:

98

OLIVEIRA, Lourival José; MIRANDA, Cíntia Clementino. Trabalho análogo ao de escravo no Brasil:

necessidade de efetivação das políticas públicas de valorização do trabalho humano. Revista de Direito Público,

Londrina, v. 5, n. 3, p. 150-170, dez. 2010. 99

OLIVEIRA, Lourival José de. Direito do trabalho segundo o princípio da valorização do trabalho humano.

São Paulo, LTR, 2011, p. 235 100

REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.

189. 101

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 121.

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53

Se levarmos também em consideração a ordem jurídica internacional nas

suas relações com as diferentes ordens jurídicas dos Estados e se aceitamos -

como freqüentemente sucede - que o Direito Internacional só vale - se é que

vale - em face de um Estado quando é reconhecido por este, isto é, pelo seu

governo, com base na Constituição do Estado, então a resposta até aqui dada

à questão do fundamento da vigência do Direito - de que é uma norma

fundamental pressuposta referida a uma Constituição do Estado e eficaz -

permanece válida.

Uma segunda posição de Kelsen102

ressalta o Direito Internacional como ordem

jurídica suprema:

A situação modifica-se, porém, quando se considera o Direito internacional,

não como parte integrante da ordem jurídica do Estado, mas como única

ordem soberana, supra-ordenada a todas as ordens jurídicas estatais e

delimitando-as, umas em face das outras, nos respectivos domínios de

validade, quando se parte , não do primado da ordem jurídica do Estado, mas

do primado da ordem jurídica internacional.

O mesmo estudioso admite103

que o exordial fundamento de validade do direito

internacional encontra-se no teor pacta sunt servanda, mas conjectura de forma diferente:

Rejeito a teoria, sufragada por muitos autores - e a princípio também por

mim -, segundo a qual a norma pacta sunt servanda deveria ser considerada

como fundamento do Direito Internacional, pois ela só pode manter-se com

ajuda da ficção de que o costume dos Estados é um Tratado tácito.

Para a validade formal do acordo internacional, os doutrinadores classificam duas

teorias: a escola dualista e a escola monista. Para a corrente dualista, também conhecida como

escola do paralelismo, o Direito Interno e o Direito Internacional seriam sistemas distintos,

independentes e separados. Para os que se perfilam ao pensamento monista, considera-se o

Direito como sendo um só, uma regra de natureza superior, nas palavras de Boson104

:

Deduz a unidade do Direito da identidade de um elemento metajurídico, de

que emanam as normas fundamentais da convivência humana, ou que a tais

normas dá a validade última, radical. Daí as diversas correntes, variáveis

segundo a entidade ou objeto indicado como fonte primária e unitiva das

regras jurídicas.

Na posição do Supremo (STF), o Brasil adota o sistema monismo misto, pois para que

um pacto internacional possa ser incorporado ao sistema brasileiro, há a necessidade de

manifestação/aprovação do Congresso Nacional.

Como se vê, não são todos os países, integrantes da OIT, da ONU, que têm o sistema

de incorporação dos acordos internacionais aos respectivos direitos nacionais. Este é um fator

102

Ibid 101, p. 121. 103

Ibid 101, p. 123. 104

BOSON, Gerson de Britto Mello. Direito internacional público: o estado em direito das gentes. Belo

Horizonte: Del Rey, 2000, p. 126.

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que acaba por trazer um desgaste, uma mácula, na execução dos ideais coletivos

internacionais. Por isso, ainda há, no mundo, o labor escravizado.

Como não há um Tribunal Maior, onde os países estariam submetidos, a única forma,

de fazer um Estado cumprir as normas referentes as Convenções, nisto incluídas os acordos

acerca da política de erradicação do trabalho análogo à escravo, seriam as imposições de

sanções internacionais.

São sanções internacionais, ações adotadas por um país ou por um conjunto de

Estados, em face de outro país ou países, para que se coaja o infrator a cumprir o pacto

internacional. São várias as espécies: sanções diplomáticas (redução ou remoção de relações

diplomáticas), econômicas (embargos econômicos, proibições de comércio), militares

(ofensiva militar), e ainda a branda sanção Sport, que impede determinado país de disputar

eventos esportivos internacionais.

Para se cumprir efetivamente os ideais das Convenções 29 e 105, aos países em

descumprimento, somente seria possível a aplicação de sanções internacionais, principalmente

a vedação de comércio advinda de produção realizada por mão-de-obra escrava ou

degradante.

As funções da OIT, de acordo com seus próprios fundamentos instituídos é de

promoção e cumprimento dos princípios de proteção ao trabalho e ao trabalhador, geração de

políticas internacionais para fomentar o emprego regular, extirpar a desigualdade social e

promover uma grande comunicação entre os entes internacionais sobre questões voltadas ao

labor.105

São com base nesses fundamentos que a OIT, após a apresentação dos relatórios

bienais pelos seus membros (Estados), passa a fiscalizar o cumprimento das Convenções. A

este ponto há um entrave no que deve prevalecer: o Direito Internacional ou o Direito

Nacional de cada Estado-membro. As regras de punição não podem ultrapassar os limites das

soberanias estatais.

Há de se sopesar que como quase que a totalidade dos Estados-membros vivem em

regime neoliberal do capitalismo, o cumprimento de suas obrigações internacionais os torna

mais competitivos no plano extranacional, o que representa ponto para o desenvolvimento dos

países e logicamente de suas instituições. Assim, cumprir as Convenções da OIT direcionam a

ordem econômica e social, o que é interessante para o modelo capitalista.

105

Ibid 104, p. 242.

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Ainda com relação aos Tratados Internacionais, a tendência é que o caminho para a

condução internacional é tornar os ordenamentos jurídicos de forma cada vez mais plural,

voltando-se os esforços dos Estados-membros para uma unificação nos modos de agir.

Como já dito por Damião, Santos e Ribeiro, “Pontua-se [...] um possível hiato entre o

conceito formal de soberania e a sua operacionalização, no que tange a recepção de tratados

internacionais.[...]”106

. Esta colocação decorre das duas correntes existentes acerca da

recepção automática, ou não, dos tratados e convenções internacionais. São duas as correntes

acerca das chances de recepção dos tratados internacionais. A primeira corrente é a monista e

a segunda é a do dualismo.

Na teoria monista admite-se que o ordenamento jurídico contempla leis nacionais e

internacionais, funcionando concomitantemente, havendo total integração entre as mesmas.

São exemplos de Estados que adotam a recepção automática os Estados Unidos da América e

diversos países americanos, asiáticos e africanos. A teoria dualista, admitida inclusive pelo

Brasil, reconhece os ordenamentos nacional e internacional como sendo distintos e sem

qualquer sobreposição, observando que a norma internacional só será observada pelo Estado,

caso seja reproduzida para o ordenamento interno107

.

Nos pilares apresentados, importante lembrar que no Brasil, os tratados internacionais

que versem acerca de direitos humanos devem ser incorporados automaticamente ao

ordenamento jurídico interno, na forma do art. 5º, parágrafo 1º da CF108

.

É desta forma, observando o Direito de cada Estado, que a OIT deve funcionar. E é

por esta mesma razão que são encontradas barreiras para as fiscalizações, quiçá possíveis

sanções, como já dito.

Em especial ao Brasil, sendo o conteúdo principiológico do Direito do Trabalho

voltado para a liberdade e cidadania dos trabalhadores, admite-se que tal ramo do Direito

como sendo parte dos Direitos Sociais, integra o rol dos Direitos Humanos. Logo, os tratados

e convenções que versem sobre tal disciplina deveriam ter incorporação automática em nosso

ordenamento interno. Porém, não vem sendo observada esta prática, como por exemplo a não

recepção da Convenção 158 da OIT, que versa sobre a impossibilidade da dispensa arbitrária

ou sem justa causa, entre outras questões laborais.109

106

DAMIÃO, Danielle Riegermann Ramos; SANTOS, David Ferreira Lopes; RIBEIRO, Maria de Fátima.

Tratados Internacionais na Matéria Tributária e a Soberania do Estado.Itália, Diritto & Diritti, v. 31, 2011, p.

31855. 107

Ibid 106. 108

Ibid 104, p. 243. 109

Ibid 104, p. 249.

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Assim, conclui-se que embora haja uma enorme vontade da OIT em fazer valer

mundialmente a proteção para aqueles que labutam, questões de direito interno e os entraves

de soberanias de Estados-Membros, especialmente quanto a questão das sanções

internacionais, impedem que muito seja feito.

1.3.3 Legislação nacional

O Direito é uma ciência que comporta vários princípios. Alguns positivados, outros

considerados como premissas máximas, se colocam na forma de meta-princípios ou

sobreprincípios. Seriam estes os valores de cidadania, liberdade, igualdade, entre outros.

Todavia ocorre que tais meta-princípios influenciaram diretamente a Lei Magna, de

forma a tocar o Direito do Trabalho como um todo.

Considerando a hierarquia das normas, estando acima a Lei Maior110

, tem-se que esta

trata logo em seu primeiro artigo acerca da dignidade da pessoa humana e os fundamentos

sociais do trabalho, inclusive elevando o teor do seu ditame a fundamento da República.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

A seguir, ainda na mesma norma, encontra-se no inciso III do art. 5º, na categoria de

direitos fundamentais, a proibição de tratamento desumano ou degradante, donde é incluída a

proteção para o labor. Certamente que a situação em que alguns brasileiros e estrangeiros que

em território nacional laboram, em exata condição análoga a escravidão, não é digna e

tampouco inclui os objetivos da tratamento que não provoque interpretações como desumano

ou degradante.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

(...)

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante111

;

O mesmo artigo coloca no inciso XIII, que todo labor é livre, na forma de ofício ou

profissão, desde que atendidas as qualificações pertinentes, estabelecidas em lei, ou não. in

110

Ibid 41. 111

Ibid 41.

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verbis “XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as

qualificações profissionais que a lei estabelecer;”

Dentro da determinação da ordem econômica e financeira deste país, há um novo

elenco de princípios, ora positivados, onde no art. 170, é dito que a ordem econômica deve ser

pautada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Tal artigo ainda ressalta a

defesa do meio ambiente, incluindo-se por interpretação o meio ambiente do trabalho, neste

caso, digno, redução das desigualdades regionais e sociais, donde o trabalho/emprego é

condição primordial para a promoção do objetivo, além da busca pelo pleno emprego, que

seria a idéia de emprego justo, probo e saudável.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e

na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme

os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado

conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos

de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;112

O art. 193 da Constituição, também trata do labor como algo principal, primordial, o

exaltando no vernáculo ‘primado’, eis que o mesmo é requisito para que homem tenha seu

bem-estar, dignidade e possa prover-se. “Art. 193. A ordem social tem como base o primado

do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Os autores Oliveira e Miranda113

, ainda complementam, relacionando todos os artigos

constitucionais vertentes ao tema:

Além do art. 6º da Constituição de 1988, pode-se citar também os seguintes

no combate à prática do trabalho análogo à escravidão: art. 1º, II, III e IV;

art. 3º, I, III e IV; art. 4º, II; art. 5º III; art. 7º, XXII, XXVIII; art. 170, III;

art. 186, III, IV e art. 193.

Após a Constituição, tem-se o Código Penal114

, que no art. 149, é específico a

enquadrar como crime, punido com pena de reclusão de dois a oito anos, práticas laborais

análogas às executadas à época da escravidão:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer

submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o

a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio,

sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à

violência.

112

Ibid 41. 113

Ibid 98. 114

Ibid. 47.

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§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,

com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de

documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no

local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Na lei penal, verifica-se o conceito de liberdade com uma amplitude, ao passo que no

caput do artigo acima, tem-se que qualquer restrição de locomoção em razão de dívida

contraída com o empregador, já é colocado como fato típico para a caracterização do crime

referenciado. Oportuno esclarecer que em momento algum a lei penal menciona como seria

esta restrição de locomoção, podendo-se compreender a privação de locomoção de modo

material (correntes, cadeados e outros), bem como a limitação psicológica (ameaça, castigos e

etc.) Observa-se em meio a este artigo, que o trabalho em condições análogas a de escravo é o

gênero, enquanto o trabalho forçado e em condições degradantes são tidos como espécies.

A principal norma infraconstitucional trabalhista, a CLT115

, faz a proibição do trabalho

escravo por meio dos artigos que referenciam a proteção à saúde do trabalhador e o meio

ambiente do trabalho. Ao comentar o tema, os exemplos de artigos da CLT, são citados por

Luciana Aparecida Lotto116

:

Ao se deparar com situação de trabalho escravo, podemos encontrar

inúmeras infrações aos direitos do trabalhador no tocante à ausência de

registro em carteira de trabalho; às más condições de higiene (falta de água

potável e alojamento em céu aberto); à falta de fornecimento de equipamento

de segurança; à ausência de higiene (falta de água potável e alojamento de

segurança; à ausência de higiene nos locais para refeições; ao desrespeito à

jornada de trabalho; ao labor em locais insalubres e perigosos; ao pagamento

do salário in natura; aos descontos ilícitos, dentre outros.

Em 23 dez 2002, houve a publicação da Lei n. 10.608117

, que alterou a Lei do seguro–

desemprego (Lei n. 7998/90), para garantir ao empregado resgatado, na condição de análogo à

escravo, o pagamento de três parcelas do benefício. O valor das parcelas, na forma do art. 2o,

deverá ser o correspondente ao salário-mínimo.

Art. 2o-C. O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a

regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em

decorrência de ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego,

será dessa situação resgatado e terá direito à percepção de três parcelas de

115

Ibid 24. 116

LOTTO, Luciana Aparecida. Ação civil pública trabalhista contra o trabalho escravo no Brasil. São Paulo:

LTR, 2008, p. 43. 117

BRASIL. Lei nº 10.680, de 20 de dezembro de 2002. Altera a Lei no 7.998, de 11 de janeiro de 1990, para

assegurar o pagamento de seguro-desemprego ao trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo. Diário

Oficial [da] República Federativa do Brasil, 9 ago.1943. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10608.htm> Acessado 08 dez 2011.

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seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada, conforme o

disposto no § 2o deste artigo.

Integrante do Ministério Público do Trabalho há um órgão, de sigla CONAETE

(Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), que produziu algumas

orientações aos membros do órgão (Promotores e Procuradores), de forma a elastecer a

aplicação legal do tema118

:

Orientação 03. Jornada de trabalho exaustiva é a que, por circunstâncias de

intensidade, freqüência, desgaste ou outras, cause prejuízos à saúde física ou

mental do trabalhador, agredindo sua dignidade, e decorra de situação de

sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a sua vontade.

Orientação 04. Condições degradantes de trabalho são as que configuram

desprezo à dignidade da pessoa humana, pelo descumprimento dos direitos

fundamentais do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde,

segurança, moradia, repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos

da personalidade, decorrentes de situação de sujeição que, por qualquer

razão, torne irrelevante a vontade do trabalhador.

Interessante é o fato de que tais orientações, ainda que sem força de lei, façam liame

entre a saúde física e mental, ressaltando o elemento vontade do empregado como ponto

marcante para a caracterização de jornada exaustiva e condição degradante de labor.

O Ministério do Trabalho e Emprego, a partir de Portaria do ano de 2004, com o

número 540, revogada pela Portaria Interministerial n. 2/11, criou o cadastro de empregadores

que utilizaram de mão-de-obra análoga a de escravo. Tal cadastro é conhecido como ‘Lista

Suja’, e é publicamente e amplamente divulgado, ainda que se discuta a sua

constitucionalidade.

Tal “lista suja” mantêm cadastro de empregadores que utilizam de mão–de-obra

análoga a de escravo, inclusive dando ao MTE a função de comunicação a todos os órgãos

abaixo, ou seja, de promover larga e irrestrita publicidade quanto aos fatos:

Art. 3º O MTE atualizará, semestralmente, o Cadastro a que se refere o art.

1º e dele dará conhecimento aos seguintes órgãos:

I - Ministério do Meio Ambiente (Redação dada pela Portaria

496/2005/MTE);

II - Ministério do Desenvolvimento Agrário (Redação dada pela Portaria

496/2005/MTE);

III - Ministério da Integração Nacional (Redação dada pela Portaria

496/2005/MTE);

IV - Ministério da Fazenda (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);

V - Ministério Público do Trabalho (Redação dada pela Portaria

496/2005/MTE);

VI - Ministério Público Federal (Redação dada pela Portaria

496/2005/MTE);

VII - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

(Redação dada pela Portaria496/2005/MTE);

VIII - Banco Central do Brasil (Redação dada pela Portaria 496/2005/MTE);

118

Ibid 63.

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60

IX - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES

(Acrescentada pela Portaria496/2005/MTE);

X - Banco do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);

XI - Caixa Econômica Federal (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);

XII - Banco da Amazônia S/A (Acrescentada pela Portaria 496/2005/MTE);

XIII - Banco do Nordeste do Brasil S/A (Acrescentada pela Portaria

496/2005/MTE).119

Ainda no plano extra-legal, existem os Planos Nacionais para Erradicação do Trabalho

Escravo, além de estar tramitando a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) 57A/199 (ex-

PEC 438/2001), que pretende inserir na Lei Maior a possibilidade de se promover a

desapropriação de terras onde forem encontrados empregados em condições degradantes.

1.4 FATORES QUE CONTRIBUEM PARA O TRABALHO ANÁLOGO AO DE

ESCRAVO NO BRASIL

Algumas questões são levantadas envolvendo o tema desta pesquisa, como por

exemplo, a indagação de o porquê dos trabalhadores se submeterem à condição análoga a de

escravo, ou até mesmo porque há a inércia em relação à supressão da liberdade individual, por

parte de coação do empregador.

O trabalho forçado viola direitos fundamentais do ser humano, pois o priva de sua

liberdade física e psicológica. Na forma como demonstrado nas fotos abaixo, os trabalhadores

são forçados a laborar sem condições mínimas de respeito às suas integridades físicas e

psicológicas. Tais fotos demonstram trabalhadores sem equipamentos de segurança, obrigados

a trabalhar em telhado (altura), em casas do Projeto de Aceleração do Crescimento – PAC, em

inobservância das normas trabalhistas e constitucionais120

:

Ilustração 05 – Trabalhadores em obras do PAC

Fonte: Joel Silva, 2011.

119

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria Interministerial n.º 2, de 12 de maio de 2011.

Disponível em

http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A2E7311D1012FFA7DD87E4E75/p_20110512_2.pdf. Acesso em

31 jul 2012. 120

Fotos de Joel Silva - PAC

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61

Ilustração 06 – Trabalhadores em obras do PAC

Fonte: Joel Silva, 2011.

São inúmeros os motivos que geram a submissão dos trabalhadores a permanecerem

condicionados ao trabalho análogo ao de escravo, dentre os quais alguns mais evidentes pode-

se enfatizar, tais como:

a) carência de empregos;

b) e uma instabilidade financeira nos municípios que residem;

c) falta de especialização, ou mão de obra qualificada, para fazer bom proveito das eventuais

oportunidades de emprego;

d) dívidas geradas antes e depois de se instalarem na empresa, causando subserviência e

necessidade de permanecer no trabalho, aonde suas dívidas vem a ocasionar uma verdadeira

crescente, multiplicando-se cadê vez mais;

e) coações feitas através das ameaças dos agenciadores ou dos próprios empresários,

culminando na prática da tortura e de homicídios, conseguindo enclausurar financeiramente e

psicologicamente não só o trabalhador, mais toda a sua família;

f) falta de instrução (conhecimento) que os faz acreditar que tal pratica enseja o desrespeito,

não somente aos seus patrões, mas as leis que regulamentam o país, inclusive a Constituição

Federal.

g) falta de programas de recolocação no mercado, aos trabalhadores resgatados.

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62

A problemática agrava-se cada vez mais, pois apesar de toda essa gama de legislações

e todo o controle por parte de órgãos e instituições governamentais e privadas, e ainda,

fiscalizações e combates realizados pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério do

Trabalho e Emprego e Polícia Federal, não houve por parte dos governos, sejam militares ou

civis, atacaram essa problemática com vigor e disposição para que ocorressem mudanças

significativas e terminativas, onde, por vezes, no máximo, agem de forma pontual com

fiscalização, liberação e interceptação de pessoas, aplicando multas insignificantes frente ao

desrespeito aos direito humanos e individuais tão destacados na Constituição Federal.

Faz-se necessário também, uma mudança de forma estrutural, como, uma legislação

que permita a expropriação de imóvel envolvido em crimes desta natureza, investimentos

maciços em políticas publicas de inclusão social, que possibilite auto-suficiência e

independência dos trabalhadores, gerando desta feita à inserção social de maneira digna e

justa, incentivando o emprego e concedendo créditos para que as famílias do campo,

desenvolvam suas pequenas propriedades de forma a conceder o sustendo e renda para suas

famílias.

Por tudo isso, leva-se a acreditar que, não se faz necessário apenas o combate a todas

as formas de trabalho escravo, não somente por parte dos grandes empresários, mas por toda a

população, havendo uma mudança de cultura, de pensamento, para fazer com que os

consumidores oponham embargos à produtos que não guardem os direitos trabalhistas.

1.5 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO ANÁLOGO AO ESCRAVO

No ordenamento jurídico brasileiro existem mecanismos de controle das normas, de

forma a coibir regras contrárias a Lei Maior. O controle de constitucionalidade para ser

realizado, na forma como previsto pelo Legislador originário, necessita da designação de um

órgão para tal competência, bem como estar redigida sob a forma de rígida.

O órgão com competência para tal é o Supremo Tribunal Federal, tal qual atribuído na

Lei Maior, art. 102, I, “a”. A declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,

pode se dar de duas formas: por vida direta ou indireta. Por via de defesa (indireta), também

denominado controle de caso concreto, se dá por via de exceção incidental ou pelo modo

difuso. É utilizado quando ocorre na forma de um incidente em determinado processo judicial.

Os efeitos são restritos somente as partes envolvidas no ato processual. O controle por via de

ação (ação direta de inconstitucionalidade) é o que se dá na forma da compatibilidade vertical,

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63

ou seja, há um controle concentrado, em abstrato, que em forma de ação própria visa retirar

do ordenamento norma que venha a contrariar texto ou princípio constitucional.

A Constituição de 1988 é rígida é aquela em que o processo de alteração é mais

elaborado, com obrigatoriedade de mais atos solenes do que para a modificação de uma lei

infraconstitucional. Conforme Lenza, a Constituição do Brasil é rígida:

Conforme já estudado, uma constituição rígida é aquela que possui um

processo de alteração mais dificultoso, mais árduo, mais solene do que o

processo legislativo de alteração das normas não constitucionais. A CF

brasileira é rígida, diante das regras procedimentais solenes de alteração

previstas em seu art. 60.121

Na forma do princípio da supremacia da constituição, todas as normas, não sendo

admitida qualquer exceção, devem estar em conformidade com o texto constitucional, pois a

Lei Maior ocupa o mais alto nível na relação de hierarquia no sistema. Trata-se, portanto, de

um escalonamento hierárquico, caracterizando-se como um requisito de validade.

São duas as espécies de inconstitucionalidade, a que se dá por ato comissivo e outra

que se elabora com a omissão. Explorando o tema, Lenza escreveu:

Fala-se, então, e, inconstitucionalidade por ação (positiva ou por atuação), a

ensejar a incompatibilidade vertical dos atos inferiores (leis ou atos do Poder

Público) com a Constituição e, em sentido diverso, em inconstitucionalidade

por omissão, decorrente da inércia legislativa na regulamentação de normas

constitucionais de eficácia limitada.122

Trazendo para o foco de estudo do presente trabalho, é possível dizer que o trabalho

em condições análogas ao de escravo é inconstitucional, pois além de violar supra-princípios

constitucionais, atinge norma e princípios positivados no texto constitucional. Nesta posição,

defendeu Lotto:

Note-se que o ato de forçar alguém à prática de trabalhos análogos ao de

escravo fere norma constitucional, uma vez que lhe é garantido o direito

fundamental da dignidade da pessoa humana, alcançado mediante o

trabalho livre, que lhe garanta o seu sustento e de sua família. Este direito

não poderá ser individualizado, tampouco negociável, ele é indisponível,

ou seja, não poderá ser tratado como um negócio jurídico, como no início

do desenvolvimento econômico, onde o homem escravizado era

considerado res (objeto), responsável pela produção.123

A primeira incompatibilidade se dá em relação aos meta-princípios da cidadania e da

liberdade. Embasado no ideal de igualdade, entende-se por cidadania a faculdade que possui o

cidadão de exercer seus direitos sociais, políticos de forma igualitária para com os seus

semelhantes. É a possibilidade do cidadão de se relacionar com a sociedade. Neste sentido

escreveram Rezende Filho e Câmara Neto:

121

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 78. 122

Ibid 121, p. 79. 123

Ibid 116.

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64

Como conseqüência, cidadania passa a significar o relacionamento entre

uma sociedade política e seus membros. Os reflexos dessa condição no

direito internacional, por outro lado, emulsiona esse conceito de

nacionalidade.124

Os labores com restrições de direitos, os quais são submetidos os trabalhadores em

situações análogas ao de escravo, certamente não condizem com os ideais da cidadania. O

trabalhador cerceado de direitos, de voz, carente de dinheiro e dependente por dívida com o

seu empregador, não o torna exercente dos seus direitos de cidadão. O empregado/cidadão

deve ter garantido o seu direito de possuir autonomia na sua vontade, segundo Marmelstein:

A proteção da autonomia da vontade tem como objetivo conferir ao

indivíduo o direito de autodeterminação, ou seja, de determinar

autonomamente o seu próprio destino, fazendo escolhas que digam respeito a

sua vida e ao seu desenvolvimento humano[...]

[...] E ainda que não se consiga, a partir de uma interpretação literal da

Constituição, extrair um mandamento ético-jurídico de respeito à autonomia

privada, é inquestionável, conforme já dito, que diversos direitos

fundamentais vão buscar inspiração nesta idéia. [...]125

Os direitos de ser questionador, de pode reivindicar as supressões trabalhistas as quais

são colocados, não ocorrem para os trabalhadores colocados à situação análoga ao de escravo,

seja por ameaças ou pelo simples fato de perceberem que não há possibilidade de manutenção

da sua subsistência, de pagamento de suas dívidas, longe da guarda de seus empregadores.

Jamais pode ser concebido que um empregado perca a sua liberdade por conta da sua

condição econômica e social. Fato incontestavelmente inconstitucional, tendo em vista que o

princípio da liberdade se expande e ultrapassa os limites do texto meramente positivado.

