Sobre a Fenomenologia Da Vida de Barbaras

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Sobre a fenomenologia de Barbaras.

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    em proveito da conscincia. Sendo assim, possvel defender que a compreenso

    da intersubjetividade em Merleau-Ponty permeada pelo necessrio trabalho crtico

    desempenhado por Barbaras pode fornecer elementos para uma fenomenologia

    da vida, segundo caminhos ainda no explorados por Barbaras. A respeito ver S.S. Ramos. A prosa de Dora. Uma leitura da articulao entre natureza e cultura na filosofia de Merleau-Ponty. So Paulo: Edusp, no prelo. 6. A obra de Barbaras certamente tirar consequncias dessa formulao, abrindo

    novos caminhos para se pensar a temporalidade. Contudo, o que me interessa aqui iluminar as possibilidades abertas pelo pensamento de Merleau-Ponty ao confront-lo com as crticas de Barbaras. Sendo assim, devo salientar que Barbaras no desenvolveu ainda uma perspectiva para que se possa pensar como se d o acmulo de experincia. O passado em Barbaras a nostalgia de uma completude perdida (e irrecupervel no nvel da experincia vivente); ele no algo que se desenha ou que se produz no interior da prpria experincia. Voltaremos a esse problema adiante.7. Dizer que o hbito uma queda no emprico daquilo que um dia foi criao significa,

    no caso de Merleau-Ponty, afirmar que os comportamentos adquiridos se realizam

    tal como a experincia vital: eles permitem a adaptao ao meio so normativos,

    portanto , mas no so produtores de smbolos. A passagem do primeiro ao ltimo

    Merleau-Ponty realiza essa virada: o filsofo deixa de compreender o acmulo de

    experincia isto , o passado segundo a queda no emprico, para compreend-lo

    como produo simblica. Defendo em minha pesquisa que essa passagem depende de uma nova teoria do imaginrio, esboada na obra final de Merleau-Ponty.

    8. O que Merleau-Ponty chama de sistema de equivalncias, o qual define o prprio

    tempo (cf. M. Merleau-Ponty 12, p. 235).

    renauD BarBaras e a vitaliDaDe Da fenomenologia1

    mariana larison*

    Resumo: A fenomenologia de Renaud Barbaras uma das poucas que continua hoje tentando aprofundar, de maneira original, o caminho aberto pela fenomenologia husserliana. Mas qual , precisamente, o caminho escolhido por Barbaras para se inscrever na tradio fenomenolgica? De que modo se insere no dilogo

    aberto por esta tradio? Neste texto, tentaremos repor os problemas e conceitos

    principais que nos permitem compreender a continuidade e a ruptura que apresenta a fenomenologia barbarasiana em relao a esta tradio, assim como alguns dos limites de sua prpria proposta.Palavras-chave: intencionalidade, fenomenologia, Barbaras, vida, desejo.

    A obra do filsofo Renaud Barbaras parece se inscrever dentro da

    longa linha de pensadores que formaram, a partir do comeo do sculo XX, a escola fenomenolgica. Seu trabalho, tanto crtico quanto propriamente filosfico, aparece como um esforo por continuar e estender, um sculo

    mais tarde, os limites da pesquisa do campo fenomenal a partir de perguntas e motivos contemporneos.2

    Mas, se claro que o projeto barbarasiano se inscreve no vasto campo da escola fenomenolgica, no to bvio de que modo se produz esta inscrio: em que sentido Barbaras , efetivamente, um fenomenlogo? O que caracteriza seu pensamento como fenomenolgico? Sua referncia aos

    autores da tradio fenomenolgica? Utilizar seu vocabulrio? Participar

    * Ps-doutoranda do Departamento de Filosofia da USP (bolsista Fapesp).

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    de certos temas comuns? Ou a constatao de um verdadeiro dilogo,

    no qual certos problemas, conceitos e pressupostos so compartilhados, transformados e/ou superados de maneira propriamente fenomenolgica?

    Procurar responder a estas questes nos obriga, porm, perguntar primeiramente, de um modo mais geral, qual o problema retomado na fenomenologia barbarasiana que podemos reconhecer na instituio mesma da fenomenologia e de que maneira a repetio deste questionamento, no seu caso, produz novas formas e encontra novos limites.

    I

    Desta maneira, onde situamos o momento da instituio da fenomenologia como movimento do pensar? Esta pergunta seria, sem

    dvida, muito difcil de responder dentro dos limites de um artigo. No entanto, se a delimitamos no estrito limite do problema que nos orienta isto , com qual aspecto do movimento fenomenolgico o pensamento

    barbarasiano pode se afiliar , a questo nos parece bem menos complicada.

    Nesse contexto, com efeito, podemos situar tal momento no cruzamento de dois pensamentos e, mais precisamente, no dilogo aberto pela leitura husserliana do primeiro capitulo do livro II da Psicologia do ponto de vista emprico (Brentano, 6) de seu mestre Franz Brentano.

