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TEXTOS DE HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA DE CLASSE A DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO, E VOLTA* Slavoj Zizek História e consciência de classe (1923), de Georg Lukács, é um dos poucos verdadeiros eventos na história do marxismo. Hoje, nossa experiência do livro é apenas como de uma estranha lembrança fornecida por uma época já distante – para nós, é até mesmo difícil imaginar o impacto verdadeiramente traumático que seu aparecimento teve nas posteriores gerações de marxistas. O próprio Lukács, na sua fase termidoriana, i. e., do começo dos anos trinta em diante, tentou desesperadamente se afastar dele, tratando-o como um documento com mero interesse histórico. Aceitou que fosse reeditado apenas em 1967, fazendo-o acompanhar de um novo e longo Prefácio autocrítico. O livro teve, até que essa reedição “oficial” aparecesse, uma espécie de existência fantasmagórica e subterrânea como uma entidade “não morta”, que circulava em edições piratas entre estudantes alemães da década de sessenta, estando também disponível em poucas e raras traduções (como a legendária edição francesa de 1959). No meu próprio país, a agora defunta Iugoslávia, referir-se a História e consciência de classe servia como um signe de reconnaissance ritualístico para saber se se fazia parte do círculo marxista crítico reunido em torno da revista Praxis. Seu ataque à noção de Engels de “dialética

Sobre História e Consciência de Classe (ZIZEK)

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Texto de Zizek sobre a obra de Lukács

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TEXTOSDE HISTRIA E CONSCINCIADE CLASSE A DIALTICA DOESCLARECIMENTO, E VOLTA* Slavoj Zizek Histria e conscincia de classe (1923), de Georg Lukcs, umdos poucos verdadeiros eventos na histria do marxismo !o"e, nossaexperi#ncia do $ivro apenas como de uma estranha $em%ran&a 'ornecidapor uma poca " distante ( para ns, at mesmo di')ci$ imaginar oimpacto verdadeiramente traumtico *ue seu aparecimento teve nas posterioresgera&+es de marxistas , prprio Lukcs, na sua 'ase termidoriana,i e, do come&o dos anos trinta em diante, tentou desesperadamente sea'astar de$e, tratando-o como um documento com mero interesse histrico.ceitou *ue 'osse reeditado apenas em 19/0, 'a1endo-o acompanhar de umnovo e $ongo 2re'cio autocr)tico , $ivro teve, at *ue essa reedi&3o 4o5cia$6aparecesse, uma espcie de exist#ncia 'antasmagrica e su%terr7neacomo uma entidade 4n3o morta6, *ue circu$ava em edi&+es piratas entreestudantes a$em3es da dcada de sessenta, estando tam%m dispon)ve$ empoucas e raras tradu&+es (como a $egendria edi&3o 'rancesa de 1989) 9omeu prprio pa)s, a agora de'unta :ugos$via, re'erir-se a Histria e conscinciade classe servia como um signe de reconnaissance ritua$)stico parasa%er se se 'a1ia parte do c)rcu$o marxista cr)tico reunido em tornodarevista Praxis. ;eu ata*ue < no&3o de =nge$s de 4dia$tica da nature1a6 'oicrucia$ para a re"ei&3o cr)tica da cren&a *ue a proposi&3o centra$ do 4materia$ismodia$tico6 seria a teoria do conhecimento 4re>exiva6 , impactodo $ivro esteve $onge de se restringir a c)rcu$os marxistas? mesmo!eidegger 'oi c$aramente a'etado por Histria e conscincia de classe,havendo a$guns sinais incon'und)veis disso em O ser e o tempo. .tno@$timo pargra'o, o autor, numa c$ara rea&3o < cr)tica de Lukcs < 4rei5ca&3o6,pergunta? 4h muito tempo sa%emos *ue existe o perigo da Arei5ca&3oda consci#nciaB Cas o *ue signi5ca rei5ca&3o DverdinglichungEFua$ sua origemE . Adi'eren&aB entre Aconsci#nciaB e AcoisaB o %astantepara haver um desenvo$vimento p$eno do pro%$ema onto$gicoE61Gomo, ent3o, Histria e conscincia de classe passou a ter umstatus de $ivro proi%ido *uase-m)tico, cu"o impacto 'oi ta$ve1 comparve$apenas ao de Pour !arx, escrito pe$o posterior grande ant)poda antihege$ianode Lukcs, Louis .$thusserE2 . resposta *ue primeiro vem etiria6 area$idade socia$ de uma maneira 4errada6 etc 2erde-se, por conse*W#ncia,inteiramente o 5o da meada ao se tratar o in'ame diamat como um sistema5$os5co genu)no =$e 'uncionava, na verdade, como o instrumentode$egitima&3o do poder *ue deveria ser ritua$mente encenado e, como ta$, me$hor co$oc-$o na densa teia de re$a&+es de poder =m%$emtico dissos3o os di'erentes destinos de : :$"enkov e 2 Losev, *uase prottiposde5$so'os russos durante o socia$ismo Losev 'oi o autor do @$timo $ivropu%$icado na QM;; (em 1929) a re"eitar a%ertamente o marxismo, *uedescartava como 4%via perda de tempo6 9o entanto, depois de umape*uena temporada na pris3o, $he 'oi permitido retomar sua carreiraacad#mica e, durante a ;egunda Guerra, vo$tar a dar au$as . 4'rmu$a6*ue encontrou para so%reviver 'oi re'ugiar-se na histria da 5$oso5a(esttica) especia$i1ando-se numa discip$ina acad#mica, onde dedicava-seao estudo de autores gregos e romanos .parentemente narrando einterpretandoo pensamento de autores antigos, especia$mente 2$otino e outrosneop$atRnicos, pRde contra%andear suas prprias teses m)sticas, aomesmotempo *ue, nas introdu&+es a seus $ivros, maca*ueava a ideo$ogia o5cia$com uma cita&3o ou duas de Khruschev ou Jre1hnev Pessa 'orma, 'oicapa1 de so%reviver a todas as vicissitudes do socia$ismo e viveu para vero 5m do comunismo, consagrado como o decano da aut#ntica heran&aespiritua$ russaX =m contraste, :$"enkov, um so%er%o dia$tico e especia$istaem !ege$, tornou-se, como marxista-$eninista convicto, uma 5guradesco$ada 2or essa ra13o (ie por*ue escrevia de uma maneira *ue reve$avaseu envo$vimento pessoa$ com o *ue escrevia, procurando 'a1er domarxismo uma 5$oso5a sria e n3o o e*uiva$ente a uma srie de 'rmu$asritua$)sticas de $egitima&3oN), 'oi excomungado e $evado ao suic)dio ;er*ue poss)ve$ encontrar me$hor demonstra&3o de como uma ideologiae'etivamente 'uncionaE9um gesto *ue corresponde a um termidor pessoa$, Lukcs, noin)cio dos anos trinta, re'ugiou-se nas guas mais especia$i1adas daestticae da teoria $iterria marxista, "usti5cando seu apoio p@%$ico .inda somos capa1es de rea$i1ar o ato descritopor LukcsE Fua$ ator socia$ pode, com %ase em seu radica$ des$ocamento,rea$i1-$o hoje em diaE Notas: SLAVOJ ZIZEK pes*uisador da Qniversidade de Liu%$iana(=s$ov#nia), e autor de vrios $ivros de 5$oso5a, po$)tica e psican$ise

