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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE MESTRADO EM CIÊNCIAS E SAÚDE EDUARDO BATISTA SOARES NETO SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES COM TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO TERESINA 2010

SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES COM …leg.ufpi.br/subsiteFiles/mestsaude/arquivos/files/Dissertaçao... · “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” – FBIS-BR

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

MESTRADO EM CIÊNCIAS E SAÚDE

EDUARDO BATISTA SOARES NETO

SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES COM

TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

TERESINA

2010

1000

EDUARDO BATISTA SOARES NETO

SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES COM

TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

Dissertação apresentada ao Mestrado em Ciências e Saúde para obtenção do título de Mestre em Ciências e Saúde.

Área de concentração: Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde.

Linha de pesquisa: Análise de Situações de Saúde.

Orientadora: Professora Doutora LÚCIA CRISTINA DOS SANTOS ROSA

TERESINA

2010

1001

FICHA CATALOGRÁFICA

Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco

S676s Soares Neto, Eduardo Batista.

Sobrecarga de familiares de pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo [manuscrito] / Eduardo Batista Soares Neto. – 2010.

171 f.

Cópia de computador (printout). Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Piauí,

Programa de Mestrado em Ciências e Saúde, 2010. “Orientadora: Profª. Drª. Lúcia Cristina dos Santos Rosa”.

1. Transtorno Mental. 2. Transtorno Obsessivo -

Compulsivo. 3. Cuidadores. 4. Sobrecarga familiar. I. Título.

CDD 614.58

1002

EDUARDO BATISTA SOARES NETO

SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES COM TRANSTORNO

OBSESSIVO-COMPULSIVO

Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Mestrado em Ciência e Saúde

do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Piauí – área de

concentração: Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde; linha de pesquisa:

Análise de Situações de Saúde – para obtenção do Título de Mestre em Ciências e

Saúde.

Aprovada em: 09 de julho de 2010.

Banca examinadora:

Presidente: Professora Doutora Lúcia Cristina dos Santos Rosa

Universidade Federal do Piauí - UFPI

1º Examinador: Professor Doutor José Jackson Coelho Sampaio

Universidade Estadual do Ceará - UECE

2º Examinador: Professora Doutora Lidya Tolstenko Nogueira

Universidade Federal do Piauí - UFPI

1003

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Piauí, pelo Mestrado em Ciências e Saúde;

Ao Mestrado em Ciências e Saúde pelo aprendizado acadêmico;

Às instituições onde foi realizada a pesquisa – Hospital Areolino de Abreu, Centro de

Atenção Psicossocial tipo II de Piripiri/PI e Centro de Neurologia e Cefaléia do Piauí

LTDA – pela aquiescência na realização da pesquisa;

Aos participantes da pesquisa;

Aos autores pesquisados que com suas publicações científicas disseminam e

compartilham o conhecimento;

Aos professores das bancas de qualificação do projeto, pré-defesa e defesa da

dissertação – Professor Doutor Alexandre Nogueira, Professor Doutor Alexandre

Parente, Professor Doutor José Jackson Coelho, Professora Doutora Lídya

Tolstenko e Professora Doutora Lúcia Rosa – pelas valiosas críticas, observações,

sugestões e recomendações.

Aos professores do Mestrado em Ciências e Saúde da UFPI que efetivamente

contribuíram no aprendizado e formação acadêmica;

À Professora Pós-Doutora Marina Bandeira da Universidade Federal de São João

del-Rei/MG, pela valiosíssima interlocução, pela prestatividade e generosidade com

que sempre atendeu às solicitações de esclarecimentos de dúvidas relacionadas à

“Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” – FBIS-BR.

Ao Professor João Batista Teles pelo suporte estatístico, sempre paciente e

prestativo.

Em especial à Professora Doutora Lúcia Rosa, orientadora deste mestrado, pela

aceitação em ser orientadora deste mestrando, pela confiança depositada e

inspirada, pela simplicidade e sabedoria com que dissemina seu rico conhecimento.

1004

RESUMO

Contexto: A relação sujeito com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e seu familiar pode resultar em conseqüências negativas para ambos. Presença de sobrecarga em familiares/cuidadores resultante do auxílio/cuidado prestado pode comprometer a saúde destes, implicar em deterioração de relacionamentos e manutenção ou agravamento do quadro do enfermo. Objetivos: Avaliar sobrecarga de familiares de sujeitos com TOC, inclusive nas suas dimensões objetiva e subjetiva. Métodos: Estudo descritivo-analítico constituído de caracterização do sujeito com TOC (n=45) e de seu familiar/cuidador (n=45), através da sua investigação em grupos na rede pública – CAPS (n=30) e ambulatório de hospital psiquiátrico (n=30) – e privada (n=30); confirmação diagnóstica – TOC – com uso do MINI; aplicação da “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” – FBIS-BR. Resultados: Observou-se sujeito com TOC com idade média de 36 anos, sem predomínio de gênero no grupo total, solteiro ou casado, católico, desempregado, residindo com o cônjuge e filhos, e em farmacoterapia. Familiar-cuidador com idade média de 46 anos, do gênero feminino, casado, católico, residindo com o sujeito com TOC e relatando não receber ajuda/orientação no cuidado/auxílio deste. Investigou-se a existência de sobrecargas, objetiva e subjetiva em familiares cuidadores de sujeitos com TOC; avaliando-se também os graus de sobrecarga nas subescalas – e em seus itens – objetiva, subjetiva, global subjetiva e global objetiva. Conclusões: O estudo constatou a existência de sobrecarga em familiares cuidadores de sujeitos com TOC; identificou graus de sobrecarga, e encontrou associação entre aspectos da sobrecarga e grupos investigados; evidenciando a necessidade de novos estudos e do envolvimento dos familiares nos protocolos de atendimento em Psiquiatria.

Palavras-chave: transtorno obsessivo-compulsivo, cuidadores, sobrecarga familiar, graus de sobrecarga.

1005

ABSTRACT

Context: The relationship of the individual with Obsessive-Compulsive Disorder (OCD) and their family may bring negative consequences to both. The burden present in family members/caretakers, which is a result of the care given, could jeopardize their health, provoke the decay of relationships, as well as maintain or worsen the patient’s condition. Objectives: Evaluate the burden in family members of individuals with OCD, including the subjective and objective dimensions. Methods: This is a descriptive-analytical study that characterizes the individual with OCD (n=45) and their family or caretakers (n=45) in samples of the public – CAPS (n=30) and psychiatric hospital clinic (n=30) – and private network (n=30); diagnosis confirmation – OCD – by using MINI; the “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” – Scale for Evaluating Burden in Family Members – FBIS-BR – was applied. Results: Individuals with OCD aged 36 in average, with no predominance of gender in the total sample, married or single, catholic, unemployed, living with partner and children, and under pharmacotherapy. Family member-caretaker aged 46 in average, feminine, married, catholic, living with the individual with OCD who related not having received help/guidance for taking care of the individual. The existence of subjective and objective burden in family members caretakers of individuals with OCD was investigated; the levels of burden in the objective, subjective, global subjective and global objective subscales – and its items – were also evaluated. Conclusions: The study has verified different levels of burden in family members of individuals with OCD; it identified the levels of burden, and found a connection between burden aspects and the samples investigated, which shows the need of new studies and the involvement of family members in the psychiatry treatment.

Key-words: obsessive-compulsive disorder, caregivers, family burden, levels of burden.

1006

ABREVIATURAS E SIGLAS

GCAPS = grupo da rede CAPS.

GCP = grupo da clínica privada.

GHP = grupo do ambulatório do hospital psiquiátrico.

APA = “American Psychiatric Association”.

5-HT = 5-hidroxitriptamina = serotonina.

CID-10 = 10ª (décima) edição da “Classificação Internacional de Doenças”.

dp = desvio-padrão.

DSM-IV = “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders”, 04ª edição.

e.g. = exempli gratia [do latim] = “por exemplo”.

FBIS-BR = Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares; versão brasileira.

IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

ISRS = Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina.

OMS = Organização Mundial da Saúde.

PNAD = Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

TOC = Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

UFSJ = Universidade Federal de São João del Rei.

WHO = “World Health Organization” = Organização Mundial da Saúde – OMS.

1007

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 9

2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................... 13

2.1 O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO........................................... 13

2.1.1 Caracterização........................................................................................... 14

2.1.2 Epidemiologia............................................................................................ 17

2.1.3 Etiologia..................................................................................................... 18

2.1.4 Clínica, comorbidade e diagnóstico diferencial..................................... 24

2.1.5 Evolução.................................................................................................... 28

2.1.6 Tratamento................................................................................................. 30

2.2 O PROVIMENTO DE CUIDADO DA PESSOA COM O TRANSTORNO

MENTAL NO SEIO DA FAMÍLIA..........................................................................

35

2.2.1 Breve contextualização histórica da relação entre o Estado/Políticas

Públicas e os grupos familiares no Brasil.......................................................

36

2.2.2 Famílias brasileiras em um cenário histórico de constantes e

intensas mudanças sociais...............................................................................

39

2.2.3 Algumas concepções sobre família(s) e repercussões do

provimento de cuidado de pessoa com transtorno mental...........................

43

2.2.4 As famílias, e as alterações em seu ciclo vital na presença de um

sujeito com transtorno mental..........................................................................

46

2.3 O CUIDAR EM SAÚDE MENTAL.................................................................. 51

2.3.1 Os CAPS e a abordagem da família........................................................ 54

2.3.2 O ambulatório e a família invisibilizada.................................................. 55

2.3.3 O consultório privado............................................................................... 57

2.3.4 A situação do cuidar................................................................................. 58

2.3.5 O cuidador................................................................................................. 61

2.4 O ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS ENVOLVENDO FAMILIARES..... 64

2.5 A SOBRECARGA EM EVIDÊNCIA................................................................ 69

2.6 A “ESCALA DE AVALIAÇÃO DA SOBRECARGA DOS FAMILIARES”........ 78

2.6.1 Estudo de validação da FBIS-BR............................................................. 78

1008

2.6.2 As características da escala.................................................................... 80

2.6.3 Protocolo de aplicação da FBIS-BR........................................................ 83

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................... 84

3.1 DELINEAMENTO/DESENHO DO ESTUDO.................................................. 84

3.2 A AMOSTRA.................................................................................................. 84

3.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS................................................. 87

3.4 COLETA DE DADOS..................................................................................... 89

3.5 ADVERSIDADES E SEU MANEJO............................................................... 91

3.6 LIMITAÇÕES METODOLÓGICAS................................................................. 92

3.7 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS.......................................................................... 93

3.8 ANÁLISE ESTATÍSTICA................................................................................ 94

4 RESULTADOS................................................................................................. 96

4.1 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO E CLÍNICO DO SUJEITO COM TOC...... 96

4.2 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO, DE SAÚDE E DE INFORMAÇÕES

RELATIVAS AO CUIDAR, RELACIONADAS AO CUIDADOR............................

100

4.3 SOBRECARGA.............................................................................................. 104

4.3.1 Sobrecarga objetiva – graus.................................................................... 107

4.3.2 Sobrecarga subjetiva – graus.................................................................. 110

5 DISCUSSÃO..................................................................................................... 113

6 CONCLUSÕES................................................................................................. 132

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 137

APÊNDICES......................................................................................................... 148

ANEXOS............................................................................................................... 155

1009

1 INTRODUÇÃO

Durante o atendimento de pacientes psiquiátricos ao longo dos anos

como médico-psiquiatra, observou-se a presença relativamente constante e

crescente de familiares acompanhando as consultas de seus entes adoecidos,

normalmente apresentando-se como fonte de informações complementares, ou

como única fonte de informação – quando o sujeito com transtorno, por razões

inerentes a seu estado, ou por recusa voluntária, medo, receios, preconceitos, com

relação à consulta psiquiátrica, negava-se a prestar informações –, mas também

freqüentemente, e cada vez mais, como indagador sobre o estado do familiar

adoecido, qual o tratamento – mais indicados, características, riscos –, qual o

prognóstico, como proceder.

Observou-se também o familiar acompanhante apresentando-se, dentro

da consulta do familiar-enfermo, como um paciente com suas queixas particulares,

relativas a questões pessoais – transtornos mentais próprios –, algumas vezes

percebidos em sintomas atribuídos, de modo consciente ou inconsciente, ao familiar

apresentado como razão da consulta, embora não característicos do transtorno

deste e posteriormente assumidas como não pertencentes ao mesmo. Inúmeras

vezes percebeu-se, ou foram discorridas pelo(s) familiar(es), queixas relacionadas à

carga sentida pelo cuidar – gasto de tempo, gastos financeiros, limitações sociais,

quadros psicológicos e emocionais surgidos com o processo do cuidar, reações

pessoais e familiares ao problema e aos comportamentos do paciente.

Tais observações foram sendo constatadas no atendimento de sujeitos

com as mais variadas enfermidades psiquiátricas, observando-se maior freqüência

do familiar no acompanhamento daqueles com quadros esquizofrênicos e, dentro do

grupo dos transtornos de ansiedade, daqueles com Transtorno Obsessivo-

Compulsivo - TOC. Transtorno que apresenta além de suas características clínicas,

destacadamente as compulsões que várias vezes envolvem/requerem a participação

de familiares em sua realização, um considerável grau de comprometimento à

qualidade de vida da pessoa com o transtorno.

1010

O TOC é um transtorno mental grave, fonte de considerável sofrimento e

comprometimentos no funcionamento social, ocupacional e em diversas outras

áreas da vida do sujeito, em virtude de suas características clínicas e repercussões

nas relações sociais.

Várias situações podem influenciar o diagnóstico de TOC, o tratamento,

as investigações epidemiológicas, a qualidade de vida do sujeito com o Transtorno e

as relações familiares – sobrecargas objetivas e subjetivas, hostilização,

acomodação. Como exemplos destas situações relevantes no TOC, relacionadas

mais diretamente ao sujeito com o transtorno, podemos citar a latência entre o início

dos sintomas e a procura de auxílio/tratamento; a procura de profissionais para tratar

sintomas isolados ou conseqüências de sua existência, e.g. a procura por

dermatologistas em razão de lesões de pele resultantes do uso de substâncias

cáusticas na limpeza pessoal; a resistência dos sujeitos em assumir seus sintomas,

por vergonha, por receio de discriminação e preconceito; a elevada presença de

comorbidades. Outros aspectos que também podem influenciar o conhecimento e a

condução do transtorno relaciona-se com o tipo de amostra escolhida nos inquéritos

epidemiológicos; questões familiares; influências sociais, religiosas e culturais;

desconhecimento por parte dos profissionais de saúde; preconceitos acerca de

transtornos mentais e seus portadores, Psiquiatria e psicofármacos; o destacado

custo social do TOC – dependência financeira, desemprego, utilização de serviços

de saúde por sujeitos cuja fase de vida deveria ser a mais produtiva; dentre outros.

O provimento de cuidados/auxílio por familiares a sujeito enfermo surgido

no meio familiar, além de ser constituinte da nossa cultura, pode resultar em

conseqüências negativas para o cuidador – à sua saúde e ao seu relacionamento

com o ente adoecido – e para o enfermo.

No TOC, o envolvimento da família participando de compulsões, ou

alterando os seus comportamentos para adaptar-se, acomodar-se, aos sintomas do

paciente, pode conduzir a evolução e tratamento deste para o pólo negativo, e

também comprometer o relacionamento familiar.

Estudos acerca da sobrecarga familiar resultante do provimento de

cuidados podem resultar em focos para intervenções que beneficiam o enfermo, o

1011

familiar – evitando, reduzindo ou atenuando a própria sobrecarga, e suas

conseqüências para estes – e o próprio sistema de saúde.

Aditivamente aos aspectos acima relacionados, a carência de estudos

envolvendo a relação entre o TOC e a sobrecarga familiar, com a utilização, no

Brasil, de instrumentos de avaliação validados e adaptados à realidade do país –

permitindo a comparabilidade de resultados de pesquisas –, muito contribuíram para

o desenvolvimento do presente estudo. Além do acréscimo aos conhecimentos

existentes, a realização desta pesquisa almeja tornar-se subsídio e estímulo para

novos estudos envolvendo a avaliação de possibilidades de novos recursos em

projetos terapêuticos de sujeitos com transtornos mentais – abordagem familiar –, a

prevenção de conseqüências negativas decorrentes de sobrecarga familiar tanto

para os sujeitos enfermos como para o(s) familiar(es), assim como possibilitar – pelo

uso de escala padronizada, adaptada e validada para uso no Brasil – a

comparabilidade com outros estudos com todos os desdobramentos daí possíveis.

A confluência de todos estes fatores findou por definir o presente estudo,

cuja questão estruturante é a existência de sobrecarga em familiares de sujeitos

com TOC, e que possui como objetivo geral avaliar a existência de sobrecarga

subjetiva e/ou objetiva em familiar-cuidador de sujeitos com o transtorno, em

tratamento na rede pública – em ambulatório de hospital psiquiátrico e em centro de

atenção psicossocial – e na rede privada, e como objetivos específicos identificar o

perfil sócio-demográfico e clínico do paciente com diagnóstico de TOC, caracterizar

o perfil sócio-demográfico e clínico do familiar de referência no cuidado ao sujeito

com TOC, verificar relações entre as características do sujeito com TOC e a

existência e o tipo de sobrecarga resultante no familiar cuidador e verificar relações

entre as características do familiar cuidador do sujeito com o transtorno e a

existência e o tipo de sobrecarga resultante neste familiar.

A presente dissertação encontra-se materializada em seis seções. Após

esta breve contextualização do assunto em foco, justificativas para a escolha do

tema e a apresentação dos objetivos da pesquisa, realizamos uma revisão sucinta,

haja vista que os assuntos relacionados constituem-se por si só um vasto campo de

conhecimentos e a tentativa de esgotá-los seria impossível, dos três eixos principais

pesquisa: o TOC, a Família e a Sobrecarga de Cuidadores.

1012

Apresentamos o TOC com suas singularidades, epidemiologia, hipóteses

etiológicas, características, evolução, comprometimentos e tratamentos.

Discorremos sobre a família, contextualizando-a historicamente e procurando

demonstrar as relações históricas no desenvolvimento do “cuidar” do familiar com

transtorno mental no Brasil, destacando as relações com o Estado. Discutimos a

questão da Sobrecarga resultante do desempenho do papel de cuidador;

conceituando-a, e ilustrando-a com exemplos de pesquisas investigando o assunto

em diversos transtornos mentais; destacando a carência de estudos com uso de

instrumentos adaptados e validados no Brasil – prejudicando a fidedignidade e a

comparabilidade de resultados encontrados – acerca da Sobrecarga,

destacadamente envolvendo familiares de sujeitos com o TOC; enfatizando as

conseqüências da Sobrecarga – aos familiares, aos sujeitos com TOC, aos

relacionamentos familiares, suas repercussões sobre o transtorno. Discorremos

também sobre o principal instrumento utilizado na presente pesquisa, a versão

brasileira da “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” – FBIS-BR.

Em seguida apresentamos os aspectos metodológicos da pesquisa e

revelamos os resultados obtidos através da aplicação dos instrumentos de

investigação nos três grupos utilizados para demonstrar as modalidades

assistenciais atualmente vigentes no nosso Estado do Piauí: serviço privado e

público – este representado por um Centro de Atenção Psicossocial representando o

novo modelo de serviço público em Psiquiatria, e pelo ambulatório do Hospital-

Psiquiátrico representando o antigo, mas presente, modelo assistencial.

Investigamos destacadamente a sobrecarga, seus graus nos aspectos

objetivos e subjetivos e em suas diferentes subescalas, nos familiares-cuidadores

nestes três grupos, além da caracterização do sujeito com o transtorno e do

cuidador. Subseqüentemente procedemos à análise dos resultados à luz dos

registros investigados na literatura; procurando verificar divergências entre os

resultados constatados nos três grupos investigados, para posteriormente

apresentar as conclusões obtidas e recomendações.

1013

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

Neste tópico procuramos fornecer uma visão ampla acerca do TOC,

ressaltando a impossibilidade da exploração completa do assunto dada a sua

complexidade e ainda na atualidade a incompletude do seu conhecimento integral.

Descrevemos a seguir aspectos conceituais, epidemiológicos, etiológicos,

clínicos e tratamentos; visando mostrar ao leitor as suas singularidades, a sua

relevância, e os comprometimentos resultantes do transtorno para o sujeito com

TOC – sua evolução pessoal, de sua enfermidade, implicações no tratamento –,

para seu familiar e para o relacionamento de ambos.

Sublinhamos o aspecto do cuidado na família, os fatores relacionados ao

desenvolvimento de sobrecarga, e a importância do envolvimento do familiar para a

evolução e o prognóstico do transtorno e no seu tratamento como recurso

extraclínico de suma relevância – e ainda não efetivamente explorado pelos serviços

e pelos profissionais de saúde.

Destacamos o aspecto da acomodação familiar, ressaltando-a não

apenas como resultado da exaustão familiar frente às demandas oriundas do sujeito

com TOC, mas também como recurso de convivência do familiar com o sujeito com

o transtorno – recurso utilizado como auxílio na luta contra o sofrimento do enfermo,

ou como estratégia para tentar levar a cabo as exigências de auxílio por este –, além

de sua interferência na busca por tratamento e na consolidação de comportamentos

negativos – manutenção de sintomas – do enfermo.

1014

2.1.1 Caracterização

O TOC é uma enfermidade mental grave, encontrando-se entre os cinco

transtornos mentais – depressão unipolar, esquizofrenia, uso de álcool, transtorno

bipolar e TOC – que integram a lista das enfermidades implicadas nas maiores taxas

de incapacidade no mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO, 2001),

sendo o quarto diagnóstico psiquiátrico mais comum (NIEDERAUER et al., 2007;

SADOCK; SADOCK, 2007b; TORRES; LIMA, 2005) e podendo ser fonte de

importante gasto aos sistemas de saúde – maior procura e utilização de serviços

pelos sujeitos com a enfermidade (FERRÃO et al., 2007). Acomete sujeitos em fases

mais produtivas da vida (SADOCK; SADOCK, 2007b), comprometendo sua

qualidade de vida 1 – tendo sido equiparado em alguns aspectos à esquizofrenia

(NIEDERAUER et al., 2007) –, e determinando sofrimento tanto aos sujeitos

acometidos pelo transtorno como à sua família (DEL-PORTO, 2001).

Inicialmente nomeada de neurose obsessiva 2 por Sigmund Freud

(FREUD, 1976a), recebeu na teoria psicanalítica clássica a denominação de

Neurose Obsessivo-Compulsiva (SADOCK; SADOCK, 2007b).

Atualmente catalogada no grupo dos “Transtornos de Ansiedade”, do qual

também fazem parte o transtorno de pânico, o transtorno de ansiedade

generalizada, o transtorno de estresse pós-traumático e as fobias, de acordo com o

texto revisado da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais – DSM-IV-TR – (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA, 2002);

e, no grupo dos “Transtornos neuróticos, relacionados ao stress e somatoformes”,

segundo a 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças – CID-10

1 No presente trabalho seguimos Minayo, Hartz e Buss (2000), que caracterizam qualidade de vida como uma noção

eminentemente humana, polissêmica, caracterizada por constituir-se numa representação social construída a partir de parâmetros subjetivos – como a liberdade, o amor, a realização pessoal, a felicidade, dentre outros – e objetivos – balizados pela satisfação das necessidades básicas e daquelas criadas pela sociedade –, com a marca da relatividade cultural e histórica.

2 James Strachey, o editor inglês da edição Standard das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud, cita Lowenfeld

(1904), informando que o conceito e o termo Neurose Obsessiva (no alemão: Zwangsneurose) originou-se de Freud, que o utilizou pela primeira vez numa publicação em seu artigo sobre Neurose de Angústia, em 1895 (FREUD, 1976a). Freud, em 1896, definiu o termo “idéias obsessivas” – Zwangsvorstellungen, no alemão; termo introduzido por Krafft-Ebing em 1867 (FREUD, 1976a) –, posteriormente refere que seria mais apropriado falar em “pensamento obsessivo” (no alemão: Zwangsdenken) – que correspondia a qualquer ato psíquico: desejos, tentações, pulsões, reflexões, dúvidas, comandos e proibições – apesar de casualmente continuar usando o primeiro, como sinônimo (MAHONY, 1991).

1015

(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS, 1993). Caracteriza-se pela

presença de obsessões e compulsões, aliadas a sofrimento clinicamente

significativo e comprometimento no funcionamento do sujeito (APA, 2002; SADOCK;

SADOCK, 2007b).

As obsessões são caracterizadas como um pensamento, sentimento,

idéia ou sensação persistente, recorrente, intrusiva e inadequada, excessiva ou

irracional, reconhecida pelo sujeito como oriunda de sua própria mente e que lhe

causa acentuada ansiedade ou sofrimento, à qual tenta ignorar, neutralizar ou

eliminar. Enquanto a compulsão é definida como um comportamento ou ato mental

consciente, padronizado e recorrente, excessivo ou irracional, que o sujeito se sente

forçado a realizar, cujo objetivo é prevenir ou reduzir ansiedade ou sofrimento e/ou

evitar algum evento ou situação temida; consomem tempo e interferem

significativamente na vida do sujeito (APA, 2002; CORDIOLI, 2007; SADOCK;

SADOCK, 2007b; VERSIANI, 2001).

Numa relação relativamente paradoxal, o sujeito na tentativa de livrar-se

do sofrimento causado pelas obsessões acaba por escravizar-se às compulsões

(TORRES; SMAIRA, 2001). A execução destas não proporciona gratificação nem

prazer; e, ou não tem conexão realista com o que busca evitar ou neutralizar, ou são

claramente excessivas (APA, 2002); enquanto a resistência à sua execução conduz

a uma elevação na ansiedade (NUTT; BALLENGER, 2009). As ações das

compulsões uma vez iniciadas, costumam ser repetidas até que o sujeito considere

que estão concluídas, ou alcancem o “just right” como definem alguns autores, ou

que o sujeito sinta-se melhor (TORRES; SMAIRA, 2001). As esquivas das situações

temidas, quando generalizadas, podem confinar o sujeito ao lar (APA, 2002;

SADOCK; SADOCK, 2007b).

O nível de crítica do sujeito com TOC com relação às obsessões e/ou

compulsões apresentadas pode variar tanto entre sujeitos diferentes, como num

mesmo sujeito na dependência do momento em que se encontre (TORRES;

SMAIRA, 2001).

Cabe ressaltar que tanto obsessões como compulsões não são

exclusivas do TOC, podendo apresentar-se em vários outros transtornos

psiquiátricos como, e.g., na depressão e na esquizofrenia (TORRES, 2001), em

1016

transtornos neurológicos como, e.g., na síndrome de Gilles de La Tourette, na

epilepsia do lobo temporal e no parkinsonismo pós-encefalítico (LACERDA;

DALGALARRONDO; CAMARGO, 2001), e na vida mental normal (NUTT;

BALLENGER, 2009; TORRES, 2001); diferenciando-se no TOC pela natureza

“egodistônica” dos sintomas e por causarem sofrimento e comprometimento aos que

acomete (NUTT; BALLENGER, 2009).

Segundo Del-Porto (2001) a manutenção da razão, o reconhecimento do

caráter absurdo das preocupações e a resistência, com a busca de formas de livrar-

se do sofrimento apresentado, como características marcantes do transtorno já eram

observadas na descrição de Esquirol (1838) do caso de “Madame F.”, o primeiro

caso de TOC apresentado na literatura psiquiátrica.

Em crianças não se aplica o critério diagnóstico do reconhecimento do

caráter excessivo ou irracional das obsessões ou compulsões em algum período

durante o transtorno (APA, 2002).

Na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10

(1993), o Transtorno Obsessivo-Compulsivo é codificado sob o registro “F42”, com

um quarto caractere diferenciando os casos: com predomínio de pensamentos

obsessivos ou ruminações (.0), com predominância de atos compulsivos (.1), com

pensamentos e atos obsessivos mistos (.2), outros transtornos obsessivo-

compulsivo (.8), e Transtorno Obsessivo-Compulsivo não especificado (.9) (OMS,

1993).

No texto revisado da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico

de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o TOC encontra-se no Eixo I 3, sendo

codificado sob o número “300.3” e possuindo um especificador para casos “com

insight pobre” – quando no episódio vigente o sujeito, na maioria do tempo, não

reconhece a irracionalidade ou o aspecto excessivo das obsessões e compulsões 4

(APA, 2002).

3 O DSM-IV-TR é um sistema de avaliação psiquiátrica multiaxial que se encontra disposto em cinco eixos; sendo que o Eixo I

compõe-se dos transtornos clínicos e de outras condições que possam ser foco de atenção clínica (APA, 2002). 4 Especificadores gerais de gravidade e curso para o TOC podem ser aplicados, quando na vigência da satisfação dos critérios

diagnósticos – leve, moderado e grave –, ou quando os mesmos já não forem mais satisfeitos – remissão parcial, completa e histórico prévio (APA, 2002).

1017

Alguns autores, baseados na enorme diversidade de formas pelas quais o

TOC se manifesta, na diversidade de fatores etiológicos propostos, na época de

início e na intensidade de sintomas, no curso evolutivo e no aspecto de suas

respostas aos tratamentos variarem bastante entre sujeitos, discutem se o TOC é

um único transtorno ou constitui um grupo de transtornos (CORDIOLI, 2007).

2.1.2 Epidemiologia

Com uma prevalência na população geral de 2 a 3% (GONZALEZ, 1999;

MARAZZITI; NASSO, 2000; SADOCK; SADOCK, 2007b), apresenta-se igualmente

em ambos os gêneros em adultos (APA, 2002; NIEDERAUER et al., 2007;

SADOCK; SADOCK, 2007b), sendo que entre os adolescentes costuma apresentar-

se mais freqüentemente e precocemente entre os meninos (SADOCK; SADOCK,

2007b).

Com uma idade média de início de 20 anos, pode ocorrer já na infância

(APA, 2002; CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b) – casos relatados de até

02 anos de idade (SADOCK; SADOCK, 2007b).

Observa-se maior acometimento no grupo dos solteiros (NIEDERAUER et

al., 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b; STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003),

especialmente no gênero masculino (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003), devido em

parte ao início mais precoce neste gênero (APA, 2002). Estudo sobre o efeito do

gênero em pacientes com TOC, em amostra brasileira, encontrou uma idade de

início mais precoce no masculino – p<0,05 (FONTENELLE, 2008).

Muitos vivem com os pais ou outros membros da família, ou com eles

mantém contato diário (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003).

Estudos apontam uma latência de até 17 anos entre o início dos sintomas

e a procura de auxílio, diagnóstico e tratamento adequado (CORDIOLI, 2007;

1018

TORRESAN et al., 2008; TORRES; LIMA, 2005), determinada por fatores como,

e.g., desconhecimento, a vergonha do quadro, medos de contaminação em

ambientes de tratamento da saúde, de que seus receios se realizem, de serem

considerados insanos (CORDIOLI, 2007; TORRES; LIMA, 2005).

Niederauer et al. constataram, em revisão publicada em 2007, que

existem evidências de que o TOC causa comprometimento na qualidade de vida dos

enfermos, com relevância para as obsessões, e que esses pacientes costumam

utilizar mais os serviços de saúde do que a população em geral.

Torres e Lima (2005) em revisão de literatura para o período de 1980-

2004 verificaram que diferentemente das amostras clínicas, em quase todas as

amostras populacionais predominam mulheres 5 e sujeitos apresentando apenas

obsessões; apontam que fatores como a dificuldade de obtenção de amostra

adequada, dificuldades relacionadas à aplicação dos questionários – tanto inerentes

às características dos pacientes, a preparação de entrevistadores, a ocorrência de

comorbidades – criam obstáculos à realização dos estudos epidemiológicos de TOC.

2.1.3 Etiologia

O TOC apresenta fortes evidências de etiologia multifatorial, destacando-

se entre os fatores biológicos a predisposição genética (APA, 1995; SADOCK;

SADOCK, 2007b), a hipótese de desregulação de neurotransmissores e os achados

em exames complementares – aumento da atividade em lobos frontais, gânglios

basais e cíngulo; diminuição da latência REM; dentre outros –, e entre os fatores

psicológicos as teorias psicodinâmicas (SADOCK; SADOCK, 2007b) e as teorias de

5 Hita (1998) analisando a relação entre doença mental e gênero feminino, aponta que a discussão acerca da existência de

associação apóia-se em dois eixos principais: a existência da mesma, evidenciada em estudos fundamentados em fatores biológicos relativos ao gênero feminino e em fatores sociais relacionados ao papel deste gênero na sociedade; e a existência de estudos que sugerem que as investigações que indicam a presença de associação teriam resultados superestimados, pois o gênero feminino teria como características a maior aceitação de suas emoções, a tendência a expressar mais facilmente seus sintomas, a maior consciência de conseqüências, e a propensão a mais freqüente e facilmente buscarem auxílio.

1019

condicionamentos clássico – ou pavloviano – e operantes (CORDIOLI, 2007;

SADOCK; SADOCK, 2007b).

Estudos em gêmeos apontam dados que estimulam a hipótese do

envolvimento de fatores genéticos na etiologia deste transtorno (GONZALEZ,

2001). Em monozigóticos indicam uma taxa de concordância de 63% de TOC,

enquanto em dizigóticos a taxa é de aproximadamente 22% (GONZALEZ, 1999).

Estudos de famílias sugerem que há uma maior prevalência do transtorno

entre os familiares de pacientes com o mesmo (GONZALEZ, 1999), sabendo-se que

a existência de um caso aumenta em quatro a cinco vezes a chance de existir outro

(CORDIOLI, 2007). Com relação aos pais, 25% terão um diagnóstico de TOC e 30-

40% terão sintomas subclínicos e/ou traços de personalidade obsessiva

(STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003).

Ferrão et al. (2004), em estudo observacional retrospectivo, avaliando a

associação de características clínicas à presença ou ausência de história familiar de

TOC, encontraram taxa de 17,8% de pacientes com história familiar positiva,

observando, com significância estatística – p<0,05 –, que pacientes com TOC com

história familiar positiva para o mesmo apresentaram uma menor média de idade de

início dos sintomas, maior incidência de colecionismo, maior complexidade nos

sintomas medidos pela Escala de Sintomas Obsessivo-Compulsivos de Yale-Brown

– Y-BOCS –, e maior complexidade terapêutica, verificada pela maior necessidade

de terapias complementares à farmacológica. Observaram também maior demora

em busca por auxílio profissional no grupo com história familiar positiva, sugerindo

que a demora pode dever-se ao fenômeno da acomodação familiar.

Alguns estudos de análise de segregação indicam: o modelo autossômico

dominante como o mais compatível (GONZALEZ, 1999) e a provável implicação na

suscetibilidade ao TOC de um gene de efeito maior (FERRÃO et al., 2004;

GONZALEZ, 1999; GONZALEZ, 2001).