    Lembremos em que consiste, mais precisamente, este dilogo.Brentano escreve em 1874 sua Psicologia do ponto de vista

    emprico, obra fundamental da moderna psicologia experimental, a qual abre pela primeira vez o campo da psicologia como disciplina autnoma, distinguindo-a tanto da fisiologia quanto da filosofia. Ali se estabelecem,

    com efeito, critrios que permitiram delimitar o domnio prprio da psicologia como cincia dos fenmenos psquicos, em oposio s cincias

    dos fenmenos fsicos. nesse contexto que surge, para a posteridade

    fenomenolgica, a noo de in-existncia intencional. a partir e contra esta

    e outras definies brentanianas que Husserl vai estabelecer o vocabulrio

    fundamental da fenomenologia na 5. Investigao Lgica (Husserl 7). Voltemos ento ao primeiro captulo do livro II da Psicologia.

    Nestas pginas, Brentano distingue trs caractersticas fundamentais que

    permitem delimitar um fenmeno como psquico: um fenmeno psquico sempre, nos diz Brentano, uma representao ou est fundado em representaes; um fenmeno psquico s , continua o autor, acessvel percepo interna. E, finalmente, e sobretudo, o que distingue um fenmeno

    psquico de um fenmeno fsico seu modo de existncia bem particular,

    denominado in-existncia intencional. precisamente nesta introduo do

    problema da intencionalidade que nasce o percurso que nos levar at a fenomenologia barbarasiana:

    Todo fenmeno psquico se caracteriza por aquilo que os escolsticos da Idade Mdia chamaram de in-existncia

    (Inexistenz) intencional (e tambm mental) de seu objeto, e o que ns chamamos, ainda que com expresses no totalmente inequvocas, a referncia (Beziehung) a um contedo, a orientao (Richtung) a um objeto (pelo qual no temos que entender aqui uma realidade) ou a objetividade imanente. (Brentano 6, pp. 115 e ss. )

    A intencionalidade introduz assim um modo particular de existncia de um objeto no esprito. Mas, o que significa e de onde provm

    o termo intencional?

    Segundo as referncias oferecidas por Brentano, a primeira

    figura qual temos que remontar nesta arqueologia ao ineludvel

    Aristteles (Brentano 6, 115, n. 3). Brentano nos oferece um exemplo do De anima para ilustrar o sentido do termo intencional: em DA 42419-21, Aristteles fala com efeito de um modo de ser da forma

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    (sensvel ou inteligvel) que recebida na alma (sensitiva o intelectual) sem a matria. este modo de existir da forma sem a matria ao qual faria referncia a inexistncia intencional.

    Por outro lado, e ainda segundo as pistas que o prprio Brentano oferece, seria preciso nos enderearmos tradio escolstica para dar conta de alguns dos aspectos fundamentais desta noo, como o caso 1) da teologia trinitria de Agostinho, a ideia da imanncia no sentido

    de habitar-em, no interior do verbo; 2) na concepo tomista do Esprito

    Santo ou o habitar-em da Trindade num sujeito; assim como a inerncia do

    pensado quele que pensa (assim como o desejado ou querido).3 Em qualquer caso, as snteses que Brentano produz destes modelos

    (aristotlico, agostiniano e tomista) se baseiam no fato de que o modo de existir intencional um modo no-real no sentido dos fenmenos fsicos que existem no espao-tempo e sob relaes causais, como aquele modo de existir que tem a pedra na alma, por exemplo. A pedra no existe realmente na alma, ela existe intencionalmente. Mas, ainda uma vez, como definir esse modo de existir intencional?

    Segundo a definio apresentada pelo filsofo austraco, a

    existncia intencional refere-se indistintamente a 1) tanto a um modo de

    existncia mental distinta da existncia fsica, quanto tambm a um tipo

    de objetividade imanente (que no um tipo de existncia mas um tipo

    de entidade particular). Alm disso, a intencionalidade aparece tambm 2) como um modo de relao especfica, mas esse modo determinado de

    relao se caracteriza como: (a) relao a um contedo ou como (b) a mera direo a um objeto.

    Da ambiguidade desta definio vo se abrir mltiplas

    interpretaes, entre as quais nos interessa mencionar somente duas. Em primeiro lugar, aquela representada por Twardovsky em seu texto de 1894

    Contedo e objeto das representaes (Husserl-Twardovski 10, pp. 95

    e ss.), pois de certo modo contra sua maneira de compreender a teoria brentaniana que Husserl tomar posio. Lembremos que Twardovski encontra na existncia mental e na referncia a um contedo que define

    a intencionalidade um tipo de cpia mental do objeto reproduzindo assim a velha teoria da imagem como representao na mente de um real exterior. Em segundo lugar, temos a interpretao oferecida por Husserl precisamente contra esta teoria da imagem e da representao em seu texto de 1894, Vorstellung und Gegenstad (Representao e Objeto), cuja

    primeira parte se encontra perdida e do qual s temos a segunda, Objetos intencionais, que ser a base da 5. Investigao Lgica.

    Na 5. Investigao, Husserl retoma a caracterizao brentaniana dos fenmenos psquicos para transform-la completamente. Tal releitura se faz atravs de toda uma srie de redefinies realizadas

    sobre as noes de conscincia, de vivncia, de ato intencional, de

    representao e de juzo, cujo objetivo fundamental (fazendo valer um Brentano contra o outro Brentano) abandonar completamente a ideia de representao como imagem-cpia de um real.

