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Revista Homem, Espao e Tempo. Centro de Cincias Humanas da Universidade Estadual Vale do Acara/UVA. Ano II, nmero 1, maro de 2008. ISSN 1982-3800
A CIDADE DE SOBRAL NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR NO CEAR (1963-1970)
Viviane Prado Bezerra1
ResumoEste artigo faz parte de um estudo mais amplo sobre a Ditadura Militar na cidade de Sobral CE durante os anos de 1963-1970. O que se tem publicado o primeiro captulo dessa pesquisa que primou pelo contexto poltico municipal que estava vivenciando a cidade de Sobral nesse momento. As questes relacionadas s prticas oligrquicas aparecem como uma forma de inserir a cidade num contexto poltico comum a todos os estados nordestinos. Salientamos a poltica dos Coronis como uma extenso da Ditadura Militar no Cear, que serviu de reforo ao mandonismo dos polticos locais e legitimou o paternalismo, nepotismo e clientelismo, vcios de longe arraigados na poltica do interior. O perodo escolhido se justifica pela permanncia das famlias Prado e Barreto, que se revesaram no poder durante todo o Ciclo dos Coronis. Palavras-Chave: Ditadura Militar, Poltica dos Coronis, Oligarquia.
AbstractThis article is part of a broader study on the Ditadura Military in the city of Sobral - EC during the years of 1963-1970. What has been published is the first chapter of this research that primou by municipal political context that was living the city of Sobral at that time. Issues related to the practices oligrquicas appear as a way to enter the city in a political context common to all states nordestinos. Stress the policy of Coronis as an extension of the Military Ditadura in Cear, which served to strengthen the mandonismo of local politicians and the legitimacy paternalism, nepotism and patronage, by far biases rooted in the politics of the interior. The period chosen is justified by the permanence of families Prado and Barreto, who revesaram in power throughout the cycle of Coronis. Keywords: Ditadura Military, Politics of Coronis, Oligarquia
Introduo
Como j mencionado, este artigo compe parte de minha monografia de
graduao, intitulada Memria Poltica de Sobral: ditadura militar em foco
(1963-1970). Com o intuito de estudar sobre a ditadura militar em Sobral, tentei dar
conta do contexto poltico local para entender de que forma a poltica ditatorial era
praticada e entendida no s pelos polticos locais, como tambm pelos meios de
comunicao, leia-se o jornal catlico Correio da Semana e as rdios Educadora do
Nordeste e Tupinamb.
A aproximao com os conflitos e discursos produzidos por essas emissoras
radiofnicas se deu atravs do contato com as Atas da Cmara Municipal de Sobral, de
1968 e com uma carta de Padre Palhano direcionada Abdelmomen Melo. Nesta carta se
revela a influncia da ditadura militar na poltica de Sobral, principalmente quando da
1 Mestranda em Histria Social pela Universidade Federal do Cear/UFC e Bolsista da CAPES
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formao de alianas entre o poder municipal, estadual e federal. A ttulo de
informao, Padre Palhano foi uma forte figura poltica de sobral, eleito deputado
estadual, sendo caado e preso durante a ditadura. Durante sua priso se correspondia
com Abdelmomen, que no momento deste estudo cumpria seu mandato de vereador
pela ARENA.
A entrevista de Abdelmomen Melo nos ajudou a compreender as arbitrariedades
praticadas pela poltica do interior. Tais elementos nos serviram de fontes para construir
um entendimento sobre a atuao da ditadura em sobral num primeiro momento da
pesquisa.
1. A Poltica dos Coronis: uma extenso da ditadura militar no Cear (1963-1970)*
At quando, turbulenta Cmara, abusars de nossa pacincia?(...)Queixumes contrrios ao pensamento ou convico de quem, na esquisita duplicidade legislativa, encontrasse procedncia ao expediente usado pela Cmara de sua predileo para expurgar a outra, ilegtima, espria, desenxabida, embora no soubesse qual a legal. E ainda admitisse no haver insulto cidade que est crescida e merece que se lhe divulgue a importncia, em manchetes, para ser alvo da ateno de todos, mesmo dos que lhe tentam desdoirar, com piadas irnicas, desenvolvendo, l fora, a pecha de Sobral duas-avenidas, Sobral dois cemitrios, Sobral duas-cmaras. (...) 1
Esse trecho extrado de um artigo do jornal Correio da Semana reflete a situao
poltica porque passava a cidade de Sobral em 1968. A reportagem trouxe para a cena
social, atravs dos meios de comunicao, os conflitos vivenciados pela poltica local.
Em todo o artigo percebemos uma insatisfao com a realidade poltica de
Sobral daquele momento. A diviso da Cmara dos vereadores denota quo arbitrria se
mostrava nossa poltica municipal. O autoritarismo e o individualismo dos lderes locais
parecia ultrapassar os limites dos direitos e deveres do poder pblico para com os
cidados fazendo da poltica, atravs de seus mandatos ou assegurados por seu prestgio
poltico, uma arena de disputas pessoais ou partidrias.