Rocha et al. (2006) em revisão acerca de estudos de associação entre

polimorfismos de genes candidatos e TOC, relataram: que as pesquisas envolvendo

a via serotoninérgica têm avaliado o gene do transportador de serotonina, o gene

dos receptores de serotonina e o gene que codifica a enzima triptofano-hidroxilase, e

1020

os envolvendo a via dopaminérgica, a enzima catecol-O-metiltransferase – COMT –

e a enzima monoaminoxidase-A – MAO-A; que investigações com outras vias de

neurotransmissão também têm sido estudados, sem resultados certos; e que

nenhum dos genes pesquisados pode ser considerado necessário ou bastante para

o desenvolvimento do TOC, sendo que a demarcação de possíveis endofenótipos

em que a heterogeneidade clínica do transtorno esteja minimizada tende a ser o

futuro do estudo da etiopatogênese do TOC.

Estudos indicam que os neurotransmissores serotoninérgicos e

dopaminérgicos apresentam uma provável implicação na fisiopatologia do TOC

(GONZALEZ, 1999).

A hipótese de desregulação de neurotransmissor fundamenta-se na

verificação de que medicamentos que elevam a concentração de serotonina – 5-HT

– 6 nas sinapses nervosas – como os inibidores da recaptação de serotonina - IRS –

reduzem os sintomas obsessivo-compulsivos, trazendo a suspeita da existência de

uma associação entre o TOC e uma alteração neuroquímica nas vias cerebrais

serotonérgicas, reforçada pelas observações de que medicamentos que elevam os

níveis de outros neurotransmissores ou não bloqueiam a recaptação de serotonina

na sinapse nervosa não reduzem os sintomas do TOC (CORDIOLI, 2007).

Segundo Graeff (2001), existem evidências que sugerem que a

hipersensibilidade de receptores 7 pré-sinápticos para serotonina do tipo “1D” (5-

HT1D) – envolvido no mecanismo regulador sobre a liberação de 5-HT, através de

mecanismo de retroalimentação negativo –, situados na via serotoninérgica

mesoestriatal, esteja implicado na desinibição do circuito caudato-tálamo-cortical,

responsável na produção das manifestações compulsivas do TOC.

6 A serotonina é neurotransmissor cerebral sintetizado no terminal do axônio a partir do aminoácido triptofano – cuja

disponibilidade é a função limitante da produção de 5-HT. Resumidamente, o triptofano sob a ação da enzima triptofano-hidroxilase, é transformado em 5-OH-triptofano, que por sua vez sofre ação de uma enzima descarboxilase, resultando em 5-OH-triptamina – serotonina, ou 5-HT. A serotonina, após liberação em fenda sináptica e posterior ligação a receptores no processo de neurotransmissão, simplificadamente, segue duas vias: recaptação no terminal pré-sináptico; metabolização – preferencialmente pela monoaminoxidase-A (MAO-A), produzindo como principal metabólito o ácido 5-hidroxi-indolacético (SADOCK; SADOCK, 2007a). 7 Atualmente são conhecidos sete tipos de receptores de 5-HT, com vários subtipos, apresentando vários mecanismos

efetores (SADOCK; SADOCK, 2007a), sem o conhecimento definitivo sobre quais especificamente podem ser implicados no TOC (MARAZZITI; NASSO, 2000).

1021

A grandeza e a duração da atividade serotoninérgica é postulada como

sendo regulada pelo transportador de serotonina, que regula o processo de

recaptura da serotonina – 5-HT – na fenda sináptica (ROCHA et al., 2006).

A verificação de que os neurônios dopaminérgicos sofrem tônus inibitório

dos neurônios serotoninérgicos nos gânglios da base; as observações de que

fármacos que aumentam a liberação de dopamina 8 ou diminuem a sua recaptação

induzem sintomas obsessivo-compulsivos; as constatações de diminuição da

densidade de receptores D2 e de aumento da densidade do transportador

dopaminérgico, nos gânglios da base de pacientes com TOC, obtidas em estudos

que avaliam receptores dopaminérgicos; além das alterações observadas em

estudos de neuroimagem; implicam numa provável participação do sistema

dopaminérgico na fisiopatologia do TOC (FERRÃO et al., 2007).

O sistema glutamatérgico também tem sido avaliado como um possível

implicado na fisiopatologia do TOC (FERRÃO et al., 2007); alguns estudos,

fenomenológicos e de neuroimagem funcional, sugerindo uma associação a um

estado hiperglutamatérgico 9 (FONTENELLE, 2001).

Disfunções no núcleo caudado, tálamo e córtex órbito-frontal, são as

alterações neuroanatômicas que têm sido investigadas no TOC, embasadas por

achados em exames de neuroimagem e pela teoria de Rapoport 10 (GRAEFF,

2001).

Pesquisas de neuroimagem funcional no TOC com uso de tomografia por

emissão de pósitron – PET, “positron emission tomography” –, tomografia

computadorizada por emissão de fóton único – SPECT, “single photon emission

computerized tomography” –, Ressonância Magnética Funcional e Espectroscopia

por Ressonância Magnética, e pesquisas de neuroimagem estrutural, indicam

8 O neurotransmissor dopamina é uma amina biogênica, fruto da via de síntese das catecolaminas, produzida no terminal

axônico dopaminérgico a partir do aminoácido tirosina. De modo resumido pode-se descrever o mecanismo de produção da dopamina como: a tirosina, sob ação da enzima tirosina-hidroxilase é convertida em 3,4-diidroxifenilalanina (dopa) que por sua vez, sob ação da dopamina-descaboxilase, resulta na produção da dopamina. A dopamina após liberação em fenda sináptica e conclusão do processo de neurotransmissão, segue duas vias: metabolização por duas enzimas principais, a monoaminoxidase-B – MAO-B – e a catecol-O-metiltransferase – COMT; recaptação no terminal pré-sináptico (SADOCK; SADOCK, 2007a). 9 O estado hiperglutamatérgico associa-se à neurotoxicidade, desencadeando a hipótese de que a ausência de tratamento ou

a maior duração do transtorno podem resultar em sofrimento tissular cerebral e disfunção neuropsicológica (FONTENELLE, 2001). 10

Conforme Graeff (2001), a existência de relação entre o estriado e a organização de comportamentos inatos conduziu os

estudos acerca do substrato neuroanatômico do TOC para os núcleos da base, alicerçados pela teoria de Rapoport.

1022

alterações em gânglios da base e córtex órbito-frontal, todavia não apresentam

resultados universais e sem controvérsias (LACERDA; DALGALARRONDO;

CAMARGO, 2001; VALENTE JR; BUSATTO FILHO, 2001).

Na teoria psicanalítica clássica a neurose obsessivo-compulsiva é

considerada uma regressão de fase no desenvolvimento psicossexual, da fase

edípica para a anal, intensamente ambivalente – caracterizada pela presença de

amor e ódio dirigidos a um mesmo objeto, pelo conflito evidente na dúvida e

indecisão paralisante frente a escolhas e nos padrões de fazer-e-desfazer dos

comportamentos; pelo medo da perda do amor de um objeto significativo ou com o

temor com a ansiedade por retaliação de impulsos inconscientes (SADOCK;

SADOCK, 2007b).

Na neurose obsessiva, segundo Freud, o impulsionador de toda a

formação subseqüente do sintoma é a angústia do superego (FREUD, 1976b;

MAHONY, 1991) 11. Na angústia do superego, nas neuroses de adultos, o superego

se opõe à tentativa de entrada na consciência de desejo pulsional, que com o auxílio

do ego – que aqui não se oporia à admissão do desejo – busca obter gratificação; o

superego submete então o ego a si, levando-o a lutar contra a moção pulsional. A

defesa do ego neurótico adulto, portanto, é motivada pelo temor do ego em ser

punido pelo superego (FREUD, 2006).

As teorias comportamentais propõem que as obsessões são estímulos

condicionados, com o processo ocorrendo quando a um acontecimento nocivo ou

provocador de ansiedade, um estímulo neutro é apresentado e àqueles vinculado;

este estímulo neutro associa-se então a medo ou ansiedade, e através do processo

de resposta condicionada, passa a ser capaz de provocar desconforto e ansiedade,

tornando-se um estímulo condicionado (SADOCK; SADOCK, 2007b).

As compulsões, nas teorias comportamentais, se estabeleceriam a partir

de quando o sujeito descobre – por acaso (CORDIOLI, 2007) – que a realização de

determinada ação/ritual reduz ou neutraliza, mesmo que temporariamente, a

11

Segundo Anna Freud (2006), em “O ego e os mecanismos de defesa”, quando moção pulsional do id (princípio do prazer é

soberano) em busca de satisfação tenta invadir o ego, resultando em tensão e desprazer, este – ego – através de mecanismos de defesa apropriados – que são levados a efeito inconscientemente – se propõe a colocar as pulsões permanentemente fora de ação. Como razões para a utilização de defesas contra as pulsões, Anna Freud enumera as angústias: do superego, objetiva – na neurose infantil; resulta do medo do mundo exterior, suas restrições e punições conseqüentes à gratificação dos desejos pulsionais – e pulsional – resultante do medo da força das pulsões –; e a necessidade de síntese por parte do ego, onde a busca de harmonia entre seus impulsos resulta em conflitos entre tendências opostas.

1023

ansiedade vinculada a uma obsessão, passando a realizar estes rituais de modo

repetitivo e freqüente para controlar e evitar a ansiedade; progressivamente essas

estratégias tornam-se fixas, como padrões aprendidos de comportamentos

compulsivos (CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b), via mecanismo de

reforço negativo, um condicionamento operante (CORDIOLI, 2007). Reforço positivo

pode ser verificado quando os pacientes reforçam a manutenção da sintomatologia

por causa de ganhos secundários (CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b). A

acomodação familiar, quando, e.g., o familiar participa nos sintomas compulsivos,

pode reforçar os sintomas do sujeito enfermo (FERRÃO et al., 2007).

Muito permanece por ser compreendido no relacionado ao aprendizado

por observação, outro modelo comportamental do TOC. Estudos em pacientes que

cresceram em lares onde um dos pais tinha o transtorno verificaram que os sintomas

entre ambos são diferentes, o que contradiria a hipótese do aprendizado por

observação, embora seja possível que alguns sintomas possam ser aprendidos por

observação – e.g., evitações excessivas e tendências perfeccionistas (STEKETEE;

VAN NOPPEN, 2003).

Graeff (2001) ao discorrer sobre a fisiopatogenia do TOC registra como a

mais aceita a teoria de Judith Rapoport, que hipotetizou que compulsões de limpeza

e conferências de portas e janelas – se estavam fechadas – seriam exacerbações

comportamentais, respectivamente, de rotinas de auto-limpeza e conferências e

demarcações de território, que teriam, na forma sem exageros, papel de prevenção

de doenças e garantia de território necessário para reprodução e alimentação,

possuindo assim papel na seleção natural das espécies.

Outras evidências etiológicas provêm de verificações do surgimento

com relativa freqüência de sintomas obsessivo-compulsivos no curso de

enfermidades ou problemas cerebrais, e.g., encefalites, coréia de Sydenham, após

traumatismos cranianos, lesões no hipotálamo e acidentes vasculares que

comprometem os gânglios basais (CORDIOLI, 2007).

No âmbito da psiconeuroimunologia tem sido caracterizado o início súbito

de TOC em crianças como subseqüente à infecção por estreptococos beta-

hemolítico do grupo A, via surgimento de anticorpos antineuronais, como na coréia

de Sydenham (SADOCK; SADOCK, 2007a).

1024

De acordo com Mercadante (2001), a despeito da presença de estudos

testando a hipótese da existência de um subgrupo de TOC e/ou Síndrome de

Tourette causados por mecanismos imunológicos, ainda não se pode afirmar a

existência, ou sua negativa, de uma causa imunológica.

2.1.4 Clínica, comorbidade e diagnóstico diferencial

Apresentam-se como características clínicas de obsessões, os receios de

contaminação – queixa mais freqüente –, as dúvidas 12, o medo de que algo terrível

possa ocorrer, as simetrias, escrúpulos excessivos, os pensamentos, impulsos ou

imagens proibidas ou perversas (APA, 1995; CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK,

2007b), as obsessões somáticas relacionadas com outros transtornos, os

pensamentos neutros – palavras, sons, músicas, imagens – que assumem

características para obsessões, dentre outros (TORRES; SMAIRA, 2001).

Dentre os sintomas compulsivos destacam-se os excessos ou

ritualizações de limpeza e as verificações, ocorrendo também os rituais de repetição,

contagens, rituais de vestir-se, de fazer-desfazer (APA, 1995; CORDIOLI, 2007;

SADOCK; SADOCK, 2007b), organização, simetria em ações – e.g., tocar com um

braço no que foi tocado pelo outro – (TORRES; SMAIRA, 2001), além de vários

outros. 13

Tais características costumam levar os pacientes com transtorno a

procurarem diversos especialistas, antes de serem diagnosticados corretamente, em

decorrência de suas compulsões – e.g., lesões de gengivas, problemas

12

A expressão “folie de doute” – “loucura da dúvida” – já foi um termo pelo qual o Transtorno foi conhecido (TORRES;

SMAIRA, 2001). 13

Del-Porto (2001) destaca no caso de “Madame F.” relatado por Esquirol (1838) – denominado na ocasião de “monomanie

raisonante” – a presença de quase todos os principais sintomas do transtorno – obsessões de agressão, contaminação, escrúpulos, dúvidas patológicas, compulsões de limpeza, lavagem, verificação, contagem, ordenação e simetria.

1025

dermatológicos – ou obsessões – e.g., crença de ter AIDS – (SADOCK; SADOCK,

2007b).

A existência simultânea de obsessões e compulsões múltiplas costuma

ser verificada na maioria dos casos; e, com o passar do tempo pode ser observada a

mutabilidade dos temas e da sintomatologia, e a cristalização de rituais compulsivos

(TORRES; SMAIRA, 2001).

Interessante destacar que estudos em amostras clínicas constatam

semelhanças entre padrões obsessivos e compulsões mesmo em países

culturalmente diferentes (TORRES; LIMA, 2005). Del-Porto (2001) estudando

aspectos transculturais do TOC observou que independentemente de diferenças

culturais, históricas, étnicas e econômicas, as obsessões com conteúdo de

contaminação e agressão e as compulsões de limpeza e verificação apresentam-se

como sintomas universais, e que em certos países onde a expressão da sexualidade

é mais coibida e em algumas sociedades religiosas, observa-se a influência da

cultura sobre certos sintomas, destacadamente nas obsessões de agressão e de

cunho sexual.

Vários estudos têm indicado que o TOC é um transtorno heterogêneo,

sendo sugerida a existência de possíveis subtipos através da observação de

diversas formas de manifestação da síndrome, diferentes índices de resposta à

terapêutica e diferentes evoluções. Destacam-se como possíveis subtipos em

estudo, os grupos TOC associado a tiques, TOC de início precoce e TOC associado

à Febre Reumática (HOUNIE et al., 2001).

Estudos acerca de aspectos neuropsicológicos têm contribuído

principalmente nas áreas da identificação das funções neuropsicológicas

comprometidas, da relação entre as disfunções e as características clínicas, da

comparação entre as disfunções de pacientes com TOC e com outros diagnósticos

psiquiátricos – diferenças em relação a sujeitos com episódio depressivo maior e

com esquizofrenia –, e da relação entre as disfunções neuropsicológicas e as teorias

neuroquímicas do transtorno (FONTENELLE, 2001). Na área da identificação das

funções neuropsicológicas comprometidas foram observados: desempenhos

diversos na memória para ações - dificuldade em recordar a realização de ações

anteriores – e na monitorização da realidade – dificuldade em determinar se uma

1026

ação foi realizada ou apenas imaginada –; e achados de comprometimento do

desempenho em testes que avaliam a função executiva – classicamente associada

aos lobos frontais – em adultos, foram achados em sujeitos com TOC e em sujeitos

com sintomas obsessivo-compulsivos subclínicos. Em sujeitos com TOC também

foram observados: comprometimento da memória não-verbal e de habilidades

visoespaciais, que têm conduzido à hipótese de disfunção dos lobos frontais e do

hemisfério não-dominante; lentidão na execução de testes neuropsicológicos. Na

área da relação com características clínicas, correlações positivas entre alterações

neuropsicológicas específicas – e.g., habilidades visoespacias – e aspectos clínicos,

como o gênero, o tempo de enfermidade, gravidade de sintomas depressivos,

gravidade dos sintomas obsessivo-compulsivos, já foram estabelecidas em diversos

estudos (FONTENELLE, 2001).

Estudos comparando sujeitos com outros diagnósticos psiquiátricos,

semelhanças neuropsicológicas com sujeitos com tricotilomania, transtorno

dismórfico corporal e fobia social foram encontradas (FONTENELLE, 2001).

Estudos clínicos, de imagem e genéticos apresentam evidências de uma

provável ligação entre TOC e tiques (GONZALEZ, 1999).

O TOC apresenta várias comorbidades, destacando-se a depressão, a

fobia social, o uso de álcool, fobias específicas, pânico e transtornos alimentares

(APA, 1995; CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b).

Dentre as comorbidades, a depressão apresenta-se como a complicação

de maior freqüência, relacionando-se – como característico da presença das

comorbidades – com gravidade, cronicidade, resposta terapêutica insatisfatória e

pior prognóstico, além de ser a causa mais comum de internação hospitalar

(PETRIBÚ, 2001). A existência de sintomas depressivos associados ao TOC foi

observada como vinculada a alterações negativas mais significativas na qualidade

de vida do sujeito com TOC (NIEDERAUER et al., 2007).

O álcool e drogas, às vezes são usados, inapropriadamente, para lidar

com os sintomas do TOC (TORRES; LIMA, 2005).

1027

Com relação ao transtorno afetivo bipolar, Costa (2008) em revisão de

literatura identificou estudos apontando taxas deste transtorno entre 2,7 e 17,7% nos

sujeitos com TOC.

Costa et al. (2007), em estudo de revisão de literatura, referem-se à

existência de associação entre migrânea 14 e transtornos psiquiátricos,

principalmente depressão e transtornos ansiosos, com maior prevalência destes em

sujeitos com migrânea do que entre a população geral. Registra existência de

estudo indicando que especificamente com relação ao TOC, prevalência quatro

vezes maior foi encontrada entre os sujeitos migranosos.

O diagnóstico diferencial do TOC pode apresentar-se como tarefa

relativamente complexa devida à sobreposição de manifestações clínicas deste a

vários outros transtornos mentais. Recordamos ainda que a ocorrência de sintomas

obsessivo-compulsivos por si só não determina um diagnóstico de TOC, podendo

aqueles ocorrer como manifestação não patológica de determinadas fases da vida –

e.g., rituais de verificação pelos pais de recém-nascido, acerca do bem-estar deste –

ou como parte da manifestação clínica de outros transtornos (TORRES, 2001).

Exemplos de enfermidades que fazem diagnóstico diferencial com o TOC

são: Transtorno de Tourette, epilepsia de lobo temporal, esquizofrenia, depressão

(SADOCK; SADOCK, 2007b), fobias, hipocondria, transtorno de tiques, transtorno

dismórfico corporal, transtornos alimentares, transtorno de controle de impulsos e

transtorno de ansiedade generalizada (TORRES, 2001).

No processo diagnóstico do TOC, segundo critérios do DSM-IV-TR

(2002), a perturbação não deve ocorrer como resultado dos efeitos fisiológicos

diretos de uma substância – sejam drogas ilícitas ou medicamentos – ou de uma

condição médica geral; e, na presença de outros transtornos do eixo I, o conteúdo

das obsessões ou compulsões não deverá estar restrito a estes outros transtornos

(APA, 2002).

14

A migrânea é uma cefaléia primária comum e incapacitante. Com relação a vínculo neurofisiológico com o sistema

serotonérgico, destaca-se a contribuição significativa à compreensão acerca dos mecanismos da migrânea obtidas com o surgimento dos triptanos – agonistas dos receptores serotoninérgicos 5-HT1B/D – como drogas eficazes no tratamento das suas crises (SUBCOMITÊ DE CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALÉIAS DA SOCIEDADE INTERNACIONAL DE CEFALÉIA, 2006).

1028

2.1.5 Evolução

O curso do transtorno costuma ser crônico (APA, 2002; CORDIOLI, 2007;

NIEDERAUER et al., 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b; TORRESAN et al., 2008),

com alguns sujeitos com evolução flutuante (APA, 1995; NIEDERAUER et al., 2007;

SADOCK; SADOCK, 2007b; TORRESAN et al., 2008) e outros constante, com

exacerbações secundárias a eventos estressantes (APA, 2002; SADOCK; SADOCK,

2007b).

São indicadores de melhor prognóstico o bom ajustamento pessoal, social

e profissional, quadros episódicos e obsessões sem compulsões (SADOCK;

SADOCK, 2007b), sendo a remissão completa dos sintomas um dos fatores que

mais assegura a não recaída (FERRÃO et al., 2007). Outros fatores sugeridos como

relacionados a um melhor prognóstico seriam a idade tardia de início do transtorno,

sintomas obsessivos apresentando-se com menor gravidade, transtornos de

personalidade pré-mórbidos ausente, menor freqüência de comorbidade, terapêutica

apresentando boa resposta inicial, ausência de transtornos psiquiátricos nos pais

(MIRANDA; BORDIN, 2001).

Torres e Lima (2005), em revisão acerca da epidemiologia do TOC,

encontraram registro indicando taxa de 26% de tentativa de suicídio.

A qualidade de vida pode sofrer conseqüências sérias pelo TOC, com

interferência negativa em vários domínios – estudantil, profissional, familiar, afetiva,

social, financeira – da vida do sujeito com o transtorno, com repercussões sobre a

vida de pessoas próximas, familiares, amigos, destacando-se também seu custo

social – dependência financeira, desemprego, uso de serviços de saúde por sujeitos

cuja fase de vida deveria ser a mais produtiva (TORRESAN et al., 2008).

Estima-se que cerca de 40% dos sujeitos com TOC não obtenham

resposta satisfatória aos sintomas com o tratamento adequado (FERRÃO et al.,

2007; LOPES et al., 2004). Tal grupo é subdividido, utilizando-se a diferenciação

proposta por Rauch e Jenike, citados por Ferrão et al. (2007), em resistentes e

1029

refratários: os primeiros definidos como aqueles sujeitos que se submeteram a um

ensaio com um tratamento de “primeira linha” e não obtiveram resposta satisfatória,

e os segundos como os que não responderam satisfatoriamente a vários

tratamentos apropriadamente administrados.

A ausência de resposta aos tratamentos pode decorrer de diversos

fatores como, e.g.: a inadequada indicação da alternativa terapêutica; o uso de

subdosagens; o uso de dosagens eficazes por período de tempo inadequado; as

características constitucionais do sujeito – que alteram a farmacocinética das

drogas, o efeito de psicofármacos, como, e.g., a genética, o peso e a idade; os

fatores relacionados ao não engajamento do paciente ao tratamento, como a

influência familiar, a presença de efeitos colaterais indesejáveis – afetando a

qualidade de vida do enfermo (TORRESAN et al., 2008), os custos, investimento

emocional – psicoterapias, tempo de duração do tratamento; a experiência do

profissional, dificuldade de acesso ao tratamento adequado, dentre outros. Além de

fatores intrínsecos ao transtorno, como o início precoce, conteúdo dos sintomas,

fenômeno sensorial, maior gravidade no início dos sintomas, juízo crítico pobre,

presença de tiques e comorbidades – podendo causar interferência na resposta ao

tratamento ou exigir terapêutica diversa daquela orientada para o TOC isoladamente

–; alguns ainda sem comprovação de relação causal com a resistência ao

tratamento (FERRÃO et al., 2007).

A influência familiar pode conduzir negativamente a evolução e

tratamento do sujeito com TOC, através de mecanismos de acomodação –

constituída através da participação do familiar nos sintomas, favorecendo a

realização da compulsão, terminando por, sem aperceber-se, reforçar os sintomas

do sujeito – e de hostilização – percebida pelo enfermo em relação a como os seus

familiares lidam com seu problema (FERRÃO et al., 2007; SADOCK; SADOCK,

2007b; STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003); que podem contribuir para aumentar o

grau de desgaste familiar (SADOCK; SADOCK, 2007b). A presença do diagnóstico

nos familiares, ou a presença de sintomas ou traços do transtorno nestes, podem

levá-los a simpatizarem e até encorajarem comportamentos obsessivo-compulsivos.

As razões para um tratamento adequado não apresentar eficácia, podem

estar relacionadas ao aspecto multifatorial da etiologia da enfermidade, tendo alguns

1030

autores buscado correlacionar à resposta ao tratamento, características clínicas,

neurobiológicas e genéticas do transtorno, possibilitando a realização de predições

acerca de quais tratamentos seriam mais indicado para determinado caso (FERRÃO

et al., 2007).

2.1.6 Tratamento

Apesar dos resultados obtidos com o tratamento, raramente os sujeitos

com TOC ficam assintomáticos (FERRÃO et al., 2007; MARQUES, 2001).

O tratamento preconizado como de “primeira linha” para o TOC segue

dois eixos não excludentes: a farmacoterapia, com uso de medicamentos inibidores

seletivos da recaptação de serotonina – ISRS, e a psicoterapia. Mudanças de

fármacos – dentro da mesma classe, ou para outra –, associações medicamentosas

– promovendo potencializações serotoninérgicas e/ou atuando em outros

neurotransmissores –, medicações endovenosas, uso de psicoterapia intensiva,

abordagem familiar, estimulação magnética transcraniana (FERRÃO et al., 2007;

MANSUR et al., 2004), estimulação cerebral profunda (FERRÃO et al., 2007),

neurocirurgia (FERRÃO et al., 2007; LOPES et al., 2004), fazem parte da

abordagem a pacientes resistentes ou refratários aos tratamentos de “primeira linha”

(FERRÃO et al., 2007). A eletroconvulsoterapia, não é indicada para sintomas

obsessivo-compulsivos a não ser quando existe comorbidade com depressão,

principalmente com risco de suicídio (SHAVITT et al., 2001).

O recurso da hospitalização pode ser alternativa viável, quando os

sintomas escapam do controle e a família não tem rede de apoio ou esta é precária

(SADOCK; SADOCK, 2007b), ao sujeito com quadro grave, resistente ou refratário

(FERRÃO et al., 2007).

1031

A existência de comorbidades psiquiátricas nos sujeitos com TOC implica

na necessidade também do tratamento daquelas, tornando freqüentemente os

tratamentos mais longos (PETRIBÚ, 2001).

A seguir procuramos discorrer sobre o tratamento psicoterápico e

farmacológico do TOC.

O tratamento psicoterápico tem como indicações, com eficácia

demonstrada, as abordagens cognitivo-comportamental (CORDIOLI, 2007; FERRÃO

et al., 2007; HYMAN et al., 2006) e comportamental (CORDIOLI, 2007; SADOCK;

SADOCK, 2007b), destacando-se a técnica de exposição com prevenção de

resposta como a de melhor eficácia (FERRÃO et al., 2007; STEKETEE; PIGOTT,

2009). Como um dos efeitos da psicoterapia – terapia cognitivo-comportamental –

têm-se a diminuição na incidência e na rapidez das recaídas após a suspensão da

farmacoterapia (MARQUES, 2001).

A utilização do recurso representado pelos familiares no processo

terapêutico comportamental pode ser recurso útil na execução de exercícios

comportamentais, desde que sob treinamento e supervisão profissional e em

situações em que a participação daqueles não possa resultar em conflitos

interpessoais (WIELENSKA, 2001).

A terapia de grupo, a psicoterapia de apoio e a terapia familiar, também

constituem recursos valiosos no arsenal psicoterapêutico para o TOC (SADOCK;

SADOCK, 2007b). A terapia residencial intensiva e a inclusão da abordagem familiar

são consideradas como alternativas terapêuticas para pacientes graves (FERRÃO et

al., 2007).

As tentativas de intervenções familiares visando reduzir níveis de

acomodação familiar e trabalhar “emoções expressas” obtiveram resultados

superiores a tratamento padrão sem abordagem de familiares em pacientes

refratários a vários tratamentos (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003).

O uso de agonista parcial do receptor glutamatérgico do N-metil-D-

aspartato – NMDA –, D-cicloserina como potencializador de resposta à terapia

comportamental, para pacientes com TOC resistentes ou refratários, ainda é pouco

estudado (FERRÃO et al., 2007).

1032

A farmacoterapia - efetiva em 40 a 60% dos casos e primeira escolha

quando há comorbidades (CORDIOLI, 2007) - baseia-se no uso de substâncias que

regulam a atividade de neurotransmissores, notadamente o neurotransmissor

serotonina.

No tratamento farmacológico atual são medicações de “primeira linha”, a

clomipramina e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina: sertralina,

paroxetina, fluvoxamina, fluoxetina (SADOCK; SADOCK, 2007b; SADOCK;

SADOCK, 2002; VERSIANI, 2001), citalopram e escitalopram (FINEBERG et al.,

2007; NUTT; BALLENGER, 2009). 15

Não há, a princípio, diferenças entre o efeito terapêutico da clomipramina

e dos ISRS, existindo diferenças no tocante a efeitos colaterais 16, 17 mais presentes

com o uso da primeira (CORDIOLI, 2007).

Efeitos colaterais com o uso de drogas “antiobsessivas” 18 constituem

uma das principais razões para não-adesão, descontinuação precoce do tratamento

ou mudança prematura nas prescrições, podendo ocorrer em função da droga

utilizada, alguns desaparecendo ou reduzindo sua intensidade com a manutenção

do uso, com alterações/ajustes posológicos – horários e doses –, mudanças de

hábitos de vida, observação de cuidados e realização dos mesmos preventivamente,

ou ainda com o uso de drogas adequadas para o tratamento desses efeitos

colaterais. Cabe relatar que alguns efeitos pela sua intensidade, persistência ou grau

de comprometimento acabam por indicar a substituição do fármaco utilizado. Há que

se destacar também a influência das características e variações individuais do

sujeito, a presença de comorbidades e o uso de outras drogas, quando da

15

A sertralina, a paroxetina, a fluvoxamina e a fluoxetina são os ISRS atualmente aprovados pelo “Federal Drug

Administration” – FDA – norte-americano para o tratamento do TOC (STEKETEE; PIGOTT, 2009). 16

À clomipramina comumente apresentam-se como efeitos colaterais: efeitos cardiocirculatórios, como hipotensão postural –

bloqueio alfa1-adrenérgico – e alterações no ritmo cardíaco – efeito anticolinérgico; sedação; ganho de peso, em função da modulação do sistema hipotalâmico resultante de bloqueio de receptores 5HT1 e 5HT2C; retardo ejaculatório por bloqueio de receptores alfa1-adrenérgicos e 5HT1A; e efeitos anticolinérgicos como boca seca, constipação intestinal, retenção urinária e visão borrada (CORDIOLI, 2001). 17

Ao uso dos ISRS comumente apresentam-se colateralmente, com variações também na dependência da substância

utilizada: náuseas; vômitos; dispepsia; insônia; disfunções sexuais, provavelmente pela estimulação crônica de 5HT2; aumento de ansiedade e inquietação no início do tratamento; cefaléia; dentre outros efeitos colaterais (CORDIOLI, 2001; SADOCK; SADOCK, 2002). 18

Efeitos colaterais das medicações serotonérgicas são por vezes relacionados a receptores dispersos de serotonina que são

ativados de modo indiscriminado por muitos destes medicamentos (SADOCK; SADOCK, 2007a).

1033

prescrição farmacoterápica, com relação ao surgimento de efeitos colaterais

(CORDIOLI, 2001).

A ausência de resposta 19 a um desses fármacos não parece implicar na

ausência de resposta a todos os componentes da mesma classe 20, e dentre as

drogas utilizadas em monoterapia, nas doses preconizadas e por via oral, não há

evidência de superioridade de nenhuma em relação às outras (FERRÃO et al.,

2007). O uso dos ISRS, segundo alguns autores, promove a remissão dos sintomas

em aproximadamente 60% dos pacientes (MARAZZITI; NASSO, 2000).

Diversos outros fármacos como, e.g., os Inibidores da Monoamino-

Oxidase – IMAO – (SADOCK; SADOCK, 2007b; SHAVITT et al., 2001), também tem

sido utilizados como opção farmacoterápica. O uso dos IMAO deve restringir-se a

alguns casos não respondedores aos agentes inibidores de recaptação de

serotonina, e que disponham de profissional com experiência em lidar com questões

como as interações perigosas entre certos alimentos e essa classe de medicação

(STEKETEE; PIGOTT, 2009).

Além do uso exclusivo de um fármaco, as associações medicamentosas –

com antipsicóticos, e.g. – (VERSIANI, 2001) também podem ter indicações na

farmacoterapia do TOC, como no contexto de casos resistentes (FERRÃO et al.,

2007; SHAVITT et al., 2001), exigindo-se especial atenção ao universo das

interações medicamentosas, que se destaca ainda mais quando considerado o

tratamento associado de outras enfermidades/comorbidades.

Segundo Marques (2001) os estudos que investigam os índices de

recaída demonstram ser esta a regra após a interrupção do tratamento. Verificando

também que a manutenção da farmacoterapia implica em menor taxa de recaída,

que as doses de manutenção ainda não estão definidas, e recomendando a

permanência das doses utilizadas na fase aguda, durante a fase de manutenção,

levando em consideração a tolerância aos efeitos colaterais.

19

O uso de um inibidor de recaptação de serotonina em sua dose máxima indicada e tolerada e durante cerca de três meses,

são necessários para uma indicação de que um sujeito em tratamento não respondeu à medicação (MARQUES, 2001). 20

As diferentes respostas, entre sujeitos, a um e não a outro ISRS podem ser explicadas pelo compartilhamento de poucos

aspectos moleculares dos ISRS (SADOCK; SADOCK, 2002).

1034

Como alternativas à monoterapia em sujeitos não-respondedores a esta

modalidade, Ferrão et al. (2007) enumeram: a superdosagem – cujos dados na

literatura são ainda insuficientes para avaliar o risco/benefício desta intervenção –; o

uso de medicação intravenosa, embasado em não efeito de metabolização hepática

de primeira passagem, aumento de biodisponibilidade no SNC e maior velocidade

de obtenção de concentração sangüínea máxima; e a associação medicamentosa,

pautada na hipótese de que o TOC possui etiologia multifatorial, relacionando-se a

diferentes circuitos cerebrais, além dos sensíveis a drogas serotoninérgicas, ou

diferentes locais nesses circuitos. Nesta última alternativa incluindo-se: o uso de

moduladores do sistema dopaminérgico; a potencialização serotoninérgica através,

e.g., de eventos farmacocinéticos como a inibição enzimática de enzimas do

citocromo P450 determinando aumento de concentração do fármaco-substrato não

metabolizado, e de eventos farmacodinâmicos como a potencialização de inibição

de recaptura de serotonina e a potencialização da atividade serotoninérgica por

outras vias além de inibição de recaptura. O uso de moduladores do sistema

glutamatérgico apresenta poucos dados acerca de sua eficácia para o tratamento do

TOC (FERRÃO et al., 2007).