    Para comear, o problema de Husserl j no o da determinao dos fenmenos psquicos, mas o da fenomenalidade enquanto tal. Na descrio dessa fenomenalidade, ele encontrar elementos que pertencem conscincia e outros que no fazem parte de sua natureza, mas que

    participam dela. Dentro da conscincia encontramos assim um fluxo de vivncias,

    algumas intencionais (os atos propriamente ditos) e outras no-intencionais (as sensaes ou materialidades recebidas pelos sentidos). O fenmeno, o que aparece, no uma vivncia: o sentido dado pelo ato ou vivncia

    intencional sensao, materialidade ou vivncia no-intencional.

    Desse modo, nessa trplice estrutura, Husserl apaga com um s gesto tanto a distino entre o imanente e o transcendente quanto aquela entre a

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    imagem-cpia e a coisa: o objeto sempre um sentido, o resultado de um ato interpretativo sobre uma materialidade que nunca dada em estado puro. Ao mesmo tempo, a coisa mesma que aparece, pois no existe um modo de aparecer que no seja atravs da forma dada por um ato interpretativo. De onde se depreende que o fenmeno a coisa mesma que est a fora, s que dada sempre de um modo particular e, nesse sentido, nunca dada completamente, nunca esgotada em suas possibilidades de doao.

    A estrutura fenomenal resolve o problema da delimitao da existncia imanente ou transcendente do objeto fazendo de toda

    objetividade um sentido que transcende a conscincia ao mesmo tempo

    em que constitudo nela, um sentido apreendido intencionalmente sobre uma materialidade sensorial. Por outro lado, os nicos elementos reais so as vivncias, imanentes conscincia, que possibilitam a apario do

    fenmeno mas que, todavia, no aparecem. At aqui nos ocupamos unicamente dos elementos bsicos da

    concepo husserliana da intencionalidade, tal como estes so apresentados pela primeira vez na sua estrutura geral.

    Pois bem, frente a este primeiro momento fundacional da fenomenologia surge, durante os anos 1920, outra proposta de radicalizao

    fenomenolgica do conceito de intencionalidade atravs da figura de Martin

    Heidegger e, com ele, a chamada virada ontolgica da fenomenologia.Curiosamente, Heidegger no se ocupa tematicamente do conceito

    de intencionalidade na sua grande obra de 1927, O ser e o Tempo, mas em textos e cursos quase contemporneos: por um lado, no curso de 1925

    em Marburgo entitulado Prolegmenos para uma histria do conceito de Tempo (semestre do vero de 1925) (Heidegger 13), onde expor

    o que denomina os conceitos fundamentais da fenomenologia, isto , a intencionalidade, a intuio categorial e o a priori da correlao. Ali destaca o fato de que Husserl conseguiu pr em relevo, dentro da estrutura

    intencional, o como segundo o qual o ente aparece, frente proposta brentaniana de compreender a intencionalidade como um carter da vivncia.

    Por outro lado, no curso do semestre do vero de 1927, imediatamente

    posterior publicao de O ser e o Tempo, intitulado Os problemas fundamentais da fenomenologia (Heidegger 11), Heidegger volta noo de intencionalidade, caracterizando-a como a estrutura do se dirigir a, cuja essncia fundamental Husserl elaborara nas Investigaes Lgicas e nas Ideias. Finalmente, no ensaio em homenagem ao 70 aniversrio de Husserl em 1928, intitulado Da essncia do fundamento (Heidegger 12). Nele, o filsofo reflete sobre o conceito de intencionalidade, com um duplo fim:

    por um lado, estender a noo de intencionalidade a todo o comportamento do ente; e por outro, redirigir esta noo estendida de intencionalidade a seu fundamento, o que Heidegger chamar a transcendncia.

    A partir destes textos, vemos que se Husserl preserva da intencionalidade brentaniana o se dirigir a e a relao a um contedo, Heidegger vai preservar s o carter do se dirigir a, agregando os aportes husserlianos do como ou do na medida em que deste se dirigir, e estendendo tal estrutura a todo comportamento. Esta estrutura intencional referida por sua vez ao fundamento ltimo da transcendncia constitutiva

    de todo Dasein. Como vemos, a partir desta crtica, a intencionalidade acaba

    desacoplada, pela primeira vez, tanto da esfera das vivncias quanto

    da relao a uma objetividade para ser referida ao Dasein e a sua relao com os entes.

    Pois bem, a recepo francesa da fenomenologia, no comeo dos anos 1930, tem como principal caracterstica a de ter produzido uma leitura hbrida destas duas orientaes fundamentais do conceito de intencionalidade: o de ser, simultaneamente, uma propriedade da conscincia e da existncia.

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    Devemos a Emanuel Levinas a primeira obra importante dentro da recepo e da interpretao do pensamento husserliano na tradio propriamente francesa da fenomenologia: a Teoria da intuio na fenomenologia de Edmund Husserl, de 1930 (Levinas 14). Esta a primeira exposio sistemtica do projeto husserliano, sobretudo de Ideias (Husserl 8), no campo intelectual francs. Levinas atribui ali uma inflexo ontolgica obra de Husserl, e chega a falar de uma teoria do ser

    nas Ideias. Por no dissociar o aparecer e o ser, Husserl teria conseguido superar um problema j clssico no campo da epistemologia atravs de sua relocalizao no seio de uma ontologia. Assim, na leitura levinasiana, mais do que um projeto propriamente gnosiolgico, a obra de Husserl visa abordar de maneira renovada a questo do ser e da existncia. A

    intencionalidade, finalmente, ser identificada ao mesmo tempo tanto

    forma da conscincia quanto sua transcendncia.

