17
SOCIABILIDADE DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS E CULTURAIS EM MATO GROSSO COLONIAL (1748-1822). Nileide Souza Dourado (PPGE/IE/UFMT) [email protected] Nicanor Palhares Sá (PPGE/IE/UFMT) [email protected] RESUMO A proposta desse artigo busca apresentar algumas informações sobre as práticas educativas e culturais, vivenciadas pela população mato-grossense, dadas entre os anos de 1748 e 1822. Com o enfoque para a sociabilidade dessa aprendizagem, nas vilas, no interior e no entorno das instituições consideradas educativas, estendidas, do reino de Portugal para o Brasil Colonial, como Câmaras Municipais, Igreja, Organizações Militares e Cientistas, instituídas na capitania de Mato Grosso, especialmente, no contexto da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá e Vila Bela da Santíssima Trindade e de outros pequenos pontos de povoamento nas circunscrições vizinhas. Sobretudo, as que compartilharam práticas de iniciativa particular, veiculadas através de professores, padres, mestres, militares, cientistas e familiares, que se revestiam de conhecimentos expressos no interior da sociedade mato-grossense, no século XVIII. Portanto, processos educativos estabelecidos, mediante procedimentos peculiares, tenham sido desenvolvidos através das atividades de trabalho como por meio de ações socioeducativas que estimularam, de certa forma, a sociabilidade e a circularidade cultural dos saberes e da civilidade no interior dos segmentos sociais, que envolvem aprendizados educacionais escolares e trocas culturais de hábitos, costumes, comportamentos, técnicas, ofícios e aquelas de caráter religioso, além de outros saberes provenientes das várias origens culturais e que se expressaram nessa área extrema do oeste colonial. Palavras-Chave: História. Educação. Práticas Educativas. Mato Grosso. Período colonial. RESUMEN El propósito de este artículo tiene como objetivo proporcionar alguna información acerca de las prácticas educativas y culturales vividas por la población de Mato Grosso, teniendo en cuenta, entre los años 1748 y 1822. Con el foco de este aprendizaje para la sociabilidad, en los pueblos dentro y alrededor de las instituciones educativas consideradas, extendido, el reino de Portugal a Brasil Colonial, como ayuntamientos, iglesias, organizaciones militares y científicos, estableció la capitanía de Mato Grosso especialmente en el contexto de Vila Real Señor El Buen Jesús de Cuiabá y Vila Bela Santísima Trinidad y otros pequeños puntos de asentamiento en los distritos vecinos. Por encima de todo, compartieron las prácticas de la empresa privada, la voz de los profesores, sacerdotes, maestros, militares, científicos y familiares, que eran de conocimiento expresado en la sociedad Mato Grosso, en el siglo XVIII. Por lo tanto, los procesos educativos establecidos a través de procedimientos peculiares, se han desarrollado a través de las actividades de trabajo y por medio de actividades sociales y educativas que estimulan de alguna manera, la sociabilidad y culturales circularidad del conocimiento y la civilidad en los sectores sociales, que implican el aprendizaje escolares hábitos de intercambios educativos y culturales, costumbres, comportamientos, técnicas artesanales y las de carácter religioso, y otros conocimientos provienen de diversos orígenes culturales y que han hablado en esta zona de colonial occidental extrema. Palabras clave: Historia. Educación. Las prácticas educativas. Mato Grosso. Período colonial

SOCIABILIDADE DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS E CULTURAIS …sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe7/pdf/07- HISTORIA DAS INSTITUICOES... · Senado da Camara citas na rua chamada do sebo ... a

  • Upload
    dodieu

  • View
    218

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

SOCIABILIDADE DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS E CULTURAIS EM MATO

GROSSO COLONIAL (1748-1822).

Nileide Souza Dourado (PPGE/IE/UFMT) [email protected]

Nicanor Palhares Sá (PPGE/IE/UFMT)

[email protected] RESUMO A proposta desse artigo busca apresentar algumas informações sobre as práticas educativas e

culturais, vivenciadas pela população mato-grossense, dadas entre os anos de 1748 e 1822. Com

o enfoque para a sociabilidade dessa aprendizagem, nas vilas, no interior e no entorno das

instituições consideradas educativas, estendidas, do reino de Portugal para o Brasil Colonial,

como Câmaras Municipais, Igreja, Organizações Militares e Cientistas, instituídas na capitania

de Mato Grosso, especialmente, no contexto da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá e

Vila Bela da Santíssima Trindade e de outros pequenos pontos de povoamento nas

circunscrições vizinhas. Sobretudo, as que compartilharam práticas de iniciativa particular,

veiculadas através de professores, padres, mestres, militares, cientistas e familiares, que se

revestiam de conhecimentos expressos no interior da sociedade mato-grossense, no século

XVIII. Portanto, processos educativos estabelecidos, mediante procedimentos peculiares,

tenham sido desenvolvidos através das atividades de trabalho como por meio de ações

socioeducativas que estimularam, de certa forma, a sociabilidade e a circularidade cultural dos

saberes e da civilidade no interior dos segmentos sociais, que envolvem aprendizados

educacionais escolares e trocas culturais de hábitos, costumes, comportamentos, técnicas,

ofícios e aquelas de caráter religioso, além de outros saberes provenientes das várias origens

culturais e que se expressaram nessa área extrema do oeste colonial.

Palavras-Chave: História. Educação. Práticas Educativas. Mato Grosso. Período colonial.