_ 4Lrom Histor? and 5lass 5onsciousness to @he 1ialectic o0 Anlightenment... and Jack63e4 Berman 5riti+ue[1? 1I0-123, 2III .gradecemos aos editores da 3e4 Berman 5riti+uee a ;$avo" Oi1ek pe$a genti$ permiss3o para pu%$icar este artigo Hradu&3o de JernardoMicupero 1 Cartin !eidegger, Sein und Zeit, Huue%ingen? Cax 9ieme^er, 19/3, p N30 22aradoxa$mente, da perspectiva de cada um desses dois marxistas, .$thusser e Lukcs, ooutro aparece como o exemp$o mais aca%ado do sta$inista? para .$thusser e os ps-a$thusserianos,a no&3o de Lukcs de *ue o 2artido Gomunista e*uiva$e praticamente ao su"eitohege$iano $egitima o sta$inismoV para os disc)pu$os de Lukcs, o 4antihumanismo terico6 doestrutura$ista .$thusser e sua tota$ re"ei&3o da pro%$emtica da a$iena&3o e da rei5ca&3o, com%inam-se < desconsidera&3o sta$inista pe$a $i%erdade humana .o mesmo tempo *ue este n3o o $ugar para tratar deta$hadamente desse con'ronto, e$e en'ati1a como cada um dos doismarxistas articu$a uma pro%$emtica 'undamenta$, *ue n3o 'a1 parte do hori1onte do oponente?em .$thusser, a no&3o dos apare$hos ideo$gicos do =stado como a tradu&3o materia$da ideo$ogia, e em Lukcs, a no&3o do ato histrico .$m do mais, evidentemente n3o 'ci$rea$i1ar uma 4s)ntese6 entre essas duas posi&+es mutuamente opostas ( poss)ve$, assim, *uea me$hor maneira de proceder se"a usando como re'er#ncia a$ternativa o outro grande 'undadordo marxismo ocidenta$, .ntonio Gramsci 3 Ter? =vert van der OUeerde, Soviet historiograph? o0 philosoph?, Pordrecht, K$uUer, 1990 N 2aradigmtica a $endria histria da 'racassada participa&3o de:$"enkov num congressomundia$ de 5$oso5a rea$i1ado nos =Q. em meados dos anos sessenta :$"enkov " tinha o vistoe estava pronto para pegar o avi3o, *uando sua viagem 'oi cance$ada por*ue seu texto para ocongresso, 4Po ponto de vista $eninista6, *ue tinha antes apresentado aos ide$ogos do2artido, n3o os agradou :sso n3o se deu gra&as a seu conte@do (inteiramente aceitve$), massimp$esmente por causa de seu esti$o, da maneira enga"ada em *ue'oi escrito S a 'rase dea%ertura (4Y minha ava$ia&3o pessoa$ *ue6) era pro'erida num tom pouco aceitve$ 8 Ter? Hheodor Z .dorno, 4=rpresste Tersohnung,6 3oten zur literatur, Lrank'urt\Cain?;uhrkamp, 1901, p 20[ / Ter, como exemp$o representativo, .ndreU .rato e Sean L Gohen, 5ivil societ? and politicaltheor?, Gam%ridge? C:H, 199N 0 Ter? .dorno, 1rei Studien zu Hegel, Lrank'urt? ;uhrkamp, 19/3, p 13 Gontato? antiva$or`%o$com%r