    De maneira consequente a esta primeira leitura da fenomenologia husserliana e de seu sentido, inscreve-se a figura de Sartre, especificamente

    do primeiro Sartre, anterior a O ser e o nada.Como sabemos, entre os anos de 1934 e 1939, Sartre se dedica

    ao projeto de escrever uma grande obra de psicologia fenomenolgica, O psquico, que trataria reflexivamente as modalidades especficas da conscincia intencional. Desse projeto s escrever quatro obras: A transcendncia do Eu (1934); Esboo para uma teoria das emoes (1937); A imaginao (1936); O imaginrio (1936-1938).

    A leitura sartreana da fenomenologia tem duas caractersticas a princpio paradoxais: de um lado, e apesar de sua fascinao pela ideia da intencionalidade, Sartre interpreta a fenomenologia como um realismo (como mostram as concluses de A transcendncia do Ego); do outro lado, assimila tambm as noes de conscincia e existncia e as fusiona

    numa espcie de antropologia filosfica, seguindo uma traduo de

    Dasein que far poca, isto , como realidade humana.

    Em qualquer caso, o elemento marcante da leitura sartreana da intencionalidade reside na crtica que este realiza de toda ideia de Eu transcendental, mostrando que, na verdade, a conscincia, em funo de

    sua essncia que a intencionalidade, no pode ser considerada como

    um polo pessoal de vivncias, mas como um campo impessoal do qual se

    irradiam atos. A conscincia nada mais do que uma pura espontaneidade sem

    vivncias, uma pura negatividade, uma temporalidade que se constitui a

    si mesma e se recupera em seus noemas. Assim, na medida em que no existe nenhuma dimenso da imanncia mas um puro estar fora de si da

    conscincia, a fenomenologia no um idealismo mas um realismo.

    Em sua obra de 1945, Fenomenologia da percepo, Merleau-Ponty adotar a perspectiva fenomenolgica partindo de uma deciso fundamental: o sujeito da percepo no a conscincia, mas o corpo como

    dimenso alheia partio cartesiana entre res extensa e res cogitans. Na perspectiva merleau-pontiana, o sujeito da intencionalidade o corpo e no a conscincia. O corpo tem seu prprio tipo de intencionalidade, a

    qual opera antes mesmo de toda tomada de conscincia explcita sobre

    o mundo. Merleau-Ponty denomina este tipo de intencionalidade de intencionalidade operante, e toda a obra de 1945 dedicada a tirar as

    consequncias de uma descrio rigorosa da percepo a partir desta

    intencionalidade particular. A intencionalidade operante se confunde nestas descries, uma

    vez mais, com a transcendncia heideggeriana enquanto movimento

    anterior intencionalidade de atos, movimento que parte dos entes em direo ao ser, ao mundo ou horizonte de sentido e que permite ter um comportamento em relao a eles.

    No entanto, Merleau-Ponty deixa de lado, no final de sua vida,

    a descrio da experincia desde o ponto de vista do corpo prprio para

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    tentar uma descrio do elemento comum ao corpo vivente e ao mundo, o que chamar de Sensvel em si ou Carne, e do quiasma que estes conceitos oferecem entre a ordem do senciente e do sensvel.

    Pois bem, de uma maneira geral, podemos dizer que Barbaras retomar desde aqui o problema da intencionalidade, radicalizando-o ainda mais, sem perder porm o fio deste dilogo que funde, num mesmo gesto,

    intencionalidade e existncia, fenomenologia e ontologia.

    II

    Estamos agora em condies de retomar nosso problema inicial, e repetir assim a questo: qual o problema presente na fenomenologia barbarasiana que podemos reconhecer na instituio mesma da fenomenologia como movimento do pensar, e de que maneira a repetio deste movimento, no caso deste autor, produz novas formas e encontra novos limites? a segunda parte desta pergunta o que deveremos

    responder agora.Dentro do extenso trabalho realizado durante os ltimos 20 anos,

    as obras Le dsir et la distance, Vie et intentionnalit e Introduction une phnomenologie de la vie so aquelas que apresentam com maior clareza a originalidade o projeto barbarasiano.4 Pois bem, e aqui apresentamos j uma primeira hiptese de trabalho, Le dsir et la distance e Introduction une phnomnologie de la vie podem ser lidas como duas obras complementares, sendo a primeira uma apresentao estritamente fenomenolgica das principais teses barbarasianas sobre a percepo, e a segunda uma formulao radical de suas consequncias metafsicas. Vie et intentionnalit ser, neste marco, uma coleo de magnficas notas de rodap deste projeto, no qual o autor explicita detalhadamente os diversos dilogos filosficos que o levaram s suas prprias teses. Neste sentido,

    nos parece, Introduction une phnomnologie de la vie menos uma obra fenomenolgica que metafsica, e portanto, os pressupostos que explicita podem ser lidos quase de forma independente das teses descritivas de Le dsir et la distance.