A citao acima se remete ao episdio de fechamento da Cmara municipal, em
1968. Segundo Abdelmoumen Melo, vice-presidente da Cmara, na poca, o fato
1* Este artigo resultado de uma adaptao do primeiro captulo de minha monografia: BEZERRA, Viviane Prado. Memria poltica de Sobral - ditadura militar em foco (1963-1970). Sobral CE: Universidade Estadual Vale do Acara UVA, 2004. Sob orientao do Prof. Ms. Agenor Soares e Silva Jr.1 Correio da Semana, Sobral. 14 de maio de 1968. Ano 51. N. 02. P. 07.
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ocorreu quando em uma seo de reunio houve um desentendimento entre os
partidrios de Cesrio Barreto (ARENA), que governara de 1963 a 1966, e o presidente
da Cmara, Jos da Mata (ARENA), que era partidrio do ento prefeito Jernimo
Prado.
Tal desentendimento resultou na retirada de Jos da Mata e de toda sua bancada,
como manifestao de apoio. A partir disso, os vereadores coligados a Cesrio Barreto,
a mando deste, fecharam a Cmara e passaram a impedir que seus adversrios
cumprissem o expediente. A inteno de tal ato, seria a cassao de todos os vereadores
coligados a Jernimo Prado. Assim, no prazo de cinco dias sem expediente, pela lei,
qualquer vereador perderia seus mandatos.
Como lembra Seu Abdelmoumen,
... no porque comearam a criticar o Z da Mata numa seo ordinria, e o Z da Mata muito zangado e tudo, retirou-se e pediu a bancada pra nos retirar, ns nos retiramos. A, eles tomaram conta da Cmara, fecharam e ficaram fazendo seo secreta... pensando nos cassar, n? A, quando foi no quinto dia, ns vimos que o negcio tava srio e quebramos a Cmara. As portas muito largas do tempo do Imprio, ns quebramos de marreta. 2
Como podemos notar, a poltica do interior se mostrava impregnada de
particularidades que retratava, no s as irregularidades da poltica municipal como
tambm a prpria estrutura de poder na qual estava alicerada tal poltica.
O estado do Cear, nesse momento, vivia sob a Poltica dos Coronis. Os
governadores Adauto Bezerra, Viglio Tvora e Csar Cals, proporcionaram, nesse
perodo, uma materializao das prticas culturais sobreviventes ao fim do sistema
oligrquico no Brasil. Tal cultura nortearia toda estrutura de poder local abrindo
margem para arbitrariedades que marcariam a poltica do interior.
O fato do fechamento da Cmara e sua conseqente diviso em duas, coincidem
com o fato de se ter no universo poltico de Sobral espao para a existncia de duas
faces da ARENA, ARENA I e ARENA II. Essa caracterstica da poltica local vem a
legitimar a atuao dos vereadores e a fortalecer a idia de mandonismo e autoritarismo
como variantes da prtica de nossa poltica.
Tal diviso demonstra tambm a expresso que o partido oficial da ditadura
militar alcanou em Sobral. Pensamos esse cisma como resultado de intrigas polticas
2 Abdelmoumen Melo, Sobral. Entrevista gravada em 1. de outubro de 2003.
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locais entre as famlias Prado e Barreto, mas tambm como uma resistncia ao
bipartidarismo ditatorial.
Com a Poltica dos Coronis a representao da ARENA, enquanto partido
poltico, se tornou ainda mais freqente no interior do estado. No entanto, a partir
dessas variaes partidrias que percebemos a fragilidade da poltica quando se pensa
em homogeneizar ideologias e fidelidades partidrias. Nesse sentido;
... a Poltica dos Coronis tinha duas tticas: a) unio na cpula e b) diviso nas bases, com isto no sobrava espao para o MDB ou o surgimento de novas lideranas. 3
Por outro lado, ... a fragilidade desse acordo (dos coronis), portanto, era a falta
de fidelidade nas bases. 4
Desse modo, os conflitos polticos de 1968 tornaram-se visveis para a
populao. O povo assistia perplexo s irregularidades praticadas pelos lderes locais.
Os meios de comunicao, jornal Correio da Semana e as rdios Educadora do
Nordeste e Tupinamb, se encarregaram de repassar tais acontecimentos articulando-os
em discursos que se forjavam para justificar, defender ou criticar, um ou outro lado
envolvido.