La idea de que la liberta defectiva de las personas para tomar sus propias

decisiones acerca de su vida depende em gran medida de los medios

económicos de que dispongan y de la posición social que ocupen há sido

combatida por el pensamiento liberal. Según El, solamente deben prevenirse

lar interferencias sobre la libertad que provengan de la autoridad estatal e

de otras personas; la carência de recursos no sería una interferencia

propiamente tal que restrinja la libertad individual, sino uma situacíon

específica que afecta a una persona pro nu a su libertad potencial. Todos

pueden ser libres, promete el liberalismo, si el Estado y la mayoría ló

permiten.126

O fato de haver subordinação, jamais pode ser refletido como perda das liberdades,

sejam elas de expressão, de ir e vir, de escolher o trabalho e permanência no mesmo. Os

direitos fundamentais do trabalhador estão acima de qualquer imposição de subordinação.

Pensando da mesma forma, narrou Alcala:

124

REZENDE FILHO, Cyro de Barros; CÂMARA NETO, Isnard de Albuquerque. A evolução do conceito de

cidadania. São Paulo. Acesso ao site http://site.unitau.br/scripts/prppg/humanas/download/aevolucao-N2-

2001.pdf, em 30 jan 2012. 125

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 134. 126

FERNANDEZ, Diego López. Los derechos de las personas: la fuerza de la democracia. Santiago de Chile:

Universidad Alberto Hurtado, 2009, p. 37.

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65

Em efecto, el hecho de la existência de uma relación de subordinación de

trabajador al empleador em el âmbito de la actividade laboral em la

empresa, no genera ninguna perdida para el trabajador del ejercicio de sus

demás derechos fundamentales, como son su derecho de libertad de

expresión, su derecho a la protección de la privacidad, su derecho a la

honra, entre otros.127

A liberdade é fator essencial na vida humana. O ser humano nasceu para ser livre.

Todavia, há de se considerar que na condição de trabalho desumano, ardil, por vezes as

amarras físicas não existam, mais certamente as presilhas são psicológicas. Como já dito na

primeira parte deste capítulo, os trabalhadores são ameaçados, humilhados, e dependentes dos

empregadores, uma vez que compõe com estes dívidas das mais diversas: sejam gastos com as

passagens de deslocamentos dos locais de originários de moradia, para onde se encontram os

locais de trabalho; seja pela manutenção de cadernos de anotações nas quitandas próximas dos

postos de serviço, de propriedade dos empregadores, onde o empregado é levado a adquirir

mercadorias a alto custo para que os patrões façam os devidos descontos (descontos que não

se acabam compondo-se dívidas intermináveis). Desta forma, a privação de liberdade se torna

muito mais mental do que física, embora esta última ainda exista, como no caso dos

trabalhadores da Zara128

:

Ilustração 08 – Alojamento de trabalhadores da Zara

Fonte: G1, Globo.com

127

ALCALA, Humberto Nogueira. Derechos fundamentales y garantias constitucionales. Santiago de Chile:

Librotecnia, 2010. 128

Ibid 68.

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66

A falta da liberdade é medida atentatória aos ditames constitucionais, eis que em

confronto direto com o caput do art. 5º da Lei Maior129

:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

(grifo nosso)

Logo, também reiterada à inconstitucionalidade do labor análogo a escravo,

primeiramente por violar a cidadania e após atentar contra a liberdade humana. O direito de

trabalhar decorre do princípio constitucional da pessoa humana, eis que o cidadão através do

labor interage com a sociedade. Rey Peréz também comentou o labor como integrante da

dignidade:

El derecho al trabajo significa que toda persona debe tener derecho a

desempenar uma tarea em la que aporte su creatividad, sus dotes

psicológicas, sus aptitudes físicas, tarea que le permita interctuar com su

sociedad. Esto es uma exigencia derivada de la propia Idea de dignidad

humana. Si ésta consiste em tratar a todas lãs personas como fines y no

como meros medios, el trabajo, entendido de esta manera contribuye a que

todo el mundo se realice y sea considerado como tal fin, constituyendo uma

adecuada forma de conquistar la autonomía moral, como asimismo de

cooperación com el proyecto colectivo que supone la propia sociedad,

expresar, em definitiva, el derecho a la integración social130

É certo de que o trabalho é a base do ordenamento jurídico, e tal qual deve ser

interpretado considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, eis que o trabalho

degradante atinge a própria democracia, conforme pondera Miraglia:

Desse modo, ao interpretar-se o valor-trabalho como pilar da República

Brasileira, leia-se “trabalho digno”, pois o labor em condições indignas

mitiga o valor principal do Estado Democrático de Direito – qual seja, a

pessoa humana -, atingindo a própria democracia.131

Além dos princípios supralegais, o trabalho escravizador fere os ideais do art. 170 da

Constituição, pois em total dissenso com a ordem econômica.

Conforme menciona o Ministro Eros Grau132

, a ordem econômica integra a ordem

jurídica, posto que esta última se divide em pública, privada, econômica e social.

No Brasil, a ordem econômica se sustenta através de seus princípios, e pode ser

compreendida como a forma, a política empregada pelo governo com objetivo de promoção

129

Ibid 41. 130

PÉREZ, José Luis Rey. El derecho al trabajo, forma de exclusion social? Las rentas mínimas de integración y

la propuesta del ingreso básico. Madrid: Revista Parlamentaria de la Asamblea de Madrid, n. 16, 2007, pp. 219-

240. 131

Ibid 26. 132

GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na Constituição de 1988. 4. ed. Malheiros: São Paulo, 2010, p 63-

64.

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67

do trabalho e da livre iniciativa, desde que notados os princípios elencados no rol do art. 170

da Lei Maior133

, a saber:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e

na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme

os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado

conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos

de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e

sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas

sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

A ordem econômica configura o plano do ‘dever ser’, uma vez que se reveste de atos

normativos para alcançar os anseios sociais. Tal plano é a direção para o plano “do ser”, que

por vezes coloca os interesses do capital em situação de vantagem quanto aos direitos

individuais. A ordem econômica é justamente o regulador que deve existir, de forma eficaz,

para fazer com que o Estado intervenha na economia para trazer o equilíbrio entre o capital e

o indivíduo.

Desta forma Souto Maior, coloca que o Direito do Trabalho é instrumento para trazer

o equilíbrio entre o capital e o labor, a realizar a justiça social:

O direito do trabalho, desse modo, inicialmente, visa a impedir a

superexploração do capital sobre o trabalho humano; em seguida busca

melhorar as condições de vida dos trabalhadores; e, por fim, conforme

encontra campo propício de atuação, possibilita aos trabalhadores adquirirem

status social.134

Da forma como elencado no artigo mencionado (170 da CF) pode-se verificar a

desnecessidade de regulamentação da proibição/extirpação do trabalho na forma análoga a

escravo, pois que já existem meios constitucionais suficientes a demonstrar a ilegalidade e

inconstitucionalidade de tal modo de labor.

133

Ibid 41. 134

MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2001,

p. 92.

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68

Corrobora ainda o art. 173 da Lei Maior135

, ao permitir a intervenção do Estado, tal

qual na sua forma neoliberal, como agente normativo e regulador, quando necessária aos

imperativos da segurança nacional ou quando ocorrer relevante interesse coletivo.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração

direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando

necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse

coletivo, conforme definidos em lei.

Certamente é possível aduzir que a valorização do trabalho é assunto de interesse

coletivo. O homem necessita de vender sua força de trabalho para poder promover a

subsistência própria e de sua família. Na forma análoga à escravidão, os interesses do capital

são divergentes dos interesses sociais. Desta forma é obrigação do Estado conciliar estas

opostas manifestações.

Coaduna com tal pensamento os princípios da livre iniciativa que deve ser

compreendida como espécie de liberdade, seja para a criação de novas empresas, novos

negócios, e até mesmo na faculdade aberta se conservar, ou não, em apontado emprego. Este

pensamento está em pleno acordo com o doutrinador internacional Alcala:

El derecho implica la facultad para decidir libremente tano si se accede,

como si mantiene o termina uma determinada actividad laboral. Este

atributo posibilita que la persona del trabajador elija a su vontad la

actividad laboral o profesional que prefiera desempenar, además de elegir

el eventual cambio o cessación de la actividad laboral, todo ello conforme al

ordenamiento jurídico, disfrutando de uma retribuición econômica como de

su eventual satisfacción espiritual.136

Da mesma forma, o princípio da livre concorrência, ao passo que esta deve ser

estimulada com limites a coibir o abuso do poder econômico, sendo a mesma restrita, limitada

através dos dogmas da concorrência desleal. A forma do trabalho análogo a escravo

certamente faz baixar os custos da produção, o que faz o preço da mercadoria cair. No

entanto, uma política governamental de esclarecimento à população acerca dos empregadores

escravizadores, seria uma forma de desestimular o consumo de tal produto, eis que fabricados

de forma a anular e reprimir os direitos e liberdades individuais.

O Estado deve ser eficaz na busca do pleno emprego, na erradicação da pobreza, que

poderá ser feita mediante a estimulação do trabalho. O labor deve ser pleno, não só na forma

de satisfação pessoal, mas como relevante interesse coletivo, posto que fonte de renda, fato

gerador de tributos, mecanismo de movimentação da economia, ou seja, fator contribuinte

para a plenitude da ordem econômica.

Neste sentido mencionou Araújo:

135

Ibid 41. 136

Ibid 127, p. 243.

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No campo específico da atividade econômica, a busca do pleno emprego

conjuga-se com a função social da propriedade e, no campo dos direitos

sociais, desestimula a despedida arbitrária ou sem justa causa (art. 7º., I, da

CF/88), permite a redução da jornada de trabalho mediante acordo ou

convenção coletiva, como forma de manutenção dos postos de trabalho (art.

7º., XIII, CF/88), proteção do mercado de trabalho da mulher (art. 7º., XX,

da CF/88), aviso prévio (art. 7º., XXI, da CF/88), proteção em face da

automação (art. 7º., XXVII, CF/88), participação dos trabalhadores nos

colegiados dos órgãos públicos (art. 10, CF/88) e a eleição de representante

dos trabalhadores nas empresas com mais de duzentos empregados (art. 11,

CF/88).137

Portanto, com tantos fundamentos principiológicos e constitucionais pode-se ratificar a

inequívoca inconstitucionalidade do labor análogo ao de escravo, sendo desnecessária

qualquer regulação específica acerca do tema, eis que a norma em abstrato é capaz de

justificar a ação do Estado no combate a esta ilícita atitude. Ratifica esta posição Binenbojm,

quando diz que a versão positivista da legislação constitucional já foi superada, cabendo a

interpretação da Lei Maior contemplar o direito criativo do intérprete, com base em princípios

de demais regras constitucionais138

.

137

ARAÚJO, Eugênio Sales. A busca pelo pleno emprego. Disponível em:

<http://www.juristas.com.br/informacao/revista-juristas/a-busca-do-pleno-emprego/524/>, Acesso em 30 jan 12. 138

BINENBOJM, Gustavo. A democratização da jurisdição constitucional e o contributo da Lei n. 9.868/99 2.

ed. Salvador: Juspvim, 2008, p. 165-184.

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70

2 MEDIDAS PROCESSUAIS CABÍVEIS PARA O COMBATE AO TRABALHO

ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

São oportunas as medidas processuais cabíveis para a extinção e punição do trabalho

escravizador, posto que inconstitucional, como propugnado no capítulo anterior.

No entanto, há de se considerar o difícil acesso à justiça disponibilizado aos

trabalhadores que estão na condição de analogia à escravidão. É certo que o direito

fundamental está positivado no art. 5º, LXXIV da Lei Máxima, no entanto, na atualidade,

ainda consiste em um privilégio de poucos, de uma minoria, notadamente com possibilidades

financeiras para o devido custeio, nas palavras de Souza:

Com o advento da CF/88, expandiram-se os direitos de cidadania no Brasil.

A aplicabilidade dos dispositivos constitucionais, entretanto, é extremamente

dificultada por motivos de ordem econômica, social, política e cultural. Cria-

se, assim, um fosso entre o sistema jurídico-positivo e as condições de vida

da população, que tem mais de 40% de seus membros vivendo abaixo da

linha de pobreza.139

É através da garantia do acesso à justiça no mundo ‘do ser’, que os trabalhadores

poderão reverter as situações pelas quais se encontram. Presos nos locais de trabalho, em

alojamentos precários, imundos, pensar no encontro com a força dos três Poderes, acaba por

ser um sonho para alguns. Para Amorim, o acesso à justiça configura-se como sendo o mais

fundamental dos direitos, eis que é através deste que o cidadão pode buscar a tutela do Estado:

É neste sentir que o acesso à Justiça se apresenta, como meio de permitir a

efetivação dos direitos àqueles que não podem deles gozar livremente,

apresentando-se ainda como mais fundamental dos direitos, permitindo que

o indivíduo, busque a tutela Jurisdicional do Estado, com o propósito não só

de exigir do Estado o exercício de atividades básicas que garantam um

existir humano digno, dotando o cidadão de elementos que reflitam o

mínimo existencial, mas também que o ente Estatal paute o seu agir no

sentido de evitar limitações ou mitigações aos direitos fundamentais, não só

contra o agir do Poder Público, mas também, de outros particulares. 140

Mauro Cappelleti em seu livro ‘Acesso à justiça’141

, diz que a expressão ‘acesso à

justiça’ deve ser tomada em sua real extensão: não se confunde apenas com a acessibilidade

formal aos serviços judiciários, mas, constituindo direito social da maior relevância, impõe ao

ente governamental a adoção de providências concretas que tornem efetiva a concretização

dos direitos dos cidadãos.

139

SOUZA, Frederico Machado Paropat. Acesso à justiça do trabalho no brasil. Disponível em:

<http://online.sintese.com>, Acesso em: 13 mar 2012 140

AMORIM, Ana Mônica. Acesso à justiça enquanto direito fundamental: efetivação pela defensoria pública.

Dissertação apresentada junto ao Programa de Mestrado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2011. 141

CAPPELLETI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 67.

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71

É bem verdade que, neste país, o enorme abismo social e a vexatória concentração de

renda acentua de sobremaneira o desafio de universalização dos direitos. O Estado é

responsável pelo cumprimento do direito de acesso à justiça, mas na prática não consegue

assegurar efetivamente o cumprimento dessa obrigação, deixando grande parte da população

sem condições de exercer sua cidadania. Nessa direção, Horácio Rodrigues explana que142

:

[...] espera-se que um dia todos os estados existentes garantam eficazmente a

plena liberdade de expressão e ação, dentro dos limites estabelecidos pela

própria sociedade, ou por ela referendados – não encobrindo, dessa forma, as

contradições e a pluralidade inerentes a qualquer agrupamento humano. Que

estejam estruturados segundo um modelo de organização social que assegure

a todos os membros uma existência digna e saudável, caracterizada pelo

suprimento das suas necessidades básicas e pela existência de condições

concretas de sua realização enquanto pessoa humana. E que seu

ordenamento jurídico contenha instrumentos efetivos de tutela desses

valores. Essa realidade em termos concretos, contemporaneamente, não

passa de um sonho.

O enorme contingente populacional de baixa renda, já se mostra especialmente

vulnerável no que tange à afirmação e efetivação de seus direitos, em razão de sua própria

condição econômico-financeira, tal qual acontece com os trabalhadores escravizados. Como

se isso não bastasse, essas vítimas da exclusão social, quando se deparam com uma situação

de violação de seus direitos, são as pessoas que mais encontram dificuldades e entraves

práticos para reclamar uma prestação jurisdicional reparadora, pois sequer possuem meios de

locomoção e informação junto aos sindicatos, advogados, promotores e fiscais. Sem contar o

receio de retaliações, de não mais conseguir emprego:

[...] O próprio reconhecimento do problema não é o suficiente para que se

interponha a ação. O medo de represálias e a grande desigualdade na

qualidade de serviços jurídicos, prestados para as populações de maior ou

menor poder aquisitivo, são, usualmente, as causas de desconfiança das

camadas mais baixas da população com relação à justiça.143

O acesso à Justiça é um dos direitos fundamentais de maior expressão no sistema

constitucional, não havendo como se falar em exercício de cidadania sem que o Estado se

desincumba de sua tarefa que consiste na provisão de meios para que suas instituições, ligadas

ao sistema de justiça, estejam devidamente estruturadas para atender aos reclamos da

população.

Somados a outros direitos, como a saúde básica, educação fundamental, assistência

aos desamparados, o acesso à justiça integra a teoria do mínimo existencial, pautado no

princípio basilar da dignidade da pessoa humana.

142

RODRIGUES, Horácio Vanderlei. Acesso à justiça no direito processual. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 78. 143

Ibid 143.

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72

Serão elencadas nos itens abaixo as formas jurídicas possíveis para erradicação do

trabalho análogo ao de escravo, cujas esferas abrangem os três poderes (Legislativo,

Executivo e Judiciário), além da colaboração de outras organizações, tais como o Ministério

Público do Trabalho, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e

outras.

2.1 SUJEITOS RESPONSÁVEIS PELA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO FORÇADO

Não comina de qualquer dúvida o fato de que o empregado escravizado, na maioria

das vezes, se apresenta em posição de hipossuficiência exacerbada, eis que lhe são cerceados

os direitos de buscar ajuda, informação, orientação, proteção e principalmente, o acesso à

justiça.

Uma vez colocados em falta de liberdade real, direito de ir e vir, o empregado fica a

mercê de fiscalizações e denúncias. Desta feita, importante identificar quem são os

legitimados para defesa dos interesses metaindividuais dos obreiros colocados na condição

análoga ao de escravo.

Tal contexto de realidade invoca do Estado a necessidade de agir como interventor e

regulador, eis que é assunto de relevante interesse social. A participação do Estado não pode

ser obstada, eis que conglobam atitudes articuladas entre os Três Poderes. O Judiciário tem a

atribuição de sentenciar e penalizar atos advindos de nociva prática. O Executivo, deve,

através de seus representantes, fazer cumprir, nas suas gestões, os direitos sociais

constitucionalmente assegurados, através, principalmente com a implementação de políticas

públicas voltada para tal fim. E, o Legislativo, que deve elaborar leis, punitivas e orientadoras

para erradicação do labor análogo ao de escravo.

O Ministério Público Federal, especificamente o Ministério Público do Trabalho,

como já esclarecido em item anterior tem o dever constitucional para a defesa dos

trabalhadores vítimas da prática escravagista. Age o Ministério Público do Trabalho como

defensor da sociedade em geral, sendo o fiscal do cumprimento das normas voltadas ao labor,

tutelando direitos sociais, individuais e indisponíveis:

O Ministério Público da União, em particular o do Trabalho, teve sua

atuação ampliada a partir da Constituição Federal de 1988. Inicialmente era

um órgão vinculado ao Poder Executivo e atualmente é um autêntico

defensor dos interesses da sociedade, sejam eles sociais ou individuais

indisponíveis, como preconiza o art. 127, caput, da CF/88.

A partir da Lei Complementar n. 75/93, compete ao Ministério Público do

Trabalho promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho

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para a defesa de interesses coletivos, assim como o art. 83, I, disciplina que é

prerrogativa do MPT promover as ações que lhes sejam atribuídas pela CF e

pelas leis trabalhistas. Constata-se, a partir disso, que a ação civil pública,

desde que se trate de tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais

homogêneos, pode ser um instrumento extremamente eficaz.144

O Ministério do Trabalho e Emprego, situado no Distrito Federal, representa a ação do

Estado através da implementação de políticas públicas voltadas ao tema, mas principalmente

por seus fiscais. A tentativa de erradicação do labor escravizador se dá por ações coordenadas

pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, advinda de mapeamentos prévios. A fiscalização do

MTE objetiva não só a regularização dos vínculos formais de emprego, mas principalmente

libertar os empregados da condição análoga ao de escravo145

. Conforme dados coletados no

site do MTE146

, no ano de 2010 (último ano com contabilização disponível), foram 143

operações desenvolvidas, que culminaram em:

a) 309 estabelecimentos inspecionados;

b) 2.725 trabalhadores tiveram seus contratos formalizados em razão da atividade fiscal;

c) 2.628 trabalhadores resgatados;

d) R$ 8.786.424,89 por pagamentos de indenizações pela prática de escravizar empregados;

e) 3.982 autos de infrações lavrados.

Barreto, ainda enumeras outras formas de atuação do Estado, através do MTE:

Com a intenção de atender aos compromissos internacionais, além da

responsabilidade constitucional, foi instituído o Grupo Executivo de

Repressão ao Trabalho Forçado, em 27.06.1995, pelo Decreto nº 1.538, com

subordinação à Câmara de Política Social do Conselho de Governo e

integrado pelos Ministérios do Trabalho e Emprego; da Justiça; do Meio

Ambiente, do Desenvolvimento Agrário; da Agricultura; do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além do Ministério da

Previdência Social. Este Grupo tem como finalidade a coordenação e

implementação de providências necessárias à repressão do trabalho forçado,

com a coordenação dos órgãos competentes e articulação da Organização

Internacional do Trabalho.

[...]

O trabalho de repressão ao trabalho forçado foi coroado com a formalização

do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, lançado no Governo

Fernando Henrique [...].

Em 15 de outubro de 2004, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a

Portaria nº 540 , criando no âmbito daquele Ministério o Cadastro de

144

Ibid 80. 145

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Combate ao trabalho escravo. Disponível em: <

http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/#>. Acesso em 15 mar 2012. 146

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Quadro das operações de fiscalização para erradicação do

trabalho escravo – SIT/SRTE 2010. Disponível em:

<http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A308E140C013099AA320A62A2/est_resultado_quadro_trabescrav

o2010.pdf>. Acesso em 15 mar 2012.

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74

Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à

de escravo. [...]147

A Polícia Federal também desempenha importantes funções. Funciona como agente de

repressão da prática escravagista, atuando em sozinha ou em conjunto com MPT e/ou MTE,

quando da solicitação destes. É responsável pelos Inquéritos Policiais envolvendo a

tipificação de crime por conta da prática escravagista, quando exceder os limites dos órgãos

policiais estaduais. Ademais, a Polícia Federal é a guardiã de informações criminais

específico de empregadores escravizadores.

Há um termo de compromisso148

, firmado em 1994, em que os órgãos mencionados

acima, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público Federal, Ministério Público do

Trabalho e a Secretaria de Polícia Federal, se propuseram a atuar com conjugação de esforços

na repressão e erradicação de práticas labor análogo ao de escravo. Tal documento público,

encontra-se disponibilizado para toda a sociedade através do MTE.

Além dos órgãos públicos citados, engloba tal lista a participação dos Sindicatos de

Empregados. Como já dito, são estes legitimados para a propositura de ação civil pública

(arts. 8º, III; 127 e 129,III da Lei Magna), eis que legalmente tem o poder de representação

dos interesses dos trabalhadores.

Para complementar, estão no bojo de agentes erradicadores do trabalho forçado, a

sociedade civil, os cientistas sociais, juristas, filósofos, que podem/devem debater e estudar o

tema, além de atuarem com possibilidades de apresentar notícia de crime de labor análogo ao

de escravo às autoridades competentes, mesmo que forma anônima.

2.2 INQUÉRITO CIVIL

A atuação do Ministério Público do Trabalho, na sua função institucional de defesa de

interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, traz à baila a possibilidade da

instauração do inquérito civil.

O inquérito civil é positivado pela Lei n. 7347/85, que também regula a ação civil

pública:

Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades

competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem

fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

147

BARRETO, Claudia Maria Silva Pitanga. Trabalho escravo urbano - responsabilidade do empregador e as

condições do trabalhador estrangeiro em situação de permanência irregular no brasil. Disponível em:

http://online.sintese.com. Acesso em 15 mar 2012. 148

Ibid. 124.

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75

§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito

civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões,

informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá

ser inferior a 10 (dez) dias úteis.149

Este instrumento jurídico tem a função primordial administrativa de investigação, que

pode, também, culminar em uma fase preparatória da ação civil pública, ou, a conclusão de

arquivamento.

A Lei Maior, a contar do seu art. 129, III, deu ao inquérito civil o status constitucional,

tratando o mesmo como sendo uma das funções institucionais do MP.

No tocante ao Ministério Público do Trabalho em relação à busca pela erradicação do

labor forçado, foi o art. 84, II da LC n. 75/93, que trouxe em texto infraconstitucional a

possibilidade de instauração do inquérito civil:

Art. 84. Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito de suas

atribuições, exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III

e IV do Título I, especialmente:

[...]

II - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre

que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos

trabalhadores.150

A natureza jurídica do inquérito civil é inquisitiva e seu objetivo é a coleta de dados,

com a finalidade de produção de provas necessárias para a caracterização, ou não, do seu

objeto de investigação. Tal medida não é exclusiva do processo do trabalho, porém utilizada

toda vez que necessário o conhecimento de fatos denunciados ou de conhecimento do MP.

Assim como há no inquérito penal, no civil existem também os poderes instrutórios

típicos de um Delegado de Polícia, inclusive com a inexistência do contraditório e da ampla

defesa, com uma diferença, o titular do inquérito civil é o Procurador do Trabalho,

exclusivamente.

Importante elencar que na seara trabalhista, o inquérito civil é medida cabível a

apuração de denúncias e indícios de labor análogo ao de escravo, eis que o que se pretende

enquanto parquet, é a garantia de observância de direitos sociais, garantidos pela Lei Magna.

O fundamento constitucional da instauração do referido inquérito são os

supraprincípios da cidadania, liberdade, e os positivados, dignidade da pessoa humana,

valorização do trabalho, busca do pleno emprego, diminuição das diferenças regionais.

149

BRASIL. Lei n. 7347 de 24 de julho de 1985. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm. Acesso em 19 mar 2012. 150

BRASIL. Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp75.htm. Acesso em 19 mar 2012.

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Nas funções ministeriais, quanto à pesquisa inquisitória para a erradicação do labor

forçado, pode o Procurador do Trabalho ouvir partes, testemunhas, requisitar exames, provas,

documentos, bem como pode realizar inspeções in loco.

Assim como ocorre no inquérito penal, é direito constitucional do investigado em

permanecer silente as indagações que lhes são feitas, pois entre o rol dos direitos

fundamentais do cidadão está contida a prerrogativa do silêncio. Insta esclarecer que por

aplicação de analogia de princípio de ordem penal, ninguém poderá sem compelido a produzir

provas contrárias a si mesmo. Assim, caso o responsável pela empresa eventualmente

investigada seja convidado a comparecer no MP para depor em inquérito civil, onde seja

pesquisada a ocorrência de labor análogo ao de escravo, o mesmo poderá permanecer silente.