    Em que consistiriam, pois, estas teses?

    Como temos dito, o ponto de partida da fenomenologia barbarasiana o problema da percepo entendido como o problema mesmo da fenomenalidade. A tarefa que se impe, neste sentido, a de pensar, elaborar e determinar a estrutura da fenomenalidade, sem justapor a esta elaborao pressupostos externos descrio mesma. O que caracterizar este tipo de anlise como especificamente fenomenolgica assim, por

    um lado, a adoo do mtodo fenomenolgico, isto , o passo pela epoch; por outro, a firme deciso de se manter fiel estrutura do que aparece

    tal como aparece, quer dizer, ao como de seu aparecer; e, finalmente,

    a aceitao do princpio base da fenomenologia, isto , que a estrutura do aparecer supe uma correlao essencial entre o que aparece e aquele a quem aparece. neste ltimo ponto, cabe assinalar, onde se decide o sentido mesmo da intencionalidade.

    Pois bem, cada um destes aspectos, que fazem da filosofia

    barbarasiana uma fenomenologia, so precisamente aqueles mesmos que a afastam, em primeiro e fundamental lugar, do pensamento do prprio Husserl, mas tambm, de maneira geral, de seus sucessores dentro desta tradio.

    Lembremos rapidamente que depois da introduo do vocabulrio fundamental e do sentido da empresa fenomenolgica nos dois volumes das Investigaes Lgicas, publicados entre 1901 e 1902 respectivamente, o projeto fenomenolgico ser mais tarde

    cuidadosamente redeterminado com respeito aos seus procedimentos e aos seus campos de aplicao no primeiro volume das Ideias relativas a

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    una fenomenologia pura e uma filosofia fenomenolgica, de 1913 (ano da segunda edio) das Investigaes Lgicas. Husserl prope, nas Ideias I, um mtodo de acesso aos fenmenos acesso que permitir a descrio propriamente dita que consiste em abandonar a relao

    natural e quotidiana com o mundo, pr em suspenso nossa crena na existncia efetiva do mundo, para podermos ento nos concentrar

    no sentido de ser do que aparece enquanto aparece, sem mais. Este mtodo de acesso a chamada epoch fenomenolgica, que implica correlativamente uma reduo do fenmeno a um campo especfico, o

    campo fenomnico, aquele onde algo pode aparecer. Como temos visto,

    este campo , no caso de Husserl, o campo da conscincia, definida

    como um curso e fluxo de vivncias. Barbaras entende a epoch num sentido diferente, similar ao da crtica heideggeriana e merleau-pontiana, mas tambm patockiana, de Husserl, segundo a qual o campo da fenomenalidade no equivalente ao campo da conscincia. A

    reduo que abre a epoch deve ser pensada ento como a reduo ao aparecer sem mais, ou seja, sem pressupor, como seria o caso em Husserl, um ente positivo especfico que ocuparia seu lugar. O que

    permite a suspenso de nossa crena familiar nas coisas e no mundo, isto , a epoch, uma volta ao mundo no que tem de incontestvel, no fato de que h, de que algo aparece.

    O que a epoch apresenta ento, na perspectiva barbarasiana, a estrutura mesma do aparecer. Os traos mnimos que constituem esta estrutura so: em primeiro lugar, o aparecer mesmo; em segundo lugar, a referncia a uma totalidade dentro da qual algo em geral pode aparecer, e

    que no outra coisa que o mundo mesmo como horizonte do aparecer. Finalmente, a referncia ao aspecto subjetivo do aparecer. Se o aparecer

    sempre aparecer para algum, e sempre intencional, a apario no pode repousar sobre si mesma, pois, nesse caso, deixaria de ser fenmeno

    para se transformar em coisa em-si. A estrutura do aparecer reenvia ento de maneira essencial a um momento subjetivo. Toda a questo como pensar este momento subjetivo, como pensar o sujeito da correlao ou, simplesmente, o sujeito da intencionalidade.

    Ento, podemos dizer que, seguindo a anlise barbarasiana, o sujeito do aparecer um momento dentro de uma estrutura e, no, uma coisa. Ele parte de uma estrutura maior que a fenomenalidade mesma, e seguindo estritamente sua funo dentro desta estrutura que ele dever ser caracterizado. Isso significa que o procedimento fenomenolgico

    barbarasiano exclui por princpio partir de um ente especfico, seja este a

    conscincia, o corpo prprio ou o Dasein, para depois faz-lo suporte da

    estrutura do aparecer. Neste sentido, Barbaras compartilha com Sartre a intuio segundo a qual a subjetividade intencional s pode ser considerada como um puro impulso de sada para fora de si, uma negatividade.

    Em segundo lugar, porque aquele para quem a fenomenalidade aparece, o sujeito deve ser capaz de percepo, na medida em que sem a qual no haveria fenmeno. Neste sentido, a funo de sujeito deve estar sempre encarnada, pois s quem possui um corpo e capaz de sentir, ao mesmo tempo capaz de percepo. Mas, diferentemente da perspectiva merleau-pontiana, isto no implica que sua origem deva se remeter ao corpo prprio, terceira entidade na qual a distino sujeito e objeto se confunde. Neste ponto Barbaras se separa de Merleau-Ponty, mesmo do ltimo, o qual levaria esta confuso ao elemento ontolgico denominado Sensvel em Si o Carne. A dualidade do senciente e do sensvel , para Barbaras, no uma resposta, mas o ndice de um problema.