Em 21 de setembro de 1968, encontramos na seo de poltica do Correio da
Semana uma meno ao fato das duas Cmaras, o vereador Francisco Cndido
(ARENA) faz saber a populao local de sua insatisfao por conta de tal desrespeito
com a poltica e com os cidados de Sobral. Assim,
O vereador Francisco Cndido Nascimento vem afirmando diria e publicamente a sua firme disposio de ingressar no M.D.B., em face das inmeras irregularidades promovidas pela ARENA sobralense, as quais j ultrapassaram as fronteiras do nosso Estado, e at mesmo do Pas, para vergonha de todos ns, como o caso da instalao de (2) Cmaras municipais, cujos responsveis, naturalmente iro receber o repdio do povo nas prximas eleies, porquanto os sobralenses sabem perfeitamente quem foi o principal responsvel por esta idia, bem como, sabe quem fornece instrues para que permaneam funcionando as duas Cmaras. 5
. A notcia repassada pelo jornal com o cuidado de no citar nomes. Fala-se de
um responsvel, no entanto, deixam subentendido aos leitores o nome e os discursos
polticos que estiveram por trs dessa diviso. Tal comportamento faz-nos perceber o 3 PARENTE, F. J. C. O Cear dos ``coronis`` (1945 a 1986) In: Uma nova histria do Cear. Org. SOUZA, Simone. Fortaleza: Edies Demcrito Rocha, 2000. Pp. 381-408. P.403.4 Idem, p. 405.5 Correio da Semana, Sobral. 21 de setembro de 1968. Ano 51. N.22. p. 02. (Grifos meus)
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Correio como um jornal moderado, no sentido de evitar um envolvimento direto com
uma ou outra faco poltica. Assim, esse jornal cumpria com sua funo de meio de
comunicao social informando sobre os fatos que assolavam a cena urbana, porm, no
se comprometia politicamente com nenhuma liderana local.
Nesse sentido, os discursos polticos precisam ser esmiuados de modo que se
possa perceber o jogo de interesses que ronda as figuras polticas que se apropriam de
tais discursos. No entanto, esses discursos no se concebem desvinculados do campo
ideolgico, que, por sua vez, forjam no social um imaginrio simblico capaz de
intervir num dado momento histrico. Tomando Castoriadis, o discurso no
independente do simbolismo [...] o discurso tomado pelo simbolismo. 6
Partindo desses conflitos polticos, numa tentativa de entendermos nossa
estrutura de poder local, pensamos a Poltica dos Coronis como forma de
contextualizao das arbitrariedades e prticas de carter oligrquico observado no
universo poltico de nossa cidade. Desse modo, a existncia de tal Poltica serviu
como apoio ao projeto de integrao nacional desenvolvido a partir de 1964, legitimado
pela ditadura militar no Brasil.
No Cear, estado que se viu desenvolver sob os lucros do charque e do algodo,
salvo os avanos industriais e o processo de urbanizao intensificado, principalmente a
partir de 1970, e aqui, teramos que levar em considerao toda a conjuntura nacional de
regime militar, de abertura ao capital estrangeiro, de mecanizao do campo e,
consequentemente, o crescimento populacional das cidades. Esse estado pode-se dizer
teve sua economia calcada na cultura agropecuria 7.
Levando em considerao a estrutura fundiria (latifundiria), concentradora e
excludente, que permeia a realidade nordestina, arrisca-se em dizer que, dessa forma,
constri-se no Cear, um ambiente propcio para o desenvolvimento de uma poltica
baseada em prticas de nivelamento social. Nesse sentido, destacamos o hbito de
apadrinhamentos, que, de certa forma, tende a trazer uma maior aproximao
apresentada nas relaes de amizade/intimidade entre famlias ricas e pobres,
principalmente em anos eleitorais, quando se trata de famlias tradicionalmente polticas
de diversas regies do Cear. Ou seja, prticas clientelistas e de dominao pessoal.
6 CASTORIADIS, C. A instituio imaginria da sociedade. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1995. P. 169.7 Sobre a importncia da comercializao do Charque e da produo de algodo para o desenvolvimento do Cear ver: GIRO, V. C. As charqueadas. In: Histria do Cear. Org. Souza, Simone. Fortaleza: Fundao Demcrito Rocha, 1995. Pp.65-85
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Como ressalta Gabriel Vasconcelos: Malgrado s transformaes scio-polticas, o
Cear mostra-se muito receptivo a sistema de mando que guardam similitudes com a
estrutura prpria de um tempo em que o mandonismo local se apoiava essencialmente
no coronelismo... 8
Em nvel local, quase todos os municpios cearenses, por um perodo de sua
histria, tiveram chefes polticos descendentes de uma mesma famlia, ou quando no,
os prefeitos eleitos eram aqueles indicados ou apoiados por essas tradicionais famlias
polticas. A exemplo disso podemos destacar as oligarquias dos Silveira/Oliveira em
Acara, dos Aguiar/Coelho, em Camocim, dos Arruda, em Granja e, quela que nos
interessa neste trabalho, a oligarquia Prado/Barreto em Sobral.
Por outro lado, para Josnio Parente9, apesar de se verificar na poltica cearense
a predominncia de famlias fortalecidas politicamente pela fidelidade de seus eleitores,
ou ainda admitir-se a existncia do clientelismo, no significa admitir o estado do cear
enquanto produtor de oligarquias.