RESUMEN

El propósito de este artículo tiene como objetivo proporcionar alguna información acerca de las

prácticas educativas y culturales vividas por la población de Mato Grosso, teniendo en cuenta,

entre los años 1748 y 1822. Con el foco de este aprendizaje para la sociabilidad, en los pueblos

dentro y alrededor de las instituciones educativas consideradas, extendido, el reino de Portugal a

Brasil Colonial, como ayuntamientos, iglesias, organizaciones militares y científicos, estableció

la capitanía de Mato Grosso especialmente en el contexto de Vila Real Señor El Buen Jesús de

Cuiabá y Vila Bela Santísima Trinidad y otros pequeños puntos de asentamiento en los distritos

vecinos. Por encima de todo, compartieron las prácticas de la empresa privada, la voz de los

profesores, sacerdotes, maestros, militares, científicos y familiares, que eran de conocimiento

expresado en la sociedad Mato Grosso, en el siglo XVIII. Por lo tanto, los procesos educativos

establecidos a través de procedimientos peculiares, se han desarrollado a través de las

actividades de trabajo y por medio de actividades sociales y educativas que estimulan de alguna

manera, la sociabilidad y culturales circularidad del conocimiento y la civilidad en los sectores

sociales, que implican el aprendizaje escolares hábitos de intercambios educativos y culturales,

costumbres, comportamientos, técnicas artesanales y las de carácter religioso, y otros

conocimientos provienen de diversos orígenes culturales y que han hablado en esta zona de

colonial occidental extrema.

Palabras clave: Historia. Educación. Las prácticas educativas. Mato Grosso. Período colonial

O Contexto da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá e

Vila Bela da Santísima Trindade (1748-1822).

A histórica cidade de Cuiabá - lugar pertencente à região da bacia do Alto Rio

Paraguai - cujo primeiro núcleo principal foi a Vila Real do Senhor Bom Jesus do

Cuiabá, teve sua procedência a partir da descoberta do ouro, mediante investidas e

conquistas dos bandeirantes luso-brasileiros que, no ano de 1719, nas margens do

Córrego da Prainha, encontraram ouro. Assim, coube ao governador da capitania da

qual essa região fazia parte, a de São Paulo, Rodrigo Moreira Cesar de Menezes, como

um dos representantes do poder metropolitano na Colônia, a missão de elevar, em 1º de

janeiro 1727, o arraial de Cuiabá à categoria de Vila, instalando a Câmara Municipal,

poder administrativo e fiscal no controle da extração aurífera nas minas de Cuiabá, na

entrada de mercadorias, na saída do ouro, mas também instância de poder metropolitano

local. Menezes estabeleceu uma estrutura capaz de facilitar a concretização dos

objetivos geopolíticos da Coroa portuguesa.

Entretanto, quem descreve com muita propriedade e grácil, a festividade na Vila

de Cuiabá, ocasionada pelo levantamento do pelourinho, a criação da Câmara de Cuiabá

e ainda pela nomeação do ouvidor Antônio Alves Lanhas Peixoto, da Vila de

Paranaguá, perante a participação e aclamação da população da vila, foi Barbosa de Sá:

[...] Anno de mil setecentos e vinte e sete no primeiro de janeiro

deste ano, mandou o General Levantar pilourinho com grandes

aplausos do povo que em repetidas vezes bradavaó: Viva a

Villa Real do Senhor Bom Iezus do Cuyabá, tomou cazas para o

Senado da Camara citas na rua chamada do sebo defronte do

oratório nomiou por Ouvidor o Doutor Antonio Alvares Lanha

Peixoto que era na Villa de Parnagoá mandado por sua

Magistade para o acompanhar e instruir no que fosse

necessário para adeministração da justiça mandou-o erigise

Senado da Camara na forma da Ley [...]. (1975, p. 19).

Ainda, nessa perspectiva, a descrição da formalização do paço da Vila de Cuiabá

no século XVIII é dada, também, pelos Anais do Senado da Câmara - final do ano de

1730 – Chonicas do Cuyabá – quando é noticiada a chegada de uma grandiosa monção

vinda de São Paulo, com muita gente e fazendas, e nela o Doutor José de Burgos Villa

Lobos, por Ouvidor Geral “Entrou a fazer justiça com força, a por em arrecadação as

fazendas dos defuntos e ausentes; a princípio logo que chegou, deu início as obras da

Cadeia e Casas da Camara [...] e logo depois as casas, que para si fez, e são hoje as da

aposentaria dos Ministros [...]”. (ANAIS DO SENADO CUIABÁ DE 1730, 2007 p.

64). Ocorre, assim, a reprodução do modelo ordenador dos ambientes urbanos

português, ou seja, o Domus Municipalis -, casa-da-camara-cadeia-e-matriz (Figura-1).

Figura 1 - Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá (século XVIII)

Fonte: Acervo da Casa da Ínsua, Portugal apud História de Mato Grosso: da

ancestralidade aos dias atuais (SIQUEIRA, 2002, p. 32)

Desse modo, a nova vila foi se edificando e se estruturando; uma capela com a

madeira, o barro, a taipa de pilão e alvenaria, coberta de palha foi erguida para servir de

matriz, até que os moradores juntassem esmolas para a Provedoria erguer a capela-mor.

Portanto, na primeira Vila, no marco central da América do Sul que, homens e mulheres

se ocuparam em prover os espaços urbanos com várias atividades, como à produção

agrícola, criações de animais e outros saberes e fazeres culturais, no cotidiano da Vila.

Segundo Holanda (2000, p. 55) [...] em 1727 havia ali dois mil e seiscentos negros e

índios labutando nas lavras de ouro [...]. Na mesma época, criou-se uma Companhia de

Ordenanças de Homens Pardos.

Nesses termos e mediante a intensa movimentação na fronteira mato-grossense

em busca do ouro, na temporalidade em questão, os mineiros mais afoitos, na ânsia de

encontrar ouro em maior profusão, deixaram Cuiabá, seguindo rumos diversos. Nessa

movimentação foram descobertas outras jazidas auríferas de menor proporção,

responsáveis pelo povoamento de área mais a oeste que, pelo Tratado de Tordesilhas,

não pertenceriam oficialmente a Portugal. Desse ponto, entre a margem ocidental dos

rios Paraguai e Guaporé, desbravada pelos Irmãos Paes de Barros (paulistas), a partir do

ano de 1734, que adentraram a região e descobriram lavras de ouro no rio Galera, em

Santana, Brumado, São Francisco Xavier e Minas do Alto Paraguai foram edificadas

mais outra vila a de Vila Bela da Santíssima Trindade, a vila-capital, no oeste da

América portuguesa (SIQUEIRA, 2002, p. 40).

