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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS UFMG EDUARDO ANTONIO PITT SOBRE UM CRITÉRIO DE IDENTIDADE DE SENTIDOS EM FREGE BELO HORIZONTE MG ABRIL 2013

SOBRE UM CRITÉRIO DE IDENTIDADE DE SENTIDOS …...maneira: o método de condução de provas era axiomático e o uso de axiomas lógicos garantia a exclusão de qualquer apelo à

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG

EDUARDO ANTONIO PITT

SOBRE UM CRITÉRIO DE IDENTIDADE DE SENTIDOS EM FREGE

BELO HORIZONTE – MG

ABRIL 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG

EDUARDO ANTONIO PITT

SOBRE UM CRITÉRIO DE IDENTIDADE DE SENTIDOS EM FREGE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado

em Filosofia da Universidade Federal de Minas

Gerais como requisito final para a obtenção do Grau

de Mestre em Filosofia.

Área de concentração: Filosofia

Linha de pesquisa: Lógica e Filosofia da Ciência

Orientador: Prof. Dr. Abílio A. Rodrigues Filho

BELO HORIZONTE – MG

ABRIL 2013

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A Dissertação Sobre um Critério de identidade de Sentidos em Frege

elaborada por Eduardo Antonio Pitt

e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo Programa de

Mestrado em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG como requisito

final para a obtenção do Grau de Mestre em Filosofia.

Belo Horizonte/Minas Gerais

Data da aprovação

_____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Dr. Abílio Azambuja Rodrigues Filho (Orientador – UFMG)

___________________________________________________________

Dr. Túlio Roberto Xavier de Aguiar (UFMG)

____________________________________________________________

Dr. Alessandro Bandeira Duarte (UFRRJ)

Page 4: SOBRE UM CRITÉRIO DE IDENTIDADE DE SENTIDOS …...maneira: o método de condução de provas era axiomático e o uso de axiomas lógicos garantia a exclusão de qualquer apelo à

Dedico a todos aqueles que de alguma

forma contribuíram para a realização

desta dissertação.

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Agradeço aos meus pais, Dorivan e

Terezinha, que são o alicerce de

minha vida.

Agradeço aos meus irmãos, Rafael e

Luciara, e ao meu sobrinho, Henrique,

pelas diferenças individuais e por

compartilharmos muito em comum.

Agradeço ao Professor Abílio pela

paciência e seriedade nas orientações.

Agradeço à Professora Mariluze pela

confiança e amizade.

Agradeço aos meus amigos pelas

inúmeras experiências existenciais.

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RESUMO

Nesta dissertação daremos principal atenção às noções intensionais presentes na linguagem

formal de Frege porque pretendemos delimitar a discussão em torno dos problemas

relacionados à noção de identidade de sentidos. Dessa forma, pretendo mostrar que na teoria

de Frege a formulação de um critério lógico objetivo para identidade de sentidos sempre foi

problemático. Analisarei: (i) os critérios de identidade de conteúdo conceitual presentes nas

§§ 3 e 8 da Conceitografia e os problemas semânticos gerados por estes critérios. Ao longo da

dissertação farei considerações a respeito das relações que podemos estabelecer entre o

critério de Frege de identidade de conteúdo conceitual de sentenças completas e,

posteriormente, o critério lógico de equipolência com os critérios intensionais de equivalência

essencial e de equivalência de sinonímia de sentenças de Kirkham; (ii) as mudanças que Frege

fez na sua notação conceitual após 1891, mas nos concentraremos na distinção semântica

entre sinal, sentido e referência porque darei destaque à noção intensional de sentido de

sentenças completas e, (iii) os critérios de identidade de pensamentos sugeridos por Frege em

duas Cartas a Husserl e em Um breve levantamento de minhas doutrinas lógicas. Pretendo

analisar a aplicabilidade do critério lógico de equipolência de Frege em relação às

peculiaridades da linguagem, em relação ao critério de sinonímia de Kirkham e em relação

aos casos de identidade de pensamentos compostos.

PALAVRAS-CHAVE: Noção Intensional. Identidade de Sentidos. Análise Semântica do

Significado. Pensamentos.

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ABSTRACT

In this thesis we will give primary attention to intensional notions present in formal language

of Frege because we intend to delimit the discussion of problems related to the notion of

identity of senses. In this way, I intend to show that in the theory of Frege the formulation of a

logical criterion objective for identity of the senses was always problematic. We will look at:

(i) the criteria of identity of conceptual content present in §§ 3 and 8 of Begriffsschrift and the

semantic problems generated by these criteria. Throughout the dissertation will make

considerations about the relationships that we can establish between the Frege‟s criterion of

identity of conceptual content of complete sentences and, subsequently, the logical criterion

of sentences equipollents with the criteria intensional of essential equivalence and equivalence

of synonymy of judgments of Kirkham; (ii) the changes that Frege did in his conceptual

notation after 1891, but we will focus on the semantic distinction between signal, sense and

reference because I will give emphasis to the intensional notion of meaning of complete

sentences, and (iii) the criteria of identity of thoughts suggested by Frege in two Letters to

Husserl and in A brief survey of my doctrines logical. I analyze the applicability of logical

criterion of sentences equipollents of Frege in relation to the peculiarities of the language, in

relation to the criterion of synonymy of Kirkham and in relation to cases of identity of

thoughts compounds.

Keywords: Intensional Notion. Identity of Senses. Semantical Analysis of Meaning.

Thoughts.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……........................................................................................................…… 8

2. PERÍODO DE 1879 A 1890…………............................................................................... 16

2.1. O critério de identidade de conteúdo conceitual das §§ 3 e 8 da Conceitografia....... 16

2.2. Os problemas acerca da identidade de conteúdo conceitual da Conceitografia........ 24

2.2.1. A semântica das descrições definidas e o papel da correção de inferências........... 25

2.2.2. O colapso dos conteúdos judicativos das sentenças de identidade.......................... 29

2.3. Considerações sobre relações entre critérios intensionais de Frege e Kirkham....... 35

2.3.1. Equivalência Material, Essencial e Sinonímia em Kirkham.................................... 36

2.3.2. O critério intensional da Conceitografia e os critérios intensionais de Kirkham... 40

2.4. Conclusões e considerações finais do capítulo.............................................................. 45

3. PERÍODO DE 1891 A 1904............................................................................................... 49

3.1. As modificações no sistema fregiano............................................................................. 49

3.1.1. A solução do Quebra cabeça da Identidade................................................................. 51

3.1.2. A noção intensional de Sentido................................................................................... 54

3.1.3. A noção de Referência como valor semântico........................................................... 57

3.2. A noção intensional de Sentido de sentenças completas.............................................. 60

3.3. Conclusões e considerações finais do capítulo.............................................................. 76

4. PERÍODO DE 1905 A 1923............................................................................................... 81

4.1. Os critérios de identidade de Pensamentos de Frege................................................... 81

4.1.1. A aplicabilidade do critério lógico de Equipolência................................................. 87

4.1.2. O critério de Equipolência de Frege e o critério de Sinonímia de Kirkham.......... 98

4.2. Os casos de Equipolência de Pensamentos Compostos............................................... 102

4.3. Conclusões e considerações finais do capítulo............................................................ 109

5. CONCLUSÃO.................................................................................................................. 113

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 119

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I: Introdução

Se levarmos em conta toda a importância histórica que representa o trabalho de Frege

para a Lógica certamente abre-se um campo de pesquisa com inúmeras possibilidades a serem

exploradas.

No entanto, nesta dissertação proponho concentrar-me na análise de como Frege

trabalhou um critério de identidade para as noções intensionais do seu sistema e, sendo assim,

como a pesquisa propõe investigar noções intensionais não serão abordados em detalhes

outros aspectos da teoria fregiana.

Ressaltamos que, ao analisarmos o texto tardio de Frege, Pensamentos Compostos,

ficamos restritos ao nível da lógica proposicional, uma vez que, os exemplos apresentados por

Frege nesse texto são desse âmbito. Porém, somos conscientes que problemas em relação à

identidade de sentidos extrapolam esse âmbito como é o caso do exemplo com

quantificadores apresentado em Função e Conceito.

Por se tratar de um filósofo da envergadura de Frege a pesquisa justifica-se por si

própria, contudo, ressalto que o problema de identidade de noções intensionais é um tema

complexo porque Frege ao optar por uma lógica extensional, implicitamente no artigo Função

e Conceito1 (1891) e em Crítica a Husserl: Filosofia da Aritmética I

2 (1894) e explicitamente

no artigo Comentários sobre o Sentido e a Referência3 4 (1892/1895), não estabeleceu com

precisão um critério de identidade para noções intensionais. Veremos, ao longo da dissertação,

que Frege enfrentou dificuldades em estabelecer tal critério de identidade de sentidos ao longo

de toda a sua obra.

1 Function and Concept (1891). In: Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed., USA, pp. 130-148.

2 Review of E. G. Husserl, Philosophy of Arithmetic I (1894). In: Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed., USA,

pp. 224-226. 3 Comments on Sense and Meaning (1892-1895). In: Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed., USA, pp. 172-

180. 4 The Frege Reader. Beaney (1997) pp. 178-179.

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Mas por que Frege enfrentou problemas dessa natureza?

Perante a necessidade de rigor e precisão nas provas dos teoremas da aritmética Frege

abdicou da linguagem natural e apresentou no livro Conceitografia uma linguagem simbólica

que supria as necessidades adequadas para um método de condução de provas. Tal linguagem

simbólica atendia às necessidades primordiais para os propósitos fregianos da seguinte

maneira: o método de condução de provas era axiomático e o uso de axiomas lógicos garantia

a exclusão de qualquer apelo à intuição, uma vez que, a justificação verdadeira dos teoremas

da aritmética dependia exclusivamente da verdade dos axiomas, das definições e das regras de

inferência contidas no sistema.

Além disso, como em toda linguagem, a linguagem formalizada da Conceitografia

continha regras sintáticas que davam conta do alfabeto da linguagem, das regras de formação

das expressões da linguagem, de um conjunto de axiomas e regras de inferência que nos

permitem derivar novas expressões. Desta forma, a sintaxe fornece caracteres e regras de

formação e derivação de fórmulas bem formadas para a condução das provas.

Contudo, para confirmar a validade das provas dos teoremas da aritmética Frege

primeiramente deveria ter o domínio da análise das expressões, ou melhor, precisava de uma

teoria do significado. Isso quer dizer que na Conceitografia as expressões deveriam possuir

um valor semântico e este, em 1879, era a noção de conteúdo conceitual. É nesse sentido que

Dummett ressalta que a “validade de uma prova depende do significado das declarações que

formam as premissas, conclusão e passos intermediários daquela prova e suas inter-relações”5.

Sendo assim, Frege precisava de uma teoria do significado para analisar as expressões nas

provas dos teoremas da aritmética.

Com o que foi dito nos últimos três parágrafos podemos agora responder a pergunta,

por que Frege enfrentou problemas em estabelecer um critério de identidade de sentidos?

5 Frege Philosophy of Language. Dummett (1981b) p. 2.

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Primeiramente porque Frege criou uma linguagem simbólica a partir de uma sintaxe e

de uma semântica. Como sabemos a semântica fregiana de 1879, continha reunida na noção

de conteúdo conceitual elementos extensionais para os termos singulares (nomes próprios e

descrições definidas) e elementos intensionais para juízos (sentenças).

Em seguida, a partir de 1891, Frege reformula a noção de conteúdo conceitual e

caracteriza o significado de uma expressão sendo composta de dois componentes: sentido e

referência. A referência é a extensão da expressão e o sentido é a intensão da expressão. E,

por último, a noção de sentido é essencialmente intensional e Frege encontrou dificuldades

em estabelecer um critério de identidade de sentidos porque tais entidades são noções difíceis

de serem definidas rigorosamente e, em decorrência disso, difíceis de serem comparadas em

um critério de identidade objetivo.

Mas tornaremos mais claro a diferença entre os conceitos intensão e extensão

apresentando uma caracterização destes conceitos. Vamos utilizar a distinção feita por

Richard Kirkham. O autor nos diz que por extensão de uma expressão entendemos “o objeto

ou o conjunto de objetos referidos, apontados ou indicados por uma expressão”6, enquanto,

por intensão de uma expressão entendemos ser “o conteúdo informacional da expressão”7.

Alguns exemplos: o autor de ‘Ética a Nicômaco’ e Aristóteles são termos co-extensionais

porque ambos têm a mesma extensão, isto é, ambos referem ao filósofo Aristóteles. Da

mesma forma, a extensão do predicado é jogador de futebol são todos os indivíduos jogadores

de futebol.

Em contrapartida, se consideramos o autor de ‘Ética a Nicômaco’ e Aristóteles, apesar

de serem co-extensionais eles diferem quanto à intensão. Isso se deve porque o conteúdo

informacional ou o conteúdo cognitivo ou ainda para usar uma expressão fregiana o modo de

apresentação do objeto são diferentes. Podemos dizer que a intensão de o autor de ‘Ética a

6 Teorias da verdade: Uma introdução crítica. Kirkham (2003) p. 17.

7 Teorias da verdade: Uma introdução crítica. Kirkham (2003) p. 23.

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Nicômaco’ é o indivíduo que escreveu a obra ‘Ética a Nicômaco’ enquanto que a intensão de

Aristóteles é o indivíduo Aristóteles, ou seja, os dois termos transmitem ou expressam

informações diferentes. A distinção extensão/intensão também é aplicável a sentenças

completas sendo que a extensão de uma sentença é o seu valor de verdade (o Verdadeiro ou o

Falso) e a sua intensão é o pensamento ou a proposição expressada por ela.

Tendo apresentado melhor a diferença entre extensão e intensão fica fácil entendermos

por que é difícil definirmos noções intensionais e, em consequência disso, estabelecermos um

critério de identidade intensional objetivo. Voltemos às noções extensionais. Uma vez

definido o que é a extensão de um termo fica fácil estabelecermos um critério de identidade

extensional porque só é preciso constatar se existe igualdade de objetos designados pelos

termos singulares e sentenças completas.

Infelizmente não temos esta certeza quando lidamos com noções intensionais. Por se

tratar do conteúdo informacional que é expresso pela expressão uma rigorosa definição do que

realmente é este conteúdo informacional torna-se um tanto vaga e imprecisa. Boa parte desta

imprecisão e vagueza deve-se ao caráter abstrato das noções intensionais que são totalmente

diferentes das noções extensionais, pois, de modo geral, a extensão de termos singulares e

sentenças completas são objetos que definimos, podemos considerar, com certa precisão.

Além disso, há um aspecto particular que envolve as noções intensionais que dificulta

em muito uma definição de identidade objetiva. Digo, duas pessoas podem retirar da mesma

expressão conteúdos informacionais diferentes ou duas pessoas podem transmitir conteúdos

informacionais diferentes ao declararem a mesma expressão.

Vejamos um exemplo. Imagine a sentença Aristóteles é filósofo sendo pronunciada por

uma pessoa numa roda de conversa e consideremos a semântica fregiana de nomes próprios. É

possível que duas outras pessoas entendam respectivamente como a intensão desta sentença

algo do tipo, O mestre de Alexandre o Grande é filósofo e O autor de ‘Ética a Nicômaco’ é

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filósofo que diferem explicitamente em intensão. O mesmo pode acontecer quando estas duas

pessoas expressarem a mesma sentença Aristóteles é filósofo e cada uma relacionando aquelas

intensões diferentes no ato do proferimento. Tudo isso porque, segundo Frege, o sentido de

um nome próprio é o conteúdo informacional expresso por uma descrição definida.

Por isso, para estabelecermos uma equivalência intensional é necessário uma relação

mais forte do que é exigido para uma equivalência extensional. Um dos motivos para

acreditarmos na validade dessa afirmação é que a equivalência intensional inclui a

equivalência extensional no sentido que se dois termos são intensionalmente equivalentes

então eles são extensionalmente equivalentes e o contrário não ocorre.

É exatamente nessa direção que Kirkham8 estabelece uma hierarquia entre as relações

de equivalência de sinonímia (p=sinq), equivalência essencial (pq) e equivalência material

(pq). Deixo para explicar com detalhes essas noções no primeiro capítulo da dissertação e

então tentaremos estabelecer uma relação entre o critério de identidade de conteúdo

conceitual para juízos (sentenças) em Frege de 1879 e depois o critério de identidade de

pensamentos de Frege de 1906 com os critérios intensionais de Kirkham, a saber, o critério de

sentenças essencialmente e o de sinonimamente equivalentes.

Pois bem, uma vez que pretendo analisar os problemas que Frege enfrentou ao longo

de sua carreira com relação a um critério de identidade de sentidos, entendo que para alcançar

completamente nosso objetivo terei que investigar a obra completa de Frege a partir de seus

livros, artigos, cartas e anotações pessoais reunidas em coletâneas. Acredito que somente essa

postura investigativa dará um panorama completo do problema de identidade de noções

intensionais em Frege.

Sendo assim, considerando a reunião de toda a obra, destacamos os seguintes textos

que contribuem com maior relevância para a nossa pesquisa: o livro Conceitografia (1879), o

8 Teorias da verdade: Uma introdução crítica. Kirkham (2003) p. 31.

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fragmento Lógica (1879/1891), o artigo O cálculo lógico e a notação conceitual de Boole

(1880/1881), uma Carta a Husserl (1891), os artigos Função e Conceito (1891), Sobre o

Sentido e a Referência (1892), Sobre o Conceito e o Objeto (1892) e Comentários sobre o

Sentido e a Referência (1892/1895), o livro Leis Básicas da Aritmética I (1893), o fragmento

Sobre a Geometria Euclidiana (1899/1906), duas Cartas a Russell (1902) e (1904), duas

Cartas a Husserl (1906), os fragmentos Um breve levantamento de minhas doutrinas lógica

(1906) e Introdução a Lógica (1906), os artigos Lógica na Matemática (1914), O Pensamento

(1918), A Generalidade Lógica (1923) e Pensamentos Compostos (1923).

Dessa maneira, nesta dissertação daremos principal atenção às noções intensionais

presentes na linguagem formal fregiana porque pretendemos delimitar a discussão em torno

dos problemas da noção de identidade de sentidos. Sendo que pretendo analisar todas as obras

de Frege relevantes para o tema da dissertação entendo que será melhor abordar a obra

fregiana em três momentos distintos: o período de 1879 a 1890, o período de 1891 a 1904 e o

período de 1905 a 1923. Com isso, espero ser fiel a cronologia das obras e acreditamos que tal

plano de trabalho é o mais correto possível para tornar mais clara a perspectiva que se coloca

o problema de identidade de sentidos.

Assim a dissertação é composta de cinco capítulos sendo o primeiro a introdução, o

segundo o período de 1879 a 1890, o terceiro o período de 1891 a 1904, o quarto o período de

1905 a 1923 e o quinto capítulo a conclusão.

O segundo capítulo está dividido da seguinte maneira: na seção 2.1 irei analisar os

critérios de identidade de conteúdo conceitual presente nas §§ 3 e 8 da Conceitografia; na

seção 2.2 destaco dois problemas semânticos relacionados com a identidade de conteúdo

conceitual da Conceitografia; na seção 2.3 apresento considerações a respeito das relações

que podemos estabelecer entre as definições de Kirkham de equivalência material,

equivalência essencial e equivalência de sinonímia com o critério fregiano de identidade de

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conteúdo conceitual de sentenças completas da Conceitografia e em 2.4 apresento as

considerações finais do capítulo.

Meu objetivo neste capítulo é mostrar que a noção de valor semântico na

Conceitografia era problemática e gerava tensões insuperáveis que levaram Frege a

reformular a noção de valor semântico no seu sistema. Além disso, pretendo mostrar quais

relações podemos estabelecer entre o critério fregiano de identidade de conteúdo conceitual

de sentenças completas e os critérios intensionais de equivalência essencial e de equivalência

de sinonímia de sentenças de Kirkham.

O terceiro capítulo é essencialmente um capítulo de ligação entre o segundo e o quarto

capítulos. Meu objetivo é apresentar as mudanças que Frege faz na sua notação conceitual

após 1891, mas, principalmente, nos concentraremos na distinção semântica entre sinal,

sentido e referência porque darei destaque à noção intensional de sentido de sentenças

completas.

Seguirei a seguinte estratégia: na seção 3.1 apresento resumidamente as modificações

no sistema fregiano contidas em Carta a Husserl, nos três artigos Função e Conceito, Sobre o

Sentido e a Referência, Sobre o Conceito e o Objeto e no livro As Leis Básicas da Aritmética

I para dar atenção à divisão semântica entre sinal, sentido e referência apresentada em

detalhes no artigo Sobre o Sentido e a Referência. A partir dessa divisão semântica mostrarei:

em 3.1.1 como Frege soluciona o Quebra cabeça da Identidade, em 3.1.2 que a noção de

sentido é a noção intensional no sistema de Frege e em 3.1.3 que a noção de referência como

valor semântico caracteriza a escolha de Frege por uma lógica extensional. Na seção 3.2

apresento as características marcantes da noção intensional de sentido de sentenças completas

conforme a definição presente principalmente nos artigos Sobre o Sentido e a Referência e

Lógica, além disso, analiso alguns exemplos de identidade de pensamentos com o objetivo de

compreender como Frege pensava os problemas relacionados ao estabelecimento de um

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critério de identidade intensional. Na seção 3.3 apresento as considerações finais do capítulo.

No quarto capítulo trabalharei as obras tardias de Frege. Seguirei o seguinte percurso:

na seção 4.1 apresentarei os critérios de identidade de pensamentos sugeridos por Frege em

duas Cartas a Husserl e em Um breve levantamento de minhas doutrinas lógicas. Depois de

apresentar os critérios de identidade de pensamentos de Frege pretendo mostrar com a ajuda

dos exemplos disponíveis: em 4.1.1 qual a aplicabilidade do critério de identidade de

pensamentos de Frege perante a distinção entre o pensamento e o embelezamento retórico da

linguagem e em 4.1.2 apresento as últimas considerações a respeito das relações entre o

critério de sinonímia de Kirkham e o critério de identidade de pensamentos de Frege. Na

seção 4.2 levarei em conta o artigo Pensamentos Compostos e apresento os casos de

identidade entre pensamentos compostos. Por fim, na seção 4.3 apresento as considerações

finais do capítulo.

Meu objetivo no quarto capítulo é analisar a aplicabilidade dos critérios de identidade

de pensamentos de Frege em relação às peculiaridades da linguagem, em relação ao critério

de sinonímia de Kirkham e em relação aos casos de identidade de pensamentos compostos.

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II: Período de 1879 a 1890

2.1. O critério de identidade de conteúdo conceitual das §§ 3 e 8 da Conceitografia:

Vamos expor os trechos onde Frege apresenta os dois critérios de identidade de

conteúdo conceitual utilizados na Conceitografia, respectivamente o da § 3 que diz respeito a

juízos (sentenças) e o da § 8 que diz respeito a termos singulares (nomes próprios e descrições

definidas).

Veremos que Frege apresenta um critério de identidade de conteúdo conceitual para

juízos que leva em conta o conteúdo informacional dos juízos em uma cadeia de inferências e

devido a essa característica temos razão em considerar esse critério um critério de identidade

de caráter intensional. Em contrapartida, o critério de identidade de conteúdo conceitual para

termos singulares tem um caráter diferente porque leva em conta o objeto designado o que o

torna um critério de identidade extensional.

Irei enumerar as citações para facilitar as referências. Dessa forma, destaco um trecho

da § 3 da Conceitografia na qual Frege apresenta a seguinte justificativa:

[1]

Para justificar isto eu observo que o conteúdo de dois juízos pode ser diferenciado de duas

maneiras: ou as consequências deriváveis do primeiro, quando ele é combinado com certos

outros juízos, sempre seguem também do segundo, quando ele é combinado com esses

mesmos juízos, [e conversamente], ou isso não é o caso. As duas proposições „Os Gregos

venceram os Persas em Platea‟ e „Os Persas foram vencidos pelos Gregos em Platea‟ diferem

no primeiro modo. Mesmo se podemos detectar uma pequena diferença no sentido o acordo é

predominante. Agora eu chamo aquela parte do conteúdo que é a mesma em ambos de

conteúdo conceitual. Uma vez que, somente ele é importante para a nossa notação conceitual,

nós não precisamos introduzir qualquer distinção entre proposições tendo o mesmo conteúdo

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conceitual.9 (o itálico é meu)

Frege em [1] utiliza duas sentenças10

para mostrar que as diferenças que ocorrem entre

as formas ativa e passiva nas mesmas não altera o conteúdo conceitual que é expresso por elas

em uma cadeia inferencial. A preocupação de Frege em dizer que as consequências deriváveis

serão as mesmas nas duas quando substituídas em uma única cadeia de prova juntamente com

outras mesmas sentenças justifica-se pelo seu compromisso com a correção das inferências na

Conceitografia. Isso é importante para entendermos que na Conceitografia Frege utiliza um

critério de substitutividade de expressões que contém o mesmo conteúdo conceitual (valor

semântico) segundo o seu papel inferencial porque o que conta é a correção de inferências.

Veremos, no próximo capítulo da dissertação, que Frege modifica o critério de

correção de inferências da Conceitografia por um critério diferente pós 1891. Mas, na

Conceitografia, o que importa é a substitutividade de expressões que preservam a correção de

inferências. Isto está claro na própria § 3 no trecho que segue:

[2]

Agora, todas aquelas peculiaridades da linguagem ordinária que resultam somente da interação

do locutor e do interlocutor – como quando, por exemplo, o locutor coloca as expectativas do

interlocutor em consideração e procura colocá-las no caminho certo mesmo antes a sentença

completa ser enunciada – nada tem que responda a elas na minha notação conceitual, desde

que em um juízo eu considero apenas aquilo que influencia suas possíveis consequências.

Tudo que é necessário para uma inferência correta será totalmente expressado, mas o que não

é necessário é geralmente não indicado, nada será deixado à adivinhação.11

Mesmo que Frege em [1] não tenha deixado explicitamente claro quais são as

condições suficientes e necessárias para duas sentenças expressarem o mesmo conteúdo 9 Begriffsschrift, a formula language, modeled upon that of arithmetic, for pure thought (1879). In Jean van

Heijennort (1967) p. 12. 10

A partir de agora não falarei mais de juízos e sim de sentenças por entender que expressamos juízos por meio

de sentenças. 11

Begriffsschrift, a formula language, modeled upon that of arithmetic, for pure thought (1879). In Jean van

Heijennort (1967) p. 12.

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18

conceitual podemos, mesmo assim, retirar de [1] duas informações importantes que nos levam

a considerar o critério da § 3 um critério de identidade de caráter intensional.

A primeira informação que destacamos são as próprias sentenças utilizadas no

exemplo fregiano, Os Gregos venceram os Persas em Platea e Os Persas foram vencidos

pelos Gregos em Platea. O exemplo mostra nitidamente que Frege está comprometido aqui

com o caráter informacional das sentenças em uma cadeia de prova, tanto é que, Frege faz uso

da conversão entre voz ativa/passiva para dizer que o que as sentenças têm em comum é o que

é considerado por ele como o conteúdo conceitual das mesmas. Percebe-se que Frege em

nenhum momento na § 3 faz alusão ao conteúdo conceitual das sentenças como algo que não

seja o conteúdo cognitivo ou o conteúdo informacional das mesmas.

Mas, em contrapartida, o exemplo apresentado na § 3 deixa dúvidas quais seriam os

outros casos que há preservação do conteúdo conceitual das sentenças. Apesar de Frege ter

sido econômico no que diz respeito aos exemplos encontra-se em textos posteriores outros

casos de igualdade de conteúdo conceitual para sentenças. Como são textos depois de 1891 o

correto é dizer igualdade de sentidos de sentenças. No entanto, tais textos serão abordados nos

próximos capítulos.