``O caso da chamada oligarquia accioly, no comeo do sculo, e dos coronis (Virglio Tvora, Adauto Bezerra e Csar Cals), na dcada de 1970, surgem como conseqncias alheias estrutura interna da sociedade cearense, e por isso mesmo, no se sustentam como suporte para confirmar a existncia do coronelismo oligarquias fortes internamente no Estado do Cear.``10
Partindo desse ponto de vista, seria ingenuidade no perceber na esfera social as
representaes simblicas11 que regem as relaes sociais no estado do Cear.
Fala-se em representaes simblicas com o sentido de mostrar a importncia
que a tradio familiar, a parentela, o compadrio, a troca de favores, ou at mesmo a
apropriao de instituies que atingem o mbito do sagrado ou do ideolgico, como o
caso do casamento e da fidelidade partidria, representam para o universo simblico da
cultura oligrquica enquanto sustentadoras da estrutura do poder vigente.
Vinculaes de sangue e casamento, bem como laos imaginrios ou rituais, influenciariam fortemente as associaes econmicas e polticas[...]durante a era
8 VASCONCELOS, G. A.A . Bela Cruz nossa! Os Silveira/Oliveira e seus caminhos: (1966-1996). Programa de Ps-Graduao, UFPE. 2000. p109 ( Dissertao de Mestrado)9 PARENTE . Op. Cit. Quanto a no formao de Oligarquias no Cear, Parente atribui ao fato da fragilidade poltica das elites cearenses, das quais no conseguem eleger seus candidatos por mandatos sucessivos.10 Ibidem, p.38311 Quanto ao universo simblico e a apropriao dos smbolos e suas representaes na sociedade ver CASTORIADIS, C. A instituio imaginria da sociedade. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1995.
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das oligarquias[...]. O grupo familiar selecionava pessoas de fora, particularmente atravs do casamento, acomodando-os como membros do grupo, segundo categorias de recrutamento. 12
A citao acima nos serve para exemplificar uma prtica presente na poltica
nordestina. De forma geral, e aqui, mesmo consciente das contradies acerca das
generalizaes, arriscamo-nos em trazer para a nossa realidade cearense uma
caracterstica da poltica paraibana, posto que num estudo de caso da poltica do Cear
tambm observamos o casamento, assim como alianas partidrias uma forma de
fortalecimento poltico das famlias detentoras do poder local.
Em particular, na nossa pesquisa, no encontramos a utilizao do casamento
como prtica comum de aliana poltica entre as famlias em questo, no entanto,
achamos conveniente a citao do caso paraibano no sentido de mostrar que as prticas
de cunho oligrquico ultrapassam fronteiras no s simblicas como tambm
territoriais.
Ainda sob essa linha de raciocnio,
A oligarquia o governo de uma ou poucas famlias, gerindo autoritariamente os destinos polticos do povo, sob o jugo de suas ambies[...]. o despotismo superposto a justia e ao direito, suplantando at as garantias de vida e propriedade! [...]. Os costumes- o carter, o merecimento- a honra e dignidade social, no existem para os politiqueiros que fazem profisso de lisonja da intriga e da passividade, pondo-se a servio dos usurpadores. 13
De acordo com essa definio de oligarquia muitos autores divergem de Parente.
Tanto Vasconcelos como Gondim14 reafirmam o estado do Cear enquanto espao
propcio para a formao dessas oligarquias. Dessa forma, o ciclo dos coronis15 que
governou o Cear durante todo o regime militar, aparece no cenrio poltico cearense
subsidiado por prticas clientelistas, ao mesmo tempo em que explora o universo
simblico se apropriando da figura do coronel, que numa dada realidade histrica
representou um cone do sistema oligrquico brasileiro.
12 VASCOCELOS, Op. Cit, p. 55 apud LEWIN, L. Poltica e parentela na Paraba: um estudo de caso da oligarquia familiar. Rio de Janeiro. Record, 1993. P.115.13 VASCOCELOS, Op. Cit. P.57 apud RODRIGUES, I. C. A gangorra do poder (Paraba 188-1930)Trecho extrado do Manifesto publicado no Estado da Parahyba, Parayba, edio de 19 nov 1911.14 GONDIM, L. M. P. Clientelismo e modernidade nas polticas pblicas Os governos das mudanas no Cear (1987-1994). Editora Uniju. RS, 199815 Ciclo do Coronis : Virglio Tvora 9192-1966); Plcido Castelo (1967-1970); Csar Cals (1971-1974); Adauto Bezerra (1975-1978); Virglio Tvora (1979-1982) e Gonzaga mota (1983-1986)
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No caso do ciclo dos coronis, as figuras de Adauto Bezerra , Virglio Tvora e
Csar Cals emergem como chefes polticos fortes. Assegurados pelo aparelho repressor
do Estado ditatorial do Brasil e mesclando o discurso desenvolvimentista daquele
momento com prticas clientelistas, esses coronis fizeram do Cear um reduto das
caractersticas do sistema oligrquico de outrora.