Ao avançar pelo território, alargando ainda mais a fronteira, os colonos

estabeleceram outro núcleo de povoamento e de atividade produtiva distante de Cuiabá.

Espaço ainda parcialmente desconhecido dos portugueses e passível de litígio, o rio

Guaporé se tornou, por essas características, prioritário na posse da fronteira. Para

garantir o abastecimento na região, foi publicada a Provisão Régia de 14 de novembro

de 1752, que permitiu o comércio com o Pará pelos rios Madeira e Guaporé

(LEVERGER, 2001, p. 44).

A Câmara Municipal de Cuiabá respondeu, até 1748, pela única municipalidade,

ocasião em que as terras que se circunscreviam às Minas do Cuiabá se desmembraram

da capitania geral de São Paulo e Minas do Ouro, quando foram instituídas duas novas

administrações portuguesas na América do Sul, as capitanias de Goiás e Mato Grosso.

Esse evento se deveu às negociações que estavam sendo estabelecidas em Madri entre

os anos de 1746 e 1750. Uma vez que a iniciativa da Coroa portuguesa visava

consolidar as posições lusitanas, tanto pelas convenções estabelecidas no limite do

estabelecido pela convenção de Madri, como também pela manutenção concreta da

fronteira viva, a capitania de Mato Grosso se constituiu, portanto, numa “capitania-

fronteira”. Vale lembrar que o princípio desse tratado tinha por base o uti possidetis,

adotando o povoamento enquanto marco de posse. A Coroa portuguesa tratou de

escolher o Guaporé como território onde seria construída a nova sede da capitania.

Cuiabá, mesmo já estruturada e povoada, cedeu lugar, dois anos antes da assinatura do

Tratado de Madri, para a primeira capital oficial da recém-criada capitania de Mato

Grosso, que já nasceu com o estatuto de Vila Bela da Santíssima Trindade, tendo sido

oficialmente inaugurada no ano de 1752.

Os Anais de Vila Bela 1734 -1789, no ano de 1752, noticiaram de forma simbólica

a representação da instalação do poder metropolitano na região guaporeana - Vila Bela

da Santíssima Trindade, mediante editais para se convocar ao povo para o levantamento

da vila, lavrado já para essa função o pelourinho (ANAIS DE VILA BELA de 1751,

2000 p. 51). Tal solenidade resultou num acontecimento público, de grande porte,

comandado pela comitiva do governo do capitão-general Antonio Rolim de Moura e

demais autoridades camaristas e clericais que, mediante o final das enchentes do mês de

março, cujas águas não venciam mais o barranco, “juntos os bons e povo destas minas,

em dia de São José, de tarde se puseram [...] abrindo-se o primeiro pelouro, dando-se

posse aos vereadores e aos oficiais da milícia, providos por Sua Excelência: João

Pereira da Cruz capitão-mor; Francisco de Sales Xavier, sargento-mor; Antônio da

Silveira Fagundes Borges capitão; e o ajudante João Nunes de Melo [...]” (ANAIS DE

VILA BELA DE 1751, 2000 p51).

O processo da escolha dos mandatários da municipalidade via pelouro pode ser

compreendido como um momento solene e revestido de grande importância para a

sociedade da época. A monarquia portuguesa, desde as Ordenações Afonsinas e das

Leis Extravagantes, procurou normatizar o processo de escolha para os cargos de juízes

ordinários, vereadores e procuradores das vilas. Por outro lado, as eleições também

eram de extremo interesse da população e servia como elemento de representação

política e social dos moradores das vilas. Logo, foi em meio a essas efetivas

movimentações, festividades e edificações que ensejou a fundação da primeira capital

de Mato Grosso, Vila Bela da Santíssima Trindade, através da Carta Régia datada de 9

de março de 1748, tendo D. João V nomeado para governá-la um nobre lusitano, D.

Antônio Rolim de Moura1. Pessoa, na opinião da coroa lusitana, de grande zelo e

prudência, que escolheu para fundação da sede da capitania, o local denominado Pouso

Alegre, nas margens do rio Guaporé, onde, em 19 de março de 1752, fundou

solenemente Vila Bela da Santíssima Trindade – Vila-Capital. Lugar de terreno

alagadiço, pelas constantes cheias que o Rio Guaporé derramava sobre a região

escolhida (MOURA, 1982, p. 31).

1 D. Antonio Rolim de Moura, nascido em 12 de março de 1709, em Portugal, filho de Nuno Manuel de

Mendonça, IV Conde de Al de Reis, Comendador e Alcaide - mor das Comendas e Alcadarias e de Dona

Leonor Maria Antonia de Noronha, filha do I Marquês de Angeja, D. Pedro de Noronha. Rolim de Moura

foi o sexto filho de um total de dezesseis, que tiveram o IV Conde de Val de Reis e sua esposa – dos quais

onze mulheres e cinco homens [...] (MOURA 1982 apud DOURADO, 2012, p. 152). [...].

D. Antonio Rolim de moura, foi dado ao estudo. Teve uma formação educacional capaz de fazê-lo

glorioso, de uma sagacidade adequada para torná-lo verdadeiro em atitudes, dono de um espírito crítico,

humano e justo, além de ser um jovem disciplinado nos estudos e um cristão exemplar. Seus estudos não

se limitaram à Filosofia e Teologia - abrange a sua instrução a todas as ciências – A Política dos Povos e

das Gentes, que forma o Direito público das Nações, um dos seus principais estudos. Apreciador das

Matemáticas puras, das Ciências e Artes mais úteis. Estudou, também, a História Universal e a História

de Portugal [...] Homem de vasta e profunda erudição, em todas as Artes Liberais, perfeito na música, na

poesia, equitação e na espada. O que se pode concluir que D. Antonio Rolim, além da educação normal

de um nobre português da Corte, na época, teve também uma excepcional formação cultural e científica.

Pessoa de grandeza e virtudes, por ter sido contemporâneo do Iluminismo, sua filosofia lhe trouxe

conhecimentos das Artes mais precisas à nação portuguesa. D. Rolim foi conhecedor das Ciências Exatas

e também um combativo militar português (CANOVA, 2011 apud DOURADO, 2012, p. 153).