O dispositivo constitucional a que se fez menção, é o abaixo:

Art. 5º

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de

permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de

advogado;151

Após leitura do texto constitucional, verifica-se que dentre os direitos fundamentais,

estão contidos o direito ao silêncio, ao de ter assistência de sua família e de um profissional da

advocacia.

Ainda que não haja contraditório em inquérito civil, a presença de advogado torna-se

necessária, eis que como dito na Lei máxima, o mesmo é indispensável a administração da

justiça:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo

inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos

limites da lei.152

Observe-se que embora tenha o inquérito civil a natureza civil-administrativa,

quaisquer acordos firmados nestes procedimentos deverão ser acompanhados por advogado,

eis que podem trazer consequências para os seus patrocinados, que por vezes desconhecem o

inteiro teor das normas de Direito a que se estão comprometendo-se através de eventual termo

de ajustamento de conduta.

Todavia, bem como ocorre no inquérito policial, o inquérito civil é dispensável e não é

pressuposto para outras ações ministeriais, assim como a ação civil pública. Seria, portanto,

um meio cauteloso, preparatório, para a eleição em ajuizar a ação competente ou não.

151

Ibid 41. 152

Ibid 41.

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2.3 TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA

Como consequência de uma investigação positiva quanto ao encontro de trabalho

análogo ao de escravo o Procurador do Trabalho tem a faculdade de ao invés de

imediatamente propor a ação civil pública, acordar com o empregador investigado um ajuste,

denominado Termo de Ajuste de Conduta, com a finalidade de coibir tais práticas lesivas, e

com eficácia de título executivo extrajudicial.

Todavia, este instrumento não é exclusivo do parquet trabalhista, eis que todos aqueles

legitimados para ação civil pública podem se valer deste termo, na forma do art. 5º, § 6º, da

Lei n. 7.347/85:

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

[...]

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados

compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante

cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.153

O objetivo do termo de ajustamento de conduta é firmar compromisso quanto a

imediata paralisação das atividades lesivas, no caso a erradicação da utilização do trabalho

forçado, devendo os empregadores escravizadores se colocarem nos ditames das leis

brasileiras, principalmente a Lei Maior.

Saliente-se que não pode haver uma renúncia parcial às condutas ilícitas, sendo o

documento apenas válido para a renúncia total dos interesses transindividuais eventualmente

violados. O termo de ajuste de conduta tem limitações quanto ao tempo, modo e lugar em que

as obrigações de fazer ou não fazer deverão ser concretizadas. Por outro lado, os órgãos

compromitentes devem abster-se de disposição total ou parcial quanto ao objeto do negócio

jurídico.

A maior vantagem quanto a celebração de termos de ajuste de conduta é a celeridade

da paralisação da conduta ilícita, perfeitamente aplicável quanto ao trabalho análogo ao de

escravo. A lesão passa a não se perpetuar no tempo, trazendo aos trabalhadores a imediata

libertação/regularização de seus contratos de emprego. Ademais, em caso de descumprimento

o legitimado à ação civil pública terá em suas posses um título com natureza executiva, o que

garante ainda mais a celeridade dos atos processuais, eis que desnecessária será a fase do

conhecimento processual.

Conforme dispõe a norma citada acima, os órgãos legitimados para a realização dos

termos de ajustamento de conduta devem obrigatoriamente, estabelecer cominações em

153

Ibid 149.

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78

eventual descumprimento do acordo. Inclusive é possível a previsão de astreintes como meio

de coerção para o cumprimento da obrigação. Tais multas não elidem as obrigações

pactuadas, mas tão somente tem o condão de obrigar o descumpridor de realizar o pactuado

no referido termo.

O termo também se presta a fixação de indenização por dano moral coletivo, no caso

de labor análogo ao de escravo.

2.4 AÇÃO CIVIL PÚBLICA

É de notório conhecimento que a pessoa colocada em situação análoga a de escravo é

vítima da própria necessidade e da exclusão proporcionada pela sociedade. Nestes casos, o

trabalhador ainda sente que a evolução da sociedade não foi suficiente para afastar a exclusão

e as dificuldades experimentadas, tendo que ser necessário estabelecer por meio de normas,

regras que possam garantir a igualdade dos trabalhadores.

Todavia, é importante observar que leis e normas, por si só, não são garantias de

efetividade da igualdade. São necessários estabelecimentos de mecanismos que garantam a

cidadania do trabalhador, bem como a sua liberdade real, com a previsão de ações judiciais e

designação específica de instituição que assumisse a defesa deste segmento da sociedade.

Foi neste diapasão que a Constituição Federal de 1988 elegeu o Ministério Público

como guardião do regime democrático e conseqüentemente responsável por possibilitar o

acesso à justiça, como órgão agente, interveniente, fiscalizador, tanto na esfera processual

quanto extraprocessual. Conferiu, portanto, ao órgão a legitimidade ativa concorrente para a

defesa dos direitos difusos, transindividuais e/ou coletivos, nos termos do artigo 129, incisos

II e III da Magna Carta.

A ação civil pública integra microssistema constitucional, criado inicialmente pela Lei

de Ação Popular (n. 4.717/65), acrescido pela ACP e pelo Código de Proteção e Defesa do

Consumidor (n. 8.078/90). Este microssistema processual em âmbito coletivo regula

especialmente a legitimatio ad causam – representação em juízo – das tutelas coletivas, bem

como se presta a considerar os limites da coisa julgada, eis que podem ser observados pela

eventual sentença, efeito erga omnes.

A proteção ao trabalho análogo ao de escravo consiste em direito individual

homogêneo, coletivo e difuso, que são aqueles que consistem em espécies do gênero

interesses transindividuais ou metaindividuais. Tais direitos ultrapassam os direitos de sujeitos

individuais, observado por si, posto que a lesão gerada alcança um grande número de

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79

pessoas154

. Tal posição congrega a maior parte da doutrina, como, por exemplo, Ives

Gandra155

, Sento-Sé156

. Lotto, assim conceituou:

O combate ao trabalho escravo contemporâneo pelo Parquet trabalhista

poderá ser tratado pelos três vértices [...], que englobam o chamado interesse

metaindividual (gênero), dentre eles, os interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos (espécies); dependem do caso em concreto, ou seja,

que espécie de interesse foi lesado pela conduta nociva do empregador.157

Considerando que as práticas escravizatórias são proibidas em toda sociedade, sendo

repugnada por todos, ultrapassando os limites das fronteiras nacionais, sendo

internacionalmente combatidas, há um número indeterminado de pessoas atingidas. Ademais,

o objeto é indivisível, o que ratifica a tutela do interesses difusos. Utilizando-se de trabalhos

análogos à de escravo, os empregadores estão a violar direitos fundamentais, e difusos de toda

uma coletividade.

Inegável que os direitos a que se refere este trabalho estão no cerne metaindividual,

uma vez que a forma de os exercer e o acesso à justiça restam prejudicados, posto que muitos

trabalhadores encontram-se encarcerados, cerceados de liberdade de ir e vir, dentro de

fazendas, alojamentos, chácaras, em interiores e também nos grandes centros. Fava ratifica

que:

[...] inimaginável que alguém impedido de deixar o ambiente de trabalho,

preso no interior de uma fazenda ou no subsolo da confecção, possa ajuizar

reclamação trabalhista em busca do pagamento de horas extraordinárias, do

registro ao DSR. [...] Conclui-se com tranquilidade, a premência de

intervenção não individual para saneamento da agressão do direito.158

O Ministério Público do Trabalho atua na luta para erradicar o trabalho escravo no

Brasil, tendo como atribuição constitucional o zelo pelos direitos sociais indisponíveis, ou

melhor, de combater qualquer prática que viole os direitos difusos e coletivos do cidadão

trabalhador e que lhe exclua do gozo de seus direitos trabalhistas. Desta forma é o

entendimento do STF, na decisão:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - TRABALHISTA – AÇÃO CIVIL

PÚBLICA - 2. Acórdão que rejeitou embargos infringentes, assentando que

ação civil pública trabalhista não é o meio adequado para a defesa de

interesses que não possuem natureza coletiva. 3. Alegação de ofensa ao

disposto no art. 129, III, da Carta Magna . Postulação de comando sentencial

que vedasse a exigência de jornada de trabalho superior a 6 horas diárias. 4.

A Lei Complementar nº 75/93 conferiu ao Ministério Público do Trabalho

legitimidade ativa, no campo da defesa dos interesses difusos e coletivos, no

154

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteção constitucional dos interesses trabalhistas: difusos, coletivos e

individuais homogêneos. São Paulo: LTr, 2001, p. 67. 155

SILVA, Ives Gandra. A defesa dos interesses coletivos pelo Ministério Público. Brasília: Correio Brasiliense,

1993, p. 36. 156

Ibid 34. 157

Ibid 116. 158

FAVA, Marcos Neves. Ação Civil Pública Trabalhista: teoria geral. São Paulo: LTR, 2005.

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âmbito trabalhista. 5. Independentemente de a própria Lei fixar o

conceito de interesse coletivo, é conceito de Direito Constitucional, na

medida em que a Carta Política dele faz uso para especificar as espécies

de interesses que compete ao Ministério Público defender (CF, art. 129,

III). 6. Recurso conhecido e provido para afastar a ilegitimidade ativa do

Ministério Público do Trabalho.159

(grifo nosso)

Tal Instituição utiliza-se de procedimentos investigativos, como os inquéritos civis, a

fim de apurar a existência de situações como a de trabalho análogo ao de escravo. Propõem na

Justiça do Trabalho, as ações civis públicas, como pedidos de indenizações reparadoras de

danos morais e patrimoniais dos trabalhadores aliciados sob tal regime:

RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - TRABALHO ESCRAVO -

INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - O

trabalho escravo contribui sobremaneira com o crescimento das assimetrias

sociais e vem sendo coibido por diversos órgãos governamentais, num

verdadeiro esforço conjunto para disseminá-lo. Assim, o simples indício da

ocorrência desse tipo de trabalho atrai o interesse público justificador da

intervenção do parquet, ante à amplitude e relevância da missão

constitucional que lhe é reservada (art. 127). Recursos das reclamadas não

providos. 160

(grifo nosso)

Tamanha a importância da situação de combate ao trabalho escravizador, que o órgão

possui uma coordenadoria somente para casos de trabalhos em condições análogas a escravo

que é a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo no Ministério Público

do Trabalho – CONAETE.

Os Promotores de Justiça utilizam-se da Ação Civil Pública - ACP, que ao longo do

tempo vem assumindo feições voltadas para a realização da cidadania, buscando a garantia

dos direitos fundamentais plenos. É uma forma de conferir eficácia a esses direitos

fundamentais concernentes à não-discriminação, à igualdade, à proibição de tratamento

degradante e ao trabalho digno, segue as vias de acesso à justiça. A jurisprudência confirma a

efetividade da ACP:

TRABALHO FORÇADO. CONFIGURAÇÃO. Os fatos devidamente

comprovados nos autos demonstram de maneira incontestável o descuido

continuado do empregador com o meio ambiente do trabalho, afetando

potencialmente todos os seus empregados, que, ao contrário do que alega a

peça recursal, estavam impossibilitados do livre exercício do direito de ir e

vir, e o que é mais degradante, estavam submetidos à condição subumana

como bem retratam as fotos e a fita VHS residentes nos autos. Está, assim,

configurada a prática de dano coletivo."161

159

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 213015. Relator: Min. Néri da Silveira.

Brasília, DJU, p. 00069, 24.05.2002 160

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 24ª Região. Recurso Ordinário n. 971/2002-071-24-00-6. Relator:

Juiz Ricardo Geraldo Monteiro Zandona. Mato Grosso, 2003. 161

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 8ª Região. Recurso Ordinário n.862/2003. Relatora Juíza Francisca

Oliveira Formigosa. DOEPA 08.05.2003, Revista de Direito do Trabalho, São Paulo: RT, n. 112, a. 29, p. 340,

out./dez. 2003)

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81

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO -

O conjunto probatório revela que os trabalhadores que prestavam serviços ao

Réu não apenas não tinham CTPS assinada, mas também estavam sujeitos a

condições absolutamente indignas a qualquer laborista, seja pela inexistência

de equipamentos de proteção, primeiros socorros a despeito da atividade

desenvolvida estar impressa de possibilidade de lesões, seja pela moradia

absolutamente sem estrutura, ausência de água potável, direito à intimidade,

seja, ainda, pela formação de truck system configurado na indução do

trabalhador a se utilizar de armazéns mantidos pelos empregadores em

preço, em regra, superfaturado, inviabilizando a desoneração da dívida.

Nesse passo, devem ser julgados procedentes os pedidos afetos a obrigações

de fazer e não-fazer, sob pena de multa diária. A indigitada situação deve ser

veementemente combatida; considerar o trabalho em condições aviltantes

como normal em face das circunstâncias de determinada região do País é

transgredir a finalidade ontológica do Judiciário e fazer letra morta a

legislação tutelar do trabalho. A dignidade da pessoa humana é um dos mais

importantes pilares do Estado Democrático de Direito. 162

Em relação à competência, de acordo com a OJ 130 da SBDI-2 do TST, dá-se pela

extensão do dano causado, por aplicação da analogia ao art. 93 do CDC. Desta feita, se os

efeitos forem regionais, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do referido

estado, no entanto, ultrapassando os efeitos a um único estado ou região, a competência passa

a ser do Tribunal Regional do Trabalho do Distrito Federal:

Nº 130 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL.

EXTENSÃO DO DANO CAUSADO OU A SER REPARADO.

APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 93 DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR. DJ 04.05.2004

Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública,

cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado,

pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do

Consumidor.

Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a

competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de

âmbito supra-regional ou nacional, o foro é o do Distrito Federal.163

A jurisprudência do TST, também baila no mesmo sentido:

COMPETÊNCIA TERRITORIAL DE UMA DAS VARAS DO

TRABALHO DA CAPITAL DO ESTADO - CONTRATAÇÃO POR

INTERPOSTA PESSOA, ALICIAMENTO DE TRABALHADORES E

DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE SEGURANÇA E HIGIENE

DO TRABALHO - Conforme a Orientação Jurisprudencial 130 da SBDI-2,

a competência territorial em sede de ação civil pública define-se pela

extensão do dano causado ou a ser reparado. Se a extensão do dano a ser

reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do

Trabalho da Capital do Estado, conforme incidência analógica do art. 93 do

Código de Defesa do Consumidor . Nas ações civis públicas que tenham

como pretensão a abstenção na contratação de trabalhadores por interposta

162

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 10ª Região. Recurso Ordinário n. 00011-2004-811-10-00-6.

Relatora: Juíza Flávia Simões Falcão. DJU 06.05.2005, p. 21 163

BRASIL. Tribunal Superior do Traballho. Orientação Jurisprudencial n. 130. Disponível em:

<www.tst.jus.br>, Acesso em 15 mar 2012.

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pessoa, a abstenção de aliciamento de trabalhadores em outros locais do

território nacional, e o cumprimento do dever de segurança e higiene do

trabalho como finalidade ao combate da prática de exploração de trabalho

degradante e em condições análogas à de escravo em que se noticia a

existência de alojamentos e meios de transportes sem condições dignas

humanas, não se desloca a competência para uma das Varas do Trabalho do

Distrito Federal, quando as irregularidades noticiadas e, portanto, a extensão

do dano, limitam-se ao âmbito de atuação do empregador, que, no caso,

restringem-se aos municípios mineiros de Iturama, Limeira do Oeste e

Campo Florido. [...] Conflito negativo de competência julgado procedente,

para declarar a competência da 20ª Vara do Trabalho de Belo

Horizonte/MG, que se encontra preventa. (grifo nosso)164

Nesse diapasão, destacam-se como objeto das ACP’s, ao lado das obrigações de fazer

e de não fazer, o dano moral individual, fruto das pretensões de caráter individual homogêneo

e o dano moral coletivo, onde amplamente estão assegurados, os direitos dos trabalhadores

hipossuficientes.

Tratado em item específico abaixo, mas importante mencionar que não é só o

Ministério Público do Trabalho o legitimado para propor ação coletiva, pois o sindicato dos

empregados também podem fazê-lo, na forma dos arts. 8º, III; 127 e 129,III da Lei Magna165

.

2.5 AÇÃO CIVIL COLETIVA

Este remédio processual foi introduzido ao direito pátrio pelo Código de Proteção e

Defesa do Consumidor, através da Lei n. 8.078/90, como instrumento apto para a defesa de

interesses individuais homogêneos, como no caso do labor análogo ao de escravo.

A ação civil pública veio, para o ordenamento jurídico brasileiro, através de inspiração

nas class actions do direito americano e constitui uma possibilidade de indenização coletiva,

inclusive por danos morais coletivos.

Diz o CDC:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas

poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.[...]

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados

concorrentemente:

I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

164

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 200641/2008-000-00-00. Relator: Min. José

Simpliciano Fontes de F. Fernandes. Brasília. Diário da Justiça, 20 mar 2009, p. 414. 165

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça, jurisdição coletiva e tutela dos

interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. São Paulo: LTr, 2003.

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III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda

que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos

interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que

incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos

protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome

próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de

responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o

disposto nos artigos seguintes166

.

Por várias vezes já foi dito neste trabalho que as condições de labor forçado, contém

interpretação para direitos (interesses) individuais homogêneos, mas também a tutela de

interesses difusos. Neste caso, perfeitamente cabível a impetração da ação civil coletiva.

Observe-se que tal ação terá valia quando se objetivar a condenação coletiva do

empregador escravizador, com base na tutela dos interesses difusos, podendo o pedido conter

medida preventiva, quando se pretender que não ocorra a continuidade da conduta ilícita por

parte do empregador, como, por exemplo, para fazer cessar a atividade de trabalhos forçados,

mas também de condenação em danos coletivos, especialmente os de natureza

extrapatrimonial.

Em outro patamar, haverá a busca pela represália por direitos individuais homogêneos,

quando através da ação civil coletiva buscar-se a reparação individual dos danos causados aos

empregados, cujo trabalho era forçado. Souto Maior coloca que poderá o MPT optar pela ação

civil pública ou pela ação civil coletiva, pois o efeito seria o mesmo:

[...] não há diferença relevante entre ACP (que seria, para alguns, o

instrumento de defesa dos interesses difusos e coletivos stricto sensu) e a

ação civil coletiva (que seria o instrumento de defesa dos direitos individuais

homogêneos), até porque o nome dado à ação pelo autor não tem muita

relevância. O que importa é a pretensão deduzida, especialmente quando o

procedimento for o mesmo;167

Como dito no tópico referente a ação civil pública, em relação ao labor forçado, ao

parquet trabalhista cabe tanto a tutela dos interesses difusos e coletivos, bem como a proteção

dos direitos individuais homogêneos. A legitimidade do MPT advém da combinação do art.

82, I do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e do art. 127, caput, da Lei Magna.

Copola reitera:

Para a defesa do meio ambiente do trabalho poderá ser proposta, também, a

ação civil coletiva, para pleitear reparação pelos danos sofridos

individualmente pelas pessoas lesadas, sendo que o eg. Ministério Público

do Trabalho é parte legítima para figurar no pólo ativo dessa ação, que é

166

BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm. Acesso em 30 de jul 2012. 167

MAIOR, Jorge Luiz Souto Maior. Ação civil pública na justiça do trabalho: dificuldades processuais para a

efetividade. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em 20 mar 2012.

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proposta com fundamento no art. 83, inc. I, da Lei Complementar nº 75, de

20 de maio de 1993, e art. 91 da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de

1990, com redação dada pela Lei Federal nº 9.008, de 21 de março de

1995.168

Desta feita, ao Procurador do Trabalho, em se deparando com o labor análogo ao de

escravo, pode o mesmo valer-se de mais um remédio processual, ou seja, a ação civil coletiva,

como mais um meio processual de repressão a esta prática demasiadamente nociva.

Igualmente, são legitimados os sindicatos de classe, para ingressarem com ações

coletivas, sem nem mesmo ser prescindível a autorização para defesa de categorias, como já

mostrou entendimento o STF, através da Súmula 629:

Súmula n.º 629 - A impetração de mandado de segurança coletivo por

entidade de classe em favor dos associados independe da autorização

destes.169

No mesmo sentido o STJ, ao julgar um agravo regimental:

Sindicato. Legitimidade para ação coletiva relativa a direitos individuais

homogêneos, ainda que não se enquadrem na categoria das relações de

consumo.170

A atividade dos sindicatos tem o condão de proteção aos trabalhadores, e como

associações civis que são, devem atuar na tutela de interesses dos empregados, para coibir

abusos patronais, como no caso em estudo em relação ao labor forçado. Trata-se no caso de

uma competência disjuntiva concorrente entre os membros do MP e dos Sindicatos.

2.6 RECLAMATÓRIA TRABALHISTA

A CLT, no ano de 1943, foi promulgada e sancionada em época que vigia a

Constituição de 1937, que admitia a justiça laboral incluída no teor do texto Magno, porém

não a reconhecia como ramo do Poder Judiciário171

. Foi somente em 1941 que a Justiça do

Trabalho passou a ser organizada, mesmo não tendo poderes judiciais.

Com a Carta Federal de 1946, a Justiça do Trabalho foi elevada ao Poder Judiciário,

bem como os juízes do trabalho passaram a ter as garantias constitucionais dos demais

magistrados. No entanto, permaneceu a prática de justiça com estrutura paritária, ou seja,

168

COPOLA, Gina Copola. O Direito ambiental do trabalho e a figura do assédio moral. Disponível em:

http://online.sintese.com. Acesso em: 20 mar 2012. 169

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_601_700. Acesso

em 12 nov 2012. 170

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. AgRg. no REsp. 1.241.944. Relator Ministro Cesar Asfor

Rocha, DJU 24 abr 2012. 171

BORGES, Cláudio Couce de Menezes Leonardo Dias. Emenda constitucional nº 45 e algumas questões

acerca da competência e do procedimento na justiça do trabalho. Disponível em: http://online.sintese.com.

Acesso em 13 mar 2012.

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havia um magistrado togado, que presidia os atos, mas também dois outros juízes, cada um

representando empregados e empregadores, respectivamente. Tal estrutura perdurou até 1999,

sendo extinta através da Emenda Constitucional 24, que manteve somente a presença de um

único magistrado, concursado, com poderes para processar e julgar os feitos de natureza

trabalhista.

Ao longo do tempo, a competência da Justiça do Trabalho foi sendo elastecida, e logo

quando da Emenda Constitucional de nº 45, que alterou o art. 114 da Lei Magna, acabaram

todas as dúvidas e divergências doutrinárias acerca do órgão julgador para tal temática

(trabalho análogo ao de escravo):

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito

público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

[...]

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da

relação de trabalho;

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos

empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

[...]

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da

lei.172

Consoante alteração constitucional fez ficar evidenciado que é de competência da

Justiça do Trabalho, processar e julgar lides que envolvam empregadores e obreiros em

situação escravizada. Neste diapasão, a jurisprudência:

CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL CIVIL - FIGURAÇÃO NA

LISTA SUJA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO - AUTUAÇÃO

ADMINISTRATIVA POR UTILIZAÇÃO DE PESSOAS REDUZIDAS

A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO- QUESTÃO

TRABALHISTA - EC 45/2004 - INAPLICABILIDADE DE

ENTENDIMENTO FIRMADO NA ADIN 3684 - MATÉRIA DE

NATUREZA ADMINSTRATIVA - DESPROVIMENTO DO AGRAVO

- 1. A inscrição na lista de utilizador de trabalhadores mantidos em

condições análogas às de escravos é matéria de cunho eminentemente

administrativo que tem como finalidade obstar a concessão de empréstimos a

empresários que não observem a legislação do trabalho. 2. A eventual

conseqüência criminal da autuação não interfere na ação administrativa de

imposição de restrições à obtenção de créditos provenientes de instituições

públicas. 3. Após a Emenda 45/2004, compete à Justiça do Trabalho a

observância à relação de trabalho, bem como a solução dos litígios oriundos

da mesma, excluídos os procedimentos criminais derivados das condutas

172

Ibid 41.

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apuradas, que o Supremo Tribunal Federal decidiu permanecer sob a

competência da Justiça Comum, quer Estadual, quer Federal, segundo o

caso, mesmo com a nova redação do artigo 114 da CF determinada pela

emenda. 4. A competência para o exame da legalidade da inscrição é da

Justiça do Trabalho, em conformidade com o que consta na decisão agravada

e, que vem sendo acatado pela Justiça Especializada, como comprovam

julgados citados no voto. 5. Agravo regimental improvido.

(grifo nosso)173

O cerne da discussão sobre competência material envolvia a Justiça Federal e a Justiça

do Trabalho, questão pacificada, pelo novo teor constitucional e também pela jurisprudência.

Na legislação infraconstitucional, é na CTL que se encontra a competência material da

justiça do trabalho para decidir questões deste liame, que nas palavras de Carrion “A CLT

constitui o texto legislativo básico do Direito do Trabalho, enriquecido pela legislação

complementar e pela CF/1988, aqui mencionada”174

. A competência a que se faz alusão é a

tipificada nos arts. 643 ao 646 da CLT.

A competência territorial é estabelecida pelo art. 651 da CLT, que, em regra geral,

declara competente o foro do local da última prestação de serviços. No entanto, faz-se

necessário mencionar que quando a União atuar como ré em tais demanda, as causas podem

ser impetradas nas Varas de Trabalho do domicilio do autor, onde houver ocorrido o ato ou

fato originário da demanda, ou ainda, no Distrito Federal, solução esta mostrada como a mais

correta, por possibilitar o amplo acesso ao Poder Judiciário, princípio imantado na

Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXV, como se vê, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça a direito.175

Tal inciso acima trata do principio da inafastabilidade da jurisdição, onde o Judiciário

será chamado a intervir, no exercício de sua Jurisdição, aplicando o caso concreto. Esse

direito de ação trata-se de um direito cívico e abstrato, ou melhor, é um direito subjetivo à

sentença, independentemente dessa ser de acolhimento ou rejeição da pretensão, contando que

preencha os requisitos da condição da ação.

Os objetos das reclamações trabalhistas impetradas incluem obrigações de fazer e de

não fazer (libertar os empregados, abster-se de restringir/confiscar seus documentos pessoais),

indenização por dano moral, fruto das pretensões de caráter individual homogêneo, registro

173

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. Agravo de Instrumento n.2006.01.00.035938-5. Relatora

Desª Fed. Selene Maria de Almeida. Diário da Justiça, 09.04.2007 174

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 29º ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.

484. 175

Ibid 41.

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do empregado em CTPS, após o devido reconhecimento do vínculo de emprego, além do

pagamento de verbas trabalhistas não quitadas e as advindas da extinção do pacto laboral.