Para ser mais exato, Frege apresenta outros exemplos de identidade de conteúdo

conceitual no período entre 1879 a 1890. São os casos dos axiomas da Conceitografia (leis 31

e 41) que expressam o mesmo conteúdo conceitual e das definições de Os Fundamentos da

Aritmética. Porém, não estou analisando tais casos por serem estipulações arbitrárias feitas na

construção de um sistema lógico e que funcionam como axiomas no interior da linguagem

formalizada à qual pertencem sendo, portanto, em nossa opinião, desnecessário uma análise

detalhada destes casos.

A segunda informação que destacamos é a utilização da palavra sentido. Em [1] Frege

explicitamente diz que mesmo havendo uma diferença no sentido expresso pelas sentenças o

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19

acordo é predominante. O uso da palavra sentido, a meu ver, deixa clara a intenção de Frege

em caracterizar o conteúdo conceitual de sentenças por meio de um critério de identidade que

hoje é caracterizado como um critério intensional.

É importante esclarecer que não estou defendendo a idéia que Frege na Conceitografia

já utilizava a noção técnica de sentido como viria a fazer depois de 1891. É sabido que na

Conceitografia Frege não apresenta explicitamente a distinção entre sentido e referência

mesmo que essas noções já apareçam implicitamente reunidas na noção de conteúdo

conceitual.

Para terminar a análise do critério de identidade de conteúdo conceitual da § 3 da

Conceitografia destacamos uma informação retirada de [2]. Acredito que tal informação é

mais um indício que Frege estava comprometido somente com o conteúdo informacional das

sentenças que realmente importava para as possíveis consequências em uma cadeia de

inferências levando-se em conta o papel inferencial das mesmas.

O trecho que destaco de [2] é “todas aquelas peculiaridades da linguagem ordinária

que resultam somente da interação do locutor e do interlocutor (...) nada tem que

corresponda a elas na minha notação conceitual” (itálico meu). Considero esse trecho

importante porque entendo que podemos lê-lo tendo em mente o que Frege chama em seus

textos posteriores de o colorido ou iluminação da linguagem. Se interpretarmos o trecho

acima retirado de [2], principalmente a parte destacada em itálico, como sendo justamente o

que Frege chamou de colorido da linguagem, não restam dúvidas quanto ao caráter

intensional do critério de identidade de conteúdo conceitual das sentenças.

Kenny parece fazer a mesma leitura que nós do mesmo trecho fregiano. Kenny por

meio da palavra ênfase está falando a mesma coisa que Frege tratou como peculiaridades da

linguagem ordinária que são dispensáveis para as consequências de um conteúdo conceitual

de sentenças. A ênfase dada pelo locutor na interação com o interlocutor nada mais é o que

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20

Frege chama em seus textos posteriores de o colorido da linguagem. O trecho a seguir reforça

a análise do critério de conteúdo conceitual da § 3 como um critério intensional.

[3]

(...) o locutor pode recorrer a uma ou a outra forma [ativa/passiva] por razões de ênfase ou

para ligar a frase com o que havia dito antes. Mas as diferenças entre as duas proposições não

têm a menor influência naquilo que delas se segue logicamente. Tudo o que segue da primeira

se segue também da segunda e vice-versa.12

(itálico meu)

Vamos deixar para analisar estas peculiaridades das noções intensionais nos próximos

capítulos da dissertação quando teremos a oportunidade de citar trechos do próprio Frege a

respeito dessa característica da linguagem. Por agora, basta ter ficado claro que o critério que

Frege utiliza para estabelecer uma identidade de conteúdo conceitual de sentenças na § 3 da

Conceitografia têm fortes características que nos autoriza considerá-lo um critério intensional.

Não podemos afirmar o mesmo do critério de identidade de conteúdo conceitual da § 8

da Conceitografia que diz respeito a termos singulares.

Frege na § 8 utiliza um exemplo retirado da geometria para ilustrar um caso onde dois

nomes diferentes determinam o mesmo ponto. Vejamos o trecho:

[4]

Assuma que sobre a circunferência de um círculo existe um ponto fixo A sobre o qual uma reta

gira. O ponto de interseção, diferente de A, da reta e a circunferência irá ser chamado o ponto

B associado com a posição da reta a todo o momento, este ponto é tal que variações contínuas

em sua posição devem sempre corresponder a variações contínuas na posição da reta. Por isso,

o nome B denota algo indeterminado enquanto a posição correspondente da reta não foi

especificada. Nós podemos agora perguntar: qual ponto é associado à posição da reta quando

ela é perpendicular ao diâmetro? A resposta será: o ponto A. Nesse caso, portanto, o nome B

tem o mesmo conteúdo que o nome A e, todavia, nós não poderíamos ter usado apenas um

nome desde o começo, (...). A cada um desses modos de determinar o ponto corresponde um

12

Frege: an introduction to the founder of Modern Analytic Philosophy. Kenny (1995) p. 14.

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21

nome particular. Por isso, a necessidade de um símbolo para a identidade de conteúdo depende

da seguinte consideração: o mesmo conteúdo pode ser determinado completamente em

diferentes modos, (...). Agora tome,

(A B)

significando que o sinal A e o sinal B têm o mesmo conteúdo conceitual de maneira que

podemos substituir A por B e vice-versa.13

O trecho é bastante claro a respeito das motivações fregianas em caracterizar a

identidade de conteúdo conceitual uma relação entre nomes. A justificativa para a necessidade

de um símbolo de identidade de conteúdo conceitual fundamentada no exemplo geométrico

não deixa dúvidas que de fato ocorre dois nomes diferentes poderem determinar o mesmo

ponto. As diferenças quanto ao modo de determinação do mesmo conteúdo conceitual produz

um ganho cognitivo e esse é o motivo que levou Frege a reconhecer, “o juízo que trata da

identidade de conteúdo é sintético no sentido kantiano”14

.

Do trecho [4] podemos retirar dois pontos importantes para a nossa dissertação.

O primeiro e o mais importante para essa seção é entendermos que a maneira pelo qual

Frege caracteriza o critério de identidade de conteúdo conceitual para nomes por meio do

exemplo da circunferência o torna um critério extensional porque o critério depende da

igualdade do ponto ou do objeto determinado pelos dois nomes A e B.

O fato de Frege ter admitido o acréscimo no conhecimento por meio do juízo que trata

da identidade de conteúdo, sintético à la Kant, não quer dizer que o que determina a

identidade de conteúdo é o caráter informacional dos nomes. A meu ver, Frege é muito claro

na § 8 ao estabelecer o fato que faz os nomes A e B terem o mesmo conteúdo conceitual é eles

determinarem o mesmo ponto. Isso é suficiente para caracterizar o critério da § 8 um critério

de identidade de conteúdo conceitual de caráter extensional.

13

Begriffsschrift, a formula language, modeled upon that of arithmetic, for pure thought (1879). In Jean van

Heijennort (1967) p. 21. 14

Begriffsschrift, a formula language, modeled upon that of arithmetic, for pure thought (1879). In Jean van

Heijennort (1967) p. 21.

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22

O segundo é o modo que Frege trata as descrições definidas como sendo nomes

próprios, ou seja, colocando-as na classe dos termos singulares. Frege faz isto no exemplo do

trecho [4] onde o ponto B é caracterizado pela descrição definida: o ponto de interseção da

reta e a circunferência, diferente de A.

De qualquer forma, o que nos interessa ressaltar é a opção de Frege em incluir as

descrições definidas na classe dos termos singulares. Veremos na seção seguinte que esse

tratamento gera problemas levando-se em conta que o critério de identidade de conteúdo

conceitual na Conceitografia é baseado no papel inferencial.

Frege ao caracterizar a noção de identidade de conteúdo conceitual e ao considerar a

identidade uma relação entre nomes introduz o problema de sentenças de identidade

verdadeiras e informativas conhecido como o Quebra-cabeça da Identidade. O problema

ocorre porque conforme a semântica fregiana da Conceitografia se é uma identidade

verdadeira então tem o mesmo conteúdo informacional que , mas, é nítido que as

duas sentenças expressam conteúdos informacionais diferentes.

O problema tem origem na forma que Frege caracteriza o conteúdo conceitual de

sentenças e termos singulares. Segundo o que Frege diz na Conceitografia podemos substituir

dois termos singulares com o mesmo conteúdo conceitual em uma sentença. Se os dois termos

singulares têm o mesmo conteúdo conceitual então a sentença resultante da troca não sofrerá

alteração no seu conteúdo informacional, mas, não é isso o que acontece.

Este é o problema com as sentenças de identidade e . Se e têm o mesmo

conteúdo conceitual a substituição de por na primeira não alteraria o conteúdo

informacional da sentença. Mas, vemos que enquanto é um mero truísmo

proporciona um ganho de conhecimento. A solução desse quebra cabeça é importante para

nossa dissertação porque consideramos um dos motivos principais para a distinção entre

sentido e referência, assunto que será tratado no capítulo a seguir.

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23

Por agora podemos concluir que a noção de conteúdo conceitual tem em si um aspecto

híbrido e a razão desse problema está justamente nas §§ 3 e 8 da Conceitografia porque Frege

fez uma má escolha ao caracterizar a noção de conteúdo conceitual com análises diferentes

para sentenças e termos singulares.

Sendo assim, foi nosso objetivo nesta seção, analisar o critério de identidade de

conteúdo conceitual para juízos (sentenças) que se encontra na § 3 da Conceitografia para

chegar à conclusão que tal critério de identidade é um critério de caráter intensional. Da

mesma forma, analisamos o critério de identidade de conteúdo conceitual para termos

singulares presente na § 8 da Conceitografia para chegar à conclusão que tal critério de

identidade é um critério de caráter extensional.

Podemos concluir que a noção de conteúdo conceitual na Conceitografia é em si uma

noção híbrida porque é uma mistura de uma análise intensional com uma análise extensional.

Além disso, vimos que a semântica da Conceitografia junto com a afirmação de Frege que a

identidade é uma relação entre nomes gerou o Quebra-cabeça da Identidade, pois a

substituição de termos singulares com o mesmo conteúdo conceitual não conserva o conteúdo

informacional da nova sentença.

Para reforçar nossa conclusão destaco uma passagem onde Noonan enfatiza o caráter

híbrido da noção de conteúdo conceitual da Conceitografia.

[5]

Mas vale a pena indicar aqui a instabilidade da posição de Frege nesse ponto da

Conceitografia. De um lado está claro, dos exemplos de Frege que o conteúdo de um nome é o

objeto para o qual ele aponta, de modo que o conteúdo comum dos nomes a estrela da manhã

e a estrela da tarde é o planeta Vênus. De outro lado, no entanto, está também claro da

introdução original de Frege da noção de conteúdo conceitual aplicado para sentenças, como o

que duas sentenças equipolentes têm em comum, que ele [Frege] não iria, naquele momento,

ter afirmado que todas as sentenças com o mesmo valor de verdade tem o mesmo conteúdo

conceitual. Mas esta é a conclusão que chegamos se nós tomamos, como Frege claramente

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24

pretende, que quando dois nomes com o mesmo conteúdo conceitual substituem um ao outro

em uma sentença, o conteúdo conceitual da sentença inteira irá permanecer inalterado.15

Levando-se em consideração tudo que apresentamos nessa seção podemos afirmar que

Frege enfrentaria problemas com a teoria semântica da Conceitografia devido ao modo que

caracterizou a noção de conteúdo conceitual. Na seção a seguir nosso objetivo é mostrar

outros dois problemas gerados pela semântica da Conceitografia.

2.2. Os problemas acerca da identidade de conteúdo conceitual da Conceitografia:

Nesta seção apresento dois problemas relacionados à identidade de conteúdo

conceitual provenientes das §§ 3 e 8 da Conceitografia. Por isso, separo esta seção em duas

subseções 2.2.1 e 2.2.2. Em 2.2.1 apresento o problema proveniente do critério de identidade

de conteúdo conceitual baseado na correção de inferências e o tratamento que Frege dá as

descrições definidas. Veremos que descrições definidas contingentes não preservam a

correção de inferências. Em 2.2.2 apresento o problema proveniente da interpretação que o

conteúdo judicativo de sentenças na Conceitografia é formado pelos conteúdos conceituais

das partes da sentença. Veremos que tal interpretação leva ao colapso dos conteúdos

judicativos das sentenças de identidade da Conceitografia em coisas do tipo <a, a, =>.

Devo ressaltar que a análise dessas duas subseções segue, em linhas gerais, a análise

apresentada por Rodrigues em Frege, fazedores-de-verdade e o argumento da funda16

e o

meu objetivo é reforçar o argumento que Frege tinha problemas com a noção de conteúdo

conceitual na Conceitografia, principalmente com a noção de conteúdo judicativo de

sentenças, o que o levou a reformular a noção de valor semântico em seu sistema.

15

Frege A Critical Introduction. Noonan (2001) pp. 50-51. 16

Frege, fazedores-de-verdade e o argumento da funda. Rodrigues (2007) pp. 80-91.

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2.2.1. A semântica das descrições definidas e o papel da correção de inferências:

Como dissemos em 2.1, na § 3 da Conceitografia, Frege ao estabelecer um critério de

identidade de conteúdo conceitual para sentenças deixa claro que a idéia principal é a

correção de inferências porque leva em conta o papel inferencial das expressões em uma

cadeia de prova. Assim, entendemos que o conteúdo conceitual de sentenças é aquilo que

importa para as possíveis consequências em uma cadeia de prova, uma vez que, Frege está

comprometido com a correção de inferências.

Quando temos duas sentenças com o mesmo conteúdo conceitual mesmo que

combinadas com outros mesmos juízos as consequências deriváveis da primeira sentença

serão as mesmas que as da segunda sentença. Como falamos em 2.1, segundo Frege, isso

significa que as duas sentenças têm o mesmo conteúdo conceitual e, portanto, elas são

intersubstituíveis preservando correção de inferências.

As duas passagens [1] e [2] mostram como Frege considera duas sentenças que são

intersubstituíveis preservando correção de inferências. Mas, tal consideração pode ser

interpretada como se Frege estivesse dizendo que duas sentenças têm o mesmo conteúdo

conceitual, se e somente se, A├ ┤B. Rodrigues17

argumenta que não devemos interpretar

Frege dessa maneira, pois tal interpretação coloca a noção de equivalência lógica como

condição suficiente e necessária para identidade de conteúdo conceitual.

O ponto é que Frege considerava os teoremas da aritmética verdades lógicas, pois

acreditava ser possível prová-los com o sistema da Conceitografia e, conforme a noção de

equivalência lógica, verdades lógicas são logicamente materialmente equivalentes. Assim,

teoremas da aritmética do tipo 2+2=4 e 3+1=4 poderiam ser as duas sentenças nos lugares de

A e B acima e isso significaria que eles expressam o mesmo conteúdo conceitual.

17

Frege, fazedores-de-verdade e o argumento da funda. Rodrigues (2007) p. 81.

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Frege discorda disso em vários textos tardios18

mas em nenhum texto referente ao

período entre 1879 a 1890. Contudo, temos uma passagem de Frege de 1891 e acredito que a

mesma idéia seria defendida na Conceitografia. O trecho abaixo é de Função e Conceito e

Frege já utiliza as noções de sentido e referência para sentenças.

O fato de Frege usar as noções técnicas de sentido e referência não invalida nosso

argumento a respeito do conteúdo conceitual, pois mostramos em 2.1 que tais noções já

estavam implícitas na Conceitografia reunidas sob a noção de conteúdo conceitual.

[6]

Pode-se fazer aqui a objeção de que 22=4 e 2>1 significam coisas totalmente diferentes,

exprimem pensamentos totalmente distintos; porém, também 24=4

2 e 4.4=4

2 exprimem

pensamentos diferentes; mas, apesar disso, pode-se substituir 24 por 4.4 uma vez que os sinais

têm a mesma referência. (...) Disso concluímos que a igualdade de referência não tem como

consequência a igualdade de pensamentos.19

Assim, Rodrigues20

conjectura que nossa noção de equivalência lógica seria apenas

condição necessária e não suficiente para expressar o mesmo conteúdo conceitual no sentido

fregiano. Isso quer dizer que, qualquer que seja o critério fregiano para identidade de

conteúdo conceitual apresentado na § 3 da Conceitografia ele tem um caráter mais forte ou

mais refinado do que a noção de equivalência lógica porque nem todas as verdades lógicas

expressam o mesmo conteúdo conceitual. A conclusão de Rodrigues é que duas sentenças têm

o mesmo conteúdo conceitual, somente se, A├ ┤B.

Entendo que a conclusão de Rodrigues está correta e a reforçamos com as palavras de

Dummett com duas considerações a serem feitas a seguir.

18

Ver Letter to Russell (1902) p. 255 e Letter to Russell (1904) p. 291. Os dois In Beaney (1997). Ver também

Logic in Mathematics (1914) p. 225. In Peter Long e Roger White (1979). 19

Function and Concept (1891). In Beaney (1997) p. 138. 20

Frege, fazedores-de-verdade e o argumento da funda. Rodrigues (2007) p. 82.

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27

[7]

Mas ele [Frege] estava muito bem consciente que é frequentemente possível definir uma

expressão em diferentes modos, de modo que, até mesmo se elas são analiticamente

equivalentes não podem ser consideradas como conferindo o mesmo sentido sobre a

expressão, a menos que nós estamos preparados para garantir, como Frege não está, que

quaisquer duas expressões analiticamente equivalentes têm o mesmo sentido.21

Primeiro, Dummett usa a noção de sentido em [7]. Para não ser anacrônico esclareço

que estou estendendo as considerações de Dummett à noção de conteúdo conceitual da

Conceitografia. De novo entendo que não há problemas em fazer isso porque mostramos em

2.1 que na Conceitografia Frege possuía uma noção intensional implícita para o conteúdo

conceitual de sentenças completas.

Segundo, Dummett fala de expressões analiticamente equivalentes. Vale lembrar que

para Frege uma expressão é analítica, se e somente se, for provada por axiomas, teoremas,

definições e regras de inferência todos puramente lógicos. Além disso, o logicismo fregiano

bem sucedido provaria o caráter analítico a priori dos teoremas da aritmética. Então, entendo

ser plausível pensar que Frege considerava os teoremas da aritmética analiticamente

equivalentes porque seriam deriváveis do sistema da Conceitografia.

O que Dummett diz vai nessa direção e reforça a conclusão de Rodrigues. Se for

correto dizer que Frege considera os teoremas da aritmética analiticamente equivalentes,

então Frege não concordaria que todas as sentenças analiticamente equivalentes expressam o

mesmo sentido pós 1981 e não concordaria também que expressam o mesmo conteúdo

conceitual na Conceitografia.

Considerando a conclusão de Rodrigues, duas sentenças A e B têm o mesmo conteúdo

21

Frege Philosophy of Language. Dummett (1981b) p. 584.

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28

conceitual, somente se, A├ ┤B, vamos estendê-la ao critério de identidade de conteúdo

conceitual de termos singulares e ver o que acontece.

Como aparece em [4] Frege na § 8 da Conceitografia utiliza o símbolo () para

expressar uma relação entre os sinais A e B e não entre os conteúdos de A e B. Como Frege

usa este sinal isto quer dizer que A e B são intersubstituíveis preservando a correção de

inferências, pois este é o critério de substitutividade das expressões na Conceitografia. Sendo

que o sinal de identidade de conteúdo conceitual relaciona sinais e não os conteúdos dos

sinais, podemos interpretar que A e B podem representar tanto sentenças como termos

singulares.

É importante dizer que usarei o princípio de composicionalidade na continuação da

análise que se segue para termos singulares. Conforme a interpretação dada por Rodrigues22

Frege não apresenta o princípio de composicionalidade na Conceitografia, mas é plausível

que com a análise lógica de função e argumento a composicionalidade esteja implícita. De

qualquer forma, segundo Frege, sabemos que em uma sentença a presença de um termo

singular (argumento) satura algum predicado (função). Isto quer dizer que a ocorrência de um

argumento em uma sentença se dá necessariamente em algum contexto frasal e vamos

representar isto assim (...t...).

Levando-se em conta a conclusão de Rodrigues devemos retirar do trecho [4] duas

considerações: (i) dois termos singulares (...t1...) e (...t2...) têm o mesmo conteúdo conceitual,

se e somente se, designam o mesmo objeto e; (ii) dois termos singulares (...t1...) e (...t2...) têm

o mesmo conteúdo conceitual, somente se, (...t1...)├ ┤(...t2...).

E, nesse ponto, ao analisar as descrições definidas Rodrigues destaca o problema. A

semântica fregiana para descrições definidas é a mesma dada aos nomes próprios como vimos

em [4] e, nesse sentido, (i) é respeitado. Porém, analisando as descrições definidas como

22

Frege, fazedores-de-verdade e o argumento da funda. Rodrigues (2007) p. 83.

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termos singulares, como faz Frege, temos que xFx = xGx (...xFx...)├ ┤(...xGx...) e é

justamente isso que falha se as descrições são contingentes porque a contingência não deixa o

contexto frasal em que elas ocorrem serem logicamente equivalentes. Com isso, descrições

definidas contingentes não satisfazem a exigência (ii).

Portanto, endosso a conclusão de Rodrigues que a semântica fregiana de descrições

definidas como termos singulares é incoerente na Conceitografia porque vimos que elas não

são intersubstituíveis preservando correção de inferências.

2.2.2. O colapso dos conteúdos judicativos das sentenças de identidade:

Uma vez que sabemos quais eram os objetivos de Frege com a notação conceitual da

Conceitografia nada mais natural que cada expressão contida no vocabulário da

Conceitografia expresse um conteúdo conceitual determinado. Como vimos isto foi feito nas

§§ 3 e 8 da Conceitografia para sentenças e termos singulares respectivamente. Mas e os

predicados que ajudam na composição das sentenças, não expressariam conteúdos

conceituais? Na verdade, Frege na Conceitografia não diz explicitamente qual é o conteúdo

conceitual de um predicado, mas, vamos ver qual a resposta para esta pergunta.

A § 9 da Conceitografia trata da Função e nos ajuda muito aqui. Ao dizer que “em

uma expressão, (...), então chamamos a parte da expressão que é invariante em tal substituição

de função e a parte que é substituível de seu argumento”23

Frege está indicando que o

conteúdo conceitual de uma sentença completa, seja assertível ou não, é ele mesmo articulado

e tal articulação é que nos possibilita a formação de conceitos como o conteúdo conceitual de

23

Begriffsschrift, a formula language, modeled upon that of arithmetic, for pure thought (1879). In Jean van

Heijennort (1967) p. 22.

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uma expressão linguística. Como sabemos, essa é a Tese da Prioridade24

de Frege e a

encontramos implicitamente também no trecho a seguir, “ao invés de formar um juízo a partir

de um indivíduo como sujeito [nota suprimida] e um já previamente formado conceito como

predicado, nós fazemos o oposto e chegamos ao conceito por meio da divisão do conteúdo

judicativo [nota suprimida]”25

.

Essa segunda passagem é importante por dois pontos. Apesar de não ser um trecho da

Conceitografia certamente as idéias nela apresentadas já faziam parte do sistema da

Conceitografia. O primeiro ponto é que dela podemos concluir que a noção de função ou

conceito é que cumpre o papel de conteúdo conceitual de uma expressão funcional ou

predicado. E o segundo ponto é que nela aparece a noção de conteúdo judicativo. Podemos

dizer que conteúdo judicativo é uma noção que nomeia o conteúdo conceitual de sentenças

completas na Conceitografia. O conteúdo judicativo então é uma espécie de conteúdo

conceitual que tem um valor de verdade porque ele é o conteúdo conceitual de um juízo.

Considerar o conteúdo judicativo de um juízo sendo composto pelos conteúdos

conceituais das expressões que compõem o próprio juízo parece ser uma consequência natural

da semântica da Conceitografia.

Mendelsohn endossa essa idéia: “na Conceitografia, lembramos, Frege pensou uma

sentença como um nome complexo constituído de uma expressão de função e uma expressão

de argumento de tal maneira que os conteúdos das partes da sentença eram partes do conteúdo

da sentença inteira”26

.

O próprio Frege dá indícios disso, “sem dúvida, se a expressão do conteúdo de um

conteúdo judicativo será analisada dessa forma ela deve ser por si mesma articulada”27

. Frege

24

Frege no prefácio da Conceitografia já faz alusão a Tese da Prioridade quando diz: “considerar um conteúdo

como uma função leva a formação de conceitos”. Begriffsschrift, a formula language, modeled upon that of

arithmetic, for pure thought (1879). In Jean van Heijennort (1967) p. 7. 25

Boole’s logical Calculus and the Concept-script (1880-1881). In Long Peter and Roger White (1979) p. 17. 26

The Philosophy of Gottlob Frege. Mendelsohn (2005) p. 37. 27

Boole’s logical Calculus and the Concept-script (1880-1881). In Long Peter and Roger White (1979) p. 17.

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ao chamar a atenção para a articulação possível dos conteúdos conceituais das expressões

funcionais e das expressões de argumento que compõem a sentença completa está dizendo

que os conteúdos conceituais das partes compõem o todo. Assim, é bastante plausível

considerar o conteúdo judicativo sendo formado pelos conteúdos conceituais das expressões

que compõem a sentença completa.

A passagem de Frege “desde o início eu tinha em mente a expressão de um conteúdo.

O que eu esforcei em alcançar depois é uma língua característica na primeira instância para a

matemática, não um cálculo restrito a pura lógica”28

, mostra que a notação conceitual foi

construída para provar a tese logicista e isto significa que cada expressão deve expressar um

conteúdo conceitual relativo às fórmulas da aritmética. Assim, tal conteúdo conceitual como

entendemos, na Conceitografia, nada mais é do que o valor semântico das expressões.

Essa última afirmação não é novidade alguma na literatura especializada em Frege29

.

De acordo com Frege, quando expressamos um juízo delegamos um valor de verdade a um

conteúdo objetivo de acordo com os fatos da realidade. Na § 3 da Conceitografia isto parece

ficar evidente quando Frege diz que a barra vertical colocada a esquerda da barra horizontal

forma um símbolo que expressa que o juízo que se segue é um fato. Com isso, podemos

considerar que valores semânticos são itens não linguísticos associados às expressões

linguísticas de uma linguagem interpretada e que a noção de conteúdo conceitual de Frege é

que cumpre tal função na Conceitografia.

Contudo, a verdade é que Frege não diz explicitamente na Conceitografia que os

conteúdos conceituais são os itens não linguísticos que chamamos de valores semânticos e

que são associados às expressões linguísticas. Podemos dizer que a falta de clareza muito se

deve ao conhecido problema que ocorre na Conceitografia entre o uso e menção das

expressões.

28

Boole’s logical Calculus and the Concept-script (1880-1881). In Long Peter and Roger White (1979) p. 12. 29

Ver por exemplo: Dummett (1981a) pp. 149-150, Noonam (2001) p. 154 e Rodrigues (2007) p. 93.

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32

Frege corrigiu tal problema após 1891 ao introduzir com rigor a terminologia objeto e

função com as duas noções associadas claramente a itens não linguísticos. Enfim, não vamos

aprofundar o problema entre uso e menção30

na Conceitografia porque acreditamos que este

problema é apenas um deslize fregiano.