Assim, sua edificação teve início com a ocupação lusitana, nativa, negra e

indígena no extremo oeste da América portuguesa. Vila instalada numa região

fronteiriça teve funções estratégicas enquanto núcleo colonizador e abrigo da sede do

governo de uma das capitanias mais astuciosas da América portuguesa face às riquezas

que possuía e à sua estratégica geopolítica. A municipalidade foi administrada pelos

oficiais da Câmara que, ainda no período de conquista, produziram um Estatuto ou

Código de Posturas (1753), documento oficial que regulamentou a vida dos vilabelenses

por um bom tempo.

À semelhança dos novos núcleos coloniais lusitanos do século XVIII, Vila Bela

da Santíssima Trindade foi planejada sob régua e compasso. Vila-Capital de ruas

simétricas, perpendiculares e em ângulo reto, demonstrou a arte do urbanismo português

em terras da colônia Brasil (Figura-2).

Figura 2 - A criação da Capital de Mato Grosso

Planta de Vila Bela da Santíssima Trindade

Fonte: Acervo da Casa da Ínsua, Portugal apud História de Mato Grosso:

da ancestralidade aos dias atuais (SIQUEIRA, 2002, p. 47)

Nesses termos, Vila Bela veio a se tornar o principal aglomerado político urbano,

visto ser a sede da Coroa portuguesa na parte mais a oeste da América portuguesa, na

fronteira entre as colônias espanholas (SIQUEIRA, 2002, p. 36). Vale ressalvar que,

além do ouro, essa região teve papel preponderante enquanto agente de ocupação, cujo

povoamento ocorreu também como resultado do plano político-estratégico traçado pelas

autoridades de Lisboa e local, para a ocupação da região guaporeana, garantindo os

domínios portugueses fronteiriços com os castelhanos, o que levou o Conselho

Ultramarino português a fazer da Capitania de Mato Grosso o antemural da colônia.

Sugeria que tais garantias fossem ampliadas, estendidas através das ações nas áreas de

defesa e de comércio, com destaque para o de Mato Grosso com o Pará – através da

Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão – projeto delineado pelo marquês de

Pombal que visava à penetração nos domínios espanhóis via rio Guaporé, atingindo as

províncias de Quito, Orenoco e Peru para contrabandear a prata: “Certamente, foi nessas

condições que a capitania de Mato Grosso configurou-se também como capitania

fronteira viva dinâmica e extremamente importante para determinar os territórios das

Coroas (Portuguesa e Espanhola)”. (SIQUEIRA, 2002, p. 43-44). Segundo Holanda

(1973, p. 27) “os bandeirantes transformaram-se em mineradores e fundam arraiais,

logo engrossados por toda casta de gente. Povoa-se a faixa central Minas-Goiás-Cuiabá,

e delineia-se a fronteira do Mato Grosso”.

Essa ideia de garantia e defesa dessa territorialidade conquistada significava, para

a Coroa portuguesa, uma forma de fortificar a região com forças militares suficientes

para a manutenção e posse das espacialidades obtidas durante as negociações do Tratado

de Madri (1750), definidor dos limites entre as colônias ibéricas. Assim, o lusitano

Antônio Rolim de Moura, ao vir para Mato Grosso, trouxe em sua bagagem as

Instruções Régias 2 expedidas pela da Rainha D. Mariana Vitória, com data de 19 de

janeiro de 1749. Eram elas compostas de 32 itens que determinava e detalhava o modo

como ele deveria administrar a recém-criada capitania, principalmente no que concerne

aos aspectos de segurança e defesa da fronteira. Segundo Loiva Canova (2008, p.75) “é

nesse contexto de enfrentamento como administrador de extensa área do extremo oeste

colonial e chefe da comissão portuguesa de limites com os territórios espanhóis que

Rolim de Moura governou o Mato Grosso”.

Acompanhava a comitiva do então capitão-general, o tenente de dragões Manoel

da Ponte Pedreira, um criado e toda comitiva e família. Com ela vieram também os

reverendíssimos Estevão de Castro e Agostinho Lourenço religiosos missionários da

Companhia de Jesus, com missão de aldear e congregar índios para a fé católica; alguns

soldados dragões e o primeiro Juiz de Fora, Teotônio da Silva Gusmão, nomeado para

exercer o cargo na nova sede da capitania.

2 Instrução Régia – Orientação Real para execução de atos normativos: Documento - “fundador” -

repassado aos capitães-generais que vinham governar a capitania de Mato Grosso, quando saiam de

Lisboa, contendo recomendações expressas que bem representavam as preocupações da Corte com a

Capitania. [...] Eram mandados para uma terra distante, sem grande aparato militar de defesa, fronteira

com o reino espanhol, com quem, apesar do tratado de paz e limites assinado, vivia Portugal em

constantes desavenças [...]. Ainda, havia as instruções trocadas entre os capitães-generais, quando da

transferência de governo (IHGMT - Instruções aos Capitães-Generais, p. 8-9).

Além das preocupações da Rainha de Portugal, D. Mariana de Áustria,

demonstradas na Instrução Régia de 19 de janeiro de 1749, com relação à instalação da

Capital da capitania de Mato Grosso percebe-se em seu texto o empenho requerido ao

primeiro governador, Antonio Rolim de Moura3, principalmente, no que diz respeito ao

fortalecimento da povoação do território e, que, o lugar escolhido para a Vila-Capital

fosse defensável e que lograsse as comodidades necessárias da navegação e pesca para a

população. Solicita cuidado no traçamento das ruas e prima pelas ruas direitas e largas,

visando o estabelecimento da vila em boa direção. Nessa perspectiva, demonstra, ainda,

a Rainha, preocupação com a civilidade da população, principalmente à indígena, onde

roga ao Capitão – General que aplique em prol dessa gente [...] todos os meios de

suavidade e indústria para civilizá-los e doutrinar em tudo como pede a caridade cristã

[...] (IHGMT, 2001, p.16).