Por certo, uma das melhores consequências que podem surgir com o julgamento

procedente de uma ação trabalhista neste cunho, é a determinação para a inscrição do

empregador na denominada “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego176

, criada por

portaria Ministerial e que será analisada mais adiante. Pode, de certo, o Magistrado

determinar, ao fim do processo, por consequência dos princípios do devido processo legal e

do contraditório, a inclusão do nome do empregador em tal lista, de forma a dar publicidade à

sociedade dos fatos ocorridos em uma lide de direito individual.

2.7 INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS

A formação do vocábulo responsabilidade já traz por si só o seu sentido, pois advém

do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, vir garantido, assegurar,

assumir as conseqüências. Em geral sentido, responsabilidade exprime a obrigação de

satisfazer a prestação ou cumprir o fato atribuído ou imputado à pessoa por determinação

legal.

A responsabilidade civil designa a obrigação de reparação de dano ou de

ressarcimento do dano, quando injustamente ou imotivadamente causado a outrem.

Pode a responsabilidade civil, ter como causa a própria ação ou ato ilícito, como

também o fato ilícito de outrem, por quem, em virtude de regra legal, se responde ou se é

responsável.

Tem-se que a responsabilidade civil é a que se apura para que se possa exigir a

reparação civil, sem prejuízo das demais, sendo caracterizada como a pena imposta ao agente

ou responsável pelo ato ilícito.

Como pressuposto extrínseco para a caracterização da responsabilidade civil tem-se o

ato ilícito, pois é deste que exsurge a responsabilidade de indenizar ou de reparar o dano.

Tem-se por ato ilícito toda ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência ou

imperícia que viole direito de outrem ou cause prejuízos, por dolo ou culpa. É assim a

violação dolosa ou culposa do direito de outra pessoa, da qual decorra dano a seu titular.

Na CLT não existe nenhuma previsão de indenização por danos. Mas como o Direito

do trabalho utiliza-se do Código Civil Brasileiro, de 2002, como fonte subsidiaria e este

prevê, no seu artigo 186, que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou 176

Ibid 63.

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imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete

ato ilícito”177

. E quando cumulado com o artigo 927 do mesmo codex, o qual determina:

“Aquele que, por ato ilícito (artigos. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-

lo”.178

Continua no parágrafo único “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente

de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida

pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.179

Então

devido a esta possibilidade subsidiaria da aplicação do direito civil é que podem ser utilizados

estes artigos para pleitear indenização na justiça do trabalho.

Em sentido amplo, ato ilícito, é todo o ato contrário ao direito ou cuja prática seja

vedada por lei e também pode ser visto como uma manifestação de vontade, uma conduta

voluntária do homem, visando desregrar o ordenamento jurídico. Tem-se como pressuposto

do ato ilícito, o comportamento voluntário e não simplesmente a promessa ou a ameaça de

infração do ordenamento jurídico, eis que da prática do ato ilícito decorre um processo

executivo, ou seja, emana de todo um conjunto culposo ou doloso que acaba por gerar dano.

Há de se ressaltar que o ato ilícito pode ser civil, penal ou administrativo, dependendo

para sua divisão o fato gerador. No entanto, o ato ilícito se resolve em responsabilidade do

agente. Mas para que assim ocorra, é necessário apurar-se a culpa ou o dolo, e avaliar-se a

responsabilidade. O dolo, que estrutura a ilegalidade do ato, evidencia-se na intenção da

ofensa ao direito ou de trazer prejuízo ao patrimônio alheio. Já a culpa, na violação, que

caracteriza o ato ilícito, mostra-se pela imprudência, negligência ou imperícia na ação ou

omissão.

A culpa, para os defensores da teoria da responsabilidade civil subjetiva é o elemento

fundamental para determinar o dever do ofensor de reparar o dano. Deste modo, para que haja

caracterizado o dever de indenizar o prejuízo causado a outrem, far-se-á necessário que tal

atitude tenha proveniência da consciência, ou ainda, que tenha o agente descumprido seu

dever de bonus pater familias, agindo com negligência, imprudência ou imperícia.

Vale ressaltar que se o dano gerado não tiver emanado de uma atitude dolosa ou

culposa do agente, deverá a vítima suportar os prejuízos, como se estes tivessem sido

causados por caso fortuito ou força maior.

177

BRASIL. Código Civil. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 178

Ibid 177. 179

Ibid 177.

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Assim sendo, para que haja o dever de reparar o dano, há se estabelecer os três

pressupostos que são: a ação culposa do ofensor, a existência do dano e o nexo de causalidade

entre a ação culposa do ofensor e o dano causado à vítima.

Tais pressupostos devem ser demonstrados pelo ofendido, sendo que a ausência de

apenas um requisito enseja a inexistência do dever de reparar o dano.

Em síntese, segundo a teoria subjetiva, é essencial que o fato gerador do dano a

outrem seja moralmente imputável a determinada pessoa, ou seja, que tenha origem na sua

vontade, na sua atividade consciente para caracterizar a responsabilidade civil.

A responsabilidade objetiva, conforme entendimento de Caio Mário da Silva Pereira180

considera o dano como uma realidade objetiva e, desta sorte, não há mister recorrer ao

elemento vontade, quando se cogita de definir a responsabilidade civil.

Segundo Maria Helena Diniz181

a responsabilidade objetiva funda-se num princípio de

equidade existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder

pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes.

A responsabilidade objetiva, ou doutrina do risco, possui duas modalidades principais:

a) a teoria do risco-proveito, ou do dano objetivo, chamada ainda de teoria da culpa ex re ipsa

e b) a teoria do risco-criado, ou do risco profissional.

Para melhor esclarecimento das teorias acima citadas, manifestou-se Serpa Lopes182

:

1º) Risco-proveito. É uma corrente fundada no princípio – ubi emolumentum

ibi ônus.Consideram os seus partidários nada haver de mais justo do aquele

que obtém o proveito de uma empresa, o patrão, se onerar com a obrigação

de indenizar os que forem vítimas de acidentes durante o trabalho. O patrão,

ao celebrar o contrato de trabalho, pode já incluir nas suas estimativas a

provável responsabilidade por qualquer acidente que o seu operário possa

sofrer, durante as horas de serviço. Trata-se de uma concepção já hoje

considerada a prevista pelo direito positivo.

2º) Risco criado. Mais larga é a concepção de risco criado que tem uma

amplitude maior do que a do risco-proveito. Ela compreende a reparação de

todos os fatos prejudiciais decorrentes de uma atividade exercida em

proveito do causador do dano. Pelo próprio fato de agir, o homem frui todas

as vantagens de sua atividade, criando riscos de prejuízos para os outros de

que resulta o justo ônus dos encargos.

Conforme o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, “são invioláveis a intimidade,

a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano

material ou moral decorrente de sua violação”.183

Por conseguinte, quaisquer danos na relação

180

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil.São Paulo: Saraiva, 2009, p. 32. 181

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. v. III, p. 78. 182

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961. v. 5, p. 89. 183

Ibid 41.

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de trabalho que atinja os direitos de personalidade há a possibilidade de ser considerado dano

moral.

Ainda com base na Lei da Ação Civil Pública, de acordo com o disposto no art. 3º, é

possível que a ação civil pública, bem como a celebração do termo de ajustamento de conduta

culminem em atribuição de dano moral coletivo.

A condenação em dano moral, ou a simples atribuição em termo de ajustamento de

conduta traduzem a função da responsabilidade civil em proteger o ato lícito e reprimir o

ilícito, ou seja, possui funções punitiva e pedagógica.

Para Savatier, o conceito de dano moral se traduz em

[...] qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda

pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade

legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio

estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc.184

Corroborando, Rui Stoco acrescenta que a violação moral não é indenizável, mas sim

compensada:

Sob esse aspecto, porque o gravame no plano moral não tem expressão

matemática, nem se materializa no mundo físico e, portanto, não se indeniza,

mas apenas se compensa, é que não se pode falar em prova de um dano que,

a rigor, não existe no plano material.185

O trabalhador submetido ao labor forçado tem a sua moral altamente abalada, eis que

cerceado um principal direito seu: a liberdade de ir e vir. O bem- estar é abalado, a dignidade

da pessoa humana é colocada à margem.

Segundo Clayton Reis, a indenização por dano moral deve ser de tamanho rigor para

impedir que o ofensor cometa novamente o mesmo ato ilícito:

A fixação do montante indenizatório deve ser rigoroso, na medida que esta

postura contribuirá para reprimir a ação delituosa. Aliás, é uma maneira

adotada pelos países civilizados para penalizar de forma contundente aqueles

que praticam atos ilícitos.186

O dano moral coletivo é aquele que ultrapassa os limites individuais, de forma a

atingir toda uma sociedade, ou seja, uma coletividade. Em via judicial, a forma de pleiteio de

tal indenização extrapatrimonial é via ação civil pública. A jurisprudência corrobora com a

doutrina:

RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL COLETIVO REDUÇÃO DE

TRABALHADOR A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO -

REINCIDÊNCIA DAS EMPRESAS - VALOR DA REPARAÇÃO - O

Tribunal local, com base nos fatos e nas provas da causa, concluiu que as

empresas reclamadas mantinham em suas dependências trabalhadores em

condições análogas à de escravo e já haviam sido condenadas pelo mesmo

184

Traité de La Responsabilité Civile, vol.II, nº 525 apud Pereira, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil.

Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 67. 185

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004, p. 1691. 186

REIS, Clayton. Dano Moral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,1998, p. 201.

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91

motivo em ação coletiva anterior. Com efeito, a reprovável conduta

perpetrada pelos recorrentes culmina por atingir e afrontar diretamente a

dignidade da pessoa humana e a honra objetiva e subjetiva dos empregados

sujeitos a tais condições degradantes de trabalho, bem como, reflexamente,

afeta todo o sistema protetivo trabalhista e os valores sociais e morais do

trabalho, protegidos pelo art. 1º da Constituição Federal . O valor da

reparação moral coletiva deve ser fixado em compatibilidade com a

violência moral sofrida pelos empregados, as condições pessoais e

econômicas dos envolvidos e a gravidade da lesão aos direitos fundamentais

da pessoa humana, da honra e da integridade psicológica e íntima, sempre

observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Na hipótese,

ante as peculiaridades do caso, a capacidade econômica e a reincidência dos

recorrentes, deve ser mantido o quantum indenizatório fixado pela instância

ordinária. Intactas as normas legais apontadas. Recurso de revista não

conhecido. 187

E ainda:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDIÇÕES DE TRABALHO

DEGRADANTES E DESUMANAS - DANOS MORAIS COLETIVOS -

Nas lições de Francisco Milton Araújo Júnior, "o dano moral pode afetar o

indivíduo e, concomitantemente, a coletividade, haja vista que os valores

éticos do indivíduo podem ser amplificados para a órbita coletiva. Xisto

Tiago de Medeiros Neto comenta que 'não apenas o indivíduo, isoladamente,

é dotado de determinado padrão ético, mas também o são os grupos sociais,

ou seja, as coletividades, titulares de direitos transindividuais (...). Nessa

perspectiva, verifica-se que o trabalho em condições análogas à de escravo

afeta individualmente os valores do obreiro e propicia negativas

repercussões psicológicas em cada uma das vítimas, como também,

concomitantemente, afeta valores difusos, a teor do art. 81, parágrafo único,

inciso I, da Lei 8.078/90 , haja vista que o trabalho em condição análoga à de

escravo atinge objeto indivisível e sujeitos indeterminados, na medida em

que viola os preceitos constitucionais, como os princípios fundamentais da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e dos valores sociais do trabalho

(art. 1º, IV), de modo que não se pode declinar ou quantificar o número de

pessoas que sentirá o abalo psicológico, a sensação de angústia, desprezo,

infelicidade ou impotência em razão da violação das garantias

constitucionais causada pela barbárie do trabalho escravo" ("in" Dano moral

decorrente do trabalho em condição análoga à de escravo: âmbito individual

e coletivo- Revista do TST, Brasília, vol. 72, nº 3, set/dez/2006, p. 99). 188

Desta forma, é perfeitamente cabível a condenação dos empregadores escravizadores

em dano moral coletivo, eis que os pressupostos da responsabilidade civil, no caso do labor

análogo ao de escravo são inegáveis.

187

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 1780/2003-117-08-00.2. Relator Min. Luiz

Philippe Vieira de Mello Filho. Brasília, DJe 27.08.2010, p. 643. 188 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª Região. Recurso Ordinário n.110/2011-101-03-00.0. Relator

Des. Jorge Berg de Mendonca. Brasília, DJe 28.10.2011 - p. 283

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92

2.8 DENÚNCIA AO CADE EM RAZÃO DA INTERFERÊNCIA NA ECONOMIA E NA

CONCORRÊNCIA

Pautada pelos princípios do art. 170 da Lei Magna, a defesa da concorrência torna-se

primordial para a manutenção da segurança jurídica brasileira e da regular ordem econômica.

Considerando a ordem econômica como a política que o governo deve estabelecer com

vistas ao trabalho e a livre iniciativa, a mínima regulação, mas não menos importante, da

concorrência, impede o cometimento de abusos que podem ser perpetrados a sociedade de um

modo geral, especialmente aos consumidores e aos trabalhadores.

A divisão marxista189

capital versus trabalho, por vezes, se aparenta como sendo uma

relação capital versus precarização do trabalho, desrespeito aos direitos fundamentais. Como

já dito, o Estado deve intervir na economia, toda vez que ocorrer relevante interesse coletivo

ou a ameaça/violação aos imperativos da segurança nacional. E é deste conceito que se tem a

premissa maior do neoliberalismo, ou seja, mínima intervenção do Estado nos interesses

particulares. Todavia, a mesma é plenamente admitida, na forma do art. 173 da Lei Maior.

Admirável arrazoar que mesmo havendo a plena possibilidade de intervenção do

Estado, o trabalho análogo ao de escravo é uma prática atualíssima. É concebível admirar que

se os mercados pudessem atuar de forma auto-regulável, seguramente proliferariam ainda

mais abusos e violações quanto ao direito de concorrência, e por consequência aos

trabalhadores e consumidores. Os mesmos homens que buscam a liberdade seriam os mesmos

a aprisionar outros homens, na forma do trabalho precário, com baixos salários, horários de

labor excessivos; desta forma, assume-se aqui a visão empirista do ser humano de Thomas

Hobbes190

.

A utilização de mão-de-obra precária, análoga à escrava, inegavelmente faz baixar os

custos da produção, uma vez que direitos trabalhistas são negados, violados. Com custos

menores é possível crer que os produtos sejam ofertados em menor preço.

Como tal, havendo a baixa de preços por violação de direitos constitucionalmente

indiscutíveis, há abuso ao direito da concorrência, eis que o empregador que ofertar seus

produtos sendo cumpridor de todos os seus deveres (incluindo os trabalhistas), terá seu lucro

diminuído ou preços mais altos.

189

MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto do partido comunista. 4. ed. São Paulo: Global, 1984, p. 83. 190

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Abril

Cultural, 1984.

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93

Tal meio de agir, representa infração da ordem econômica, eis que há redução do custo

do trabalho, e logo, vantagem arbitrária sobre os concorrentes. Foi neste sentido que o

Procurador Rafael Gomes, formulou representação191

junto ao CADE, por entender que

determinada empresa, estava utilizando de labor forçado para auferir vantagem abusiva em

relação aos entes que compõe os mercados.

Conforme raciocínio jurídico do MPT, “Trata-se de conduta que se ajusta à definição

legal de “limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre

iniciativa”, e de “aumentar arbitrariamente os lucros”192

. (grifo do autor)

E o MPT ainda continua:

[..]não se pode considerar compatível com a ordem econômica brasileira a

atuação de um agente econômico tenda à nulificação do valor social do

trabalho, através de violações em larga escala e prejuízos à dignidade da

pessoa humana, sendo tanto mais grave que tal conduta venha, pelas

circunstâncias fáticas, a implicar ao mesmo tempo em contaminação do

ambiente concorrencial.

Haverá, enfim, incompatibilidade entre o bom funcionamento do mercado,

que é o que pretende a ordem econômica constitucionalmente instituída, e

uma conjuntura na qual os direitos trabalhistas e a dignidade da pessoa

humana sejam aviltados por um agente econômico de forma amplíssima,

sistemática e diária. A conduta de tal agente não importará em agressão

apenas aos trabalhadores, mas a todo o mercado, perturbado em seus valores

e princípios fundamentais, conformadores da atividade econômica e

financeira.193

Na defesa do ambiente concorrencial do Brasil, há o Conselho Administrativo de

Defesa Econômica – CADE194

, que tem função de órgão judicante, tendo atuação em todo

território nacional. Foi criado em 1962, através da Lei 4.137/62. No ano de 1994 foi

transformado em autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, pela Lei 8.884/94. Em

dezembro de 2011, foi sancionada uma nova norma (Lei 12.529/2011) que ampliou o sistema

brasileiro de defesa da concorrência.

O CADE tem obrigações de orientação, fiscalização, prevenção e a mais importante

delas, a apuração dos eventuais abusos do poder econômico. Com a devida apuração, após o

devido procedimento administrativo, o CADE amplia suas obrigações, agindo como órgão de

repressão.

A formação do CADE é composta “por um Plenário, composto de um presidente e seis

conselheiros, indicados pelo Presidente da República, [...] sabatinados e aprovados pelo

191

Representação n. 08012.00 4330/2012-99. 192

Ibid 191. 193

Ibid 191. 194

Disponível em: <http://www.cade.gov.br/Default.aspx>, Acesso em 16 mar 2012.

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94

Senado Federal”195

. Também integra o CADE a sua Procuradoria. Todos os componentes tem

prazo de mandato de dois anos, podendo ser renovado por igual período uma única vez.

O CADE, no âmbito administrativo, é considerado como última instância, decidindo

impasses/lides concorrenciais.

De acordo com o art. 36 da Lei 12.529/11, compõem infração da ordem econômico:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de

culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou

possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a

livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros; e

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

Interpretando a norma abstrata, pode-se afirmar que a utilização de mão-de-obra sem a

observância dos direitos trabalhistas, implica em aumento arbitrário de lucros, além de

prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa, e por isso, punível nas bases da lei

mencionada acima. A jurisprudência também corrobora neste sentido:

CONTRATO DE ESTÁGIO - DESVIRTUAMENTO DE SUA

FINALIDADE LEGAL - NULIDADE RECONHECIDA - O contrato de

estágio a que se refere a lei nº 6.494, de 07/12/77, é aquele em que um

estudante regularmente matriculado em cursos de educação superior, de

ensino médio, de educação profissional de nível médio ou superior ou

escolas de educação especial é admitido em pessoas jurídicas de direito

privado ou na administração pública para complementação prática de sua

formação. [...] A metodologia patronal de arregimentação de mão-de-

obra barata mediante o uso desvirtuado da figura do estágio constitui

grave ofensa aos princípios constitucionais do respeito à dignidade da

pessoa humana ( art. 1º, III, da CF ), do resguardo aos valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa ( art. 1º, IV, da CF ), da igualdade e não

discriminação ( arts. 5º, I , e 7º, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV, da CF ),

da função social da propriedade (artigo 5º, XXIII , e 170, III, da CF ), e

da busca do pleno emprego como fundamento da ordem econômica (art.

170, VIII, da CF), notadamente porque, além de fomentar a

desigualdade e a concentração da riqueza mediante a precarização da

relação de emprego, impõe ao mercado o chamado "dumping social",

ou seja, a concorrência desleal fundada no desrespeito à legislação

social. Recurso ordinário a que se nega provimento, neste ponto. 196

(grifo nosso)

195

Ibid 191. 196

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 15ª Região. Recurso Ordinário n. 711-2006-100-15-00-4 -

(36603/08). Relator Marcos da Silva Pôrto. Campinas, DOE 27.06.2008 - p. 72

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Ainda que seja fora da seara administrativa, eis que partiu do Judiciário, foi ratificado

através do Enunciado n. 4 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do

Trabalho, de que as questões de concorrência desleal geram danos indenizáveis à sociedade.

4 - “DUMPING SOCIAL” - DANO À SOCIEDADE - INDENIZAÇÃO

SUPLEMENTAR - As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos

trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática

desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do

próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida

perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping

social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-

la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito,

já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts.

186 , 187 e 927 do Código Civil . Encontra-se no art. 404, parágrafo único,

do Código Civil o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor

contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os arts. 652,

d , e 832, § 1º, da CLT .

(grifo nosso)

Souto Maior ao comentar o uso do trabalho precário como forma de violação dos

direitos de concorrência destacou que os efeitos se perpetuam não só em relação aos

trabalhadores, mas a todas as relações sociais:

As agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande

quantidade de pessoas, sendo que dessas agressões o empregador muitas

vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a

vários outros empregadores. Isso implica, portanto, dano a outros

empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a

legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da

mesma forma. Resultado: precarização completa das relações sociais, que se

baseiam na lógica do capitalismo de produção.197

Desta forma, não restam dúvidas na possibilidade de punição, por uso de concorrência

desleal, advinda da precarização do trabalho. Tal ilícito torna-se punível administrativamente,

com base nos arts. 37 e 38 da Lei n. 12.529/11.

2.9 DA EXPROPRIAÇÃO DA PROPRIEDADE PARTICULAR EM RAZÃO DO LABOR

ANÁLOGO AO ESCRAVO

Na forma dos preceitos constitucionais, o social é encarado como valor fundamental,

complementado o econômico. Salutar mencionar que em primeiro momento dignifica-se o

social para tão somente depois compreender os anseios do capital.

O direito de proteção à propriedade privada e a exigência da sua realização de função

social, compõem o rol do art. 5º da Lei maior, nos incisos XXII e XXIII. Todavia, admite-se,

os ditames normativos dos arts. 186, 182, §2º, além do art. 170, III, todos da Lei Máxima. 197

MAIOR, Jorge Luiz Souto. O dano social e sua reparação. Disponível em: <http://online.sintese.com>,

Acesso em: 16 mar 2012.

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96

Eros Grau198

salienta que a importância está em se destacar “a propriedade dotada de

função social da propriedade dotada de função individual”. Desta forma, ainda embasado no

art. 170 da Constituição de 1988, já aqui mencionado por vezes, têm-se o trabalho como um

valor, algo que constitui um direito fundamental, açambarcando a percepção constitucional da

função social da propriedade. O cidadão possui a posse de seu bem, a sua mão-de-obra, o seu

labor. Para que ocorra a tutela da posse, há a necessidade de se exercer a sua função social.

Conforme discorre Fredie Didier Jr199

, “só há direito de propriedade se este for

exercido de acordo com a sua função social”. Ademais, o artigo mencionado no parágrafo

anterior, aduz em seu caput, incisos II e III, entre outras coisas, que a ordem econômica deve

ser pautada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, de acordo com o princípio da

propriedade privada e de sua função social.

Inclusive o Ministro Eros Grau200

, elenca que ao tratar-se de função social deve-se

percebê-la somente em relação à propriedade privada, posto que a propriedade pública , por si

só, já possui função social.

Embora seja respeitado o direito privado da propriedade, na forma do texto

constitucional foi afastado o modelo liberal de direito absoluto e irrestrito à propriedade,

posto que esta deve proporcionar um bem-estar social, comum a todos os cidadãos. Corrobora

com esta afirmação Miraglia:

Embora promova o direito individual à propriedade privada, a Constituição

pátria afasta a concepção liberal de direito absulto da propriedade. Os

liberais consagravam a propriedade privada como objeto submetido ao uso,

gozo e proveito absolutos do proprietário, a quem cabia dar-lhe a destinação

que melhor se aprouvesse.

Dessa maneira, se, de um lado, reconhece e assegura o direito individual de

propriedade privada, de outro, o dispositivo constitucional limita seu direito

de utilização, a fim de garantir a propriedade como instrumento de

realização do bem-estar comum.201

Citado por Miraglia, Maurício Delgado ainda coloca que o princípio da função social

da propriedade espelha a Lei Maior no princpicio da dignidade da pessoa humana. Coloca o

exercício dos direitos individuais à propriedade sob “práticas e destinações do ser humano e

dos valores sociais e ambientais”:

É inconstitucional, para a Carta Máxima, a antítese “o lucro ou as pessoas”;

a livre-iniciativa e o lucro constitucionalmente reconhecidos – e, nessa 198

Ibid 132, p. 240-241. 199

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 4v. 4 ed.

Salvador: JusPodivm, 2009, p. 156. 200

Ibid 132, p. 101. 201

Ibid 26, p. 78.

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97

medida, protegidos – são aqueles que agreguem valor aos seres humanos, à

convivência e aos valores da sociedade, à higidez do meio ambiente geral,

inclusive o do trabalho. 202

É correto afirmar que a função social tem plena aplicação no direito do trabalho, tanto

no seu patamar individual, quanto no coletivo, eis que possuem caracteres objetivos, com

natureza contratual, vinculando as partes (empregado e empregador).

Para que se possa exercer a plena função social do contrato de emprego, devem ser

respeitados os direitos do trabalhador, visto como sujeito envolvido em relação negocial, tal

qual como cidadão, integrante do meio social, observado nos liames da dignidade da pessoa

humana.

As práticas negativas em relação ao trabalhador devem ser combatidas em todas as

fases, incluindo o momento pré-contratual (entrevistas, seleções). Ademais, deve a conduta

salutar do empregador, açambarcar a dignidade durante o pacto laboral, e também, quando da

sua extinção.

No patamar coletivo, para que se possa concretizar a função social do contrato de

emprego, há de se criar e cumprir normas que não violem direitos coletivos, que não afetem

negativamente sobre o grupo de trabalhadores, conforme elenca Souza:

A função social da convenção ou acordo coletivo deve ser retirada do

atendimento aos interesses de duas ordens de coletividade: primeiramente,

da integralidade da comunidade, observando-se todo o espaço nacional;

segundo, os próprios representados pelo sindicato. Com essa premissa,

aclara-se que a função social do contrato, ou da negociação coletiva, também

se apresenta pela contraposição entre valores coletivos e valores individuais

(ainda que “coletivizados” pelo sindicato) como fator da liberdade de

contratar. [...] Por efeito, o estabelecimento de cláusulas de convenções e

acordos coletivos, ainda que livremente firmadas entre entidades

representativas do capital e trabalho, mas contrárias aos interesses da

coletividade - representada ou não - não podem ser consideradas como

cumpridoras de sua função social.203

Ratifica Sandim que contemplação da observância dos direitos fundamentais do

trabalhador, certamente permeia o cumprimento da função social:

O respeito aos direitos humanos e fundamentais nas relações de trabalho,

como manifestação da almejada igualdade real, deve ser observado como

parâmetro a fim de que seja verificado o cumprimento da função social do

contrato de forma a preservar a dignidade da pessoa humana inerente ao

trabalhador.204

202

DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. E. ed. São Paulo:

LTr, 2004, p 189.