Porém, é nosso objetivo mostrar que as noções de argumento e função denotam os

conteúdos conceituais das expressões e que tais conteúdos são itens não linguísticos. Uma

constatação que reforça essa idéia é a própria caracterização da noção de conteúdo conceitual

apresentada nas §§ 3 e 8 da Conceitografia. Como mostramos em 2.1 a noção de conteúdo

conceitual é problemática porque tem um caráter intensional para sentenças e um caráter

extensional para termos singulares. De qualquer forma, conforme as §§ 3 e 8, apesar desta

ambiguidade ainda podemos dizer que tudo o que a noção de conteúdo conceitual não é, seja

para sentenças seja para termos singulares, é um item linguístico.

Sendo assim, como consequência de tudo que destacamos até agora nessa subseção

temos que concluir o seguinte: se os conteúdos conceituais das expressões da Conceitografia

são valores semânticos, valores semânticos são itens não linguísticos, os conteúdos

conceituais dos argumentos e das funções compõem o conteúdo judicativo de sentenças

completas, então o conteúdo judicativo de uma sentença completa é um complexo formado

por itens não linguísticos.

Nesse sentido, é comum encontrarmos na literatura especializada em Frege31

interpretações como a que estamos fazendo aqui a respeito dos conteúdos judicativos. Para

sermos fiéis a tais interpretações vamos usar a nomenclatura estado de coisas para nomear o

que estamos entendendo por conteúdo judicativo de uma sentença.

Quando, a partir dos textos fregianos, dissemos que o conteúdo conceitual de um

termo singular é um objeto e que o conteúdo conceitual de uma expressão funcional é um

30

Um tratamento adequado do problema pode ser encontrado em Mendelsohn (2005) pp. 60-62. 31

Ver por exemplo: Dummett (1891a) p. 299 e Mendelsohn (2005) p. 43.

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33

conceito estamos compondo, podemos assim dizer, para a sentença Sócrates é grego um

conteúdo judicativo que é formado pelos valores semânticos do termo singular e da expressão

funcional. Tais valores semânticos são itens não linguísticos do tipo: o indivíduo Sócrates e o

conceito x é grego e assim a composição pode ser representada pelo seguinte par ordenado:

(1) <Sócrates, x é grego>

(1) representa o estado de coisas que é o conteúdo judicativo de sentenças completas

da Conceitografia. Como Frege estava comprometido em construir uma semântica sistemática,

digo, para cada expressão da sua notação conceitual era necessário que a expressão possuísse

um conteúdo conceitual, então para cada sentença completa deve corresponder um estado de

coisas do tipo (1).

Para que ocorra o colapso dos conteúdos judicativos temos que considerar novamente

a semântica de termos singulares, apresentada na § 8 da Conceitografia. Uma vez que Frege

tratava as descrições definidas da mesma forma que os nomes próprios, ou seja, tanto nomes

quanto descrições têm o mesmo conteúdo conceitual se designam o mesmo objeto, então

temos que concluir que um nome próprio e uma descrição definida de Sócrates, por exemplo,

contribuem da mesma forma para a formação do conteúdo judicativo. E é nesse ponto que

ocorre o colapso dos conteúdos judicativos.

Rodrigues32

trata o problema e mostra que o colapso ocorre quando analisamos o

conteúdo judicativo das sentenças de identidade da Conceitografia. Quando temos uma

sentença do tipo Sócrates é o filósofo grego que bebeu cicuta conforme a semântica da

Conceitografia o conteúdo judicativo desta sentença é a tripla ordenada:

(2) <Sócrates, Sócrates, =>

32

Frege, fazedores-de-verdade e o argumento da funda. Rodrigues (2007) p. 91.

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34

A mesma análise vale para todas as sentenças que relacionam o nome próprio Sócrates

e uma descrição definida de Sócrates. Por exemplo, se temos as sentenças de identidade:

Sócrates é Sócrates, Sócrates é o filósofo grego marido de Xantipa, Sócrates é o filósofo

grego que foi mestre de Platão e várias outras combinações, todas terão o conteúdo judicativo

exatamente como (2) ou algo como <α, α, =>. Isso sem dúvida é um grave problema. A

gravidade do problema fica evidente se considerarmos que podemos formar sentenças de

identidade com fórmulas da aritmética.

Se tivermos então sentenças do tipo 24=4

2 e 4.4=4

2 e outras combinações possíveis, o

que temos nessas sentenças de cada lado do símbolo de identidade são termos singulares do

número 16, ou seja, temos termos singulares co-referenciais ladeando o sinal de igualdade. Da

mesma forma, o conteúdo judicativo das fórmulas acima é algo do tipo:

(3) <16, 16, =>

Acontece que algo do tipo (3) é a mesma coisa que concluir que Frege, na

Conceitografia, afirmava que as sentenças de identidade da aritmética que possuem termos

singulares co-referenciais ladeando o sinal (=) expressam o mesmo conteúdo conceitual e isto

como mostramos em [6] de 2.2.1 não é o pensamento de Frege.

Sendo assim, podemos concluir esta subseção constatando o seguinte: a semântica dos

termos singulares, juntamente com a formação do conteúdo judicativo de sentenças completas

compostos pelos valores semânticos das partes da sentença, faz com que os conteúdos

judicativos das sentenças de identidade da Conceitografia colapsem em algo do tipo <, ,

=>. Algo que seria indesejável para Frege.

Nesta seção, formada por 2.2.1 e 2.2.2, mostrei dois problemas derivados da semântica

da noção de conteúdo conceitual da Conceitografia. Esses problemas geravam tensões

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35

insuperáveis e Frege não teve alternativa além de reformular a noção de valor semântico

apresentada nos textos do período entre 1879 a 1890.

Na próxima seção apresento definições de Kirkham de certas relações de equivalências

lógicas porque pretendo fazer considerações a respeito de relações que podemos estabelecer

entre o critério de identidade de conteúdo conceitual de sentenças da § 3 da Conceitografia

que é de caráter intensional e os critérios intensionais de sentenças de Kirkham.

2.3. Considerações sobre relações entre critérios intensionais de Frege e Kirkham:

Nesta seção farei considerações a respeito de relações que podemos estabelecer entre o

critério intensional de sentenças completas de Frege da § 3 da Conceitografia e os critérios

intensionais de Kirkham presentes no livro Teorias da Verdade33

.

Para tanto, apresentarei na subseção 2.3.1 as definições de Kirkham para equivalência

material, equivalência essencial e equivalência de sinonímia com o objetivo de mostrar as

características de cada uma que justificam a hierarquia existente entre elas. A apresentação

dessas três relações lógicas de equivalência reforçará o argumento sobre as dificuldades em se

estabelecer um critério de identidade intensional objetivo, ao passo que, mostraremos que não

encontramos a mesma dificuldade para com um critério extensional.

Após essa apresentação, na subseção 2.3.2 vou comparar o critério intensional de

Frege da Conceitografia com os critérios intensionais de Kirkham com o objetivo de

responder a pergunta: qual a relação pode-se estabelecer entre eles? Pretendo dar uma

resposta se o critério de identidade de conteúdo conceitual de sentenças completas em Frege é

mais forte, mais fraco ou idêntico ao critério de sentenças essencialmente equivalentes e o

critério de sentenças sinonimamente equivalentes, ambos de Kirkham.

33

Teorias da Verdade. Richard Kirkham (1992).

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36

2.3.1. Equivalência Material, Essencial e Sinonímia em Kirkham:

Esta subseção é destinada a apresentação das definições de Kirkham para as relações

lógicas de equivalência material, equivalência essencial e equivalência de sinonímia visando

realçar as diferenças de graus existentes entre elas no que diz respeito à força de cada uma,

pois, veremos que podemos estabelecer uma hierarquia de escopo entre elas.

Segundo Kirkham, quando dois termos têm extensões idênticas eles são considerados

materialmente equivalentes. Isso quer dizer que as expressões vertebrados com fígado e

vertebrados com coração são materialmente equivalentes porque ambas possuem extensão

idêntica, os mesmos indivíduos que pertencem ao conjunto dos vertebrados com fígado

pertencem ao conjunto dos vertebrados com coração. Podemos também dizer que ambas as

expressões são extensionalmente equivalentes.

Aproveitando o momento, reforço a conclusão da seção 2.1 ressaltando que Frege na §

8 da Conceitografia mesmo não tendo os conceitos de equivalência material e de extensão

utiliza um critério com exatamente a mesma condição suficiente e necessária para dois nomes

terem o mesmo conteúdo conceitual.

Todavia, Kirkham considera que há quatro características a serem destacadas na

relação de equivalência material.

A primeira, “duas expressões extensionalmente equivalentes não precisam ter o

mesmo grau de complexidade sintática”34

, isto é, não há restrições quanto a estrutura sintática

de expressões extensionalmente equivalentes. Por exemplo, é um cidadão americano é

extensionalmente equivalente a nasceu no território americano e não foi naturalizado em

nenhum outro país ou é filho de cidadãos americanos e não foi naturalizado em nenhum

34

Teorias da Verdade. Richard Kirkham (1992) p. 19.

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37

outro país ou naturalizou-se como cidadão americano.

A segunda, “quando duas expressões x e y são extensionalmente equivalentes, então y

pode ser pensada como especificando a condição individualmente necessária e conjuntamente

suficiente para algo ser x”35

. Por exemplo, ser um vertebrado com fígado é condição

suficiente para ser um vertebrado com coração porque todo vertebrado com fígado é um

vertebrado com coração e é condição necessária também porque não existe um vertebrado

com fígado que não tenha coração.

A terceira, “expressões extensionalmente equivalentes não aparecem aos pares”36

ou

pelo menos não necessariamente aos pares. Ou seja, podemos reunir um número

indeterminado de expressões que sejam extensionalmente equivalentes. Dessa maneira, as

reuniões de tais expressões formam o conjunto das expressões que possuem a propriedade

expressões extensionalmente equivalentes.

A quarta, “quando dois termos são extensionalmente equivalentes certas sentenças nas

quais eles aparecem terão entre si uma interessante relação lógica”37

, isto é, as sentenças serão

também extensionalmente equivalentes. Nesse sentido, Eduardo é um vertebrado com fígado

é extensionalmente equivalente a Eduardo é um vertebrado com coração.

Sendo assim, Kirkham define a equivalência material entre duas sentenças (p q) da

seguinte forma:

(4) Duas sentenças são materialmente equivalentes, se e somente se, ambas as sentenças

têm extensões idênticas.

No que diz respeito à equivalência intensional Kirkham nos mostra que existem graus

de intensionalidade que sem dúvida dificultam a formulação de um critério de identidade

intensional objetivo, coisa que claramente não ocorre com critérios de identidade extensionais

35

Teorias da Verdade. Richard Kirkham (1992) p. 20. 36

Teorias da Verdade. Richard Kirkham (1992) p. 20. 37

Teorias da Verdade. Richard Kirkham (1992) p. 21.

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38

porque basta que as expressões tenham extensão idêntica. Kirkham nos diz que sentenças

intensionalmente equivalentes são sentenças sinônimas, isto é, sejam x e y duas sentenças,

dizer que x é dizer que y ou, se quiser, x expressa o mesmo conteúdo informacional que y.

Quanto às características das relações intensionais Kirkham destaca que ocorrem da

mesma forma que na equivalência material. Sendo assim, expressões intensionalmente

equivalentes também não precisam ser idênticas sintaticamente, também não aparecem

necessariamente aos pares e certas sentenças contendo expressões intensionalmente

equivalentes serão também intensionalmente equivalentes.

É nesse ponto que Kirkham começa a compor a hierarquia entre as equivalências. A

equivalência intensional de grau mais fraco que se encontra acima da equivalência material é

a equivalência essencial. Kirkham diz que podemos entendê-la “colocando a palavra

„necessariamente‟ antes da asserção da implicação meramente material”38

. A palavra

necessariamente tem aqui o significado de um evento que ocorre em todos os mundos

possíveis. Como a noção de mundo possível é problemática devido a comprometimentos

ontológicos esclareço que em Kirkham isto não ocorre porque mundo possível é tratado como

uma “entidade hipotética que nos auxilia falar sobre e estudar os vários aspectos em que o

universo poderia ter sido diferente”39

.

Conforme podemos ver a equivalência essencial é uma relação mais forte que a

equivalência material justamente pela noção de mundos possíveis. Com a relação de

equivalência essencial Kirkham estabelece uma relação que vai além da equivalência material,

pois a equivalência essencial exige que p e q tenham em todos os mundos possíveis os

mesmos valores de verdade e isto não ocorre com a equivalência material.

Por exemplo, vertebrado com coração é materialmente equivalente a vertebrado com

fígado, mas não o é necessariamente, pois pode haver mundos possíveis na qual isto não

38

Teorias da Verdade. Richard Kirkham (1992) p. 26. 39

Teorias da Verdade. Richard Kirkham (1992) p. 27.

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39

ocorre. Em contrapartida, vertebrado com coração é materialmente e essencialmente

equivalente a vertebrado com órgão de bombear sangue porque isso ocorre necessariamente.

Nesse sentido, Kirkham define a equivalência essencial entre duas sentenças (p q)

da seguinte forma:

(5) Duas sentenças são essencialmente equivalentes, se e somente se, ambas as sentenças

são necessariamente materialmente equivalentes.

Porém, há sentenças essencialmente equivalentes que não são sinônimas. É o caso das

equivalências essenciais como os teoremas da aritmética. Conforme Kirkham, “considere, por

exemplo, as duas proposições matemáticas 2+2=4 e 36-7=29. Obviamente, elas não

expressam a mesma coisa, mas elas são essencialmente equivalentes”40

. Sentenças como os

teoremas da aritmética por serem verdades necessárias serão materialmente equivalentes em

todos os mundos possíveis, no entanto claramente não ocorre sinonímia entre eles.

Por isso, Kirkham caracteriza a equivalência de sinonímia uma relação intensional de

grau mais forte que a relação de equivalência essencial e a mera equivalência material. Assim,

a hierarquia está completa: a equivalência de sinonímia é a mais forte seguida pela

equivalência essencial e, por último, a equivalência material que é a mais fraca.

Kirkham então define a equivalência de sinonímia entre duas sentenças (p =sin q) da

seguinte forma:

(6) Duas sentenças são sinonimamente equivalentes, se e somente se, ambas as sentenças

são necessariamente intensionalmente equivalentes.

A relação de equivalência de sinonímia é de grau mais forte do que as demais relações

porque sentenças sinônimas são sinônimas em todos os mundos possíveis. Por exemplo,

40

Teorias da Verdade. Richard Kirkham (1992) p. 31.

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40

expressões como vertebrado com coração e vertebrado com órgão de bombear sangue serão

necessariamente sinônimas porque ter um coração quer dizer exatamente ter um órgão de

bombear sangue.

Outro exemplo de expressões sinônimas é homem solteiro e homem não casado

porque é impossível ser um homem solteiro e ao mesmo tempo ser um homem casado. Com

estes exemplos entendemos que a relação de sinonímia em Kirkham é baseada em expressões

que fundamentalmente têm a mesma definição.

Portanto, assim terminamos esta subseção e na subseção seguinte vamos analisar quais

as relações podemos estabelecer entre os critérios intensionais de Kirkham, essencial e

sinonímia, com o critério de identidade de conteúdo conceitual de sentenças completas da § 3

da Conceitografia de Frege.

2.3.2. O critério intensional da Conceitografia e os critérios intensionais de Kirkham:

Nesta subseção vou comparar o critério de identidade de conteúdo conceitual de

sentenças completas de Frege e os critérios de equivalência intensional de Kirkham para saber

qual relação ocorre entre eles. No entanto, como este capítulo restringe-se aos textos fregianos

do período entre 1879 a 1890 a análise ficará limitada ao exemplo da batalha ocorrida entre

Persas e Gregos em Platea contida na § 3 da Conceitografia. Porém, entendo que tal limitação

não impossibilita uma comparação mesmo que parcial entre os critérios de identidade

intensionais porque uma vez sabendo como Frege caracteriza igualdade de conteúdo

conceitual de sentenças completas podemos então comparar a noção fregiana com os critérios

intensionais de Kirkham.

Como sabemos o critério de identidade de conteúdo conceitual de sentenças completas

da § 3 da Conceitografia é baseado na substitutividade de expressões segundo o papel

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41

inferencial das mesmas em uma cadeia de prova porque a preocupação de Frege na

Conceitografia era manter a correção de inferências. Assim, Frege diz que as duas sentenças

Os Gregos venceram os Persas em Platea e Os Persas foram vencidos pelos Gregos em

Platea expressam exatamente o mesmo conteúdo conceitual de forma que se substituirmos

uma pela outra em uma cadeia inferencial a correção das inferências será mantida uma vez

que o conteúdo informacional que elas expressam cumpre o mesmo papel inferencial.

Antes de compararmos o critério de Frege com os critérios do Kirkham é muito

importante deixar claro que como o critério da Conceitografia de substitutividade de

expressões deve preservar a correção das inferências esclareço que quando comparo os

critérios intensionais de Frege e Kirkham a noção de consequência lógica implícita na análise

é uma noção intuitiva e não formal.

Isso é necessário, pois se levamos em conta o critério formal de consequência lógica

(um argumento é válido quando sua forma é válida) não podemos dizer que o critério

intensional mantém a correção das inferências que era o objetivo de Frege na Conceitografia.

Em contrapartida, na noção intuitiva de consequência lógica levando em consideração que a

validade de um argumento é estabelecida pelo critério de necessidade da preservação da

verdade definido em termos modais (um argumento é válido quando em todos os mundos

possíveis é impossível premissas verdadeiras e conclusão falsa) a preocupação com a forma

do argumento e a distinção entre símbolos lógicos e não lógicos deixa de ser essencial.

Um exemplo disso é que argumentos considerados válidos pelo critério de necessidade

são inválidos pelo critério formal. Segundo o critério de necessidade um argumento do tipo

Eduardo é solteiro, logo, Eduardo não é casado é um argumento válido e foi mantida a

correção das inferências. Mas, o mesmo argumento segundo o critério formal é inválido e não

mantêm a correção das inferências porque a forma do argumento é inválida classicamente,

pois, Fa ⊬ ¬ Ga.

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42

Portanto, o que vou tentar responder a partir de agora é se o critério de equivalência

essencial e o critério de equivalência de sinonímia de Kirkham corresponderiam à idéia

fregiana de preservação de correção de inferências na Conceitografia levando-se em conta a

noção intuitiva de consequência lógica baseada no critério de necessidade da preservação da

verdade definido em termos modais.

Começarei pelo critério de equivalência essencial. Como mostramos em 2.3.1, o

critério de equivalência essencial de sentenças é um critério de grau de intensionalidade mais

fraco porque somente algumas sentenças essencialmente equivalentes expressam

necessariamente a mesma intensão. Explicamos, na ocasião, que para Kirkham expressar

necessariamente a mesma intensão quer dizer que sentenças essencialmente equivalentes

devem manter a sinonímia em todos os contextos de interpretações o que Kirkham

caracterizou usando o conceito hipotético de mundo possível.

Porém, Kirkham mostra que não é isso o que acontece com todas as sentenças que se

encontram na relação intensional de equivalência essencial. Mostramos, em 2.3.1, a passagem

de Kirkham no qual ele diz que as proposições matemáticas 2+2=4 e 36-7=29 apesar de

serem essencialmente equivalentes não possuem a mesma intensão. Então, é devido a tais

casos de verdades necessárias que não expressam a mesma intensão que a relação de

equivalência essencial tem uma força intensional fraca.

O objetivo é sabermos qual relação podemos estabelecer entre o critério intensional de

equivalência essencial de sentenças e o critério intensional de identidade de conteúdo

conceitual de sentenças completas. Por causa de casos como os teoremas da aritmética

entendo que o critério intensional de equivalência essencial é de grau mais fraco do que o

critério intensional de identidade de conteúdo conceitual. O motivo dessa afirmação é que

Frege precisava de um critério intensional de grau forte porque precisava de um critério que

assegurasse necessariamente a identidade de conteúdo conceitual entre sentenças completas.

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Em contrapartida, se Frege utilizasse um critério do tipo o de equivalência essencial na

§ 3 da Conceitografia em alguns casos, como os teoremas da aritmética, o critério iria falhar.

Aqui é importante salientar que levo em consideração a afirmação de Frege em Função e

Conceito de 1891, da mesma forma que fiz em 2.2.1, com a passagem onde exprime sua

opinião de que 22=4 e 2>1 significam coisas totalmente diferentes. Sei que os textos de 1891

não fazem parte do período que estou analisando, mas, entendo que Frege já tinha essa idéia

em 1879 quando escreveu a Conceitografia.

Outra forma de poder explicar a afirmação acima é estabelecer se o critério intensional

de equivalência essencial de sentenças é condição suficiente e/ou necessária para a identidade

de conteúdo conceitual de sentenças completas. Se equivalência essencial é condição

suficiente então todas as sentenças essencialmente equivalentes expressam o mesmo conteúdo

conceitual. Não é o caso porque teoremas da aritmética são essencialmente equivalentes, mas

não significam a mesma coisa ou em termos fregianos não expressam o mesmo conteúdo

conceitual.

Se equivalência essencial é condição necessária então sentenças que não são

essencialmente equivalentes não expressam o mesmo conteúdo conceitual. É o caso porque

todas as sentenças que são apenas materialmente equivalentes não expressam o mesmo

conteúdo conceitual à maneira fregiana.

Sendo assim, concluímos a primeira análise sabendo que o critério intensional de

equivalência essencial de sentenças de Kirkham é mais fraco que o critério intensional de

identidade de conteúdo conceitual de sentenças completas de Frege e que, nesse sentido,

equivalência essencial de sentenças é apenas condição necessária e não suficiente para

identidade de conteúdo conceitual de sentenças completas em Frege.

Passemos agora ao critério de equivalência de sinonímia. Como mostramos em 2.3.1,

o critério de equivalência de sinonímia de sentenças é um critério de grau de intensionalidade

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forte porque não acontecem exceções de sentenças sinonimamente equivalentes que não

expressam a mesma intensão. Com esse rigor o critério de equivalência de sinonímia garante

que sentenças sinonimamente equivalentes são necessariamente sinônimas. Esta característica

torna esse critério mais forte que o critério de equivalência essencial, pois, como acabamos de

ver, existem sentenças essencialmente equivalentes com intensões diferentes.

Dessa forma, por exemplo, sentenças sinônimas como Eduardo é um vertebrado com

coração e Eduardo é um vertebrado com órgão de bombear sangue expressam a mesma

intensão e como estamos usando o critério de necessidade de consequência lógica podemos

considerar a primeira consequência lógica da segunda e vice-versa o que as torna

sinonimamente equivalentes.

É plausível considerarmos que a mesma relação de sinonímia ocorre no exemplo

fregiano Os Gregos venceram os Persas em Platea e Os Persas foram vencidos pelos Gregos

em Platea. Novamente, considerando o critério de necessidade, necessariamente dizer uma é a

mesma coisa que dizer a outra e como as sentenças implicam mutuamente uma a outra, a idéia

de preservar a correção de inferências está garantida porque as duas sentenças do exemplo

fregiano são sinonimamente equivalentes.

Dessa forma, podemos considerar que o que Frege entendia por sentenças com o

mesmo conteúdo conceitual é uma noção similar a sinonímia. Lembremos que o critério de

substitutividade da Conceitografia é a preservação da correção de inferências porque leva em

conta o papel inferencial e no caso de sentenças completas o conteúdo conceitual que é

expresso por elas nada mais é do que o conteúdo informacional. Sendo assim, uma vez que é

justamente o conteúdo informacional aquilo que é comum entre duas sentenças sinônimas,

parece plausível afirmar que qualquer grupo de proposições consideradas por Kirkham

sinonimamente equivalentes iriam satisfazer a idéia fregiana de preservação de correção de

inferências na Conceitografia se considerarmos o critério de necessidade como a noção de

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consequência lógica.

Assim, levando em consideração o exemplo da § 3 da Conceitografia podemos

concluir parcialmente que o critério de equivalência de sinonímia tem o mesmo grau de

intensionalidade que o critério fregiano, mas, temos consciência que o critério formal de

consequência lógica não torna válido nosso argumento.

2.4. Conclusões e considerações finais do capítulo:

Neste capítulo analisamos as obras de Frege referentes ao período entre 1879 a 1890

com o objetivo de delimitarmos a discussão em torno das noções de identidade de conteúdo

conceitual das §§ 3 e 8 da Conceitografia e os posteriores problemas causados por tais

critérios de identidade.

Podemos ver em 2.1 que o tratamento que Frege deu para a noção de identidade de

conteúdo conceitual é diferente para sentenças e para termos singulares. Vimos que na § 3 da

Conceitografia Frege caracteriza um critério de identidade de conteúdo conceitual para

sentenças com um caráter intensional porque leva em conta o conteúdo informacional que é

expresso pelas sentenças. Enquanto na § 8 da Conceitografia Frege caracteriza um critério de

identidade de conteúdo conceitual para termos singulares com um caráter extensional porque

leva em conta o objeto designado pelos nomes próprios e descrições definidas.

Mostramos que essa mistura de elementos intensionais e extensionais torna a noção de

conteúdo conceitual na Conceitografia uma noção híbrida e esta ambiguidade torna a

semântica da Conceitografia problemática. Vimos que o caráter híbrido da noção de conteúdo

conceitual juntamente com a afirmação de Frege que a identidade é uma relação entre nomes

gerou o Quebra cabeça da Identidade, pois a substituição de termos singulares com o mesmo

conteúdo conceitual não conserva o conteúdo conceitual da nova sentença. Com isso,

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concluímos que a noção de conteúdo conceitual da Conceitografia é uma noção problemática,

pois contém na sua definição elementos intensionais e elementos extensionais.

Em 2.2 mostramos dois problemas oriundos da semântica da Conceitografia. Em 2.2.1,

a partir da semântica das descrições definidas juntamente com o critério de conteúdo

conceitual baseado em termos do papel inferencial das expressões em uma cadeia de prova

porque a idéia na Conceitografia é a correção de inferências, vimos que não basta somente

que as descrições definidas designem o mesmo ponto, além disso, as descrições definidas

devem preservar a equivalência lógica entre os contextos frasais em que ocorrem.

A partir da interpretação de Rodrigues e que nós concordamos vimos que as

descrições definidas contingentes não preservam equivalência lógica entre as sentenças que

elas fazem parte. Sendo assim, concluímos que a semântica fregiana para as descrições

definidas tratadas como termos singulares é incoerente na Conceitografia porque elas não são

intersubstituíveis preservando correção de inferências.

Em 2.2.2, apresentei o problema proveniente da interpretação que o conteúdo

judicativo de sentenças na Conceitografia é formado pelos conteúdos conceituais das partes

da sentença. Mostramos que a semântica dos termos singulares, juntamente com a formação

do conteúdo judicativo de sentenças completas sendo compostos pelos valores semânticos das

partes da sentença, faz com que os conteúdos judicativos das sentenças de identidade da

Conceitografia que possuem termos singulares co-referenciais ladeando o sinal (=) colapsem

em algo do tipo <, , =>, chamado por comentadores de Frege como Dummett, Mendelsohn

e Rodrigues de estado de coisas.

Esse colapso de estado de coisas tem como consequência a afirmação que sentenças

de identidade com termos co-referenciais possuem o mesmo conteúdo judicativo na

Conceitografia e isto, concluímos, seria estranho para Frege.

Com o Quebra cabeça da Identidade e os dois problemas mostrados em 2.2.1 e 2.2.2

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47

mostramos que Frege enfrentou problemas com a noção de conteúdo conceitual na

Conceitografia, principalmente com a noção de conteúdo judicativo de sentenças, o que o

levou a reformular a noção de valor semântico em seu sistema após 1890.

Para terminar em 2.3 fiz considerações a respeito de relações que podemos estabelecer

entre os critérios intensionais de sentenças de Kirkham e o critério de identidade de conteúdo

conceitual de sentenças completas de Frege.