Depreende-se que as questões de urbanidade, defesa e de civilidade almejadas

pelas autoridades locais e lusas na vila-capital, assim como na vila de Cuiabá, se

expressavam também por meio de outra instituição, as irmandades laicas ou confrarias

das várias ordens religiosas, ocasião em que os irmãos de fé doavam e construíam

espaços sagrados segundo sua devoção, em sinal de agradecimento e reconhecimento

pela graça divina alcançada. Charles Boxer (2002, p. 306) revela que “a composição da

maioria dessas irmandades obedecia a critérios raciais, pois brancos, negros e mulatos

tinham as suas”. [...] assegura ainda que “algumas não faziam nenhuma distinção de

classe ou de cor, nem separavam escravos de homens livres [...]”

Dando prosseguimento em historiar a edificação da vila-capital, ressalva-se que,

no ano de 1752, enunciou o governador Antônio Rolim4 “o princípio das obras que na

vila se fizeram e fazem por conta do El-Rei, como foram os quartéis para os dragões,

cuja casaria ocupa o lado do sul da praça; e se principiaram os alicerces de pedra da

casa para o governador, que ocupa o lado do norte”. (ANAIS DE VILA BELA – Ano

de 1734. 2006 p. 53). A mão de obra da fronteira, responsável por todas as edificações

3 Rolim de Moura governou a Capitania de Mato Grosso por 13 anos 11 meses e 4 dias, compreendendo

o período de 1751 a 1765(SIQUEIRA, 2002, p. 79). 4 Antonio Rolim de Moura [...] Em 1754, o Rei D. José I o nomeou Brigadeiro depois o fez Conde de

Azambuja e Marechal de campo de seus exércitos. O despachou como governador da Baía de Todos os

Santos, aonde chegou aos 25 de março de 1764, de onde veio, em 1767, para o Rio de Janeiro, com o

título de Vice-Rei ao render o Conde da Cunha. Tomou posse e governou o Rio de Janeiro até outubro de

1769. Partiu para Lisboa e foi despachado pelo Rei D. José I e por sua augusta filha. Presidente do

Conselho da Fazenda, Tenente General do Exército de S. Majestade do Conselho de guerra, e Governador

das Armas da Corte e Estremadura. Antonio Rolim de Moura faleceu em Lisboa, na noite de 8 de

dezembro de 1782[...](DOURADO, 2012, p. 155/156).

de casas, igrejas, fortes e fortalezas, majoritariamente, eram compostas por militares de

baixa patentes, quase sempre iletrados que, auxiliados por outros trabalhadores

igualmente inabilitados - homens livres, índios e negros - ergueram, com precisão

milimétrica, os estabelecimentos que defenderam as possessões lusitanas, sob a

orientação de um engenheiro militar formado e de vasta experiência.

Tanto que na leitura das fontes e da bibliografia relacionadas ao processo de

colonização portuguesa na fronteira de Mato Grosso no século XVIII, percebe-se em tal

processo estratégias e táticas alojadas, ambas voltadas para garantir a posse da região,

conquistas, espaço novo e promissor, almejados também, por categorias sociais

diversas. Desse modo, para assentar o projeto colonizador português na região,

contaram os lusos e nativos para essa conquista, com ações definidas oficialmente

através dos diversos tratados de limite e marcada por conflitos e guerras com povos

indígenas e negros que se encontravam ainda, fora dos domínios, conquistas e

privilégios da Coroa. Portanto, o povoamento da região vai se estabelecendo, com as

camadas médias de homens livres e pobres que edificavam casas cobertas de telha, as

igrejas e, os demais 26 edifícios, de grande e pequeno porte na localidade, à época.

De acordo com a empiria, a região contava ainda com casas coberta de palha e

povoada por uma população composta aproximadamente de “quinhentas almas”, pouco

mais ou menos, entre brancos e negros e índios, habitantes dos arraiais e minas de Mato

Grosso que, nos sítios, desenvolviam atividades agrícolas de sobrevivência. Não só na

perspectiva arquitetônica que a conformação urbana foi promovida, mas sua dinâmica

era composta de manifestações culturais e de civilidade materializadas nas festividades

solenes organizadas pela igreja católica e assistida por todo o clero, nobreza, cientistas,

elites, corpos militares/ordenanças e povo de todo o distrito. Essas práticas coletivas

integravam o projeto colonizador português, sendo vitais para a conquista e defesa da

raia fronteiriça do Guaporé, quase sempre sob a batuta dos oficiais camaristas e corpos

militares. Na realidade, as diversas modalidades culturais se expressavam

diuturnamente, constituindo a vila-capital enquanto espaço de circularidade de saberes,

fazeres e práticas culturais cotidianas.

O contexto do Objeto

A temporalidade do estudo em questão, ou seja, a segunda metade do século

XVIII e inicio do XIX teve em Portugal, a marca do “iluminismo” e das “reformas

pombalinas”. O Iluminismo, segundo Gilberto Luiz Alves (1996, p.61) trata-se de “um

movimento universal, a pesar de ser reconhecido básicamente como uma manifestação

superestrutural características da Europa no século XVIII”. Esclarece ainda que, “o

movimento teve sua expressão clásica na França, onde pontificaram Voltaire, Diderot,

D’Alembert, Quesnay e outros”. Argumenta ainda, Alves (1996, p. 62) que […] a

riqueza e a consistencia dos efeitos operados por esse movimento em diferentes países

da Europa, no século XVIII, estiveram estreitamente associadas ao poderio económico e

político da burguesía no seio de cada um deles[…].

Ainda, a despeito do Iluminismo, percebe-se no projeto português, segundo

Alves, “[…] Mesmo sendo fruto da conciliação política, as reformas pombalinas devem

ser reconhecidas na condição de realizadoras dos ideais burgueses na educação, dentro

dos domínios do reino luso […]. Esclarece também que […] elas acrescentaram aos

conteúdos da escola as armas, com as quais a burguesía vinha operando o domínio do

mundo material: as ciências modernas e técnicas. Conclui o autor que […] Basta essa

sucinta exposição para demonstrar o sentido avançado da política educacional

pombalina, assim como o seu enraizamento no Iluminismo […]” (ALVES, 1996, p. 64).