Sabe-se que pacientes submetidos a uma mesma farmacoterapia, do

mesmo modo que aqueles com um mesmo diagnóstico podem apresentar diferentes

evoluções e resultados. Para a definição da estratégia de intervenção e para a

evolução e prognóstico de uma enfermidade, além do diagnóstico, outras variáveis

“extraclínicas” são importantes. Dentre estas variáveis exemplificam-se, os recursos

relativos ao paciente – individuais, tais como o gênero, o nível cognitivo, vida

solitária ou não, e do seu contexto, destacando-se o ambiente familiar e social em

que vive, ressaltando-se as questões de solidariedade, hostilidade e agregação – e

aos serviços de atenção – recursos materiais, organizativos, estruturais, e o contexto

desses recursos. (SARACENO; ASIOLI; TOGNONI, 1994).

Como observado, a complexidade do TOC – heterogeneidade clínica,

diferentes respostas aos tratamentos, diferentes evoluções, dentre outros aspectos –

, as características relativas ao próprio sujeito e a interferência do contexto social e

familiar, podem contribuir para o agravamento do transtorno e gerar dilemas que

intermediam o provimento de cuidado doméstico.

1035

No próximo tópico investiremos no papel da família, que no nosso País é

a principal base de suporte e provimento de cuidados, procurando mostrar o aspecto

do deslocamento do cuidado pelas Políticas de Saúde Mental para a família, que se

encontra despreparada para esta função e para o surgimento de um sujeito com

transtorno mental em seu meio. Tal contexto resultante da presença do transtorno

mental acabando por poder gerar ao familiar-cuidador sobrecarga, em decorrência

de uma ruptura no ciclo de vida “normal” – quebra da expectativa de filhos

saudáveis, adultos independentes e até provedores financeiros e de cuidados aos

membros idosos e mais jovens do grupo – e da secundarização de projetos e

necessidades pessoais em função do prestar cuidados ao familiar com o transtorno

mental.

Conseqüentemente esse cenário impõe também uma abordagem

complexa acerca dos cuidados domésticos à pessoa com TOC, cercada por

questões históricas, culturais, sócio-demográficas e psicológicas, consideradas no

processo de tratamento por Saraceno (1994) como “variáveis sombra” que

interferem na inserção comunitária da pessoa com transtorno mental, como será

tratado a seguir.

2.2 O PROVIMENTO DE CUIDADO DA PESSOA COM O TRANSTORNO MENTAL

NO SEIO DA FAMÍLIA

O diagnóstico e a vivência com TOC comumente requer o provimento de

cuidado no grupo familiar de origem da pessoa com esse quadro clínico ou no

mínimo com sintomas que impedem que os demais conviventes sejam indiferentes

nas relações cotidianas. Para entender a complexidade que contorna o provimento

de cuidado na família de pessoas com TOC, se faz necessário compreender

historicamente o grupo familiar no contexto brasileiro, definindo sua forma de

1036

organização bem como as mudanças que a afetaram e que vão interferir na relação

entre o cuidador e a pessoa dependente de cuidados.

2.2.1 Breve contextualização histórica da relação entre o Estado/Políticas

Públicas e os grupos familiares no Brasil

Prover cuidado de uma pessoa com transtorno mental exige entender

como se desenhou historicamente a relação entre o Estado e o grupo familiar no

contexto brasileiro.

Diferentemente da realidade dos países Ocidentais com Estado de Bem-

Estar robusto, que reconheceu a cidadania plena de seus moradores, sobretudo

após a segunda guerra mundial, assumindo várias funções anteriormente ao

encargo das famílias, o Estado brasileiro historicamente conformou uma cidadania

ocupacional (SANTOS, 1987) na década de 1930 que incluiu apenas os

trabalhadores que se inseriam no mercado de trabalho com carteira assinada e

profissão reconhecida oficialmente.

No contexto da cidadania ocupacional, as famílias persistiram como

principal fonte de construção da identidade de cada cidadão brasileiro bem como

lugar de provimento de cuidado.

Mas com relação à pessoa com transtorno mental o Estado brasileiro, ao

transportar o modelo hospitalocêntrico francês, estabeleceu uma outra relação

custodiando e tutelando aquele sujeito. O modelo de hospital psiquiátrico iniciado no

Rio de Janeiro, em 1852, impunha a segregação em determinadas instituições,

denominadas por Goffman (1988) como instituições totais, por fechar o sujeito na

racionalidade institucional, fora do espaço-tempo imposto pela modernidade. Isto é,

a pessoa com transtorno mental passava a ter suas necessidades atendidas

exclusivamente em um único espaço, o serviço de saúde mental, passando a usar

1037

uniformes e tendo que se submeter a uma disciplina e um cotidiano que mortificava

o seu “eu”. Nesse contexto à família da pessoa com o transtorno mental restava

informar sobre seu histórico, servindo como um recurso em caso de necessidade e

sendo transformada em visita.

Ou seja, a tomada de cuidado exclusivamente pelos serviços de saúde

governamentais retirava das famílias seu papel de cuidadora, até porque no

imaginário social se difundia que “lugar de doido é no hospício”. Muitas pessoas com

transtorno mentais se tornavam moradoras desses locais, excluindo qualquer

participação da família.

A partir de denúncias de abandono e maus-tratos sofridos nos

manicômios e com os avanços psicofarmacológicos dos anos de 1950, iniciam-se

processos reformistas, primeiramente na Inglaterra, depois na França, Estados

Unidos e Itália.

De 11 a 14 de novembro de 1990, em Caracas/ Venezuela, a partir de

discussões sobre a reestruturação da assistência psiquiátrica, é instituída a

Declaração de Caracas, que condena o manicômio – figura usada como sinônimo

para hospital psiquiátrico por: isolar e incapacitar socialmente o doente, ameaçar os

direitos humanos e civis dos enfermos, consumir a maior parte dos recursos

destinados aos serviços de saúde mental, e fornecer ensino insuficientemente

associado às necessidades de saúde mental (BRASIL, 2004a).

A condenação destas instituições manicomiais estrutura-se a partir de

quatro eixos: ético-jurídico – pela violação dos direitos humanos das pessoas com

transtornos mentais; clínico – em função da ineficácia terapêutica e da condição de

agente patogênico e cronificador, historicamente assumido por tais instituições;

institucional – devido tais instituições se constituírem como espaço de violência,

institucionais totais, que mortificam, sujeitam; sanitário – em função da organização

do modelo assistencial figurar como “cidade dos loucos”, produzindo a loucura

administrativa, executiva e organizacional (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA

SAÚDE, 1990).

Apenas em 1991 a Organização das Nações Unidas – ONU – divulga

documento que trata da proteção de pessoas com problemas mentais e da melhoria

1038

da assistência à saúde mental. Assim tem início a assunção legal e oficial da pessoa

com transtorno mental como pessoa com dignidade humana e como sujeito de

direitos reconhecidos socialmente.

No Brasil os processos reformistas em saúde mental têm início no final da

década de 1970, pela influência das mudanças desencadeadas pelo processo

italiano, incrementado por Franco Basaglia, e pelas mudanças exigidas a partir do

processo de redemocratização da sociedade brasileira, desencadeada por vários

fatores, dentre os quais, as pressões dos movimentos sociais e dentre estes o

Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (AMARANTE, 1995) gerando o

Movimento da Luta Antimanicomial (TENÓRIO, 2002).

Na década de 1990 o Governo Brasileiro através do Ministério da Saúde

inicia um processo de reestruturação da assistência psiquiátrica, criando fontes de

financiamento para manutenção de serviços comunitários, de “portas abertas”, pois

até então apenas os hospitais psiquiátricos recebiam tais recursos federais.

Somados a isso, inicia-se um processo de avaliação sistemática dos hospitais

psiquiátricos impondo indicadores mínimos para a qualidade assistencial,

desestimulando a abertura de novos hospitais psiquiátricos e estimulando que os

serviços em saúde mental sejam prioritariamente de natureza público-estatal.

Como desdobramento desses processos, em abril de 2001 é aprovada a

Lei nº 10.216 que “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de

transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial” (BRASIL, 2004a).

Inicia-se processo de restituição do asseguramento dos direitos civis, às

liberdades básicas, haja vista que até então havia a tendência de perda dos mesmos

em decorrência de um diagnóstico ou internação psiquiátrica.

Nesse contexto, alguns familiares são instados a mudar da posição de

informantes e visitantes para cuidadores informais de pessoas com transtornos

mentais. O lócus do cuidado se desloca dos hospitais psiquiátricos para o contexto

comunitário e familiar. Tal mudança gera vários dilemas e questões para serem

equacionadas pelos grupos familiares provedores de cuidado.

Na cultura da sociedade ocidental e também na brasileira, o sujeito

observado como passível de cuidado é no geral a criança, pois nasce dependente

1039

dos cuidados de terceiros, mas é esperado socialmente que cresça e desenvolva o

auto-cuidado. Nenhum grupo está preparado para cuidar de uma pessoa adulta com

transtorno mental (MELMAN, 2001). Tal experiência impacta o grupo familiar, que

tem que lidar com um cuidado complexo, “desreferenciado” sócio-culturalmente e

num contexto de intensas transformações internas da própria família brasileira que

se pluralizou, diversificando-se, o que exige que o conceito seja utilizado no plural,

família(s), bem como que a avaliação do seu aprimoramento seja balizada pelas

novas configurações que assume, impondo mudanças nos papéis historicamente

construídos para cada um de seus integrantes.

2.2.2 Famílias brasileiras em um cenário histórico de constantes e intensas

mudanças sociais

Para analisar as famílias faz-se, segundo Rosa (2003), necessário partir

do pressuposto de que se conforma como um grupo construído historicamente,

datado e localizado.

Sua história no Brasil é marcada por modelos que se apresentaram ao

longo do tempo, concordantes com a própria formação sócio-econômica e cultural

do país. Vários modelos de sua organização se apresentaram no decorrer histórico,

embora sob a égide do modelo dominante. Os segmentos de baixa renda se

organizaram conforme foi possível em uma sociedade escravocrata e avessa a uma

organização oficial deste segmento, o que repercutiu na estruturação dos papéis e

funções atribuídas a seus integrantes. Coexistiram assim em um mesmo período

várias formas de organização familiar, além de sofrerem variações também nas

diferentes regiões do país (ROSA, 2003b).

1040

O processo de estruturação da família brasileira inicia-se baseado no

modelo patriarcal 21 trazido pelos colonizadores após o descobrimento, passando

pelo modelo matricêntrico 22 ressaltado a partir do processo de interiorização do

Brasil – principalmente com a fase do ouro no século XVII – e pelo início de

mudanças no papel feminino com a vinda da família real para o Brasil, todavia ainda

com a preponderância do modelo patriarcal (ROSA, 2001).

Com a Independência do País e os processos de instituição do Estado e

de urbanização, onde a família patriarcal apresentava-se como óbice à consolidação

dos avanços políticos e econômicos, associados ainda ao movimento higienista,

passa-se progressivamente à constituição da “família conjugal” (ROSA, 2001;

ROSA, 2003b) caracterizada principalmente por ser estruturada em um casamento

determinado por amor, centrada no casal e na criança, na divisão sexual de funções

e de trabalho – homem como referência moral e provedor financeiro, com as funções

“extra-lar”; mulher como esposa, mãe, educadora, dona de casa, com suas funções

incorporadas socialmente como ato de amor e portando não-remuneradas (ROSA,

2003b) –, e onde a família deixa de ser auto-suficiente, como uma unidade de

produção e passa a ser uma unidade de consumo (ROSA, 2001).

Em fins do século XIX destaca-se progressivamente o modelo da “família

conjugal moderna”, reforçado pelo aumento das imigrações de estrangeiros com

suas tradições familiares já ajustadas à estrutura deste modelo que surgiu

gradualmente na Europa concomitantemente ao aparecimento da sociedade

moderna. No século XX ocorrem alterações na “família conjugal moderna” como

resultado de mudanças sociais, culturais e econômicas, como, e.g., as mudanças no

papel da mulher na sociedade, o movimento feminista e a crise nas funções

tradicionalmente atribuídas ao homem no papel de provedor financeiro da família,

21

A “família patriarcal”, dominante, porém minoritária, característica dos colonizadores, é historicamente a mais visível por ser

a mais descrita na literatura, tendo influenciado o próprio segmento dos escravos como estratégia de resistência à separação de seus membros e de reconhecimento social (ROSA, 2001). Caracterizava-se por ser o modelo das elites agrárias – cujo sistema requeria uma população mais fixa, proporcionando uma formação familiar mais estável –, composta pelo casal, filhos, outros parentes, escravos, afilhados; formatada com base no casamento por interesses econômico e político, muitas vezes realizado entre parentes; possuía influência política, dividindo poder com o Estado e a Igreja; valorizava-se e centralizava-se no espaço privado, possuindo uma rígida divisão sexual do trabalho: a mulher, submissa ao marido, limitava-se ao universo privado da casa, caracterizado por ser uma unidade de produção, consumo, assistência social, religiosa e médica, e ao homem cabendo as funções militares, religiosas e empresariais, estando mais associado ao espaço público (ROSA, 2003b). 22

A “família matricêntrica”, cujo eixo é a figura feminina e que tem como alicerce o convívio e manutenção da unidade

doméstica, é característica do segmento dos sujeitos pobres livres, brancos ou ex-escravos, e dos escravos, apresentando formato estrutural nem sempre constante e com alterações na direção dos modelos das elites. Historicamente destaca-se a partir do processo de interiorização do Brasil com o deslocamento do eixo econômico e também da direção política, da região Nordeste para o Sudeste do país, criando-se, em função da nova configuração comercial, a necessidade de migrações da mão de obra, o que se tornava obstáculo a casamentos, aumentando a ilegitimidade dos filhos (ROSA, 2001; ROSA, 2003b).

1041

que quando incapaz de desempenhá-lo plenamente, tende a receber auxílio da

mulher, que adiciona às funções do lar o trabalho fora de casa. Este novo padrão

familiar caracteriza-se por ter uma estrutura mais dinâmica e flexível, com relações

baseadas em rede de solidariedade, com maior número de mulheres chefiando as

famílias, e com filhos chegando a desempenhar atividades laborais 23, auxiliando ou

até constituindo fonte principal de renda, e sendo criados também por outros

membros da rede de parentesco ou de amizade, ou ainda em lares substitutos

(ROSA, 2003b).

Contemporaneamente, em face das mudanças demográficas,

econômicas, sociais e culturais, interferindo nos padrões de organização familiar

(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE, 2008a),

resultando em processos de remodelação familiar rumo ao casal igualitário, do

controle da natalidade 24, dos divórcios – aumentando o número de famílias

recombinadas, que agregam outros integrantes não consangüíneos –, da

reconceituação da categoria trabalho, das lutas e conquistas – Constituição de 1988

– pela igualdade entre os gêneros, das uniões homossexuais (ROSA, 2003b), criam-

se novas conformações de famílias que se apresentam em contínuo e dinâmico

processo de modelação.

A identidade e o comportamento de cada integrante da família dentro do

grupo e de cada grupo familiar em si, são determinados pela localização do mesmo

e, sobretudo de seus chefes na estrutura produtiva (ROSA, 2003b).

As variações na chefia do grupo familiar, a ausência de um dos membros

na organização da família, a permanência de membros que se esperaria já estar

constituindo novos núcleos familiares, o regresso para o grupo familiar de origem –

secundariamente a experiências conjugais sem êxito, e.g. –, as alterações impostas

pela necessidade de sobrevivência econômica, social ou emocional, o surgimento de

um sujeito com transtorno mental em seu seio, dentre outras, são desafios

apresentados às famílias na sociedade contemporânea.

23

A inserção dos filhos no mercado de trabalho, determinada pela necessidade de sobrevivência física, econômica,

principalmente nas famílias gerenciadas apenas pela mulher adulta – monoparental feminina – constitui-se em fenômeno de adaptação sociocultural e não de desorganização familiar, contudo prejudicial ao desenvolvimento daqueles que assumem, em época precoce da vida, a função de geradores de renda, podendo ainda no contexto, assumir a função de autoridade diante dos irmãos menores (ROSA, 2003b). 24

A redução no tamanho da família acaba por resultar em menor número de sujeitos para prestar cuidados, terminando por

sobrecarregar ainda mais o gênero feminino no papel de cuidar (ROSA, 2003b).

1042

Análise realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE

(2008a), em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD de 2007,

acerca do diferencial entre o rendimento do cônjuge e da pessoa de referência na

família 25, no contexto dos arranjos familiares constituídos por casais, sugere que a

indicação deste sujeito de referência na família não está mais, como outrora, tão

relacionada ao papel de principal provedor 26. O papel de principal provedor

financeiro antes atributo exclusivo do gênero masculino, começa a ser reavaliado em

decorrência do aumento do número de famílias formadas por casais com filhos e

chefiadas por mulheres, alterando-se segundo Pinheiro et al. (2008), com base em

dados da PNAD, de 3,4% em 1993 para 18,3% em 2007.

Em sua PNAD-2007, o IBGE (2008a) verifica como características do

sujeito de referência na família, em arranjos familiares unipessoais residentes em

domicílios particulares, um predomínio do gênero feminino no Estado do Piauí,

característica diversa da verificada no cômputo geral Região Nordeste e também da

Norte e Centro-Oeste; e no relativo à faixa etária preponderante entre esses sujeitos,

o grupo de 60 ou mais anos de idade, concordante com o valor geral de todas as

Regiões do Brasil. No tocante ao arranjo dos casais residentes em domicílios

particulares, a faixa etária prevalente na Região Nordeste e na contabilidade total do

País corresponde ao grupo dos 25 aos 34 anos.

Considerando-se a diversidade de denominações de variados tipos de

arranjos familiares, destacamos como exemplos de classificações Rosa (2003a) e

IBGE (2008). Rosa (2003a) enumera como tipos distintos de organizações

familiares: a família nuclear ou conjugal moderna – pai e mãe, e seus filhos; família

conjugal ampliada – família nuclear adicionada de outros elementos do parentesco;

família monoparental – chefiada por apenas um membro adulto, a mulher ou o

homem; família de colaterais – ocorre quando a chefia da família é assumida por um

ou mais irmãos adultos; família unipessoal – constituída por um único sujeito; e as

novas conformações compostas pelos casais homossexuais, pelas famílias

constituídas a partir de famílias desfeitas e refeitas, recombinadas e outras,

alicerçadas nas relações afetivas e não em parentesco. Enquanto o IBGE (2008a)

25

A pessoa de referência na família é classificada, segundo o IBGE (2008a), como aquela responsável pela família ou deste

modo considerada pelos integrantes da família. 26

A escolha do sujeito de referência pelos moradores de um domicílio, no contexto das pesquisas domiciliares do IBGE,

ocorre através da livre indicação dos moradores, sem nenhuma intervenção quanto à escolha pelo Instituto (IBGE, 2008a).

1043

elenca como tipos de organizações familiares, residentes em domicílios particulares:

a família unipessoal; os arranjos com parentesco e os sem parentesco; o casal sem

filhos e com outros parentes, o casal sem filhos e sem parentes; o casal com filhos,

com parentes e o sem parentes; a mulher sem cônjuge com filhos, com parentes e

sem parentes; e, outros tipos com parentesco.

As mudanças na configuração histórica das famílias impuseram redução

no seu tamanho, nos papéis de seus membros, sobretudo da mulher, que de

trabalhadora do lar, passa a ser onerada com o somatório do trabalho extra-lar,

colocando limitações para sua condição construída socialmente como principal

cuidadora de pessoas enfermas das famílias (ROSA, 2003b). Desse modo o próprio

conceito de família(s) torna-se complexo, impondo significados distintos a partir de

vivências singulares.

2.2.3 Algumas concepções sobre família(s) e repercussões do provimento de

cuidado de pessoa com transtorno mental

Há diversas concepções de famílias, oriundas de várias disciplinas e

institutos. Qualquer conceituação apresenta limitações tendo-se em perspectiva o

fato deste ser um grupo dinâmico, apresentando vários desenhos e formas de se

vincular e atribuir sentidos a suas relações.

O IBGE (2008a), e.g., tem considerado família, no contexto de suas

investigações em pesquisas domiciliares, o grupo definido pela condição de moradia

no mesmo domicílio, independentemente da existência de vínculos entre os

membros.

Partindo-se da consideração de que a simples moradia em um mesmo

domicílio não configura uma família, que apresenta vários sentidos permeados,

sobretudo pelo tipo de relação que se estabelece entre seus diferentes integrantes,

1044

e por questões acerca da existência de várias famílias residindo em um mesmo

domicílio; para efeitos deste estudo família será caracterizada como lugar onde se

reproduzem relações de poder (ROSA, 2001); local de negociações de diferenças,

interesses e cuidados mútuos que são constantemente construídas e reconstruídas

(ROSA, 2003b); local de diversidades, desde sua formação quando se origina da

junção de sujeitos vindos de realidades diferentes e com experiências diversas, que

intensificam e mantém esta diversidade à medida que evolui e amplia-se (BIASOLI-

ALVES; MOREIRA, 2007); como lugar de elaboração das experiências vividas e que

dá sentido às relações entre os sujeitos (SARTI, 2004).

Como ambiente de ação, influencia na formação da personalidade dos

sujeitos, no seu comportamento, no curso da moral, no estabelecimento da cultura e

de suas instituições, no desenvolvimento mental e social (BUSCAGLIA, 2006),

recebendo influências do meio social e nele também agindo, provocando mudanças

(BIASOLI-ALVES; MOREIRA, 2007), e tornando-se alvo de políticas públicas ao

atuar como mediadora das relações entre sujeitos e coletividade (BASTOS et al.,

2007).

Como comunidade é possível caracterizá-la como o modo mais completo

desta, constituindo-se numa forma particular de associação envolvendo os sujeitos

em suas totalidades como pessoas; onde cada membro possui suas experiências

pessoais, compreendendo o outro através da conjugação de experiências

particulares, via processo empático 27, e de experiências comuns e compartilhadas

em rede social (BELLO, 2007).

A importante experiência particular de cada sujeito com sua família faz

com que alguns se sintam de certa maneira autoridade no conhecimento sobre o

assunto; o que pode trazer riscos como a tendência a avaliar e determinar seu

próprio padrão de organização como o melhor, em comparação e em detrimento aos

demais (ROSA, 2003a).

Sarti (2004) destaca que em análises sobre família faz-se necessário um

processo de estranhamento, do investigador, com relação àquilo que é família, pois

27

No processo empático se pode apreender o que o outro está vivendo em sua essência, todavia sem jamais poder viver o ato

do outro, que sempre será pessoal, singular e inviolável (BELLO, 2007).

1045

existe tendência natural em identificá-la com base na sua experiência e vivência

pessoal de família.

Os membros estabelecem relações de diversas ordens - psíquicas,

espirituais, afetivas, competitivas, dentre outras –, sendo as ligações sentimentais,

na contemporaneidade, as mais significativas. E, com base em seus próprios

sentimentos assumem posições que após avaliadas, serão aceitas ou rejeitadas

(BELLO, 2007).

Quaisquer mudanças que ocorram nos inter-relacionamentos familiares

irão exercer sua influência – produtiva, significativa e positiva, ou traumática e até

destrutiva – em cada membro individualmente e no grupo como um todo

(BUSCAGLIA, 2006), sendo que o enfrentamento das crises que se apresentam à

família supõe a interação entre os recursos próprios e os externos a esta (BASTOS

et al., 2007).

A emergência ou existência de uma pessoa com transtorno mental no

grupo familiar no geral ocorre como um evento imprevisto, inesperado, produzindo

crises que terão que ser enfrentadas a partir de várias necessidades, sobretudo

intermediadas pelas requisições do provimento de cuidado, o que gera impacto, ou

seja, produz um resultado (COHEN; ROLANDO, 1993) na organização para tal

encargo, situação parcamente explorada no contexto brasileiro.

Brito e Rabinovich (2008) em estudo sobre o impacto de acidente

vascular cerebral na família de sujeitos acometidos por primeiro episódio, discorrem

sobre a escassa existência de investigação acerca das formas de lidar da família

com o adoecimento e suas conseqüências. Enumeram vários aspectos nos quais se

operam mudanças: no sujeito, nos papéis, na moradia, econômicas, no auto-

cuidado, redução na vida social dos familiares e alterações nas relações familiares.

Destacam as mudanças relativas ao sujeito, caracterizadas pela conscientização

das mudanças que lhe ocorreram e que surgiram à sua família, conduzindo-o a

reações de impaciência, perda de capacidade de tolerância a estressores,

nervosismo e fragilidade emocional; as relativas ao aspecto econômico, resultantes

de gastos aumentados – medicamentos, profissionais, dentre outros – e da perda da

contribuição financeira quando um sujeito economicamente ativo é afetado.

Ressaltam a monopolização do cuidado pelo sujeito acometido, que quando adulto

1046

requer maior disponibilidade física, emocional e sócio-econômica da família.

Observam nas relações familiares tanto estreitamento de vínculos e reaproximações

de sujeitos, como o surgimento de conflitos decorrentes do não reconhecimento,

pouco envolvimento e desigualdade de disponibilidade de recursos na divisão de

responsabilidades relativas ao cuidado.

2.2.4 As famílias, e as alterações no seu ciclo vital na presença de um sujeito

com transtorno mental

O grupo familiar, assim como o sujeito, organiza sua existência baseado

numa expectativa de segurança relativa, alicerçado na previsibilidade para os

eventos da vida, obtido através de experiências vividas e experimentadas por outros

que o antecederam. Todo grupo familiar que se forma aguarda a ocorrência de

certos eventos em sua história, ou como denominam alguns teóricos, no ciclo vital;

destarte algumas mudanças no grupo familiar são esperadas e até desejadas, como

os nascimentos (ROSA, 2001). Todavia, há eventos imprevistos, não aguardados,

como o surgimento de um sujeito com transtorno mental no grupo.

Melman (2001) informa que nenhum grupo familiar está preparado para

ter um sujeito com transtorno mental em seu meio. Tal acontecimento provoca

ruptura de expectativa, desnorteamento e a exigência de um novo aprendizado, de

conferir novos tons à realidade (ROSA, 2001).

Vários são os determinantes das repercussões do transtorno mental e da

existência do sujeito com o transtorno, no ciclo de vida da família como: os relativos

ao próprio transtorno mental, e.g., o seu modo de início gradual ou súbito, seu curso

e o grau de incapacitação que produz; os relacionados ao sujeito com transtorno,

exemplificados pela posição ocupada na família, idade e gênero; os fatores relativos

à inserção da família na estrutura social – nas famílias de baixa renda: desemprego,

carências materiais, condições de moradia, acesso a educação, saúde e lazer,

1047

dentre outros; o momento do ciclo de vida familiar, de desenvolvimento, em que se

encontra o grupo (ROSA, 2001).

A não efetivação, pelo sujeito adoecido, do processo de satisfação das

próprias demandas e das com quem interage, determina ações e reações dos

constituintes do ambiente – família – no qual se encontra inserido, resultando em

reações de frustração e decepção, muitas vezes estigmatizantes, que se cristalizam

em nódoas e sentimentos de incapacidade no sujeito, que por sua vez poderá migrar

para o isolamento, marginalização e distanciamento daqueles sujeitos significativos;

iniciando-se um círculo de sentimentos de raiva, culpa e distanciamento mútuo em

todos os envolvidos (SARACENO, 2001).

Conforme Rosa (2001), a partir do seu primeiro contato com o parente

adoecido a família vivencia sentimentos, de surpresa – situação inesperada, às

vezes interpretada com brincadeira –, de medo – pelo desconhecido –, de conflito

interno – caracterizado por sentimentos ambíguos, de medo daquele que ama –, de

preocupação – destacadamente com o futuro e sua relação com ele –, de culpa – a

invisibilidade orgânica, física, do transtorno acaba por ativar fantasias do familiar

sobre a etiologia, conduzindo-o a ruminações excessivas sobre participação no

quadro, erros cometidos, negligências. Do outro lado, o sujeito com transtorno

mental sofre também com a preocupação que causa à sua família, além do

sofrimento decorrente do próprio transtorno.

Percorre estágios no processo de vivência com um sujeito acometido por

transtorno mental, segundo Rosa (2003b). Inicialmente utiliza-se da estratégia da

“normalização” dos sintomas – primeiro estágio, constituindo-se em mecanismo de

defesa da família contra o estigma e a estigmatização pela sociedade, caracterizado

pela integração das alterações apresentadas pelo sujeito com transtorno à rotina

familiar, pela construção de explicações diversas à classificação médica para

justificar alterações e por um controle familiar sobre comportamentos inadequados;

intensifica-se nos quadros em que a sintomatologia mais se aproxima do aceito

socialmente, como na depressão e neurose; sendo permeado pela negação do

transtorno mental, resistência a sua aceitação e o desconhecimento. O “temor do

efeito de contágio” constitui outro estágio, estruturado em reflexões, temores sobre

consangüinidade. A fase da “desorientação e desnorteamento”, resultado da

1048

inexistência de referenciais sociais compartilhados e da deficiência nas explicações

obtidas e desenvolvidas, adicionada aos sentimentos de culpa. O estágio do

relacionamento com os serviços e profissionais de saúde – serviços excluindo a

família das abordagens, investimentos na perspectiva da cura, frustrações com as

recidivas. E a etapa da cronificação, com o alijamento, pela família, do sujeito

acometido pelo transtorno, a perda de lugares espaciais e afetivos, e a tendência da

família a culpabilizar o Estado e a transferir a responsabilidade do cuidado para o

serviço de saúde (ROSA, 2003b). Atualmente, com a intensificação dos cuidados

comunitários, tende a ocorrer o contrário, a responsabilidade sobrecarregar

exclusivamente os familiares.

A presença de um sujeito acometido por um transtorno mental na família

destaca-se e revela-se mais dramática quanto menor o tamanho da prole,

determinando uma menor disponibilidade de sujeitos para divisão de tarefas

relacionadas ao cuidar, independentemente da fase vigente do ciclo de vida familiar

(ROSA, 2001).

As relações com o sujeito com transtorno mental determinam situações

aparentemente contraditórias: a família prefere cuidar a internar e, organizada em

associações, luta para assegurar que nos novos serviços seja

mantida/proporcionado a minimização de gasto temporal com o cuidar pela família,

mantendo-se a economia de tempo promovida pelo antigo sistema – asilar (ROSA,

2003b).

O impacto provocado por uma doença séria, crônica, exige uma

reestruturação – determinada pelo nível de intimidade dos relacionamentos dentro

da família, a amplitude do estímulo causador, e a intensidade das reações

emocionais envolvidas – da família, com o aprendizado de novos valores, de novos

modelos de comportamento e com uma redefinição de funções (BUSCAGLIA, 2006).

Mudanças na trajetória existencial – crise na vida – podem determinar

duas evoluções: restabelecimento do estado de relativo equilíbrio anterior, através

do uso de respostas prévias socialmente construídas; ou surgimento de uma

realidade de tensão, conflito e incertezas, enquanto, na falta de referências

compartilhadas, a nova situação não é assimilada (ROSA, 2001).

1049

Ocorrem então rupturas no curso dos acontecimentos aguardado por

cada família em seus ciclos de vida, desestruturando os projetos e expectativas

previamente definidos pelos familiares (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005),

resultando em conseqüências indiretas para alguns membros e diretas para outros

sujeitos, influenciando relacionamentos e as expectativas de trocas sociais no grupo.

Destacando-se como conseqüência a geração de carga, sobretudo para a figura do

familiar cuidador, no geral uma mulher, que tende a permanecer como a única

cuidadora, com poucas possibilidades de dividir tal encargo com outras pessoas do

grupo (ROSA, 2003b).

Destarte, as atitudes e vivências perante os problemas causados pelo

sujeito com transtorno mental, podem se revelar de formas diversas por distintos

sujeitos que compõe a família, como resultado de diferentes percepções e

elaborações sobre o transtorno mental (MELMAN, 2001) e relações construídas com

a pessoa com transtorno mental, historicamente permeadas pelo código de direitos e

deveres entre os membros das famílias e comunidades. Tal experiência gera crise

familiar, com intensas mudanças de rotina e demandas para os diferentes

componentes do grupo, sobretudo para o cuidador principal.

Segundo Rosa (2003b) a partir dos anos de 1990, como resultado de um

processo de redução nos recursos nas áreas de políticas sociais e busca de

mudança no modelo assistencial, retirando-se o sujeito com transtorno mental do

isolamento social que historicamente o confinou em hospitais psiquiátricos sob a

custódia do Estado, alguns grupos familiares passam a ser demandados para o

cuidado na comunidade.

Tal situação deriva em envolvimento de alguns membros do grupo,

sobretudo dos sujeitos do gênero feminino – historicamente encarregadas, na

divisão sexual do trabalho, do provimento de cuidado na família e da assistência aos

enfermos – que podem passar a desempenhar papéis não esperados para seu ciclo

de vida e até sobrecarregarem-se com o acúmulo de funções (ROSA, 2003b).

Neste contexto a família pode lançar mão de recursos como as redes

sociais, como estratégia para lidar com as demandas que lhe são apresentadas, e a

renovada busca de auxílio do Estado, como transferência de responsabilidades ou

1050

como uma divisão de tarefas que proporcionará tempo para a família prover seu

próprio sustento e do sujeito com transtorno mental (ROSA, 2003b).

Desse modo as famílias com pessoas com transtorno mental, como o

TOC, na conjuntura dos processos de mudanças no modelo assistencial passam a

ser demandadas como uma das principais provedoras de cuidado e fundamentais no

processo de reinserção social e comunitária.

Rosa (2003b) destaca cinco dimensões, relativas às representações das

relações da família com o sujeito com transtorno mental no contexto reformista

brasileiro: como “recurso” nas estratégias de intervenção, como “lugar” de convívio,

como “sofredora” – influenciada pelo convívio com o sujeito com transtorno mental e

assim também demandante de tratamento e assistência –, como “sujeito da ação” –

ator político, avaliador de serviços, construtor social –, e como “provedora de

cuidado”.

Mas tal encargo parcamente explorado no Brasil é gerador de

sobrecargas que repercutem na vida dos cuidadores familiares, e desencadeiam

como resultado da relação e exigências de provimento de cuidado, mudanças

objetivas – materiais; reorganização da vida dos integrantes do grupo em função das

necessidades determinadas pelo sujeito acometido e pelo transtorno – e subjetivas –

pela quebra do ciclo de vida esperado, pela intensidade do envolvimento emocional

e pelas alterações que podem vir a serem impostas a seus membros, como a

secundarização de projetos e necessidades (BARROSO; BANDEIRA;

NASCIMENTO, 2007; ROSA, 2001).

O familiar que assume o papel de cuidador, secundariamente ao seu

despreparo para a função de lidar com uma enfermidade mental, que muitas vezes

não sabe interpretar ou avaliar, crendo alguns no início do transtorno tratar-se de

uma brincadeira ou uma situação passageira, é conduzido, com o tempo, a

desenvolver medo da situação desconhecida, do comportamento inesperado

(ROSA, 2003a).