Conforme esse quadro poltico, revestido por prticas clientelistas, populistas e
dominadoras, no interior do estado cearense observou-se a predominncia de algumas
famlias no controle do poder municipal, que tambm utilizaram largamente esses
mecanismos de governo.
Dessa forma, sombra do ciclo dos coronis, no interior do estado
consolidava-se a oligarquia Prado/Barreto em Sobral. No oligarquia enquanto
sistema, mas enquanto conjunto de signos/representaes resistentes ou sobreviventes
ao fim desse sistema.
Nessa perspectiva, acredita-se que o ciclo dos coronis tenha significado uma
extenso da ditadura militar no Cear. No no sentido de ampliao do sistema
repressor ou dos mecanismos de censura instalados no Brasil a partir de 1964, mas,
principalmente, com relao ao apoio que tais governos demonstraram aos generais-
presidentes durante todo o regime.
Tal apoio no se desenvolveu com neutralidade. H, nesse caso, uma troca de
interesses que, favorecia o governo federal, j que com o apoio do Cear, dentro do
projeto de integrao nacional, as metas propostas por esse governo no seriam
desrespeitadas, considerando que dentro do nordeste se destacaram Recife e Sergipe
como plos de resistncia. No seria interessante para o poder central se confrontar com
mais um estado nordestino, do mesmo modo, o governo estadual tambm se favorecia,
posto que o acordo dos coronis, para controle do Cear, s pde ter existido e resistido
dentro da nova organizao poltico-eleitoral (eleies indiretas) instituda pela ditadura.
Dessa forma, ...a poltica ps- 64 fortaleceu lideranas como Virglio Tvora, j
em ascenso no perodo anterior, Adauto Bezerra e Csar Cals. Esse fortalecimento,
contudo, era devido fora do governo central. 16
No entanto, apenas a partir de 1963 que se pode observar a alternncia das
famlias Prado/Barreto no controle municipal. At ento no se verifica uma sucesso
16 PARENTE, Op. Cit., p. 408.
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uniforme das elites polticas sobralense na prefeitura. Esse ltimo fato vem significar,
aos olhos de Parente, a comprovao do Cear enquanto estado no formador de
oligarquias fortes, posto que para esse autor a famlia no pode ser tomada como critrio
de oligarquia. Em suas palavras:
A famlia no Cear no indica oligarquia e nem um critrio de fidelidade partidria, sobretudo em se tratando da zona norte do estado. A fidelidade circunstancial est na capacidade de distribuir recuo em momentos especficos. O clientelismo, ento, no sinnimo de coronelismo, de oligarquias fortes internamente, mas um mecanismo tradicional de criar fidelidades quando a ideologia no consegue. 17
Desse modo, a famlia, representando ou no elemento formador de oligarquia,
no empobrece o fato das famlias citadas terem se revezado na prefeitura de Sobral de
1963 at 1994, ou seja, o que nos interessa, por hora, o fato de tais famlias terem se
mantido no poder por trs dcadas consecutivas.
Em 1963, elege-se prefeito Cesrio Barreto Lima. Logo aps seu mandato, nas
eleies de 1966, assume a prefeitura, Jernimo Medeiros Prado. Desse modo, estavam
plantadas as sementes do domnio Prado/Barreto que decidiriam a vida poltica de
Sobral durante toda a sobrevida do ciclo dos coronis, portanto, durante todo o regime
militar no Brasil.
A partir de ento, a cada eleio, Sobral se preparava para receber em seu
governo, o representante de um ou outro grupo hegemnico. Em 1971, a prefeitura volta
s mos dos Barretos, desta vez, sob o comando de Joaquim Barreto Lima. Este se
mantm na prefeitura apenas por dois anos, devido o ato institucional n. 11, de 14 de
agosto de 1969, que tinha o interesse de igualar os mandatos dos prefeitos e dos
governadores. Dessa forma, O ato institucional n. 11, de 14 de agosto de 1969, alterou
a data da posse dos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, bem como a durao de seus
mandatos, sob alegao de ser dispendioso realizarem-se eleies de dois em dois
anos. 18
Em seguida, ao fim de seu mandato, nas eleies de 1972, elege-se para prefeito
Jos Parente Prado. Cristalizava-se, assim, a dobradinha Prado/Barreto em Sobral.
17 Ibidem, p. 38618 VASCOCELOS, Op. Cit., p. 49
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Esse fenmeno poltico se repetiria at 1994, quando o ento prefeito Ricardo Barreto
Dias, teria seu mandato cassado por praticar desfalque no oramento municipal.
No entanto, cabe a este trabalho, deter-se apenas nos mandatos de Cesrio
Barreto e Jernimo Prado, ou seja, de 1963 a 1970.
Nessa perspectiva, esta pesquisa no tem o intuito de mostrar Sobral, enquanto
cidade oligrquica, mas de apresentar esta cidade como mais uma representante da
estrutura de poder local, inserida em um contexto poltico, predominante em grande
parte do estado do Cear.