Primeiramente, em 2.3.1, apresentei as definições de Kirkham para os critérios de

equivalência material, equivalência essencial e equivalência de sinonímia. Concluímos 2.3.1

mostrando que a hierarquia existente entre os três critérios se deve pelas diferenças de força

do grau de intensionalidade de cada um. Nesse sentido, em ordem crescente nós temos o

critério de equivalência material seguido pelo critério de equivalência essencial e, por último,

o critério de equivalência de sinonímia que é o que apresenta o grau mais forte de

intensionalidade.

A seguir, na subseção 2.3.2, comparei o critério de identidade de conteúdo conceitual

de sentenças completas de Frege com os critérios intensionais de Kirkham e chegamos às

seguintes conclusões considerando o critério de necessidade de consequência lógica: (i) o

critério de equivalência essencial de sentenças de Kirkham possui grau mais fraco de

intensionalidade que o critério de identidade de conteúdo conceitual de sentenças completas

de Frege. A partir do caso dos teoremas da aritmética que são equivalências essenciais, mas

que não expressam a mesma intensão podemos ver que equivalência essencial é apenas

condição necessária e não suficiente para igualdade de conteúdo conceitual de sentenças

completas em Frege e; (ii) o critério de equivalência de sinonímia de sentenças de Kirkham

possui grau de intensionalidade forte assim como o critério de identidade de conteúdo

conceitual de sentenças completas de Frege.

Nesse sentido, desconsiderando o critério formal de consequência lógica em prol do

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critério de necessidade, concluímos parcialmente que o critério de equivalência de sinonímia

de sentenças atende as exigências de Frege na Conceitografia que era a preservação de

correção de inferências por meio do papel inferencial que o conteúdo informacional expresso

pelas sentenças cumpria em uma cadeia de prova.

No próximo capítulo da dissertação vou citar, em linhas gerais, as mudanças ocorridas

no sistema fregiano após 1890. As mudanças foram necessárias pelos problemas causados

pela semântica da Conceitografia que acabamos de mostrar. No entanto, nosso compromisso

será dar atenção à distinção entre sinal, sentido e referência, pois, veremos que Frege tendo

abandonado a noção de conteúdo conceitual, outra noção intensional aparece no seu sistema.

Para comparar pretendo mostrar que Frege não enfrentou problemas em estabelecer

um critério de identidade extensional em seu sistema entre 1891 a 1904, porém, temos

indícios para acreditar que Frege, nesse período, estava em busca e era consciente das

dificuldades em se estabelecer um critério de identidade intensional. Mesmo não apresentando

um critério de identidade intensional, o que acontece só em 1906, Frege apresenta casos de

identidade de pensamentos e com esses casos podemos fazer novas comparações com o

critério de equivalência de sinonímia de Kirkham.

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49

III: Período de 1891 a 1904

Neste capítulo iremos apresentar sucintamente as mudanças promovidas por Frege na

sua notação conceitual após 1891. De todas as mudanças a mais importante para esta

dissertação é a divisão semântica entre sinal, sentido e referência e a partir dela dividimos a

seção 3.1 em três subseções, com o intuito de mostrar: (i) como Frege soluciona o Quebra

cabeça da Identidade, (ii) que a noção de sentido é a noção intensional no sistema de Frege e

(iii) que a noção de referência como valor semântico caracteriza a escolha de Frege por uma

lógica extensional. Na sequência, em 3.2, delimito as características marcantes da noção

intensional de sentido de sentenças completas e, além disso, terei a oportunidade de analisar

alguns exemplos de identidade de pensamentos para compreender como Frege pensava os

problemas relacionados ao estabelecimento de um critério de identidade intensional.

3.1. As modificações no sistema fregiano:

As principais modificações feitas por Frege no sistema da Conceitografia aparecem

pela primeira vez em Carta a Husserl41

(1891) e nos três artigos Função e Conceito42

(1891),

Sobre o Sentido e a Referência43

(1892), Sobre o Conceito e o Objeto44

(1892). Endossamos a

opinião de Weiner45

que os três artigos acima foram escritos com o intuito de serem

elucidatórios e de caráter mais filosófico do que lógico ou matemático e, no contexto geral da

obra de Frege, eles têm uma função propedêutica.

Tais inovações aparecem novamente na primeira parte da sua magnum opus o livro As

41

Letter to Husserl (1891). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 149-150. 42

Function and Concept (1891). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 130-148. 43

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 151-171. 44

On Concept and Object (1892). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 181-193. 45

Frege in Perspective. Weiner (2008) pp. 244 e 274.

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50

Leis Básicas da Aritmética I46

(1893). Esse livro já não pode ser considerado propedêutico,

como os três artigos acima, porque possui um caráter estritamente formal e o objetivo

principal é apresentar formalmente provas de alguns teoremas da aritmética. Na introdução de

As Leis Básicas da Aritmética I47

Frege aponta as melhorias que promoveu no seu sistema e,

como podemos ver, não apenas introduz novos sinais na linguagem da Conceitografia, mas

também modifica a interpretação de alguns sinais que já faziam parte do seu sistema.

Dentre as mudanças principais, podemos com a ajuda de comentadores como Sluga48

,

Kenny49

, Bar-Elli50

e Macbeth51

destacar: (i) a separação em sinal, sentido e referência; (ii) a

distinção rigorosa entre função e objeto; (iii) a extensão e generalização da noção de função

para incluir conceitos e relações como casos especiais de funções; (iv) a concepção de valores

de verdade como objetos lógicos e (v) o tratamento de extensões de conceitos como casos

especiais de percurso de valores de funções.

Por estarmos analisando na dissertação um critério de identidade intensional em Frege

não trataremos de todas essas mudanças. Entretanto, vamos dar atenção a uma das mais

importantes distinções feitas por Frege a partir de 1891 que no contexto da dissertação tem

fundamental relevância. Refiro-me a distinção semântica entre sinal, sentido e referência

apresentada com detalhes no artigo Sobre o Sentido e a Referência, pois, sabemos que em

Função e Conceito tal distinção já ocorria em uma passagem52

onde tais noções aparecem

marcando a diferença entre expressões matemáticas.

Frege em uma correspondência com Husserl53

apresenta o seguinte esboço marcando

as relações semânticas dos itens linguísticos do seu sistema:

46

The Basic Laws of Arithmetic I: Exposition of System (1893). Tradução de Montgomery Furth (1964). 47

The Basic Laws of Arithmetic I: Exposition of System (1893). Tradução de Montgomery Furth (1964) pp. 6-7. 48

Gottlob Frege. Sluga (1980) pp. 129-130. 49

Frege: an introduction to the founder of Modern Analytic Philosophy. Kenny (1995) pp. 143-144. 50

Sense and Objectivity in Frege’s Logic. Gillead Bar-Elli. In Building on Frege: news essays on Sense, Content

and Concept. Editado por Newen, Nortman e Stuhlmann-Laeissy (2001) p. 91. 51

Frege’s Logic. Daniele Macbeth (2005) p. 74. 52

Tal passagem encontra-se nesta dissertação em [6] p. 27. 53

Letter to Husserl (1891). In Beaney (1997) p. 149.

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51

Sentença Nome Próprio (NP) Termo Conceitual (TC)

↓ ↓ ↓

Sentido da Sentença (Pensamento) Sentido do NP Sentido do TC

↓ ↓ ↓

Referência da Sentença Referência do NP Referência do TC → Objetos caindo

sob o Conceito

(Valor de Verdade) (Objeto) (Conceito)

Esse esboço mostra, com clareza, como Frege estabelece uma coerente e homogênea

correspondência semântica entre os itens linguísticos (sentença, nomes próprios e termos

conceituais) com os itens não linguísticos (as referências ou as extensões dos sinais) sendo

intermediada pelos sentidos dos itens linguísticos (a intensão dos sinais). Também é de se

destacar que as colunas da sentença e dos nomes próprios dizem respeito a expressões

completas e a coluna dos termos conceituais diz respeito a expressões incompletas. Essa

divisão em expressões completas e incompletas é importante, pois marca a diferença entre as

expressões saturadas e completas (sentenças e termos singulares) e as expressões insaturadas

e incompletas (termos conceituais).

Podemos eleger três motivos que tornam a distinção semântica entre sinal, sentido e

referência importante para esta dissertação: (i) porque é a solução para o Quebra cabeça da

Identidade apresentado em 2.1 e os dois problemas semânticos apresentados em 2.2, (ii)

porque a noção de sentido, a partir de 1891, é a noção intensional na notação conceitual de

Frege e (iii) porque a noção de referência cumpre a partir de 1891 o papel de valor semântico

o que significa a opção de Frege por uma lógica extensional. Nas três subseções a seguir vou

explicar cada um destes pontos.

3.1.1. A solução do Quebra cabeça da Identidade:

Na seção 2.1 desta dissertação explicamos que o Quebra cabeça da Identidade tinha

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origem na forma que Frege caracteriza a noção de identidade de conteúdo conceitual e ao

considerar a identidade uma relação entre nomes. Frege parece ter percebido o problema

porque, depois de 1891, abandona algumas concepções dando fim ao Quebra cabeça da

Identidade. Considerar o Quebra cabeça da Identidade um dos motivadores para a distinção

entre sentido e referência não é novidade na literatura especializada em Frege54

e será também

o nosso posicionamento.

Frege começa o artigo Sobre o Sentido e a Referência perguntando exatamente se a

identidade é uma relação entre objetos ou entre sinais de objetos. Como vimos, em 2.1, na § 8

da Conceitografia Frege havia afirmado que era uma relação entre os sinais de objetos e, para

tanto, apresentou o símbolo de identidade (≡) que provocava uma bifurcação no significado

dos símbolos fazendo com que não representassem os seus conteúdos, mas a si próprios.

Em Sobre o Sentido e a Referência o posicionamento é outro. No início do artigo o

problema é colocado: se a identidade é uma relação entre objetos, como explicar as diferenças

nos valores cognitivos das sentenças a=a e a=b sendo a=b verdadeira e, por outro lado, se a

identidade é uma relação entre os sinais de objetos, ela seria uma relação arbitrária que não

expressa nenhum tipo de conhecimento? Colocado o problema Frege diz que na maioria dos

casos nosso objetivo com a relação de identidade é expressar algum conhecimento e no caso

das expressões a=a e a=b sendo a=b verdadeira a “diferença entre os sinais corresponde uma

diferença no modo de apresentação daquilo que é designado”55

. Na sequência Frege continua:

[8]

É, pois, plausível pensar que exista unido a um sinal (nome, combinação de palavras, letra),

além daquilo por ele designado, que pode ser chamado de sua referência, ainda o que eu

gostaria de chamar de o sentido do sinal, onde está contido o modo de apresentação do objeto.

Consequentemente, segundo nosso exemplo, a referência das expressões ponto de interseção

54

Ver Furth (1964) pp. xviii-xx; Macbeth (2005) pp. 120-121; Weiner (2008) p. 104; Thiel (1972) pp. 93-94;

Noonan (2001) p. 170 e Kenny (1995) pp. 126-127. 55

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 152.

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53

de a e b e ponto de interseção de b e c seria a mesma, mas não os seus sentidos. (...). A

referência de Estrela da Tarde e Estrela da Manhã seria a mesma, mas não o sentido.56

Em [8] Frege apresenta a distinção sinal, sentido e referência. Parece não haver

dúvidas que Frege considera os símbolos linguísticos sinais, os objetos designados por eles a

referência desses sinais e o modo com que designamos os objetos o sentido dos sinais. Outra

informação implícita em [8] é que Frege dá amostras que mudou seu ponto de vista em

relação à identidade, pois na concepção de Frege o ponto de intersecção entre as linhas a, b e

c nada mais é que um autêntico objeto.

Desta forma, a partir de [8], fazemos as seguintes perguntas: como explicar

declarações de identidade verdadeiras e informativas? Frege considera a relação de identidade

somente entre objetos? Como explicar então a diferença de valor cognitivo entre o ponto de

interseção de a e b e o ponto de interseção de b e c?

Interpretando Frege, podemos dar as seguintes respostas: Primeiro, explicamos a

ocorrência de declarações de identidade verdadeiras e informativas porque podemos referir a

um mesmo objeto com sentidos diferentes57

. Segundo, Frege passa a considerar a relação de

identidade uma relação entre objetos, contudo intermediada pelos sentidos. E terceiro,

explicamos a diferença de valor cognitivo entre o ponto de interseção de a e b e o ponto de

interseção de b e c pelo fato das duas descrições definidas terem a mesma referência, mas

sentidos diferentes, o que resulta na diferença de valor cognitivo ou conteúdo informacional

das expressões nomeando o mesmo ponto.

Sendo assim, Frege resolve o Quebra cabeça da Identidade e se livra dos problemas

semânticos mostrados em 2.2, abandonando a noção de conteúdo conceitual da

Conceitografia que era uma noção híbrida como mostramos em 2.1. Para resolver estes

problemas Frege dividiu a noção de conteúdo judicativo de sentenças em sentido e referência,

56

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 152. 57

Ver On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 153.

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54

declarado em uma passagem de Sobre o Conceito e Objeto58

, além de mudar a concepção e o

sinal da relação de identidade entre nomes (≡) para a concepção ordinária entre objetos (=).

3.1.2. A noção intensional de Sentido:

A noção intensional no sistema de Frege passou então a ser a noção de sentido e

vamos realçar uma característica dessa noção que nos ajuda a considerá-la uma noção

intensional independente de qualquer aspecto extensional do sinal que a exprime. Veja:

[9]

Um sinal precisa, portanto estar conectado com algo além de sua referência, algo que pode ser

diferente para sinais com a mesma designação. Sinais não somente designam algo; eles

também expressam algo. Isto é o sentido. (...) O valor cognitivo, portanto não depende

somente da referência, o sentido é justamente essencial. Sem este último nós não temos

conhecimento em geral.59

Com [9] vemos o quanto é importante a noção de sentido na teoria semântica de Frege.

A noção de sentido cumpre o papel de conectar o sinal a sua referência como um elo

intensional sendo que a mesma referência pode ser designada por diferentes intensões. É

nesse aspecto que Frege destaca a relevância do sentido para o ganho de conhecimento, pois a

cada vez que a mesma referência é designada por um sentido diferente equivale a uma nova

apreensão de um valor cognitivo. Nesse aspecto, concordamos com a interpretação de

Noonan60

, Thiel61

, Bar-Elli62

e Sluga63

que a noção de sentido é uma noção com raízes

epistêmicas, pois tem como idéia central um modo de conhecermos como algo é dado.

58

Ver On Concept and Object (1892). In Beaney (1997) p. 186. 59

Letter to Russell (1902). In Beaney (1997) p. 291. 60

Frege: a critical introduction. Noonan (2001) p. 178. 61

Sentido y Referência en la Lógica de Gottlob Frege. Christian Thiel (1972) p. 93. 62

Sense and Objectivity in Frege’s Logic. Gillead Bar-Elli. In Building on Frege: news essays on Sense, Content

and Concept. Editado por Newen, Nortman e Stuhlmann-Laeissy (2001) pp. 92-93. 63

Gottlob Frege. Sluga (1980) p. 161.

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55

Por conseguinte, para entender que a noção de sentido é uma noção intensional com

raízes epistêmicas é preciso esclarecer que o valor cognitivo expresso pelos sinais linguísticos

não dependem de tais sinais terem referência. Embora Frege em [9] afirmar que o sentido

proporciona conhecimento em geral não podemos interpretá-lo como se o sentido fosse

dependente dos referentes do sinais.

O conhecimento, neste caso, é dito em aspectos intensionais. O sentido nos

proporciona conhecimento quando compreendemos o conteúdo expresso e outra comprovação

disto é que “compreender um sentido nunca assegura sua referência”64

. De qualquer forma,

fica caracterizado que a noção de sentido é a responsável pelo conteúdo cognitivo expresso e

esta é uma função inteiramente intensional.

Por conta das características da noção de sentido podemos destacar algumas

peculiaridades inerentes à noção de sentido dos nomes próprios e dos termos conceituais que

dificultam a formulação de um critério de identidade intensional. Nesta subseção não

trataremos das sentenças porque faremos isto em 3.1.3 e 3.2.

Em relação aos nomes próprios, as relações semânticas entre sinal, sentido e referência

têm uma relação corriqueira entre sinal e referência porque “a referência de um nome próprio

é o próprio objeto que por seu intermédio designamos”65

, embora apresente uma interessante

relação quando passamos do sinal para o sentido.

Frege entende que o sentido de um nome próprio pode variar para cada pessoa que

associa esse nome a determinado objeto. Em Sobre o Sentido e a Referência Frege diz que

podemos associar descrições definidas diferentes ao nome Aristóteles e assim “quem fizer isto

associará outro sentido à sentença Aristóteles nasceu em Estagira do que alguém que tomar

como sentido daquele nome O mestre de Alexandre Magno que nasceu em Estagira”66

.

Essa característica do sentido dos nomes próprios condiz com o caráter intensional e

64

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 153. 65

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 155. 66

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 153.

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56

epistêmico da noção de sentido em Frege. O sentido dos nomes próprios pode ser diferente

para cada pessoa porque cada pessoa associa ao nome próprio um conteúdo informacional ou

conteúdo cognitivo condizente com as circunstâncias que conheceu o referido objeto. Isso nos

mostra que as dificuldades presentes para se estabelecer uma identidade intensional entre

sentenças também se encontram nessa peculiaridade do sentido dos nomes próprios.

No que diz respeito aos termos conceituais Frege dedica o artigo Comentários sobre o

Sentido e a Referência67

. Ressaltamos que tudo o que vale para os termos conceituais vale

também para os termos funcionais e relacionais, uma vez que, Frege considera conceitos e

relações casos especiais de funções cujo valor é sempre um valor de verdade.

Em relação à referência de termos conceituais, Frege em Comentários sobre o Sentido

e a Referência diz claramente que é um conceito68

e este, como o termo conceitual, é também

insaturado. No entanto, no esboço da correspondência com Husserl a referência de termos

conceituais tem um passo a mais que os outros sinais.

Segundo Frege, o passo a mais é necessário porque o conceito pode ser vazio sem

deixar de ser útil para o uso científico69

. Com isso, podemos entender que a extensão do

conceito é formada pelos argumentos e seus respectivos valores. No caso de um conceito sob

o qual não cai nenhum objeto a extensão seria os argumentos e sempre o valor de verdade o

Falso.

Propriamente falando do sentido dos termos conceituais, não temos em Comentários

sobre o Sentido e a Referência uma passagem explícita sobre o sentido de tais sinais. Contudo,

achamos trechos nos artigos Sobre o Conceito e Objeto70

e Função e Conceito71

que indicam

que assim como o termo conceitual o sentido do termo conceitual também é insaturado.

Assim, podemos entender que o sentido de um termo conceitual seria um conjunto de

67

Comments on Sinn and Bedeutung (1892-1895). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 172-180. 68

Ver Comments on Sinn and Bedeutung (1892-1895). In Beaney (1997) pp. 173 e 179. 69

Ver Letter to Husserl (1891). In Beaney (1997) p.150. 70

Ver On Concept and Object (1892). In Beaney (1997) p. 193. 71

Ver Function and Concept (1891). In Beaney (1997) p. 139.

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57

propriedades expressas pelo termo conceitual que nos levaria a uma espécie de mapeamento

de argumentos a valores de verdade.

Entendido assim, não dá para garantir que o conjunto de propriedades intensionais seja

o mesmo para todos que compreendem o termo conceitual. Como no caso dos nomes próprios,

esta é uma característica de noções intensionais que torna difícil o estabelecimento de um

critério de identidade intensional.

Podemos esperar que tais dificuldades também apareçam quando analisarmos na seção

3.2 a noção de sentido de sentenças e os casos de identidade de pensamentos citados por

Frege.

3.1.3. A noção de Referência como valor semântico:

Por último, queremos ressaltar outro aspecto relevante da teoria fregiana após 1891.

Digo, quando Frege abandona a noção de conteúdo conceitual como valor semântico e coloca

em seu lugar a noção de referência está fazendo uma opção por uma lógica extensional. Como

ressalta Furth, as mudanças na notação conceitual de Frege levaram a “interpretação

pretendida para o sistema ser inteiramente extensional”72

e teve consequências importantes

para a semântica da sua linguagem e para o seu projeto logicista em geral.

Infelizmente não temos uma declaração de Frege que confirme o que estamos dizendo,

por isso, nos apoiamos em Dummett que endossa tal argumento e afirma “o que Frege

identifica como sendo o referente de uma expressão de cada tipo lógico é, precisamente, o que

tem sido aqui chamado seu valor semântico de acordo a certa teoria semântica particular”73

.

Com a noção de referência cumprindo o papel de valor semântico, Frege reformula

também o critério de identidade de expressões em seu sistema. Como destacamos, ao longo de

72

The Basic Laws of Arithmetic I: Exposition of System (1893). Tradução de Montgomery Furth (1964) p. xviii. 73

The interpretation of Frege’s Philosophy. Dummett (1981a) p. 150.

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todo o capítulo anterior, na Conceitografia Frege utilizava um critério de substitutividade de

expressões que continham o mesmo conteúdo conceitual segundo o papel inferencial em uma

cadeia de prova porque a preocupação em 1879 era a preservação da correção de inferências.

Contudo, como Frege a partir de 1891 tratou a relação de identidade como sendo uma

relação ocorrendo entre objetos, ou seja, entre as referências dos sinais linguísticos e levando-

se em conta que em contextos científicos o objetivo é a busca pela verdade, podemos dizer

que o novo critério de substitutividade de expressões na notação conceitual era baseado na

preservação do valor de verdade das expressões da aritmética. Em suma, isso caracteriza a

opção por uma lógica extensional.

Uma das características da lógica extensional de Frege é que a referência das sentenças

completas é um dos dois valores de verdade, isto é, ou o Verdadeiro ou o Falso. Para esta

consideração ser plausível, devemos entender que a referência da sentença completa é uma

função das referências das partes da sentença o que chamamos aqui de Princípio de

Composicionalidade da Referência74

.

O Princípio de Composicionalidade da Referência é apresentado por Frege no artigo

Sobre o Sentido e a Referência. As palavras de Frege são as seguintes: “se substituirmos uma

palavra da sentença por outra que tenha a mesma referência, mas sentido diferente, isso não

poderá ter nenhuma influência sobre a referência da sentença”75

. Nesse sentido, segundo as

palavras de Frege, podemos expressar o Princípio de Composicionalidade da Referência

assim: se ref.(a) = ref.(b) → ref.(...a...) = ref.(...b...). Uma vez que esse princípio assegura a

substituição de termos co-referenciais sem a alteração do valor de verdade da sentença

completa, podemos considerar que Frege consegue com esse princípio estabelecer um critério

de identidade de noções extensionais para o seu sistema.

Como havíamos dito na introdução da dissertação e em 2.3.1 sobre a relação de

74

Alguns autores que destacam o Princípio de Composicionalidade da Referência em Frege são: Dummett

(1891b) p.159, Furth (1964) p. xvii e Noonan (2001) pp. 142-143. 75

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 156.

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59

equivalência material de Kirkham, para se estabelecer um critério de identidade extensional

basta termos um critério que identifique dois termos co-referênciais e isso não deve ser

problemático porque só precisamos averiguar que os objetos referidos pelos termos

linguísticos são os mesmos.

E é justamente isso que Frege tem em mãos com o critério: se ref.(a) = ref.(b) →

ref.(...a...) = ref.(...b...), pois, não há dificuldades para entender que quando isto ocorre (a) e

(b) são termos co-referênciais.

Tal escolha significa que Frege tinha consciência dos problemas que enfrentaria se

optasse por uma lógica intensional, pois se o sentido fosse o valor semântico na sua notação

conceitual Frege iria ter problemas para estabelecer um critério de identidade que permitisse a

substituição de expressões com o mesmo valor semântico.

A opção pela referência como valor semântico sem dúvida tornou as coisas mais fáceis

porque Frege tem um critério de identidade extensional e, além disso, consegue estabelecer

uma boa correspondência entre as entidades não linguísticas (referências) com as entidades

linguísticas (sinais) sendo que a intermediação semântica entre elas estaria a cargo da noção

intensional de sentido.

Portanto, para a noção de referência, Frege tem um critério de identidade bem definido,

no entanto, o mesmo não pode ser dito em relação à noção de sentido. Como já dissemos

antes, as dificuldades em se trabalhar com noções intensionais são maiores por serem noções

que levam em conta peculiaridades das linguagens. Mas, agora não vamos entrar em detalhes

quanto a isso porque o faremos na seção a seguir.

Por conta disso, a seguir daremos atenção à noção de pensamento que é o sentido de

sentenças completas. Pretendemos delimitar as principais características dessa noção

intensional e apresentar os exemplos fregianos de identidade de pensamentos presentes no

período de 1891 a 1904.

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60

Tais casos demonstram que Frege estava ciente das dificuldades e peculiaridades que

envolvem um critério de identidade intensional. No mais, analisando esses casos teremos

bases para compreender como Frege pensava o problema de identidade intensional no período

entre 1891 a 1904, pois sabemos que ele propôs um critério desta natureza em 1906.

3.2. A noção intensional de Sentido de sentenças completas:

Frege, no artigo Sobre o Sentido e a Referência, diz que o sentido de sentenças

completas é o pensamento76

expresso por tais sentenças e, em nota de rodapé, esclarece que

entende por pensamento “não o ato subjetivo de pensar, mas seu conteúdo objetivo que pode

ser a propriedade comum de muitos pensadores”77

. Esta não é a definição fregiana de

pensamento, na verdade, Frege não tem uma definição explícita para a noção de pensamento,

o que ele faz é apresentar as características que essa noção possui. Para esta dissertação,

entender tais características é fundamental, pois pensamento é uma noção intensional e iremos

analisar como Frege define um critério de identidade de pensamentos no próximo capítulo.

Em Sobre o Sentido e a Referência, Frege não apresenta as principais características

da noção de pensamento. Isso é feito no artigo Pensamentos de 1918. Porém, o artigo

Pensamentos é de um período que extrapola o deste capítulo. Assim, usaremos como fonte o

que na opinião de Beaney78

é um rascunho para o artigo de 1918, isto é, o trabalho intitulado

Lógica79

de (1879/1891).

Segundo Frege, as características principais dos pensamentos são:

[10]

Ao contrário de idéias, pensamentos não pertencem a mentes individuais (eles não são

76

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 156. 77

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 156. 78

Ver Beaney (1997) p. 227. 79

Logic (1879-1891). In Long and White (1979). Posthumous Writings. 1ª ed. pp.126-151.

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subjetivos), mas são independentes do nosso pensamento e confrontam cada um de nós do

mesmo modo (objetivamente). Eles não são produtos do pensamento, mas somente são

apreendidos pelo ato de pensar. Assim, eles são como corpos físicos. O que os distingue de

corpos físicos é que eles são não-espaciais e podemos talvez ir adiante e dizer que eles são

essencialmente atemporais, ao menos na medida em que são imunes de tudo que pode afetar

uma mudança na natureza intrínseca deles. Eles são como idéias em sendo não-espaciais.80

[10] deixa claro que a noção de pensamento é uma noção um tanto quanto peculiar na

teoria fregiana tanto é que Frege, em 1918, veio a eleger um terceiro reino81

como o lugar

onde se encontram tais noções.

Outra fonte de discussão, a partir dessas características, é se podemos afirmar haver

um platonismo em Frege. Contudo, esses assuntos já foram tratados por diversos autores82

e

um tratamento adequado sobre aspectos ontológicos e realismo (platonismo) em Frege nos

afastaria de nosso objetivo que é tratar apenas a função semântica de pensamento, por isso,

não abordaremos aqueles problemas nesta dissertação.