    A partir desta dupla exigncia, ento, a originalidade da concepo

    barbarasiana da intencionalidade vai se desenhar em plena luz. O corpo do vivente , com efeito, senciente e sensvel: como isto possvel? O que que

    define o corpo vivo para que possa ser, ao mesmo tempo, parte do aparecer

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    e aquele a quem o aparecer aparece? Pois bem, como j mencionamos, e

    em primeiro lugar, os corpos que percebem so corpos vivos. Em segundo lugar, os corpos vivos se caracterizam pela sensibilidade. Finalmente, a percepo ou sensibilidade dos viventes reenvia, como contrapartida, para a sua capacidade a se mover. A motricidade do vivente surge assim como o ndice de uma nova dimenso dentro da anlise fenomenolgica do vivente intencional, uma nova dimenso mais profunda que a partio entre o senciente e o sentido.

    Pois bem, o tipo especfico de movimento do vivente no

    extrnseco percepo, como uma parte que se acoplaria mecanicamente a ela, mas , ele mesmo, um tipo particular de percepo. Como Merleau-Ponty tinha j mostrado magnificamente desde a poca da Fenomenologia da percepo, o movimento corpreo supe intencionalmente um fim e supe, deste modo, a captao antecipada deste fim. Neste sentido, o

    movimento vivente supe uma relao de sentido com seu objeto e, portanto, um modo particular de percepo.

    Deste modo, estar em vida e tender a, ser vivente e experimentar algo, so dois aspectos correlativos do mesmo viver. O se deter em, caracterstico da percepo, um momento do movimento prprio do viver. Do mesmo modo, o excesso do movimento com respeito a suas aparies finitas nas quais ele se detm o que permite um prosseguir indefinido

    a outras aparies. Por sua parte, o se deter da percepo o que permite ao mesmo tempo um movimento que no cessar at que a vida cesse, movimento de atualizao de um horizonte (o mundo) que inesgotvel.

    Ora bem, o sujeito no deve ser entendido aqui como um ente que primeiro e que depois se move, mas como o movimento mesmo, o impulso mesmo que vai se cristalizando em suas realizaes mas que sempre as excede, que a soma delas mas que ao mesmo tempo no se reduz a nenhuma.

    pois a partir deste sentido fundamental do viver que a especificidade do viver humano, que nessa anlise se determina a partir do

    que poderamos denominar um perceber consciente, pode ser pensado. A conscincia, como trao especfico de um certo tipo de vivente, o homem,

    uma das possibilidades mesmas do movimento vital. A dimenso propriamente psquica no implica uma diferena substancial de certo tipo de viventes, mas faz parte de uma totalidade orgnica e designa um modo de comportamento de certo tipo de organismos. Em termos barbarasianos, no se trata de afirmar que os comportamentos humanos possam ser

    qualificados como tais em virtude da procedncia de uma conscincia,

    quer dizer, de vivncias; ao contrrio, seu ser consciente remete a sua

    humanidade como modo de comportamento especfico de uma totalidade

    vivente (Barbaras 2, p. 144).

    Pois bem, o que caracteriza todo vivente enquanto tal que seu modo especfico de comportamento com seu entorno forma parte de sua

    prpria totalidade orgnica. Como j bem mostraram os desenvolvimentos da etologia contempornea, o vivente no se reduziria extenso objetiva de seu corpo seno totalidade que forma com seu entorno, ao que responde o conceito de comportamento. Neste sentido, o vivente , por definio, um ser cuja essncia s se realiza na exteriorizao. Ou, dito de

    outro modo, o vivente um ser definido por uma falta de ser intrnseca.

    Seguindo ento esta caracterstica fundamental, Barbaras pode afirmar

    que: O movimento fundamental que, no corao do sujeito vivente, d conta da atividade perceptiva enquanto esta implica um automovimento, deve ser entendido como desejo (Barbaras 2, p. 136). O desejo, como tipo especfico de movimento, ser o nome final para esta funo subjetiva

    encarnada que reenvia a estrutura do aparecer. Como descreve, ento, Barbaras, este movimento que pode dar

    conta tanto do movimento do viver em sentido amplo quanto daquela

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    dimenso do viver que chamamos conscincia, conhecimento, ou

    subjetividade humana?

    Barbaras procede uma caracterizao do desejo em oposio ao movimento regido pela necessidade: enquanto no caso do desejo, o objeto ao qual se aspira s o intensifica na mesma medida em que o satisfaz,

    no caso da necessidade o objeto acalma o movimento satisfazendo-o. A necessidade, neste mesmo sentido, supe uma falta determinada, falta de algo especfico. O desejo, pelo contrario, no falta de nada determinado:

    seu tender um puro transbordar. Assim, o objeto do desejo , ele mesmo, apresentao de uma ausncia, ausncia do que no pode nunca estar

    presente. O objeto do desejo nada mais assim que a substancializao de sua prpria impossibilidade de satisfazer-se e, neste sentido, tal ausncia

    de satisfao (natural) seu modo mesmo de se satisfazer. Tal satisfao na insatisfao precisamente o que o diferencia de uma necessidade.