Desse modo, para melhor entendermos esse universo da cultura oligrquica em
Sobral, faz-se necessrio recorrermos s atas de reunies da cmara municipal, de 1968.
Enquanto fonte histrica, as atas utilizadas em nossa pesquisa representam para ns o
registro de discursos que foram forjados por sujeitos tambm histricos, portanto,
discursos impregnados de significados e subjetivismos, porque foram construdos no
calor da hora, que merecem o destaque de anlise que, por hora, dedicamos a elas.
''... facultada a palavra, usou a palavra o vereador Antnio de Lisboa, comentando inicialmente, que sempre se batia junto aos colegas no sentido de no serem respondidas certos massacres encetados pela situao, que para satisfazer caprichos polticos , desrespeitava at mesmo a justia, terminando frisou o orador, que continuavam de viglia, de fronte erguida com a mesma fora destemida resguardando seus direitos, dado pelo voto e pela justia . Continuando facultada a palavra fez uso o vereador Francisco Cndido, que em longa orao, descreveu os acontecimentos polticos, que ora atravessa o municpio de Sobral., fazendo um relato minucioso da conduta do ex- presidente desta casa, Jos da Mata e Silva, desde o incio da presente Legislatura at os ltimos instantes da presidncia, que durante este perodo, o Sr. Jos da Mata, prevalecendo-se da posio, abusou do poder por sua intempestividade e desrespeito a justia, cassava e extinguia mandatos, afora outras sries de arbitrariedades cometidas, satisfazendo desta maneira, os desejos de politiqueiros, prosseguindo o orador, fez vrias crticas a administrao municipal, inclusive, referentes a bolsas de estudo e admisso de parentes no servio pblico municipal...' ' 1 9
Observando a fala do vereador Francisco Cndido (ARENA), vemos em seu
discurso um protesto contra o autoritarismo, o proselitismo, o clientelismo e, por ltimo,
contra o nepotismo. Esse trecho da ata nos permite pensar que a poltica local no esteve
livre das prticas oligrquicas, anteriormente to explicitadas. Tampouco no nos
escapa a incoerncia do discurso do vereador, quando recorre aos direitos polticos 19 Ata da 16 sesso ordinria da cmara municipal de Sobral realizada em 23 de abril de 1968. (grifos meus)
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sancionados pela legitimidade do voto, quando na realidade brasileira daquele momento
o voto se transformara num elemento secundrio e sem carter representativo nas
eleies nacionais e estaduais, posto que o que se tinha era um sistema antidemocrtico
embalado por um processo de eleies indiretas.
Notamos tambm, que esses mecanismos polticos no passaram despercebidos
aos olhos do meio poltico sobralense. Tampouco se fizeram invisveis para uma parcela
''politizada'' da cidade.
Se tomarmos como exemplo outra ata de 1968, veremos que nesse ano, Sobral
parecia ferver em meio a seus acontecimentos. Por mais uma vez o vereador Francisco
Cndido se fez presente:
''... facultada a palavra, o vereador Francisco Cndido ocupou a tribuna, iniciando fez um requerimento a presidncia da casa, no sentido de fazer uma consulta ao nosso setor jurdico particular, de acordo com a Lei de Segurana Nacional, sbre os constantes ataques feitos atravs da Rdio tupinamb de Sobral, com relao a problemas pessoais de vereadores e at mesmo da cmara, o qual submetido a discusso e votao, teve aprovao unnime.''20
Portanto, nos parece cabvel pensar que os desentendimentos polticos, ou
mesmo, o jogo de interesses, que envolviam alguns polticos locais extravasaram a
prpria esfera poltica, ou seja, externaram-se dos muros da cmara e prefeitura
municipais. Atravs de programas de rdio, a populao civil passava a ter
conhecimento de tais acontecimentos, passava ento a se envolver no universo poltico
da cidade e, dessa forma, a absorver os discursos construdos por um ou outro lado
envolvido.
Nesse momento, a cidade passava por conflitos polticos que mostravam para a
populao a fora da cultura oligrquica como variante das prticas polticas observadas
no interior do estado. A diviso da ARENA e a diviso da Cmara municipal
representaram, a nosso ver, a expresso mxima do poder que as famlias Prado e
Barreto, enquanto representantes dessa cultura, exerceram sobre o universo poltico de
Sobral.
Percebemos que o cenrio social se mostra impregnado de discursos e
representaes simblicas que invadem o coletivo de maneira quase imperceptvel.
20 Ata da 18 sesso ordinria da cmara municipal de Sobral realizada em 25 de abril de 1968. (grifos meus)
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Uma das estratgias mais universais do poder simblico consiste assim em pr o senso
comum do seu prprio lado apropriando-se das palavras que esto investidas de valor
por todo o grupo, porque so depositrios da crena deles.21 Nessa perspectiva o campo
poltico, bem como o campo social, tambm est repleto de significados que precisam
ser interpretados e discutidos.