203 SOUZA, Rodrigo Trindade de. Função social do contrato de emprego. São Paulo: LTR, 2008, p. 167.

204 SANDIM, Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade. O bloco de constitucionalidade e os direitos humanos

nas relações de trabalho. Suplemento Trabalhista 032/09, São Paulo: LTr, 2009, p 45.

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A primeira norma que tratou da função social da propriedade foi o Estatuto da Terra,

na década de 60, em seu artigo 2º:

Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra,

condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.

§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função

social quando, simultaneamente:

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela

labutam, assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

c) assegura a conservação dos recursos naturais;

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de

trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

§ 2° É dever do Poder Público:

a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à

propriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões onde

habita, ou, quando as circunstâncias regionais, o aconselhem em zonas

previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentação desta Lei;

b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social,

estimulando planos para a sua racional utilização, promovendo a justa

remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da

produtividade e ao bem-estar coletivo.

§ 3º A todo agricultor assiste o direito de permanecer na terra que

cultive, dentro dos termos e limitações desta Lei, observadas sempre que for

o caso, as normas dos contratos de trabalho.[...]205

Neste diapasão propugna o Código Civil de 2002, em seus artigos mencionados

abaixo, onde se pode extrair a determinação para o cumprimento da princípio da função social

da propriedade:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da

função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do

contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e

o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou

detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas

finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas

205

BRASIL. Lei Nº 4.504, de 30 de Novembro de 1964. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm. Acesso em 12 nov 2012.

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naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem

como evitada a poluição do ar e das águas.

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos

antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis

anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a

vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver

sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de

ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a

função social da propriedade e dos contratos.206

O art. 421 é expresso ao contemplar a função social, muito embora não a conceitue. A

falta do conceito de função social torna alto o seu poder de abstração e subjetividade, o que dá

margens a diversas interpretações. Da mesma forma, o art. 422, que traz ideais

principiológicos, sem os definir.

Outrora, o parágrafo primeiro do art. 1228, do mesmo codex, coloca que a propriedade

privada não guarda para o seu detentor um direito absoluto, posto que limitado em razão do

mesmo ter que dar ao bem seu, destinação de bem-estar comum, coletivo, sem prejudicar

terceiros.

A função social certamente é matéria de ordem pública, e com a entrada em vigor do

novo codex civil, foi reconhecida como matéria principiológica, não podendo ser ignorada ou

afastada.

Como o Estado, por força constitucional, pode e deve regular e normatizar o “mundo

do ser”, torna-se primordial elencar a função social a todos os direitos de propriedade. E é

exatamente com este cerne que defende-se a expropriação da propriedade privada, por não

concretização da sua função social, toda vez que forem encontrados/resgatados trabalhadores

em situações análogas ao de escravo. Seria uma expropriação-sanção, cum dupla função: a

primeira punitiva e a segunda pedagógica, com o intuito de educar os empregadores a não

mais se utilizarem desta espécie de mão-de-obra. O fundamento jurídico positivo seriam os

parágrafos 1º, 2º e 3º do aludido art. 1228 do código civil:

[...]

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas

finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas

naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem

como evitada a poluição do ar e das águas.

206

Ibid 177.

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100

§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer

comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar

outrem.

§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação,

por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de

requisição, em caso de perigo público iminente.

Da mesma forma pensa Miraglia207

, quando aduz que seria possível a “expropriação e

a socialização da propriedade rural, com intuito de realizar o princípio da função social da

propriedade”. Fundamenta, a autora, no art. 184, caput, da Lei Máxima:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de

reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,

mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com

cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos,

a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em

lei.208

Na forma como constitucionalmente é estabelecida, a função social é aquela

desempenhada sobre os bens de produção, podendo haver a expropriação cada vez que

ocorrer o exedente da função individual dos direitos de propriedade, tal qual o labor análogo

ao de escravo. Miguel Reale coloca que a função social determina que o acordo laboral seja

sempre “concluído em benefício dos contratantes, sem conflito com o interesse público”209

.

Inclusive há um Projeto de Emenda Constitucional, registrado sob o código 57A/199

(ex-PEC 438/2001), que atualmente está em tramitação junto ao Congresso Nacional, para

normatizar a expropriação de glebas onde tenham trabalhadores em situações análogas a de

escravo. Tal projeto, de autoria do Senador Ademir Andrade, foi apresentado em 1999 e

aguarda designação plenária para discussão e votação. Tal projeto pretende dar nova redação

ao art. 243 da Constituição Federal:

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas

culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho

escravo serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas à

reforma agrária, com o assentamento prioritário aos colonos que já

trabalhavam na respectiva gleba, sem qualquer indenização ao

proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em

decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração

de trabalho escravo será confiscado e se reverterá, conforme o caso, em

benefício de instituições e pessoal especializado no tratamento e recuperação

de viciados, no assentamento dos colonos que foram escravizados, no

207

Ibid 26, p. 79-80. 208

Ibid 41.

209 REALE, Miguel. Função social do contrato. Disponível em:

<www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm >. Acesso em: 13 mar 2012.

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101

aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle e prevenção e

repressão ao crime de tráfico ou do trabalho escravo. 210

(grifo nosso)

Na verdade, o que pretende o projeto mencionado acima é positivar uma situação

concreta, já possível sob o prisma dos princípios e sobreprincípios constitucionais, como já

dito. A importância do projeto seria tão somente pôr fim nas teses positivistas, que somente

admitem o texto escrito da norma. Neste sentido, Sandim corroborou:

A interpretação sistemática e teleológica do Texto Constitucional, voltada

para a máxima concretização dos direitos fundamentais, mormente em

decorrência dos comandos contidos nos arts. 1º, III e IV ; 5º, XXIII, § 1º e §

2º ; 170, caput, III, VIII ; 186, II, III e IV ; e 193, caput , indica que o

cumprimento da função social da propriedade, seja rural ou urbana, exige o

respeito à legislação trabalhista.211

(grifo do autor)

O alcance da justiça social em relação à expropriação, como demonstrado acima já é

possível pela via constitucional, muito embora até a presente data seja desconhecido qualquer

julgamento/jurisprudência neste sentido. Certamente, a expropriação seria um modo eficaz de

concretização da erradicação do labor análogo ao de escravo, ou seja, seria um mecanismo

viável para manter os trabalhadores com as suas dignidades mantidas.

Há, também, houve um projeto de Lei, número 2.022, proposto pelo Deputado

Eduardo Jorge, que propõe a proibição de formalização de contratos com órgãos e entidades

da administração pública, inclusive sendo impeditivo para o processo licitatório, com

empresas que se utilizem do trabalho análogo ao de escravo, na produção de serviços e bens.

Tal projeto encontra-se arquivado, muito embora seja alvo de muitos pedidos de

desarquivamento, por vários outros Deputados.

No entanto, há que se ponderar ainda que a medida expropriatória se coaduna com os

ideais dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, tipificados no art. 3º da

Constituição Federal.

Com a perda motivada de glebas de terra, por exposição de trabalhadores ao labor

forçado há de se ter a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF).

Não resta a menor dúvida de que com a medida que ora se discute, a justiça, com

dupla função, seria concretizada. Haveria a punição do ofensor e também apresentaria a

sociedade uma forma pedagógica de tratar a questão, demonstrando para a população os

efeitos nocivos, também para o empregador, em decorrência da utilização do trabalho análogo

ao de escravo.

210

BRASIL. Projeto de Emenda Constitucional n. 438. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=36162>. Acesso em 13 mar 2012. 211

Ibid 204, p. 47.

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A expropriação faria certamente, a promoção do bem estar de todos, dando ao

trabalhador hipossuficiente condições de retomar a sua vida, com dignidade, com meios de

integração social, eis que com recursos disponíveis o trabalhador poderia buscar uma

qualificação profissional nova, ou um curso de reciclagem, para que não mais seja submetido

as condições desumanas de labor.

Um outro fundamental objetivo também seria alcançado, que é a possibilidade de

diminuir as desigualdades sociais, extirpação da marginalização e da pobreza. Diante da

pesquisa realizada, em especial no primeiro capítulo, verifica-se que a maior incidência de

labor forçado, degradante ocorre com a participação de obreiros de parcos recursos, que

acabam vindo de suas regiões de origem na busca imaginária, falaciosa, de conseguir mais e

maior renda.

Com a finalidade de desenvolvimento social, recolocação destes trabalhadores no

meio profissional, reconstrução da dignidade dos obreiros, é que se teria a justificativa para a

expropriação de terras por labor forçado.

Os objetivos constitucionais do art. 3º da Lei Máxima são auto-aplicáveis, funcionam

como diretrizes para a concepção do direito. Proporcionam ao jurista toda a possibilidade de

produção intelectual criativa, de forma que, como já dito, não há necessidade de norma

especial para fomentar e regulamentar a expropriação. Os objetivos são claros, bem como os

princípios dos arts. 1º e 170 da Constituição Federal, todos corroborando para o caminho da

justiça e da liberdade real. Neste sentido Barroso ratificou:

A judicialização e o ativismo são traços marcantes na paisagem jurídica

brasileira dos últimos anos. Embora próximos, são fenômenos distintos. A

judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de

controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem

que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma

de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do

Judiciário, mas sim do constituinte.

O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um

modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o

sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-

se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político

majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de

produzir consenso.212

Por isso, considerando todas as possibilidades interpretativas da Lei Magna, a escolha

do julgador, do intérprete da lei, devem sempre privilegiar os ideais constitucionais, de forma

a colocar o homem à frente do capital.

212

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em:

<http://theolucas.sites.uol.com.br/Direito/OficinaSTF/ativismojudicial_barroso.pdf>. Acesso em 10 abr 2012.

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2.9.1 Projeto de lei sobre trabalho análogo ao de escravo

Como já dito por algumas vezes, tramita no Congresso Nacional uma PEC, sob a nova

numeração 57A/199, eis que já tramitou sob o número 438/2001. Esta proposta visa alterar

conteúdo constitucional para positivar a possibilidade de expropriação de terras quando

encontrados trabalhadores em regime de analogia à escravidão.

O artigo que sofreria alteração seria o n. 243, com a inclusão expropriação não só de

imóveis rurais, mas também de urbanos. As terras seriam revertidas para a reforma agrária e

programas de habitação popular. Tal expropriação se daria sem qualquer indenização ao

proprietário, que ainda poderia ser levado a outras condenações, inclusive na seara criminal.

Uma Emenda Constitucional decorrem do trabalho do poder constituinte derivado

reformador, que segundo Lenza é a proposta “[...] através do qual se altera o trabalho do

poder constituinte originário, pelo acréscimo, modificação ou suspensão de

normas.[...]”213

Este poder constituinte é ilimitado, sofrendo consequências do fato jurídico

atual, ou seja, é uma das formas de se adequar a norma ao fato humano contemporâneo.

Por se tratar de proposta cuja alteração poderá alterar a Lei Máxima do país, são

muitos os requisitos para a sua iniciativa, aprovação e promulgação. A iniciativa, conforme o

art. 60, I, II e III da CF é privativa e concorrente, podendo partir somente:

de 1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do

Senado Federal;

do Presidente da República;

de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da

Federação, manifestando-se, cada uma delas pela maioria relativa de seus

membros.214

A aprovação, conforme art. 60, parágrafo 2º da CF, se dará após discussão e votação,

em dois turnos, em cada Casa do Congresso Nacional. A aprovação somente poderá ocorrer

com o voto positivo de 3/5 dos respectivos membros de cada Casa. Salienta Lenza, que este

quorum é diferente para as demais espécies normativas:

Diferente é o processo legislativo de formação de lei complementar e

ordinária, que deverá ser discutido e votado em um único turno de votação

(art. 65, caput), tendo por quorum a maioria absoluta (art. 69) e maioria

relativa (art. 47), respectivamente.215

A proposta de emenda também sofre imposição quanto a sua promulgação, eis que o

art. 60, parágrafo 3º da CF, determina que seja realizada pelas Mesas da Câmara dos

213

Ibid 121, p. 360. 214

Ibid 121, p. 361. 215

Ibid 121, p. 361.

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Deputados e do Senado Federal, com respectivo número de ordem.216

Não existe sanção ou

veto presidencial.

Com relação a “PEC do Trabalho Escravo”, como foi apelidada, esta traz em seu bojo

uma série de questões. A primeira é que não se conhece, de forma positiva, no Brasil, os

requisitos para a caracterização de empregado em condições análogas a de escravo. Assim,

ficará a cargo do legislador infraconstitucional tal conceituação. Observe-se que para a

aprovação de uma norma infraconstitucional não existem todas as formalidades do processo

legislativo de uma proposta de emenda constitucional, o que dá margem a facilitações para

interesses políticos específicos.

A questão mais importante que é a definição de trabalho análogo ao de escravo, na

PEC não foi tratada. A segunda questão é que tal emenda, caso seja aprovada, por si só não

terá eficácia, eis que necessitará de uma norma regulamentadora para normatizar todo o

processo de expropriação, o que poderá trazer insegurança jurídica, pois pode demorar anos

para ocorrer.

De toda sorte, como já mencionado no item acima, o que se coloca neste trabalho é a

desnecessidade de qualquer norma positiva para que a expropriação seja feita. Não se trata de

uma oposição a PEC do Trabalho Escravo, mas uma visão fundamentada, no sentido de que

com as normas constitucionais vigentes já é possível a aplicação desta medida, assim como

tantas outras, somente com base na função social da propriedade.

2.10 TUTELA PENAL

O Direito penal tem a finalidade de proteção ao bem jurídico mais importante, à vida

do cidadão, assim compreendido com a sua integridade física e moral. As condenações

criminais objetivam, assim como a responsabilidade civil, a formalização de duplo efeito: a

condição punitiva e pedagógica. Deve-se punir o infrator, dando uma resposta à sociedade

pelo mal perpetrado pelo infrator, bem como evitar que outros cidadãos venham a realizar a

mesma atividade.

Em aplicação ao tema deste trabalho, o empregador escravizador pode ter sua conduta

enquadrada em três crimes, em concurso, ou em apenas um, ou dois isoladamente.

Tanto as cominações legais penais, estão contempladas no Código Penal, Decreto-Lei

nº 2.848/40, com as previsões punitivas e reconhecimento de crime quanto à redução a

condição análoga à de escravo, a frustração de direito assegurado por lei trabalhista e o

216

Ibid 121, p. 361.

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aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional, conforme

esclarecimentos nos itens abaixo.

2.10.1 Crime de redução a condição análoga à de escravo

O código penal, através de alteração da Lei n. 10.803/03, foi modificado para trazer ao

texto legal tal intenção:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer

submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o

a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio,

sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à

violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,

com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de

documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no

local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”. 217

Antes da alteração, havia no mundo jurídico uma norma penal em branco ou também

denominado tipo penal em aberto, eis que o texto original “Reduzir alguém a condição

análoga à de escravo. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos”, não trazia a tipificação exata

da conduta antijurídica.

Em razão da imprecisão do texto legal, cuja interpretação era controvertida, houve

severa contribuição para a não punibilidade dos infratores, corroborando com a impunidade

para este tipo de delito.

Já a nova redação legal não deixa margem à interpretações equivocadas quanto à

pretensão do legislador, eis que este cuidou em explicitar a conduta antijurídica, bem como

trouxe com precisão o teor punitivo. No entanto, importante frisar que a Lei nova não criou

nova conduta incriminadora, mas apenas conferiu nova redação ao dispositivo que já

repudiava criminalmente a prática de redução de trabalhados forçados.

Quanto à competência, tem-se as Varas Criminais, no âmbito da Justiça estadual, e as

Varas Federais quanto ultrapassar os limites de um único estado ou região. O entendimento do

STJ é este:

AGRAVO REGIMENTAL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - CRIME

DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO -

217

Ibid 41.

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COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - APLICAÇÃO DO

ENUNCIADO DA SÚMULA 122, DESTA CORTE - RECURSO

DESPROVIDO - I- Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de

redução a condição análoga à de escravo, pois qualquer violação ao homem

trabalhador e ao sistema de órgãos e instituições que preservam,

coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores enquadra-se na

categoria de crime contra a organização do trabalho, desde que praticada no

contexto da relação de trabalho. II- Acerca das demais imputações

formuladas cuja competência para apuração é da Justiça Estadual, incide o

enunciado da Súmula 122, desta Corte. III- A insurgência do agravante

traduz mero inconformismo com a declaração de competência da Justiça

Federal, o que não pode ensejar o conhecimento do recurso. IV- Agravo

regimental desprovido. 218

E mais detalhadamente, delimitando as competências estadual e federal:

CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO - REDUÇÃO A

CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO/FRUSTRAÇÃO DE DIREITO

ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA - COMPETÊNCIA

(FEDERAL/ESTADUAL) - 1. A competência é federal quando se trata de

ofensa ao sistema "de órgãos e instituições que preservam coletivamente os

direitos do trabalho". 2. Na hipótese, porém, de ofensa endereçada a

trabalhadores individualmente considerados, a competência é estadual. 3.

Precedentes do STJ. 4. Caso de competência estadual. 5. Recurso ordinário

provido (ordem concedida), declarados nulos somente os atos decisórios. 219

Portanto, é plenamente aplicável e está em vigente uso o novo dispositivo, apto a punir

os ilicitantes de labor análogo ao de escravo.

2.10.2 Crime de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional

O Código Penal traz, também, a tipificação do ilícito penal denominado aliciamento de

trabalhadores de um local para outro do território nacional.

Conforme dito, por várias vezes neste trabalho, os empregados colocados à labor

forçado são aliciados por pessoas vulgarmente conhecidos pela gíria “gatos”, que se prestam a

angariar trabalhadores para a submissão ao labor degradante.

Diz o Código Penal:

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra

localidade do território nacional:

Pena - detenção de um a três anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade

de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou

cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar

condições do seu retorno ao local de origem.

218

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimenal n. 105.026 - (2009/0081893-2). Relator Min.

Gilson Dipp. Brasília, DJe 21.02.2011, p. 938 219

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 200400221912. Relator Min. Nilson Naves.

Brasília, DJU 22.05.2006, p. 00249.

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§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de

dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou

mental”.220

Conforme se depreende do texto legal, algumas observações devem ser feitas:

a) para a configuração da conduta ilícita, os aliciadores devem exercer esta prática como

ofício ou mister;

b) tendo em vista a expressão “trabalhadores”, para ocorrer a subsunção quanto ao tipo penal,

devem estar em no mínimo dois;

c) deve haver a finalidade de transferir trabalhadores de locais afastados entre si;

d) deve ocorrer o objetivo de fraude ou cobrança de qualquer valor do trabalhador, ou ainda,

nunca garantir condições de retorno ao seu local de origem em caso de insucesso da tentativa

de labor;

Já para este crime, a competência é da justiça estadual, a princípio, passando a ser da

justiça federal caso haja reflexos observados coletivamente:

PENAL - PROCESSO PENAL - HABEAS CORPUS - ALICIAMENTO

DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO

TERRITÓRIO NACIONAL (ART. 207, CP ) - COMPETÊNCIA -

AUSÊNCIA DE INTERESSE ESPECÍFICO DA UNIÃO -

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - CONFLITO

NEGATIVO SUSCITADO - 1. O crime de aliciamento de trabalhadores de

um local para outro do território nacional só justificam a competência da

Justiça Federal se a respectiva conduta afetar coletivamente as instituições

trabalhistas. 2. Competência da Justiça Estadual. 3. Conflito negativo de

competência suscitado. Remessa ao Superior Tribunal de Justiça221

.

(grifo do autor)

PENAL E PROCESSUAL PENAL - REDUÇÃO À CONDIÇÃO

ANÁLOGA DE ESCRAVO, FRUSTRAÇÃO DE DIREITOS

ASSEGURADOS POR LEI TRABALHISTA E ALICIAMENTO DE

TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO

TERRITÓRIO NACIONAL - COMPETÊNCIA - I - Não se tratando de

crime contra a organização do trabalho, mas sim, contra determinados

trabalhadores, não é competente a Justiça Federal. Precedentes. II - Recurso

desprovido. 222

(grifo do autor)

De toda sorte verifica-se que quando à denúncia para esta prática de delito, há os

outros crimes aqui mencionados em concurso, quando não a colocação de mais um tipo penal:

formação de quadrilha.

220

Ibid 47. 221

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. Habeas Corpus n. 200501000152212. Relator Des. Fed.

Carlos Olavo. Brasília, DJU 18.05.2005, p. 19 222

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. TRF-1ª R. Recurso n. 200439010013689. Relator Des. Fed.

Cândido Ribeiro. Brasília, DJU 26.08.2005, p. 16

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2.10.3 Crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista

O crime de frustração do direito assegurado pela lei trabalhista, encontra-se tipificado

nos termos do art. 203 do Código Penal:

Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela

legislação do trabalho:

Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena

correspondente à violência.

§ 1º Na mesma pena incorre quem:

I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado

estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de

dívida;

II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante

coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de

dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou

mental.223

Conforme se verifica no caput do dispositivo, trata-se de norma penal em branco, eis

que os direitos trabalhistas eventualmente violados encontram-se na Lei Maior, na CLT e

demais legislações específicas.

A violência é exclusivamente física ou mediante fraude, sendo excluída a ameaça,

ainda que realizada na sua forma grave.

Para sanar as eventuais lacunas no texto original, houve a necessidade de cominar esta

conduta atípica e antijurídica com nova Lei, que acresceu o parágrafo primeiro do dispositivo

ora mencionado, eis que passa a integrar a ilicitude de constrangimento por dívida,

exatamente como o empregador escravizador faz para manter os empregados em seu domínio,

ou seja, trata-se do cárcere privado por dívidas.

Da mesma forma do delito penal comentado em item acima, a conduta é de

competência da justiça estadual:

PENAL E PROCESSUAL PENAL - FRUSTRAÇÃO DE DIREITOS

ASSEGURADOS POR LEI TRABALHISTA - COMPETÊNCIA - I - Não

se tratando de crime contra a organização do trabalho, mas, sim, contra

determinados trabalhadores, não é competente a Justiça Federal.

Precedentes. II - Recurso desprovido. 224

223

Ibid 41. 224

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. Recurso n. 2002.40.00.001613-3. Relatora Desª Fed.

Cândido Ribeiro. Brasília, DJ 17.08.2007.

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2.11 DA POSSIBILIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA

Os produtos postos ao mercado dificilmente tiveram um trajeto direto entre o único

produtor primário de matéria-prima e o consumidor. Ao longo da construção dos insumos os

esforços de vários produtores, prestadores de serviços, comerciantes, foram sendo somados,

bem como as mãos-de-obra daqueles que labutaram nas fases da construção do bem.

A cadeia produtiva, ou cadeia de valor, é o aglutinamento de todas as fases por quais

passou o produto até que chegasse nas mãos de quem o vai consumir. Percorre toda a história

de fabricação e disposição do produto.

Ilustração 08: Modelo de Cadeia de Relacionamento

Fonte: WOOD JR., T., ZUFFO, P. K. Supply chain management: uma abordagem estratégica para a

logística. Anais do 21o ENANPAD. Rio das Pedras, Brasil, 1997.

É através desta cadeia que, considerando um modelo teórico, é narrado todo o

desenvolvimento das atividades de certa empresa. De fato, uma cadeia de valor congloba

inúmeros elos de formação de um processo econômico, começando com a designação da

matéria-prima e terminando com a distribuição do produto. A cada elo somado existe um

valor agregado, que pode ser considerado como o custo da produção mais margem de lucro.

A este passo o preço vai sendo formado, e certamente com a diminuição dos custos da

produção e do lucro pretendido, tornam o produto mais competitivo. No entanto, nem sempre

os anseios do capital corroboram com a diminuição da margem de lucro, pretendendo-se

diminuir tão somente os custos de produção. É almejada a busca de eficiência da cadeia de

valor no intuito de otimização dos recursos, uma vez que com o detalhamento da mesma, o

capitalista pode majorar a margem de lucro através da diferença constante entre o valor de

FONTES FABRICANTE VAREJISTAS

DISTRIBUIDORES CONSUMIDORES

FORNECEDORES

FLUXO DE PRODUTOS E/OU SERVIÇOS

FLUXO DE INFORMAÇÃO

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distribuição do produto e o custo da produção. Há, neste caso, uma análise na busca de se

atingir uma vantagem estratégica, uma vez que é presente a hipótese de formulação de

propostas de preço únicas nos mercados.

Uma cadeia é composta por dois subsistemas de valor, sendo divididas as atividades

em primárias e de apoio. As primárias estão correlacionadas com os custos para a criação

física do produto e respectivo transporte ao destinatário. As atividades de apoio são formadas

para dar suporte as primárias, sempre através dos recursos humanos.

O conhecimento da origem e de todo o trajeto do bem, dá ao consumidor a

possibilidade de verificar e conhecer se em algum momento houve, ou não, a utilização de

mão-de-obra forçada, que é o foco deste estudo, além de outras informações como a qualidade

da matéria-prima, origem, etc. São nas atividades de apoio que o labor forçado ocorre.

Dificilmente pode-se perceber/noticiar a utilização de labor análogo ao de escravo

envolvendo grandes montadoras, frigoríficos, distribuidoras de combustível, redes de fast-

food. No entanto, não é esta a realidade, eis que sempre na busca de menores preços de custo,

os empresários acabam por adquirir insumos advindos de fornecedores que se utilizam do

labor forçado, de forma a colocar os anseios do capital à frente da dignidade humana. Há de

se ter responsabilidade social até mesmo na compra do produto:

[...] A responsabilidade social deve ter uma abordagem baseada no

entendimento de que as atividades logísticas são altamente interdependentes

e operam segundo a teoria de sistemas, onde a otimização das partes não

significa necessariamente a otimização do todo. O produto só será

legitimado como socialmente responsável pelo consumidor final, devendo,

portanto, todo o ciclo produtivo ser construído de forma sustentável para que

atinja tal objetivo[...].