    Si lembramos agora a estrutura do aparecer, em seu triplo momento de aparecer, de horizonte correlativo deste aparecer e de momento subjetivo desta apario, podemos dizer, seguindo a Barbaras, que o desejo, como movimento a que desenha um aparecer no qual se detm ao mesmo

    tempo que o transcende, em virtude do horizonte mesmo que o constitui, bem o novo nome do sujeito da correlao, aquele que se identifica com o

    carter intencional do aparecer. Desde o estrito ponto de vista da dimenso que chamamos

    conscincia, a manifestao deste movimento do desejo se encontra,

    assinala Barbaras, nas anlises que o prprio Husserl desenvolve a partir dos anos 1920 nos manuscritos A VII recolhidos na Husserliana XIV

    (Husserl 9). No marco da fenomenologia gentica, com efeito, Husserl elabora toda uma srie de anlises dos estratos mais profundos e originrios da conscincia, ali onde se gestaro as razes da intencionalidade dos atos

    ou da intencionalidade objetivante, e que podem ser descritos em termos

    de tendncia e aspirao, segundo um tipo especial de intencionalidade

    pulsional, irredutvel ordem das representaes e, portanto, das objetividades. Desejos, tendncias, pulses, instintos dariam conta assim

    de uma relao a, de um tender a algo que no nem pode ser um objeto. Contudo, lembra Barbaras, por no tirar as consequncias ltimas

    desta gnese da intencionalidade de atos na intencionalidade pulsional, isto

    , por no tirar as consequncias desta primeira abertura indeterminada

    transcendncia que caracteriza a pulso, Husserl no a interpreta como

    uma refutao da funo propriamente objetivante da intencionalidade e a relega pr-histria de uma intencionalidade que s se realizaria plenamente na sua funo objetivante.

    III

    Se, como temos visto, a noo de intencionalidade nasce da deciso, epistemolgica e ontolgica, de dar conta da especificidade da

    ordem psquica em oposio ordem fsica, no cabe dvida de que a proposta barbarasiana representa o final de um longo percurso no qual

    esta deciso primeira foi retrabalhada at inverter completamente seu sentido originrio. Todo o esforo de Barbaras pode se resumir, com efeito, no objetivo de escapar ao dualismo do psquico e do corporal. Assim, seguindo este percurso, podemos ver em que sentido o filsofo

    vai tomando, desarticulando e reformulando os aportes de cada um dos membros do movimento fenomenolgico. No interior de sua obra, vemos como Barbaras se apega ao carter intencional do sujeito do aparecer e indistino entre a ordem do ser e do aparecer; mas temos visto tambm como ele tenta sair, contra Husserl, da ciso entre a dimenso absoluta e constituinte da conscincia j no em sentido psicolgico, seno

    transcendental , e dar o lugar absoluto estrutura mesma do aparecer,

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    na qual somente se pode afirmar que h, que algo aparece para algum

    sobre o fundo de uma totalidade que co-aparece como horizonte. Temos observado, para continuar, como, seguindo a tradio da que forma parte, Barbaras segue a ideia heideggeriana de um movimento de transcendncia

    anterior intencionalidade de atos e que a funda, mas tambm como denuncia, diferena de Heidegger, a impossibilidade de pens-la fora de sua encarnao. Vimos que, do mesmo modo que Sartre, Barbaras tenta pensar a subjetividade como negatividade em ato, mas como, diferente deste, no considera mais a negatividade em ato como um modo da conscincia,

    mas como o movimento mesmo do viver. Finalmente, vimos como supera a ciso merleau-pontiana entre senciente e sensvel remetendo-os sua pertena ao viver entendido como intencionalidade vital.

    Muitas questes permanecem abertas, contudo, nesta proposta. Depois desta primeira apresentao, gostaramos de indicar somente uma. A descrio fenomenolgica da estrutura do aparecer , sem duvida, rigorosa na demonstrao do que nega: nenhuma das dualidades corpo-psique, conscincia transcendental-mundo pode se sustentar

    frente a um pensamento radical da correlao que no supe pontos de partida substanciais. Um dos mritos da fenomenologia barbarasiana justamente o de permitir com sua descrio da intencionalidade vital uma compreenso conjunta tanto do viver do vivente quanto de seu experimentar. Contudo, parece-nos que existe ainda uma ciso problemtica que Le dsir et la distance, texto estritamente fenomenolgico, no consegue elaborar em toda sua problematicidade ou que, para ser mais preciso, se recusa a elaborar.