1051

2.3 O CUIDAR EM SAÚDE MENTAL

O “cuidar” tem sido invisível no quadro estatístico global da realidade

social e econômica (WHO, 2002), apesar do seu indiscutível valor e de processos

históricos que lhe vem ressaltando com recurso imprescindível no âmbito do cuidado

prestado por cuidadores informais, destacadamente por familiares.

No mundo a partir dos anos de 1950 (MELMAN, 2001), e no Brasil mais

destacadamente a partir da década de 1990 (BRASIL, 2004a) com a intensificação

do processo de Reforma do Modelo de Assistência Psiquiátrica, iniciou-se o

processo de desinstitucionalização do paciente com transtorno mental, com

destaque para a redução no tempo de hospitalização e a realização do tratamento

em serviços comunitários de saúde mental (BANDEIRA; BARROSO, 2005),

promovendo-se a mudança do modelo assistencial na busca da integração social do

paciente.

A transferência da assistência ocorreu no mundo através de processos –

estratégias e interesses – diversos; com resultados às vezes inadequados, como o

grande número de enfermos, não incorporados pelas instituições privadas,

abandonados nas ruas, como exemplifica Melman (2001) com o caso dos Estados

Unidos – EUA –, representado por uma política econômico-administrativa de

racionalização de recursos.

Na Europa, no processo de desinstitucionalização, destacam-se: o

modelo de setorização na França, com criação de equipes psiquiátricas de ação

regionalizada visando a continuidade terapêutica entre hospital psiquiátrico e

unidades extra-hospitalares, e o sistema de seguro social; o sistema sanitário

nacional na Inglaterra, assumindo a assistência extra-hospitalar de apoio ao

programa de desospitalização, e a redução de leitos psiquiátricos; e o movimento de

crítica institucional na Itália, resultando no enfrentamento de bases ideológicas da

Psiquiatria e do modelo do hospital psiquiátrico, via alterações nos modos de

percepção acerca da questão e busca de alianças com sindicatos, organizações

não-governamentais e partidos políticos (MELMAN, 2001).

1052

A partir dos anos de 1970, nos países europeus do primeiro mundo, às

famílias são devolvidas funções assumidas anteriormente pelo Estado, acrescidas

de outras funções também geradoras de sobrecarga, decorrentes do processo de

reestruturação produtiva e do desemprego resultante da crise econômica (ROSA,

2003b).

No Brasil, a década de 1980 caracteriza-se por sua vez pelos estudos

feministas - desigualdade no relacionado aos gêneros, desequilíbrio de poderes –;

pelo movimento da “Reforma Psiquiátrica”; pelos avanços no ideário neoliberal com

políticas de retração da ação do Estado e retorno do cuidado para a família; e pela

pressão sobre o Estado por parte destas famílias, pela manutenção e aumento dos

serviços públicos pertinentes, através da formação de organizações/associações de

familiares – resultantes de conseqüências produzidas pelo processo de

desinstitucionalização que culminaram por produzir sobrecarga às famílias (ROSA,

2003b).

É então devolvido a algumas famílias o papel de principal provedora de

cuidados e apoio ao sujeito com transtorno mental, todavia sem preparação,

suporte, conhecimento e apoio para a tarefa. Tal contexto resulta em geração de

sobrecarga aos cuidadores como conseqüência da abdicação ou colocação em

segundo plano dos seus desejos, projetos, necessidades, e da reorganização de

suas vidas (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007; UNIVERSIDADE

FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI – UFSJ, 2003-2008) – profissional, familiar,... –

em função, ou com o acréscimo, das necessidades do sujeito com o transtorno

mental, em torno das vivências do transtorno. Também resulta em geração de

sobrecarga por causar-lhes frustração pela não efetivação do processo de

independência esperado para um sujeito adulto (BANDEIRA; CALZAVARA;

VARELLA, 2005), no caso o sujeito com transtorno, pela não criação de filhos

saudáveis física e mentalmente, e “perfeitos”, aptos para a vida em comunidade e

para o trabalho que em nossa sociedade encontra-se no centro dos valores e das

preocupações (MELMAN, 2001). Infere-se que os esforços na mudança do modelo

assistencial, implicam na necessidade da busca do conhecimento da realidade dos

familiares e de meios de ajudá-los (MELMAN, 2001).

1053

Na década de 1990, o Movimento da Reforma do Modelo de Assistência

Psiquiátrica no Brasil marcou ainda o início do processo de constituição da família

como ator político no movimento, norteando-se para a cidadania do ente adoecido, e

relativamente negligenciando a si mesma (ROSA, 2003b).

No processo brasileiro de Reforma algumas normas tiveram destacado

impacto, exemplificando-se: a Lei 10.216 de 06 de abril de 2001, que versa sobre os

direitos e a proteção dos sujeitos com transtornos mentais e redireciona o modelo de

assistência em saúde mental no País, e destaca a responsabilidade do Estado, com

a participação da família e da sociedade, no desenvolvimento da política, da

assistência em saúde mental e na promoção de ações de saúde aos sujeitos com

transtornos mentais; o programa de redução de leitos psiquiátricos; a implantação

dos “Centros de Atenção Psicossocial” – CAPS – 28; a criação dos serviços de

“Residências Terapêuticas” 29; a normatização, avaliação e supervisão da rede

hospitalar especializada em Psiquiatria e de hospitais gerais com enfermarias ou

leitos psiquiátricos 30; o “Programa de Volta para Casa” 31; a constituição da

“Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica” 32 e da “Comissão de Saúde Mental” 33

onde são representados usuários, familiares, gestores, prestadores de serviços e

associações de profissionais de saúde (BRASIL, 2004a).

De modo sucinto, o hospital psiquiátrico constituiu-se inicialmente no

principal recurso assistencial em saúde mental. Entre as décadas de 1960 e 1970 os

ambulatórios de saúde mental ganham destaque na assistência e mais

recentemente, a partir da década de 1990, os centros de atenção psicossocial. Por

sua vez, as pessoas com maior renda financeira tenderam a buscar auxílio na ação

médica liberal, através de consultórios médicos particulares.

28

Portaria Gabinete do Ministro da Saúde – GM – nº 336, de janeiro 2002 (BRASIL, 2004a). 29

Portaria GM nº 106, de 11 de fevereiro de 2000 (BRASIL, 2004a). 30

Portaria GM nº 251, de janeiro/2002 (BRASIL, 2004a). 31

Lei nº 10.780, de 31 de julho de 2003; estabelecendo benefício de auxílio reabilitação psicossocial para pacientes egressos

de internações e sua inclusão em programas extra-hospitalares de atenção em saúde mental (BRASIL, 2004a). 32

Resolução nº 93, de dezembro/1993 (BRASIL, 2004a). 33

Resolução nº 298, de dezembro/1999 (BRASIL, 2004a).

1054

2.3.1 Os CAPS e a abordagem da família

Classificados segundo ordem crescente de porte/complexidade e

abrangência populacional são encarregados para realizar, prioritariamente, o

atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua

área territorial (BRASIL, 2004a).

Possuem atribuições definidas como organizar a demanda e rede de

cuidados; regular a porta de entrada da rede assistencial; coordenar as atividades

de supervisão de unidades – hospitais psiquiátricos; de atendimento psiquiátrico a

crianças e adolescentes; de serviços a usuários de álcool e drogas –; supervisionar

e capacitar as equipes de Atenção Básica, Serviços e Programas de Saúde Mental;

e realizar e manter atualizado o cadastramento dos pacientes. Desenvolvem

atividades como atendimento individual, em grupo, oficinas terapêuticas, visitas

domiciliares, atendimento à família, atividades comunitárias e ações intersetorias,

sempre buscando a integração e reinserção social do sujeito com transtorno mental

(BRASIL, 2004a).

O CAPS não dispensa a tradição, o saber e os instrumentos da

Psiquiatria, mas utiliza-os rumo à produção de um novo modo de apreender a

problemática do transtorno mental e do tratamento, incorporando à prática clínica o

tradicionalmente considerado extraclínico (TENÓRIO, 2002).

De acordo com o Ministério da Saúde, os CAPS devem ser serviços

substitutivos ao hospital psiquiátrico e não complementar ao mesmo, possuindo

valor estratégico, dentre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, na

Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 2008).

Esses Centros apresentam-se em tipos diferentes, caracterizados

conforme sua capacidade operacional de atendimento, em: CAPS I - capacidade

operacional para atendimento em municípios com população entre 20.000 e 70.000

habitantes; CAPS II - atendimento em municípios com população entre 70.000 e

200.000 habitantes; CAPS III - capacidade operacional para atendimento em

1055

municípios com população acima de 200.000 habitantes, sendo um serviço de

Atenção Básica contínua, 24 horas/dia, incluindo finais de semana e feriados, com

limitação para permanência em acolhimento noturno e possuindo leitos para

observação e/ou repouso, inclusive nos finais de semana e feriados, devendo estar

referenciado a um Serviço de Urgência/Emergência de sua região, que fará o

suporte de atenção médica; CAPS i - para atendimento de crianças e adolescentes;

CAPS ad - para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e

dependência de substâncias psicoativas (BRASIL, 2004a).

Possuem três modalidades básicas de assistência – regimes de

atendimentos: intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, conforme a capacidade

máxima de atendimentos necessitados pelo usuário ao mês, de acordo com cada

tipo de CAPS (BRASIL, 2004a).

Como principal dispositivo na mudança do modelo assistencial no

contexto brasileiro, os CAPS são desafiados a mudar a relação histórica dos

serviços de saúde mental com o grupo familiar. Tendo como um dos seus objetivos

incentivar a participação dos familiares, não somente estimulando o usuário em seu

tratamento, como também participando no dia-dia do serviço, em suas atividades.

Figurando dentre as suas atividades o atendimento para a família, constituído por:

atendimento individualizado a familiares, atendimento nuclear e a grupo de

familiares, visitas domiciliares, atividades de lazer com familiares e atividades de

ensino (BRASIL, 2004b).

2.3.2 O ambulatório e a família invisibilizada

A localização de um ambulatório de saúde mental no espaço físico do

hospital psiquiátrico, mesmo como construção separada, pode reforçar o papel

centralizador deste, ratificando o modelo hospitalocêntrico do atendimento, que

historicamente se sustentou no circuito ambulatório-urgência/emergência-internação.

1056

Além disto, distancia-se do novo modelo assistencial por situar-se longe do território

de residência do seu usuário – exceto daqueles que residem obviamente próximo ao

hospital.

O serviço ambulatorial na realidade brasileira tendo por principal

característica o atendimento médico e psicológico, destacado pela rapidez no

contato entre profissional e usuários – duração do tempo da consulta –, abordagem

predominantemente medicamentosa, seguimento alargado – intervalo muito longo

entre as consultas do usuário –, atendimentos profissionais isolados – sem trabalhar

mecanismos de referência e contra-referência entre os profissionais, e sem

planejamento terapêutico multidisciplinar; exceto em certos grupos profissionais

onde há maior contato e interesses pessoais em trabalhar em equipe

multiprofissional –, e sem abordagens socioterápicas, prejudica o processo da

Reforma Psiquiátrica. Muitas vezes estas dificuldades podem decorrer da demanda

elevada pelos serviços e pela carência de profissionais no quadro pessoal,

sobrecarregando os poucos existentes. Obviamente existem exceções a este

padrão, configurando-se como serviços mais próximos à nova rede de assistência

em saúde mental almejada.

Aspectos como a demanda elevada por atendimento em saúde mental, a

carência numérica de serviços substitutivos e a sua incapacidade de atendimento

pleno às múltiplas necessidades dos usuários, a falta de visibilidade territorial dos

serviços substitutivos, o preconceito em torno do transtorno mental aliado ao receio

de estigmatização – conduzindo muitos portadores destes transtornos e seus

familiares a buscarem atendimento longe da visão dos sujeitos do seu contato social

–, podem constituir fatores mantenedores da grande demanda verificada nos

ambulatórios psiquiátricos.

Tais serviços, sobretudo os de natureza pública, costumam ser mais

procurados pela população de menor renda, que nele encontra além do atendimento

a possibilidade de receber “gratuitamente” as medicações, muitas vezes de grupos

farmacológicos mais antigos, algumas vezes de medicamentos considerados

“excepcionais” – elevado custo, usos específicos –, recebidos após cadastro em

serviço específico do Estado.

1057

A família no contexto do ambulatório tradicional de saúde mental costuma

funcionar apenas como informante nas consultas, parcamente sendo percebida

como potencial recurso no tratamento dos usuários do serviço. Além disso, também

não costuma ser vista como “sujeito” que demanda informações acerca do

transtorno de seu ente adoecido – e.g., diagnóstico, como auxiliar, o que fazer em

situações de crise –, como “sujeito que padece”, como “sujeito que pode sofrer

conseqüências negativas pela presença do transtorno mental em seu seio”.

Destaque-se que a visibilidade da família para o ambulatório costuma ser a exceção.

2.3.3 O consultório privado

O consultório privado como serviço de saúde mental historicamente se

baseia na prática liberal do profissional médico, que atende via planos de saúde ou

pagamento direto de honorários, “particular”, do usuário dos seus serviços.

Comumente constitui-se de estrutura empresarial ou privada, administrada no geral

pelos próprios profissionais, que costuma adequar-se mais às necessidades dos

familiares – mais freqüente em consultas –, em decorrência das demandas e

exigências impostas por seus usuários – portadores de transtornos mentais e seus

familiares.

Caracteriza-se por aspectos como, e.g., consultas com horário marcado,

sala de espera com maior privacidade, consultas mais demoradas, debates com os

usuários e seus acompanhantes acerca de diagnóstico, prognóstico, terapias

indicadas, uso de medicações consideradas de “primeira linha” – mais específicas,

com menos efeitos colaterais –, envolvimento de familiares como recurso no plano

terapêutico. Aqui também ocorrem exceções, sendo a família por vezes observada

como intrusa e agravadora de quadros, o que pode acabar por determinar

interferência negativa na condução, interrupções, mudança de profissional

assistente e até abandono de tratamento.

1058

A rede privada pode caracterizar-se por serviços – consultórios – de um

só profissional, que de acordo com as necessidades encaminha o sujeito com

transtorno para acompanhamento associado com outros profissionais instalados em

outros consultórios; ou de grupo de profissionais – médicos-psiquiatra, psicólogos,

dentre outros, que trabalham num mesmo espaço, necessariamente não

significando que trabalhem interdisciplinarmente.

O custo do acompanhamento pode resultar em acompanhamentos

irregulares, resultado da impossibilidade de comparecimento com maior

periodicidade às consultas, sendo também acrescidos com a utilização dos serviços

de outros profissionais – psicólogos e terapeutas ocupacionais. A instrumentalização

dos familiares como recurso pode também sofrer interferência do fator financeiro –

consultas e sessões psicoterápicas para familiares –, destacadamente em Estados

financeiramente pobres como o Piauí.

2.3.4 A situação do cuidar

A inexistência de uma rede substitutiva de serviços, adequadamente

instituída e em ação, necessária ao processo de desinstitucionalização, pode acabar

por tornar o processo da Reforma apenas num processo de desospitalização,

resultando em maior sobrecarga à família.

O processo de mudança no modelo assistencial ao sujeito com transtorno

mental, no mundo, dentre suas conseqüências, trouxe nova mudança histórica à

perspectiva da família.

Anteriormente, a família era cúmplice, grata por se ver aliviada do

problema, com o Estado assumindo o papel de “cuidador” com a criação das vilas

psiquiátricas, e depois de protetor – mais da sociedade que do paciente – com a

construção dos manicômios, retirando da família a “carga” do cuidado com o sujeito

1059

acometido pelo transtorno mental; e deste modo contribuía também para

perpetuação da velha instituição manicomial (SARACENO, 2001).

Justificando-se com o objetivo de proteger o sujeito da influência negativa

de uma família propiciadora de adoecimento, a separação – o isolamento, peça

chave do dispositivo institucional – do sujeito com transtorno mental da família

justificava-se também com o objetivo de proteger, a esta, do transtorno mental, da

influência negativa dos acometidos que poderia contaminar outros membros,

principalmente mulheres jovens e crianças, tidos como mais vulneráveis (MELMAN,

2001).

Em seguida, teoricamente culpada pela Psiquiatria – a partir do

surgimento da psicopatologia familiar, centrada no estudo dos transtornos familiares

–, e consideravelmente responsabilizada, por parte da sociedade, pelo que possa

ocorrer a seus membros (MELMAN, 2001), passa a família a ser a responsável por

seus cuidados (SARACENO, 2001).

O ato de cuidar de um familiar adoecido, com transtorno mental ou não, é

característica constituinte da cultura brasileira (BARROSO; BANDEIRA;

NASCIMENTO, 2007), podendo a própria cultura ser um determinante do impacto do

cuidar daqueles que desempenham esta atividade (GARRIDO; MENEZES, 2004).

Em populações de menor renda, e.g., observa-se o provimento de cuidados

permeado pela lógica da reciprocidade do dar e receber (SARTI, 1996).

O cuidar e a necessidade de cuidar são constituintes preciosos da

condição humana; possuindo tanto lado positivo – e.g., auxiliar o outro, contribuindo

para melhorar sua qualidade de vida e minorar sofrimentos; reduzir gastos;

satisfação pessoal em cuidar –, como negativo – e.g., danos à saúde do cuidador,

deterioração de relações, prejuízos econômicos. Requer também discussões sérias

sobre direitos – dar e receber – e deveres – “prover e dar cuidado”, modo de divisão

da tarefa entre os gêneros, e “entre as famílias, comunidades e o Estado” (WHO,

2002).

Um mínimo de conhecimento acerca do transtorno mental, do seu manejo

e sua aceitação, são requisitos para o provimento de cuidados, que envolve também

1060

o convencimento da necessidade de tratamento pelo próprio sujeito com transtorno

mental (ROSA, 2003b).

Para Rosa (2003b) os serviços de saúde com intervenções centradas na

remissão sintomatológica caracterizam-se por serem despreparados para receber as

necessidades familiares advindas do provimento de cuidados por estes cuidadores

informais.

Persiste entre os trabalhadores de saúde mental uma leitura de que as

famílias seriam um lugar natural de cuidado, permeado pelo código de direitos e de

deveres impostos legalmente e pela tradição de consangüinidade (ROSA, 2003a).

Não se evidencia, assim, que o cuidar é uma construção social, e cuidar de uma

pessoa adulta com transtorno mental é algo complexo, que requer preparo mínimo

do cuidador, determinadas condições objetivas e subjetivas, e retaguarda dos

serviços de saúde mental (ROSA, 2003b).

Com a cultura hospitalocêntrica os familiares passaram a acreditar que

quem sabia cuidar era quem “estudou – fez curso universitário – para isso” haja vista

que o modelo hospitalocêntrico difundia essa ilusão de que “lugar de doido é no

hospício”, ou seja, uma pedagogia institucional que designava um lugar social

específico para o cuidado dessa população: o hospital psiquiátrico.

Desconstruir tal imaginário social implica na divisão do encargo de prover

cuidado entre os serviços de saúde mentais/profissionais de saúde mental e os

grupos familiares/cuidadores-familiares, haja vista que por seu lado os familiares

aprenderam, no geral, a cuidar no ensaio e erro, com parca ou sem assistência dos

profissionais de saúde mental.

1061

2.3.5 O cuidador

A função de cuidador pode ser desempenhada tanto por um profissional –

desempenhando sua atividade em uma instituição, seja hospitalar ou não, ou na

própria casa do sujeito que demanda cuidado –, como por um membro familiar –

compreendem, numericamente, o maior número de cuidadores –, um amigo, ou um

vizinho, que ajuda alguém de modo freqüente, comumente cotidianamente, em

tarefas que não costumam demandar auxílio em adultos saudáveis (WHO, 2002).

O papel de cuidador tem destacado impacto na qualidade de vida do

sujeito demandante de auxílio, além de impacto no próprio cuidador; podendo haver

comprometimento na saúde mental, física, na vida social e laboral deste.

Tanto os familiares-cuidadores, como outros cuidadores informais 34 e o

próprio sujeito acometido pela enfermidade, vivem processo em que às dificuldades

da vida cotidiana contemporânea, acrescidas às dificuldades próprias do transtorno

com suas características, suas demandas e questões, adicionam-se mais frustração,

baixa tolerância e exaustão, além de inquietação e revolta às limitações e

adversidades resultantes (VASCONCELOS, 2003).

A Organização Mundial da Saúde pondera que os cuidadores devem ser

apoiados, receber suporte, e serem capacitados para maximizar o cuidado que eles

podem ofertar, evitando as conseqüências que lhe acompanham, e mantendo a

capacidade do cuidar por um longo período de tempo (WHO, 2002).

O familiar cuidador, com base em crenças pessoais e aspectos culturais,

históricos e sociais, aceita o papel que lhe é designado, avaliando-se em sua função

e avaliando a nova conjuntura em que se encontra. Lança mão de mecanismos para

o enfrentamento da sobrecarga decorrente da função, desenvolvidos

individualmente e/ou obtidos via experiências compartilhadas.

34

São cuidadores informais, aqueles sujeitos que prestam cuidados não-remunerados e não-técnicos aos sujeitos

demandantes de cuidados; são exemplos de cuidadores informais os familiares, os amigos e vizinhos (PEGORARO; CALDANA, 2006).

1062

Mas, existe uma tendência de sobrecarga do cuidado em um único

sujeito, que tende a não querer dividir a função com outros sujeitos apesar de

queixar-se da sobrecarga a que se sente submetido. Quando o faz tende a dividir

apenas os aspectos secundários no cuidado (ROSA, 2003b) e a realização de

outras funções antes desempenhadas por si, de modo que fique liberado para

dedicar-se ao familiar adoecido; tal ajuda, aceita ou solicitada pelo cuidador, é por

este definida e coordenada (PEGORARO; CALDANA, 2006).

Um cuidador pode possuir sob sua supervisão outras pessoas, além de

sujeitos adoecidos, o que resulta em continuidade de sobrecarga mesmo com a

melhora destes (PEGORARO; CALDANA, 2006).

Estudo qualitativo realizado por Machado, Freitas e Jorge (2007),

investigando os significados e as crenças de cuidadores de sujeitos com Síndrome

Metabólica, avaliou como os cuidadores percebem-se – que significados têm para

quem executa a função de cuidador – investigando o significado da experiência, os

mecanismos de enfrentamento desenvolvidos que auxiliam na compreensão e até

na aceitação de sua condição, e as condições de capacitação para o cuidado.

Observou o significado de caridade e o caráter religioso, com a crença de força

divina que proverá vida ao familiar e forças àquele que cuida; a verbalização ou

exteriorização do que incomoda ou do sofrimento e a designação divina da função

de cuidador, como formas de enfrentamento; e a constatação da falta de preparo

emocional ou a insegurança para a função. Avaliou ainda as dificuldades vividas na

função do cuidado, investigando encargos financeiros e demandas emocionais do

cuidador, observando preocupações com custos, destacadamente de alimentos e

medicamentos, e discursos acerca da abdicação ou colocação em segundo plano

das necessidades ou projetos pessoais, na busca do restabelecimento do familiar,

que além de expressarem situações de sofrimento, alterações na saúde e qualidade

de vida do cuidador, interferem na qualidade do cuidado prestado.

Na questão do gênero do cuidador verifica-se que a figura masculina,

destacadamente no papel de esposo, apresenta-se como importante fonte de ajuda

no cuidado e de apoio emocional, tanto possibilitando o compartilhamento do

sofrimento, como exercendo papel de autoridade (PEGORARO; CALDANA, 2006).

1063

Segundo Pinheiro et al. (2008), indicadores oriundos da PNAD, no

período de 1993 a 2007, apontam para um crescente, embora muito discreto

aumento do papel masculino como provedor de cuidados à sua prole, embasado em

dados que indicam um aumento no número de famílias monoparentais masculinas

no Brasil e uma redução nas monoparentais femininas, embora no cômputo geral

estas continuem predominando com amplíssima margem de diferença 35.

Ao gênero feminino, histórico, social, cultural e psicologicamente 36, está

associado à ação de cuidar.

A situação da mulher ao longo da história da família no Brasil apesar de

sofrer alterações, sobretudo a partir dos anos de 1950, mantém-se ainda nos dias

atuais como a principal referência nas questões relativas à família e especialmente

no cuidar. Destacando-se a mãe como a principal figura a fornecer cuidados e

assistência, além de estrutura de ligação e referência permanente e comum na

família, e sobre quem recai a maior quota de responsabilidade pelo não controle

comportamental do sujeito com transtorno mental (ROSA, 2003b).

Historicamente, a transformação do estágio de invisibilidade do gênero

feminino característico da família patriarcal antiga para um estágio de maior

visibilidade social no século XIX, com as mudanças resultantes da vinda da família

real portuguesa para este País, resulta posteriormente no surgimento da família

conjugal moderna no Brasil. Apresentando-se a mulher principalmente em processo

de conquista de funções, agregando aos encargos das atividades domésticas o peso

resultante de sua participação no espaço público, atribuições e responsabilidades,

mais do que de espaço social, de reconhecimento e de igualdade com o gênero

masculino (ROSA, 2003b). Embora em alguns contextos divida as tarefas

domésticas com o homem ou com outra pessoa designada para a função, a

responsabilidade da administração do lar e do cuidado familiar ainda permanece

como sua atribuição, resultando em sobrecarga pela atuação nos dois espaços,

público e privado (ROSA, 2001).

35

Segundo dados da PNAD/IBGE, as famílias monoparentais masculinas apresentavam, dentre o total de famílias chefiadas

por homens, um percentual em 1993 de 2,1%, passando para 3% em 2007. As famílias monoparentais femininas, dentre o total de famílias chefiadas por mulheres tiveram uma mudança de 63,9% em 1993 para 49,2% em 2007 (PINHEIRO et al., 2008). 36

A atividade costuma ser internalizada por grande parte das mulheres como uma função, uma característica que lhes é

própria (ROSA, 2003b).

1064

Num contexto histórico e social de desigualdades entre gêneros, a

inserção da mulher no mercado de trabalho ocorre de modo inadequado e

subordinado, recebendo menores remunerações (ROSA, 2003b). No período de

1996 a 2007, a PNAD registrou uma mudança de 46% para 52,4% na proporção das

mulheres trabalhando ou à procura de emprego; enquanto em 2007 a participação

masculina no mercado de trabalho chegou a 72,4% (PINHEIRO et al., 2008).

A situação contemporânea apresenta um aumento da necessidade das

mulheres de serviços oferecidos pelo Estado, tanto como estratégia para divisão de

tarefas de cuidar – “da casa”, de seus integrantes – requerida pela necessidade da

mulher de “trabalhar fora” como forma de incremento, complementação ou até

mesmo geração primária de renda familiar, como quanto decorrente do aumento da

expectativa de vida, aumentando também a freqüência de mulheres viúvas em

unidades unipessoais que vão necessitar de cuidados e assistência (ROSA, 2003b).

2.4 O ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS ENVOLVENDO FAMILIARES

As pesquisas surgidas após o processo de desospitalização e

desinstitucionalização seguiram dois rumos: o primeiro, relacionado às atitudes dos

familiares com relação ao paciente, buscando conhecer o impacto destas e

correlações com a evolução do transtorno mental; e o segundo, relativo às

resultantes do convívio social com os pacientes a que os familiares estavam

sujeitos, objetivando examinar as repercussões e as sobrecargas (MELMAN, 2001).

Com relação ao primeiro, conforme Saraceno (2001) e Melman (2001),

exemplificam-se os estudos de Brown e Wing, nos anos de 1960, sobre “Emoções

Expressas” – entendida como os aspectos verbais e não-verbais da comunicação

entre paciente e familiar-chave, relativamente a “comentários críticos, hostilidade,

hiperenvolvimento emotivo e empatia”. Nestes estudos objetivavam identificar

variáveis importantes para avaliar o grau de adaptação social pós-alta hospitalar de

1065

pacientes psicóticos – esquizofrênicos –, identificando, também, fatores

desencadeantes de recidivas; distinguiram dois tipos de famílias: as com alta,

implicadas em maior risco de recaídas e internações, e as com baixa “Emoções

Expressas”.

O ambiente familiar é identificado, em pesquisas sobre “Emoções

Expressas”, como um estressor e não um causador, sendo que atuações em fatores

de estresse ambiental poderiam reduzir ou impedir sua associação com uma

vulnerabilidade individual pré-existente, resultando em redução ou na evitação de

recaídas (MELMAN, 2001). A vivência a situações de exposição prolongada a

ambiente familiar hostil, resultante da sobrecarga vivida pelos cuidadores, ativando

uma vulnerabilidade existente no sujeito-paciente pode também conduzir ao

surgimento de uma sobrecarga das habilidades de enfrentamento destes

(SARACENO, 2001), intensificando o risco de recaídas.

Como outro exemplo do primeiro rumo citado, ressalta-se, conforme

Saraceno (2001), os estudos epidemiológicos de Luc Ciompi sobre resultados e

decurso dos distúrbios esquizofrênicos, em que argumenta que padrões específicos

de influência mútua no contexto familiar conduziriam à “cristalização” do papel de

enfermo e à cronificação das formas de interagir do sujeito.

No referente à segunda via de pesquisas, destaca-se a questão da

sobrecarga, resultante do ato de cuidar do sujeito com transtorno mental, com todas

as suas repercussões. Envolvendo também os estudos das estratégias e dos fatores

associados ao seu enfrentamento. 37

No Brasil há poucos estudos acerca da sobrecarga familiar de pacientes

psiquiátricos (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005), com a utilização de

escalas validadas e adaptadas à realidade do país.

Loukissa (1995) destaca que no início da década de 1990, os estudos

começaram a focar-se na educação e suporte familiar e na importância da avaliação

das necessidades da família.

37

Loukissa (1995), em artigo de revisão, elencou estudos analisando programas de suporte e educacionais direcionados aos

familiares, observando os programas como recursos para redução da sobrecarga.

1066

Avaliações de sobrecarga de cuidadores através do uso de instrumentos

adaptados quando originários de outros locais, validados e fidedignos, que

proporcionam a confiabilidade dos resultados e a sua comparabilidade com outros

estudos científicos, como a “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares –

FBIS-BR”, possibilitam além da avaliação da sobrecarga e a sua comparabilidade, a

avaliação das implicações da sobrecarga em vários aspectos da vida dos

cuidadores. Podem também ser recurso para a avaliação de resultados de

intervenções dirigidas aos sujeitos que demandem cuidados e aos próprios

cuidadores, e para a avaliação de serviços, com todos os desdobramentos positivos

decorrentes destas possibilidades para todos os envolvidos (BANDEIRA; ISHARA;

ZUARDI, 2007). As intervenções operacionalizadas nos familiares objetivam além de

cuidar destes, fornecer-lhes capacidades para o desempenho do papel (CAMPOS;

SOARES, 2005).

De acordo com Bandeira e Barroso (2005), os estudos acerca da

sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos apresentam

problemas de ordem metodológica como: o tipo e tamanho de amostra de familiares,

que freqüentemente não são representativos da população geral de familiares de

sujeitos com transtorno mental; o tipo de diagnóstico do sujeito enfermo; e o modelo

familiar estudado, comumente caracterizado apenas pelos pais, dificultando a

avaliação do impacto em diferentes membros da família. Outros problemas como,

e.g., a falta de estudos longitudinais dificultando a investigação dos efeitos das fases

do transtorno mental na sobrecarga familiar, a carência de estudos sobre estratégias

de enfrentamento dos familiares, e a influência de características pessoais do

familiar, também são destacados como afetando os estudos/conhecimentos acerca

desta questão da sobrecarga.

Estudos como o de Scazufca, Menezes e Almeida (2002) investigando a

sobrecarga em cuidadores de idosos com depressão, o de Garrido e Menezes

(2004) com cuidadores informais de idosos com demência, o de Barroso, Bandeira e

Nascimento (2007) avaliando a sobrecarga de familiares de sujeitos com transtorno

mental em tratamento na rede pública, e o de Lemos, Gazzola e Ramos (2006)

estudando cuidadores primários de pacientes com doença de Alzheimer; destacam-

se no Brasil, com a utilização de instrumentos validados, no estudo da questão da

sobrecarga de familiares.

1067

Barroso, Bandeira e Nascimento (2007) investigaram através da utilização

da “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares – FBIS-BR” 38 a sobrecarga

em familiares cuidadores de sujeitos com diagnóstico de esquizofrenia, transtorno

esquizoafetivo e transtorno psicótico agudo de tipo esquizofrênico, em atendimento

na rede pública de Belo Horizonte/MG. Constataram a presença de sobrecarga

objetiva e subjetiva em diferentes dimensões da vida dos familiares. Verificaram

maior sobrecarga objetiva – p<0,000 –: na subescala “A” – a assistência na vida

cotidiana – da FIBS-BR, na questão relativa à freqüência com que teve que preparar

as refeições do familiar-enfermo ou teve que auxiliá-lo na tarefa; na subescala “B” –

supervisão aos comportamentos problemáticos – no item da freqüência de

supervisão ao consumo demasiado de bebidas não-alcoólicas ou cigarros.

Encontraram maior sobrecarga subjetiva – p<0,000 –: na subescala “A” no item

indicativo do incômodo sentido por ter que auxiliar ou recordar ao paciente de

ocupar seu tempo com algo; na subescala “B” na questão referente ao incômodo

com o consumo excessivo de bebidas não-alcoólicas ou fumo; e na subescala “E” –

preocupação com o paciente – na questão referente a preocupações com o futuro

do enfermo.

Scazufca, Menezes e Almeida (2002) pesquisaram sobrecarga em

cuidadores de idosos com depressão – utilizando a versão brasileira da escala

“Burden Interview” 39 – achando níveis de sobrecarga elevados naqueles,

semelhantes aos encontrados em estudos existentes na literatura com cuidadores

de idosos com demência. Encontraram associação estatisticamente significativa

entre a sobrecarga dos parentes e a idade do cuidador, seu gênero e o

relacionamento com o paciente, destacando-se os cuidadores jovens, do gênero

feminino e filhos dos idosos, respectivamente, como relacionados à maior

sobrecarga. Verificaram também nos cuidadores, com a utilização da escala “Self

Reporting Questionnaire” - SRQ20, também já validada para o Brasil, que avalia o

construto desconforto emocional – distress –, uma associação positiva entre este e a

sobrecarga.

38

Derivada da escala “The Family Burden Interview Schedule – Short Form” - FBIS/SF – desenvolvida por Tessler e Gamache

em 1994 (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007), foi adaptada e validada para o Brasil por Bandeira, Calzavara e Varella (2005), Bandeira et al. (2007), e Bandeira, Calzavara e Castro (2008). 39

A tradução, a consistência interna e a validade de construto da versão brasileira da escala “Burden Interview” foram

apresentadas por Scazufca em seu estudo utilizando cuidadores de pacientes com 60 anos ou mais de idade com diagnóstico de depressão, publicado em artigo científico em 2002 (SCAZUFCA, 2002).

