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2015 RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA Centro de Estudos e Investigação Científica

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2015

RELATÓRIOSOCIAL

DE ANGOLA

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLACentro de Estudos e Investigação Científica

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TÍTULORelatório Social de Angola 2015

AUTORUniversidade Católica de Angola

EDITORUniversidade Católica de AngolaRua Pedro de Castro Van-Dúnem, 24,Bairro Palanca, C.P. 2064 LuandaWeb site: www.ucan.eduEmail: [email protected]

PRÉ-IMPRESSÃOLeYa, S.A.

CAPALeYa, S.A.

IMPRESSÃO E ACABAMENTOSMultitipoLUANDA, JULHO DE 2016 • 1.a EDIÇÃO 1.a TIRAGEM (1000 exemplares)Registado na Biblioteca Nacional de Angola sob o n.o 7549/2016

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CENTRO DE ESTUDOS E INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICADA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA (CEIC / UCAN)

PATRONO – D. Manuel ImbambaDIRECTOR – Alves da Rocha

RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015COORDENAÇÃO – Nelson Pestana

EQUIPA DE REDACÇÃOAdriano GomesAlves da RochaCláudio TomásEduardo SassaFrancisco PauloGilson LázaroGuilherme SantosIndira MonteiroJorge TrulaNelson PestanaOsvaldo Silva Sérgio Calundungo

RECOLHA DE INFORMAÇÃOCláudio FortunaJosé Lumango

INVESTIGADORES PERMANENTES Alves da RochaCarlos VazCláudio FortunaCláudio TomásFrancisco PauloNelson PestanaOsvaldo SilvaPrecioso DomingosRegina SantosVissolela GomesWilson Silva

INVESTIGADORES COLABORADORESAlbertina DelgadoCarlos LeiteCarlos PintoEduardo SassaFernando PachecoGilson LázaroJosé OliveiraLuís BonfimMarco PauloMargareth Nanga

ADMINISTRAÇÃO E FINANÇASAfonso RomãoEvadia KuyotaLúcia CoutoMargarida Teixeira

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INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9

1. Participação dos cidadãos na gestão e controlo das políticas sociais ............................. 11

1.1 Introdução ................................................................................................................... 11

1.2 Novamente os direitos humanos ................................................................................. 11

1.3 Soberania, direitos fundamentais e liberdades públicas ............................................. 12

1.3.1 A sucessão do Presidente da República .............................................................. 16

1.4 Participação, direitos fundamentais dos cidadãos e liberdades públicas .................... 16

1.4.1 O caso dos activistas de Cabinda ........................................................................ 17

1.4.2 O caso dos “révus” e o direito de reunião e manifestação ................................. 18

1.4.3 O caso Rafael Marques de Morais ...................................................................... 22

1.5 A liberdade de religião e o poder hegemónico: o controlo do campo religioso .......... 23

1.5.1 O caso Kalupeteca .............................................................................................. 24

1.5.2 Fusões de Igrejas cristãs ..................................................................................... 28

1.5.3 Islamismo em Angola ......................................................................................... 28

1.6 Direitos económicos e sociais dos cidadãos ................................................................ 29

1.7 A questão da justiça social ........................................................................................... 34

1.8 Espaço público, sociedade civil e questão autárquica ................................................. 38

2. População, condições de vida e pobreza .......................................................................... 41

2.1 Introdução ................................................................................................................... 41

2.2 População .................................................................................................................... 41

2.3 Condições de vida e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ................................. 52

2.3.1 Pobreza e poder de compra dos salários ............................................................ 57

3. Compromisso com a saúde ............................................................................................... 63

3.1 Quadro epidemiológico ............................................................................................... 63

3.1.1 Malária ............................................................................................................... 65

3.1.2 Infecções respiratórias agudas ........................................................................... 68

3.1.3 Doenças Diarreicas Agudas (DDA) em menores de 5 anos ................................. 71

3.1.4 Febre tifóide ....................................................................................................... 73

3.1.5 Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) ....................................................... 75

3.1.6 Raiva ................................................................................................................... 78

3.1.7 Tétano ................................................................................................................. 79

3.2 Indicadores -chave da saúde ........................................................................................ 80

ÍNDICE

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3.2.1 Mortalidade materna ......................................................................................... 80

3.2.2 Mortalidade infantil ............................................................................................ 83

3.3 Despesas com a saúde ................................................................................................. 84

3.3.1 Na perspectiva do OGE ....................................................................................... 84

3.3.2 Despesa em percentagem do PIB ....................................................................... 86

3.3.3 Despesa per capita ............................................................................................. 88

3.3.4 Distribuição da despesa dentro do sector .......................................................... 89

3.3.5 Despesas do Estado por programas ................................................................... 91

3.3.6 Despesa pública e despesa privada .................................................................... 93

4. Compromisso com a educação ......................................................................................... 95

4.1 O fim de um ciclo ......................................................................................................... 95

4.2 População em idade escolar ........................................................................................ 98

4.3 Cobertura escolar nacional .......................................................................................... 101

4.4 Cobertura escolar por níveis de ensino ....................................................................... 104

4.4.1 Educação Pré-Escolar .......................................................................................... 105

4.4.1.1 Classe de Iniciação .................................................................................. 107

4.4.2 Ensino Primário .................................................................................................. 109

4.4.3 Ensino Secundário .............................................................................................. 114

4.4.3.1 1.o Ciclo do Ensino Secundário ............................................................... 119