[...]Não basta o fabricante almejar e implementar políticas e diretrizes

internas, para conseguir excelência em responsabilidade social. A prática

deve se estender aos fornecedores, distribuidores e varejistas, evitando ações

precárias e muitas vezes predatórias em questões ligadas ao social. Caso

contrário, devido ao contexto sistêmico, a empresa produtora corre o risco de

ser penalizada com a perda de uma boa imagem corporativa e de

competitividade devido à ineficiência da cadeia produtiva em que está

inserida, por mais socialmente correta que ela seja.[...]225

Observe-se que o grande empresário não usa diretamente a mão-de-obra degradante,

ele adquire matéria-prima, usa serviços, de outros empresários que escravizam pessoas por

força de seu labor. Desta feita, o empresário maior, com maior poder aquisitivo, que não raras

às vezes acaba por dar o “nome” ao produto/serviço, usa indiretamente o labor forçado. Mas,

225 ALIGLERI, Lilian. Responsabilidade Social na Cadeia Logística: Uma Visão Integrada para o Incremento

da Competitividade. Disponível em: www.ethos.org.br/docs/comunidade.../140_lilian_aligleri.doc>. Acesso em

22.05.2012.

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nem por isso deixa de ser maior possibilidade de lucro, em decorrência da diminuição dos

custos da produção, por violar direitos trabalhistas e princípios constitucionais.

São vários os casos, noticiados pela ONG Repórter Brasil226

, como por exemplo:

a) As empresas Petrobras, Shell, Texaco, Ipiranga, Total e PDV do Brasil adquiram em 2004,

o etanol advindo da Destilaria Gameleira, que durante os anos de 2001 a 2008 integrava a

“lista suja” do Ministério do Trabalho e Emprego, em decorrência de labor forçado perpetrado

em 318 cortadores de cana resgatados;

b) As empresas Carrefour, McDonald’s, Walmart e Pão de Açúcar adquiriam carne, no ano de

2007, do frigorífico Marfring. Tal frigorífico recebeu os animais de Antenor Duarte do Valle

e Renato Bernardes Filgueiras, que integravam a “lista suja” no mesmo ano;

c) A empresa Metalsider, durante os anos de 2009 e 2012, foi identificada como cliente de AS

Carvão e Logística, que utilizava-se, na siderurgia, de mão-de-obra análoga à de escravo. A

Metalsider realizou negócios com a Teksid do Brasil (Grupo Fiat), que é fornecedora de

autopeças para a própria Fiat, além da Ford, Toyota, Volkswagen e Honda;

d) Os fazendeiros Fernando Ribas Taques e Leandro Mussi, no ano de 2007, enquanto

estavam na “lista suja”, venderam soja para a empresa Bunge. Esta última fabricou

margarinas e azeites para marcas como Delícia, Primor, Soya, Cyclus e Salada.

e) A empresa Tobasa Bioindustrial de Babaçu S/A, no ano de 2004, vendeu babaçu para a

Química Amparo, fabricante dos produtos de limpeza da marca Ypê.

Conforme se verifica, na ponta das cadeias encontram-se empresas grandes, de alto

nome, comercializadoras e fabricantes de marcas importantes. Já na outra extremidade estão

os fazendeiros, usineiros.

Neste caminho percorrido, todo o desejo dos empresários é de minimizar custos de

produção, até mesmo para que o produto possa ficar atrativo às leis do mercado. Com isso,

direitos vão sendo suprimidos, especialmente os trabalhistas, como já dito.

Compreendendo a cadeia produtiva como sendo um grupo econômico, na forma do

art. 2º, parágrafo 2º, da CLT, todas as empresas seriam solidariamente responsáveis para os

efeitos da relação de emprego:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,

assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a

prestação pessoal de serviço.

§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de

emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as

226

Ibid 54.

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associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que

admitirem trabalhadores como empregados.

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,

personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou

administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de

qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de

emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das

subordinadas.227

(grifo nosso)

Ainda que cada empresário tenha personalidade distinta dos outros, todos podem

responder às lides trabalhistas envolvendo qualquer violação trabalhista na cadeia produtiva.

Conforme conceitua Cassar, existe um grupo econômico por coordenação, quando

ocorrer a reunião de interesses para a execução de determinado empreendimento “[...]tendo,

ou não o mesmo controle ou administração comum.[...]”228

. E continua:

Em outras palavras, o grupo por coordenação é aquele em que não há

controle nem administração de uma empresa por outra, mas sim uma reunião

de empresas regidas por uma unidade de objetivos.

[...] Todavia, a realidade tem nos mostrado que os grupos econômicos

horizontais muitas vezes não têm qualquer contrato de consórcio entre si,

apesar de regidos por um objetivo comum e pela reunião de interesses, e de

aparentarem verdadeiro consórcio. Logo, é possível, na prática, a existência

de grupos horizontais (e até verticais) em sociedades civis ou limitadas, sem

qualquer contrato de consórcio entre as pessoas jurídicas.”229

Admitindo esta tese, seria possível responsabilizar qualquer empresário que tenha

participado da cadeia produtiva, ainda que não trabalhe com exclusividade para o grupo, posto

que esta exigência sequer foi mencionada na doutrina e na jurisprudência. Há sim, a

necessidade de concentração econômica para objetivo comum.

A CARACTERIZAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO OU DE EMPRESAS,

NO DIREITO DO TRABALHO, PASSA POR EVOLUÇÃO

INTERPRETATIVA - Não mais se pode fazer a leitura restritiva do artigo

2º, § 2º, da CLT, tendo em vista que o fenômeno da globalização trouxe

diversas formas distintas de associação de empresas e de concentração

econômica. 230

(grifo do autor)

Nem mesmo a necessidade de se comprovar, ou até mesmo de existir laços

hierárquicos é exigência para a caracterização de grupo de empresas:

GRUPO ECONÔMICO - CARACTERIZAÇÃO - A caracterização de

grupo econômico, previsto no §2º do artigo 2º da CLT , não exige

formalidades legais. Para ser reconhecida, basta que o juiz constate a

existência de uma situação fática que se enquadre nas condições da norma

227

Ibid 24. 228

Ibid 23, p. 234. 229

Ibid 23, p. 235. 230

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 2ª Região. Embargos de Terceiros n. 01717-2007-034-02-00-0.

Relatora Juíza Maria de Lourdes Antonio, São Paulo, DOE 25.11.2008.

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em questão, colhendo da prova a existência de relação de hierarquia, isto é,

uma empresa ou pessoa física controlando as demais, ou mesmo, dentro do

conceito moderno de grupo econômico, a existência de uma simples

relação horizontal de coordenação entre as empresas componentes do

grupo, isto é, ainda que inexistam laços hierárquicos de comando entre

elas, sendo esta última a hipótese dos autos. 231

(grifo do autor) (grifo nosso)

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - GRUPO ECONÔMICO - Da

leitura do art. 2º, parágrafo 2º, da CLT , conclui-se que é suficiente para a

caracterização de grupo econômico a presença de relação de coordenação

entre as diversas empresas. Existindo indícios que comprovam a

comunhão de interesses entre as reclamadas, resta configurado o grupo

econômico. No caso, há prova documental confirmando a alternância entre

os sócios nas empresas JUAL PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS E OBRAS

LTDA, MARVIM SERVIÇOS E OBRAS LTDA, MARVIM SEGURANÇA

PATRIMONIAL LTDA, METROSEG METROPOLITANA SEGURANÇA

PATRIMONIAL LTDA, MS SERVIÇOS TERCEIRIZADOS DE MÃO DE

OBRA LTDA, MARVIM PRODUTOS AGROPECUÁRIOS LTDA e

TERCOPAV TERRAPLANAGEM, CONSTRUÇÕES E

PAVIMENTAÇÃO LTDA., não havendo necessidade de que as empresas

tenham o mesmo objeto/atividade para a configuração de grupo

econômico. Consequentemente, evidenciada a responsabilidade solidária da

empresa recorrente. Mantenho.232

(grifo do autor) (grifo nosso)

No entanto, não se pode deixar de mencionar que ainda existe corrente doutrinária

majoritária em sentido contrário, almejando a expressa necessidade de hierarquia e

administração comum no fito de configuração do grupo de empresas:

RECURSO DE REVISTA - CARACTERIZAÇÃO DE GRUPO

ECONÔMICO - FATOS E PROVAS - NÃO CONHECIMENTO - O

Regional registrou que o reconhecimento de grupo econômico decorreu não

apenas do reconhecimento da identidade do quadro societário entre as

empresas reclamadas, como também pelo fato de todas elas se encontrarem

vinculadas ao mesmo ramo de atividade econômica. Some-se a isso o fato

indicado pela testemunha ouvida em juízo, de que a prestação de serviços

ocorreu junto a todas as empresas reclamadas. O Recurso de Revista não

logra conhecimento ante os termos das Súmulas 126 e 221, II, desta col.

Corte julgadora. Revista não conhecida. 233

(grifo do autor) (grifo nosso)

Esta, também é a posição de Russomano:

Alude-se a formação de consórcio empresarial, apenas, quando existe dentro

do grupo uma hierarquização, de modo que a empresa líder exerça, como

empresa principal - direta ou indiretamente - a administração, o controle ou a

direção das empresas secundárias ou lideradas. Essa é a forma tradicional do

consórcio. Mas, podemos admitir que o grupo econômico se constitua e atue

de modo diverso: sem a existência da empresa líder e empresas lideradas,

todas elas dispostas, horizontalmente, no mesmo plano, exercendo

231

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª Região. Recurso Ordinário n. 703/2009-140-03-00.5. Relator

Juiz Conv. Danilo Siqueira de C. Faria. Minas Gerais, DJe 16.11.2009, p. 48. 232

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 2ª Região. Embargos de terceiros n. 00025-2010-482-02-00-6 -

(20100986824). Relatora Juíza Marta Casadei Momezzo, São Paulo, DOE/SP 06.10.2010 233

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 571/2000-431-02-00.7. Relator Minª Maria

de Assis Calsing, Brasília, DJe 10.02.2012, p. 486

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reciprocamente entre si controle ou vigilância e participando todas de um

empreendimento global.234

Admitindo-se os integrantes da cadeia produtiva como sendo grupo econômico ou de

empresas, a responsabilidade solidária pode trazer benefícios ao empregado resgatado em

decorrência de labor forçado, eis que, como demonstrado, no fim da cadeia sempre há um

grande empresário.

Voltando-se para a Lei Maior, tem-se que a dignidade do trabalhador é algo que não

pode ser obstado, como já dito no capítulo anterior. Consoante que a contrapartida da

disposição de mão-de-obra é o oferecimento de labor e salário, tem-se que ao empregador é

obrigatória a observância dos preceitos constitucionais.

As relações de emprego devem estar pautadas em condições dignas para a o

empregado, de forma que qualquer violação das mesmas, coloca-se em risco os objetivos da

Constituição Federal, tratados no art. 3º, especialmente a garantia do bem-estar.

O labor degradante, forçado, é uma ofensa à dignidade da pessoa humana

trabalhadora, e também, como já dito em item anterior, a Declaração Universal de Direitos

Humanos, que resumidamente elenca hipóteses desta espécie criminosa de labor:

a) Submissão ou sujeição ao labor degradante;

b) Labor com restrição de liberdades de locomoção, com a finalidade de retenção ao local

laborativo;

c) Vinculação do trabalhador ao empregador por dívidas contraídas com este;

d) Manutenção de vigilância contínua e ostensiva aos postos de trabalho, com a retenção de

documentos e pertences pessoais do empregado.

Com isso, é possível afirmar que se um agente econômico, integrante da cadeia

produtiva contrata e adquire relações comerciais com outro empresário que explora os seus

trabalhadores, está certamente sendo beneficiado com a diminuição indevida dos custos da

produção, violando as hipóteses acima descritas.

Esta prática maléfica somente existe em razão de permanecer no mercado um agente

violador de direitos essenciais do homem. Há um benefício direto para todos os que compõe a

cadeia produtiva, pois conseguiram vender/transportar o produto de forma menos onerosa

para a fase seguinte da produção. Desta feita, observa-se que o benefício econômico é

auferido pelos seguintes agentes econômicos.

De fato, há uma majoração da margem de lucro indevida, pautada em atividade ilícita.

E é neste diapasão que corrobora o Código Civil brasileiro, ao elencar nos seus artigos 186 e

234

RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Konfino, 1972, p. 37.

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927, que aquele que cometer ato ilícito, tem a obrigação de reparação. E ainda conglobam os

ditames do art. 187, que aduz que é considerado igualmente ato ilícito quando um agente ao

exercer um ato, o faz excedendo os limites impostos pelos seus fins econômicos e sociais. A

violação dos fins econômicos já foram demonstrados, pela lucratividade ilícita da cadeia

produtiva. O abuso dos fins sociais restam explícitos pelas normas citadas, especialmente pela

Declaração Universal dos Direitos do Homem.

É do parágrafo único do artigo 927 que advém a possibilidade de objetivamente

responsabilizar o empregador por gerar danos aos seus empregados, desde que desenvolva

atividades que impliquem em riscos para direitos de outrem.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,

fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de

culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem.235

É assim que também, entende a melhor jurisprudência:

ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

E PATRIMONIAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR

- 1- O novo Código Civil Brasileiro manteve, como regra, a teoria da

responsabilidade civil subjetiva, calcada na culpa. Inovando, porém, em

relação ao Código Civil de 1916 , ampliou as hipóteses de responsabilidade

civil objetiva, acrescendo aquela fundada no risco da atividade empresarial,

consoante previsão inserta no parágrafo único do artigo 927. Tal acréscimo

apenas veio a coroar o entendimento de que os danos sofridos pelo

trabalhador decorrentes de acidente do trabalho conduzem à

responsabilidade objetiva do empregador. 2- Na presente hipótese, além de

configurado o exercício de atividade de risco - Circunstância apta a ensejar a

responsabilidade objetiva do empregador - , resulta caracterizada a culpa por

omissão, decorrente da não observância do dever geral de cautela, visto que

comprovado que a reclamada não providenciou o adequado treinamento do

obreiro, nem o orientou ou fiscalizou a efetiva prestação dos serviços,

visando a prevenir a ocorrência de acidente do trabalho. 3- Recurso de

revista conhecido e provido. 236

É desta forma que pode-se realizar a subsunção da norma ao caso concreto, ora

estudado, eis que conforme demonstrado, são nas atividades de pecuária, lavoura,

sucroalcooleiras, fabricação têxtil, construção civil, que o labor forçado mais se consolida.

Por si só, tais atividades, pelas suas naturezas são consideradas como de risco, eis que expõe o

trabalhador em riscos para com a sua saúde e vida: há exposição excessiva ao calor, aos raios

solares, as pestes, uso de materiais químicos, entre outros.

235

Ibid 177. 236

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 1723/2007-011-12-00.9. Relator Min. Lelio

Bentes Corrêa. Brasília, DJe 03.04.2012, p. 441.

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Na aplicação da teoria da responsabilidade trabalhista objetiva, também conhecida por

doutrina do risco, tem-se que todos que tenham concorrido na cadeia produtiva, direta ou

indiretamente, para a obtenção de acumulação de capital (lucro), devem responder pelas

dívidas trabalhistas independentemente de culpa ou dolo e ainda que não possuam vínculo de

emprego direto com os empregados de qualquer das demais empresas envolvidas.

É o mesmo que dizer que em caso de encontrar-se empregados labutando

forçadamente em qualquer das empresas componentes da mesma cadeia produtiva, todas estas

seriam solidariamente responsáveis pelo fato, e da mesma maneira pelas ações indenizatórias

advindas da questão. O fundamento para Varela237

é que todos que criaram ou mantiveram o

risco em proveito próprio, devem suportar as consequências prejudiciais, eis que da atividade

produtiva que também foi colhido o principal benefício: o lucro.

Compreende-se então ser cabível a responsabilização de toda cadeia produtiva tanto

pela lucratividade majorada ilicitamente bem como pela simples aplicação da teoria da

responsabilidade objetiva, comentada acima.

237

VARELLA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 7. ed. v. 2. Coimbra: Almedina, 2000, p. 633.

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3 AÇÕES DE COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO

BRASIL

Como já esclarecido nos capítulos acima, para que haja a efetiva erradicação do labor

escravizador, é necessária a articulação de várias ações, com a participação de diversos

agentes.

Trazer a efetividade para os implementos das ações, que serão descritas abaixo, é o

maior desafio para o Administrador Público, bem como para toda a sociedade.

Sem a efetividade dos ideais narrados abaixo, o trabalho forçado não será banido, em

definitivo, nos patamares nacional e internacional. Comentando sobre a efetividade dos

direitos fundamentais, Leite escreveu:

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também chamada de

eficácia dos direitos fundamentais entre terceiros ou de eficácia dos direitos

fundamentais nas relações privadas, decorre do reconhecimento de que as

desigualdades estruturantes não se situam apenas na relação entre o Estado e

os particulares, como, também, entre os próprios particulares, o que passa a

empolgar um novo pensar dos estudiosos da ciência jurídica a respeito da

aplicabilidade dos direitos fundamentais no âmbito das relações entre os

particulares.238

A certeza existente é que tanto o Direito quanto o Estado, através de seus

representantes, nos mais diversos setores/poderes devem atuar em conjunto na busca da

consecução do objetivo comum:

O Estado e o Direito assumem novas funções promocionais e se consolida o

entendimento de que os direitos fundamentais não devem limitar o seu raio

de ação às relações políticas, entre governantes e governados, incidindo

também em outros campos, como o mercado, as relações de trabalho e a

família.239

Neste diapasão é que são planejadas e construídas as ações comentadas nos itens

abaixo. Interessante o que Schneider escreveu em sua obra, conjecturando que se o Estado

proibiu a autotutela privada, uma vez que lhe pertence o monopólio jurídico, este passou a ter

o dever de prestar uma atuação jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva240

.

A busca incessante pelo acesso à justiça permeia não só o promoção ao Judiciário, mas

deve constituir reclames de outras áreas, como, por exemplo, a filosofia, a sociologia, o

serviço social, entre outros o acesso à justiça não é um movimento restrito unicamente ao

denominado “mundo do Direito”, pois se encontra em constante diálogo com várias outras

238

LEITE, Carlos Henrique Bezerra Leite. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais na relação de emprego.

Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 15 mar 2012. 239

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

78. 240

SCHNAIDER. Gustavo Henrique. Tempo do processo civil e direitos fundamentais. São Paulo: Letras

Jurídicas, 2010, p. 109.

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áreas do conhecimento, como a Sociologia, a Economia e etc. Tem-se presente, portanto, a

existência de uma preocupação pluralista.

E o assunto tratado neste trabalho não é, e nem poderia ser diferente, da postura

pluralista do acesso à justiça, eis que as ações de combate ao trabalho forçado, análogo ao de

escravo, permeiam atos do Ministério Público, Executivo, Judiciário, Sindicatos e sociedade

civil.

3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE AO LABOR ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

As políticas públicas voltadas à erradicação do trabalho forçado devem focar seus

projetos inicialmente não só na proteção e conhecimento da pessoa do trabalhador. O fruto do

trabalho traz efeitos maléficos ou benéficos ao grupo familiar, considerando que o labor tem

natureza de subsistência. Nesta baila, deve-se observar as relações familiares, os vínculos

existentes, bem como a posição do trabalhador no seio familiar.

De acordo com o Relatório da OIT, publicado em 2011, na cidade de Brasília,

denominado “Perfil dos Principais Atores Envolvidos no Trabalho Escravo Rural do

Brasil”241

, foi perguntados aos trabalhadores quais seriam as suas aspirações. Os dados foram

tabulados no relatório:

Ilustração 09: Gráfico de Aspirações e Projetos de vida dos Atores Envolvidos no Trabalho Escravo

Rural do Brasil

Fonte: Relatório da OIT, 2011.

241

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Perfil dos Principais Atores Envolvidos no

Trabalho Escravo Rural do Brasil. Disponível em:

<http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/forced_labour/doc/perfil_completo_624.pdf>. Acesso em 16 mar

2012.

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Analisando o teor dos dados, pode-se perceber que o trabalho fica em segundo lugar,

ocupando a primeira posição a moradia e a família. No entanto, uma consideração não pode

faltar: para manter a família e ter moradia, o cidadão precisa do trabalho, eis que deste advém

a verba de natureza alimentícia.

Conforme posição da OIT, ainda que seja amplamente existente o labor forçado em

território nacional, “o Brasil é considerado um exemplo mundial no combate à escravidão

contemporânea”242

. A erradicação do trabalho análogo ao de escravo, posição do mesmo

relatório, “deve-se, sobretudo, à capacidade de articulação entre o governo brasileiro, a

sociedade civil, o setor privado e os organismos internacionais, em especial a OIT.”243

Em 1995, após o reconhecimento da existência de trabalho forçado no Brasil, pelo

Presidente Fernando Henrique Cardoso, foram criados o Grupo Executivo de Repressão ao

Trabalho Forçado – GERTRAF e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM, ambos

ligados ao Ministério do Trabalho e Emprego. No ano de 2003, foi lançado o 1º Plano

Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e a instituição da Comissão Nacional de

Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE.

Ato importante se deu em novembro do ano de 2003, com a criação da, já mencionada,

“lista suja”, onde todos os empregadores que fossem encontrados realizando labor forçado aos

seus trabalhadores tivessem seus nomes publicados em lista própria. Não há uma sanção

expressa com a inscrição do nome do empregador na “lista suja”, todavia pode haver não

concessão de créditos, atingindo economicamente o praticante do ilícito. Conforme relatório

da OIT:

Embora o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não penalize

diretamente os empregadores que fazem parte da “Lista Suja”, os nomes

presentes neste cadastro ficam sujeitos a restrições financeiras, pois

diferentes órgãos e entidades comprometidos com a erradicação do trabalho

escravo no país deixam de fornecer créditos e outros benefícios aos

empregadores incluídos na lista. A “Lista Suja” é um dos mais eficazes

mecanismos de combate à escravidão no Brasil, pois atinge economicamente

os negócios das pessoas e empresas que se utilizam desse tipo de mão de

obra.244

A inscrição na mencionada lista advêm de decisão administrativa, ou seja, não impede

a cominação nas indenizações/penalizações civis e tampouco a condenação criminal. Após a

Emenda Constitucional 45/04, passou a ser da Justiça do Trabalho a análise de legalidade da

inscrição do empregador. Neste sentido a jurisprudência:

242

Ibid 48. 243

Ibid 48. 244

Ibid 48.

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CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL CIVIL - FIGURAÇÃO NA LISTA

SUJA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO - AUTUAÇÃO

ADMINISTRATIVA POR UTILIZAÇÃO DE PESSOAS REDUZIDAS A

CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO - QUESTÃO TRABALHISTA

- EC 45/2004 - INAPLICABILIDADE DE ENTENDIMENTO FIRMADO

NA ADIN 3684 - MATÉRIA DE NATUREZA ADMINSTRATIVA -

DESPROVIMENTO DO AGRAVO - 1. A inscrição na lista de utilizador de

trabalhadores mantidos em condições análogas às de escravos é matéria de

cunho eminentemente administrativo que tem como finalidade obstar a

concessão de empréstimos a empresários que não observem a legislação do

trabalho. 2. A eventual consequência criminal da autuação não interfere na

ação administrativa de imposição de restrições à obtenção de créditos

provenientes de instituições públicas. 3. Após a Emenda 45/2004, compete à

Justiça do Trabalho a observância à relação de trabalho, bem como a solução

dos litígios oriundos da mesma, excluídos os procedimentos criminais

derivados das condutas apuradas, que o Supremo Tribunal Federal decidiu

permanecer sob a competência da Justiça Comum, quer Estadual, quer

Federal, segundo o caso, mesmo com a nova redação do artigo 114 da CF

determinada pela emenda. 4. A competência para o exame da legalidade da

inscrição é da Justiça do Trabalho, em conformidade com o que consta na

decisão agravada e, que vem sendo acatado pela Justiça Especializada, como

comprovam julgados citados no voto. 5. Agravo regimental improvido. 245

Caso haja a inscrição do nome do empregador na “lista suja”, o mesmo passará por

fiscalização por dois anos, e somente após a este prazo, com o pagamento de todas as multas

advindas da fiscalização e demais débitos trabalhistas e previdenciários246

, poderá requerer a

exclusão.

A Portaria que criou a “Lista Suja” é relativamente recente, não cabendo a inscrição de

empregadores escravizadores apurados em autos de fiscalização antes do ano de 2003,

conforme a jurisprudência:

JUSTIÇA DO TRABALHO - INCLUSÃO DO NOME NO CADASTRO

RESTRITIVO DE EMPREGADORES - LISTA SUJA -

APLICABILIDADE DAS PORTARIAS 1150/2003 E 540/2004 NO

TEMPO - A Portaria nº 540 do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE,

editada em 15 de outubro de 2004, criou o Cadastro de Empregadores que

tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, como

uma das medidas adotadas no projeto lançado pelo Governo Federal no ano

de 2003 do " Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo". O

objetivo do referido Cadastro foi incluir o nome do infrator, após decisão

administrativa final exarada em procedimento de fiscalização, com garantia

dos direitos constitucionais da ampla defesa e contraditório, e comunicar o

fato as demais entidades estatais, a fim de que providências administrativas

sejam tomadas, nas respectivas esferas de atuação, no combate ao trabalho

análogo ao de escravo, chaga que ainda envergonha a sociedade brasileira. A

despeito da luta contra o banimento do trabalho escravo ser anterior à

vigência das Portarias 1150/2003 e 540/2004 é de se admitir que sua

aplicação não pode retroagir a fatos pretéritos, como no caso sob exame,

245

BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1ª Região. Recurso n. 2006.01.00.035938-5. Relatora Desª Fed. Selene

Maria de Almeida, Brasília, DJ 09.04.2007. 246

COSTA, Patrícia. Estudo de caso sobre o trabalho escravo no Brasil. Brasília: Organização Internacional do

Trabalho, 2010, p. 24.

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em que a autuação sofrida pelo Autor ocorreu em 2001 e a sua inclusão no

Cadastro somente no ano de 2004, quando o processo administrativo já

estava arquivado desde o ano de 2002, quando as multas foram devidamente

quitadas. Apesar de censuráveis os atos que culminaram na autuação pelo

Ministério do Trabalho, a restrição de direitos imposta ao Recorrente se deu

por fato anterior à vigência das Portarias 1150/2003, 1234/2003 e 540/2004,

o que igualmente não se pode admitir sob pena de violação a outro princípio

constitucional (art. 5º, incisos XXXVI). Recurso provido para determinar a

exclusão do nome do Autor/Recorrente do Cadastro Restritivo de

Empregadores de que trata a Portaria 540/2004. Recurso ao qual se dá

provimento.247

(grifo nosso)

Outra política pública importante no combate ao labor análogo ao de escravo se deu

com a inserção na Lei n. 7998/90 – lei do seguro desemprego -, em 2002, pela Lei 10.608/02,

da norma insculpida no art. 2º-C, que garantiu a todo trabalhador resgatado em decorrência de

fiscalização do MTE, a percepção do seguro-desemprego.