Na mesma ata no nos possa despercebida, por parte do orador, a apropriao de
um artifcio jurdico, tpico do estado ditatorial brasileiro, a Lei de Segurana Nacional.
A apelao Lei de Segurana Nacional nos remete quilo que analisamos no
comeo, ou seja, a ditadura militar no Brasil se estendeu em todos os estados e
municpios do pas. Atravs desse artifcio, tentava-se justificar todas as arbitrariedades
cometidas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judicirio.
Como disse Drosdoff:
As leis de segurana nacional eram to abrangentes que podiam ser aplicadas a quase qualquer faceta da vida do pas. Os tribunais militares se defrontavam com casos que chegavam s raias do absurdo, mas muitas autoridades viam as leis de segurana como mecanismos convenientes para contrapor a seus adversrios, quaisquer que fossem.22
Nesse sentido, vemos quo impregnada estava a ideologia de um Estado
concentrador e regulador do meio social no Brasil. O significado da palavra segurana
passava a obter novos sentidos, por muitas vezes, at perdendo seu carter jurdico, no
passando de desculpa para justificar desentendimentos polticos ou particulares como o
que vimos na ata citada.
De outro modo, encontramos em trechos da entrevista de Abdelmoumem Melo,
aquilo que vnhamos questionando desde o incio deste captulo: a poltica dos coronis
enquanto extenso da ditadura militar no Cear. Quando perguntado sobre a relao dos
governos estadual e municipal, o ento vereador em 1964 responde:
...a relao era boa, era sempre muito boa porque o governo sempre queria voto em Sobral para os deputados dele e sempre dava muita ateno... o Cesrio Barreto teve muito prestgio com o governador Virglio Tvora... 23
21 BOURDIEU, P. O Poder Simblico. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 2001. p. 21.22 DROSDOFF, D. Linha dura no Brasil. Global. So Paulo, 2000. p. 84.23 Abdelmoumen Melo. Entrevistado em 01/10/03. Sobral - CE
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Isso denota uma situao singular do Estado ditatorial do Brasil, ou seja, essa
poltica dos coronis, ou ainda, todas aquelas prticas de carter oligrquico, que j
foram por ns apresentadas, s ganharam espao devido nova forma de organizao
poltico-eleitoral (eleies indiretas), assegurada pela fora do governo federal.
Durante a Ditadura, o estado do Cear proporcionou a j decadente cultura
oligrquica uma forma de se mostrar presente atravs de seus signos e representaes
amplamente explorados pelos lderes da poltica local. Como definiu Abdelmoumen
Melo:
...a Revoluo aqui, ...quer dizer, essa intriga era mais local, era mais do municpio. Tudo quanto vinha l de cima, o povo aceitava. Aqui era uma briga mais municipal, porque as faces no se entendiam e tinha os grupos polticos, aqui era mais uma briga entre grupos.24
Esse depoimento nos permite identificar certo absolutismo dos polticos da
poca. A poltica do interior era alvo das vontades autoritrias de quem se encontrava
no governo municipal.
Aquela poltica clientelista, proselitista, nepotista e autoritria que havia se
formado mesmo antes do Golpe de 1964, no estado do Cear, permaneceu fiel aos seus
caracteres durante todo o regime militar no Brasil.
Comparando dois trechos citados pelo nosso entrevistado, percebemos a cidade
de Sobral inserida na poltica acima caracterizada.
... O Chico Monte nunca perdoou ser derrotado pelo Palhano, Chico Monte toda vida mandou em Sobral, toda vida elegeu seus prefeitos. No perdoava nunca... 2 5
Esse trecho nos remete a um perodo anterior ao golpe militar, perodo de visvel
mandonismo poltico em Sobral. Em seguida veremos o comportamento poltico do
ento prefeito Cesrio Barreto (1963-1966), um perodo posterior Ditadura.
... mas o Cesrio nos perseguiu, foi muita gente preso e essas perseguies..., Palhano cassado, ns passvamos na rua humilhado... porque era adversrio do Cesrio Barreto, ns ramos Jeromistas. 26
24 Idem.25 Idem.26 Idem.
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Nessa parte da entrevista, alm de ficar claro os continusmos polticos retirados
do sistema oligrquico de outrora, tambm denota uma representao do contexto
poltico no qual o restante do pas se encontrava imerso. Numa carta de 1972, em que
Padre Palhano27 escreve a Abdelmoumen Melo se justificando pelo fato de ter se
omitido solicitao feita por Cesrio Barreto, possivelmente para que este se
posicionasse em favor de sua faco poltica nas eleies municipais daquele ano,
percebemos a sutileza com que a realidade repressora da ditadura atuou em Sobral.