1068

Garrido e Menezes (2004) avaliaram a sobrecarga subjetiva de

cuidadores informais de idosos com demência – observando em sua amostra uma

alta freqüência de transtornos de comportamentos com limitações às tarefas

rotineiras do cotidiano e nas atividades instrumentais –, verificaram predomínio entre

os cuidadores do gênero feminino – filhas ou esposa –, residindo com o familiar

acometido, e resultados estatisticamente significativos para a associação do impacto

nos cuidadores – avaliado através da versão brasileira da escala “Zarit Burden

Interview” – às variáveis: grau de parentesco, sintomas psiquiátricos do cuidador e

tempo em que exercia o papel de cuidador.

Lemos, Gazzola e Ramos (2006) estudando cuidadores primários de

pacientes com doença de Alzheimer – utilizando-se do instrumento, validado para o

Brasil, “Caregiver Burden Scale” – verificaram impacto subjetivo resultantes do

cuidar, em níveis elevados e dependentes do nível de escolaridade dos cuidadores –

quanto maior escolaridade, maior os escores do impacto – e do grau de

dependência dos demandantes do cuidado – maior impacto quanto maior a restrição

ao leito. Avaliando cada uma das dimensões da escala, observaram significância

estatística: para o grau de parentesco e auxílio em atividades – banho e vestir-se –

para a dimensão “envolvimento emocional”; faixa etária e aspecto de o cuidador

trabalhar fora ou estudar, na dimensão “ambiente”; associação com problemas de

saúde do cuidador e o número de comorbidades, na dimensão “isolamento”; e

administração de alimentos, nas dimensões “ambiente” e “tensão geral”; além de

correlações positivas com a idade do cuidador, na dimensão “envolvimento

emocional”, e com o número de atividades realizadas por este, na dimensão “tensão

geral”; e correlação negativa com a idade do cuidador, na dimensão “envolvimento

emocional”.

Loukissa (1995) em estudo de revisão acerca da sobrecarga familiar de

sujeitos com transtorno mental crônico observou a existência daquela, apontando

como variáveis mais exploradas que influenciam em sua experiência pela família, o

nível de funcionamento dos pacientes, a sintomatologia e os comportamentos

apresentados.

1069

2.5 A SOBRECARGA EM EVIDÊNCIA

O processo de desinstitucionalização psiquiátrica com seu modelo

comunitário de assistência culminou com o surgimento de novas demandas dos

profissionais, nova organização do trabalho de assistência e maior interação com o

paciente e o familiar (BANDEIRA; ISHARA; ZUARDI, 2007). Neste contexto

destacando-se a situação dos serviços comunitários de saúde – às vezes

insuficientes, com dificuldades para atender de modo satisfatório às demandas e

não articulados em rede assistencial – e o não desenvolvimento de programas de

acompanhamento de pacientes na comunidade, o que dificulta um maior

envolvimento dos familiares de pacientes psiquiátricos como principais provedores

de cuidados cotidianos (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005). Além disso,

uma quantidade considerável de suporte de familiar aos sujeitos acometidos por

vários transtornos mentais é habitualmente necessária no processo de controle

destas enfermidades, podendo estes familiares prestadores de cuidados serem

afetados negativamente pela sobrecarga relacionada à assistência prestada, pela

falta de suporte ao seu papel e por estresse associados aos sintomas da

enfermidade (ROSE; MALLINSON; GERSON, 2006).

Rose, Mallison e Gerson (2006) encontraram que o número de

hospitalizações não se encontrava relacionado à sobrecarga, mas que esta se

relaciona a outras variáveis como, mais freqüentemente, as preocupações com o

sujeito acometido pelo transtorno mental.

Para os serviços de saúde mental, a sobrecarga percebida pelos

familiares reveste-se de importância pela possibilidade do desenvolvimento de

intervenções mais específicas na família, com a possibilidade de auxílio na

reinserção social dos sujeitos acometidos por transtorno mental, e de prevenção no

surgimento, resultante da sobrecarga, de transtornos psicológicos nos familiares

(BANDEIRA; BARROSO, 2005).

Campos e Soares (2005) supõem que a adesão familiar aos serviços de

saúde substitutivos no processo de reforma do modelo assistencial, sofra efeito da

1070

sobrecarga emocional a que estes familiares possam encontrar-se submetidos.

Destacam concordância com outros estudos sobre as representações sociais do

transtorno mental que apontam a percepção dos benefícios do tratamento nos

serviços substitutivos, pelos familiares com maior renda e escolaridade. 40

No processo de desinstitucionalização observa-se o surgimento de

sobrecarga dirigida tanto aos familiares, quanto aos profissionais dos serviços de

saúde mental 41.

A família, dentro do processo, é encarada como fonte de suporte, todavia

sem conhecimento ou preparo para este papel (LOUKISSA, 1995). Função que pode

se tornar sobrecarga como resultado da assistência cotidiana prestada ao membro

adoecido e das dificuldades vivenciadas na função de cuidador (BANDEIRA;

CALZAVARA; VARELLA, 2005; LOUKISSA, 1995), podendo resultar em

conseqüências, diretas ou indiretas, tanto ao familiar – cuidador – como ao paciente

e ao relacionamento de ambos.

O “cuidar” na esfera doméstica – familiar –, historicamente atribuído ao

gênero feminino, é caracterizado também como uma função gratuita – “um ato de

amor” –, não reconhecida como trabalho, solitária, leiga – ao ser desempenhada por

sujeitos não preparados/formados para a função –, requerendo qualidades

específicas (ROSA, 2003b). Segundo Campos e Soares (2005), a mulher ao assumir

a responsabilidade do papel de cuidadora de um sujeito com transtorno mental na

família, acaba mais exposta às cargas psicológicas da convivência, sofrendo mais a

atmosfera familiar negativa, e sentindo-se culpada ou sendo acusada pelos

desfechos.

Para Melman as vivências de sobrecarga tendem a serem minimizadas

por muitos familiares (MELMAN, 2001), o que pode ser embasado pela observação

de Rose, Gallinson e Gerson (2006) acerca da esperança na remissão do adoecido

40

Campos e Soares (2005) ao analisarem os discursos de familiares cuidadores – aderentes e não aderentes aos serviços

alternativos em saúde mental – de pacientes com transtorno mental crônico, organizam aqueles em dois eixos conforme a percepção da sobrecarga familiar em: sobrecarga emocional e do cuidado; a primeira composta pelas classes relativas a efeitos sobre a interação familiar e atmosfera familiar negativa, e a segunda em alterações na situação financeira e na rotina familiar. 41

Os profissionais de serviços de saúde mental, no contexto da desinstitucionalização psiquiátrica, em situação de

perceberem-se submetidos a demandas excessivas e com o sentimento sofrer uma carga resultante do seu trabalho – contato contínuo com sujeito com transtorno mental, medos, sentimentos de insatisfação com resultados obtidos em sua atividade laboral, cansaço – encontram-se também sob sobrecarga, podendo esta evoluir a um quadro de estresse emocional (BANDEIRA; ISHARA; ZUARDI, 2007).

1071

para um estágio anterior de normalidade, apesar da percepção das perdas

decorrentes do transtorno.

Em sua revisão, Loukissa (1995) relatou que Hoening e Hamilton

pesquisando acerca da experiência de sobrecarga, em 1965, diferenciaram – com o

intuito de distinguir as evidências observáveis da sobrecarga das reações

emocionais dos cuidadores – os conceitos de sobrecarga objetiva e a subjetiva.

Sob a óptica objetiva – caracterizada aqui através da FBIS-BR – a

sobrecarga distingue-se como a conseqüência observável do cuidar, configurando-

se pelo excesso de assistência ao paciente, alterações na rotina familiar, supervisão

a comportamentos problemáticos do paciente, e gastos financeiros. Enquanto sob a

óptica subjetiva – conforme a FBIS-BR – caracteriza-se nos aspectos relativos ao

grau de incômodo percebido ou avaliado pelo familiar, na assistência ao paciente

nas tarefas cotidianas, na lida com comportamentos problemáticos, e nas

preocupações com o paciente; englobando a reação emocional e o sentimento de

estar sendo submetido a uma sobrecarga (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA,

2005; BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007; UFSJ, 2003-2008).

Áreas como as preocupações com o futuro do familiar adoecido –

responsável pelo maior índice de sobrecarga –, a perturbação na rotina do lar, o

sentimento de estar aprisionado à situação, a concentração reduzida, os

sentimentos de responsabilidade como a culpa por não prestarem o cuidado que

consideravam que deveriam se capazes de fornecer, e as perturbação pelas

mudanças no paciente foram indicadas por familiares, em estudo conduzido por

Rose, Mallinson e Gerson (2006), como fontes de maior sobrecarga; no extremo de

menor experiência de sobrecarga foram apontados os problemas financeiros, a

perda de trabalho e atritos com amigos, resultantes do cuidar. Observaram ainda

relação significativa entre as variáveis: sobrecarga e fonte de preocupações, entre a

primeira e o manejo familiar e da sobrecarga com a percepção da gravidade do

transtorno. 42

42

Rose, Mallisson e Gerson (2006) avaliaram a sobrecarga de familiar – esta através da utilização do instrumento “Burden

Assessment Scale” - BAS –, além de outras variáveis como o senso de controle pessoal sobre eventos e situações de vida, contextos do cuidar (gravidade do transtorno, contato com profissionais, avaliação de cuidados pessoais), áreas de preocupações e o nível de funcionamento do sujeito acometido pelo transtorno mental, em amostra composta por familiares cuidadores de sujeitos com depressão maior, esquizofrenia e transtorno bipolar.

1072

Rosa (2003b) observou que os gastos com transporte, medicação,

alimentação e vestuário, são os itens que mais causam ônus financeiro à família no

provimento de cuidado; destacando que o provimento de cuidados a um sujeito com

transtorno mental provoca impacto econômico, independentemente do sujeito com

transtorno produzir ou não renda para o grupo familiar.

A presença de comorbidades tem sido identificada como contribuindo

para aumento da carga e de custos; e fatores relativos à falta de diagnóstico correto

e precoce e ao tratamento inadequado implicando em aumento nos custos (COSTA,

2008).

Pegoraro e Caldana (2006) avaliaram a sobrecarga de familiares de

usuários de um centro de atenção psicossocial em dois contextos: de crise do

usuário e após a crise. Observaram no contexto da crise, a sobrecarga

apresentando-se de ordem prática – através da realização de tarefas como

administrar medicação, acompanhá-lo a consultas médicas, supervisionar ou cuidar

da higiene pessoal, cuidar da alimentação –, financeira – constatando a freqüente

ajuda externa com dinheiro para medicamentos, alimentos – e emocional, verificada

nas preocupações do cuidador, no cansaço, no choro, no medo, na hipervigilância

ao sujeito adoecido, no sentimento de impotência diante do transtorno mental, e em

queixas de outras dificuldades como cuidar de outro sujeito enfermo ou de crianças.

No referente à sobrecarga após a crise, no relativo à de ordem prática os familiares

indicaram menor necessidade de cuidados/atenção por parte dos sujeitos adoecidos

– quando se faziam necessárias consistiam apenas em apoio para realização de

determinadas ações como, e.g., a lembrança de horário de compromissos – e menor

solicitação de rede de apoio 43, já existente antes da crise e mantendo-se após a

mesma, nos cuidados; a sobrecarga emocional apresentava-se menos intensa do

que durante a crise.

A sobrecarga objetiva, também, encontra-se ligada à relação entre o

estresse e variáveis como o gênero, tempo gasto diariamente no cuidar, a idade, o

43

A rede de apoio do cuidador constitui-se por parentes – e.g., esposo, filhos, irmãos, avós –, vizinhos, amigos,...,

principalmente do gênero feminino, atuando como suporte ao cuidado, de acordo com a solicitação do cuidador principal, fazendo-se presente não só em situações extremas, mas também no auxílio a situações de sobrevivência do dia-dia (PEGORARO; CALDANA, 2006).

1073

parentesco, anos de cuidado, religiosidade, auxílio nos cuidados e relacionamento

anterior ao transtorno (MOREIRA, 2008).

Campos e Soares (2005) ao avaliarem a representação da sobrecarga

familiar de pacientes com transtorno mental crônico verificaram que gênero e classe

social são macro-reguladores da sobrecarga emocional, e que esta seria a

sobrecarga cujo enfrentamento é mais difícil.

A sobrecarga material, psicológica, social, que familiares de sujeitos com

transtorno mental experimentam na interação e no manejo cotidiano com o familiar

enfermo vem sendo avaliada não apenas pelas implicações no universo das

relações familiares, como também no tocante à evolução do transtorno – recidivas,

cristalização do papel de enfermo, cronificação do transtorno, cronificação das

modalidades interativas do sujeito – e do sujeito-enfermo, na revelação de

distorções acerca dos “saberes” individual dos familiares, dos sujeitos e de suas

influências no processo (SARACENO, 2001), e no afastamento dos familiares das

relações sociais, por questões como vergonha, cansaço ou frustração (MELMAN,

2001). Os sintomas psicológicos predominam entre cuidadores familiares com

estresse (MOREIRA, 2008).

Existe uma tendência de sobrecarga do cuidado a um único sujeito, que a

assume com prejuízos pessoais e sem divisão de aspectos do cuidar com outros

sujeitos, contraditoriamente sem querer dividir a função com esses outros, apesar de

queixar-se da sobrecarga a que se sente submetido, e quando o faz tende a dividir

apenas os aspectos secundários no cuidado (ROSA, 2003a) como, e.g., confirmar

consultas ou comprar o medicamento. Mesmo na presença de família extensa a

sobrecarga não tende a ser aliviada, destacadamente por questões como a

discordância em como deve ser tratado o transtorno e a ausência de disponibilidade

para o suporte (ROSE; MALLINSON; GERSON, 2006).

Bandeira e Barroso (2005) verificaram certo consenso em diversos

estudos com relação à sintomatologia do sujeito com transtorno mental – sua

gravidade –, à falta de suporte social, ao fato do sujeito residir com a família, às

restrições pessoais dos familiares – limitações em atividades sociais, liberdade,

tempo empregado no cuidar –, aos comportamentos problemáticos do sujeito

enfermo, às tarefas realizadas para atender às demandas deste – padrão excessivo

1074

– e às preocupações com o mesmo – seu presente e futuro –, como fatores

relacionados à sobrecarga dos familiares. Relataram que outras variáveis como o

papel do diagnóstico do sujeito enfermo ainda não se encontra claramente

esclarecido, com estudos indicando diferenças na sobrecarga com relação a

diferentes diagnósticos.

Lemos, Gazzola e Ramos (2006) destacam que na literatura fatores

associados aos cuidadores e aos sujeitos acometidos por problema de saúde, como

o gênero, a idade, o grau de parentesco e de escolaridade e o nível sócio

econômico, e a duração dos cuidados, são indicados como preditores do impacto no

cuidar. Barroso, Bandeira e Nascimento (2007) observaram ainda na literatura, que

o diagnóstico, a duração do acometimento pela enfermidade, a magnitude dos

sintomas, as hospitalizações e o nível de dependência do sujeito que demanda o

cuidado, a freqüência do contato entre cuidador e aquele, e a disponibilidade de

rede social de apoio e a adequação dos serviços de saúde mental, eram variáveis

relacionadas à intensidade da sobrecarga.

Avaliando estudos em cônjuges cuidadores, Loukissa (1995) constatou

resultados diversos, como maior sobrecarga nas esposas, e ausência de diferença

na sobrecarga global entre os gêneros, com sobrecarga associando gênero do

cuidador e aspectos específicos – como, e.g., os sintomas dos pacientes

relacionando-se positivamente nos maridos, e a associação de idade da mulher, a

capacidade de enfrentamento e a presença de crianças, para as esposas.

Observa-se a identificação de fatores agravantes da sobrecarga, na

literatura, ressaltando-se a falta de auxílio de outros familiares, a falta de

informações e apoio por parte dos serviços de saúde mental, a gravidade da

enfermidade, a falta de adesão do paciente ao tratamento, a ausência de

informações sobre o transtorno mental, tratamento e manejo dos pacientes por parte

dos profissionais para os familiares (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007).

Loukissa (1995) observou a existência de sobrecarga mesmo quando o

membro adoentado não residia na mesma casa que a família, embora a maior

experiência de sobrecarga ocorresse quando residiam juntos, e que o grau de

sobrecarga estava estatisticamente relacionado à gravidade do transtorno mental.

1075

A inexistência ou a existência insatisfatória de uma rede social de suporte

influenciam na questão da sobrecarga do cuidador. A redução na disponibilidade de

sujeitos na família para prover cuidados, resultante de questões demográficas como

a diminuição do número de seus integrantes, envelhecimento populacional e das

novas configurações familiares acaba também por sobrecarregar um único cuidador

(ROSA, 2003a). Loukissa (1995) verificou que a ocorrência de suporte social e o

envolvimento de cônjuge no cuidado foram associados à redução na sobrecarga do

cuidador. Brito e Rabinovich (2008), em estudo sobre o adoecimento da família,

conseqüente ao surgimento de um episódio de acidente vascular cerebral em um

dos seus membros, ressaltam que a existência de rede de suporte familiar precária

aos cuidados implica em percepção familiar de maior sobrecarga.

Estudos indicam que elevada sobrecarga pode trazer conseqüências à

saúde mental dos cuidadores, sendo destacadas a depressão (BARROSO;

BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007), a ansiedade (UFSJ, 2003-2008) e o desconforto

emocional – distress (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005).

Loukissa (1995) verificou como conseqüências negativas da experiência

de sobrecarga apresentada pelos familiares, a ocorrência de sintomas de estresse,

sentimentos de preocupações com o futuro, medo de reações do familiar enfermo,

tensão, depressão, dificuldades relativas ao sono, alterações no funcionamento

familiar, restrição de atividades sociais, medo de estigma, dificuldades financeiras,

sentimentos de ansiedade, culpa e raiva, e que familiares apresentavam como

reação comportamentos como hostilidade e agressividade.

O afastamento do cuidador do seu ambiente social e a esquiva ao contato

com amigos, possíveis conseqüências da sobrecarga resultante do cuidar, pode

resultar como destacam Lemos, Gazzola e Ramos (2006) em problemas de saúde

nos cuidadores.

Conforme estudo de revisão de Niederauer et al. (2007), os

relacionamentos familiares e sociais são as áreas mais afetadas pelo TOC,

destacando que a maior interferência no funcionamento da família e no

relacionamento com os amigos parecem ser provocadas pelas compulsões.

1076

O TOC causa impacto negativo nos familiares, decorrentes de alterações

nas rotinas familiares, auxílio a comportamentos e de alterações econômicas; às

vezes sem dar-se conta das alterações em sua qualidade de vida devido à

progressiva adaptação aos comportamentos/rituais compulsivos do familiar com

TOC (TORRESAN et al., 2008).

A participação da família e a sua acomodação aos rituais do sujeito com

TOC estão relacionadas a aspectos como o sofrimento e a maior disfunção familiar,

a rejeição dos familiares ao sujeito com o transtorno e ao aumento na gravidade dos

sintomas do transtorno (STEKETEE; PIGOTT, 2009).

Alta freqüência de envolvimento de familiares nos sintomas dos sujeitos

com TOC tem sido verificada em pesquisas, com registros de participação, embora

de modo mínimo, de considerável percentual dos familiares nas compulsões, ou de

modificação de seus comportamentos para adaptar-se aos sintomas dos pacientes

(SADOCK; SADOCK, 2007b; STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003), experimentando

perturbações em suas vidas – prejuízos em relacionamentos pessoais, problemas

financeiros, perda de tempo para lazer – por causa do transtorno (STEKETEE; VAN

NOPPEN, 2003).

A acomodação familiar envolve a participação ativa em comportamentos

do paciente – compulsões e/ou esquivas –, promoção de garantias e modificações

da rotina familiar. Resulta em mais hostilização (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003),

além de poder reforçar os sintomas do sujeito enfermo (FERRÃO et al., 2007), e

acontece em uma situação de estresse e disfunção familiar (CALVOCORESSI et al.,

1995).

O nível de acomodação familiar possivelmente, segundo Guedes (2001),

pode ser determinado pelo grau de intrusão dos comportamentos compulsivos e

suas conseqüências no sujeito com TOC.

Calvocoressi et al. (1995) avaliando a acomodação familiar no TOC,

verificaram correlação positiva entre “distress” e o grau de acomodação familiar ao

paciente. Constataram que a acomodação correlacionou-se também com relatos de

familiares de exacerbação da ansiedade e sentimento de raiva nos sujeitos com o

TOC, quando não obtinham a participação do familiar em sintomas. Encontraram

1077

correlação ainda entre a acomodação e disfunção familiar (subescalas resolução de

problemas, comunicação, resposta afetiva e funcionamento geral, do instrumento

“McMaster Family Assessment Device” que avalia a percepção familiar do seu

próprio funcionamento), acomodação familiar e atitudes de rejeição dos familiares

para com o sujeito com TOC (com o uso da “Patient Rejection Scale”), e

acomodação e as subescalas dependência e necessidade de administração,

restrições em oportunidades familiares, desarmonia familiar, falta de recompensa e

sobrecarga pessoal, do “Questionnaire on Resource and Stress for Families with

Chronically Ill or Handicapped Members”.

A saúde mental dos familiares pode sofrer influência negativa da

sobrecarga emocional resultante de sentimentos – indulgência, raiva, vergonha,

ambivalência – dos familiares para com o sujeito com TOC (TORRESAN et al.,

2008).

Os esforços dos familiares buscam reduzir o desconforto emocional do

paciente e o tempo gasto em rituais. Todavia este esforço termina por causar

desconforto emocional nos membros da família assim como hostilização ao sujeito

com o transtorno mental, muitas vezes caracterizada nas “emoções expressas” -

criticismo, hostilidade e/ou envolvimento emocional. As “emoções expressas” são

avaliadas como possível preditor familiar de resultados/recaída para TOC

(STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003).

Calvocoressi et al. (1995) destaca que preocupações de familiares acerca

da intensificação da ansiedade do enfermo e de raiva direcionada a si – cuidador –,

devem ser consideradas com relação à descontinuação da participação familiar nos

comportamentos dos pacientes.

A estimativa do grau de sobrecarga de familiares, assim como dos

profissionais de serviços de saúde mental e do mesmo modo que a do nível de

satisfação dos pacientes, familiares e dos profissionais é um dos objetivos dos

estudos de avaliação dos serviços de saúde mental (BANDEIRA; ISHARA; ZUARDI,

2007). Considerando-se ainda que para os serviços de saúde mental, a sobrecarga

percebida pelos familiares reveste-se de importância pela possibilidade do

desenvolvimento de intervenções mais específicas nas famílias, com a possibilidade

de auxílio na reinserção social dos sujeitos acometidos por transtorno mental, e de

1078

prevenção no surgimento, resultante da sobrecarga, de transtornos psicológicos nos

familiares (BANDEIRA; BARROSO, 2005).

2.6 A “ESCALA DE AVALIAÇÃO DA SOBRECARGA DOS FAMILIARES”

A “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” - FBIS-BR –

ANEXO A – adaptada e validada para o Brasil (BANDEIRA; CALZAVARA; CASTRO,

2008; BANDEIRA et al., 2007; BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005), deriva-

se da escala “The Family Burden Interview Schedule - Short Form” – FBIS/SF –

desenvolvida por Tessler e Gamache em 1994 (BARROSO; BANDEIRA;

NASCIMENTO, 2007), nos Estados Unidos.

A FIBS/SF é uma escala multifatorial que analisa a sobrecarga familiar

(BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005), composta de 70 itens que analisam as

sobrecargas objetiva e subjetiva do familiar, em cinco aspectos de suas vidas –

assistência ao paciente na vida cotidiana, supervisão aos comportamentos

problemáticos, gastos financeiros, impacto na rotina diária, e preocupações com o

paciente –, dos quais 45 se referem ao grau de sobrecarga (UFSJ, 2003-2008).

2.6.1 O estudo de validação da FBIS-BR

O estudo de validação no Brasil foi realizado pelo Laboratório de

Pesquisa em Saúde Mental – LAPSAM – do Departamento de Psicologia da

Universidade Federal de São João del Rei – UFSJ –, Minas Gerais, envolvendo as

1079

etapas de adaptação transcultural, estudo de fidedignidade e estudo de validade

(UFSJ, 2003-2008).

A adaptação transcultural foi realizada através de processo de tradução

da escala FBIS para o português por tradutor com língua materna inglês; retradução

para o inglês por tradutor de língua materna português; análise da escala por grupo

de especialistas com comparação das versões ao original, corrigindo erros e

reformulando instruções e redações das questões, aumentando compreensão e

clareza dos itens; e realização de estudo piloto, identificando dificuldades, realizando

ajustes, procedendo-se a novas aplicações, até que não fossem mais detectados

problemas de compreensão (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005).

O estudo da fidedignidade foi realizado por Bandeira et al. (2007) através

da análise da consistência interna e estabilidade temporal da escala. A FBIS-BR

apresentou consistência interna adequada. Os coeficientes alfa de Cronbach e

correlações item-total foram: para as escalas de sobrecarga global objetiva e

subjetiva, respectivamente, de 0,82, com correlação variando de 0,21 a 0,52, e de

0,92, com correlação oscilando de 0,31 a 0,97; para a subescala sobre

preocupações com o paciente, de 0,58, com correlação variando de 0,23 a 0,41; nas

subescalas de assistência ao paciente na vida cotidiana, supervisão de

comportamentos problemáticos e do impacto na rotina diária do familiar cuidador, o

coeficiente alfa variou de 0,74 a 0,90, com a correlação oscilando de 0,23 a 0,50.

Excetuando-se dois itens da subescala “B” que apresentaram correlação item-total

inferior a 0,20, a consistência interna das subescalas alcançou resultados próximos

ao da escala original; tendo as subescalas “A” e “B”, subjetivas, e a subescala “D”,

alcançado índices maiores que as da versão original; e a subescala “C” por ser

composta de questões abertas, inapropriadas para esta análise estatística, não foi

submetida à análise. A estabilidade temporal foi avaliada através de procedimento

de teste e re-teste com análise através da correlação de Pearson – p<0,05 – entre

os escores obtidos, constatando que tanto os dados das subescalas como da escala

global – objetiva e subjetiva – foram estatisticamente significativos.

O estudo da validade da FBIS-BR consistiu no estudo das validades de

critério e de construto (BANDEIRA; CALZAVARA; CASTRO, 2008; UFSJ, 2003-

2008). A primeira foi realizada através da análise de correlação de Pearson – p<0,01

1080

– entre escores obtidos para todas as subescalas da FBIS-BR e os da escala

“Burden Interview“ - BI – já validada para o Brasil, e que avalia o mesmo construto

sobrecarga familiar –, com obtenção de correlações significativas entre as escalas. A

validade de construto foi analisada pela técnica de validação convergente, com

obtenção de correlação de Pearson – p<0,01 – significativa dos escores da escala

“Self Reporting Questionnaire” - SRQ20 – também já validada para o Brasil e que

avalia o construto desconforto emocional, distress, teoricamente correlacionado ao

construto de sobrecarga – com a maioria das subescalas da FBIS-BR – exceto na

dimensão subjetiva da subescala “B” desta –, e com a sobrecarga global objetiva e

subjetiva.

2.6.2 As características da escala

Diversamente a outras escalas, a FBIS foi desenvolvida, em sua origem,

para pacientes psiquiátricos com diagnósticos variados, sendo aplicável a uma vasta

população de familiares de pacientes, independentemente da escolaridade ou da

presença de restrições sensoriais, em razão de seu desenvolvimento nos moldes de

uma entrevista, com suas questões lidas pelo entrevistador (BANDEIRA;

CALZAVARA; VARELLA, 2005).

As características da FIBS-BR encontram-se extensivamente descritas

em Bandeira et al. (2006) e UFSJ (2003-2008). A seguir procuramos sinteticamente

ilustrar suas características principais usando sempre as referências acima.

A Escala pode ser utilizada na busca da identificação das dificuldades no

papel de cuidar desempenhado pelos familiares, das dimensões da vida que são

afetadas e das necessidades de suporte profissional, e na avaliação do efeito de

programas terapêuticos dirigidos aos sujeitos adoecidos, podendo proporcionar

subsídios para a introdução, modificações e redirecionamento de intervenções às

famílias.

1081

A FBIS-BR avalia o grau de sobrecarga – objetiva e subjetiva – dos

familiares, em cinco dimensões, representadas em cinco subescalas: parte “A”,

relativa à assistência ao paciente na vida cotidiana; parte “B”, referente à supervisão

aos comportamentos problemáticos do paciente; parte “C”, relacionada aos gastos –

sobrecarga – financeiros; parte “D”, relativa ao impacto na rotina diária do familiar

cuidador; e parte “E”, referente às preocupações com a vida presente e futura do

paciente.

A sobrecarga objetiva é avaliada pela freqüência relacionada às

dimensões das subescalas “A”, “B” e “D”, percebidas pelo familiar, como resultado

de seu papel como cuidador; com opções de resposta, dispostas em escala ordinal

tipo “Likert” de cinco pontos: 1= nenhuma vez, 2 = menos que uma vez por semana,

3 = uma ou duas vezes por semana, 4 = de três a seis vezes por semana e 5 =

todos os dias. Enquanto a sobrecarga subjetiva é avaliada pelo grau de incômodo –

opções de resposta, dispostas em escala ordinal tipo “Likert” de quatro pontos: 1 =

nem um pouco, 2 = muito pouco, 3 = um pouco e 4 = muito – sentido pelo familiar no

seu papel de cuidador, com relação à dimensão presente nas subescalas “A” e “B”;

por uma questão na subescala “C” – freqüência com que o familiar percebeu que as

despesas com o sujeito adoecido estavam sobrecarregando o orçamento da família

– e pela freqüência na dimensão relativa à subescala “E”; opções de resposta para

subescalas “C” e “E”: 1 = nunca, 2 = raramente, 3 = às vezes, 4 = freqüentemente e

5 = sempre ou quase sempre.

A Escala possui 70 questões; 45 referentes ao grau de sobrecarga: 21

itens de sobrecarga objetiva e 24 de sobrecarga subjetiva. Todavia, como quatro

itens – itens 6 e 8 da subescala “B” de ambas as avaliações, objetiva e subjetiva –

apresentaram baixos valores de fidedignidade no estudo de validação, não podendo

portanto ser incluídos nos cálculos dos escores de sobrecarga, totaliza 41 itens

quantitativos que devem ser incluídos nos cálculos dos escores de sobrecarga – 19

objetiva e 22 subjetiva.

As questões da Escala referem-se aos últimos trinta dias da vida do

paciente, que antecedem a entrevista, excetuando-se uma questão relacionada à

subescala dos gastos financeiros que avalia a sobrecarga no último ano – C5 –, e a

1082

duas questões na subescala “D” – D2 e D3 – que avaliam as mudanças

permanentes ocorridas na vida do familiar.

A subescala “A” avalia a sobrecarga do familiar, tanto a objetiva quanto a

subjetiva. Apresenta nove questões para avaliar cada tipo de sobrecarga – objetiva:

A1a-A9a, e subjetiva: A1b-A9b.

A subescala “B”, também avalia ambas as sobrecargas. Possui oito

questões para avaliar cada tipo de sobrecarga – objetiva: B1a-B8a, e subjetiva: B1b-

B8b. As questões B6 e B8 desta subescala, por não terem atingido o critério mínimo

de correlação item-total nos estudos de consistência interna, não são utilizadas no

cálculo da sobrecarga.

A subescala “C” possui cinco questões que, por não se referirem a

escores de avaliação, mas a valores em dinheiro, não são utilizadas nos cálculos de

sobrecarga. As quatro primeiras questões – C1-C4 – analisam o tipo e valor dos

gastos com os pacientes, e quanto foi o auxílio destes para abonar estas despesas.

A última questão – C5 –, relativa à freqüência sentida pelo familiar no último ano de

peso com gastos com o paciente – sobrecarga subjetiva –, não entra no cálculo da

sobrecarga global, todavia pode ser usada, isoladamente, como escore de

sobrecarga financeira.

A subescala “D” investiga apenas a sobrecarga objetiva, através de

quatro questões – D1a-D1d –, utilizadas no cálculo de sobrecarga, que avaliam a

freqüência do impacto nas rotinas diárias da família ocorrida nos últimos 30 dias,

mais outras duas questões – D2 e D3a-f; não computadas no cálculo dos escores de

sobrecarga – que medem as mudanças permanentes incididas na vida do familiar,

como resultado do ser cuidador.

A subescala “E” tem sete questões que medem apenas a sobrecarga

subjetiva, através da freqüência das preocupações dos familiares com relação ao

paciente.

A construção da FBIS-BR em subescalas permite além do cálculo dos

escores globais de sobrecarga – os graus de sobrecarga: média dos escores obtidos

em todas as questões, apropriadas para o cálculo, que avaliam cada uma das

sobrecargas – objetiva e subjetiva, o cálculo dos escores de sobrecarga, objetiva ou

1083

subjetiva, separadamente para cada dimensão – média dos escores obtidos nas

questões adequadas para o cálculo, em cada subescala.

2.6.3 Protocolo de aplicação da FBIS-BR

A aplicação da FBIS-BR requer o seguimento de instruções específicas

que asseguram uma padronização na coleta dos dados.

Compõem-se basicamente: da sua aplicação em situação de privacidade

para o entrevistado – familiar de paciente psiquiátrico – em um único encontro, com

resposta a todas as questões do instrumento, anotadas pelo entrevistador; do

esclarecimento ao entrevistado sobre o objetivo da aplicação dos instrumentos e do

destino dos dados obtidos, deixando-o à vontade para que expresse quaisquer

dúvidas que porventura tenha durante a entrevista, esclarecendo-as; da ênfase, a

cada questão feita, que elas se referem aos últimos trinta dias da vida do paciente,

com exceção a uma questão relativa à sobrecarga financeira onde será ressaltado

que se refere ao último ano e a duas questões na subescala referente ao impacto na

rotina diária, que avaliam as mudanças permanentes ocorridas na vida do familiar;

do destaque à informação de que não existem respostas certas e tampouco erradas,

e que as mesmas devem ser dadas baseando-se em sua própria vivência, como

expressão verdadeira de seus sentimentos com relação à sobrecarga resultante do

ato de cuidar do paciente (BANDEIRA et al., 2006; UFSJ, 2003-2008).

1084

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 DELINEAMENTO/DESENHO DO ESTUDO

Estudo quantitativo; observacional, descritivo-analítico, transversal

(LUNA, 1998).

3.2 A AMOSTRA

Esta pesquisa foi realizada em três instituições que tratam de sujeitos

com transtornos mentais: duas da rede pública – ambulatório de hospital psiquiátrico

e centro de atenção psicossocial – e uma da rede privada de assistência.