Sabemos que, segundo Frege, um pensamento é aquilo que é ou verdadeiro ou falso e,

nesse aspecto, não é qualquer sentido de sentenças que possui delimitada clareza.

Pensamentos que são expressos em uma peça de teatro, em uma poesia ou canção são

exemplos de pensamentos que não possuem um valor de verdade definido.

Então que tipos de pensamentos possuem as características apresentadas em [10]?

Podemos dizer que Frege considera legítimos pensamentos as leis matemáticas, leis da

natureza e fatos históricos83

, pois esses pensamentos não são produtos de nossas mentes

individuais, mas são compartilháveis intersubjetivamente, são atemporais e não-espaciais.

As três classes de pensamentos ditos acima ilustram bem o que é dito em [10]. Por

exemplo, vamos considerar o pensamento expresso pelo teorema de Pitágoras ou qualquer

80

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 148. 81

Ver Thoughts (1918). In Beaney (1997) p. 337. 82

Ver, por exemplo, Malzkorn (2001), Burge (1992), Dummett (1981a e b), Thiel (1972), Sluga (1980), Bar-Elli

(2001) e Noonan (2001). 83

Ver Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 131.

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uma das três leis de Newton que descrevem o comportamento dos corpos em movimento.

Esses pensamentos, segundo Frege, são não-espaciais como toda espécie de sentido, mas

também são atemporais porque esses pensamentos são leis que “não precisam ser

reconhecidas por nós como verdadeiras, elas não têm que ser pensadas por nós em geral”84

porque essas leis serão sempre verdadeiras, valendo o mesmo para os pensamentos falsos,

independentes de nossas mentes pensá-las.

Talvez se possa objetar a atemporalidade de um pensamento citando um fato histórico

do tipo A Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel. Certamente Frege iria responder

dizendo que “essa sentença não é uma completa expressão de um pensamento em geral, desde

que falta nela uma determinação do tempo”85

. O que Frege quer dizer é que para

expressarmos um pensamento de um fato histórico devemos situar com precisão o momento

do tal acontecimento.

Assim, expressaríamos um pensamento completo por meio da sentença No dia 13 de

maio de 1888 às 15:00 hs no Paço Imperial localizado no Rio de Janeiro a Lei Áurea foi

assinada pela Princesa Isabel e, dessa forma, se o pensamento é verdadeiro ele o é

independente da época que nós o julgamos ser verdadeiro porque o pensamento permanece o

mesmo em todas as épocas, mas nós podemos julgá-lo verdadeiro em uma época e falso em

outra, contudo, tal discordância é apenas o nosso julgamento e não faz parte da essência do

pensamento.

Isso demonstra a impessoalidade e a objetividade dos pensamentos. Frege é enfático

ao distinguir os pensamentos de qualquer tipo de idéia ou representação mental porque estas,

apesar de serem não-espaciais, são algo que nós criamos e assim elas mudam constantemente

e precisam ter um único proprietário, pois duas pessoas diferentes não podem ter a mesma

84

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 133. 85

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 135.

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idéia86

. O mesmo ocorre nos casos das representações mentais, que possuem o mesmo caráter

subjetivo, porque dois homens diferentes não podem criar representações mentais idênticas87

.

Frege, em Lógica, analisa aparentes exceções a respeito da objetividade dos

pensamentos. Os possíveis contra exemplos são expressões com indexicas88

do tipo Eu estou

resfriado ou expressões com os termos aqui e agora que quando usadas por diferentes

pessoas podem ser verdadeiras para algumas e falsas para outras. Em Lógica, a explicação de

Frege é que nas expressões com o indexical eu deve-se levar em conta a pessoa e a forma com

que ela apresenta-se e nas expressões com os termos aqui e agora o momento e o local do

proferimento porque sendo as circunstâncias diferentes a mesma sentença nem sempre

expressa o mesmo pensamento89

.

Uma vez que para Frege os pensamentos são não-espaciais nós não podemos percebê-

los sensorialmente e assim se não for associado a eles um tipo de sentença para expressá-los a

comunicação entre os homens poderia ficar ameaçada. Frege tinha noção que mesmo no

trabalho científico quando delegamos um valor de verdade a sentenças é com o sentido

expresso por elas que estamos comprometidos e assim em Sobre a Geometria Euclidiana90

aponta a importância da “sentença e o seu sentido, entre o perceptível e o imperceptível,

caminharem juntos”91

. Mas, que sentenças expressam legítimos pensamentos?

Segundo Frege, o seu comprometimento “não é com sentenças expressando desejos,

questões, pedidos e comandos, mas somente com sentenças assertóricas, sentenças em que

nós comunicamos fatos e propomos leis matemáticas ou leis da natureza”92

. Frege quer dizer

que no âmbito da lógica as únicas sentenças que expressam pensamentos, que são

invariavelmente ou verdadeiros ou falsos, são as sentenças assertivas e, além disso, Frege

86

Ver Thoughts (1918). In Beaney (1997) pp. 334-335. 87

Ver On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) pp. 154-155. 88

Frege no artigo Pensamentos de 1918 analisa novamente casos com indexicais do tipo eu, ontem, hoje, aqui e

ali e a conclusão desta análise é similar a do artigo Lógica. 89

Ver Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 135. 90

On Euclidean Geometry (1899-1906). In Long and White (1979) pp.167-169. 91

On Euclidean Geometry (1899-1906). In Long and White (1979) p.167. 92

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 129.

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ainda chama a atenção para uma distinção importante que ocorre nessas sentenças.

A distinção é em relação ao pensamento expressado pela sentença e a asserção da

verdade desse pensamento. Segundo Frege, podemos expressar um pensamento sem sabermos

qual é a sua referência (valor de verdade), isto é, sem fazermos uma asserção da verdade ou

falsidade desse pensamento. No artigo Função e Conceito, Frege apresenta a mudança do

antigo traço de conteúdo que passou a ser um sinal funcional ele explica a distinção:

[11]

Esta separação entre o julgar e aquilo sobre o qual se julga parece-me indispensável, pois de

modo contrário, não poderíamos exprimir uma mera suposição, o estabelecimento de um caso,

sem fazer simultaneamente um juízo sobre seu surgimento ou não. Precisamos de um sinal

especial para poder asserir algo. Para este fim, utilizo um traço vertical à extrema esquerda do

horizontal, tal que, por exemplo, mediante 2+3=5 assere-se que 2+3 é igual a 5.

Deste modo não estamos apenas prescrevendo um valor de verdade, como em 2+3=5, mas

simultaneamente, dizendo também que ele é o verdadeiro.93

Sendo assim, quando fazemos uma asserção estamos afirmando que o sentido expresso

pelo complexo formado pelo sinal de asserção juntamente com o conteúdo localizado a sua

direita é o sentido do Verdadeiro. Agora, [11] não deixa claro qual é a trajetória do

pensamento até o momento de nós fazermos a asserção sobre ele. Essa trajetória começa no

momento em que apreendemos um pensamento, em seguida fazemos um juízo sobre este

pensamento e, por fim, expressamos a asserção sobre ele.

Dos três passos ditos acima o primeiro, o momento da apreensão do pensamento, é,

sem dúvida, o que Frege menos explicou em seus textos publicados. É verdade que Frege no

texto Lógica tenta contornar estas dificuldades usando várias metáforas do tipo “de agarrar, de

conceber, de apossar, de apreender, de entender, de capturar, de perceber, de compreender, de

93

Function and Concept (1891). In Beaney (1997) p. 142.

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65

inteligir”94

pensamentos para podermos entender que o processo em si é um processo mental,

pois envolve nossa capacidade cognitiva sobre conteúdos intensionais. Mas, parafraseando

Frege, esse processo é dos mais misteriosos porque um processo mental não deixa de ser

psicológico, mas não tem nada de psicológico no conteúdo apreendido, isto é, no pensamento.

No que diz respeito ao segundo e ao terceiro passo desse processo a explicação

fregiana é mais contundente. Segundo Frege, o passo do juízo até a asserção se dá “quando

nós interiormente reconhecemos que um pensamento é verdadeiro, nós estamos fazendo um

juízo: quando nós comunicamos este reconhecimento, nós estamos fazendo uma asserção”95

.

Outra consideração dessa natureza está em nota de rodapé de Sobre o Sentido e a

Referência onde Frege considera “o juízo não é a mera apreensão do pensamento, mas o

reconhecimento da sua verdade”96

e, dessa forma, a asserção seria o momento quando

expressamos este pensamento por meio de uma sentença assertórica.

Dando sequência, a análise dos pensamentos, vamos tratar de um tema que é bastante

trabalhado por comentadores97

de Frege, digo, o Princípio de Composicionalidade de

Sentidos. Frege explicitamente em alguns textos98

apresenta passagens que sugerem que o

sentido da expressão completa é composto pelo sentido das partes desta expressão. Desses o

trecho mais relevante que destacamos é da seção 32 do livro As Leis Básicas da Aritmética I:

[12]

Os nomes, se simples ou eles mesmos compostos, do qual o nome de um valor de verdade

consiste, contribui para a expressão do pensamento, e esta contribuição do individual

[componente] é o sentido dele. Se um nome é parte do nome de um valor de verdade, então o

sentido do primeiro nome é parte do pensamento expressado pelo último nome.99

94

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 137. 95

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 139. 96

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) pp. 158. 97

Ver, por exemplo, Newen (2001) p.114, Dummett (1981a) p. 250 e (1981b) p. 153, Furth (1964) p. xvii,

Noonan (2001) p. 178, Heck (2010) p. 17 e Bell (1996) p. 584. 98

Ver Function and Concept (1891). In Beaney (1997) p. 139, On Concept and Object (1892). In Beaney (1997)

p. 193 e Letter to Russell (1902). In Beaney (1997) p. 291. 99

The Basic Laws of Arithmetic I: Exposition of System (1893). Tradução de Montgomery Furth (1964) p. 90.

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Uma vez que, toda sentença assertórica é formada por uma expressão completa (nome

de um objeto) e uma expressão incompleta (expressão funcional), sendo que ambas as partes

expressam sentidos próprios, não é difícil aceitarmos que o sentido da sentença completa é a

união do sentido da parte completa com o sentido da parte incompleta da sentença. Dessa

forma, na sentença César conquistou as Gáleas o sentido da sentença é formado pelo sentido

de César e o sentido de conquistou as Gáleas. É claro que para essa sentença expressar um

pensamento completo falta a determinação do tempo, mas, vamos desconsiderar esse ponto

neste momento.

Uma objeção poderia ser colocada ao Princípio de Composicionalidade de Sentidos da

seguinte forma: sendo os pensamentos atemporais como explicar o mesmo pensamento poder

ser expresso por diferentes sentenças, isto é, o mesmo pensamento pode ser expresso por

sentenças compostas de partes que expressam diferentes sentidos?

A questão é: mesmo se a humanidade falasse uma única linguagem com a mesma

gramática ainda assim teríamos a possibilidade de expressar o mesmo pensamento por meio

de sentenças diferentes porque cada um de nós pode expressar um pensamento dando ênfase,

como diz Kenny em [3], “dando um especial tom de voz e utilizando palavras especiais”100

que estão de acordo com nossas condições psicológicas do momento do proferimento ou de

acordo com nosso objetivo em expressar o pensamento com certa entonação de voz. No texto

Lógica Frege ressalta um aspecto de fundo psicológico que não altera o pensamento:

[13]

Se alguém anuncia a notícia de uma morte em um tom triste de voz sem estar verdadeiramente

triste, o pensamento expressado é ainda verdadeiro até mesmo se o tom triste é assumido com

o objetivo de criar uma falsa impressão. E nós podemos substituir palavras como ah e

100

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 140.

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infelizmente neste tom de voz sem alterar o pensamento.101

Temos assim que separar na expressão de qualquer pensamento aquilo que é o

pensamento objetivo daquilo que é de fundo psicológico de quem o expressou sendo de

caráter subjetivo. Frege em Sobre o Sentido e a Referência102

e em Lógica103

mostra-se

consciente dessa peculiaridade das noções intensionais que devem ser levadas em conta

quando analisamos pensamentos com um critério de identidade intensional.

Na verdade, entendemos que esta preocupação acompanha Frege desde 1879. Como

mostramos em [2], Frege chama a atenção para as peculiaridades que ocorrem no momento da

comunicação entre locutor e interlocutor e que na sua notação conceitual não há nenhuma

forma de representar tal conteúdo. O trecho [2] indica que Frege tinha consciência que duas

sentenças iguais as mostradas em [1] podem expressar o mesmo conteúdo conceitual mesmo

que ocorram diferenças nas expressões no nível linguístico.

Nesse sentido, destaco um trecho de uma nota de rodapé de Sobre o Conceito e o

Objeto onde Frege dá indícios que está preocupado em formular um critério de identidade

intensional no período entre 1891 a 1904, pois defendia que redescobrir o mesmo pensamento

em suas diversas roupagens é de dever dos lógicos. Vejamos:

[14]

(...), mas tão somente enfatizarei que, frequentemente, expressões distintas têm algo em

comum a que denomino sentido, e no caso das sentenças, pensamento; em outros termos, não

se deve desconhecer que o mesmo sentido, o mesmo pensamento, pode ser expresso de várias

maneiras. Assim, a diferença não está no sentido, mas apenas na apreensão, na nuança, no

matiz do sentido e estes são irrelevantes para a Lógica. É possível que uma sentença não dê

mais nem menos informação que outra; e apesar de toda a multiplicidade das línguas a

humanidade possui um tesouro comum de pensamentos. Se toda transformação da expressão

101

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 140. 102

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997) p. 155. 103

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 142.

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68

fosse proibida, sob o argumento de que com isso também mudaria o conteúdo, paralisar-se-ia

simplesmente a Lógica; pois, sem que se tente redescobrir o pensamento nas suas múltilas

vestimentas, a tarefa da Lógica é de todo insolúvel.104

(itálico meu)

O trecho [14] deixa claro que Frege defende a tese de que sentenças diferentes podem

expressar o mesmo pensamento. Esta tese traz consigo uma implicação interessante: uma vez

que as sentenças assertivas são o único veículo sensível linguístico que temos para expressar

pensamentos e que estes veículos podem apresentar-se sob formas linguisticamente diferentes

e expressando o mesmo pensamento, então parece plausível considerar que Frege entende os

pensamentos sendo composicionalmente polimorfos. Assim, analisar uma sentença assertiva

para chegar ao pensamento expressado por ela é analisar uma das possibilidades que este

pensamento pode ser representado linguisticamente.

Entendemos que tal implicação é coerente com os escritos de Frege e ela também é

defendida por Hodes105

e por Bell106

. Agora, se admitimos que os pensamentos são

composicionalmente polimorfos, então temos que admitir que o mesmo pensamento pode ser

expresso por sentenças assertivas que contenham partes que expressam diferentes sentidos.

Mas isto não parece problemático? Entendemos que o problema está na interpretação

de Frege como defendendo um total isomorfismo entre o pensamento e a sentença porque [14]

nos diz exatamente que tal interpretação é descabida.

A melhor proposta para solucionar esta tensão parece ser a de Bell107

. Em suma, este

entende que as sentenças são apenas modelos dos pensamentos que elas expressam e, por isso,

temos que levar em consideração duas coisas: (i) a natureza objetiva atemporal não-espacial e

imutável dos pensamentos e, (ii) a natureza subjetiva temporal espacial e mutável das

104

On Concept and Object (1892). In Beaney (1997) pp. 184-185. 105

Hodes, H.. „The composition of Fregean Thoughts‟. Philosophical Studies, Vol 41, pp. 161-178, 1982. 106

Bell, D.. „The Formation of Concepts and the Structure of Thoughts‟. Philosophy and Phenomenological

Research, Vol 56, pp. 583-596, 1996. 107

Bell, D.. „The Formation of Concepts and the Structure of Thoughts‟. Philosophy and Phenomenological

Research, Vol 56, p. 596, 1996.

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sentenças. Desta forma, conforme a interpretação de Bell, e compreendemos que ela se

harmoniza com a doutrina de Frege, temos a possibilidade de expressar o mesmo pensamento

utilizando uma variedade de combinações entre funções e argumentos linguísticos, mas a

análise lógica dessas sentenças revelará que elas expressam o mesmo pensamento.

Sem dúvida, um critério de identidade intensional bem definido tem que ser capaz de

distinguir o pensamento das peculiaridades das linguagens que usamos para expressá-los

porque isso é fundamental para nos atermos somente ao conteúdo que pode ser julgado ou

verdadeiro ou falso, isto é, ao pensamento propriamente dito. O fato é que no período entre

1891 a 1904 Frege não apresenta qualquer critério de identidade de pensamentos, pois isso

acontece só em 1906. Em contrapartida, isso não o impossibilita de pensar sobre o assunto e

de apresentar alguns casos onde na sua concepção ocorre identidade de pensamentos.

Outro trecho que reforça o que estamos sugerindo aqui que Frege estava em busca de

formular um critério de identidade de pensamentos já no período de 1891 a 1904 é uma

passagem de Lógica onde temos a afirmação de Frege que apesar da linguagem se

desenvolver constantemente e dificultar o estabelecimento de um critério de identidade

intensional “nós temos um meio de decidir o que é e o que não é parte do pensamento”108

. Ora,

o que Frege quer dizer com meio de decidir só pode ser um critério de identidade intensional,

mas por enquanto Frege fica no suspense e não apresenta o critério.

Uma vez que ainda não temos o critério de identidade de pensamentos de Frege o que

podemos fazer no restante deste capítulo é analisar os exemplos que aparecem nos textos de

1891 a 1904 de identidade de pensamentos e a partir deles tirar alguma conclusão a respeito

das características que o critério de identidade intensional de 1906 deve ter. Além disso,

vamos comparar novamente o critério de equivalência de sinonímia de Kirkham com os novos

exemplos fregianos de identidade de pensamentos para ver se podemos manter a conclusão

108

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 141.

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70

parcial do capítulo anterior.

Em Sobre o Conceito e o Objeto109

Frege diz que as seguintes quatro expressões

possuem algo em comum que é o pensamento:

Existe ao menos uma raiz quadrada de 4.

Existe algo que tem a propriedade de dar o resultado 4 quando multiplicado por si

mesmo.

O conceito raiz quadrada de 4 está preenchido.

O número 4 tem a propriedade de que existe algo do qual ele é o quadrado.

Como sabemos, nesse artigo, Frege discute com Benno Kerry que defende que a

distinção entre conceito e objeto não é absoluta. No trecho em que Frege apresenta os

exemplos acima o propósito é mostrar a Kerry que apesar das quatro expressões informarem o

mesmo pensamento nas duas primeiras predicamos algo de um conceito e nas duas últimas

predicamos algo de um objeto.

O que Frege parece inclinado a afirmar é que em relação à expressão do pensamento

tais diferenças provenientes da linguagem não importam porque o conteúdo informacional das

quatro expressões é o mesmo. Na sequência, Frege enfatiza mais uma vez que a linguagem

tem a capacidade de fazer com que o mesmo pensamento apareça de diversas formas porque

algum componente do pensamento pode aparecer ora como sujeito e ora como predicado o

que é o caso da distinção entre voz ativa e passiva e, além disso, que o mesmo pensamento

pode ser expresso ora como singular, ora como particular e ora como universal.

Outros três casos de identidade de pensamentos são apresentados no texto Lógica. No

primeiro exemplo ocorre a substituição de uma palavra por outra sem haver alteração no

pensamento, por exemplo:

“Este cachorro uivou a noite inteira e Este vira-latas uivou a noite inteira”110

.

109

On Concept and Object (1892). In Beaney (1997) pp. 187-188. 110

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 140.

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71

Segundo Frege, a mesma informação dita por uma sentença é dita pela outra só que a

pessoa que prefere expressar a segunda sentença o faz porque tem uma impressão ruim do

animal e quer passar uma imagem pejorativa. Mas, sabemos que esse tipo de intenção do

locutor deve ser separado do que Frege entende ser o pensamento.

O segundo exemplo de identidade de pensamento é mais uma vez a distinção entre as

vozes ativa e passiva. Frege apresenta os seguintes exemplos:

“M deu o documento A para N, O documento A foi dado a N por M, N recebeu o

documento A de M”111

.

Segundo Frege, a única diferença entre essas três sentenças reside no fato de

escolhermos uma em detrimento da outra por meras razões estéticas e estilísticas e que isto

não tem a mínima relevância no conteúdo expresso que pode ser julgado verdadeiro ou falso,

isto é, ao pensamento.

O terceiro e último caso de identidade de pensamento citado por Frege em Lógica são

das duas sentenças:

“Frederico o Grande venceu a batalha de Rossbach e É verdade que Frederico o

Grande venceu a batalha de Rossbach”112

.

Neste caso, Frege chama a atenção para a inutilidade da expressão é verdade na

segunda sentença porque encontramos a mesma afirmação na forma da primeira sentença

assertiva. O fato de acrescentarmos a expressão é verdade na segunda sentença não significa

diferença alguma no ato de julgamento das duas expressões, da mesma forma, que os

exemplos anteriores, o pensamento que é expresso por uma sentença é exatamente o mesmo

expresso na outra sentença.

Podemos dizer que o objetivo de Frege em apresentar os exemplos de identidade de

pensamentos contidos em Sobre o Conceito e o Objeto e Lógica é mostrar que um critério de

111

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 141. 112

Logic (1879-1891). In Long and White (1979) p. 141.

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identidade intensional deve ser bem definido para dar conta daquelas peculiaridades da

linguagem que permitem o mesmo pensamento ser expresso por diferentes sentenças.

O outro exemplo que Frege apresenta nos textos de 1891 a 1904 de identidade de

pensamentos além de ter o objetivo acima, também tem o de justificar porque o axioma V,

x(fx=gx) = (έfx=έgx), deve ser considerado uma lei básica da lógica113

.

Como sabemos, em Função e Conceito, Frege apresenta um caso particular do axioma

V onde a generalização de uma igualdade de valores de funções pode ser entendida como uma

igualdade entre percursos de valores, contudo, esta igualdade não pode ser demonstrada por

ser uma lei básica da lógica114

.

O mesmo questionamento que é feito no exemplo de Função e Conceito pode também

ser feito ao axioma V, digo, como podemos considerar este uma verdade lógica se Frege

insiste na radical distinção entre funções e objetos, mas estabelece uma identidade entre a

sentença do lado esquerdo que é sobre funções e a sentença do lado direito que é sobre os

valores de alcance das funções?

A explicação de Frege para o axioma V ser uma lei fundamental da lógica é que

devemos considerar as duas expressões ladeando o sinal de igualdade expressando o mesmo

pensamento e, por isso, o axioma V não poderia ser demonstrado, uma vez que, a

equivalência entre os pensamentos deve ser reconhecida por nós a priori.

Ser reconhecida por nós a priori significa ser reconhecida no nível cognitivo e não no

nível linguístico o que justificaria a identidade do pensamento entre as duas sentenças do

axioma V. Sluga entende este fato da mesma forma e defende que esta interpretação não

elimina a distinção entre função e objeto, mas somente quer dizer que, no axioma V e no

exemplo de Função e Conceito, o “pensamento que diz respeito à função é o mesmo que

113

Sluga, (1980) pp. 154-155 e (1986) pp. 60-61, endossa esta opinião defendendo que o axioma V sendo uma

lei básica da lógica é o principal motivador para a distinção fregiana entre sentido e referência. 114

Ver Function and Concept (1891). In Beaney (1997) p. 135.

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aquele que diz respeito aos valores de alcance das funções”115

.

O ponto agora é o seguinte: analisando os exemplos de identidade de pensamentos que

aparecem nos textos de 1891 a 1904 e levando em consideração que nesse período Frege

ainda não tem um critério de identidade de pensamentos definido, quais conclusões podemos

tirar em relação aos exemplos apresentados?

O que parece ficar claro quando analisamos os exemplos fregianos de identidade de

pensamentos é que um critério de identidade de pensamentos deve ter meios de detectar e

separar em meio às diversas peculiaridades das linguagens aquilo que diz respeito somente ao

pensamento. Como vimos através dos exemplos estas peculiaridades são diversas e levam em

conta o embelezamento retórico da linguagem, a entonação e a intenção do falante, a

adequação de uma linguagem a outra em traduções e o próprio desenvolvimento das línguas

ao longo da história da humanidade.

Por conta disso, um eficiente critério de identidade intensional deve dar conta destas

dificuldades no momento da análise de pensamentos, caso contrário, se não for capaz de

separar o pensamento daquilo que é agregado ao pensamento, então o critério pode não

reconhecer o mesmo pensamento expresso por duas sentenças diferentes.

Baseado nesse último parágrafo, podemos perguntar se o critério de equivalência de

sinonímia de Kirkham apresenta as características que julgamos serem necessárias para lidar

com todas as dificuldades implícitas para se estabelecer um critério de identidade intensional?

Vale lembrar que, segundo Kirkham, duas sentenças são sinonimamente equivalentes,

se e somente se, ambas as sentenças são intensionalmente idênticas em todos os mundos

possíveis. Isto quer dizer que Kirkham considera como sentenças sinônimas somente aquelas

em que uma expressa a definição da outra.

Neste sentido, o axioma V de Frege atende esta exigência de Kirkham porque quando

115

Gottlob Frege. Sluga (1980) p. 157.

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Frege apresenta o axioma V como uma lei básica da lógica está estabelecendo que as duas

sentenças expressam o mesmo sentido a partir da sua linguagem específica, isto é, da sua

notação conceitual. Assim, as duas sentenças do axioma V passam a expressar o mesmo

sentido em todos os mundos possíveis. Desta forma, para Kirkham as duas sentenças do

axioma V seriam sinônimas.

Outro ponto que chamamos atenção é que o critério de Kirkham não faz alusão alguma

às peculiaridades da linguagem que Frege faz questão de abordar. Este é um ponto importante

porque ficamos sem saber se Kirkham concordaria com Frege se, por exemplo, cachorro e

vira-latas quando substituídas no contexto frasal em que ocorrem não alteram o pensamento.

A exigência de Kirkham das sentenças serem intensionalmente idênticas em todos os

mundos possíveis pode invalidar algumas das identidades de pensamentos na concepção de

Frege. Como mostramos em 2.3.1, Kirkham considera sinonimamente equivalentes as

expressões coração e órgão de bombear sangue, solteiro e não casado porque em cada dupla

de expressões é impossível ser uma coisa sem ser a outra. O mesmo não se pode afirmar das

sentenças do exemplo fregiano: Este cachorro uivou a noite inteira e Este vira-latas uivou a

noite inteira. Neste caso, não podemos dizer que cachorro e vira-latas são sinonimamente

equivalentes em todos os mundos possíveis à maneira de Kirkham porque é possível ser um

cachorro e não ser vira-latas em determinada interpretação, ou seja, cachorro e vira-latas não

têm a mesma definição.

Outro caso semelhante ao exemplo de Frege que realça o que estamos falando é o das

duas sentenças: O homem que cortou a árvore e O homenzarrão que cortou a árvore. Nestas

sentenças a única diferença é o modo com que o indivíduo que cortou a árvore é visto e

nomeado por quem expressa o pensamento e, portanto, esta diferença é de caráter subjetivo e

não tem influência alguma no pensamento expressado. Em contrapartida, se analisamos essas

duas sentenças com o critério de equivalência de sinonímia de Kirkham parece que não

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podemos afirmar que as duas sentenças expressam o mesmo pensamento porque homem e

homenzarrão em algum mundo possível não são sinonimamente equivalentes uma vez que

uma expressão não é a definição da outra.