Frente a essa breve exposição, depreende-se que a Coroa portuguesa, influenciada

à época pelo ideais iluministas, passou, então, a promover uma política de expansão e

de planejamento urbano em suas colônias. Tanto que, a maior parte dos anos de

governo de Antônio Rolim de Moura em Mato Grosso, o foco foi para as ações como

processo de restauração, fortalecimento, organização e adequação à época e, a meta

principal da Coroa era a de construir a fronteira e garantir o novo território do Extremo

Oeste, articulando o comércio com a Metrópole e assegurando a posse da região mais

indefinida de toda a colônia.

Sociabilidade das Práticas Educativas e Culturais em

região de frontera

A presente proposta busca apresentar algumas informações sobre as práticas

educativas e culturais, vivenciadas pela população mato-grossense, dadas entre os anos

de 1748 e 1822. Com o enfoque para a sociabilidade dessa aprendizagem, nas vilas, no

interior e no entorno das instituições consideradas educativas, estendidas, do reino de

Portugal para o Brasil Colonial, como Câmaras Municipais, Igreja, Organizações

Militares e Cientistas, instituídas na capitania de Mato Grosso, especialmente, no

contexto da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá e Vila Bela da Santíssima

Trindade e de outros pequenos pontos de povoamento nas circunscrições vizinhas.

Sobretudo, as que compartilharam práticas de iniciativa particular, veiculadas através de

professores, padres, mestres, militares, cientistas e familiares, que se revestiam de

conhecimentos expressos no interior da sociedade mato-grossense, no século XVIII.

Portanto, processos educativos estabelecidos, mediante procedimentos peculiares,

seja pelas atividades de trabalho como por meio de ações socioeducativas que

estimularam, de certa forma, a sociabilidade e a circularidade cultural dos saberes e da

civilidade no interior dos segmentos sociais, que envolvem aprendizados educacionais

escolares e trocas culturais de hábitos, costumes, comportamentos, técnicas, ofícios, e

aquelas de caráter religioso, além de outros saberes provenientes das várias origens

culturais e que se expressaram nessa área extrema do oeste colonial.

Vale ressalvar que às instituições, referenciadas no texto, diz respeito às

instituições educativas, ou seja, locais de saberes e instituidores de conhecimentos, seja

de ordem profana, humanos e científicos. Tanto que Andrê Burgière, no Dicionário das

Ciências Históricas (1993) 5, oferece algumas definições para o vocábulo “instituição”.

Para ele, os historiadores fazem do termo um uso empírico espontâneo, enumerando “o

Rei, o Domínio, as Finanças, a Justiça, a Igreja, a Senhoria”. (1993, p. 443) Ainda no

panorama do Dicionário das Ciências Históricas, é Roland Mousnier que oferece uma

definição mais sintética da “instituição”, apontando o termo, primeiramente, como uma

“ideia diretriz” e, depois, “o grupo de homens” que a põe em prática. Fusão do abstrato

e do concreto, tal abordagem amplia o domínio do que é institucional para a maior parte

da atividade coletiva. Argumenta ainda Mousnier (1993, p. 443) que:

[...] as instituições e sua história possuem uma história que rege

imperativamente seu campo de exercício. O pensamento

clássico instalava, às escondidas, a instituição na historicidade.

Isto pode ser aplicado a “tudo o que é inventado pelos homens”,

como definia Furetière no século XVII. “Ela se opõe à natureza.

5 Andrê Burgière, organizador do Dicionário das Ciências Históricas. Tradução de Henrique de Araujo

Mesquisata – Rio de Janeiro: Imago, 1993, p. 443-444. Apresenta entendimentos sobre instituições. [...]

No vocabulário contemporâneo, as “instituições” designam a constituição da República, ou mais

tecnicamente, o conjunto de regras e de órgãos que fixam a organização de um setor da vida pública, ou

mais amplamente, o conjunto das formas sociais fundadas pela lei ou pelo costume [...].

Tudo o que provém da natureza é, da mesma forma em todos os

lugares e em todos os momentos, de instituição divina”. As

cerimônias profanas são de instituição humana. Obras do

homem e obra consciente, as instituições exprimiam essa

capacidade organizadora, esse poder que tem o homem sobre si

mesmo. Mas elas se subordinavam implicitamente à natureza, à

lei divina que conferia seu sentido à história do homem [...].

Ao abordar sobre a educação na América portuguesa, em especial a manifesta na

capitania de Mato Grosso no século XVIII, há que se romperem as fronteiras da

educação escolar e buscar também nas práticas educativas realizadas fora das escolas,

os saberes que foram constituídos na interação e movimentação cotidiana da população

lusitana, indígena, africana e aquelas advindas da miscigenação, radicadas em Mato

Grosso. Sobretudo, tais práticas foram, majoritariamente, constituídas por indivíduos

que, em sua maioria, se encontravam alheios à herança cultural do Velho Mundo,

porém, manifestas pelos vínculos de sociabilidade e de dimensão cultural estabelecidos

no envolvimento dos diversos universos culturais que se entrecruzavam nessas

territorialidades, fruto do legado dos colonizadores e dos colonizados.

De acordo com as evidências das fontes, percebeu-se que as gerações adultas e

jovens advindas dos desfavorecidos, trabalhavam em ofícios diversos, como pedreiros,

soldados da companhia de pedestres, aventureiros (soldados sem fardas), domésticos,

remadores, raizeiros, carpinteiros, barbeiros, ferreiros e alfaiates, cujos processos

educativos e culturais ocorridos, também, nos espaços de sociabilidade, como no seio

familiar, campo de trabalho, nas praças e lugares públicos, nas festas, atividades

religiosas, representações teatrais e ações pedagógicas práticas. Portanto, ações

corroboradas pelos contatos com agentes governamentais, elites, camadas médias e

homens livres e pobres que se relacionavam dentro de uma sociabilidade e circularidade

cultural, tanto que nos dão a ver e a dizer:

Ano de 1772

[...] No dia 4 de Outubro pelas cinco horas da tarde entrou nesta

Vila vindo pelo caminho de terra Ilustríssimo e Excelentíssimo

General que ainda hoje existe governando, Luiz de

Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, foi recebido na

entrada da Vila pela Câmara que o esperava em uma casa

ricamente ornada, que para esse fim que se armou na paragem,

e rua chamada à mandioca, e dali conduzido de baixo de palio,

que carregaram seis republicanos, e acompanhados da mesma

Câmara, Nobreza, e Povo para a Igreja Matriz, onde o esperava

paramentado de capa o Reverendo Pároco como a mais

eclerezia da terra, e depois de feitas as cerimônias do incenso, e

beijamento da cruz, entoou o dito Pároco o Te Deum Laudamus,

que prosseguiu a Música. Findo este ato se recolheu da mesma

forma para a residência, que se lhe havia preparado, dando lhe

os corpos auxiliar, e ordenanças as descargas do estilo; o que

feitos, e praticados nas mais circunstancias devidas, nessa

mesma noite, e nas duas seguintes iluminaram os moradores as

suas casas. Depois houvera vários festejos de óperas, e

comedias em tablado publico, além de danças, bailes, e outros

festejos, que durarão por muitos dias, sendo em todo geral o

contentamento. Aqui se demorou até o dia três de Novembro

em que se regressou para a Capital de Mato Grosso pelo

caminho de terra [...] (ANNAIS DO SENNADO DA

CÂMARA DO CUIABÁ, 2007, p. 101).

A potencialidade desse registro de memória, documento de cunho noticioso, os

“annais” nos revela elementos que reforçam status ou melhoria da elite local, bem como

o envolvimento da camada média nos festejos, caracterizando, de certa maneira, uma

educação de cunho cultural e de natureza pública, inscrevendo-se na civilidade das

aparências, constituindo um ornamento a ser ostentado pelos indivíduos socialmente

privilegiados.

Isso também possibilitou ao povo o refinamento de hábitos, a circularidade

cultural, uma vez que muitos membros da sociedade colonial mato-grossense fossem

eles representados pelas elites, a camada média e os homens livres e pobres, era

composta por homens rústicos que não sabiam ler, escrever ou contar.

Dessa maneira, os espaços de sociabilidade e de afirmação de homens e mulheres,

retratadas no registro de memória, podem ser vista também, como um acelerado

processo civilizador, que passava a sociedade da capitania de Mato Grosso, na segunda

metade do século XVIII.

Tato que o registro de memória, aponta ainda, para as representações culturais da

sociedade, mediante atividades festivas e de comemorações, seja a partir da organização

da municipalidade na Vila, nos espaços públicos, ou perante, a união, reunião e

representação dos poderes constituídos como o eclesiástico da terra, representados pelos

párocos e outros, representantes do povo como nobreza e camaristas, ordenanças,

moradores e suas edificações. Além, dos ensinamentos, assistidos, durante as

comemorações e festejos públicos como o cortejo ofertado ao mandatário superior, com

direito à descargas de artilharias, beija mão, apresentação de música sagrada, como Te

Deum Laudamus, operas e comédias, danças e bailes.

Na leitura da empiria, especialmente, nos Anais do Senado da Câmara de Cuiabá e

de Vila Bela da Santíssima Trindade, percebe-se que na segunda metade do século

XVIII, a capitania de Mato Grosso, estava organizada numa administração pública, com

assente na escrita. Tanto que a escrituração dos anais dá testemunhos dos diferentes

aspectos da vida oficial, manifestações religiosas e das festas públicas. Além dessas

dimensões, há que se considerar que, pelas regiões da Capitania, as atividades culturais

e festivas eram intensas, tanto as promovidas no Palácio do Governo, na Corte

Portuguesa, ou pela Igreja Católica, bem como as de iniciativa espontânea da população

índia, negra, branca e mestiça, mediante práticas religiosas, comunitárias das

irmandades, como a de Santo Antônio, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, e

pelas festividades com tradições africanas, predominavam e representavam também

certas garantias de segurança e povoamento da região, funcionando como elementos de

sociabilidades locais, civilidade e inserção social.

Vale ressaltar que durante os longos anos do governo de Luiz de Albuquerque, na

capitania de Mato Grosso, tanto em Cuiabá, como em Vila Bela (Vila Capital), o

governante promoveu várias festividades culturais e de sociabilidade. Gilberto Freyre

(1978, p. 59) revela que Luiz “[...] foi promotor e animador dessas expansões de alegria

portuguesa e dessas exibições de arte européia quase no meio de matos tropicais do

Brasil”. Tanto que, cioso da pragmática, comemorava as cerimônias da corte e da

igreja, como podemos observar nos Anais de Vila Bela (1734-1789), registro de

memória, apresesentado, em Câmara, pelo vereador e alferes Gregório Pereira:

[...] No dia 17 de dezembro, que é o do aniversário da Rainha

Fidelíssima, nossa Senhora, foi Sua Excelência, ministros,

oficiais militares e nobreza assistir ao Te Deum laudamus, que

em ação de graça se cantou na igreja matriz [...] Houve no

palácio, à noite, um baile de bem disfarçadas ricas máscaras,

que a quase não cabiam em três ordens de brincos (dança) por

toda a sala grande, que estava muito iluminada e vistosa. Deu

Sua Excelência uma suntuosa e magnífica ceia, na alta noite, em

diversas salas, assistindo os ministros e senhoras da terra.

Depois da ceia se repetiram algumas poesias sobre o assunto tão

feliz e alegre daquele dia [...]. (ANZAI; AMADO. 2006 p. 234-

235).

A existência desta documentação comprova a vitalidade da época e justifica que a

pesquisa tem privilegiado a segunda metade do século XVIII e inicio do XIX, tempo

que correspondem as administrações lusitanas de D. José I, D. Maria I e D. João VI.