O ambulatório do Hospital Areolino de Abreu, de Teresina/PI, foi o serviço

escolhido para representar a primeira categoria de instituições. Localizado na Rua

Joe Soares Ferry, nº2420, bairro Primavera, na capital do Estado do Piauí, é o

hospital psiquiátrico de ensino da Universidade Federal do Piauí; hospital

psiquiátrico público estadual, referência no tratamento de transtornos mentais,

inclusive para outros Estados da região Nordeste e Norte do país. Em

funcionamento na sua atual sede, desde 1977. O ambulatório funciona de segunda a

sexta-feira, em dois turnos de atendimento, possuindo atualmente um quadro de

recursos humanos profissionais, atendendo sujeitos com transtornos mentais,

composto por oito médicos-psiquiatra, cinco psicólogas, uma assistente social e uma

enfermeira; possui ainda uma neurologista realizando atendimento neurológico dos

1085

pacientes usuários do serviço e cinco dentistas. A principal procura é por consultas

com médico-psiquiatra, com agendamentos programados para 60dias.

O “Centro de Atenção Psicossocial – CAPS II” da cidade de Piripiri-PI, sito

à rua Dr. Antenor de Araújo Freitas, nº2671, bairro Paciência, naquela cidade, foi o

escolhido para representar o serviço CAPS, mediante a lógica

psicossocial/comunitária e trabalho em equipe multiprofissional. É um serviço

classificado como tipo dois – segundo capacidade operacional para atendimento –

que atende nos regimes não-intensivo, semi-intensivo e intensivo, prestando

assistência à população de sujeitos com transtornos mentais da referida cidade e de

cidades próximas, desde julho de 2005. Funciona com equipe composta por dois

médicos-psiquiatra, dois psicólogos, uma enfermeira, uma assistente social, uma

nutricionista, uma terapeuta ocupacional e um educador físico.

Na rede privada a pesquisa ocorreu em consultório médico-psiquiátrico da

rede particular de assistência, situado no Centro de Neurologia e Cefaléia do Piauí

LTDA, localizado na Rua São Pedro, nº2071, sala 304, Teresina-PI, que presta

atendimento na área de Psiquiatria desde outubro de 2007.

A escolha destes de serviços, além de buscar representar três das

modalidades de assistência atualmente vigentes e dominantes em Psiquiatria,

também teve por objetivo minimizar um possível viés de seleção resultante do

aspecto dos serviços públicos – CAPS e o ambulatório do hospital psiquiátrico –

terem como usuários predominantemente a população de menor renda financeira.

O universo avaliado no presente estudo foi então composto por: sujeitos

com TOC em tratamento em ambulatório de hospital psiquiátrico, sujeitos com TOC

em tratamento em CAPS tipo II, sujeitos com TOC em tratamento em consultório

médico particular; e por familiar cuidador dos referidos pacientes – indicados por

estes como seu familiar de referência no tocante a cuidados.

Foram observados como critérios de inclusão para o sujeito com TOC: ter

diagnóstico de TOC, no serviço – ambulatório/CAPS/consultório –, ser maior de 18

anos de idade e aceitar participar da pesquisa; e para o familiar cuidador: ser

1086

indicado pelo sujeito com TOC como o seu principal prestador de auxílio/cuidados,

ser maior de 18 anos de idade e aceitar participar do estudo. 44

Como critérios de exclusão foram observados: para o sujeito com TOC, o

fato de encontrar-se, na ocasião da pesquisa, em tratamento de outro transtorno

mental, registrada em codificação segundo a 10ª edição da Classificação

Internacional de Doenças – CID-10 – em seu prontuário; e para o familiar cuidador

os aspectos: presença de transtorno mental em curso, de diagnóstico anterior ao

diagnóstico do paciente com TOC, e histórico de internação psiquiátrica.

O grupo-total foi constituído por quarenta e cinco – n=45 – pacientes com

TOC e quarenta e cinco – n=45 – familiares cuidadores dos referidos pacientes; aos

quais foram aplicados os respectivos instrumentos de coleta de dados, após

cumprimento de considerações éticas e obtenção de consentimentos livres e

esclarecidos. O tamanho do universo de pesquisa foi determinado considerando-se

uma prevalência de 3% de TOC na população (APA, 1995; MARAZZITI; NASSO,

2000; SADOCK; SADOCK, 2007b), com nível de confiança de 95% e com erro

amostral de 5%, obtendo-se, para uma amostragem casual simples, n≌45 pacientes.

45

A divisão dos grupos segundo os locais de coleta de dados foi realizada

de modo igualitário; ficando para cada local, conjuntos de quinze sujeitos com TOC

e seu respectivo familiar.

O critério de seleção para os sujeitos com TOC no grupo referente ao

ambulatório do hospital psiquiátrico foi a ordem de chegada para atendimento de

consultas agendadas – observadas em registros do setor de marcação de consultas

–, distribuídos nos dois turnos de trabalho, de segunda a sexta-feira. No CAPS a

seleção ocorreu a partir da listagem de prontuários. E no setor privado a seleção

ocorreu do mesmo modo que para o CAPS.

44

A faixa etária escolhida para os sujeitos com TOC pautou-se nos aspectos da população atendida no ambulatório do

hospital psiquiátrico ser composta por indivíduos acima de 18 anos de idade, e por este ser um transtorno com latência de diagnóstico de até 17 anos, ponderando-se que a maioria dos sujeitos com o transtorno em tratamento é de adultos. A faixa etária para o familiar cuidador foi estabelecida como mínimo de 18 anos de idade, considerando-se que o provimento de cuidados a um sujeito com transtorno mental deva ser função desempenhada por adultos.

45 Para cálculo do tamanho da amostra foi utilizada a fórmula, descrita por Motta e Wagner (2003), para estudos descritivos

com uso de variável qualitativa: 𝑛 ≅4xZ α²xpxq

(2xME )², tendo-se 𝑛 ≌

4x 1,96 2x 0,03 x(0,97)

(2x0,05)² ≌ 45; onde n = tamanho da

amostra; Zα = valor de Z na curva normal segundo α; p = estimativa inicial da proporção; q = (1-p); e ME = margem de erro máxima tolerável em relação ao parâmetro (MOTTA; WAGNER, 2003).

1087

3.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Utilizou-se nesta pesquisa os instrumentos abaixo relacionados.

Formulário do perfil do sujeito com TOC, composto de dados sócio-

demográficos e clínicos, dirigido ao sujeito com TOC (formulário A – vide APÊNDICE

A): constituído por questões fechadas com informações sobre gênero, faixa etária,

estado civil, grau de instrução, procedência, religião, ocupação, renda financeira,

tempo de tratamento, idade de início de sintomas e de diagnóstico, comorbidades e

tratamento, e com quem reside.

Formulário do perfil do cuidador, composto de dados sócio-

demográficos, de saúde e de informações relacionadas à tarefa de cuidar, dirigido

ao familiar cuidador do sujeito com TOC (formulário B – vide APÊNDICE B):

constituído por questões fechadas e abertas, com informações sobre gênero, faixa

etária, grau de instrução, estado civil, procedência, religião, ocupação, renda

financeira, parentesco com o sujeito com TOC, tempo como cuidador, qual

comportamento do sujeito com TOC que mais o incomoda, presença de sintomas

que atribua ao ato de cuidar, se reside com o sujeito acometido pelo transtorno e

qual a freqüência de contato com o mesmo, a quantidade de tempo gasta

diariamente com o enfermo, doenças pessoais, época de início e tratamento na

ocasião, se presta cuidados a outro enfermo, e se recebe alguma ajuda/orientação

na prestação de cuidado/auxílio.

“Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares – FBIS-BR” –

(BANDEIRA et al., 2006) – ANEXO A –, constitui-se em um instrumento que avalia

as sobrecargas – objetiva e subjetiva – dos familiares de pacientes psiquiátricos –

seção 2.6.

O cálculo dos graus de sobrecarga é realizado através do cálculo das

médias dos escores obtidos nas questões. Para os graus globais de sobrecarga

objetiva e subjetiva, calcula-se a média dos escores obtidos em todas as questões

que avaliam cada uma das sobrecargas. Para os graus – escores – de sobrecarga,

1088

objetiva ou subjetiva, separadamente para cada dimensão, calcula-se a média dos

escores obtidos nas questões adequadas para o cálculo, em cada subescala (UFSJ,

2003-2008).

“Mini International Neuropsychiatric Interview” – MINI –, é uma

entrevista diagnóstica estruturada, padronizada, psiquiátrica, breve, desenvolvida

em 1990 por médicos, psiquiatras e clínicos, nos EUA e na Europa, para desordens

psiquiátricas da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais – DSM-IV – e da CID-10 (MEDICAL OUTCOME SYSTEM, INC, 1996-2006).

Pode ser utilizada tanto na prática clínica, no ensino, na gestão de programas de

saúde e na pesquisa – onde pode ser usada para seleção de populações e para

avaliação breve de critérios diagnósticos –, observando-se que seu uso é

condicionado a treinamento obrigatório prévio (AMORIM, 2000).

É constituído por diversas versões com especificidades relativas aos seus

objetivos: MINI, também designado por MINI Core; MINI Screen; MINI Plus; MINI

Kid; MINI Tracking; e MINI Informatizado. O MINI – DSM-IV – está dividido em

módulos diagnósticos independentes que exploram os principais Transtornos

Psiquiátricos do Eixo I do DSM-IV. As opções de resposta às indagações do MINI

são dicotômicas: “sim” ou “não”, e suas perguntas referem-se a períodos de tempo

distintos, definidos em cada módulo avaliado (AMORIM, 2000).

Na presente pesquisa utilizou-se a versão “MINI 5.0.0/Brazilian

version/DSM-IV”, Screen e Core (ANEXO B - fragmento da escala autorizado, pela

responsável pelo desenvolvimento do MINI e pelo treinamento de utilizadores no

Brasil, para reprodução nesta dissertação; ANEXO C – autorização para

reprodução), com intuito de confirmação diagnóstica de TOC e suspeição de

comorbidades. Inicialmente foi aplicada a versão “MINI Screen DSM-IV-5.0-2002”,

composta por questões filtro, para rastreamento de quadros sindrômicos; na

presença de positividade para alguma questão-filtro, procedeu-se à aplicação da

versão MINI – Core – para confirmação. Na aplicação da versão MINI – Core –,

foram excluídos os módulos opcionais, e considerados para análise dos demais

diagnósticos apenas os quadros vigentes no período atual.

1089

A aplicação da FBIS-BR possui uma duração aproximada de trinta

minutos (BANDEIRA et al., 2006) e a da entrevista diagnóstica padronizada – MINI –

uma duração de quinze a trinta minutos (AMORIM, 2000).

3.4 COLETA DE DADOS

Após cumprimento de considerações éticas, realização de treinamento

obrigatório para utilização do MINI (ANEXOS D e E), e obtenção de autorizações e

consentimentos livres e esclarecidos segundo a Resolução 196/96 do Conselho

Nacional de Saúde, procedeu-se à aplicação oral dos instrumentos de coleta de

dados, nos grupos selecionados nos locais da pesquisa definidos pelo autor.

Com o intuito de proporcionar mais segurança aos sujeitos da pesquisa,

em especial ao sujeito com TOC – em virtude de suas peculiaridades –, com relação

ao sigilo e anonimato das informações que foram fornecidas para a investigação, um

número escolhido pelo referido sujeito em uma lista de números aleatórios – o

número, uma vez escolhido, foi descartado na lista para evitar que fosse selecionado

por outro sujeito –, foi registrado nas folhas de resposta dos instrumentos de coleta

de dados (formulários, escala de sobrecarga – FBIS-BR –, e entrevista diagnóstica

psiquiátrica padronizada – MINI) no lugar do nome do sujeito. Destarte, caso o

paciente quisesse se retirar da pesquisa tempos após o preenchimento dos

formulários deveria informar o número que escolheu para representar seu nome,

para que, apenas assim, fossem identificadas as suas folhas de respostas –

formulário(s), entrevista diagnóstica psiquiátrica padronizada, no caso do sujeito com

TOC, e escala, no caso do familiar cuidador – que seriam, então, eliminadas.

Nenhum dos sujeitos dos grupos solicitou sua retirada da pesquisa –

cancelou seu próprio consentimento.

1090

A aplicação oral dos instrumentos pautou-se nas instruções de aplicação

da “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares – FBIS-BR”, destacando-se

aos entrevistados que as suas respostas deveriam ser dadas baseando-se em sua

própria vivência e como expressão verdadeira de seus sentimentos – na avaliação

da sobrecarga, como resultante do ato de cuidar do paciente –, e que não existiam

respostas certas nem erradas. As aplicações ocorreram em situação de privacidade

para o entrevistado, em um único encontro, com resposta a todas as questões dos

instrumentos, anotadas pelo entrevistador. Ao entrevistado foi esclarecido o objetivo

da aplicação dos instrumentos e o destino dos dados obtidos, deixando-o à vontade

para que expressasse quaisquer dúvidas que porventura tivesse durante a

entrevista, esclarecendo-as.

Na aplicação do MINI foram observadas também as convenções

determinadas para a sua aplicação: frases em letras minúsculas foram lidas palavra

por palavra para o(a) entrevistado(a); frases em letras maiúsculas não eram lidas,

servindo apenas para referenciar o aplicador; frases em negrito determinavam o

período a ser explorado; frases escritas entre parênteses eram exemplos clínicos

que poderiam ser utilizados para esclarecer a pergunta; termos separados por uma

barra (/), o entrevistador considerava somente o termo relativo ao sintoma do

entrevistado(a) anteriormente explorado; nas respostas com uma seta sobreposta

indicando que um dos critérios fundamentais para o diagnóstico não foi preenchido,

cotava-se “não” no quadro diagnóstico correspondente e dirigia-se ao módulo

seguinte. Foi destacado para o entrevistado o período de exploração correspondente

a cada módulo, conforme destacado no próprio MINI.

Os formulários “perfil do sujeito com TOC” e “perfil do cuidador” foram

submetidos a um breve estudo piloto, realizado conforme o protocolo da pesquisa,

com cinco sujeitos com TOC e seus respectivos familiar-cuidador no grupo do

ambulatório do hospital-psiquiátrico e no da clínica privada – totalizando vinte

entrevistas –, onde não foram observadas dificuldades nas suas aplicações, tendo-

se realizadas algumas alterações que não implicaram em prejuízo nos formulários

preenchidos, uma vez que todos os dados acrescidos ou já eram obtidos

indiretamente de questões anteriores ou já tinham sido anotados no próprio

formulário durante as coletas. As alterações restringiram-se ao desdobramento de

novas alternativas de respostas, a criação de questão com itens de resposta para a

1091

codificação diagnóstica – CID-10 – e a mudança na numeração de itens de

respostas para a facilitação da construção de planilhas para cálculos estatísticos. Os

formulários do estudo piloto foram incluídos no universo da pesquisa final.

A aplicação da FBIS-BR teve uma duração média de 50 minutos para

cada entrevista, e o MINI de 30 minutos. Não tendo sido encontradas dificuldades

em suas aplicações.

3.5 ADVERSIDADES E SEU MANEJO

No contexto da existência de vários diagnósticos registrados em

prontuário do sujeito com TOC – verificado principalmente no grupo do ambulatório

do hospital psiquiátrico –, a participação do sujeito na pesquisa somente foi

efetivada após a confirmação do diagnóstico de TOC através da aplicação do MINI.

Em duas situações os sujeitos com TOC indicaram outros elementos de

sua vida que não da sua rede de parentesco biológico ou conjugal, como seus

cuidadores e por eles considerados como “da família”. A participação de tais sujeitos

na pesquisa foi acatada, pela indicação dos sujeitos com TOC e pelo papel

desempenhado como cuidador segundo aqueles, passando no presente estudo a

serem também denominados familiar-cuidador.

Nas situações em que houve a recusa, manifesta também pela não

resposta ao convite, pelo paciente – incluindo também sua discordância na

participação de seu familiar – ou pelo cuidador, incluindo também o não

comparecimento à entrevista e a ausência de interesse em agendar nova entrevista,

desconsiderou-se aquele conjunto – paciente e seu respectivo familiar cuidador –,

passando-se o convite a outro sujeito que preenchesse os critérios pré-

estabelecidos. Tal evento ocorreu em oito ocasiões: quatro no ambulatório do

hospital psiquiátrico, uma no CAPS e em três no grupo da rede privada.

1092

Em todas as situações de ausência do familiar cuidador à consulta do

paciente – momento da pesquisa –, foi proposto agendamento da entrevista com o

familiar cuidador em outra ocasião, com a aquiescência do sujeito com TOC. Em

quatro ocasiões, apesar do aceite e participação do sujeito com TOC, o cuidador

não compareceu à sua entrevista ou não manifestou interesse na participação da

pesquisa; nestas situações foram desconsideradas as participações – formulário e

entrevista com uso do MINI – dos respectivos sujeitos com TOC. Procedeu-se então

à seleção de novos participantes. Em uma das situações um sujeito com TOC, no

grupo da clínica privada, não tinha familiares residindo na cidade.

Foram realizados contatos telefônicos, no grupo do ambulatório do

hospital psiquiátrico, com sete sujeitos para agendamento de data de entrevista com

o sujeito com TOC e/ou com o cuidador.

Excepcionalmente, em uma ocasião, a entrevista ao familiar cuidador foi

aplicada na residência do mesmo, em razão de cuidar de criança pequena e ser a

responsável pelos cuidados da casa não podendo ausentar-se da mesma. Todas as

demais entrevistas ocorreram nos locais de coleta discriminados na pesquisa –

hospital, clínica privada e no CAPS.

No grupo do CAPS os sujeitos com TOC foram identificados pelos

profissionais do serviço, pois em grande número de prontuários não era feito o

registro da codificação do transtorno segundo a CID-10. Todos diagnósticos foram

confirmados com o uso do MINI, do mesmo modo que para os outros grupos dos

sujeitos com TOC.

3.6 LIMITAÇÕES METODOLÓGICAS

A natureza e a configuração dos locais de coleta de dados podem

determinar viés de seleção na amostra, refletindo na impossibilidade de generalizar

1093

seus resultados para a população geral com TOC constituída também por sujeitos

que desconhecem seu problema de saúde, por aqueles sem acesso a tratamento e

pelos que mantêm em segredo seus sintomas e que acabam por somente afetar os

familiares cuidadores quando em estágio avançado da enfermidade, quando já não

é possível disfarçá-la, ou quando já não conseguem tolerar sozinhos as obsessões,

ou ainda quando já requerem ajuda na realização de algumas compulsões.

Refletimos sobre a possibilidade da existência de viés de gratidão 46 nas

ocasiões em que o sujeito com TOC tivesse realizado consultas médicas anteriores

com o pesquisador, ou naquelas em que os sujeitos entrevistados tenham

destacado a possibilidade de ter tido a oportunidade de falar mais detalhadamente

sobre seus problemas para alguém interessado em ouvi-los.

O uso de instrumento de avaliação disposto em escala pode ter

determinado um viés de aquiescência 47.

Consideramos ainda como limitação a ausência da avaliação dos níveis

de gravidade dos sujeitos com TOC – que pode ser um fator de confusão para a

análise dos resultados, pois a gravidade poderia exercer um papel na sobrecarga.

3.7 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

A presente pesquisa cumpriu os Termos da Resolução nº196/96 do

Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.

46

O viés de gratidão é caracterizado pela relutância em expressar opiniões negativas; pela supressão de observações,

questionamentos e julgamentos negativos pelo entrevistado, podendo ocorrer em contextos em que estes tenham afinidade pelo entrevistador, ou pelo profissional provedor de cuidados; sendo observados comumente em avaliações de serviços públicos (ESPIRIDIÃO; TRAD, 2005). 47

O viés de aquiescência, relacionado à enumeração dos quesitos dos questionários, é comum em instrumentos que contém

escala, caracterizando-se pela tendência do pesquisado em concordar com o primeiro item desta, independentemente do seu conteúdo (ESPIRIDIÃO; TRAD, 2005).

1094

Honrou as seguintes etapas: aprovação da pesquisa no Mestrado em

Ciências e Saúde; autorizações prévias das instituições onde o projeto seria

realizado; inscrição e aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade

Federal do Piauí (ANEXOS F e G); realização de treinamento obrigatório para a

utilização do “Mini International Neuropsychiatric Interview” – MINI (ANEXOS D e E);

e autorização/aceite dos participantes obtido através de Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido.

A aplicação oral dos instrumentos FBIS-BR e MINI pautaram-se nas

recomendações específicas para suas aplicações.

A presente pesquisa foi registrada na Comissão Nacional de Ética em

Pesquisa/Ministério da Saúde – CONEP/MS – sob o número 045; possuindo

Certificado de Apresentação para Apreciação Ética – CAAE – registrado sob o

número 0180.0.045.000-8.

3.8 ANÁLISE ESTATÍSTICA

Utilizou-se o SPSS 16.0, para o processamento dos dados e os cálculos

de freqüências, percentuais, médias, desvios-padrão e análises estatísticas.

Para as análises estatísticas foram usados o teste não paramétrico de

Kruskall-Wallis para verificar diferenças entre os graus de sobrecarga e os grupos

das redes, e para verificar associação das variáveis categóricas – perfis sócio-

demográfico e clínico – foi usado o teste Qui-quadrado, e o teste exato de Fisher,

quando ocorreu freqüência inferior a cinco.

Para avaliar interações foi utilizado o modelo linear generalizado, tendo

como variável dependente os graus de sobrecarga global objetiva e subjetiva, como

fator fixo a rede de assistência, e como cofatores: o gênero, o estado civil do sujeito

com TOC, as comorbidades com o diagnóstico de TOC, e o gênero, a escolaridade,

1095

a renda do cuidador, o tempo gasto no cuidar, o parentesco, o fato de residir com o

sujeito com TOC, e a freqüência do contato com o sujeito acometido pelo transtorno.

Em todos os testes trabalhou-se com um nível de significância em 5%.

1096

4 RESULTADOS

4.1 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO E CLÍNICO DO SUJEITO COM TOC

TABELA 1: Idade média e variações, nos sujeitos com TOC.

GRUPOS

IDADE (ANOS) Desvio-padrão Mínima Máxima Idade média

CLÍNICA PRIVADA

18

61

33,20

12,60

CAPS (Centro de Atenção Psicossocial)

18

75

37,60

14,97

AMBULATÓRIO DE HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

20

74

37,20

15,72

TOTAL

18

75

36,00

14,30

No “grupo clínica-privada” – GCP – o perfil dos sujeitos com TOC

caracteriza-se como um sujeito masculino, com curso superior completo – TABELA 2

–, solteiro (60,00%), católico (73,33%), desempregado (46,67%), sem renda

financeira, residindo com o cônjuge e com os filhos quando estes existiam (40,00%),

em família chefiada pelo próprio sujeito (40,00%). Em tratamento há mais de dois

anos (66,67%), à base de fármacos (86,67%), em uso de ISRS – TABELA 3.

Com relação ao “grupo CAPS” - GCAPS –, sujeito com TOC do gênero

feminino, com ensino fundamental incompleto ou médio incompleto – TABELA 2 –,

casado/relação consensual (60,00%), católico (93,33%), desempregado/do lar

(46,67%), sem renda, residindo com o cônjuge e filhos quando estes existiam

(53,33%), em família chefiada pelo cônjuge (46,67%). Em tratamento há menos de

um ano (46,67%), à base de fármacos (80,00%), ressaltando-se o uso exclusivo de

ISRS – TABELA 3 – e de ISRS conjugado a benzodiazepínico e neuroléptico

(33,33%).

1097

Para o “grupo ambulatório do hospital-psiquiátrico” – GHP –, observou-se

como perfil o sujeito com TOC do gênero feminino, com ensino fundamental

incompleto – TABELA 2 –, solteiro (46,67%; 40,00% casados), católico (86,67%),

desempregado (46,67%), sem renda, residindo com o cônjuge e com filhos quando

estes existiam (40,00%), em família chefiada pelo cônjuge (33,33%). Em tratamento

há menos de um ano (33,33%), à base de fármacos (73,33%), sem uso de ISRS –

TABELA 3.

No tocante aos tipos de TOC, destacou-se a verificação no GCAPS de

que maior percentual de sujeitos não possuía codificação diagnóstica (CID-10)

registrada em prontuário – TABELA 3. Em todos os casos incluídos no universo

pesquisado total dos sujeitos com TOC houve a confirmação diagnóstica do TOC

com o uso do MINI; observando-se suspeição de comorbidades em 42,22% do

grupo – destacando-se a presença de episódio depressivo maior em 26,66% do

grupo total-TOC.

No universo total dos sujeitos com TOC da pesquisa (n=45) oito sujeitos

informaram encontrar-se em tratamento para outros problemas de saúde, não-

psiquiátricos – hipercolesterolemia, diabetes, artrose, hérnia de disco, tireoideopatia,

sífilis e hipertensão arterial.

Considerando-se o grupo total-TOC, calculou-se um tempo de latência

entre o surgimento dos primeiros sintomas e o diagnóstico de 9,78 anos (desvio-

padrão=9,15). Observou-se também, no grupo total-TOC, que não há diferença entre

gêneros na proporção de homens e mulheres (χ2 = 3,76; p>0,05).

Houve associação (p<0,05) entre os grupos dos sujeitos com o transtorno

– GCP, GCAPS, GHP – e o gênero, o grau de instrução, a renda mensal – TABELA

2 –, a codificação diagnóstica através da CID-10, e o tipo de medicação utilizada

pelos sujeitos com TOC – TABELA 3.

1098

TABELA 2: Características sócio-demográficas dos sujeitos com TOC, segundo

grupos pesquisados.

CARACTERÍSTICAS

GRUPOS

TOTAL CLÍNICA PRIVADA

CAPS * AMBULATÓRIO DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

N % N % N % N %

NE

RO

(p

=0,0

19)

**

Masculino

10 66,67 3 20,00 3 20,00 16 35,56

Feminino

5 33,33 12 80,00 12 80,00 29 64,44

GR

AU

S D

E I

NS

TR

ÃO

(p

=0,0

00)

**

Analfabeto

_ _ 1 6,67 _ _ 1 2,22

Alfabetizado

_ _ 1 6,67 1 6,67 2 4,44

Ensino fundamental incompleto

_ _ 5 33,33 5 33,33 10 22,22

Ensino fundamental completo

_ _ _ _ 1 6,67 1 2,22

Ensino médio incompleto

1 6,66 5 33,33 4 26,67 10 22,22

Ensino médio completo

4 26,67 3 20,00 4 26,67 11 24,44

Curso superior incompleto

3 20,00 _ _ _ _ 3 6,67

Curso superior completo

7 46,67 _ _ _ _ 7 15,57

RE

ND

A M

EN

SA

L

(p=

0,0

02)

**

< 01 SM ***

_ _ 4 26,67 3 20,00 7 15,56

01 a 02 SM

_ _ 4 26,67 5 33,33 9 20,00

2,1 a 3SM

3 20,00 _ _ _ _ 3 6,67

3,1 a 4SM

1 6,67 _ _ _ _ 1 2,22

Mais de 4SM

4 26,67 _ _ _ _ 4 8,89

Não tem renda

7 46,67 7 46,67 7 46,67 21 46,66

* CAPS = Centro de Atenção Psicossocial.

** “Fisher’s Exact Test”.

*** SM = salário(s) mínimo(s); SM/2008=R$368,00; SM/2009=R$ 465,00.

1099

TABELA 3: Características clínicas dos sujeitos com TOC, segundo grupos

pesquisados.

CARACTERÍSTICAS

GRUPOS

TOTAL CLÍNICA PRIVADA

CAPS * AMBULATÓRIO DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

N % N % N % N %

DIA

GN

ÓS

TIC

O C

ID-1

0

(p=

0,0

00)

**

F42.0

5 33,33 2 13,33 9 60,00 16 35,56

F42.1

3 20,00 _ _ 3 20,00 6 13,33

F42.2

7 46,67 3 20,00 3 20,00 13 28,89

Não codificado

_ _ 10 66,67 _ _ 10 22,22

ME

DIC

ÕE

S

(p=

0,0

00)

**

ISRS *** (exclusivo) 12 80,00 5 33,33 1 6,67 18 40,00

ISRS + outras

medicações 3 20,00 7 46,67 3 20,00 13 28,89

Outras medicações _ _ 2 13,33 11 73,33 13 28,89

Sem medicações _ _ 1 6,67 _ _ 1 2,22

* CAPS = Centro de Atenção Psicossocial.

** “Fisher’s Exact Test”.

*** ISRS = Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina.

1100

4.2 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO, DE SAÚDE E DE INFORMAÇÕES

RELATIVAS AO CUIDAR, RELACIONADAS AO CUIDADOR

TABELA 4: Idade média e variações, dos cuidadores dos sujeitos com TOC.

GRUPOS

IDADE DO CUIDADOR (ANOS) Desvio-padrão Mínima Máxima Idade média

CLÍNICA PRIVADA

27

70

52,80

11,97

CAPS (Centro de Atenção Psicossocial)

18

53

38,40

10,49

AMBULATÓRIO DE HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

27

65

46,93

11,82

TOTAL

18

70

46,04

12,68

Na construção do perfil do cuidador, verificamos coincidências nos três

grupos do familiar cuidador – GCP, GCAPS, GHP – no tocante a um sujeito do

gênero feminino (GCP=80,00%, GCAPS=80,00%, GHP=93,33%), casado/relação

consensual (GCP=93,33%, GCAPS=80,00%, GHP=66,67%), católico

(GCP=93,33%, GCAPS=93,33%, GHP=86,67%), residindo com o sujeito com TOC

(GCP=66,67%, GCAPS=53,33%, GHP=80,00%). Sem relato de sintomas físicos que

associasse à ação de cuidar (GCP=80,00%, GCAPS=86,67%, GHP=66,67%), com

contato diário com o familiar com TOC (GCP=86,67%, GCAPS=100,00%,

GHP=86,67%). Informando não receber ajuda/orientação no cuidado/auxílio do

sujeito enfermo (GCP=73,33%, GCAPS=46,67%, GHP=40,00%), e referindo não

encontrar-se cuidando de outro enfermo (GCP=80,00%, GCAPS=73,33%,

GHP=66,67%).

Com relação ao perfil do cuidador observamos ainda os aspectos do

sujeito possuir o ensino médio completo e o superior completo no GCP, e o ensino

médio nos grupos do CAPS e do ambulatório do hospital psiquiátrico; estarem

1101

empregados (46,67%) em ambas os grupos GCP e GCAPS, e tanto empregado

como desempregado no GHP – TABELA 6.

Pais (53,33%) e cônjuge (40,00%) foram os principais parentescos

indicados no GCP, enquanto no GCAPS o parentesco era cônjuge (53,33%) e no

GHP pais (60,00%). Especificamente com relação ao gênero feminino como

cuidador, encontrou-se em valores percentuais, no grupo total das cuidadoras, que

50,00% eram de mães, 15,79% de esposas e 10,53% de filhas.

Informaram considerar que não gastam tempo com a ação de cuidar, no

GCP e GHP; enquanto no GCAPS relataram gastar menos de duas horas por dia

com cuidados – TABELA 5.

TABELA 5: Tempo diário dispendido pelo familiar cuidador ao cuidar, segundo

grupos.

TEMPO DIÁRIO DISPENDIDO *

GRUPOS

TOTAL CLÍNICA PRIVADA CAPS*** AMBULATÓRIO DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

N % N % N % N %

< 02 horas

5

33,33

7

46,67

2

13,33

14

31,11

02 a 06 horas

-

-

6

40,00

2

13,33

8

17,78

06 a 12 horas

-

-

1

6,67

3

20,00

4

8,89

24 horas

-

-

-

-

3

20,00

3

6,67

Não considera que gaste tempo

10

66,67

1

6,67

5

33,33

16

35,56

TOTAL

15

100,00

15

100,01**

15

99,99**

45

100,01**

* p=0,000; “Fisher’s Exact Test”.

** O excesso ou a falta na totalização da base do percentual (100%) é devido a problema de aproximação.

*** CAPS= Centro de Atenção Psicossocial.

Houve associação (p<0,05) entre os grupos – GCP, GCAPS, GHP – e o

grau de instrução, a ocupação , a renda mensal – TABELA 6 e o tempo gasto no

cuidar – TABELA 5.

1102

TABELA 6: Características sócio-demográficas do cuidador dos sujeitos com TOC,

segundo grupos pesquisados.

CARACTERÍSTICAS

GRUPOS

TOTAL CLÍNICA PRIVADA

CAPS * AMBULATÓRIO DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

N % N % N % N %

GR

AU

S D

E I

NS

TR

ÃO

(p

=0,0

35)

**

Analfabeto

_ _ 1 6,67 _ _ 1 2,22

Alfabetizado _ _ _ _ 1 6,67 1 2,22

Ensino fundamental incompleto

_ _ 1 6,67 3 20,00 4 8,89

Ensino fundamental completo

2 13,33 2 13,33 _ _ 4 8,89

Ensino médio incompleto

_ _ 3 20,00 3 20,00 6 13,33

Ensino médio completo

5 33,33 6 40,00 7 46,67 18 40,00

Curso superior incompleto

2 13,33 1 6,67 1 6,67 4 8,89

Curso superior completo

6 40,00 1 6,67 _ _ 7 15,56

OC

UP

ÃO

(p

=0,0

37)

**

Desempregado (a) /do lar

1 6,67 4 26,67 6 40,00 11 24,44

Empregado (a) com carteira assinada

7 46,67 7 46,67 6 40,00 20 44,44

Aposentado (a) 5 33,33 _ _ _ _ 5 11,11

“Autônomo” 2 13,33 2 13,33 3 20,00 7 15,56

Recebendo benefício _ _ 2 13,33 _ _ 2 4,44

RE

ND

A M

EN

SA

L

(p=

0,0

26)

**

< 02 SM *** 5 33,33 8 53,33 8 53,33 21 46,67

2,1 a 4SM 2 13,33 2 13,33 _ _ 4 8,89

Mais de 4SM 7 46,67 1 6,67 1 6,67 9 20,00

Não tem renda 1 6,67 4 26,67 6 40,00 11 24,44

* CAPS = Centro de Atenção Psicossocial.

** “Fisher’s Exact Test”.

*** SM = salário(s) mínimo(s); SM/2008=R$368,00; SM/2009=R$ 465,00.

1103

No universo total dos familiares cuidadores pesquisados (n=45), dez

sujeitos (22,22%) relataram queixas que atribuíam como resultantes do cuidar do

sujeito com TOC, destacando-se 50,00% com referência à insônia.

Constatou-se a existência de diferença estatística entre a idade do cuidador nos

grupos do familiar cuidador da clínica privada, do CAPS e do ambulatório do hospital

psiquiátrico (p=0,006; “Kruskal Wallis Test ”).

1104

4.3 SOBRECARGA

Observou-se a presença de sobrecarga em 100,00% dos familiares de

sujeitos com TOC. Com uso da FBIS-BR a ausência de sobrecarga seria constatada

apenas na situação em que sujeitos respondessem com a opção “1” – nenhuma

vez/nenhum pouco/nunca – da escala Likert da FIBS-BR – subescalas A, B, D e E, e

questão C5 da subescala C – em todas as questões, tanto da sobrecarga objetiva

como da subjetiva, o que não ocorreu em nenhum familiar entrevistado.

TABELA 7: Graus de sobrecarga, calculados conforme instruções da FBIS-BR, no

grupo total (n=45) de familiares cuidadores.