Art. 2 º-C. O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a

regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em

decorrência de ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego,

será dessa situação resgatado e terá direito à percepção de três parcelas de

seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada, conforme o

disposto no § 2º deste artigo.

A iniciativa privada também contribui para o combate ao labor forçado apoiando

políticas de enfrentamento relacionadas ao tema. Tais apoios vieram mormente com a criação

do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que será comentado mais adiante.

De acordo com a OIT248

, alguns projetos advindos da sociedade civil possuem

práticas relevantes, sendo citados dois mais importantes:

a) Projeto de Reinserção de Trabalhadores Resgatados, desenvolvido em 2007, realizado pelo

Instituto Carvão Cidadão (ICC) em parceria com a OIT e a GTZ.

b) Projeto “Escravo nem pensar!”, com início em 2004, graças a uma parceria entre a ONG

Repórter Brasil e a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

O Projeto de Reinserção de Trabalhadores Resgatados249

, tem como objetivo geral

propor uma gestão de ações pró-erradicação do trabalho análogo ao de escravo, voltados para

os estados do Maranhão e Pará. Os objetivos específicos são construídos para a inserção

social e economicamente dos trabalhadores resgatados, inclusive com o acompanhamento

profissional dos mesmos.

247

Tribunal Regional do Trabalho. 23ª Região. Recurso Ordinário n. 00463.2005.026.23.00-1. Relator Juiz

Bruno Weiler. Mato Grosso, J. 15.08.2006. 248

Ibid. 48. 249

Projeto de Reinserção de Trabalhadores Resgatados CARVÃO cidadão. Disponível em:

<http://www.carvaocidadao.org.br/media//uploads_media/PROJETO_DE_INSERO_2_FASE.pdf>. Acesso em

16 mar 2012.

Page 123: SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: … · Ao Professor Doutor Ruy de Jesus Marçal Carneiro que me fez apaixonar pelo Direito Constitucional Econômico; À todos aqueles que

122

O Projeto “Escravo nem pensar” foi direcionado para as regiões Norte, Nordeste e

Centro-Oeste, com objetivo de corroborar com a erradicação do labor forçado na Amazônia e

no Cerrado Brasileiro. É coordenado pela organização não-governamental Repórter Brasil, e

atualmente atua em 45 municípios de seis estados: Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí

e Tocantins250

.

3.2 PLANO NACIONAL DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ANÁLOGO AO DE

ESCRAVO

No ano de 2002, foi projetado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos

Direitos da Pessoa Humana – CDDPH, o Plano Nacional pela Erradicação do Trabalho

Escravo. Tem vistas a ser uma política pública permanente e vinculada a órgão de

fiscalização. Conforme Miranda e Oliveira, “as principais ações contemplam a prevenção,

reinserção dos trabalhadores e repressão econômica, pontos que precisam ser mais bem

explorados para que o objetivo seja atingido”. 251

O Plano ora mencionado foi lançado em 2003, objetivando a coordenação de ações

que envolvessem Ministérios diversos, de forma articulada, através de uma política

transversal. Inicialmente apresentou setenta e seis medidas, com seis focos principais:

a) Melhoria na estrutura administrativa do Grupo de Fiscalização Móvel;

b) Melhoria na estrutura administrativa da Ação Policial;

c) Melhoria na estrutura administrativa dos Ministérios Públicos Federal e do Trabalho;

d) Ações específicas de promoção da cidadania e combate à impunidade;

e) Ações específicas de conscientização, capacitação e sensibilização;

f) Alterações legislativas. 252

Os resultados advindos da implementação do plano foram bons, eis que 68,4% das

metas estipuladas foram alcançadas, segundo avaliação da OIT253

. Houve melhorias quanto à

fiscalização/repressão do trabalho forçado, bem como na conscientização dos empregados, no

tocante aos seus direitos.

250

Projeto escravos nem pensar. Disponível em: <http://www.escravonempensar.org.br/oqueeoprograma.php>.

Acesso em 16.03.2012. 251

Ibid 98. 252

Experiência brasileira no combate ao trabalho análogo ao de escravo. Disponível em:

<http://www.brasil.gov.br/navegue_por/noticias/textos-de-referencia/a-experiencia-brasileira-no-combate-ao-

trabalho-analogo-ao-de-escravo>, Acesso em 16 mar 2012. 253

Ibid 53.

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123

Com o sucesso do primeiro plano, em setembro de 2008, através da Portaria SEDH n.

643, foi autorizada a publicação do 2o Plano Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

As ações gerais vigentes, resumidamente se concentram em254

:

a) Manutenção da erradicação do trabalho análogo ao de escravo como prioridade para os

Três Poderes da federação, bem como para o Ministério Público;

b) Executar medidas preventivas com a colaboração de diversos órgãos: CDES, MTE, MJ,

MPF, MPT, Ibama/MMA, Incra/MDA, RFB/MF e sociedade civil;

c) Determinar a manutenção nos planos plurianuais medidas de erradicação quanto ao tema,

bem como nos planos municipais e estaduais;

d) Buscar a aprovação da PEC 57A/199 (ex-PEC 438/2001) em curto prazo;

e) Criar e manter banco de dados com informações dos principais agentes envolvidos no

combate ao trabalho escravo para auxiliar em ações de prevenção e repressão e na elaboração

de leis;

f) Criar um novo Grupo Executivo de Erradicação ao Trabalho Escravo, como órgão

operacional vinculado à CONATRAE;

g) Monitorar a execução do Termo de Solução amistosa firmado pelo governo brasileiro junto

à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA em relação à vítima de trabalho

escravo José Pereira, da fazenda Espírito Santo (PA);

h) Criar e implantar estruturas de atendimento jurídico e social aos trabalhadores imigrantes

em situação legal e ilegal em território brasileiro;

i) Buscar a alteração da Lei nº 6.815/80, para garantir a regularização gratuita dos

trabalhadores imigrantes encontrados em situação de trabalho escravo e degradante em

território nacional;

j) Realizar o diagnóstico do trabalho forçado no Brasil, bem como definir e monitorar

indicadores de execução dos compromissos de combate ao trabalho escravo;

k) Apoiar a aprovação da EC que prevê a alteração do art. 243 da Lei Magna, para acrescentar

a possibilidade de expropriação de terras em decorrência de trabalho análogo ao de escravo;

l) Amparar a reestruturação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado –

GERTRAF, vinculado ao MTE;

m) Agenciar campanhas de informação sobre o trabalho forçado;

254

2º PLANO NACIONAL PELA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO. Disponível em

http://www.sedh.gov.br/acessoainformacao/acoes-e-

programas/2o_plano_nacional%20combate%20a%20tortura.pdf . Acesso em 12 nov 2012.

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124

n) Discutir a possibilidade de acrescer os valores das multas fiscais impostas aos

empregadores escravagistas;

o) Sugerir nova redação para o art. 149 do CP, para melhorar a tipificação do crime de

submissão ao trabalho forçado.

Tal plano é extenso, mas com ideais muito positivos, principalmente no que tange a

capacitação profissional do trabalhador resgatado, para que o mesmo seja inserido

socialmente e economicamente, até mesmo para evitar que o mesmo seja alvo do trabalho

forçado por uma segunda vez. Incentiva, também as políticas de reforma agrária, a inserção

dos trabalhadores resgatados no programa do bolsa-família, garante a assistência jurídica

gratuita, além de facilitar a regularização da documentação pessoal do trabalhador255

.

Os resultados parciais deste segundo plano estão sendo monitorados através de

questionários respondidos pelos seus signatários. Este monitoramento ocorre diretamente na

via on line, no site do observatório nacional. 256

Através dos dados monitorados, o Observatório Nacional, coleta dados e depois os

apresenta em seminários, como foi o caso do último, no ano de 2010, onde foram

demonstradas as regiões com maior concentração de empresas inscritas na “lista suja”:

Ilustração 10 - Mapa da escravidão: concentração das propriedades que fazem parte da "lista suja"

Fonte: http://www.pactonacional.com.br/. Acesso em 12 nov 2012.

255

Ibid 224. 256

MONITORAMENTO DO PACTO NACIONAL PELA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ANÁLOGO

AO DE ESCRAVO. Disponível em: http://www.os.org.br/pesquisa/index.php?sid=38&lang=pt. Acesso em

12nov 2012.

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125

A ONG Repórter Brasil, trouxe dados recentes dos resultados parciais do plano e das

medidas de combate ao labor forçado:

Tabela 03 – Dados anuais

Fonte: http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/relatoriocpt2011.pdf. Acesso em 12 nov 2012

Como se percebe, sendo o 1º plano realizado em 2003 e o segundo em 2008, não

houve uma melhora em relação ao número de casos de labor forçado registrados, muito

embora o número de trabalhadores envolvidos tenha sido reduzido quase que pela metade.

Percebe-se também, um aumento de fiscalizações realizadas e a diminuição considerável de

trabalhadores resgatados.

Pode-se ter uma conclusão de que mesmo havendo o aumento de fiscalizações, o

número de labutantes resgatados diminuiu, o que demonstra um saldo positivo do plano.

Tabela 04 – Ranking do Trabalho escravo

Fonte: http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/relatoriocpt2011.pdf. Acesso em 12 nov 2012

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Já em análise do ranking por unidades federadas, pode-se observar que o número de

denúncias permaneceu com oscilações pequenas, todavia com menos trabalhadores

envolvidos (número caiu quase que pela metade). O número de resgates também diminuiu

pela metade aproximadamente.

Tais resultados também apontam para um saldo positivo de ações, que vem

demonstrando sucesso ao médio e longo prazo.

3.3 PACTO NACIONAL PELA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO

BRASIL

Além do Plano Nacional, mencionado no item anterior, também há o Pacto Nacional

pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil257

. Tal Pacto é circunspeto pelo Instituto

Ethos de Empresas de Responsabilidade Social, pelo Instituto Observatório Social, pela ONG

Repórter Brasil, além da OIT.258

O objetivo do Pacto é desenvolver mecanismos para que a sociedade em geral e

especialmente os empresários não venham a comercializar produtos cujos fornecedores

utilizem o labor forçado. Seria uma espécie de criação de uma certificação de que

determinado produto, em qualquer fase de produção, não tenha sido desenvolvido a partir de

trabalho análogo ao de escravo.

A idéia de criação do Pacto surgiu em 2003, quando a ONG Repórter Brasil, em

conjunto com a OIT, criou um projeto para analisar a cadeia produtiva de mercadorias

possivelmente produzidas a partir de trabalhos forçados. Foram identificados problemas nas

seguintes cadeias produtivas: pecuária bovina, carvão vegetal, soja, algodão, madeira, milho,

arroz, feijão, frutas, batata, cana-de-açúcar, entre outras259

.

Com base nos resultados apontados na primeira pesquisa, a ONG Repórter Brasil, a

OIT, através da execução do segundo projeto coordenado pelo Instituto Ethos de Empresas e

Responsabilidade Social, convidaram empresas dos mais diversos ramos, a participarem da

criação de mecanismos para elidir fornecedores que utilizassem o trabalho análogo ao de

escravo.

Este acordo, entre os três órgãos que iniciaram o projeto e mais as empresas

concordantes, recebeu o nome de Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

257

Ibid 236. 258

PACTO NACIONAL PELA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL. Disponível em:

<http://www.pactonacional.com.br/>, Acesso em 19 mar 2012. 259

Ibid 236.

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127

Conforme dados fornecidos pela página do Pacto, estão participando do Projeto, atualmente,

duzentas e duas empresas, associações comerciais e entidades da sociedade civil. Saliente-se

que a soma destas pessoas físicas e jurídicas comprometidas, representam faturamento

equivalente a mais de 20% do PIB do Brasil260

. O Instituto Observatório Social, integra o

grupo no desenvolvimento de plataforma de monitoramento digital, na intenção de verificar a

efetividade dos acordos firmados.

No ano de 2004, foi mapeado, a pedido da Secretaria Especial dos Direitos Humanos

da Presidência da República à OIT, um novo estudo em relação as cadeias de produção. Oito

pesquisadores observaram, por período de um ano, cem empresas que estavam incluídas na

“lista suja”, já bem comentada neste trabalho. O resultado foi surpreendente, eis que

constatou-se que duzentas empresas nacionais e estrangeiras formalizavam acordos negociais

com as outras empresas incluídas na “lista suja”.

A admissão ao Pacto é voluntária e gratuita, conforme normatizado no Código de

Conduta:

A) Admissão como signatário

• A adesão ao Pacto Nacional é voluntária.

• Estão aptas a assinar o Pacto Nacional as empresas, associações,

organizações e demais instituições que não estejam no cadastro de

empregadores que utilizaram mão-de-obra escrava do Ministério do

Trabalho e Emprego ou tenham sido autuadas por trabalho escravo nos dois

anos anteriores à data de assinatura.[...]261

Inclusive, no documento mencionado acima, há a designação de possibilidade de

exclusão de signatário que não cumprir com a extinção do labor forçado:

D) Ações disciplinares

• Serão suspensos do Pacto Nacional todos os signatários que forem

incluídos no cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra escrava

do Ministério do Trabalho e Emprego e mantidos fora durante o período que

eles estiverem nessa "lista suja".

• Serão suspensos do Pacto Nacional todos os signatários que forem

flagrados por trabalho escravo pelo poder público e mantidos fora até que

eles tenham cumprido suas pendências com o Ministério do Trabalho e

Emprego.

• Serão suspensos do Pacto Nacional todos os signatários que forem

flagrados com graves violações aos direitos humanos de trabalhadores sob

sua responsabilidade e mantidos fora até que eles tenham cumprido suas

pendências com o Ministério do Trabalho e Emprego.[...]262

260

Ibid 236. 261

Ibid 236. 262

Ibid 236.

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128

O Pacto está em plena ascensão, objetivando a extensão através de outros países, tais

como o Paraguai, a Bolívia e o Peru, no sentido de criação de um novo Pacto maior, que seria

denominado de Pacto Sul Americano pela Erradicação do Trabalho Escravo.

A natureza do Pacto é de política pública, eis que os seus ideais foram incorporados ao

2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, comentado no item acima,

lançado em setembro de 2008.

3.4 PROPOSTAS DE ERRADICAÇÃO AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

O fator humano, fonte material, provoca a criação e o pensamento de todo o

ordenamento jurídico, fonte formal. Só há razão do Direito existir se for para atender aqueles

cidadãos questionadores e invocadores da tutela do Estado para modificar, extinguir,

conservar ou adquirir direitos. Logo, o Direto deve ser funcional, ou seja, necessita prestar o

atendimento adequado aos casos concretos postos. Ensina Ferreira que “a finalidade é

criadora de todo o direito, não existe norma ou instituto jurídico que não deva sua origem a

uma finalidade” 263

.

Não mais se pode admitir um Direito pautado única e exclusivamente açambarcado no

positivismo irrestrito, ignorando-se a finte principiológica e a criação natural do mesmo.

Partindo-se do princípio de que a Constituição Federal é um instrumento de valores, pautada

em princípios que se sobrepõem até mesmo ao texto positivado, é importante observar que o

Direito como sendo advindo de uma prática social mutante, afastou a jurisprudência de

conceitos e passou a admitir a jurisprudência de interesses.

Com a unificação da Alemanha, o positivismo científico foi sendo gradativamente

transformado para o positivismo legalista, voltado apenas para o estudo de leis. Tal forma de

interpretação recebeu críticas, uma vez que não traziam ao anseio social a justiça e a

segurança jurídica pretendidas. Surgiu-se então a jurisprudência de interesses, desenvolvida

por Philipp Heck , que foi consolidada na primeira metade do século XX na Alemanha.

Bocorny sustentava que a atividade judicial devia ter a sua base de sustentação para a

promoção e satisfação das necessidades reais dos cidadãos.

O escopo da Jurisprudência e, em particular, da decisão judicial dos casos

concretos, é a satisfação de necessidades da vida, de desejos e aspirações,

tanto de ordem material como ideal, existentes na sociedade. São esses

desejos e aspirações que chamamos interesses e a Jurisprudência dos

interesses caracteriza-se pela preocupação de nunca perder e vista esse

263

FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Funcionalização do direito privado e função social. Rio de

Janeiro: Forense, 2009.

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129

escopo nas várias operações a que tem de proceder e na elaboração dos

conceitos[...]264

As idéias do doutrinador citado, narrava que as fundamentações sobrevindas pelas

ideologias, pelo próprio fato social, e pelos anseios de justiça, devem dar ao julgador o poder

de criar o Direito funcional, de interesses coletivos, de forma a fazer com que a atividade

judiciária se coadune com a função social. Ferreira descreve o conceito de função social,

aduzindo que a mesma “[...] pode ser entendida como atividade transcendente, descolada do

interesse individual, voltada à realização do interesse social.[...]”265

.

É pela observância e aplicação dos ideais principiológicos constitucionais da função

social que o Estado pode ser o limitador do exercício de vários direitos, objetivando o bem-

estar comum e social.266

O pensamento funcional defende a busca de soluções mais adequadas à

sociedade sem querer, com isso preterir as soluções individuais, mas

contextualizá-las de forma mais explícita no ambiente em que, de fato, se

inserem objetivando socialmente soluções mais convenientes para o corpo

social.

A funcionalização é inerente ao direito, não havendo direito sem um fim.

Assentadas essas primeiras premissas, cabe investigar a função do direito a

partir de uma perspectiva teórico-conceitual, objetivando apreender outros

ambientes onde a função demarca limites, sendo em si, princípio, meio e

fim.267

(grifo do Autor)

Sob este prisma, carece o jurista, assim como os envolvidos nos Poderes Legislativo e

Executivo saírem da inércia provocada pelo legislador constituinte para, de forma concreta,

ofertarem à população, especialmente à classe trabalhadora, elementos que tragam a

efetividade no combate as mazelas sociais. Deve-se, de fato, buscar a funcionalidade do

Direito, para que através de normas e princípios atendam os ditames da justiça social. Urge

uma modernização de paradigmas e é visível a necessidade de um direito mais criativo:

A mudança deve se dar em termos da própria noção de formulação do direito

ante os casos concretos, que atribua ao julgador, o objetivo primário de

buscar o sentidos do justo em cada caso, com reconhecimento da

peculiaridade de cada um e uma correlata possibilidade de transcendência

dos limites estritamente normativos para isso, talvez seja uma das hipóteses

capazes de conferir, em parte, uma nova funcionalidade ao exercício prático

de direito compositivo[...]268

A função social é um dos princípios previstos no art. 170 da Lei Maior, sendo alicerce

para o desenvolvimento da ordem econômica, eis que é corroborado por valores sociais, como

264

BOCORNY, Leonardo Raupp. A teoria da interpretação jurídica em Emilio Betti: A Uma Contribuição à

Histórica do Pensamento Jurídico Moderno. São Paulo: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 27. 265

Ibid 264. 266

Ibid 264. 267

Ibid 264. 268

CÂMARA, Jorge Luis Fortes Pinheiro da. Técnica, direito e crise de legitimidade. Disponível em:

<http://www.ifcs.ufrj.br/~sfjp/revista/downloads/t%E9cnica_direito_e%20_crise.pdf> . Acesso em 10.04.2012.

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130

a valorização do trabalho humano, a livre iniciativa e a redução das desigualdades regionais e

sociais. De certo elencar que a ordem social não é distante da ordem econômica, posto que se

complementam, na forma de organizar o capitalismo na vertente social.

[...] A previsão constitucional do artigo 170 da Magna Carta é,

inegavelmente, núcleo de revalorização do sujeito, aquele mesmo espectador

dos fins práticos. A ordem econômica constitucional torna assentar a

dignidade humana do sujeito para então, recolocá-lo nos diversos lugares

que realmente ocupa em sociedade. Assim, o primeiro sujeito nomeado pela

ordem, é o trabalhador, seguido do empresário, aquele da livre iniciativa,

quiçá o empregador. A esses sujeitos a promessa de segurança e esperança

do trabalho humano digno e da liberdade equilibrada.[...] 269

Ao perceber a ordem econômica como sendo a ordem jurídica da economia270

, e sendo

este um conceito de fato, representando um feixe de normas com naturezas diversas (jurídica,

religiosa, moral e etc.), encontra limites nos ideais principiológicos, especialmente na função

social.

Na envergadura da ordem econômica são transportados fundamentalmente os

princípios conformadores de interpretação constitucional271

, de onde se ressaltam quatro,

extraindo-se do feixe elencado por Grau:

[...] - dignidade da pessoa humana como fundamento da República

Federativa do Brasil (art. 1º, III) e como fim da ordem econômica (mundo

do ser) (art. 170, caput);

- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da

República Federativa do Brasil (art. 1º, IV) e – valorização do trabalho

humano e livre iniciativa – como fundamentos da ordem econômica (mundo

do ser) (art. 170, caput);

- a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um dos

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, I);

[...] – a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das

desigualdades sociais e regionais como um dos objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil (art. 3º, III) – a redução das desigualdades

regionais e sociais também como princípios da ordem econômica (art. 170,

VII);[...] 272

(grifos do autor)

E é neste diapasão, que voltando-se para a matéria de estudo desta pesquisa, não se

pode olvidar que sendo a função social ligada a valorização do trabalho humano, o labor

forçado não se enquadra nos princípios constitucionais, nem nos fundamentos e objetivos da

República Federativa do Brasil.

269

Ibid. 264. 270

MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do Capitalismo, Centelha, Coimbra, 1973, p. 90. 271

Ibid 132, p. 195. 272

Ibid 132, p. 195.

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131

Ainda existe muito a se fazer para que o Brasil atinja os objetivos pretendidos pela Lei

Maior no seu art. 3º, especialmente na seara trabalhista, todavia o incremento de ações já em

curso ou a implementação de novas medidas voltadas para este fim, podem contribuir. De

certo que existe a necessidade de junção de políticas públicas voltadas para este fim, como

por exemplo, o investimento em qualificação e elevação profissional, incrementos de políticas

de crédito, projetos de erradicação da pobreza e desigualdades sociais e regionais

direcionados para áreas com parcos recursos e outros.

Na consecução para a finalidade de erradicação ao trabalho forçado, logo, ora, são

sugeridas propostas que podem cooperar com o fim da forma laboral análoga à escravidão,

quando então as idéias do Direito funcional e os ideais constitucionais poderiam ser melhores

colocados à sociedade.

3.4.1 Investimento em projetos voltados à erradicação da pobreza através da educação

profissional

Sendo objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a erradicação da

pobreza e da marginalização, na forma do art. 3º, III da CF, incessante é a necessidade de

implementação de mais projetos sociais voltados à erradicação da pobreza no Brasil, tendo

em vista que a maioria dos trabalhadores escravizados advém de zonas carentes, com parcos

recursos, sendo alvos fáceis dos “gatos”, com propostas falaciosas de emprego.

Ainda que a forma análoga à escravidão seja uma realidade também na zona urbana,

sua maior concentração ocorre na rural, conforme se verifica nos dados divulgados273

abaixo:

Ilustração 11: Gráfico de dados do labor análogo ao de escravo por região do país

FONTE: Repórter Brasil

273

REPÓRTER BRASIL. Estatísticas do Trabalho Escravo. Disponível em:

<http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/estatisticas_CPT_31_07_2010.pdf>. Acesso em 22 mai 2012.

Page 133: SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: … · Ao Professor Doutor Ruy de Jesus Marçal Carneiro que me fez apaixonar pelo Direito Constitucional Econômico; À todos aqueles que

132

Conforme gráfico de dados acima, são nas regiões Centro-oeste, Sudeste e Norte que

há a maior concentração de trabalhadores em condições análogas ao de escravo. No centro-

oeste e norte está localizada boa parte da Amazônia, e no Sudeste tem-se enormes canaviais e

empresas de construção civil, o que justifica a quantidade de trabalhadores resgatados.

A questão da pobreza não é individual e sim um problema estrutural, alimentada pelo

modelo capitalista, ao passo que a utilização do trabalho degradante e poder do empresário

são paradoxos. Indiscutivelmente existe uma exploração.

A alienação as pessoas neste estado (pobreza), traz um desconhecimento de seus

próprios problemas e de suas necessidades. A pobreza e a desigualdade são antigas assim

como a humanidade, vivendo enlaçada por sentimentos morais274

.

Questionando as possíveis justificativas para a pobreza, Schwartzman aduziu:

[...] Ninguém parece ter pensado, no Brasil do século XIX, em criar leis e

instituições para ajudar aos pobres, como se tentou fazer na Inglaterra ou nos

Estados Unidos. Uma possível razão foi que o Brasil não assistiu aos

grandes deslocamentos, destruição de postos de trabalho e explosão

populacional que acompanharam a revolução industrial na Europa, nem as

grandes maciças que inundaram os Estados Unidos naqueles anos, e que

acabaram sensibilizando os ricos e remediados.. A pobreza brasileira no

século passado não era muito diferente da pobreza dos séculos anteriores, e

nossas elites tampouco eram muito distintas.275

Uma das formas de se combater a pobreza, a médio e longo prazo, é dar condições aos

cidadãos de manterem a sua subsistência. Trata-se de um projeto que não visa somente o

assistencialismo eterno, mas sim de dar condições aos envolvidos de ingressarem ao mercado

de trabalho. É acabar com a pobreza através de políticas que valorizem o trabalho humano.

As práticas para valorizar o trabalho e para diminuição das desigualdades regionais e

sociais, e nesta última integra-se a pobreza, são fundamentos da ordem econômica e também

objetivos da República Federativa do Brasil (arts. 3º e 170 da CF/88).

É trabalhando que o empregado pode garantir a sua digna subsistência, eis que seu

salário tem natureza de verba alimentar. A falta do emprego ou da qualificação para o

emprego faz com que o obreiro e sua família sejam privados de alimentação, subsistência.

Existe a forte necessidade de criação de postos de serviços.

As políticas para erradicação da pobreza através do labor devem estar atentas não só

para o desemprego formal, mas também para o funcional. O desempregado funcional é aquele

trabalhador que não consegue sua inserção no mercado por falta de qualificação. Não se pode

pensar em criação de postos de trabalho, sem que haja trabalhadores aptos a labutar.

274

SCHWARTZMAN, Simon. Notas sobre o paradoxo da desigualdade no Brasil. Disponível em:

<http://www.schwartzman.org.br/simon/paradoxos.htm>. Acesso em 22 maio 2012. 275

Ibid 274.

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O trabalho é uma das formas de contribuição para o extermínio da pobreza e por

consequência do trabalho submetido à condição análoga ao de escravo. Portanto, é formulada

proposta que poderia ser praticada em duas fases:

A primeira fase ficaria a curto prazo, ou seja, para ser implementada imediatamente.