Esse resultado interfere na conclusão parcial do final do capítulo 2.3.2. Lá havíamos

concluído que o critério de equivalência de sinonímia de Kirkham tem o mesmo grau de

intensionalidade que o critério fregiano levando-se em conta o critério de necessidade de

consequência lógica. Contudo, como estamos vendo com a análise dos exemplos que

aparecem nos textos de 1891 a 1904 o critério de equivalência de sinonímia parece não

validar todas as identidades de pensamentos segundo a concepção de Frege. Dessa forma,

temos que reformular a conclusão de 2.3.2.

Portanto, levando em consideração os exemplos fregianos de 1891 a 1904, podemos

conjecturar que o critério de equivalência de sinonímia de Kirkham apenas considera

expressões diferentes como sendo sinônimas se estas possuem a mesma definição e, por conta

disso, não é um critério que tem o mesmo grau de intensionalidade que os exemplos fregianos

exigem para o reconhecimento da identidade de pensamentos.

Devido aos casos de identidade de pensamentos que parecem não ser validados pelo

critério de equivalência de sinonímia não podemos afirmar que os dois critérios são

equivalentes. Seguindo os exemplos fregianos a impressão que temos é que o critério de Frege,

de 1906, deve ser similar a noção de sinonímia de Kirkham, contudo, como Frege parece estar

disposto a considerar as diversas peculiaridades da linguagem que aparecem no momento da

expressão do pensamento o seu critério de identidade de pensamentos deve dar conta de

separar e analisar o pensamento de suas roupagens.

Em contrapartida, se levarmos em conta os exemplos de Kirkham sobre equivalência

de sinonímia percebemos que expressões como coração e órgão de bombear sangue, apesar

de um ser a definição da outra, dificilmente seriam considerados por Frege expressando o

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mesmo sentido. Este é um exemplo interessante de ser analisado pelo critério de identidade de

pensamentos de Frege, mas nesse momento é complicado porque ainda não temos tal critério

para fazer uma análise mais segura. Assim, por agora, só podemos concluir que os dois

critérios têm graus de intensionalidades diferentes.

Nesse sentido, mesmo desconsiderando o critério formal de consequência lógica em

prol do critério de necessidade, temos que reformular a conclusão de 2.3.2 e conjecturar que o

critério de equivalência de sinonímia de sentenças não atende as exigências de Frege na

Conceitografia que era a preservação de correção de inferências por meio do papel inferencial

porque nem todas as sentenças que Frege considera expressando o mesmo conteúdo

conceitual teria a mesma consideração por parte de Kirkham e vice-versa.

Em relação ao critério fregiano teremos a oportunidade de analisá-lo no próximo

capítulo, mas podemos esperar, conforme os exemplos apresentados nos textos de 1891 a

1904, que este critério deve ter meios definidos para decidir quando ocorre identidade de

pensamentos entre sentenças diferentes.

3.3. Conclusões e considerações finais do capítulo:

Neste capítulo analisamos as obras de Frege referentes ao período de 1891 a 1904 com

o objetivo de apresentar o amadurecimento da teoria fregiana caracterizado pelas mudanças

promovidas na sua notação conceitual.

Em 3.1 apresentamos, em linhas gerais, as mudanças promovidas por Frege em seu

sistema, mas como estamos investigando um critério de identidade de pensamentos em Frege

demos principal atenção à distinção semântica entre sinal, sentido e referência. Apontamos

três motivos que tornam esta divisão importante para nossa dissertação e dedicamos três

subseções para analisar estes motivos.

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Na subseção 3.1.1 mostramos que Frege resolve o Quebra cabeça da Identidade e os

outros dois problemas semânticos da sua notação conceitual abandonando a noção de

conteúdo conceitual como valor semântico de seu sistema, dividindo a noção de conteúdo

judicativo de sentenças em sentido e referência e modificando a concepção de identidade

sendo agora uma relação entre objetos intermediado pelos sentidos dos sinais. Dessa forma,

concluímos que Frege adota uma relação semântica tríade para todos os itens linguísticos do

seu sistema, pois considera o nível linguístico (sinal), o sentido do sinal (intensão) e a

referência do sinal (extensão).

Na subseção 3.1.2 apresentamos algumas características essenciais da noção de

sentido que fazem dela uma noção intensional. Vimos que, em relação à noção de sentido de

nomes próprios e termos conceituais, existem dificuldades para se estabelecer um critério de

identidade intensional. Concluímos que tais dificuldades são comuns em noções intensionais

porque não temos como garantir que todas as pessoas compreendam as mesmas intensões

expressas por aqueles termos, uma vez que, são noções abstratas e com raízes epistêmicas.

Em 3.1.3 demos atenção também a outra mudança importante promovida por Frege.

Essa mudança simboliza a opção de Frege por uma lógica extensional porque a noção de

referência passou a cumprir o papel de valor semântico em seu sistema, uma vez que, a noção

de conteúdo conceitual foi abandonada após 1891.

Em consequência, Frege reformula o critério de substitutividade de expressões, que

levava em conta a igualdade de conteúdo conceitual segundo o papel inferencial em uma

cadeia de prova porque a preocupação na Conceitografia era a preservação da correção de

inferências, para um critério de substitutividade de expressões baseado na preservação do

valor de verdade das expressões da aritmética.

Mostramos que conforme o novo critério de substitutividade de expressões Frege

precisava de um princípio que não levasse em conta nas substituições o sentido das

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expressões, mas somente a referência. Chamamos este princípio de Princípio de

Composicionalidade da Referência porque ele garante que a referência da expressão completa

é em função da referência das partes da expressão.

Concluímos, em 3.1.3, que o papel que o Princípio de Composicionalidade da

Referência cumpre no sistema fregiano é de um critério de identidade extensional. Sendo que,

o Princípio de Composicionalidade da Referência garante que a substituição de expressões

co-referenciais em uma sentença não modifica o valor de verdade da sentença, então Frege

tem em mãos um critério de identidade extensional bem definido. Foi importante destacar

esse aspecto para contrapormos as dificuldades em se estabelecer um critério de identidade

extensional e um critério de identidade intensional.

Na seção 3.2, antes de analisarmos os casos de identidade de pensamentos,

apresentamos as características marcantes da noção intensional de pensamentos. Segundo

Frege, entendemos pensamentos como entidades intensionais objetivas atemporais e não-

espaciais cuja existência independe de nós os pensarmos. Porém, tais entidades são expressas

por sentenças assertivas e entramos em contato com pensamentos quando entendemos o

sentido expresso por tais sentenças.

Seguindo a seção 3.2 apontamos um aspecto da linguagem que dificulta o

estabelecimento de um critério de identidade de pensamentos. Na ocasião, mostramos que o

mesmo pensamento pode ser expresso por diferentes sentenças e isto dificulta a análise do

pensamento por um critério de identidade de pensamentos. Como entendemos, podemos

explicar estas ocorrências citando o Princípio de Composicionalidade de Sentidos de Frege

que permite o mesmo pensamento ser expresso por sentenças compostas de diferentes partes

linguísticas. Concluímos que o pensamento assim permaneceria sempre o mesmo, pois as

mudanças ocorrem somente no conteúdo linguístico, que usamos para expressar pensamentos,

e isto assegura a interpretação que os pensamentos são composicionalmente polimorfos.

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Sabemos que estas peculiaridades da linguagem são chamadas por Frege de

embelezamento retórico que varia conforme a entonação e a intenção do falante, a adequação

de uma linguagem a outra em traduções e o desenvolvimento das línguas. Para destacar essas

peculiaridades da linguagem, em 3.2, analisamos os exemplos que Frege apresenta entre 1891

a 1904 de identidade de pensamentos. Esses casos apoiaram nossa conclusão que Frege tinha

intenção de formular um critério de identidade de pensamentos no período acima e que sabia

das dificuldades que enfrentaria para estabelecer um critério de identidade de pensamentos.

Como no capítulo anterior havíamos concluído parcialmente que o critério de

equivalência de sinonímia de Kirkham tinha o mesmo grau de intensionalidade que o critério

intensional da § 3 da Conceitografia e que, por isso, atenderia as necessidades de Frege com a

exigência de manter a correção de inferências, aproveitamos os exemplos de identidade de

pensamentos para fazer novas comparações.

Analisando os exemplos de Frege com o critério de sinonímia de Kirkham verificamos

que o critério de Kirkham é muito rigoroso porque classifica como sinônimas somente

expressões com a mesma definição. Não obstante, os exemplos de Frege mostram que o seu

critério de identidade de pensamentos, que aparecerá só em 1906, também deve ser rigoroso.

Contudo, como Frege parece levar em conta todas as peculiaridades da linguagem acaba

considerando expressões que não têm a mesma definição expressando o mesmo pensamento.

O resultado é que há exemplos de expressões diferentes que Frege considera

expressando o mesmo pensamento, mas que Kirkham não concordaria. Por causa dessa

constatação reformulamos o resultado do capítulo anterior e concluímos que segundo os

exemplos de identidade de pensamentos de Frege podemos conjecturar que o critério de

equivalência de sinonímia e o critério de identidade de pensamentos de Frege terão graus de

intensionalidade diferentes. E se essa conjectura estiver correta, temos que abandonar a

afirmação que o critério de equivalência de sinonímia de Kirkham atende as exigências de

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Frege com a idéia de manter a correção de inferências presente na § 3 da Conceitografia.

Sendo assim, no próximo capítulo, teremos a oportunidade de apresentar e analisar em

detalhes como Frege caracteriza o seu critério de identidade de pensamentos. Com o critério

fregiano em mãos poderemos analisar como o critério é aplicado nos exemplos de identidade

de pensamentos de 1891 a 1904 e outros casos de identidade de pensamentos. Também

voltaremos ao critério de sinonímia de Kirkham para verificar se a conclusão que apresento

neste capítulo é válida.

Por fim, vamos levar em conta os casos de identidade de pensamentos presentes no

artigo Pensamentos Compostos para reforçar nossa análise do critério de identidade de

pensamentos de Frege e tentar traçar uma relação entre esses casos com a noção de

equivalência tautológica.

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IV: Período de 1905 a 1923

Neste capítulo iremos apresentar e analisar o critério de identidade de pensamentos de

Frege. Para uma melhor organização deste capítulo iremos dividi-lo em duas seções da

seguinte forma: a seção 4.1 será destinada a análise dos critérios de identidade de

pensamentos apresentados em Um breve levantamento de minhas doutrinas lógicas116

e em

Carta a Husserl117

, ambos de 1906. No decorrer de nossa análise vamos mostrar que Frege

apresenta dois critérios, um de caráter epistêmico que julgamos insuficiente e outro de caráter

lógico.

Levando em consideração o critério lógico de identidade de pensamentos dividiremos

a seção 4.1 em duas subseções com os seguintes objetivos: em 4.1.1, aplicando tal critério em

todos os casos apresentados por Frege de identidade de pensamentos, conheceremos a

aplicabilidade desse critério. Em 4.1.2 poderemos fazer as últimas considerações sobre a

comparação feita, ao longo da dissertação, do critério intensional de Kirkham com o de Frege.

Na seção 4.2 continuamos a análise do critério lógico de identidade de pensamentos,

contudo, agora levaremos em consideração os casos de identidade de pensamentos presentes

no artigo Pensamentos Compostos118

, de 1923. Nesta parte da análise, pretendemos averiguar

a aplicabilidade do critério nesses casos especiais de identidade de pensamentos e

pretendemos traçar uma relação entre esses casos com a noção de equivalência tautológica.

4.1. Os critérios de identidade de Pensamentos de Frege:

Frege apresenta sua primeira versão para um critério de identidade de pensamentos em

116

A brief survey of my logical doctrines (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 299-300. 117

Letter to Husserl (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 305-307. 118

Pensamentos Compostos (1923). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. pp. 67-90.

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Um breve levantamento de minhas doutrinas lógicas, vejamos:

[15]

Agora duas sentenças A e B podem estar em uma relação que qualquer um que reconhece o

conteúdo de A como verdadeiro precisa imediatamente reconhecer o de B como verdadeiro, e

vice-versa, que qualquer um que aceita o conteúdo de B deve imediatamente aceitar o de A

(equipolência). Aqui está sendo assumido que não existe dificuldade em entender o conteúdo

de A e de B. (...). Eu assumo que nada existe no conteúdo de qualquer uma das duas sentenças

equipolentes A e B que seria imediatamente aceito como verdadeiro por qualquer um que a

tinha compreendido corretamente. (...). Assim, temos que separar do conteúdo de uma

sentença somente a parte que pode ser aceita como verdadeira ou rejeitada como falsa. Eu

chamo esta parte o pensamento expressado pela sentença. Ele é o mesmo em sentenças

equipolentes do tipo dado acima.119

Pela forma que Frege apresenta o critério de equipolência120

acima, podemos

considerá-lo um critério epistêmico, pois tal critério leva em consideração a capacidade

cognitiva de um falante racional e competente de reconhecer o mesmo pensamento sendo

expresso por duas sentenças diferentes A e B. A nossa opinião é que essa versão do critério de

equipolência é insuficiente porque da maneira que foi formulada por Frege, tal critério pode

criar tensões com os próprios escritos de Frege.

Considere, por exemplo, as sentenças: 42=4

2 e 4.4=4

2. Conforme [15], qualquer

falante competente, racional e conhecedor de pequenas operações matemáticas, irá reconhecer

as duas sentenças como verdadeiras e irá aceitar o conteúdo de ambas as sentenças

imediatamente. Sendo que, são essas as condições exigidas pelo critério epistêmico, teríamos

então que considerar 42=4

2 e 4.4=4

2 expressando um único pensamento. Na linguagem

natural também ocorre o mesmo. Se eu sei que a estrela da tarde = a estrela da manhã, então

eu aceitaria e reconheceria de imediato a verdade das duas sentenças: A estrela da tarde é

119

A brief survey of my logical doctrines (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 299-300.

120 A partir de agora quando formos falar do critério de identidade de pensamentos de Frege iremos referir a ele

como o critério de equipolência, pois ficou claro em [15] que Frege chama de equipolentes aquelas sentenças

que expressam o mesmo pensamento.

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Vênus e A estrela da manhã é Vênus. Logo, pelo critério epistêmico de equipolência, as duas

sentenças são equipolentes. Certamente essas equipolências vão contra os escritos de Frege.

Com isso, concluímos que um critério epistêmico formulado da maneira daquele

apresentado em [15], isto é, baseado apenas no reconhecimento da verdade ou falsidade do

conteúdo que é expresso nos pensamentos, não consegue determinar objetivamente quando

duas sentenças diferentes expressam o mesmo pensamento. Entendemos que tal falta seria

suprimida por um critério de equipolência de caráter lógico que assegure a objetividade e a

validade da análise a respeito da identidade de pensamentos.

Parece que Frege pensava assim, uma vez que, em Carta a Husserl encontra-se um

critério de equipolência de caráter lógico e, segundo as próprias palavras de Frege, “um

critério objetivo é necessário para reconhecer um pensamento novamente como o mesmo, mas

sem ele a análise lógica é impossível”121

. Vejamos:

[16]

Agora, me parece que o único meio possível de decidir se a proposição A expressa o mesmo

pensamento que a proposição B é o seguinte, e aqui eu assumo que nenhuma das duas

proposições contém um componente de sentido logicamente evidente. Se ambas as

pressuposições que o conteúdo de A é falso e o de B verdadeiro e a pressuposição que o

conteúdo de A é verdadeiro e o de B falso conduzem a uma contradição lógica, e se isto pode

ser estabelecido sem sabermos se o conteúdo de A ou B é verdadeiro ou falso e sem exigir

nada mais do que leis puramente lógicas para este propósito, então nada pode pertencer ao

conteúdo de A enquanto é suscetível de ser julgado verdadeiro ou falso, que não pertença

também ao conteúdo de B; pois não haveria base em geral no conteúdo de B para qualquer tal

excesso, e de acordo com a pressuposição acima, tal excesso não seria logicamente evidente.

No mesmo modo, dada nossa pressuposição, nada pode pertencer ao conteúdo de B, enquanto

suscetível de ser julgado verdadeiro ou falso, exceto que também pertença ao conteúdo de A.

Assim, o que é capaz de ser julgado verdadeiro ou falso nos conteúdos de A e B são idênticos e

somente isto é de comprometimento da lógica e é o que eu chamo o pensamento expressado

por ambos A e B.122

121

Letter to Husserl (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. p. 305. 122

Letter to Husserl (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 305-306.

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Dado o critério lógico de equipolência, entendemos que fica notório quando Frege

exige somente o uso de leis lógicas para se chegar à contradição que os pensamentos sejam

analisados em uma linguagem formalizada. Dessa forma, sendo que “o pensamento, em si

mesmo imperceptível pelos sentidos, veste-se com a roupagem perceptível da sentença,

tornando-se assim para nós mais facilmente apreensível”123

devemos, para a correta aplicação

desse critério de equipolência, analisar os pensamentos por meio das sentenças assertivas que

os expressam. Por isso, as sentenças sob análise devem ser traduzidas para uma linguagem

formalizada para que sejam respeitadas as pressuposições de [16] e, se for o caso, derivar

logicamente a contradição.

Sabemos que Frege considerava a linguagem natural um instrumento imperfeito para a

expressão de pensamentos por causa das diversas peculiaridades que esta possui. É nesse

sentido que uma linguagem logicamente perfeita atua como um microscópio apurando a

linguagem natural. O próprio Frege explicita esta preocupação com as linguagens naturais,

quando em Carta a Husserl124

diz “não pode ser tarefa da lógica investigar a linguagem e

determinar o que está contido em uma expressão linguística. (...). A principal tarefa da lógica

é libertar-se da linguagem e simplificá-la”125

.

No capítulo anterior, analisando os exemplos de Frege sobre equipolência sem ainda

termos apresentado o critério lógico de equipolência, levantamos a hipótese que Frege parecia

estar disposto a considerar as peculiaridades da linguagem natural e que o seu critério de

equipolência deveria ter meios de separar o pensamento das roupagens da linguagem natural.

Agora, que apresentamos o critério lógico de equipolência, temos em condições de afirmar

que pelo seu posicionamento antipsicologista Frege não tem a mínima preocupação em dar

conta das peculiaridades da linguagem natural.

123

O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. pp. 14-15. 124

Letter to Husserl (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 301-305. 125

Letter to Husserl (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. p. 303.

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No artigo O Pensamento Frege é muito claro ao dizer que “uma sentença assertiva

encerra frequentemente, além do pensamento e da asserção, um terceiro componente ao qual

não se aplica a asserção”126

e esse terceiro elemento não pertence à exposição científica

devendo ser desconsiderado.

Por isso, no critério lógico de equipolência não encontramos nenhuma consideração a

favor das peculiaridades da linguagem natural, somente a recomendação de Frege que

devemos unicamente considerar o pensamento e desconsiderar aquilo que ele chama de o

colorido da linguagem. Em Carta a Husserl, Frege diz que a vantagem em agir dessa forma é

que “uma vez decidido tomar este passo, abolimos de uma vez só com uma massa confusa de

distinções inúteis e com a ocasião para inúmeras disputas que não podem ser decididas na

maior parte objetivamente”127

.

Sendo assim, Frege quer libertar-se das distinções irrelevantes que fazem parte

somente da linguagem natural e que não são relevantes para a lógica. No artigo O Pensamento

Frege aponta uma lista dessas distinções irrelevantes:

O uso de é verdade nas sentenças nada acrescenta ao pensamento128

.

Não pertence ao pensamento aquilo que diz respeito à entonação ou a escolha

psicológica das expressões, por isso, não faz diferença usarmos as palavras cavalo,

corcel, ginete ou rocim129

.

Não pertence ao pensamento insinuações do discurso que ocorrem com as palavras

ainda ou já em sentenças do tipo: Alfredo ainda não chegou, pois queremos mesmo é

dizer que Alfredo não chegou130

.

Não faz diferença ao pensamento se transformamos uma sentença da voz ativa para

passiva e vice-versa131

.

Expressões com indexicais do tipo eu, você, aqui, ali, lá, agora, isto, aquilo, hoje,

ontem e similares, devem expressar rigorosamente o contexto de declaração para que

126

O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 18. 127

Letter to Husserl (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. p. 302. 128

Ver O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 15. 129

Ver O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 19. 130

Ver O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 19. 131

Ver O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 19.

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86

seja mantida a expressão do pensamento132

.

Porém, esse libertar-se da linguagem não pode ser levado ao pé da letra porque Frege

havia dito em Sobre o Sentido e a Referência “dificilmente se poderá negar que a humanidade

possui um estoque comum de pensamentos que é transmitido de uma geração para outra”133

.

Isso quer dizer, como diz Weiner, “que este estoque comum de pensamentos têm sido

transmitidos através da linguagem natural”134

o que, em nossa opinião, significa que Frege

não descarta a possibilidade de aplicar o seu critério lógico de equipolência em sentenças da

linguagem natural se estas forem traduzidas para uma linguagem formalizada, que é o

instrumento preciso para a expressão de pensamentos.

Um exemplo disso encontra-se em A Generalidade Lógica135

, pois Frege aponta um

caso onde ocorrem diferenças na linguagem natural para expressar a generalidade e defende

que as diferenças irrelevantes devem ser deixadas de lado no momento da tradução dessas

sentenças em uma linguagem formalizada. Frege apresenta as sentenças “„Todos os homens

são mortais‟, „Cada homem é mortal‟ e „Se algo é um homem, ele é mortal‟”136

que

expressam o mesmo pensamento e que devem ser formalizadas na forma única da sentença

hipotética ∀x(Hx→Mx). Com tal formalização, aplicando o critério lógico de equipolência

em duas dessas três sentenças, a suposição que uma é verdadeira e a outra falsa conduzirá à

contradição lógica, caracterizando a equipolência entre essas sentenças da linguagem natural.

A seguir, iremos aplicar o critério lógico de equipolência em vários exemplos de

sentenças equipolentes apresentados por Frege para ver a aplicabilidade desse critério. Vamos

levar em consideração os exemplos contendo expressões da linguagem matemática e da

linguagem natural. Assim, conheceremos o funcionamento do critério não somente em

linguagens formais, mas também diante das inúmeras peculiaridades da linguagem natural e

132

Ver O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. pp. 20-22. 133

On Sinn and Bedeutung (1892). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. p. 154. 134

Frege in Perspective. Weiner (2008) p. 266. 135

A Generalidade Lógica (1923). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. pp. 93-99. 136

A Generalidade Lógica (1923). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 95.

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87

poderemos fazer as últimas considerações a respeito da comparação do critério de sinonímia

de Kirkham com o critério de equipolência de Frege.

4.1.1. A aplicabilidade do critério lógico de Equipolência:

Começaremos aplicando o critério de equipolência em uma linguagem formalizada.

Depois de conhecermos a aplicabilidade do critério de equipolência nos exemplos de

linguagens formais passaremos a análise sobre os exemplos com a linguagem natural.

Pois bem, como sabemos, em uma linguagem formalizada cujo único propósito é

satisfazer o rigoroso uso científico deve-se excluir o uso de palavras ordinárias cujo

significado é ambíguo para se evitar possíveis mal entendidos. Frege, em Lógica na

Matemática137

, deixa claro que na construção de um sistema lógico “deve ser assumido que as

palavras têm significado preciso e que nós sabemos o que eles são”138

. Por conta dessa

exigência é comum em linguagens formais utilizarmos um recurso que simplifica e padroniza

o uso de expressões complexas, pois as substituímos por um sinal simples. Esse recurso é o

que Frege chama de definição construtiva e é explicado assim:

[17]

Agora, quando um sinal simples é introduzido para substituir um grupo de sinais tal

estipulação é uma definição. O sinal simples adquiriu um sentido que é o mesmo daquele

grupo de sinais. (...). Nós devemos chamar o sinal simples o definiendum e o grupo complexo

de sinais que ele substitui o definiens. O definiendum adquire seu sentido unicamente do

definiens. Este sentido é construído a partir do sentido das partes do definiens.139

Para nossa dissertação, o recurso da definição construtiva é importante na medida em

que, por meio dessa estipulação, estabelece a equipolência entre o definiens e o definiendum. 137

Logic in Mathematics (1914). In Long and White (1979). Posthumous Writings. 1ª ed. pp. 203-250. 138

Logic in Mathematics (1914). In Long and White (1979). Posthumous Writings. 1ª ed. p. 207. 139

Logic in Mathematics (1914). In Long and White (1979). Posthumous Writings. 1ª ed. p. 208.

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Assim, toda definição construtiva deve ser apresentada na forma de uma sentença de

identidade entre o sentido do definiens e o sentido do definiendum. Como o próprio Frege diz,

“a sentença é realmente uma tautologia e nada acrescenta ao nosso conhecimento. Ela contém

uma verdade que é tão auto-evidente que parece vazia de conteúdo, (...)”140

. No decorrer do

texto Lógica na Matemática141

Frege apresenta vários exemplos de definições construtivas,

mas é suficiente destacarmos apenas o exemplo da definição de número primo:

Se a é múltiplo de um inteiro maior do que 1, então a é aquele inteiro e a é um inteiro

e a é maior do que 1 = a é um número primo142

.

Segundo Frege, o lado direito do sinal de identidade, o definiendum, adquiriu seu

sentido a partir das partes da expressão complexa a esquerda do sinal de identidade, o

definiens e, além disso, a identidade de sentido está assegurada para todo nome próprio que

for colocado no lugar de a. Assim, uma vez introduzida essa definição no sistema lógico

podemos substituir o definiens pelo definiendum nas expressões que o definiens ocorre sem

alterar o pensamento expressado.

Visto como Frege explica a definição construtiva é importante salientar um ponto que

nos interessa diretamente. O ponto é: sendo as definições construtivas um grupo de

estipulações arbitrárias feitas na construção de um sistema lógico e cuja sentença que a

expressa passa a ter um caráter de tautologia e auto-evidência pelo próprio ato da definição

parece ser desnecessário aplicar o critério de equipolência nas sentenças deste grupo.

Conforme [17], o definiendum era um sinal desprovido de sentido antes da definição e

somente no ato da definição ele ganhou seu sentido do definiens. Entendemos que essa

característica da definição construtiva realiza uma equipolência trivial que passa a ter um

status de axioma143

em um sistema lógico e, assim, a equipolência entre definiens e

140

Logic in Mathematics (1914). In Long and White (1979). Posthumous Writings. 1ª ed. p. 208. 141

Ver Logic in Mathematics (1914). In Long and White (1979). Posthumous Writings. 1ª ed. pp. 229-234. 142

Logic in Mathematics (1914). In Long and White (1979). Posthumous Writings. 1ª ed. p. 229. 143

Ver Logic in Mathematics (1914). In Long and White (1979). Posthumous Writings. 1ª ed. p. 210.

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definiendum é estabelecida sem a mínima necessidade de um critério de equipolência.

Da mesma forma, entendemos que quando temos leis básicas da lógica, como o

axioma V, onde ocorre identidade de pensamentos não precisamos do critério de equipolência

para assegurar a sua validade. O próprio Frege nos diz, a respeito do axioma V, que por este

ser uma lei básica da lógica a sua validade não pode ser demonstrada e sim aceita

imediatamente por nós.

O importante para nossa dissertação é concluirmos que nos casos das definições

construtivas e nos casos das leis básicas da lógica a equipolência ocorre e é estabelecida sem a

utilização do critério lógico de equipolência. Ambas são estipulações feitas na construção de

um sistema lógico e que funcionam como axiomas no interior da linguagem formalizada à

qual pertencem sendo, portanto, desnecessário aplicarmos o critério de equipolência nesses

casos.

Mas nem todos os exemplos de Frege de equipolência ocorrem entre sentenças que

possuem a mesma definição ou que devem ser consideradas leis básicas da lógica. Ainda

dentro dos exemplos de Frege, sobre linguagens formais, temos um caso apresentado no

capítulo anterior que será agora analisado com o critério de equipolência. Refiro-me às quatro

sentenças abaixo expressando um único pensamento:

Existe ao menos uma raiz quadrada de 4.