SUBESCALAS GRAUS DE

SOBRECARGA

OB

JE

TIV

A Assistência na vida cotidiana (A) 2,00

Supervisão de comportamentos problemáticos (B) 1,45

Impacto nas rotinas diárias (D) 1,46

SOBRECARGA GLOBAL OBJETIVA

1,71

SU

BJE

TIV

A Assistência na vida cotidiana (A) 1,73

Supervisão de comportamentos problemáticos (B). 2,75

Preocupação com o paciente (E) 3,45

SOBRECARGA GLOBAL SUBJETIVA

2,86

No aspecto dos gastos financeiros – avaliados na FBIS-BR, todavia não

utilizáveis nos cálculos dos graus de sobrecarga por se tratarem de valores em

dinheiro – 60,00% do grupo total do familiar cuidador referiram que os gastos que

1105

tinham com o sujeito com TOC “nunca” foram pesados para si no último ano; nos

grupos separadamente esta também foi a resposta com maior percentual.

TABELA 8: Gasto mensal (valores máximo, mínimo e médio em R$), segundo o

familiar cuidador, com o sujeito com TOC, distribuídos por grupos.

GRUPOS

CLÍNICA PRIVADA

CAPS AMBULATÓRIO DO

HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

GASTOS/MÊS

(R$)

máximo 3090,00 730,00 1065,00

mínimo 403,00 100,00 150,00

valor médio 1181,33 434,80 379,80

TABELA 9: Graus de sobrecarga (FBIS-BR), em familiar cuidador de sujeitos com

TOC, segundo rede assistencial.

SUBESCALAS

GRAUS DE SOBRECARGA

p * CLÍNICA PRIVADA

CAPS AMBULATÓRIO DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO

OB

JE

TIV

A Assistência na vida cotidiana (A) 1,43 2,00 2,57 0,004

Supervisão de comportamentos problemáticos (B)

1,12 1,57 1,67 0,014

Impacto nas rotinas diárias (D) 1,03 1,62 1,73 0,011

SOBRECARGA GLOBAL OBJETIVA 1,25 1,78 2,11 0,001

S

UB

JE

TIV

A Assistência na vida cotidiana (A) 1,59 1,34 2,30 0,047

Supervisão de comportamentos problemáticos (B)

2,40 2,43 3,20 0,131

Preocupação com o paciente (E) 3,05 3,35 3,94 0,030

SOBRECARGA GLOBAL SUBJETIVA 2,77 2,60 3,23 0,049

* Kruskall-Wallis test.

A significância observada em relação à sobrecarga global objetiva e

subjetiva nos três grupos sofre interação da variável “parentesco” (p<0,05). Em

1106

relação à sobrecarga global objetiva, nos três grupos, sofre interação da variável

relativa ao fato do familiar residir com o sujeito com TOC (p<0,05); e em relação à

sobrecarga global subjetiva, nos três grupos, sofre interação da variável: freqüência

do contato com o sujeito acometido pelo transtorno (p<0,05). Todavia, não sofre

interação das variáveis: gênero, estado civil do sujeito com TOC, comorbidades com

o TOC, e das variáveis: gênero, escolaridade, renda do familiar-cuidador e tempo

gasto no cuidar (p>0,05).

1107

4.3.1 Sobrecarga objetiva – graus

TABELA 10: Graus de sobrecarga objetiva na subescala “assistência na vida

cotidiana” (subescala A), conforme itens da FBIS-BR, segundo grupos de rede

assistencial.

ITENS - subescala “A” (assistência na vida cotidiana)

GRAUS DE SOBRECARGA OBJETIVA

p *

CLÍNICA PRIVADA

CAPS

AMBULATÓRIO DE HOSPITAL

PSIQUIÁTRICO

Higiene e cuidados pessoais

1,00

1,40

2,67

0,001

Administração de medicamentos

1,33

1,40

3,53

0,000

Realização de tarefas de casa

1,67

1,73

2,60

0,215

Realização de compras

1,07

1,53

1,67

0,260

Preparo de refeições

2,40

3,00

3,20

0,385

Transporte

1,00

2,47

1,80

0,000

Administração de dinheiro

1,13

1,87

1,87

0,490

Ocupação do tempo

2,13

3,07

3,80

0,020

Consultas médicas e atividades de tratamento

1,13

1,53

2,00

0,043

* Kruskall-Wallis test.

1108

TABELA 11: Graus de sobrecarga objetiva na subescala “supervisão aos

comportamentos problemáticos” (subescala B), conforme itens da FBIS-BR, segundo

grupos de rede assistencial.

ITENS – subescala “B” (supervisão aos comportamentos problemáticos)

GRAUS DE SOBRECARGA OBJETIVA

p *

CLÍNICA PRIVADA

CAPS

AMBULATÓRIO DE HOSPITAL

PSIQUIÁTRICO

Comportamentos desconcertantes

1,00

1,67

1,40

0,055

Demanda excessiva de atenção

1,33

1,67

1,73

0,524

Perturbações noturnas

1,00

1,47

1,33

0,185

Heteroagressividade

1,07

1,33

1,20

0,591

Tentativa ou ameaça de suicídio

1,07

1,47

2,33

0,013

Consumo excessivo de alimentos, ou bebidas não-alcoólicas, ou fumo

1,27

1,80

2,00

0,166

* Kruskall-Wallis test.

1109

TABELA 12: Graus de sobrecarga objetiva na subescala “impacto nas rotinas

diárias” (subescala D), conforme itens da FBIS-BR, segundo grupos de rede

assistencial.

ITENS – subescala “D” (impacto nas rotinas diárias)

GRAUS DE SOBRECARGA OBJETIVA

p *

CLÍNICA PRIVADA

CAPS

AMBULATÓRIO DE HOSPITAL

PSIQUIÁTRICO

Atrasos ou ausências a compromissos

1,00

1,60

1,60

0,029

Alterações das atividades sociais e de lazer

1,00

1,73

2,00

0,016

Alterações nos serviços ou rotinas da casa

1,00

1,53

1,87

0,055

Alterações na atenção aos outros familiares

1,13

1,60

1,47

0,343

* Kruskall-Wallis test.

1110

4.3.2 Sobrecarga subjetiva – graus

TABELA 13: Graus de sobrecarga subjetiva na subescala “assistência na vida

cotidiana” (subescala A), conforme itens da FBIS-BR, segundo grupos de rede

assistencial.

ITENS – subescala “A” (assistência na vida cotidiana)

GRAUS DE SOBRECARGA SUBJETIVA

p *

CLÍNICA PRIVADA

CAPS

AMBULATÓRIO DE HOSPITAL

PSIQUIÁTRICO

Higiene e cuidados pessoais

- **

3,00

3,22

0,438

Administração de medicamentos

2,00

1,00

2,64

0,110

Realização de tarefas de casa

2,67

1,25

3,57

0,019

Realização de compras

1,00

1,50

2,25

0,353

Preparo de refeições

1,00

1,50

1,50

0,508

Transporte

- **

1,09

1,67

0,173

Administração de dinheiro

1,00

1,00

2,00

0,267

Ocupação do tempo

1,88

1,64

2,67

0,184

Consultas médicas e atividades de tratamento

1,00

1,14

2,13

0,341

* Kruskall-Wallis test.

** Estes itens não foram avaliados, pois na questão de sobrecarga objetiva (FBIS-BR) correspondente a resposta foi “nenhuma vez” à indagação da freqüência de assistência no aspecto específico. Nesta situação o sujeito não pode sentir-se incomodado com uma situação que ele não realiza; então, a questão subjetiva correspondente, na FIBS-BR, não é respondida.

1111

TABELA 14: Graus de sobrecarga subjetiva na subescala “supervisão aos

comportamentos problemáticos” (subescala B), conforme itens da FBIS-BR, segundo

grupos de rede assistencial.

ITENS – subescala “B” (supervisão aos comportamentos problemáticos)

GRAUS DE SOBRECARGA SUBJETIVA

p *

CLÍNICA PRIVADA

CAPS

AMBULATÓRIO DE HOSPITAL

PSIQUIÁTRICO

Comportamentos desconcertantes

- **

2,40

3,25

0,252

Demanda excessiva de atenção

2,00

1,83

2,00

0,891

Perturbações noturnas

- **

2,67

2,67

1,000

Heteroagressividade

3,00

3,50

3,67

0,574

Tentativa ou ameaça de suicídio

3,00

2,60

4,00

0,031

Consumo excessivo de alimentos, ou bebidas não-alcoólicas, ou fumo

3,00

2,86

3,17

0,682

* Kruskall-Wallis test.

** Estes itens não foram avaliados, pois na questão de sobrecarga objetiva (FBIS-BR) correspondente a resposta foi “nenhuma vez” à indagação da freqüência à supervisão no aspecto específico. Nesta situação o sujeito não pode sentir-se incomodado com uma situação que ele não realiza; então, a questão subjetiva correspondente, na FIBS-BR, então não é respondida.

1112

TABELA 15: Graus de sobrecarga subjetiva na subescala “preocupação com o

paciente” (subescala E), conforme itens da FBIS-BR, segundo grupos de rede

assistencial.

ITENS – subescala “E” (preocupação com o paciente)

GRAUS DE SOBRECARGA SUBJETIVA

p *

CLÍNICA PRIVADA

CAPS

AMBULATÓRIO DE HOSPITAL

PSIQUIÁTRICO

Segurança física

3,93

3,67

4,47

0,174

Tipo de ajuda e tratamento

2,73

2,93

3,20

0,755

Vida social

2,40

2,93

3,60

0,115

Saúde física

3,93

3,80

4,20

0,748

Condições de moradia atual

1,60

2,60

3,20

0,035

Sobrevivência financeira

2,80

3,07

4,13

0,075

Preocupações com o futuro

3,93

4,47

4,80

0,173

* p<0,05; Kruskall-Wallis test.

1113

5 DISCUSSÃO

A idade média dos sujeitos com TOC do universo total desta pesquisa –

36,00 anos; dp=14,30 – convergiu com dados da literatura que registram idade

média de 35,20 anos (CALVOCORESSI et al., 1995). O mesmo padrão foi

observado individualmente em cada um dos grupos pesquisados - TABELA 1.

Ventilamos que uma menor idade média verificada no grupo da rede

privada possa ser resultante da busca mais precoce por auxílio neste grupo em

razão do maior nível de instrução, maior acesso a informações acerca de saúde,

maior capacidade de identificação de alterações como sendo características de um

transtorno mental, além de aspectos relacionados às características do tipo do

serviço – mais reservado e com menor exposição pública –; sendo os serviços

públicos possivelmente procurados por seus usuários apenas nos estágios de maior

sofrimento e comprometimentos, quando estes aspectos se apresentassem em

níveis superiores aos temores de estigmas, discriminações e medos de transtorno

mental e de tratamento psiquiátrico.

Ao considerarmos que à idade exata de 36 anos, para ambos os gêneros,

corresponderia uma expectativa de mais 40,9 anos de vida 48 (IBGE, 2008b),

inferimos que o acometimento por TOC observado, de adultos-jovens em faixa etária

média de 36 anos, resultará por parte do sujeito demandante de cuidados da

necessidade do provimento destes pelo cuidador por um período prolongado de

tempo, considerando-se a gravidade do transtorno, sua evolução e dificuldades

relacionadas ao tratamento, podendo resultar em maiores graus de sobrecarga

familiar com todas as conseqüências decorrentes tanto para o sujeito com o

transtorno, como para o familiar-cuidador, para a família como um todo, e para os

serviços e sistema de saúde.

Relativo ao gênero do sujeito com TOC, considerando-se que não há

diferença estatisticamente significativa entre os gêneros no grupo total – n=45 –,

48

Segundo dados da “Tábua completa de mortalidade – ambos os sexos – 2008” (IBGE, 2008b).

1114

verificou-se concordância com estudos que indicam igual prevalência em ambos os

gêneros em adultos (APA, 2002; NIEDERAUER et al., 2007; SADOCK; SADOCK,

2007b). Avaliando apenas valores percentuais dos gêneros em cada grupo

separadamente, destacamos consonância dos grupos do CAPS – GCAPS – e do

ambulatório do hospital psiquiátrico – GHP – com relatos de predomínio do gênero

feminino verificados em inquéritos populacionais (TORRES; LIMA, 2005). A

existência de associação – p<0,05 – entre o gênero do sujeito com TOC e os grupos

pesquisados sugere que aquele aspecto mude em função do local de atendimento –

TABELA 2.

Rosa (2003b) encontrou em análise do perfil de usuários do ambulatório

do Hospital Areolino de Abreu uma predominância do gênero feminino – 58,55% –

inferindo que a diferença entre os gêneros possa ser explicada como resultante da

cultura de gênero, com o feminino aceitando mais facilmente as alterações no curso

de vida caracterizadas no adoecer e buscando mais e sendo mais receptiva à ajuda

profissional. Hita (1998) aponta estudos indicando fatores biológicos relacionando a

doença mental e a área da saúde reprodutiva feminina – e.g., período pré-menstrual,

climatério, problemas no puerpério –, e fatores sociais relacionando o papel feminino

na sociedade – e.g., as relações de desigualdade entre os gêneros, a localização do

feminino em posições socialmente desvantajosas – como eixos que buscam ratificar

a existência de associação entre este gênero e a doença mental.

O gênero feminino enquanto enfermo tende, socialmente, a ser mais

aceito, e ao buscar auxílio em um serviço psiquiátrico sofre com menor intensidade o

estigma relacionado (ROSA, 2003b). Conjecturamos com base nas considerações

acima que a maior procura de auxílio/tratamento pelo gênero feminino na rede

pública possa sofrer influência das características históricas, culturais e sociais,

relacionadas a este gênero.

Analisando ainda, na nossa pesquisa, apenas os valores percentuais dos

gêneros em cada grupo pesquisado separadamente, aventamos que a maior busca

do gênero masculino por tratamento no grupo da rede privada de assistência possa

estar vinculada a questões relacionadas ao receio da exposição pública, ao

preconceito masculino com relação a questões de saúde mental onde se agregam

aos preconceitos pessoais os receios de discriminação e estigmas sociais, as

1115

ameaças à posição de figura de referência social para a família e de respeito social

à família – historicamente ao gênero masculino é atribuído o papel de maior

visibilidade social, de autoridade moral e de provedor do grupo familiar, e a ausência

ou impossibilidade de desempenho efetivo do papel fragilizaria a família em

instâncias como a segurança e respeito pela sociedade. Deste modo a procura pelos

serviços privados alicerçar-se-ia, neste contexto, na busca por menor exposição

pública – ambientes sem filas de espera na recepção dos serviços; comparecimento

para consultas apenas no horário agendado; poucos sujeitos na sala de recepção

aguardando o seu próprio horário.

Registros na literatura apontam como as situações civis mais prevalentes

para os pacientes com TOC, a solteira (NIEDERAUER et al., 2007; SADOCK;

SADOCK, 2007b; STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003) e a de separados ou

divorciados (TORRES; LIMA, 2005). Nos grupos avaliados observou-se maior

número de sujeitos solteiros no GCP e no GHP, embora neste em valor próximo ao

de casados; no GCAPS ocorreu maior percentual de casados.

Refletimos que a situação de solteiro possa ser resultante do

acometimento do sujeito em fases precoces, e produtivas e reprodutivas da vida,

dificultando-o ou impedindo-o de manter ou assumir o ônus de uma família; e da

sintomatologia do TOC e de suas repercussões na convivência diária com o sujeito

com o transtorno. Os casamentos ocorrendo em grupos de menor nível econômico

poderiam sugerir uma estratégia de sobrevivência, menor nível de estigmatização ou

conseqüente aceitação de comportamentos “desviantes”. Cabe ressaltar, com base

em dados do IBGE (2008a), a redução histórica na proporção de casamentos entre

solteiros, na sociedade brasileira como um todo, que vem acontecendo nas últimas

décadas 49.

Aspectos como a situação ocupacional caracterizada por desemprego ou

inatividade econômica (TORRES; LIMA, 2005), em fases produtivas da vida

(SADOCK; SADOCK, 2007b) – repercutindo negativamente na cadeia produtiva

familiar e social – e o fato de residirem com familiares e terem contato diário com

estes (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003), comuns a todos os três grupos

49

O IBGE aponta uma queda de 90,1% para 85,2% na proporção de casamentos entre solteiros no Brasil, respectivamente

aos anos de 1997 para 2006 (IBGE, 2008a).

1116

examinados, apresentam-se em concordância com registros na literatura. Divergiram

de registro (TORRES; LIMA, 2005) que aponta estudo verificando sujeitos morando

sozinhos.

Ponderamos que o acometimento pelo TOC, caracteristicamente em

idade precoce da vida, resultando em prejuízos na progressão escolar pelo

comprometimento no funcionamento estudantil secundário à presença de obsessões

e/ou compulsões, possa implicar em menor qualificação laboral desdobrando-se em

maiores dificuldades de inserção no competitivo mercado de trabalho em

decorrência da baixa qualificação. A sintomatologia do transtorno no sujeito adulto e

os comprometimentos no funcionamento ocupacional, social ou em outras áreas

importantes da vida, conseqüentes ao TOC, podem ter como resultado maior taxa

de desemprego nos sujeitos acometidos, que sem rendimentos passam a demandar

auxílio financeiro de terceiros, dificultando aspectos como, e.g., ter sua própria

residência, constituir família, arcar com suas próprias despesas pessoais.

Entendemos que o maior grau de instrução observado no grupo relativo à rede

privada – com 46,67% dos sujeitos com curso superior completo –, pode ser

conseqüência de maiores possibilidades de investimentos em educação decorrentes

de maior poder aquisitivo neste grupo, e também de início de tratamento mais

precocemente, resultando em possibilidade de menores níveis de comprometimento.

Apesar da avaliação, através da FBIS-BR, do familiar cuidador de que os

gastos financeiros/ano com o sujeito com TOC “nunca” foram pesados ao

orçamento, a observação de que o perfil do sujeito com TOC configurou-se por um

sujeito sem renda financeira – 46,66% dos sujeitos pesquisados – conduz a

especulação de que o gasto médio mensal com o enfermo – superior a 1000,00

reais no GCP e na faixa dos 379,00 a 435,00 reais na rede pública – possa

representar comprometimento na renda do familiar cuidador – destacadamente nos

grupos GCAPS e GHP, onde foi verificada como inferior a dois salários mínimos em

53,33%, em ambos os grupos, dos cuidadores pesquisados –, ou que possa existir

algum tipo de retaguarda da rede social ou dos serviços de saúde mental.

Barroso, Bandeira e Nascimento (2007) encontraram 40,00% de

familiares indicando não se sentirem sobrecarregados financeiramente em oposição

a 34,00% indicando que a sentiam freqüentemente, sempre ou quase sempre.

1117

A existência de associação – p<0,05 – entre os grupos – GCP, GCAPS e

GHP – e a renda mensal dos sujeitos com TOC – TABELA 2 –, e também a dos

familiares – TABELA 6 –, sugere que estes aspectos também mudem em função do

local de atendimento.

A respeito da observação de maiores gastos financeiros pelos usuários da

rede privada entrevistados, entendemos que a busca do sujeito com TOC –

identificado como desempregado e sem renda financeira – por serviços desta rede,

possa determinar maior impacto financeiro às famílias, destacadamente as de menor

renda; contexto adicionalmente agravado com a perda de força produtiva e geradora

de renda resultante do acometimento de sujeito em fase produtiva da vida – adulto

jovem. Segundo Rosa (2003b) o provimento de cuidados a um sujeito com

transtorno mental provoca impacto econômico, mesmo que esporadicamente,

independentemente do sujeito com o transtorno produzir ou não renda para o grupo

familiar.

Refletimos também que aspecto como a demanda de tempo para prestar

auxílio/cuidados ao sujeito com transtorno mental possa resultar em maior impacto

financeiro como resultado da redução ou até da impossibilidade de disponibilidade

de tempo para o desempenho de atividades geradoras diretas de renda por parte do

familiar-cuidador, que identificamos como um adulto em fase de plena capacidade

laboral.

Em acréscimo, a questão dos custos financeiros relacionados ao

tratamento, notoriamente quando realizados na rede privada e/ou quando do uso de

medicações ditas de “primeira linha”, atualmente mais onerosas e menos disponíveis

gratuitamente na rede pública 50, podem ser contribuintes para o maior impacto

financeiro na família do sujeito com TOC.

Ressaltamos que os sujeitos com o TOC, segundo Ferrão et al. (2007),

podem ser relevante origem de gastos para o sistema público de saúde,

considerando que estes sujeitos utilizam de modo freqüente e mais continuado o

sistema.

50

Os Estados brasileiros possuem políticas próprias de padronização e fornecimento de medicamentos gratuitos, que nem

sempre privilegiam os sujeitos com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (FERRÃO et al., 2007).

1118

Relativamente aos tipos clínicos de TOC, na literatura verificam-se

registros indicando predomínio de quadros com apenas obsessões (TORRES; LIMA,

2005) em inquéritos populacionais, e quadros mistos (SADOCK; SADOCK, 2007b),

notadamente em amostras clínicas (TORRES; LIMA, 2005). O presente estudo

observou freqüência mais elevada dentro do grupo GCP para a forma mista, e no

GHP o tipo com predomínio de obsessões. A avaliação no GCAPS foi prejudicada

pela falta da codificação – CID-10 – em 66,67% dos prontuários observados –

TABELA 3.

A falta de codificação diagnóstica nos prontuários prejudica sobremaneira

estudos epidemiológicos, assim como a avaliação dos sujeitos em tratamento por

novos profissionais e em serviços com grande número de usuários o próprio

atendimento por profissionais diferentes.

A latência para o diagnóstico de 9,78 anos converge com dados na

literatura que indicam período de até 17 anos até a procura e obtenção de

tratamento (TORRESAN et al., 2008; TORRES; LIMA, 2005), sendo explicadas por

desconhecimento acerca da enfermidade e pela manutenção secreta do problema

em razão de temores relacionados ao seu quadro obsessivo – e.g., de que o simples

fato de falar sobre seus medos determine sua concretização; ou de se

contaminarem em serviços de saúde – e/ou pelo receio de preconceitos de que

possam ser vítimas (TORRES; LIMA, 2005).

A abordagem exclusivamente farmacológica do transtorno, verificada nos

três grupos, pode indicar, e.g., desde uma resistência dos pacientes ao uso da

abordagem psicoterápica, até uma dificuldade ao seu acesso em virtude dos custos

financeiros e da carência profissional especializada, como também uma

precariedade em ações socioterápicas/educação em saúde.

A existência de associação – p<0,05 – entre os tipos de medicações em

uso pelos sujeitos com TOC e a rede de assistência – TABELA 3 – utilizada, sugere

que o tipo de medicação muda em função do local de atendimento. Indica também a

possibilidade de que a utilização dos ISRS – medicações atualmente indicadas

como “primeira linha” no tratamento (FINEBERG et al., 2007; NUTT; BALLENGER,

2009; SADOCK; SADOCK, 2007b; SADOCK; SADOCK, 2002; VERSIANI, 2001) –

sofra influência do aspecto financeiro – possuem custo relativamente alto para a

1119

população de menor renda –, da disponibilidade de outros fármacos “gratuitamente”

fornecidos pela rede pública a seus usuários e que apesar de não se constituírem no

grupo de “primeira linha” para o tratamento do TOC acabam para ele sendo

utilizado, e do grau de conhecimento acerca do problema e do seu tratamento –

medicações com melhores evidências de resultados, efeitos colaterais dos

fármacos, dentre outros. Aventamos ainda que tal diferença verificada possa sofrer

influência da gravidade dos casos do transtorno – não investigada na presente

pesquisa – sendo que uma maior gravidade poderia explicar um maior uso de

associações medicamentosas; outra limitação da pesquisa foi a não investigação

das dosagens das medicações utilizadas, o que poderia sugerir os níveis de

gravidade e iluminar essa análise.

A presença da depressão como comorbidade neste estudo, encontra

apoio nas evidências da literatura que a destacam como uma das comorbidades

encontradas do transtorno (APA, 1995; CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK,

2007b), relacionada a pior prognóstico (PETRIBÚ, 2001) e comprometimentos na

qualidade de vida (NIEDERAUER et al., 2007). Pesquisas têm indicado que grande

número de sujeitos com TOC podem estar sendo tratados apenas para suas

comorbidades (TORRES; LIMA, 2005), o que poderia levar a cronificações dos

estados patológicos associados.

Considerando a carência na literatura de estudos acerca da sobrecarga

familiar em sujeitos com TOC, os dados que usamos para comparação de resultados

referem-se principalmente a estudos de sobrecarga de familiares de pacientes

psiquiátricos – amostras contendo diagnósticos, principalmente, de esquizofrenia,

depressão, transtorno bipolar e quadros demenciais – e de impacto decorrente da

presença de sujeito enfermo na família.

As mulheres destacam-se como as principais cuidadoras (BANDEIRA;

CALZAVARA; CASTRO, 2008; BANDEIRA et al., 2007; BARROSO; BANDEIRA;

NASCIMENTO, 2007; GARRIDO; MENEZES, 2004; LEMOS; GAZZOLA; RAMOS,

2006; LOUKISSA, 1995; ROSA, 2003b; SCAZUFCA; MENEZES; ALMEIDA, 2002)

em estudos que avaliam esta ação em diversas enfermidades, estando implicadas

em maior sobrecarga. No presente estudo o gênero feminino destacou-se como

principal provedor de cuidados. A este gênero, histórica, social e culturalmente,

1120

associa-se a ação de cuidar (ROSA, 2003b). Adicionando-se às ações de

administrar o lar, a família e cuidar de seus integrantes – “saudáveis” –, e às novas

funções adquiridas dentro de um processo de lutas e conquistas pela igualdade

entre gêneros e espaços e respeito social, a situação inesperada, fora do ciclo de

vida aguardado para si e para os membros da família, do surgimento de um sujeito

com transtorno mental em seu meio.

Relacionado à idade média dos cuidadores, verificou-se valores –

TABELA 4 – na margem inferior dos apontados na literatura para cuidadores de

diversas enfermidades, que variaram de 51,40 a 73,2 anos (BANDEIRA;

CALZAVARA; CASTRO, 2008; BANDEIRA et al., 2007; BARROSO; BANDEIRA;

NASCIMENTO, 2007; GARRIDO; MENEZES, 2004; LEMOS; GAZZOLA; RAMOS,

2006; ROSE; MALLINSON; GERSON, 2006; SCAZUFCA; MENEZES; ALMEIDA,

2002).

Considerando o surgimento do TOC em sujeitos relativamente jovens,

depreendemos que o familiar-cuidador identificado como um adulto de idade média

de 46 anos dedicará considerável parte dos seus anos de vida ao provimento de

cuidados ao sujeito com transtorno grave, de evolução geralmente crônica.

Inferimos que o desempenho da função de cuidador e o fato do cuidador

ser exposto prolongadamente à situação de sobrecarga resultante do cuidar, haja

vista a natureza crônica do transtorno, possa vir a afetar a própria saúde mental

deste, podendo – as conseqüências negativas à saúde do cuidador – por sua vez

afetarem os relacionamentos, o cuidado fornecido e o próprio tratamento do

individuo com TOC.

A verificação de que a idade do cuidador difere estatisticamente entre os

grupos investigados, leva-nos a refletir que os cuidadores de sujeitos com TOC em

tratamento na rede pública, destacadamente no GCAPS, possam ser instados a

prover essa função mais precocemente em decorrência de uma falha nos serviços

em prover auxílio na tarefa de cuidar e/ou de uma falha na instrumentalização do

familiar-cuidador para a realização da função – aspectos que deveriam ser

prioritários nos novos dispositivos assistenciais – e/ou de uma rede de suporte social

deficiente. Em decorrência desta precocidade mais repercussões na vida do familiar-

cuidador poderão ocorrer, e.g., abandono de projetos pessoais como os estudos.

1121

Os resultados encontrados convergiram com estudos que apontam

cuidadores casados (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007; GARRIDO;

MENEZES, 2004), residindo com o familiar adoecido (BARROSO; BANDEIRA;

NASCIMENTO, 2007; GARRIDO; MENEZES, 2004; LEMOS; GAZZOLA; RAMOS,

2006; SCAZUFCA; MENEZES; ALMEIDA, 2002), apresentando freqüência diária de

contato com o enfermo (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007), e com

relação ao parentesco sendo pais (BANDEIRA; CALZAVARA; CASTRO, 2008;

BANDEIRA et al., 2007; BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007; ROSE;

MALLINSON; GERSON, 2006) ou cônjuge do enfermo (GARRIDO; MENEZES,

2004; LOUKISSA, 1995). Loukissa (1995) observou a existência de maior

experiência de sobrecarga quando o membro adoentado residia na mesma casa que

a família.

A figura da mãe destaca-se como a principal provedora de cuidados e

assistência (ROSA, 2003b), característica também evidenciada neste estudo,

reforçando-se os aspectos históricos e culturais que relacionam o cuidar à figura

feminina, ratificando a mãe como ícone do cuidar. A mulher além de ter internalizada

a função de mãe ao longo do seu desenvolvimento fisiológico, psicológico e social,

sofre pressões sociais para assumir o papel de cuidadora, mesmo à custa do

comprometimento de sua individualidade. Conjecturamos que as mães assumem a

função sem grandes possibilidades de escolha, elaborando o papel como

responsabilidade para com “o seu fruto”, ou como determinação divina, ou como

expressão de poder no grupo familiar; manifestando desde sentimentos de

descontentamento com a situação até sentimentos de prazer/satisfação pelas

conquistas porventura obtidas com o enfermo e dentro do grupo familiar.

Relativamente ao fato de residência conjuntamente, o sujeito com o

transtorno mental e seus familiares, ponderamos que possa ser resultado de uma

não efetivação de independência plena do sujeito com o transtorno mental

decorrente do surgimento deste transtorno em fase precoce da vida, às vezes

inviabilizando alguns aspectos da vida da pessoa acometida, como, e.g., os avanços

escolares plenos, os relacionamentos afetivos – conjugais – e a vida laboral; e/ou

resultado de uma estratégia de sobrevivência financeira, e/ou estratégia de cuidados

– permitindo maior possibilidade de suporte/auxílio/cuidados mais constantes pelo

cuidador, identificado na pesquisa como a mãe. A convivência com o familiar

1122

enfermo produzindo maior contato diário com o mesmo sugere a maior possibilidade

da ocorrência de acomodação aos sintomas do paciente – com os desdobramentos

daí decorrentes com relação à enfermidade –, às vezes de hostilizações, e podem

contribuir para o desenvolvimento de maiores graus de sobrecarga ao familiar

cuidador.

Divergências dos resultados deste estudo foram verificadas com

pesquisas que indicam o ensino fundamental incompleto como mais freqüente

(BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007). Constatamos melhores níveis de

escolaridade em relação a essas pesquisas, e sugerimos que a presença de

maiores níveis de escolaridade em cuidadores da rede privada, na nossa pesquisa –

TABELA 6 –, possa ser o reflexo de uma melhor condição econômica viabilizando

maior tempo de escolaridade, ou talvez de uma melhor rede de suporte familiar e

social possibilitando maior disponibilidade de tempo para os estudos.

Interessante destacar que, diversamente à questão relacionada à

presença de transtorno mental na família, o gênero feminino vem tendo destaque

com relação à escolaridade, apresentando notadamente em áreas urbanas do Brasil

em média um ano a mais de estudo que os homens; sendo no Estado do Piauí a

diferença de quase dois anos a mais 51 (IBGE, 2008a).

A situação ocupacional de desemprego e exercício de atividades do lar

(GARRIDO; MENEZES, 2004) encontrou-se apenas no grupo GHP e em valores

percentuais iguais à situação de empregado dentro do mesmo grupo. Nos demais

grupos – GCP e GCAPS – a distribuição percentual da situação ocupacional indicou

sujeitos empregados – TABELA 6.

A maior demanda financeira resultante da adição de gastos oriundos do

tratamento para o sujeito com TOC e da perda da contribuição financeira

conseqüente ao afastamento laboral do sujeito acometido pelo transtorno grave,

demandam maior necessidade de geração de renda pelos outros familiares, tendo o

cuidador que muitas vezes assumir além do papel de provimento de auxílio e

cuidados o papel de provedor econômico, resultando em maior sobrecarga a este

que sendo destacadamente do gênero feminino costumeiramente acresce mais

51

Através da PNAD de 2007 o IBGE revela que no Piauí a média dos anos de estudos em sujeitos, residentes em áreas

urbanas, de 10 ou mais anos de idade, é de 6,3 anos para os homens e 8,1 anos para as mulheres (IBGE, 2008a).

1123

estes dois encargos à tarefa de administração do lar e cuidado da família. Cabe

ressaltar o caráter discriminador do mercado de trabalho, com o gênero feminino

recebendo salários inferiores ao masculino mesmo quando desempenhando a

mesma função, acarretando ainda mais as dificuldades financeiras ao grupo familiar

destacadamente em famílias monoparentais femininas.

Observamos divergências com pesquisas que indicam a existência de

cuidados a outros enfermos (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007),

presença de queixas de problemas pessoais de saúde pelos cuidadores

(BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007), e gasto de tempo no cuidar a partir

de 08h/dia (GARRIDO; MENEZES, 2004; LEMOS; GAZZOLA; RAMOS, 2006).

O aspecto do cuidar de um familiar adoecido, com transtorno mental ou

não, como característica constituinte da cultura brasileira (BARROSO; BANDEIRA;

NASCIMENTO, 2007), pode constituir-se numa razão para a consideração do

familiar/cuidador, em nossa pesquisa, de não ter gasto de tempo com o

auxílio/cuidado ou de declarar gasto mínimo de tempo – menos de duas horas/dia –

TABELA 5. Conjecturamos ainda que a crença de desígnio divino e a caridade,

elaboradas como mecanismos de enfrentamento (MACHADO; FREITAS; JORGE,

2007) do cuidador, em uma população predominantemente católica, e também,

dentro da lógica da reciprocidade do dar e receber (SARTI, 1996), que a elaboração

do provimento de cuidados como uma retribuição a cuidados recebidos ou como

investimento para que quando o cuidador necessitar também possa ser merecedor

de recebê-los, possam ser vinculados a uma não consideração de gasto de tempo

com o cuidar.

Relativamente ao sujeito com TOC, ponderamos que a declaração

familiar de não gastar ou de gasto mínimo temporal no auxílio/cuidado possa

decorrer também de aspectos como o fato daqueles estarem em tratamento

especializado e sem menção de comprometimentos que demandassem

auxílio/cuidados ou a presença de familiar às consultas, além da possível não

revelação de seu diagnóstico verdadeiro ao familiar – dados esses não investigados

objetivamente, e que são assuntos para investigações futuras –, principalmente na

vigência de quadros mais brandos.