    Referimo-nos ciso entre o homem e os outros seres vivos. Com efeito, se verdade que Barbaras consegue dar conta da unidade profunda do viver na qual podem ser pensados todos os viventes, no claro como deve ser pensada, com todo rigor, sua diferena. Esta resposta

    aparece, certamente, muito mais elaborada no que temos chamado de sua obra metafsica, Introduction une phnomnologie de la vie, e atravs do que Barbaras denomina uma antropologia privativa. Entretanto, parece-nos que o problema subsiste de um modo fundamental. Dito de outro modo, antes de responder a questo de como possvel a especificidade da

    dimenso humana frente animal, Barbaras parte da evidncia de que esta

    especificidade se encontra naquilo que poderamos chamar de percepo consciente. Todo o problema assim para ele explicar como possvel estar ao mesmo tempo vivo e ser capaz de percepo consciente. Mas a pergunta que surge para ns nesse ponto : por que basta, para dar conta da humanidade, explicitar como a vida pode ser consciente? Se aceitamos

    com Barbaras que a conscincia no uma interioridade psquica primeira,

    nem real nem transcendental, e que no pode ser reificada nem no corpo

    nem em outra realidade, porque ainda temos que aceitar que o ponto de chegada humanidade do homem? Ou, dito mais claramente, do sujeito intencional enquanto ele , ao mesmo tempo, humano? No estamos aqui frente a uma reduo da humanidade a sua funo propriamente consciente ou, mas particularmente, cognitiva? Parece-nos que, neste sentido, Barbaras

    se detm no momento mesmo onde outro caminho possvel aberto para

    dar conta da diferena que Le dsir et la distance no consegue tematizar. Esse caminho se encontraria talvez na noo mesma de pulso mais do que naquela de desejo, que Barbaras menciona no final do livro em relao

    ao ltimo Husserl mas que entretanto no desenvolve. Assinalemos que pensamos aqui na pulso no no sentido husserliano, ainda ligado ideia de instinto num sentido quase naturalista, mas, sobretudo, na pulso no sentido freudiano, entendida como conceito limite entre o psquico e o somtico e como lugar de um conflito originrio que introduz o Outro na origem

    mesma da estrutura subjetiva. O problema, nesse caso, talvez radique em que seria necessrio aceitar uma ciso insupervel no interior do sujeito

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    humano que exige um primado da diferena sobre a continuidade com respeito aos outros viventes. Talvez seja este um dos limites que esta nova impulso dada ao estudo do campo fenomenal deva superar, no percurso de um dilogo que no parece ter-se ainda esgotado.

    RENaUD BaRBaRaS aND tHE VItalIty of tHE PHENomENoloGy

    abstract: The phenomenology of Renaud Barbaras is one of the few that continues today trying to deepen, in an original way, the path opened by Husserlian phenomenology. But which is, precisely, the way chosen by Barbaras to enter in the phenomenological tradition? How does he introduces himself in the dialogue opened by this tradition?

    In this paper, we will try to restore the key issues and concepts that allow us to understand the continuity and rupture of the barbarasian phenomenology in relation to this tradition, as well as some of the limits of its own proposal.Keywords: intentionality, phenomenology, Barbaras, life, desire.

    REfERNCIaS BIBlIoGRfICaS

    1. ALAIN DE LIBERA, Arqueologie du sujet. Naissance du sujet, Paris, Vrin, 2007 2. BARBARAS, RENAUD, Le dsir et la distance, Paris, Vrin, 19993.______.Vie et intentionnalit, Paris, Vrin, 2003

    4. ______. Introduction une philosophie de la vie, Paris, Vrin, 20085. ______. La vie lacunaire, Paris, Vrin, 20116. BRENTANO, FRANZ., Psychologie vom empirischen Standpunkt, Leipzig, Duncker

    & Humblot, 1874

    7. HUSSERL, EDMUND, Logische Untersuchungen. Bd. II, 1. Untersuchungen zur Phnomenologie und Theorie der Erkenntnis (Husserliana XIX), Halle, Niemeyer, 1901

    8. ______. Ideen zu einer reinen Phnomenologie und phnomenologischen Philosophie, Erstes Buch: Allgemeine Einfhrung in die reine Phnomenologie, in Husserliana 3, Haia, Martinus Nijhoff, 1950

    9. ______. Zur Phnomenologie der Intersubjektivitt. Texte aus dem Nachlass. Zweiter Teil. 1921-28, in Husserliana XIV, Haia, Martinus Nijhoff, 1973

    10. HUSSERL, E., & TWARDOWSkI, k., Sur les objets intentionnels (1893-1903), Paris, Vrin, 1993.

    11.HEIDEGGER, MARTIN, Die Grundprobleme der Phnomenologie, Gesamtausgabe, Abt. 2, Bd. 24, Francfort, Klosterman, 1975

    12. ______. Vom Wesen des Grundes, in Gesamtausgabe, Abt. 1, Bd. 9, klosterman, Francfort, 1976, pp. 123-175

    13. ______. Prolegomena zur Geschichte der Zeitbegriffs, Gesamatusgabe, Abt. 2, Bd. 20, Francfort, Klosterman, 1979

    14. LEVINAS, EMMANUEL, La thorie de lintuition chez Husserl, Paris, Vrin, 1930

    NotaS

    1. Agradecemos a Mauricio dEscragnolle Cardoso a leitura crtica e os estimulantes comentrios feitos a este texto.2. Claro exemplo disto o projeto que o filsofo vem desenvolvendo nos ltimos anos

    em torno de uma fenomenologia da vida tema contemporneo como poucos em

    suas obras Introduction une philosophie de la vie (Barbaras, 4) e, mais recentemente, em La vie lacunaire (Barbaras, 5).3. Para quem busca uma arqueologia do conceito, cf. Alain de Libera 1, pp. 133-154.

    4. No consideramos aqui o ltimo livro publicado por Barbaras, La vie lacunaire, cuja apario coincidiu com a escrita de nosso texto.