Existe algo que tem a propriedade de dar o resultado 4 quando multiplicado por si

mesmo.

O conceito raiz quadrada de 4 está preenchido.

O número 4 tem a propriedade de que existe algo do qual ele é o quadrado.

Como a nossa proposta é aplicar o critério de equipolência nessas quatro sentenças

temos que primeiramente traduzí-las para uma linguagem formalizada. Estamos vendo que

são quatro sentenças diferentes e, portanto, teremos quatro formalizações diferentes também.

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Porém, queremos chamar a atenção para um fato ressaltado por Newen144

que, segundo a

nossa interpretação, podemos reduzir pela metade o número de formalizações.

Segundo Newen, a análise da estrutura lógica das quatro sentenças mostra que

enquanto as duas primeiras possuem uma estrutura as duas últimas possuem outra estrutura.

Na verdade, Frege declara isso em Conceito e Objeto145

. A análise da estrutura lógica das

sentenças é determinada pelas referências das partes da sentença o que é compatível com a

análise fregiana das sentenças contendo uma parte saturada e outra insaturada. Assim, as

quatro sentenças possuem a seguinte estrutura lógica:

(a) conceito de segunda ordem – conceito de primeira ordem.

[X é instanciado] (x é raiz quadrada de 4)

(b) conceito de segunda ordem – conceito de primeira ordem.

[X é instanciado] (4 é o quadrado de x)

(c) conceito de primeira ordem – objeto.

[existe x tal que x ao quadrado é igual a y] (4)

(d) conceito de primeira ordem – objeto.

[existe x tal que x é raiz quadrada de y] (4)

De acordo com Newen, quando reparamos a superfície lógica das quatro sentenças

temos que admitir que apesar das quatro sentenças expressarem o mesmo pensamento (a) e

(b) fazem uma asserção diferente da asserção feita por (c) e (d).

Pelo vocabulário fregiano, em Introdução a Lógica146

, podemos parafraseá-lo e dizer

que em (a) e (b) ocorre subordinação de um conceito de primeira ordem a um conceito de

segunda ordem e em (c) e (d) ocorre subsunção de um objeto sob um conceito de primeira

ordem. Para ficar mais preciso, vamos recorrer à definição do próprio Newen: “duas sentenças

144

Fregean senses and the semantics of Singular Terms. Albert Newen. In: Building on Frege: news essays on

Sense, Content and Concept. Editado por Newen, Nortman e Stuhlmann-Laeissy (2001) pp. 113-138. 145

On Concept and Object (1892). In Beaney (1997) pp. 187-188. 146

Introduction to Logic (1906). In Beaney (1997). The Frege Reader. 1ª ed. pp. 293-298.

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são usadas para fazer a mesma asserção se e somente se elas expressam o mesmo pensamento

e têm a mesma estrutura de superfície lógica”147

. Dito isto, temos que concluir:

(i) (a) e (b) fazem uma única asserção.

(ii) (c) e (d) fazem uma única asserção.

(iii) A asserção feita pelo par (a) e (b) é diferente da asserção feita pelo par (c) e (d).

(iv) Segundo Frege: (a), (b), (c) e (d) são equipolentes.

Agora parece plausível podermos reduzir pela metade o número de formalizações das

quatro sentenças em uma linguagem logicamente perfeita. Para tal, estamos levando em

consideração dois motivos:

(i) O fato de Frege ter afirmado que essas quatro sentenças são equipolentes se deve,

no nosso entendimento, que os pensamentos são composicionalmente polimorfos e a

circunstância de que a sentença (a) expressa a relação inversa que a sentença (c) e a sentença

(b) expressa a relação inversa que a sentença (d).

(ii) Conforme Newen (a) e (b) fazem a mesma asserção e interpretamos que elas

podem ser reduzidas a um único formato lógico, o mesmo acontece com (c) e (d). Aqui a

diferença que ocorre entre as sentenças que fazem a mesma asserção é insignificante porque

elas são equipolentes e têm a mesma estrutura de superfície lógica.

Assim, podemos reduzir pela metade o número de formalizações dessas sentenças ao

considerarmos as sentenças que expressam a relação inversa. Vamos utilizar as sentenças (a) e

(c) sabendo que o mesmo resultado seria alcançado se utilizarmos as sentenças (b) e (d).

(a): xRxa

(c): xR-1

ax

Conforme o critério lógico de equipolência, dado que essas sentenças expressam o

mesmo pensamento, então o procedimento de afirmar uma e negar outra implicará uma

147

Fregean senses and the semantics of Singular Terms. Albert Newen. In: Building on Frege: news essays on

Sense, Content and Concept. Editado por Newen, Nortman e Stuhlmann-Laeissy (2001) p. 120.

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contradição lógica. Dessa forma, teremos qualquer um dos dois argumentos:

(¬xRxa Λ xR-1

ax)├ ⊥

(¬xR-1

ax Λ xRxa)├ ⊥

Como estamos analisando a identidade de pensamentos dentro de uma linguagem

formalizada, que pode ser a notação conceitual de Frege, então esperamos que a noção de

consequência lógica implícita nos dois argumentos acima deve ser a do critério formal. Com

isso, para ver se os dois argumentos acima são válidos temos que levar em conta a forma dos

argumentos. O que significa dizer que se os dois argumentos acima são válidos classicamente,

então independentemente do domínio do discurso e da interpretação que damos aos símbolos

não lógicos nunca teremos premissas verdadeiras e conclusão falsa o que, neste caso, quer

dizer que nunca teremos premissas verdadeiras, pois a conclusão já é o falso sendo uma

contradição lógica.

Acontece que para os dois argumentos acima serem válidos, com o critério formal de

consequência lógica, nós devemos adicionar uma premissa adicional para assegurar que a

contradição seja derivada em qualquer interpretação possível. Essa premissa adicional seria

do tipo: xy(Rxy R-1yx). Porém, ao adicionar a premissa na derivação da contradição

nós estamos violando as exigências de Frege na formulação do critério lógico de equipolência,

pois, a contradição não foi derivada somente com o uso de leis puramente lógicas, mas

somente em virtude da premissa adicional. Dessa forma, fica injustificável considerarmos que

a noção de consequência lógica implícita no critério lógico de equipolência seja a do critério

formal.

Contudo, temos que ter um critério que faça com que os dois argumentos sejam

válidos. Entendemos que, como estamos lidando com um critério intensional, a preocupação

com a forma do argumento e a distinção entre símbolos lógicos e não lógicos deixa de ser

essencial porque a contradição lógica deve ocorrer não exclusivamente no nível da forma

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lógica do argumento, mas principalmente em função dos significados de seus termos. Logo,

parece plausível aceitarmos que a noção de consequência lógica implícita no critério lógico de

equipolência é baseada no critério de necessidade da preservação da verdade definido em

termos modais, isto é, implícita na noção intuitiva de consequência lógica.

Nesse sentido, o critério de necessidade torna válidos os dois argumentos analisados,

uma vez que, em qualquer mundo possível148

onde afirmamos um pensamento e negamos o

outro na premissa, então é impossível termos premissas verdadeiras e a conclusão falsa, ou

seja, pelo menos no nível do significado dos termos é impossível a premissa ser verdadeira,

pois ela é contraditória.

Sendo assim, tendo aplicado o critério lógico de equipolência no exemplo de Frege

com a linguagem da aritmética, podemos ver que o critério não funciona bem com o critério

formal de consequência lógica. A partir de agora iremos aplicar o critério lógico de

equipolência nos exemplos de Frege sobre as linguagens naturais e saberemos como o critério

se comporta diante as peculiaridades que ocorrem em linguagens que não têm o mesmo rigor

semântico que as linguagens formais.

Em se tratando dos exemplos fregianos relativos à linguagem natural teremos que

analisar os casos citados no capítulo anterior, os exemplos são os seguintes:

1. M deu o documento A para N.

O documento A foi dado a N por M.

N recebeu o documento A de M.

2. Frederico o Grande venceu a batalha de Rossbach.

É verdade que Frederico o Grande venceu a batalha de Rossbach.

3. Este cachorro uivou a noite inteira.

Este vira-lata uivou a noite inteira.

Esses três exemplos representam outros casos apresentados por Frege em outros textos.

O caso da Conceitografia, citado no primeiro capítulo, sobre a batalha ocorrida entre Gregos e

148

A noção de mundos possíveis é aqui usada no sentido do primeiro capítulo desta dissertação, isto é, mundos

possíveis significa uma condição hipotética que nos permite pensar o universo diferente do que é.

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Persas é representado aqui por (1). No artigo, O Pensamento, Frege apresenta um caso

representado aqui por (2) que é “Sinto um perfume de violetas/É verdade que sinto um

perfume de violetas”149

e, no mesmo artigo, temos um caso representado aqui por (3) que é

“não faz nenhuma diferença para o pensamento se uso a palavra cavalo, corcel, ginete ou

rocim”150

. Porém, temos ainda que acrescentar a nossa lista acima mais dois casos

apresentados no artigo O Pensamento151

, são estes:

4. Alfredo ainda não chegou.

Alfredo não chegou.

5. Expressões com indexicais que marcam o momento do proferimento do pensamento.

Exemplo:

Hoje choveu no centro de BH (pronunciado dia 25/06/2012).

Ontem choveu no centro de BH (pronunciado dia 26/06/2012).

Sendo assim, teremos que primeiro traduzir as sentenças dos cinco casos da lista acima

para uma linguagem logicamente perfeita para depois aplicarmos o critério lógico de

equipolência para sabermos se chegamos a alguma contradição lógica.

Agora, antes de aplicarmos o critério lógico de equipolência nessas sentenças da

linguagem natural queremos dizer, novamente, que a recomendação de Frege é que devemos

desconsiderar tais diferenças porque elas não afetam o pensamento expressado. Isto nos leva a

crer que a preocupação de Frege com identidade de pensamentos não diz respeito às

linguagens naturais. Contudo, queremos saber como o critério lógico de equipolência atua

sobre a linguagem natural se esta for formalizada em uma linguagem lógica.

Assim, para não perdermos tempo com diferenças insignificantes, devemos deixar de

lado aqueles casos onde as duas sentenças podem ser traduzidas com uma única forma lógica.

Nesse sentido, entendemos que no caso (2) a ocorrência das palavras é verdade e no caso (4) a

ocorrência da palavra ainda não são suficientes para impedir que as respectivas sentenças

149

O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 15. 150

O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 19. 151

O Pensamento (1918). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. pp. 19-20.

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recebam a mesma formalização lógica. Com isso, iremos aplicar o critério lógico de

equipolência somente nos casos (1), (3) e (5), pois nesses casos, os respectivos pares de

sentenças serão formalizados de formas diferentes, o que torna a aplicação e a análise do

critério lógico de equipolência mais interessante.

No caso (1) temos três sentenças variando entre as formas ativa e passiva. Não

precisamos aplicar o critério lógico de equipolência nas três sentenças, uma vez que, elas são

equipolentes e o resultado será o mesmo se pegarmos apenas duas, por exemplo, M deu o

documento A para N e N recebeu o documento A de M. Nestas sentenças temos duas

expressões relacionais diferentes, mas pelo recurso que usamos acima das relações inversas

podemos formalizar as sentenças da seguinte maneira:

M deu o documento A para N = Bman.

N recebeu o documento A de M = B-1

nam.

Agora, aplicando o critério lógico de equipolência temos os seguintes argumentos:

(¬Bman Λ B-1

nam)├ ⊥

(Bman Λ ¬B-1

nam)├ ⊥

No caso (3) temos duas sentenças com a mesma expressão funcional e podemos

formalizá-la utilizando a mesma constante de predicado (F) para as duas sentenças. O mesmo

não acontece com as expressões de argumento que são diferentes e devem ser formalizadas

com constantes individuais diferentes. Pela presença do termo indicativo este na expressão do

argumento, quero deixar claro que estamos usando o recurso da nomeação por ostensão e,

dessa forma, estamos definindo por ostensão o significado dos nomes a e b. Por conta desse

expediente, a e b se tornam designadores rígidos e a igualdade a=b é válida em todos os

mundos possíveis. Então vamos usar para Este cachorro = a e para Este vira-lata = b e assim,

as sentenças serão formalizadas da seguinte maneira:

Este cachorro uivou a noite inteira = Fa.

Este vira-lata uivou a noite inteira = Fb.

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E aplicando o critério lógico de equipolência temos os seguintes argumentos:

(¬Fa Λ Fb)├ ⊥

(Fa Λ ¬Fb)├ ⊥

No caso (5) também temos duas sentenças com a mesma expressão funcional o que

permite uma única constante de predicado (G) para as duas sentenças. A diferença entre elas

ocorre no indexical que está no lugar do argumento marcando o dia do proferimento do

pensamento e, por isso, vamos utilizar constantes individuais diferentes. As sentenças serão

formalizadas assim:

Hoje choveu no centro de BH (pronunciado em 25/06) = Ga.

Ontem choveu no centro de BH (pronunciado em 26/06) = Gb.

E aplicando o critério lógico de equipolência temos os seguintes argumentos:

(¬Ga Λ Gb)├ ⊥

(Ga Λ ¬Gb)├ ⊥

Agora que temos as respectivas sentenças traduzidas para uma linguagem logicamente

perfeita e tendo aplicado o critério lógico de equipolência nelas basta verificar se os

respectivos argumentos são válidos classicamente ou teremos que assumir como fizemos com

o exemplo da linguagem da aritmética o critério de necessidade de preservação da verdade.

No caso (1) temos uma relação inversa e como analisamos acima um caso idêntico já

sabemos que para tais casos valerem classicamente é necessário adicionarmos uma premissa

adicional o que viola a formulação do critério lógico de equipolência. Contudo, sabemos que

tal argumento é válido segundo o critério de necessidade da preservação da verdade.

Agora, para os casos (3) e (5), vamos usar o método de contra-exemplo semântico e

veremos que tais argumentos não são válidos classicamente porque é fácil encontrar uma

circunstância em que temos premissa verdadeira e conclusão falsa. Como os argumentos (3) e

(5) são análogos quanto à estrutura simbólica vamos apresentar apenas um contra-exemplo

semântico para refutá-los. Considere o primeiro argumento do caso (3), (¬Fa Λ Fb)├ ⊥.

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Quando F = x é filósofo, a = Lula e b = Platão sendo os conjuntores verdadeiros temos

premissa verdadeira e a conclusão falsa.

Com isso, temos que assumir também, nos exemplos com a linguagem natural, o

critério de necessidade de preservação da verdade. Somente assim o critério lógico de

equipolência fará surgir no nível dos significados dos termos a contradição lógica. Assim,

segundo os respectivos pares de sentenças dos exemplos de Frege, casos (1), (3) e (5), e

segundo o critério de necessidade definido em termos modais, é impossível premissa

verdadeira e conclusão falsa, pois, é impossível premissa verdadeira.

Sendo assim, concluímos esta subseção afirmando que segundo os exemplos de Frege

de equipolência, tanto com a linguagem da aritmética quanto com a linguagem natural, a

aplicabilidade do critério lógico de equipolência só entra em acordo com as afirmações de

Frege se consideramos o critério de necessidade de preservação da verdade como a noção de

consequência lógica implícita no critério lógico de equipolência. Em se tratando de um

critério de identidade intensional isto é compreensível, uma vez que, nesse caso, a forma

lógica do argumento não deve ser essencial para a validade do mesmo, pois a análise deve se

debruçar sobre os significados dos termos em consideração.

Frege em nenhum texto autoriza ou desautoriza a conclusão que chegamos acima. O

fato de Frege ser um lógico clássico e assumir uma noção de consequência lógica que não seja

a clássica em seu critério de equipolência lógico é, sem dúvida, um resultado estranho, mas

que é inevitável para um critério de identidade intensional. Sob outro ponto de vista, se

quisermos manter Frege fiel às noções clássicas da lógica temos então que concluir que Frege

não tinha um critério lógico de equipolência bem formulado. Por enquanto não vamos assumir

nem uma nem outra opção porque vamos prosseguir a análise do critério lógico de

equipolência neste capítulo e veremos no final o que podemos concluir. A seguir, vamos fazer

as últimas considerações a respeito dos critérios intensionais de Frege e de Kirkham.

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98

4.1.2. O critério de Equipolência de Frege e o critério de Sinonímia de Kirkham:

Ao longo da dissertação estamos comparando o critério de sinonímia de Kirkham e o

critério de equipolência de Frege com o objetivo de sabermos se tais critérios são idênticos. O

fato é que as comparações, até agora, foram feitas baseadas apenas nos exemplos fregianos,

pois não tínhamos o critério lógico de equipolência de Frege, o que nos levou às seguintes

conclusões parciais:

Em 2.3.2: levando em conta o exemplo da § 3 da Conceitografia de 1879 concluímos

parcialmente que o critério de equivalência de sinonímia de Kirkham tem o mesmo

grau de intensionalidade que o critério de identidade de conteúdo conceitual de Frege

considerando o critério de necessidade de consequência lógica.

Em 3.2: levando em conta os exemplos fregianos de 1891 a 1904 e que o critério de

equivalência de sinonímia de Kirkham considera sinônimas apenas expressões que

possuem a mesma definição em todos os mundos possíveis concluímos parcialmente

que o critério de identidade de pensamentos de Frege não terá o mesmo grau de

intensionalidade que o critério do Kirkham.

As conclusões parciais acima claramente não se conciliam, mas como enfim temos o

critério lógico de equipolência de Frege disponível para nossas análises teremos mais

segurança para concluir, em que medida, nós podemos considerar os dois critérios idênticos.

Assim, aplicaremos o critério lógico de equipolência de Frege nos exemplos de sinonímia de

Kirkham para sabermos se esses casos também são considerados equipolentes. Porém, antes

disso, alguns detalhes que permeiam esta comparação precisam ser esclarecidos.

Vamos começar esclarecendo alguns detalhes. No primeiro capítulo desta dissertação,

subseção 2.3.1, apresentamos a definição de Kirkham sobre equivalência de sinonímia e

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99

vimos que essa noção é baseada na identidade intensional de expressões que

fundamentalmente têm o mesmo significado em todos os mundos possíveis. Neste capítulo,

subseção 4.1.1, citação [17], vimos que Frege também considera equipolentes expressões que

passam pelo processo da definição construtiva. O fato é: podemos dar o passo seguinte e

afirmar que a noção de definição construtiva de Frege é uma noção idêntica à noção de

definição utilizada por Kirkham no seu critério intensional? Certamente não.

Entendemos que o recurso da definição construtiva de Frege é diferente da noção de

definição que Kirkham exige para as expressões serem sinônimas. Basta pegarmos os dois

exemplos apresentados por Kirkham de expressões sinônimas:

Solteiro =sin. Não casado.

Coração =sin. Órgão de bombear sangue.

Conforme [17], Frege não concordaria que esses dois exemplos são casos de

definições construtivas porque sabemos que nas definições construtivas o sentido do

definiendum é construído a partir dos sentidos das partes do definiens, mas, nos dois exemplos

de sinonímia do Kirkham não é isto o que acontece porque o sentido do definiendum não

contém nenhuma parte proveniente do sentido do definiens. Outro detalhe é que nas

definições construtivas o definiendum não tinha significado algum antes da definição, porém,

mais uma vez, não é isso que acontece nos exemplos de Kirkham, pois os dois definienda já

possuíam um significado próprio antes da definição ocorrer. Por isso, devemos descartar a

conclusão que os dois critérios são idênticos no que diz respeito às noções de definições.

Contudo, a equipolência das definições construtivas é apenas uma parte dos exemplos

de Frege sobre identidade de pensamentos e a análise desses casos não é suficiente para

sabermos se os dois critérios que estamos comparando são idênticos. Devemos analisar os

casos de equipolência que parecem não ser considerados sinônimos por Kirkham e dos cinco

exemplos fregianos que temos parece que os casos (3) e (5) são os problemáticos.

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O ponto em relação ao caso (3) é que conforme a definição do Kirkham de sinonímia é

plausível considerar que este autor não consideraria sinônimas as expressões este cachorro e

este vira-lata, pois é sustentável que em algum mundo possível essas expressões não tenham

a mesma definição, isto é, o mesmo significado. Em contrapartida, como utilizamos o recurso

da definição por ostensão, transformamos a e b em designadores rígidos e, por isso, a

identidade intensional a=b passa a valer em todos os mundos possíveis. Desta forma,

podemos concluir que, por conta da definição por ostensão, Kirkham consideraria sinônimas

tais expressões.

Em relação ao caso (5) também parece que Kirkham não consideraria sinônimas as

expressões hoje e ontem porque estas não são necessariamente sinônimas em todos os mundos

possíveis. Acontece que em expressões desse gênero devemos levar em conta o momento do

proferimento porque tal informação é fundamental para se estabelecer a identidade intensional.

Nesse sentido, podemos considerar que o momento do proferimento estabelece pontualmente

a circunstância em que as expressões hoje e ontem devem ser consideradas tendo a mesma

definição em todos os mundos possíveis. Com isso, parece plausível concluir que com a

definição do momento do proferimento das expressões não seria problemático Kirkham

considerar tais expressões sinônimas.

Retiradas as dúvidas em relação aos casos (3) e (5), resta-nos agora aplicar o critério

lógico de equipolência de Frege nos dois casos de sinonímia de Kirkham para sabermos se

Frege consideraria equipolentes tais expressões. Para isso, primeiro vamos introduzir os casos

de Kirkham em um contexto frasal para que possamos formalizá-los em uma linguagem

formalizada e depois aplicar o critério lógico de equipolência. O resultado seria o seguinte

com as respectivas formalizações:

Eduardo é solteiro = Sa.

Eduardo não é casado = ¬Ca.

Eduardo é vertebrado com coração = Ma.

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Eduardo é vertebrado com órgão de bombear sangue = Ba.

Aplicando o critério lógico de equipolência teremos os quatro argumentos:

(Sa Λ ¬¬Ca)├ ⊥

(¬Sa Λ ¬Ca)├ ⊥

(Ma Λ ¬Ba)├ ⊥

(¬Ma Λ Ba)├ ⊥

Estamos vendo que, analogamente à seção anterior deste capítulo, esses argumentos só

são válidos se aplicarmos o critério de necessidade de consequência lógica porque é fácil

encontrarmos uma interpretação em que a premissa é verdadeira e a conclusão falsa e isto

invalida estes argumentos perante o critério formal de consequência lógica.

Em contrapartida, intuitivamente os argumentos são válidos porque em qualquer

mundo possível é impossível as premissas serem verdadeiras, uma vez que, são contraditórias.

Com isso, estamos vendo que aplicando o critério de necessidade de consequência lógica no

critério lógico de equipolência podemos concluir que todos os casos de sinonímia de Kirkham

serão considerados equipolentes por Frege.

Com essas análises, podemos terminar nossa comparação entre os critérios de Frege e

de Kirkham concluindo que os dois critérios podem ser considerados idênticos e as

conclusões parciais, que apontamos acima, podem ser conciliadas, na medida em que,

respeitamos os seguintes pontos:

A noção de consequência lógica que deve vigorar nos dois critérios de identidade

intensional deve ser a estabelecida pelo critério de necessidade de preservação da

verdade definido em termos modais.

Ter a mesma definição em todos os mundos possíveis pode ser estabelecido entre

expressões que foram definidas ostensivamente e entre expressões que passam a ter a

mesma intensão considerando o momento exato do proferimento dos pensamentos.

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A seguir, vamos continuar a análise do critério lógico de equipolência aplicando-o nos

casos de pensamentos compostos. Esta parte da análise será útil, pois ela nos ajudará a

concluir a respeito da aplicabilidade desse critério. Queremos saber se, nos casos de

pensamentos compostos, deve-se assumir o critério formal ou o critério da necessidade de

consequência lógica no critério lógico de equipolência. Caso o resultado entre em

controvérsia com os resultados alcançados nas seções anteriores teremos que concluir que

Frege não tinha um critério de identidade intensional bem formulado.

4.2. Os casos de Equipolência de Pensamentos Compostos:

Na presente seção, vamos apresentar e analisar os casos de equipolência que Frege

apresenta no artigo Pensamentos Compostos. Tais casos são de natureza totalmente diferente

dos que até agora analisamos porque agora a equipolência não ocorre entre dois pensamentos

simples, mas entre dois pensamentos compostos.

Em suma, um pensamento composto é um caso particular de composição de

pensamentos, isto é, a situação em que dois pensamentos se combinam por meio de um

conectivo lógico insaturado de modo que o sentido do todo seja um único pensamento152

.

Dessa forma, se A e B expressam cada um diferentes pensamentos e os colocamos em

conjunção, temos um pensamento composto da forma (A Λ B).

A presença do conectivo na composição do pensamento composto é fundamental

porque ele representa a parte insaturada que necessita de complementação. Segundo Weiner,

“a principal diferença é a caracterização de Frege desses conectivos vero-funcionais como

expressando funções que tomam pensamentos como argumentos e retornam pensamentos

compostos como valores”153

. Os outros componentes nessa composição são os próprios

152

Ver Pensamentos Compostos (1923). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 68. 153

Weiner. Frege Explained. From Arithmetic to Analytic Philosophy. Open Court P. C. (2005) p.156.

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pensamentos simples que, por sua vez, já são por si só completos e saturados.

A análise que Frege faz em Pensamentos Compostos parte de seis espécies de

pensamentos compostos que podemos considerá-los como casos base de pensamentos

compostos. Frege faz uso de três conjuntos de conectivos para expressá-los e a interpretação

dos conectivos é vero-funcional, os conjuntos são (¬, Λ), (¬, →), (¬, v).

À primeira vista, parece que Frege abandona o par de conectivos (¬, →) que o

acompanhava desde a Conceitografia porque as seis espécies de pensamentos compostos são

primeiramente apresentadas pelo par de conectivos primitivos (¬, Λ). Contudo, esta seria uma

conclusão precipitada, pois Frege estabelece a interdefinibilidade dos conectivos lógicos154

e

isto possibilita, a partir de qualquer um dos três pares de conectivos, expressar todos os

outros. Frege chega mesmo a assumir que “nenhuma dessas espécies pode ter precedência

sobre as demais. Cada uma delas pode servir de base para a derivação das outras”155

.

Aqui não vamos fazer uma exposição individual e pormenorizada de todas as seis

espécies de pensamentos compostos. Dado as informações acima, vamos apresentar duas

listas abaixo: a primeira, contendo as seis espécies de pensamentos compostos (casos base) e

pela interdefinibilidade as equipolências e, a segunda, contendo equipolências entre

pensamentos compostos formados por um único pensamento. Note que, na segunda lista há

casos também de equipolência ocorrendo entre um pensamento simples e um pensamento

composto.

Entendemos que todos os casos contidos nessas duas listas reforçam a posição que

assumimos na seção 3.2 do capítulo anterior que os pensamentos são composicionalmente

polimorfos. Outra constatação dessa natureza, isto é, que um único pensamento pode ser

expresso por várias formas linguísticas, são as próprias palavras de Frege, “esta divergência

entre o pensamento expresso e o sinal que o exprime é uma consequência inevitável da

154

Ver Pensamentos Compostos (1923). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. pp. 85-86. 155

Pensamentos Compostos (1923). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. pp. 86-87.

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diferença que existe entre os fenômenos espaço-temporais e o mundo dos pensamentos”156

.