Escreve-se na carta:
A propsito da solicitao feita pelo Cesrio por via telefonica, o que no deixou de ser uma imprudencia, desejo-lhe informar, para chegar ao conhecimento do mesmo, que a Polcia Federal do Cear recentemente convocou todos os cassados a fim de lembrar-lhes o que preceitua o respectivo Estatuto, como sobretudo para recomendar-lhes sob ameaa, que na presente disputa eleitoral se mantivessem completamente afastados, evitando qualquer pronunciamento, recomendao, que direta ou indiretamente pudesse redundar em proveito de algum candidato, quer da Arena ou do MDB. Disto j tinha conhecimento prvio h cerca de trs meses, e sabia dessa disposio fiscalizadora e repressiva que os altos escales da revoluo pretendiam adotar por intermdio da Polcia Federal. ... 28
Deste trecho, ressaltamos as estratgias de neutralizao poltica que as foras
armadas se utilizaram para cercear a atuao dos partidos locais, j que eleies federais
e estaduais obedeciam a um sistema indireto. O cuidado maior devia recair sobre as
eleies municipais, impedindo assim que surgisse no interior dos estados um esquema
forte de oposio ao regime vigente. Impedido que influncias ideolgicas opostas aos
pressupostos da revoluo fossem disseminadas, j que se pressupe que se os
cassados deviam se manter afastados, inclusive sob ameaa, certamente porque
deviam representar alguma ameaa ditadura, ou ento no teriam sido cassados.
Embora se considerando injustiado quanto ao processo de sua cassao, Padre
Palhano em suas palavras nos deixa indcios de quo vigiada era o dia-a-dia dos
polticos do Brasil ditatorial e se revela consciente de sua posio de risco com a
represso alm de desnudar os mecanismos de sobrevivncia a essa censura. No
decorrer da carta o padre confessa ao amigo distante:
27 Padre Palhano foi uma importante figura poltica de Sobral. Pupila de Dom Jos Tupinamb da Frota, primeiro Bispo de Sobral e mito fundador da cidade, Pe. Palhano foi prefeito e deputado estadual, ocasio em que teve seu mandato cassado e, posteriormente, foi preso por dez anos. 28 Cmara dos Deputados. Rio, 14 de outubro de 1972. Carta de padre Palhano destinada Abdelmoumen Melo.
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...No podia revelar a origem e nem fonte da informao que tinha. Apenas deveria, defender como se diz, a minha pele, e eis a a causa da omisso tanto minha como da Rdio, fato que estranharam, mas acredito, post factum, e conhecendo as disposies de que esto investidos os que no momento detm o poder, havero de reconhecer, que estou agindo sensatamente e com toda prudncia. O meu compadre sabia dos meus propsitos, de modo que lamento a situao, embora feliz, pois sou vtima de uma cassao injusta e injustificvel. Agora s resta aos que contriburam para a consumao dessa injustia, festejarem a minha atual impossibilidade de ajud-los como era meu desejo. ... 29
No final do trecho, aparece uma declarao que nos chama ateno para o que
tanto ressaltamos nesse artigo, que so as arbitrariedades e contradies polticas
presentes nas aes e discursos da Arena dividida. Ao que tudo indica Cesrio Barreto
enquanto prefeito de Sobral foi condizente com a cassao de Pe. Palhano e agora,
contraditoriamente, buscava apoio partidrio. Desse modo, pensamos a poltica de
Sobral com caractersticas oligrquicas, autoritria, mas que mesmo com expressivo
apoio ditadura vigente, ressaltamos existncia de duas arenas e quase nenhuma
representao do MDB, no esteve livre de fiscalizaes e do controle dos atos e
manifestaes dos polticos locais. Pe. Palhano sabia dessas limitaes e alertou ao
amigo abdelmoumen do risco que corriam e que lhe colocavam aqueles que com ele
tratassem assuntos polticos de qualquer natureza. Assim encerra sua carta:
Veja que sempre sou e estou bem informado. Quando telegrafei fazendo recomendao para no me tratar assuntos polticos por telefone, era tirando carta de seguro, pois sei que tudo hoje em dia gravado, e quando fosse porventura advertido, teria j preparada a defesa, compreendeu? Peo prevenir de tudo isto ao Cesrio .... A coisa est meio dura, e no se pode brincar com fogo. Graas a Deus, estou longe da. A rdio tem o canal a ttulo precrio: qualquer imprudencia lhe ser tomado, ento o bom senso manda que se deve agir com as devidas precaues. Estou certo de que esse fato no prejudicar o esquema do Cesrio, bastante fortalecido. 30
Nesse sentido, remexer no passado implica descobrir um universo de
possibilidades de entendimentos e interpretaes capazes de construir, destruir ou
simplesmente transformar vises e explicaes sobre fatos histricos que nos so
apresentados de forma objetiva, acabada, fechada para possveis discusses e
problematizaes. O contato com as fontes de pesquisa, seja de que carter for,
proporciona uma maior liberdade de interpretao desses fatos, possibilitando uma
maior proximidade do pesquisador com seu objeto de anlise.29 Idem.30 Ibidem.
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Dissertao de Mestrado,
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