1124

Os sujeitos desta pesquisa informaram não receberem auxílio ou

orientações no cuidado a um familiar com TOC; diferentemente do verificado em

estudo sobre o impacto em cuidadores de idosos com demência (GARRIDO;

MENEZES, 2004). A necessidade da orientação, da instrumentalização e do apoio

ao cuidador justifica-se pela possibilidade de maximização da ação de cuidar,

tornando estes agentes capazes de fazê-lo por mais tempo, e pela prevenção de

conseqüências negativas à saúde destes cuidadores (WHO, 2002), assim como

também pelo potencial recurso ativo no auxílio ao tratamento, e como estratégia

para preservar sua autonomia.

As famílias figuram nos documentos oficiais do Ministério da Saúde como

parceiras do CAPS. Supõe-se assim, nos novos dispositivos assistenciais, uma

abordagem variada dos diferentes grupos familiares através de ações individuais e

grupais, de natureza assistencial, sócio-educativa e recreativa, tendo por lócus o

próprio serviço de saúde mental ou o domicílio. Não obstante seja contemplada uma

variedade de abordagens com o grupo familiar no âmbito dos CAPS, a família

parece despontar mais como sujeito passivo, a ser consumidora da assistência,

como “paciente”, do que como sujeito pró-ativo. A condição de provedora de cuidado

aparentemente desaparece do cenário, ainda que subjacente à condição de

consumidora da assistência possa estar implícito o sofrimento gerado pelas

sobrecargas. Todavia, parece estar em curso uma construção das possibilidades

dos lugares e papéis das famílias no contexto de mudança do modelo assistencial,

fato que consideramos que podemos vislumbrar também através da constatação de

menores graus de sobrecarga, verificados na presente pesquisa, no grupo relativo

ao CAPS em relação ao grupo relativo ao ambulatório do hospital psiquiátrico.

Posto que desenhado genericamente, o lugar da família está contemplado

na política em curso, diferente do modelo anterior que a inviabilizava e quando era

destacada figurava no binômio vilã-vítimia – como agente etiológico na emergência

do transtorno mental ou como vítima deste e do comportamento de seu portador.

Mas, as sobrecargas das famílias e sobretudo dos cuidadores familiares ainda

ensejam maiores investimentos na realidade brasileira e principalmente no contexto

piauiense.

1125

Investigando a existência de sobrecarga em familiar cuidador de sujeitos

com TOC, através da análise dos resultados obtidos com a aplicação da FBIS-BR,

constatamos a existência de sobrecarga nos sujeitos indicados como cuidadores.

Estudos brasileiros, destacadamente como os de Garrido e Menezes (2004),

Sazufca, Menezes e Almeida (2002) e Barroso, Bandeira e Nascimento (2007), e

investigações internacionais como, e.g., a de Loukissa (1995), indicam presença de

sobrecarga em familiares de pacientes psiquiátricos.

O sujeito com TOC, ao perceber a existência dos sintomas, que a

princípio comumente lhe são desconhecidos enquanto constituintes de

características diagnósticas de um transtorno mental específico, inicia processo de

progressivo sofrimento ao qual é adicionado o temor de compartilhar os mesmos,

por receio de ser interpretado como louco, ser estigmatizado, segregado,

discriminado, ou de que seu quadro possa causar sofrimento aos sujeitos

representativos em sua vida – pais, esposo, esposa, irmãos, filhos, dentre outros –,

ou ainda por medo de que tais condutas acabem por determinar que seus temores

obsessivos se concretizem – pensamento mágico. A preservação da crítica do

sujeito acerca da sua situação é agravante do quadro e determinante de intenso

sofrimento.

Esta etapa é caracterizada por questionamentos, dúvidas e reflexões

alicerçadas e/ou reforçadas em suas representações acerca do adoecer e de

transtornos mentais, como: “o que me acontece?”, “estou ficando louco?”, “estou

perdendo o juízo?”, “por que não consigo afastar/controlar este pensamentos?”, “por

que ocorre comigo?”, “o que terei feito para merecer este castigo?”,...

Inicia então processo angustiante de busca, permeado por seus temores

e receios, de explicações nas representações sociais de seu meio acerca dos

transtornos e nas pesquisas que efetua, e.g., na internet, em revistas e em livros; em

“indagações pela tangente”, através da procura por profissionais de outras

especialidades com queixas secundárias mas com intuito de discretamente obter

informações sobre as queixas primárias não reveladas; em confissões religiosas,

onde a segurança do sigilo de confissão o protegeria de risco da exposição pública

do seu problema; dentre outras. Quando não são obtidas respostas satisfatórias,

inicia um ciclo de mais ansiedade, mais dúvidas, mais receios, mais ansiedade.

1126

Nesse contexto, a presença de pensamentos obsessivos com conteúdo

relacionado ao medo de enlouquecer, medo de ser interpretado erroneamente,

dentre outros, agrava ainda mais o sofrimento do sujeito acometido.

As compulsões surgem como uma forma de alívio para tais sofrimentos

originados pela presença das obsessões. Todavia tendem progressivamente, com o

agravamento das obsessões, a tornarem-se insuficientes no seu papel, ficando cada

vez mais elaboradas e consumindo cada vez mais tempo em sua realização, na

busca de continuarem mantendo sua tarefa de aliviar o sofrimento. Podem ainda

acabar por envolver terceiros – familiares e outras pessoas da casa – em sua

execução ou auxílio à sua realização, desencadeando processo de perpetuação de

sua existência através do reforço obtido pela assistência prestada pelas pessoas

próximas – cujo objetivo, por parte destes que prestam a assistência, tende a ser

simplesmente o de tentar reduzir o sofrimento no enfermo ou reduzir-lhe prejuízos e

comprometimentos; sem a consciência que tal auxílio pode cristalizar o quadro do

transtorno mental.

Esta participação familiar muitas vezes conseqüente de um processo de

acomodação aos sintomas do enfermo pode resultar em sobrecarga ao cuidador que

têm suas expectativas com relação ao familiar-enfermo frustradas – quebram-se as

expectativas de autonomia plena do sujeito, de saúde “perfeita” no sujeito jovem, de

fonte presente ou futura de apoio pessoal –, seus próprios projetos pessoais

prejudicados, colocados em segundo plano, além de ter que assumir novas

demandas resultantes do desempenho do papel de prestador de auxílios e cuidados

ao enfermo, muitas vezes somando-se esta nova atividade aos papéis que já

desempenha.

Observando-se a totalidade do universo pesquisado, verifica-se no

presente estudo maior grau de sobrecarga objetiva na subescala – FBIS-BR –

relativa à freqüência da assistência na vida cotidiana, e com relação à sobrecarga

subjetiva maior grau no tocante às preocupações com o sujeito com TOC – TABELA

7.

Embora o familiar-cuidador tenha informado considerável freqüência em

realizar, lembrar ou ajudar o sujeito com TOC em atividades cotidianas,

1127

caracterizadas pelo maior grau nas subescalas objetivas, revelaram pouco incômodo

pela prestação destas assistências.

No aspecto da supervisão aos comportamentos problemáticos do

paciente, percebe-se que embora o cuidador apresente menor freqüência em sua

realização, este aspecto apresentou relativamente maior incômodo ao familiar

cuidador.

Maiores graus de sobrecarga, comparando-se os três grupos pesquisados

– p<0,05 –, nos familiares cuidadores dos sujeitos com TOC foram evidenciados no

grupo do ambulatório do hospital psiquiátrico na análise dos graus de sobrecarga

das subescalas objetiva e subjetiva e dos graus de sobrecarga global objetiva e

subjetiva – TABELA 9.

Conjecturamos que fatores como, e.g., condições financeiras da família,

nível de conhecimento sobre o transtorno, gravidade do transtorno mental, graus de

acomodação dos cuidadores aos sintomas obsessivo-compulsivos, níveis de

hostilização e criticismo ao sujeito acometido com o TOC, tratamento instituído,

abordagem assistencial do serviço, rede de suporte social, freqüência de contato do

cuidador com o sujeito com o transtorno, possam estar relacionados aos maiores

graus observados no grupo.

Na avaliação de itens das subescalas – quando na evidência de

significância estatística – em apenas uma ocasião o GHP não apresentou o maior

grau de sobrecarga – item “transporte” da subescala “A” objetiva, relativo à

freqüência com que o familiar ajudou a levar o paciente a algum lugar, verificando-se

maior grau no GCAPS – TABELA 10. E no item relativo à freqüência de atrasos,

faltas ou cancelamento de compromissos pelos familiares, secundários ao cuidar do

sujeito com TOC – subescala “D” objetiva –, o GHP apresentou o mesmo grau de

sobrecarga do GCAPS, superiores ao do GCP – TABELA 12.

Os itens da subescala “assistência na vida cotidiana” objetiva,

caracterizados pela freqüência de auxílio direto ou lembrança: higiene e cuidados

pessoais, administração de medicamentos, ocupação do tempo e consultas médicas

e atividades de tratamento, apresentaram maior grau de sobrecarga – p<0,05 – no

1128

grupo GHP; enquanto o maior grau no item transporte – p<0,05 – ocorreu no

GCAPS – TABELA 10.

Sugerimos que o maior grau de sobrecarga verificado possa ser resultado

de um possível maior grau de acomodação familiar aos sintomas, e/ou de uma

possível maior gravidade do transtorno nos sujeitos do GHP resultando em maiores

comprometimentos no funcionamento pessoal dos sujeitos com TOC.

Ponderamos no observado com relação ao CAPS, que o fato deste ser o

único serviço de atenção à saúde mental na cidade em que foi escolhido para a

coleta de dados do grupo, e ainda que presta atendimento a sujeitos de outras

localidades, possa ter influenciado o resultado pela distância do serviço às

residências dos usuários. Inferimos ainda que a ausência de um serviço de

transporte público coletivo na cidade também possa ter influenciado o grau de

sobrecarga.

Na subescala “supervisão de comportamentos problemáticos” objetiva,

apenas o item “tentativa ou ameaça de suicídio” apresentou significância – p<0,05 –,

com maior grau de sobrecarga no GHP – TABELA 11.

Refletimos que maiores níveis de gravidade do TOC possam estar

presentes nos sujeitos do GHP, talvez em decorrência de aspectos como, e.g.,

maior demora para buscar tratamento, abordagem terapêutica insatisfatória e

características do TOC – resistência e refratariedade aos tratamentos disponíveis.

Com relação ao impacto nas rotinas diárias do familiar cuidador, apenas

os itens “atraso ou ausência a compromissos” e “alterações das atividades sociais e

lazer” apresentaram diferenças nos três grupos – p<0,05 –; no primeiro item o maior

grau de sobrecarga foi igualmente no GCAPS e no GHP; e no segundo no GHP –

TABELA 12.

Consideramos que uma rede de suporte social e familiar deficitária ou

inexistente possa ser responsável pelo maior grau de sobrecarga nestes itens, e

que, além disto, aspectos como a gravidade do transtorno, o nível de

comprometimento e a abordagem terapêutica instituída, possam também influenciar

nas rotinas diárias do cuidador.

1129

A investigação dos graus de sobrecarga na esfera subjetiva – FBIS-BR –

indicou diferenças – p<0,05 –, nas subescalas “A” e “E”, no grupo do hospital

psiquiátrico. O mesmo sendo verificado com relação ao grau de sobrecarga global

subjetiva, também maior no GHP – TABELA 9. Indicando que os cuidadores deste

grupo sentem-se, percebem-se, mais sobrecarregados, mais incomodados, com

relação ao fato de prestarem assistência, e mais preocupados com o sujeito com o

TOC – seu presente e seu futuro.

Essa sobrecarga subjetiva talvez possa ser conseqüência de fatores

como, e.g., o grau de acomodação familiar, a gravidade do transtorno mental, a

modalidade do tratamento aplicado e as condições de vida – moradia, acesso à

educação, situação financeira. Assim como a falta de percepção positiva acerca do

futuro, e a concentração do cuidar recaindo sobre uma única pessoa.

Conjecturamos que os sentimentos relacionados à percepção de que

investimentos temporais e emocionais consideráveis não impliquem em retorno na

forma de mais autonomia/independência do sujeito com o transtorno, possam levar à

exaustão do cuidado com a intensificação de sentimentos de impotência no

cuidador.

Na dimensão relativa à subescala “A” subjetiva, apenas o item referente

ao grau de incômodo ao auxiliar, lembrar ou ajudar o enfermo a realizar tarefas de

casa apresentou diferença entre os grupos – p<0,05 –, com maior grau de

sobrecarga no grupo GHP – TABELA 13.

Especulamos que talvez como resultado direto do TOC, conduzindo o

sujeito à perda de tempo com as obsessões, prejudicando a disponibilidade temporal

para a realização de tarefas cotidianas. No GHP, a interferência das compulsões

não bastaria como explicação, haja vista a ocorrência de maior freqüência no grupo

de quadros com predominância de obsessões.

O item da subescala “B” subjetiva – tentativa ou ameaça de suicídio –

apresentou diferença p<0,05; indicando maior grau de sobrecarga no grupo GHP –

TABELA 14.

Sugerimos que este aspecto possa decorrer de uma possível maior

gravidade do TOC nos sujeitos deste grupo, e/ou de uma possível menor

1130

investigação e abordagem do assunto pelos profissionais nos sujeitos com o

transtorno. As tentativas de suicídio, consideravelmente elevadas no TOC

(TORRES; LIMA, 2005), assim como as ameaças e comentários do sujeito com o

transtorno acerca de suicidar, apresentaram elevados graus de sobrecarga em

familiar-cuidador, investigada através da FBIS-BR, tanto relativamente à freqüência

com que este teve de evitar ou impedir tentativas, ameaças ou comentários acerca

de suicidar, como referente ao grau de incômodo gerado pelas tentativas, ameaças

ou comentários referentes ao assunto; ressaltando-se assim a necessidade de

inclusão em protocolo de consultas da investigação de ideações e planejamentos

suicidas no individuo com o TOC, como também da sua investigação em familiares,

na busca constante de reduzir prevalências no sujeito com o transtorno mental e

conseqüências nos familiares.

Na subescala “E” subjetiva, apenas o item relativo às preocupações com

as condições de moradia atual do enfermo apresentou significância (p<0,05),

revelando maior grau de sobrecarga no GHP – TABELA 15. Possivelmente como

decorrência de menor condição financeira, no referido grupo.

Avaliando comparativamente os três grupos pesquisados, supomos então

que a constatação de maiores graus de sobrecarga nos grupos da rede pública

possa sofrer influência do nível de instrução tanto dos cuidadores como dos

enfermos, comparativamente menores que o dos elementos da rede privada, e

também do tipo de fármaco em uso pelo sujeito com TOC – no GCP verificamos

maiores valores percentuais de sujeitos em uso de ISRS, medicações de “primeira

linha” para o tratamento farmacológico. A presença de associação – p<0,05 – entre

os grupos – GCP, GCAPS e GHP – e o grau de instrução do sujeito com TOC e

também do familiar cuidador, e a associação entre os grupos e o tipo de medicação

em uso pelo enfermo, sugerem que estes aspectos mudem em função do local de

atendimento (TABELAS 2, 3, 6). Refletimos ainda a possibilidade das características

históricas da forma de atendimento ambulatorial hospitalar influenciar a presença

dos maiores graus de sobrecarga em familiares cuidadores.

Embora os instrumentos utilizados não sejam destinados diretamente à

avaliação de serviços, ventilamos que a característica histórica de atendimento

ambulatorial voltado para a medicalização, em detrimento de abordagens

1131

socioterápicas e educativas; a falha no envolvimento do familiar – também capaz

tanto de identificar recaídas, agravamento de quadro, tratamento irregular, como

auxiliar em suas prevenções – como recurso no arsenal do tratamento; a falha em

percebê-lo como sujeito demandante de auxílio e de instrumentalização no

provimento de cuidado/auxílio ao portador de transtorno mental, e também – o

próprio familiar – carente de cuidados; possam ser fatores relacionados à

determinação de maior sobrecarga em familiares dos usuários da rede pública

investigada nesta pesquisa. Além destes, aventamos que outros fatores como as

características relativas à insuficiência de profissionais na área de psicologia, serviço

social e enfermagem, no quadro de recursos humanos da rede pública implicando

em atendimentos mais breves, pela enorme demanda por consultas 52, 53, e a

carência de trabalho articulado em rede – com sistema de referência e contra-

referência adequadamente implantado e em ação – com outros serviços; também

possam ser fatores relacionados à maior sobrecarga em familiares dos usuários da

rede pública investigada.

Destacamos que as variáveis: parentesco, fato de residir com o sujeito

com o TOC e a freqüência do contato com este; constituem-se fatores de confusão

na análise dos graus de sobrecarga global nos três grupos investigados, com base

em resultados de análise multivariada realizada.

Refletimos que os graus de sobrecarga observados nos diferentes grupos

investigados possam ser resultantes da influência gravidade do TOC nos pacientes

entrevistados e não simplesmente do local em que é realizado o tratamento,

constituindo-se a ausência da investigação da gravidade dos pacientes em uma

limitação existente no presente estudo.

52

Calculou-se, com base em informações do Setor de Arquivo Médico – SAME – do ambulatório do hospital psiquiátrico, que

no ano de 2009 foram efetuadas no referido ambulatório, média de 3242,50 atendimentos/mês dentre todos os profissionais de nível superior que prestam atendimento no serviço; com média de 2438,08 consultas com médicos-psiquiatra/mês – 75,19% do total de atendimentos realizados no serviço. 53

Segundo informações do CAPS, no ano de 2009, calculou-se média de 235,25 atendimentos/mês realizados pelos

profissionais: médico-psiquiatra e psicólogo, sem discriminações de atendimentos por estes grupos profissionais.

1132

6 CONCLUSÕES

O TOC resultou em sobrecarga, objetiva e subjetiva, na totalidade dos

familiares identificados como “cuidador” investigados no presente estudo.

O perfil do sujeito com TOC caracteriza-se por sujeitos de ambos os

gêneros, com idade média de 36,00 anos, católico, desempregado, sem renda, que

reside com o(a) esposo(a) e filhos, com uma latência para o diagnóstico – do

surgimento dos primeiros sintomas ao diagnóstico – de 9,78 anos, e em

farmacoterapia. Observando-se os grupos investigados, verificaram-se maiores

valores percentuais na rede pública para os aspectos do nível de escolaridade

menor, sujeitos tendo como chefe de família o cônjuge, e encontrando-se em

tratamento há menos de um ano. Na rede privada identifica-se como sendo o chefe

da família, em tratamento há mais de dois anos, e em uso de medicações inibidoras

da recaptação de serotonina – ISRS.

Com relação ao familiar cuidador, o perfil identificado foi o de uma mulher,

geralmente a mãe do enfermo, com idade média de 46,04 anos de idade, casada,

católica, que reside com o sujeito com TOC, com quem tem contato diário, sem

queixas de sintomas secundários ao cuidar e sem receber ajuda/informações no

cuidado/auxílio do enfermo. Observando-se os grupos avaliados, verificaram-se

maiores valores percentuais na rede pública, para as características de possuírem o

ensino médio completo e terem renda mensal inferior a dois salários mínimo. Nos

grupos do ambulatório do hospital-psiquiátrico e da clínica privada indicaram não

considerar que gastem tempo com o cuidar diário do familiar enfermo.

Prestar assistência na vida cotidiana – dentro da dimensão objetiva – e

preocupações com o sujeito com TOC – na dimensão subjetiva –, caracterizou-se

pelos maiores graus de sobrecarga na totalidade dos familiares cuidadores.

Maiores graus de sobrecarga nos familiares cuidadores dos sujeitos com

TOC foram evidenciados no grupo do ambulatório do hospital psiquiátrico,

comparativamente aos grupos da clínica privada e do CAPS.

1133

Não foi possível estabelecer relações entre características individuais –

do sujeito com TOC e do familiar cuidador – e a existência e o tipo de sobrecarga,

haja vista que em todos os sujeitos pesquisados houve pontuação indicativa de

sobrecarga.

Elevados graus relativos de sobrecarga verificados indicam a

necessidade de investimentos em informação – enfermidade, cuidados – pelos

serviços e profissionais, envolvimento orientado/supervisionado de

familiares/cuidadores nos tratamentos, além de justificarem a investigação rotineira

de graus de sobrecarga nos familiares e de conseqüências do cuidar, buscando

promover a saúde tanto do enfermo como do familiar-cuidador e da família, com

todos os seus desdobramentos – gastos, qualidade de vida, relacionamentos, dentre

outros –, além do aprimoramento dos serviços de saúde.

Destacamos dentre as indicações para estudos futuros, a avaliação em

sujeitos com TOC “nunca tratados” e em diferentes estágios de tratamento, o uso de

escalas que investiguem a gravidade dos transtornos – para avaliar este aspecto

como fator de confusão na análise da sobrecarga –, a influência do suporte social,

estudos sobre o nível de reserva dos sujeitos com TOC em relação a

compartilhamento de problema com familiares, e estudos de sobrecarga em outras

enfermidades, com uso de instrumentos adaptados e validados permitindo

comparabilidade entre pesquisas.

Recomendamos, baseados nos resultados verificados neste estudo,

investimentos mais incisivos em ações de promoção e educação em saúde tanto

para os sujeitos com TOC como para os familiares cuidadores, visando redução de

conseqüências negativas para ambos, aperfeiçoamento de intervenções

terapêuticas, desenvolvimento e aprimoramento de conhecimentos na comunidade

acerca do transtorno mental, assim como da capacidade crítica dos usuários dos

serviços, redução de estigmas e preconceitos no sujeito, na família e na sociedade –

favorecendo também a busca de tratamento por aqueles que necessitam, e que

desconheçam o problema ou temam revelá-lo.

Recomendamos aos sujeitos com TOC a procura por auxílio precoce, sem

receios ou preconceitos a respeito do seu estado, da Psiquiatria e de tratamentos

em saúde mental; buscando discutir com seus profissionais assistentes acerca de

1134

seu problema, suas dúvidas e temores, consciente de seus direitos e

responsabilidades relacionadas ao seu tratamento.

Recomendamos aos cuidadores de sujeitos com TOC que busquem

efetivamente os serviços de assistência, procurem esclarecer suas dúvidas com os

profissionais, solicitem sua instrumentalização para o provimento de cuidados,

participem efetivamente do tratamento do seu familiar com transtorno mental,

procurem participar do cotidiano dos serviços, auxiliando no seu aperfeiçoamento,

com críticas e sugestões positivas.

Sugerimos aos profissionais da área de saúde, mental ou não, que

investiguem ativamente a existência de TOC em todos os sujeitos atendidos,

observando as dificuldades singulares aos mesmos, assim como atentem para

riscos de suicídio; que convidem os familiares a participar de algumas consultas –

com a anuência do sujeito com o transtorno mental –; que estimulem os familiares a

comentar sobre as dificuldades do membro com o transtorno e também sobre as

suas próprias dificuldades resultantes da existência e do provimento de

cuidados/auxílios a um sujeito com TOC. Para tanto sugerimos a realização amiúde

de treinamentos na área de saúde mental com ênfase no TOC, e destaque para a

questão do cuidador e da família como um todo. Recomendamos ainda que estes

profissionais investiguem também a existência de sintomas psiquiátricos e

psicológicos em cuidadores, buscando identificar situações potenciais e reais de

transtornos mentais nestes, como resultado do desempenho desta função, ou não, e

com essas informações prestar atendimento preventivo e/ou tratamento adequado

aos sujeitos que necessitem, além de com as informações obterem subsídios para o

aperfeiçoamento do tratamento dos sujeitos com TOC.

Recomendamos aos serviços de atendimento em saúde mental a

incorporação mais efetiva dos familiares-cuidadores como parceiros, estimulando-os

a participar produtivamente dos serviços e ativamente no tratamento e

acompanhamento de seus entes com transtornos mentais. Sugerimos a realização

periódica de avaliação de satisfação de familiares, com intuito de verificar

dificuldades percebidas ou vivenciadas por estes na vivência com os serviços,

através da utilização de instrumentos validados que permitam a comparabilidade

entre serviços e assim possam também servir como recurso de avaliação para o

1135

desenvolvimento e aperfeiçoamento de Políticas Públicas específicas. Indicamos

também o trabalho com a comunidade, estimulando e desenvolvendo uma

adequada rede social de suporte.

Recomendamos aos gestores a implantação de mais serviços de

atendimento em saúde mental, dentro do processo de Reforma do modelo de

assistência em Psiquiatria vigente; a supervisão constante dos serviços existentes,

no relativo à observância mais efetiva às Políticas Públicas em Saúde Mental

existentes, especificamente com relação à família; o aprimoramento dos serviços já

implantados; a inclusão de medicações específicas para o TOC nos programas de

medicamentos gratuitos dos governos locais. Sugerimos também a criação de

oficinas de geração de renda para os usuários dos serviços como recurso

terapêutico e de reinserção social e inclusão no mercado de trabalho, e a criação de

programas de inserção laboral para os cuidadores como estratégia de auxílio na

geração de renda para o grupo familiar e como mecanismo para estimular o

desenvolvimento da divisão da tarefa de cuidar pelo cuidador principal.

Indicamos o desenvolvimento urgente da rede de atenção à saúde mental

nos locais ainda inexistentes e a manutenção e aprimoramento nos onde já foram

iniciados, destacando a participação dos serviços de educação dentro da rede,

propiciando a disseminação de conhecimentos na comunidade com todos os

desdobramentos positivos daí oriundos, e possibilitando a continuidade do

desenvolvimento escolar dos sujeitos com transtorno mental e de seus familiares.

Sugerimos o aperfeiçoamento e a criação de sistemas de informação em

saúde mental, com registros fidedignos e atualizados, que envolvam toda a rede;

possibilitando a consolidação desta, que permitam liberdade de deslocamento ao

usuário dos serviços, que propiciem banco de informações para pesquisas e que

sirvam de instrumentos aos gestores para a avaliação, administração e

desenvolvimento de novos serviços e novas Políticas de Saúde.

Recomendamos a observância mais efetiva às Políticas Públicas em

Saúde Mental vigentes por todos os envolvidos no processo, assim como a

avaliação continuada das mesmas; envolvendo cada vez mais os sujeitos com

transtorno mental, os seus familiares, os trabalhadores do setor, a comunidade e o

universo acadêmico, através de seus representantes organizados, no

1136

aperfeiçoamento ou elaboração das Políticas voltadas aos sujeitos com transtornos

mentais, pautadas nos seus direitos legalmente constituídos, e de Políticas dirigidas

especificamente para os familiares – observando suas reais necessidades e a sua

importância para o processo de Reforma, para a saúde mental do sujeito com

transtorno mental e da família.

1137

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1148

APÊNDICES

1149

APÊNDICE A – Formulário A (para o indivíduo com TOC).

Universidade Federal do Piauí. Centro de Ciências da Saúde. Mestrado em Ciências e Saúde. Data: _____/______/_____. FORMULÁRIO A: PERFIL INDIVÍDUO-TOC

Nome:__________________________________________________________

AA) Gênero:

1. ( ) Masculino 2. ( ) Feminino

AB) Idade: _______ anos.

AC) Estado civil:

1. ( ) solteiro(a).

2. ( ) casado(a) /amasiado(a).

3. ( ) separado(a) /divorciado(a).

4. ( ) viúvo(a).

9. ( ) outros.

AD) Procedência:

1. ( ) Teresina-PI.

2. ( ) outras cidades do Piauí.

3. ( ) outros Estados.

AE) Grau de instrução:

1. ( ) analfabeto(a).

2. ( ) alfabetizado(a).

3. ( ) ensino fundamental incompleto.

4. ( ) ensino fundamental completo.

5. ( ) ensino médio incompleto.

6. ( ) ensino médio completo.

7. ( ) curso superior incompleto.

8. ( ) curso superior completo.

AF) Religião:

1. ( ) Católica.

2. ( ) Evangélica.

3. ( ) Espírita.

4. ( ) Ateu/não segue religião.

9. ( ) Outras.

149

1150

AG) Ocupação:

1. ( ) Desempregado(a) / do lar.

2. ( ) Empregado(a) com carteira assinada.

3. ( ) Aposentado(a).

4. ( ) Autônomo(a).

5. ( ) recebendo benefício. Tipo? _______________________________

9. ( ) Outras.

AH) Qual o valor da sua renda mensal (quanto ganha por mês)?

1. ( ) < 01 salário mínimo.

2. ( ) 01 a 02 salários mínimos.

3. ( ) 2,1 a 3 salários mínimos.

4. ( ) 3,1 a 4 salários mínimos.

5. ( ) mais de 04 salários mínimos.

6. ( ) não tem renda.

AI) Com quem o(a) senhor(a) mora?

1. ( ) sozinho(a).

2. ( ) com os pais e irmãos (se houverem).

3. ( ) com os pais, irmãos (se houverem) e outros parentes.

4. ( ) com a mãe e irmãos (se houverem).

5. ( ) com o pai e irmãos (se houverem).

6. ( ) com os irmãos.

7. ( ) com o(a) esposo(a) e os filhos (se houverem).

9. ( ) outros.

AJ) Quem é o chefe da família?

1. ( ) o próprio indivíduo.

2. ( ) o pai.

3. ( ) a mãe.

4. ( ) irmãos.

5. ( ) esposo(a).

9. ( ) outros. Quem? _______________________.

AK) Há quanto tempo o(a) senhor(a) encontra-se em tratamento para a doença atual?

1. ( ) < 01 ano.

2. ( ) 01≤ e <02 anos.

3. ( ) 02≤ e <04 anos.

4. ( ) 04≤e <08anos.

5. ( ) 08≤e <16anos.

6. ( ) ≥16anos.

150

1151

AL) Que tipo de tratamento é realizado?

1. ( ) Farmacológico.

2. ( ) Psicoterápico.

3. ( ) Ambos.

AM) Qual a medicação usada (no caso de tratamento farmacológico)?

1. ( ) ISRS.

2. ( ) Outros antidepressivos.

3. ( ) Antipsicóticos.

4. ( ) Benzodiazepínicos.

9. ( ) Outros.

AN) Qual a sua idade quando o(a) senhor(a) apresentou o problema (primeiros sintomas)?

_____________anos.

AO) Qual a sua idade quando o(a) senhor(a) recebeu o diagnóstico?

_____________anos.

AP) O(A) senhor (a) encontra-se em tratamento para outra doença?

1. ( ) Sim. Qual? ________________________________________________________

2. ( ) Não.

AQ) CID-10: __________________

151

1152

APÊNDICE B – Formulário B (para o familiar do indivíduo com TOC).

Universidade Federal do Piauí. Centro de Ciências da Saúde. Mestrado em Ciências e Saúde. Data: _____/______/_____. FORMULÁRIO (B): PERFIL CUIDADOR

Nome:__________________________________________________________

BA) O(A) senhor(a) encontra-se em tratamento para alguma doença mental?

1 ( ) Sim. Qual? ______________ __________________________________________

2. ( ) Não. (passar para BC)

BB) A sua doença começou após a doença do(a) Sr. (ª

) NOME (paciente)?

1. ( ) Sim.

2. ( ) Não.

BC) O senhor (a) cuida de outro doente além do(a) Sr. (ª

) NOME (paciente)?

1. ( ) Sim.

2. ( ) Não.

BD) Gênero:

1. ( ) Masculino 2. ( ) Feminino

BE) Idade: _______ anos.

BF) Grau de instrução:

1. ( ) analfabeto(a).

2. ( ) alfabetizado(a).

3. ( ) ensino fundamental incompleto.

4. ( ) ensino fundamental completo.

5. ( ) ensino médio incompleto.

6. ( ) ensino médio completo.

7. ( ) curso superior incompleto.

8. ( ) curso superior completo.

BG) Procedência:

1. ( ) Teresina-PI.

2. ( ) outras cidades do Piauí.

3. ( ) outros Estados.

152

1153

BH) Estado civil:

1. ( ) solteiro(a).

2. ( ) casado(a).

3. ( ) separado(a) /divorciado(a).

4. ( ) viúvo(a).

9. ( ) outros.

BI) Religião:

1. ( ) Católica.

2. ( ) Evangélica.

3. ( ) Espírita.

4. ( ) Ateu/não segue religião.

9. ( ) Outras.

BJ) Ocupação:

1. ( ) Desempregado(a) / do lar.

2. ( ) Empregado(a) com carteira assinada.

3. ( ) Aposentado(a).

4. ( ) Autônomo(a).

5. ( ) recebendo benefício. Tipo? _______________________________

9. ( ) Outras.

BK) Qual o valor da sua renda mensal (quanto o senhor ganha por mês)?

1. ( ) < 01 salário mínimo.

2. ( ) 01 a 02 salários mínimos.

3. ( ) 2,1 a 3 salários mínimos.

4. ( ) 3,1 a 4 salários mínimos.

5. ( ) mais de 04 salários mínimos.

6. ( ) não tem renda.

BL) Parentesco (com o paciente):

1. ( ) Pais.

2. ( ) Avós.

3. ( ) Irmãos.

4. ( ) Cônjuge.

5. ( ) Outro parentesco.

9. ( ) Outros (amigo, vizinho,...).

BM) Há quanto tempo o(a) Sr.(ª

) é cuidador(a) do(a) Sr.

) NOME (paciente)? ________________

BN) Qual o comportamento/ritual do(a) Sr. (ª

) NOME (paciente) que mais lhe incomoda?

153

1154

____________________________________________________________________________

BO) Sente algum sintoma físico, resultado do cuidar do(a) Sr. (ª

) NOME (paciente)?

1. ( ) Sim. Qual (o principal)?______________________________________________

2. ( ) Não.

BP) O(A) Sr.(ª

) reside com o(a) Sr.

) NOME (paciente)?

1. ( ) Sim.

2. ( ) Não.

BQ) Qual a freqüência de contato com o(a) Sr.(ª

) NOME (paciente)?

1. ( ) Diário.

2. ( ) Semanal.

3. ( ) Mensal.

4. ( ) Menos que 01 vez/mês.

BR) Quanto tempo o(a) Sr.(ª

) gasta diariamente no cuidado/auxílio do(a) Sr.

(ª) NOME (paciente)?

1. ( ) < 02 horas.

2. ( ) 02 a 06 horas.

3. ( ) 06 a 12 horas.

4. ( ) 24 horas (o dia todo).

5. ( ) Não considera que gaste tempo.

BS) O(A) Sr.(ª

) recebe alguma ajuda/orientação no cuidado/auxílio do(a) Sr.

) NOME (paciente)?

1. ( ) Sim, de outros familiares.

2. ( ) Sim, de amigos.

3. ( ) Sim, do serviço de saúde (médicos, enfermeiras, auxiliares,...).

4. ( ) Não.

154

1155

ANEXOS

1156

ANEXO A – Escala de avaliação da sobrecarga dos familiares (FBIS-BR).

1157

ANEXO B – Módulo Depressão (MINI-core): autorizado para reprodução nesta dissertação.

166

1158

ANEXO C – Autorização para reprodução do módulo “Episódio Depressivo Maior” do

MINI nesta dissertação.

167

1159

ANEXO D – Certificado de treinamento obrigatório para utilização do MINI.

168

1160

ANEXO E – Certificado de treinamento oficial para utilização do MINI.

169

1161

ANEXO F – Autorização: Comitê de Ética em Pesquisa.

170

1162

ANEXO G – Autorização: Comitê de Ética em Pesquisa.

171