Portanto, temporalidade de estudo, que se justifica, visto que a circulação de ideias

fomentadas num determinado tempo, é, a priori, apropriada e consolidada em outros

momentos, ocasião em que se salienta o movimento de renovação intelectual no que diz

respeito aos campos econômico, político e cultural, na perspectiva das correntes

filosóficas, com circularidade no mundo europeu, constituídos no âmbito do embate

entre tradição e modernidade e entre fé e ciência. Ideários que, quando transplantado

para outras regiões, no caso brasileiro, em especial para a Capitania de Mato Grosso,

ganhou novos contornos e adaptações de acordo com as especificidades regionais.

Thais Nívia de Lima Fonseca (2009, p. 11-12) adverte6 que a investigação sobre a

educação no período colonial precisa levar em conta a diversidade e as particularidades

da sociedade brasileira de então, considerando-se também suas especificidades

regionais. Argumenta ainda a autora que:

[...] significa colocar, no centro das problematizações possíveis,

a existência de idéias acerca de uma educação escolar de matriz

européia, calcada em seus modelos de civilidade e progresso,

em seus preceitos políticos e moraes e sua implantação numa

sociedade mestiça, que relia e reelaborava os pressupostos

europeizantes, no contexto de outras práticas. Dessa maneira,

muitas delas podiam adquirir novos significados, mesmo

quando mantinham suas formas originais, incorporando valores

advindos tanto de suas matrizes européias quanto de outras

referências culturais. Nesse sentido, o papel de grupos e de

indivíduos é crucial para a compreensão desses movimentos na

perspectiva de mudanças e de permanências, atuando como

mediadores entre tempos, espaços e culturas [...].

Assim, a inclusão desse olhar mais ampliado sobre o cenário educacional de Mato

Grosso, nos oitocentos, e inicio do século XIX tem possibilitado vislumbrar, organizar e

acumular um conjunto documental raríssimo, tendo como foco significativas

publicações historiográficas e instrumentais sobre o tema em relevo. A documentação é

constituída de fontes de natureza administrativas (correspondências); noticiosas

(Annais) 7; notariais e legislativas (testamentos, inventários e benesses) 8. Além destas

6 Ver FONSECA, Thais Nívia de Lima e. Letras, ofícios e bons costumes. Civilidade, ordem e

sociabilidades na América portuguesa. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 11 -12. 7 Annais – gênero narrativo da história que enfeixam documentos noticiosos escritos ano a ano, recheados

de eventos, memórias e cotidiano da população nativa, lusitana e a africana, que circulou no espaço de

Vila Bela da Santíssima Trindade e da Vila Real do Senhor bom Jesus do Cuiabá, século XVIII

(AMADO; CASELLI, 2006, p. 27).

fontes, outras, porém, riquíssimas e recheadas de informações, pistas e sinais sobre a

“educação” e “instrução” escolar na capitania de Mato Grosso, no período colonial, com

ênfase para as reformas educacionais, na instituição de aulas régias em Cuiabá e Vila

Bela, nos concursos para provimento de cadeiras de professores régios, na contratação e

atuação de professores régios, substitutos e particulares, nas reformas de escolas e

também sobre o deslocamento de alunos mato-grossenses para os estudos superiores em

Portugal, dentre outros aspectos.

Referências

ALVES, Gilberto Luiz. Educação e História em Mato Grosso: 1719-1864. Campo

Grande: UFMS, 1996.

ANNAIS do Sennado da Câmara do Cuyabá: 1719-1830 (Transcrição e Organização

Yumiko Takamoto Suzuki). Cuiabá, MT: Entrelinhas: Arquivo Público de Mato Grosso,

2007.

Anais de Vila Bela 1734-1789. Janaina amado, Leny Caselli Anzai, organizadoras.

Cuiabá, MT: Carlini@: EdUFMT, 2006. Anais de 1752, p.51.

BOXER, Charles, R. O império marítimo português 1415-1825. São Paulo: Companhia

das Letras, 2002, p 05 -442.

CANOVA, Loiva. Rolim de Moura: Um ilustrado na Capitania de Mato Grosso.

COLETÂNEAS DO NOSSO TEMPO, Rondonópolis - MT, v. VII nº 8, p. 75 a 86,

2008.

---------------- Antonio Rolim de Moura e as representações da paisagem no interior da

Colônia portuguesa na América (1751-1764). Tese (Doutorado em História).

Universidade Federal do Paraná, 2011.

DICIONÁRIO DAS CIÊNCIAS HISTÓRICAS. André Burgière (org.); tradução de

Henrique de Araujo Mesquita. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1993.

DOURADO, Nileide Souza. Discurso de Posse no IHGMT: 23/09/2011. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. N.71. Cuiabá, 2012, 172p.

FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. Letras, ofícios e bons costumem: Civilidade, ordem

e sociabilidade na América Portuguesa. Belo Horizonte: Autentica 2009, 174p.

8 Notarias (inventários e testamentos) e Legislação - documentos de natureza estritamente jurídicos, que

refletem no ato escrito as relações políticas, legais sociais e administrativas entre o estado e os cidadãos

(CANAVARROS, Otávio [et ali]. 2009, p. 16).

FREYRE, Gilberto. Contribuição Para Uma Sociologia da Biografia: O exemplo de

Luiz de Albuquerque, Governador de Mato Grosso, no fim do século XVIII. Cuiabá:

Fundação Cultural de Mato Grosso, 1978, 404p.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. I A Época

Colonial: Administração, Economia, Sociedade. São Paulo: Difusão Européia do Livro,

1973, 518p.

______. Monções. São Paulo: Brasiliense, 2000.

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MATO GROSSO. Instruções aos

Capitães-Generais. Cuiabá: IHGMT, 2001, 106p.

LEVERGER. Apontamentos Cronológicos da Província de Mato Grosso. Cuiabá:

Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, 2001, p. 134.

MOURA, Carlos Francisco. Antônio Rolim de Moura, Primeiro Conde de Azambuja;

biografia. Cuiabá: NDIHR/UFMT/ Imprensa Universitária, 1982(Coleção Documentos

Ibéricos – Série: Capitães-Generais).

SÁ, José Barbosa de. Relações das Povoações do Cuiabá e Mato Grosso de seus

princípios até os presentes tempos. Cuiabá: UFMT, 1975.

SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: da Ancestralidade aos dias

atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002.