Chamamos atenção também para o fato usarmos nesta seção o sinal (=eq.) para

simbolizar a relação de equipolência entre os pensamentos compostos. Isto facilita a nossa

exposição, mas é preciso ficar entendido que Frege em seus textos publicados nunca

apresentou um sinal para expressar a relação de equipolência. Vejamos os casos:

Casos base: Por interdefinibilidade temos as equipolências:

1: (A Λ B) =eq. (B Λ A) =eq. ¬(¬A v ¬B) =eq. ¬(A → ¬B)

2: ¬(A Λ B) =eq. ¬(B Λ A) =eq. (¬A v ¬B) =eq. (A → ¬B)

3: (¬A Λ ¬B) =eq. (¬B Λ ¬A) =eq. ¬(A v B) =eq. ¬(¬A → B)

4: ¬(¬A Λ ¬B) =eq. ¬(¬B Λ ¬A) =eq. (A v B) =eq. (¬A → B)

5: (A Λ ¬B) =eq. (¬B Λ A) =eq. ¬(¬A v B) =eq. ¬(A → B)

6: ¬(A Λ ¬B) =eq. ¬(¬B Λ A) =eq. (¬A v B) =eq. (A → B)

Casos de pensamentos compostos formados por um único pensamento:

7: A =eq. (A Λ A) =eq. (A v A) =eq. ¬(¬A Λ ¬A) =eq. ¬¬A

8: ¬A =eq. ¬(A Λ A) =eq. (¬A Λ ¬A)

9: ¬(A Λ ¬A) =eq. ¬(¬A Λ A) =eq. (A → A)

Levando-se em conta cada um dos nove casos de equipolência entre pensamentos

compostos é fácil notar que no artigo Pensamentos Compostos Frege somente apresenta casos

de equipolência entre esquemas de fórmulas tautologicamente equivalentes. Isto levanta a

dúvida, como bem aponta Thiel, “em virtude desses exemplos estamos inclinados a considerar

a equivalência lógica de duas proposições como critério de sua igualdade de sentido, pelo

menos no caso de enunciados desse tipo”157

. Ou seja, seria legítimo considerar a noção de

equivalência tautológica condição suficiente e necessária para equipolência de pensamentos

compostos?

Ora, entendemos que considerar a noção de equivalência tautológica uma condição

156

Pensamentos Compostos (1923). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 71. 157

Thiel, C.. Sentido y Referência em La lógica de Gottlob Frege. Ed. T. S. A. (1972) p. 147.

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suficiente para duas expressões serem equipolentes é uma interpretação errada porque Frege

não concordaria que todas as equivalências tautológicas são equipolentes. Por exemplo, não

há motivo para Frege discordar que a lei do terceiro excluído (α v ¬α) não expressa o mesmo

pensamento que a lei de Peirce (((α → β) → α) → α) assim como nenhuma das duas

expressam o mesmo pensamento que o princípio da identidade (α → α).

No caso de equivalência tautológica ser condição necessária para equipolência parece

que a resposta também é negativa se pegamos os exemplos de Frege com pensamentos

simples. É o caso que vimos na seção 4.1.1 deste capítulo, das sentenças da linguagem natural

que classicamente não são tautologicamente equivalentes, mas que são equipolentes para

Frege. Agora, se consideramos somente os nove casos de pensamentos compostos, aí temos

que concluir que equivalência tautológica é condição necessária para equipolência porque se

duas proposições não são tautologicamente equivalentes, então elas não são equipolentes.

De qualquer forma, o importante é eliminar a dúvida apontada por Thiel acima e

deixar claro que o critério de equipolência lógico é mais refinado que a noção de equivalência

tautológica. Isto está claro, na medida em que, não basta ser uma equivalência tautológica

para expressar o mesmo pensamento para Frege, ou seja, a discussão a respeito da identidade

de pensamentos vai além da relação entre proposições tautologicamente equivalentes.

Bermúdez é outro autor que apresenta uma posição que merece ser discutida. Segundo

Bermúdez, os casos apresentados por Frege em Pensamentos Compostos não asseguram que

há ocorrência de equipolência entre eles porque “está claro que ele (Frege) não precisa

afirmar que B e sua dupla negação são sinônimas. A inferência funciona perfeitamente bem

sobre a equivalência lógica de B para ¬¬B”158

. Concedo em parte à opinião de Bermúdez, pois

este tem razão em dizer que a inferência de B para ¬¬B e vice-versa é válida pela relação de

equivalência lógica. Porém, discordo quando Bermúdez diz que Frege não estava afirmando

158

Bermúdez. „Frege on Thoughts and Their Structure‟. Logical Analysis and the History of Philosophy. Vol. 4,

p. 16, 2003.

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em Pensamentos Compostos que B e ¬¬B expressam o mesmo pensamento.

Entendo que Bermúdez teria completa razão se no artigo Pensamentos Compostos

Frege dá maior ênfase ao plano lógico do que ao plano dos sentidos das expressões. Mas não

é isso o que acontece, por exemplo, Frege afirma que podemos entender a permutabilidade

das expressões nas equipolências (A Λ B) e (B Λ A) sem qualquer tipo de demonstração

lógica bastando apenas que nós tomemos consciência do seu sentido. Depois, o próprio Frege

diz que “não se deve aqui (...) entender essa permutabilidade como um teorema, pois não há,

no domínio do sentido nenhuma diversidade entre essas expressões”159

.

Assim, parece que Bermúdez interpreta os casos de equipolência como casos que

podem ser reduzidos à relação de equivalência lógica. Que os casos de equipolência

apresentados em Pensamentos Compostos são todos tautologicamente equivalentes é um fato

inquestionável, mas daí reduzir a relação de equipolência à relação de equivalência

tautológica entendemos ser um erro como mostramos acima.

Vamos voltar agora à análise dos casos de equipolência entre pensamentos compostos

e os aplicar no critério lógico de equipolência como estamos fazendo com todos os exemplos

de Frege sobre equipolência.

Uma vez que, todos os nove casos de equipolência entre pensamentos compostos

ocorrem somente entre esquemas de fórmulas que são tautologicamente equivalentes, não

precisamos aplicar o critério lógico de equipolência em todos os casos, pois a conclusão que

vale para um caso valerá para todos os outros. Assim, vamos concentrar nossa análise na

primeira espécie de equipolência entre pensamentos compostos:

(A Λ B) =eq. (B Λ A) =eq. ¬(¬A v ¬B) =eq. ¬(A → ¬B)

Aqui temos quatro pensamentos compostos expressando um único pensamento e como

esses esquemas de fórmulas são tautologicamente equivalentes não é difícil prever que

159

Pensamentos Compostos (1923). In Alcoforado (2002). Investigações Lógicas. 1ª ed. p. 73.

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quando aplicarmos o critério lógico de equipolência, em qualquer dupla de fórmulas acima,

teremos sempre como premissa uma conjunção falsa. Veja duas combinações possíveis:

{(A Λ B) Λ ¬(B Λ A)}├ ⊥

{¬(¬A v ¬B) Λ ¬¬(A → ¬B)}├ ⊥

O resultado não poderia ser outro, pois estamos a mando do critério lógico de

equipolência afirmando e negando ao mesmo tempo duas fórmulas tautologicamente

equivalentes e aqui, como em todos os outros casos de pensamentos compostos, uma das duas

será verdadeira e a outra falsa, fazendo com que a premissa seja falsa. Dizendo classicamente,

pela forma dos dois argumentos acima não há circunstância possível que faça a premissa (a

conjunção) ser verdadeira e a conclusão (a contradição lógica) falsa porque, nesses exemplos,

com fórmulas tautologicamente equivalentes é impossível ter premissas verdadeiras.

Assim, como teremos sempre premissas falsas quando aplicamos o critério lógico de

equipolência separadamente nos nove casos de pensamentos compostos concluímos que todos

os respectivos argumentos são válidos classicamente.

Esse resultado nos coloca em meio a uma controvérsia porque vimos que nos casos de

pensamentos simples o critério lógico de equipolência só é aplicável com o critério de

necessidade da preservação da verdade, mas, nos casos de pensamentos compostos o critério

lógico de equipolência já é aplicável com o critério formal de preservação da verdade. Como

podemos equalizar esses resultados se os dois critérios são diferentes? O que podemos

concluir a respeito da aplicabilidade do critério lógico de equipolência de Frege?

Uma forma de encontrar uma resposta para as perguntas é primeiro, definir o quanto

devemos dar importância ao resultado alcançado aplicando o critério lógico de equipolência

nos casos de pensamentos compostos. Digo, podemos amenizar a controvérsia encontrada

entendendo que o critério formal de consequência lógica só entrou em vigor nesses casos

devido à característica especial desses exemplos serem entre pensamentos compostos

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tautologicamente equivalentes. Isso fez com que inevitavelmente sempre que aplicamos o

critério lógico de equipolência nesses casos a premissa do argumento seja sempre falsa e isto

torna classicamente válido os respectivos argumentos.

Essa informação é importante e a partir dela fazemos três considerações:

(i) por serem pensamentos compostos tautologicamente equivalentes parece que a

equipolência firmada entre eles é trivial sendo válida pelo critério formal e pelo critério de

necessidade de consequência lógica.

(ii) argumentamos que a noção de equivalência tautológica não é condição suficiente e

só é condição necessária para equipolência nos casos de pensamentos compostos.

(iii) o critério de necessidade de consequência lógica torna válido todos os argumentos

criados pelo critério lógico de equipolência, isto é, as equipolências entre pensamentos

simples das linguagens formais e naturais, inclusive os exemplos apontados por Kirkham,

além de, todos os nove casos de pensamentos compostos.

Dado os três pontos acima, a conclusão mais plausível a respeito da aplicabilidade do

critério lógico de equipolência parece ser a de que os nove casos de pensamentos compostos

devem ser vistos como casos particulares de equipolência pela característica especial das

fórmulas serem tautologicamente equivalentes. Essa característica particular permitiu que

aplicássemos o critério formal de consequência lógica no critério de equipolência lógico. Mas,

como sabemos, não ocorre identidade intensional somente entre equivalências tautológicas.

Em contrapartida, o critério lógico de equipolência demonstrou ter aplicabilidade

objetiva se assumimos o critério de necessidade de consequência lógica. Com esta ressalva foi

possível compatibilizar todos os exemplos de identidade de pensamentos afirmados por Frege

em diversos textos que mostramos ao longo da dissertação juntamente com as exigências do

critério lógico de equipolência. Devido aos fatos constatados nossa conclusão é que o critério

lógico de equipolência só é aplicável objetivamente com a noção intuitiva de consequência

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lógica, isto é, com o critério de necessidade da preservação da verdade e, como Frege buscava

um critério lógico objetivo para reconhecer o mesmo pensamento dentre as várias formas

linguísticas, parece que a nossa conclusão é a mais plausível possível.

4.3. Conclusões e considerações finais do capítulo:

Neste capítulo analisamos as obras de Frege referentes ao período entre 1905 a 1923

completando a nossa pesquisa das obras fregianas a respeito como esse autor sugere um

critério objetivo de identidade de pensamentos.

Na seção 4.1, apresentamos e analisamos duas versões sugeridas por Frege para tal

critério de identidade de pensamentos, ambas de 1906. A primeira versão apresentada aparece

em Um breve levantamento de minhas doutrinas lógicas e concluímos que essa versão é de

caráter epistêmico. Contudo, é uma versão pouco eficiente para ser considerado um critério de

identidade de pensamentos objetivo porque as condições impostas por essa versão não

delimitam com clareza as condições suficientes e necessárias para sentenças diferentes

expressarem o mesmo pensamento.

A segunda versão do critério é apresentada em Carta a Husserl. Pelas condições

impostas por essa versão concluímos que a mesma possui caráter lógico e, por conta disso, é

mais apto, do que a primeira versão, a alcançar o status de um critério de identidade de

pensamentos objetivo. A seguir, apontamos os elementos psicológicos que Frege considera

irrelevantes nas expressões dos pensamentos, mas, apesar disso, partimos para a análise do

critério lógico de equipolência sem fazer distinções entre linguagens formais e naturais.

Nossa intenção, com essa decisão, foi proporcionar no máximo possível um teste

objetivo para o critério lógico de equipolência, pois o aplicamos a todos os exemplos

fregianos entre 1879 a 1923. Buscamos assim conhecer a aplicabilidade do critério de

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equipolência não somente nos exemplos sobre a linguagem da aritmética, mas também com a

linguagem natural. Com isso, foi necessário dividir a seção 4.1 em duas subseções e

alcançamos os seguintes resultados.

Na subseção 4.1.1 aplicamos o critério lógico de equipolência em vários casos

apresentados por Frege de identidade de pensamentos. Antes, porém apresentamos um caso

especial de equipolência denominada por Frege de definição construtiva. Esta noção é

importante porque é um tipo de recurso utilizado na construção de linguagens formais e que

estabelece uma equipolência arbitrária, convencional, o que, portanto, justifica a decisão de

não aplicar o critério lógico de equipolência nas expressões do definiens e do definiendum.

Em seguida, partimos para a análise do critério lógico de equipolência e aplicando-o,

no exemplo da linguagem da aritmética e nos exemplos das linguagens naturais, a conclusão

que tiramos foi: para fazer valer as afirmações de Frege, que aqueles casos de equipolência

eram verdadeiros, tivemos que considerar o critério de necessidade de preservação da verdade

definido em termos modais como a noção de consequência lógica implícita no critério lógico

de equipolência. Isso foi necessário porque segundo o critério formal de consequência lógica,

os argumentos formados pelo critério lógico de equipolência não eram verdadeiros o que

estranhamente contradizia as palavras de Frege em vários de seus textos. No entanto, essa era

ainda uma conclusão parcial porque faltava analisar a aplicabilidade do critério lógico de

equipolência nos casos de identidade de pensamentos compostos.

Na subseção 4.1.2 apresentamos as últimas considerações sobre a comparação feita ao

longo da dissertação do critério de sinonímia de Kirkham e o critério de equipolência de Frege.

Primeiramente, levando em consideração a noção de definição construtiva de Frege

levantamos a hipótese se os casos de sinonímia de Kirkham podem ser vistos como definições

construtivas. Porém, descartamos essa possibilidade porque entendemos que Kirkham usa a

noção de definição de uma forma que não se enquadra nos moldes usados por Frege para

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111

construir as definições construtivas.

Em segundo lugar, tendo aplicado o critério lógico de equipolência nos exemplos de

Kirkham, concluímos que os dois critérios podem ser considerados idênticos tendo a noção de

consequência lógica estabelecida pelo critério de necessidade de preservação da verdade.

Além disso, as conclusões parciais, que apresentamos em 3.2 e em 2.3.2, podem agora ser

conciliadas, na medida em que, consideramos que ter a mesma definição em todos os mundos

possíveis pode ser estabelecido entre expressões que foram definidas ostensivamente e entre

expressões que passam a ter a mesma intensão segundo o momento exato do proferimento dos

pensamentos.

Na seção 4.2 continuamos a análise do critério lógico de equipolência, levando em

consideração os casos de identidade de pensamentos presentes no artigo Pensamentos

Compostos. Analisando esses casos é fácil constatar que Frege apresenta equipolências

somente entre esquemas de fórmulas que são tautologicamente equivalentes e tal

peculiaridade pode nos levar a concepção errada de que a noção de equivalência tautológica é

condição suficiente e necessária para equipolência.

Contudo, concluímos que isso não é o caso para a condição suficiente porque não

basta ser uma equivalência tautológica para expressar o mesmo pensamento. No caso de

condição necessária há duas considerações a serem feitas: (i) levando em consideração os

exemplos de Frege com pensamentos simples concluímos que equivalência tautológica não é

condição necessária para equipolência, pois há casos de equipolência com sentenças da

linguagem natural que classicamente não são tautologicamente equivalentes; (ii) se

consideramos somente os nove casos de pensamentos compostos, aí temos que concluir que

equivalência tautológica é condição necessária para equipolência porque se duas proposições

não são tautologicamente equivalentes, então elas não são equipolentes.

No mais, o fato de termos somente equipolências entre esquemas de fórmulas

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112

tautologicamente equivalentes gerou o resultado que, nesses casos, a noção clássica de

consequência lógica torna válidos os argumentos formados pelo critério lógico de

equipolência. O ponto é: sempre teremos premissas falsas o que torna os argumentos válidos

classicamente. Como este resultado entrava em controvérsia com o resultado obtido da análise

dos casos de identidade de pensamentos entre pensamentos simples foi necessário encontrar

uma solução que amenizasse esta controvérsia sem desrespeitar os objetivos de Frege.

A solução encontrada foi levar em conta que Frege queria formular um critério de

identidade de pensamentos que fosse objetivo, isto é, um critério de caráter estritamente

lógico que fosse capaz de proporcionar uma análise objetiva sobre as expressões dos

pensamentos e consequentemente sobre a identidade destes. Levando essa perspectiva

fregiana em consideração, concluímos que conforme o critério lógico de equipolência

somente com a noção intuitiva de consequência lógica, onde a validade de um argumento é

estabelecida pelo critério de necessidade da preservação da verdade definido em termos

modais, é capaz de torná-lo um critério objetivo.

Assumindo esta perspectiva, temos um critério lógico de equipolência que identifica

com eficiência o mesmo pensamento, seja nos casos entre pensamentos simples seja nos casos

entre pensamentos compostos. Entendemos que essa é a única perspectiva que torna coerente

as afirmações de Frege sobre os exemplos de equipolência juntamente com as exigências do

critério lógico de equipolência.

Tendo dito isto, passemos a conclusão final desta dissertação.

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113

V: Conclusão

Ao longo desta dissertação, foi nosso objetivo, destacar as noções intensionais

presentes no sistema fregiano para apontarmos as dificuldades que Frege enfrentou em

estabelecer um critério de identidade intensional objetivo.

Procuramos fazer uma análise quase que completa de todas as obras fregianas e

constatamos que no decorrer de 1879 a 1923 o pensamento de Frege, em relação ao

estabelecimento de uma notação conceitual que lhe proporcionasse levar a cabo o seu projeto

logicista, passou por um necessário processo de amadurecimento, o que refletiu na realização

de uma linguagem lógica com uma semântica bem delimitada.

Tendo esse itinerário como pano de fundo e dando sempre destaque a identidade de

noções intensionais apresentamos as seguintes conclusões desta dissertação.

Frege em 1879, na Conceitografia, trabalhava com a noção de conteúdo conceitual e

esta cumpria o papel de valor semântico das entidades linguísticas do seu sistema. Mostramos

que a noção de conteúdo conceitual é uma noção problemática por possuir um caráter híbrido,

uma vez que, mistura análises de elementos intensionais com extensionais.

Entendemos que Frege não fez uma boa escolha ao utilizar a mesma noção de

conteúdo conceitual para definir o que seria o valor semântico de termos singulares e

sentenças completas. Isso porque Frege, na § 3 da Conceitografia, apresenta um critério de

identidade de conteúdo conceitual para sentenças de caráter intensional, mas, na § 8 do

mesmo livro, Frege apresenta um critério de identidade de conteúdo conceitual de termos

singulares de caráter extensional.

Concluímos que, na Conceitografia, o caráter híbrido da noção de conteúdo conceitual

juntamente com a afirmação de Frege que a identidade é uma relação entre nomes, gerou

alguns problemas semânticos insuperáveis na sua notação conceitual. Destacamos os

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seguintes problemas semânticos da Conceitografia: (i) o Quebra cabeça da Identidade; (ii) o

tratamento incoerente em relação a semântica fregiana das descrições definidas como termos

singulares, pois as descrições definidas contingentes não são intersubstituíveis preservando

correção de inferências e (iii) a interpretação do conteúdo judicativo de sentenças completas

sendo compostas pelos valores semânticos das partes da sentença fazem com que os

conteúdos judicativos das sentenças de identidade colapsem em algo do tipo <, , =>.

Dessa forma, com esses três problemas semânticos, concluímos que Frege enfrentou

sérios problemas com a noção de conteúdo conceitual na Conceitografia, principalmente com

a noção de conteúdo judicativo de sentenças, o que o obrigou a rever algumas concepções e,

inevitavelmente, o levou a reformular a noção de valor semântico em seu sistema após 1890.

Dentre todas as mudanças que Frege promoveu em seu sistema, sem dúvida, a mais

importante para esta dissertação foi à distinção semântica entre sinal, sentido e referência.

Essa distinção é de grande importância, uma vez que, significa: (i) Frege abandona a

noção de conteúdo conceitual como valor semântico e coloca em seu lugar a noção de

referência, o que caracteriza a opção por uma lógica extensional, paralelamente, Frege

consegue estabelecer, com o Princípio de Composicionalidade da Referência, um critério de

identidade extensional bem definido; (ii) com a divisão da noção de conteúdo judicativo de

sentenças completas em sentido e referência e a nova concepção de que a identidade é uma

relação entre objetos intermediado pelos sentidos dos sinais linguísticos, Frege consegue se

livrar dos três problemas semânticos oriundos da Conceitografia; (iii) a noção de sentido dos

termos linguísticos passa a ser a noção intensional da notação conceitual de Frege.

Dando destaque à noção de sentido de sentenças completas, mostramos que Frege

caracteriza os pensamentos como entidades intensionais objetivas, atemporais e não-espaciais

cuja existência independe de nós os pensarmos e que entramos em contato com eles quando

pensamos e apreendemos o sentido expresso por sentenças declarativas completas.

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Entendemos que tais características principais dos pensamentos reforçam a concepção

de que os pensamentos são composicionalmente polimorfos, pois, expressamos pensamentos

através de sentenças declarativas completas e, por meio do Princípio de Composicionalidade

dos Sentidos, o mesmo pensamento pode ser expresso por diferentes sentenças declarativas.

Assim, respeitando as características que Frege dá aos pensamentos, concluímos que

estes devem permanecer sempre o mesmo, ao passo que, as diferenças que ocorrem no

momento da expressão de um único pensamento ocorrem somente no conteúdo linguístico

que usamos para expressá-lo. Ou seja, as mudanças ocorrem somente no nível das sentenças

declarativas, em decorrência dos elementos psicológicos de quem expressa o pensamento.

Frege chama esses elementos psicológicos da linguagem que aparecem no momento

da expressão dos pensamentos de o colorido ou de o embelezamento retórico, que podem

variar conforme a entonação e a intenção do falante, a adequação de uma linguagem a outra

em traduções e o desenvolvimento das línguas. Sem dúvida, ao contrário das noções

extensionais, todas essas características das noções intensionais em Frege são aspectos da

linguagem que dificultam bastante o estabelecimento de um critério de identidade de

pensamentos objetivo.

Entretanto, mesmo ciente de tais dificuldades, Frege apresenta em 1906 duas versões

para um critério de identidade de pensamentos, isto é, um critério de equipolência.

Entendemos que a primeira versão que aparece em Um breve levantamento de minhas

doutrinas lógicas é de caráter epistêmico, mas, por conta disso, concluímos que é uma versão

pouco eficiente para ser considerado um critério de identidade de pensamentos objetivo.

A segunda versão do critério de equipolência aparece em Carta a Husserl e as

exigências, dessa segunda versão, são estritamente lógicas. Por conta disso, concluímos que a

segunda versão do critério de equipolência está mais próxima dos objetivos de Frege e é a

mais apta a alcançar o status de um critério de identidade de pensamentos objetivo.

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Por conseguinte, para proporcionar uma análise objetiva do critério lógico de

equipolência selecionamos vários exemplos de identidade de pensamentos que Frege

apresenta em seus textos, formalizamos tais sentenças em uma linguagem lógica e depois

aplicamos o critério lógico de equipolência nos pares de sentenças formalizadas, afirmando

uma e negando a outra em uma fórmula conjuntiva, para ver se a consequência dessa

operação lógica seria uma contradição lógica.

Uma vez que, o objetivo de Frege era formular um critério lógico de equipolência de

caráter estritamente lógico, capaz de proporcionar uma análise objetiva dos pensamentos e da

identidade destes, concluímos que somente com o critério de necessidade da preservação da

verdade definido em termos modais fica possível torná-lo um critério de equipolência objetivo.

Chegamos a essa conclusão, na medida em que, constatamos que somente com tal

noção de consequência lógica implícita no critério lógico de equipolência, foi possível

compatibilizar as exigências do próprio critério lógico de equipolência com os exemplos de

Frege. Com essa perspectiva, o critério lógico de equipolência estabelece com eficiência a

identidade de pensamentos, nos casos entre pensamentos simples e nos casos entre

pensamentos compostos, seja com exemplos da linguagem natural seja com exemplos da

linguagem da aritmética.

Em contrapartida, se levarmos em conta a noção de consequência lógica implícita no

critério formal, somos obrigados a concluir que o critério lógico de equipolência de Frege é

um critério mal formulado. A justificação disso é que alguns dos pares de pensamentos que

são apresentados por Frege, como exemplos de identidade de pensamentos, não formam

argumentos que são válidos classicamente quando submetidos às exigências do critério lógico

de equipolência.

Outro autor utilizado nessa dissertação é Kirkham. Depois de apresentar as suas

definições para os critérios de equivalência material, equivalência essencial e de equivalência

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de sinonímia, mostramos que entre os três critérios ocorre uma hierarquia estabelecida pela

força do grau de intensionalidade de cada um dos critérios. Com os exemplos de identidade de

sentidos, retirados de textos do Kirkham e do Frege, fizemos algumas comparações entre os

critérios intensionais de Kirkham com o critério de equipolência lógico de Frege, para

conhecermos quais relações podemos estabelecer entre esses critérios intensionais.

Na medida em que, a dissertação foi avançando cronologicamente nos textos de Frege,

tais comparações se tornaram mais claras a ponto de podermos concluir:

(i) o critério intensional de equivalência essencial de sentenças de Kirkham possui

grau inferior de intensionalidade em relação ao critério de identidade de conteúdo conceitual

de sentenças completas de Frege. A justificação para isso são os casos dos teoremas da

aritmética que, segundo Kirkham, são equivalências essenciais, mas que não expressam a

mesma intensão. Dessa maneira, equivalência essencial é apenas condição necessária e não

suficiente para igualdade de conteúdo conceitual de sentenças completas em Frege.

(ii) considerando a noção de definição construtiva de Frege, pensamos ser possível

afirmar que Kirkham define sinonímia exatamente como um caso de definição construtiva.

Concluímos que isso não é o caso porque entendemos que nos casos de sinonímia de Kirkham

o sentido do definiendum não é construído a partir do sentido das partes do definiens, o que

seria a principal exigência da noção de definição construtiva de Frege.

(iii) o critério lógico de equipolência de Frege e o critério de equivalência de

sinonímia de Kirkham podem ser considerados idênticos se assumirmos a noção intuitiva de

consequência lógica baseada no critério de necessidade de preservação da verdade. A

justificação para tal resultado baseia-se na possibilidade de considerarmos que, ter a mesma

definição em todos os mundos possíveis pode ser estabelecido entre expressões que foram

definidas ostensivamente e entre expressões que passam a ter a mesma intensão segundo o

momento exato do proferimento dos pensamentos.

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Sendo assim, considerando os resultados apresentados acima, podemos considerar que

Frege alcançou êxito em formular um critério lógico de equipolência objetivo se levarmos em

conta o critério de necessidade da preservação da verdade definido em termos modais. Vimos,

ao longo da dissertação, que Frege determinou vários exemplos de identidade de pensamentos

e, por conta disso, diante das exigências do critério lógico de equipolência e das dificuldades

em analisar noções intensionais mostramos que, a alternativa foi não considerar a noção de

consequência lógica implícita no critério formal.

Por fim, somos cientes de que o ponto fraco dessa conclusão é que não temos um

registro textual de Frege que confirme nossos resultados, porém, temos a nosso favor, o fato

de que fomos levados a essa conclusão seguindo rigorosamente os exemplos do próprio Frege

e assim acreditamos que foi preservada a autenticidade do pensamento deste filósofo.

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