Seria a designação de suporte do Estado com a incrementação de políticas assistenciais de

forma a dar ao cidadão resgatado um abrigo ou um vale-aluguel, para que o mesmo obtivesse

local para morar. Do mesmo modo, a disponibilização de salário mínimo assistencial por

período de um ano, para que o trabalhador pudesse promover sua alimentação e de sua

família.

Com estas duas vertentes, o empregado dificilmente voltaria a ser submetido às

práticas escravagistas, que dominam em decorrência da pobreza do trabalhador. O trabalhador

resgatado, como é atualmente, recebendo somente parcelas de seguro-desemprego,

certamente não estará sendo excluído do ciclo do labor forçado e tampouco da pobreza.

A verba orçamentária para custear tais medidas poderiam ser advindas das multas

administrativas em autuações por labor forçado, bem como por lei federal os empresários que

submetessem os empregados a tal forma de exploração, passassem a ter o dever de custeio

destas despesas, além das demais já determinadas em leis.

Observe-se que somente por lei federal pode-se atribuir deveres trabalhistas aos

empresários, eis que trata-se de competência da União, na forma do art. 22 da Lei Maior.

A segunda fase, a ser executada em médio e longo prazo perpetuaria uma cadeia de

atitudes de combate à pobreza e em consequência o trabalho escravizado. Poder-se-iam

estabelecer políticas públicas no sentido de estimulação de créditos ou microcréditos para se

custear o investimento em educação do trabalhador, para que o mesmo possa estar de frente

aos postos de serviço. Da mesma forma, condicionar o pagamento do salário mínimo

assistencial a um programa compulsório de aumento de escolaridade ou a um curso

profissionalizante, vinculando-se o pagamento à frequência em aulas.

Com o aumento de grau escolar, a formação profissionalizante, dos empregados

resgatados, o Poder Público estaria comprometido com a erradicação da pobreza neste

segmento dos trabalhadores escravizados. Haveria um combate ao desemprego,

especialmente o funcional.

Os programas de erradicação à pobreza jamais devem ser estancados no

assistencialismo puro, como a designação indistinta e por prazo indeterminado de bolsas

assistenciais (bolsa-família, bolsa-gás e outros). A assistência deve estar articulada com

projetos de aumento de renda, melhores condições de moradias de baixa-renda, aumento da

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escolaridade e também investimento em educação para controle voluntário de natalidade.

Neste idem sentido Silva Júnior:

As políticas públicas de distribuição de renda constituem mecanismo para a

diminuição de índices do problema, todavia não favorecem o

desenvolvimento econômico e humano de seus beneficiários, o que não

muda a realidade nacional em caráter definitivo.

O que ocorre, na grande maioria das vezes, são programas de cessação de

necessidades imediatas, mas que não colaboram para a mudança no

panorama econômico do País e não concedem aos seus beneficiários em

efetivo acesso à Justiça.

Tais políticas públicas revestem-se da característica peculiar do

assistencialismo, limitando-se a prestar assistência social limitada e que não

elimina as mazelas provocadas pela miserabilidade. Ao contrário, o que

deveria ocorrer, seria uma política desenvolvimentista, que não somente

sanasse o problema de falta de renda, mas que atuasse com rigor em setores

basilares da estrutura de uma sociedade, como a educação, a saúde, o lazer, a

própria justiça, aqui mencionada como os órgãos e entes de promoção da

ordem jurídica justa e, portanto, a conscientização do povo de que é

necessário um programa de longo prazo para a obtenção de resultados mais

efetivos.276

Ainda no bojo da segunda fase, poderia ser realizado um projeto de reinserção do

trabalhador resgatado ao meio social. Tal política pública, com envolvimento de sociólogos,

assistentes sociais, educadores, médicos, psicólogos, juristas de um modo geral, trariam toda

a efetividade necessária para que o empregado fosse libertado em definitivo da sua condição

análoga ao de escravo, o que é o objetivo comum de todas as políticas e propostas existentes.

O trabalhador resgatado, por via de determinação de lei ordinária, o que ora se sugere,

poderia ter estudos custeados pelo Estado, ainda que frequentadores de escolas privadas, de

forma a promover a elevação do grau de escolaridade fundamental. Da mesma forma, seria

vinculado o pagamento do salário mínimo assistencial à frequência escolar.

A mencionada segunda fase poderia englobar atividades coordenadas entre o

Ministério do Trabalho e Emprego, no que tange a fiscalização e autuação dos infratores

(como já ocorre) e do Ministério da Educação, para a realização das atividades educacional

direcionadas para este específico público. Haveria de ser estabelecida uma verba específica

para tal fim, sendo os trabalhadores acompanhados, inclusive quanto á frequência e

rendimento, pelos assistentes sociais do Estado ou pelas Secretarias de Educação.

Para sugerir a executoriedade desta proposta, foi produzido o apêndice I, onde se

estabeleceu um projeto de lei que caso aprovado, seria a efetivação desta sugestão.

276

SILVA JÚNIOR, Francisco Paulino da. Políticas públicas e pobreza: revisitando o tema do acesso à justiça.

estudos de direitos fundamentais, São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010, p. 25.

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3.4.2 Criação de um selo nacional para certificar a inexistência de trabalho forçado na cadeia

produtiva

Conforme trabalhado nesta dissertação, verificou-se que grandes empresários aderiram

ao Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo.

No entanto, também se pode perceber que ainda existe a utilização de mão-de-obra

degradante, forçada, em algum momento da cadeia produtiva (item 2.11 deste texto).

Na forma de colaborar com a valorização do trabalho humano e pautados no princípio

da dignidade do trabalhador, seria interessante a criação de uma certificação, na forma de um

selo, onde fosse garantido que determinada empresa (portadora do selo) é comprometida a

não usar da mão-de-obra escrava, dando continuidade as propostas do Pacto Nacional de

Erradicação ao labor escravo.

A determinação de tal certificação poderia ser criada por lei ordinária federal, eis que

é de competência da União legislar sobre direito do trabalho, atribuindo competência para a

execução e fiscalização da norma ao Ministério do Trabalho e Emprego.

Com a criação do selo, poderia haver a grande divulgação em massa da população,

demonstrando a necessidade de um consumo sustentável e justo.

Tal norma poderia, inclusive determinar que fosse afixado nos produtos produzidos

por todas as empresas, desde que portadora desta certificação, um selo específico, ilustrativo,

de fácil compreensão do consumidor final, assim como acontecem os selos da ABRINQ,

INMETRO, SIF e outros.

Com tal proposta, havendo a implementação da mesma, o consumidor no momento de

escolha do produto, no mercado, poderia descartar, e não adquirir, os produtos sem o selo de

certificação.

Considerando que sem a aquisição do produto pelo destinatário o empresário estaria

sendo excluído da concorrência, não só pela norma positiva, mas pelas próprias leis do

mercado neoliberal, haveria uma preocupação e um interesse em não utilização da mão-de-

obra degradante e análoga a de escravo.

A certificação, assim como ocorre na certificação do ISO, seriam cadastradas pelo

Ministério do Trabalho e Emprego, empresas certificadoras dos procedimentos quanto à

cadeia produtiva e a negativa de labor análogo ao de escravo. Em posse deste certificado de

vistoria em relação à cadeia produtiva, o empresário, via processo administrativo junto ao

MTE, receberia uma Portaria que autorizaria a divulgação do selo.

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Analisando o fato de que é o consumidor, através do seu poder de compra que pode

mudar o patamar da competitividade, com a divulgação do selo, a população poderia escolher

o que adquirir, com base em seus valores morais e sociais. Logo, e como já escrito

anteriormente, decorre da necessidade de educação do consumidor para este fim, através de

divulgação da proposta.

Para sugerir a executoriedade desta proposta, foi produzido o apêndice II, onde se

estabeleceu um projeto de lei que caso aprovado, seria a efetivação desta sugestão.

3.4.3 Outras propostas necessárias para a efetividade dos Pactos já existentes

Como também já trabalhado anteriormente, existem projetos e políticas públicas

voltadas para a erradicação do trabalho forçado, sendo que por vezes são ineficazes ou

possuem baixa área de atuação dos envolvidos. Tem-se que o Plano Nacional de Erradicação

do Trabalho Análogo ao de Escravo e o Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho

Escravo no Brasil não são assinados por todos os empresários e tampouco há exigência para

tal, o que traz a impossibilidade de cumprimento integral de seus objetivos.

Na tentativa de melhorar o que já existe, seria de bom alvitre que acontecesse a

manutenção contínua e duradoura, além da ampliação da fiscalização do Grupamento Móvel

– GENF. Tal ampliação deveria ocorrer com o aumento do número de fiscais, veículos,

radares e demais aparatos para a realização da fiscalização.

Urge a necessidade de elaboração de uma nova norma penal, específica, que previsse

punição severa aos intermediários nas relações escravagistas. Neste caso estariam todos

aqueles que contribuem diretamente, agenciadores, transportadores, além dos empresários que

utilizassem e comercializassem produtos fabricados através da precarização do trabalho. Seria

como uma punição em toda a cadeia de produção, sendo responsabilizados civilmente e

penalmente, desde o produtor até o vendedor final de tal produto. Poderia ser visto como um

desdobramento da responsabilidade objetiva, ou seja, todo aquele que obtivesse proveito

direto ou indireto (lucro) em decorrência do labor de exploração, poderia ser responsabilizado

penalmente. As penas devem prever sanções restritivas de liberdade, a serem cumpridas em

regime fechado, com designação de tempo severa, equiparadas ao crime de cárcere privado,

pois que igualmente as práticas cerceiam a liberdade dos trabalhadores.

Ademais, deve ocorrer o aumento das campanhas educativas acerca dos Direitos do

Trabalhador, podendo ser criado por lei federal a determinação de que as escolas do Brasil,

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públicas e privadas, pudessem oferecer, nos ensinos fundamental e médio, uma disciplina que

comentasse os principais direitos de trabalho, do consumidor, civis.

Inclusive, a educação para o Direito à população tem base na Lei de Diretrizes e Bases

- LDB (Lei 9.394/96):

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho.277

Com base nas idéias de que a educação é inspirada nos princípios da liberdade, ideais

de solidariedade, conhecimentos básicos para a população evitariam a exploração, e a

submissão à práticas exploratórias por consequência o desconhecimento dos principais

direitos do cidadão.

277

BRASIL. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 20 jul 2012.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se com esta pesquisa compreender como a situação dos trabalhadores, postos

em exploração forçada de labor podem refletir nas esferas do Direito do Trabalho.

Ainda neste século, pode-se perceber a existência de empregados submetidos a forma

forçada de trabalho, labutando em condições precárias, repousando em alojamentos

malacafentos, com a retenção de documentos e por vezes, presos por dívidas contraídas com

seu próprio empregador.

Por apresentar importantes diferenças, como dito, não se pode compreender a

escravidão anterior a 1888, como sendo a mesma da contemporaneidade, portanto, a

expressão que mais se coaduna com a situação é de empregados postos em situação análoga

ao de escravo.

A questão de interligação do passado com o presente está na questão da liberdade. Da

mesma forma anterior, os trabalhadores atuais não são, de fato, livres. Seja por uma restrição

física (confinamentos, trancamento dos alojamentos, retenção de documentos), ou por um

cerceamento psicológico (ameaças, castigos, punições severas). Não há a necessidade de

prisão física e tampouco de amarras pessoais na pessoa do empregado para que o mesmo seja

considerado análogo à escravo. Este conceito foi elastecido nesta pesquisa, contrariando a

jurisprudência majoritária, uma vez que os últimos julgados condicionam a prisão física,

restritiva de liberdade, como quesito para reconhecer a situação análoga à de escravo, o que

se demonstrou, via argumentação fática e teórica, ser desnecessária, bastando qualquer tipo de

afronta à liberdade, sendo esta entendida como física ou mental.

A pobreza está intimamente ligada à situação presente, pois com a promessa de

ganhos maiores os trabalhadores são retirados de suas origens territoriais, vindo através de

aliciadores – “gatos” – para labutar nas mais diversas áreas: pecuária, lavoura de cana-de-

açúcar, cultivo de soja, indústria têxtil. São prometidas vantagens falaciosas, que acabam por

prender os cidadãos aos seus trabalhos, eis que os mesmos não conseguem recursos

financeiros para voltar para suas origens e tampouco pagar as dívidas da viagem e das

compras realizadas nas mercearias de propriedade dos empregadores. É realizada a forma da

servidão por dívida, como forma de coação e coerção de liberdades.

São numerosos os motivos que geram a submissão dos trabalhadores a permanecerem

condicionados ao trabalho degradante, como, é o caso da carência de empregos, instabilidade

financeira nos municípios que residem os trabalhadores, falta de especialização, ou mão de

obra qualificada, para fazer bom proveito das eventuais oportunidades de emprego. Somam-

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se as dívidas geradas antes e depois de se instalarem na empresa-escravizadora, causando

subserviência e necessidade de permanecer no trabalho, onde suas dívidas vem a ocasionar

uma verdadeira crescente, multiplicando-se cada vez mais, além das coações feitas através

das ameaças dos agenciadores ou dos próprios empresários, culminando na prática da tortura

e de homicídios, conseguindo enclausurar financeiramente e psicologicamente não só o

trabalhador, mais toda a sua família.

Há uma gleba de normas nacionais e internacionais que seja de forma direta, ou

principiológica se manifestam contrariamente ao trabalho forçado. Ocorre sempre a

preponderância dos ideais de dignidade da pessoa humana, de liberdade e cidadania.

No Brasil a primeira norma é a Lei Maior, que além de seu cunho principiológico,

positivou a negativa a esta forma de labor sob a conjugação dos artigos 1º, 3º, 5º, 7º e 170. É

correto afirmar que o labor análogo ao de escravo é inconstitucional, justamente por violação

direta dos ideais balizadores da Constituição, com transgressão inequívoca dos direitos

fundamentais e dos preceitos da ordem econômica.

O combate ao trabalho forçado é um dos objetivos da Organização Internacional do

Trabalho, que lançou no Brasil o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que

apresenta medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos: Executivo, Legislativo e

Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil. A degradação do trabalho não é

uma questão meramente nacional, ultrapassa as fronteiras, para caminhar como sendo uma

das consequências maléficas da globalização.

A atuação do Ministério Público do Trabalho é fundamental na garantia dos direitos

coletivos, podendo o parquet valer-se do inquérito civil para investigar práticas e denúncias

de trabalho em condições análogas, que confirmando a maléfica atitude pode culminar num

termo de ajustamento de conduta ou até mesmo em uma ação civil pública ou coletiva. Na

tutela dos direitos individuais, podem os empregados proporem reclamações trabalhistas com

o cunho de garantia e declaração de direitos, de forma que assim como na ação civil – pública

ou coletiva – pode-se pleitear indenizações por danos morais.

Foi igualmente demonstrado que a utilização de trabalho forçado faz baixar os custos

da produção, de forma a proporcionar a possibilidade do empregador-escravizador, mantendo

a mesma margem de lucro, ter diminuição injusta do preço final. Há uma vantagem advinda

de prática de ato ilícito, corroborada com o abuso na interferência na economia e na

concorrência. Com preços mais baixos, certamente o escravizador possui uma demanda

elevada, eis que sua oferta foi reduzida. É neste diapasão que sustenta-se a possibilidade de

responsabilidade de toda cadeia produtiva, sendo uma das formas de punir e excluir do

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mercado empresários que ultrapassem os limites legais e principiológicos na intenção de

majorar os seus ganhos.

Com o fundamento no direito de proteção à propriedade privada e a exigência da sua

realização de função social, art. 5º XXII e XXIII da Lei maior, argumentou-se a possibilidade

de expropriação da propriedade privada em razão de labor forçado. A função social permeia e

tempera o direito dito irrestrito de proteção a propriedade privada, uma vez que os interesses

coletivos devem sobrepor-se aos anseios individuais. Corroboram na fundamentação teórica

os normativos dos arts. 186, 182, §2º, além do art. 170, III, todos da Lei Máxima. Com a

expropriação seriam atingidas duas funções: ocorreria a punição do ofensor e também

apresentaria à sociedade uma forma pedagógica de tratar a questão, demonstrando para a

população os efeitos nocivos, também para o empregador, em decorrência da utilização do

trabalho análogo ao de escravo.

Na forma como constitucionalmente é estabelecida, a função social é aquela

desempenhada sobre os bens de produção, podendo haver a expropriação cada vez que

ocorrer o exedente da função individual dos direitos de propriedade, tal qual o labor análogo

ao de escravo. Inclusive há um Projeto de Emenda Constitucional, registrado sob o código

PEC 57A/199 (ex-PEC 438/2001), que atualmente está em tramitação junto ao Congresso

Nacional, para normatizar a expropriação de glebas onde tenham trabalhadores em situações

análogas a de escravo. Tal projeto pretende dar nova redação ao art. 243 da Constituição

Federal, para positivar algo que já é possível de ocorrer pela base principiológica

constitucional.

De certo que atitude de escravizar de modo análogo o empregado não repercute

somente na esfera trabalhista, eis que há previsão penal para tal delito. Inclusive pode-se

cumular três delitos distintos, mas que se complementam criminalmente: redução a condição

análoga à de escravo, aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território

nacional e frustração de direito assegurado por lei trabalhista.

Em razão do labor análogo ao de escravo integrar a cadeia produtiva como um todo,

mostrou-se oportunidade de responsabilizar quaisquer dos integrantes da mesma, de forma

solidária nos direitos trabalhistas eventualmente reconhecidos. O fundamento da questão se dá

pelo reconhecimento de grupo econômico e também pela aplicação direta da teoria da

responsabilidade trabalhista objetiva, também conhecida por doutrina do risco, que sustenta

que todos que tenham concorrido na cadeia produtiva, direta ou indiretamente, para a

obtenção de acumulação de capital (lucro), devem responder pelas dívidas trabalhistas

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independentemente de culpa ou dolo e ainda que não possuam vínculo de emprego direto com

os empregados de qualquer das demais empresas envolvidas.

As ações de combate ao labor análogo ao de escravo vêm de vários entes,

principalmente do Poder Público, mas também da iniciativa privada, através do terceiro setor,

sendo realizado um documento importante denominado Pacto Nacional Pela Erradicação do

Trabalho Escravo no Brasil, onde os signatários (empresários) que aderiram se

comprometeram a não utilizar a mão-de-obra forçada direta ou em qualquer fase da cadeia

produtiva.

Certamente ainda há muito que se fazer, pois este assunto envolve interesses políticos

e sociais, das mais diversas origens, especialmente junto a bancada ruralista no Congresso

Nacional, todavia, foram apresentadas propostas de erradicação ao trabalho análogo ao de

escravo, sendo sugerido o maior investimento em projetos voltados à erradicação da pobreza

através da educação profissional e também a criação de um selo nacional para certificar a

inexistência de trabalho forçado na cadeia produtiva.

Não resta a menor dúvida de violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores

quando da prática do labor análogo ao de escravo, que, fruto do modelo econômico

contemporâneo, faz com que a pobreza se perpetue e por consequência a exploração do

homem pelo homem. Os reflexos do trabalho forçado são identificados como

descomedimento dos princípios da ordem econômica, de forma a dificultar a consecução dos

objetivos positivados no art. 3º da Constituição Federal, ou seja, os objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil.

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142

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APÊNDICE I

PROJETO DE LEI Nº ______, DE 2012

Cria políticas assistenciais para os trabalhadores

resgatados da condição análoga ao de escravo.

Institui vale-aluguel e salário-mínimo para estes

trabalhadores. Implementa sistema de educação

voltado para a reinserção no mercado de trabalho

e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta lei cria mecanismos assistenciais para os trabalhadores resgatados da condição

análoga ao de escravo, como forma de cumprimento dos princípios fundamentais da

cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Dispõe sobre executoriedade para a finalidade de atingir os fundamentos da República

Federativa do Brasil, em especial ao objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, bem como garantir o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e de

desigualdades sociais.

TÍTULO II

DO TRABALHADOR ANÁLOGO AO ESCRAVO

Art. 2º Para todos os fins, são considerados trabalhadores análogos à condição de escravos,

todos aqueles que:

a) Tiverem restrição de liberdade física ou psicológica em seu local de trabalho;

b) Tiverem seus documentos retidos pelos empregadores ou agenciadores, no intuito de

coação para que o empregado trabalhe em condições degradantes;

c) Estiverem em condição de coação moral ou física, sendo obrigados a permanecerem

no local do trabalho ou vinculados aos empregadores;

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d) Estiverem em situação de servidão por dívida;

e) Receberem punições físicas ou psicológicas exaustivas, no intuito de que os mesmos

não se desliguem do trabalho.

Art. 3º Consideram-se condições degradantes de trabalho, toda situação que for atentatória a

dignidade da pessoa humana e não obedecer aos direitos trabalhistas e demais normas

laborais, especialmente quanto ao local do trabalho.

Art. 4º Esta lei tem aplicação irrestrita aos trabalhadores encontrados em situação de analogia

à escravidão, resgatados pela Polícia Federal, Ministério Público do Trabalho ou Ministério

do Trabalho e Emprego.

Art. 5º Em todos os casos em que trabalhadores forem encontrados na situação descrita no art.

1º, os agentes responsáveis deverão comunicar ao Ministério do Trabalho e Emprego, que

através de Portaria deverá criar um banco de dados para armazenar estas informações e

indicar os trabalhadores aos planos assistenciais seguintes.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA AOS TRABALHADORES

Art. 6º Fica o Governo Federal responsável, através da assistência social, a promover o

pagamento de um vale-aluguel para cada trabalhador resgatado, por um prazo de um ano, no

valor correspondente a um salário-mínimo, para que o trabalhador possa obter moradia digna.

Art. 7º A assistência social também deverá promover o pagamento de um salário mínimo

assistencial para cada trabalhador resgatado, por um período de um ano, voltados

exclusivamente para promoção de alimentos.

Art. 8º Ficam as Secretarias de Educação dos Municípios obrigadas a oferecer educação

básica, fundamental e médias, além da profissionalizante para os trabalhadores resgatados na

condição de análogo ao de escravo. Para tanto, o Ministério do Trabalho e Emprego, na forma

do art. 5º deverá informar as Prefeituras a existência de trabalhadores nestas condições.

Art. 9º Apresentando frequência escolar superior a 75% (setenta e cinco por cento) o

benefício do art. 7º, poderá ser estendido até o fim do estudo profissionalizante, em grau

médio.

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TÍTULO IV

Art. 10º Através de Portaria Ministerial o Ministério do Trabalho e Emprego deverá promover

meios para que nos autos de infração realizados pelos Auditores e Fiscais do Trabalho,

contenha informação que o custeio da assistência mencionada no Título III desta, ficará a

cargo dos empregadores.

Art. 11º Esta lei não exclui outras medidas aplicáveis aos empregadores que submeterem

trabalhadores a situações degradantes de trabalho.

Art. 12º Esta Lei entra em vigor imediatamente após a sua publicação, por tratar-se de direitos

humanos.

Local, data.

Presidente da República

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APÊNDICE II

PROJETO DE LEI Nº ______, DE 2012

Cria o selo CITAEDC – Certificação de

Inexistência do Trabalho Análogo ao de Escravo

na Cadeia Produtiva - para certificar que

empresas não utilizam de mão-de-obra análoga a

de escravo e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta lei cria tem o objetivo de coibir a manutenção e existência de trabalhadores em

condição análoga ao de escravo, como forma de cumprimento dos princípios fundamentais da

cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Dispõe sobre executoriedade para a finalidade de atingir os fundamentos da República

Federativa do Brasil, em especial ao objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, bem como garantir o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e de

desigualdades sociais.

TÍTULO II

DO TRABALHADOR ANÁLOGO AO ESCRAVO

Art. 2º Para todos os fins, são considerados trabalhadores análogos à condição de escravos,

todos aqueles que:

a) Tiverem restrição de liberdade física ou psicológica em seu local de trabalho;

b) Tiverem seus documentos retidos pelos empregadores ou agenciadores, no intuito de

coação para que o empregado trabalhe em condições degradantes;

c) Estiverem em condição de coação moral ou física, sendo obrigados a permanecerem

no local do trabalho ou vinculados aos empregadores;

d) Estiverem em situação de servidão por dívida;

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e) Receberem punições físicas ou psicológicas exaustivas, no intuito de que os mesmos

não se desliguem do trabalho.

Art. 3º Consideram-se condições degradantes de trabalho, toda situação que for atentatória a

dignidade da pessoa humana e não obedecer aos direitos trabalhistas e demais normas

laborais, especialmente quanto ao local do trabalho.

TÍTULO III

DO SELO DE CERTIFICAÇÃO

Art. 4º Fica instituído o selo CITAEDC – Certificação de Sem Trabalho Análogo ao de

Escravo na Cadeia Produtiva - para certificar que empresas não utilizam de mão-de-obra

análoga a de escravo.

Art. 5º As empresas que desejarem esta certificação necessitarão de parecer favorável do

Ministério do Trabalho e Emprego, através de seus fiscais e auditores do trabalho. O auto de

certificação deverá ser assinado por, pelo menos, três fiscais e/ou auditores do trabalho, sendo

imediatamente comunicado ao Ministério Público do Trabalho para ciência.

Art. 6º Poderá o Representante do Ministério Público do Trabalho impugnar o auto de

certificação, caso em que promoverá a ação extrajudicial ou judicial cabível.

Art. 7º A empresa que receber a certificação poderá utilizar a marca do selo em seus produtos

bem como divulgar a obtenção do mesmo.

Art. 8º A certificação terá o prazo de um ano, podendo ser prorrogado por tempo igual, a

pedido da empresa certificada. Após este prazo, deverá haver nova inspeção para que haja a

renovação.

Art. 9º Encontrados trabalhadores em situações descritas no Art. 1º desta lei, o selo será

imediatamente cassado, sendo a empresa responsável impedida de utilizá-lo, devendo o

Ministério Público do Trabalho ser comunicado, para ciência e medidas cabíveis.

Art. 10º No prazo de sessenta dias, o Ministério do Trabalho e Emprego deverá estar apto a

receber os pedidos de certificação, que serão solicitados pelos empregadores que o desejarem.

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Em igual prazo deve o Ministério do Trabalho e Emprego providenciar imagem para esta

certificação.

TÍTULO IV

SANÇÕES

Art. 11º Ficam impedidas de contratar com o Poder Público, empresas que não possuírem este

selo.

Art. 12º Esta lei não exclui outras medidas aplicáveis aos empregadores que submeterem

trabalhadores a situações degradantes de trabalho.

Art. 13º Esta Lei entra em vigor imediatamente após a sua publicação, por tratar-se de direitos

sociais.

Local, data.

Presidente da República