4.4.3.2 2.o Ciclo do Ensino Secundário ............................................................... 121

4.4.4 Alfabetização ...................................................................................................... 123

4.4.5 Ensino Superior .................................................................................................. 126

4.5 Despesas com a educação ........................................................................................... 137

4.5.1 Na perspectiva do OGE ....................................................................................... 138

4.5.2 Despesa por níveis de ensino ............................................................................. 138

4.5.3 Despesa per capita (estimativa) ......................................................................... 140

5. A situação da família e da criança à luz do Recenseamento Geral da População e Habitação em 2014 ........................................................................................................ 141

5.1 Introdução ................................................................................................................... 141

5.2 Sumário dos indicadores demográficos de Angola ...................................................... 142

5.2.1 Estrutura demográfica ........................................................................................ 142

5.2.2 Estado civil e relações conjugais ......................................................................... 144

5.2.3 Tamanho e estrutura do agregado familiar ........................................................ 145

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5.3 Indicadores de pobreza monetária .............................................................................. 146

5.4 Indicadores de pobreza não -monetária ....................................................................... 148

5.4.1 Habitação e meio ambiente ............................................................................... 148

5.4.2 Acesso a água potável e a saneamento adequado ............................................. 149

5.4.3 Acesso a electricidade ........................................................................................ 151

5.4.4 Cidadania, inclusão (informação e novas tecnologias) e posse de outros bens duradouros ......................................................................................... 152

5.5 Despesa pública com a família e a criança ................................................................... 154

6. Assistência social .............................................................................................................. 156

6.1 Introdução ................................................................................................................... 156

6.2 A acção social .............................................................................................................. 157

6.2.1 Programa de Apoio Social ................................................................................... 161

6.2.2 Programa de Geração de Trabalho e Renda (GTR) ............................................. 165

6.3 Situação social da pessoa com deficiência .................................................................. 166

6.3.1 Quadro demográfico da pessoa com deficiência ................................................ 166

6.3.2 Quadro legislativo em prol da pessoa com deficiência ...................................... 168

6.3.3 Resposta do Executivo aos problemas que afectam as pessoas com deficiência ... 170

6.3.4 Resposta estruturada nos programas definidos ................................................. 172

6.3.4.1 Programa de Apoio Social ....................................................................... 172

6.3.4.2 Programa de Geração de Trabalho e Renda (GTR) ................................. 173

6.3.4.3 Programa de Reabilitação Baseada na Comunidade (RBC) .................... 175

7. Agricultura familiar e segurança alimentar face aos constrangimentos climáticos na província do Cunene ................................................................................... 177

7.1 Introdução ................................................................................................................... 177

7.2 Definições e conceitos ................................................................................................. 178

7.3 Caracterização da província do Cunene ....................................................................... 179

7.3.1 Caracterização administrativa ............................................................................ 179

7.3.2 Clima ................................................................................................................... 179

7.3.3 Fitogeografia ....................................................................................................... 180

7.3.4 Geomorfologia .................................................................................................... 180

7.3.5 Solos ................................................................................................................... 180

7.3.6 O Homem ........................................................................................................... 180

7.3.7 Recursos aquíferos ............................................................................................. 182

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7.3.8 Ciclos de cheias e secas ...................................................................................... 184

7.3.9 Recursos piscícolas ............................................................................................. 185

7.3.10 Recolecção ........................................................................................................ 185

7.3.11 Agricultura ........................................................................................................ 186

7.3.12 Mudanças climáticas e biodiversidade ............................................................. 188

7.3.13 Vulnerabilidade à seca ...................................................................................... 189

7.3.14 Viver com a seca e a variabilidade climática .................................................... 190

7.3.15 Respostas à seca ............................................................................................... 192

7.4 Medidas de Política de Promoção da Agricultura Familiar .......................................... 196

7.5 Quem responde à seca? .............................................................................................. 197

7.5.1 Governo .............................................................................................................. 197

7.5.2 Agências multilaterais/bilaterais internacionais ................................................. 198

7.5.3 Organizações regionais ....................................................................................... 199

7.5.4 Organizações da Sociedade Civil (OSC) ............................................................... 199

7.6 Respostas à situação de seca ....................................................................................... 200

7.6.1 Como funciona o sistema de respostas .............................................................. 200

7.6.2 Medidas implementadas .................................................................................... 200

7.7 Exemplo de projecto de reforço da capacidade de resiliência ..................................... 201

8. Contribuição dos actores da sociedade civil .................................................................... 206

8.1 Ambiente de actuação das OSC ................................................................................... 206

8.1.1 Contexto legal ..................................................................................................... 206

8.1.2 Contexto político ................................................................................................ 208

8.1.3 Contexto organizacional das ONG ...................................................................... 209

8.2 Estrutura da sociedade civil ......................................................................................... 211

8.3 Tipologia das OSC cuja acção mereceu destaque ........................................................ 212

8.4 O papel das OSC na perspectiva sectorial .................................................................... 213

8.4.1 Boa governação .................................................................................................. 213

8.4.1.1 Monitoria de OGE ................................................................................... 215

8.4.2 Estudos e produção de evidência ....................................................................... 216

8.4.3 Acesso a informação ........................................................................................... 217

8.4.4 Direitos humanos ............................................................................................... 218

8.4.5 Desenvolvimento rural sustentável .................................................................... 219

8.4.5.1 Os actores principais .............................................................................. 219

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8.4.5.1.1 Serviços sociais ........................................................................ 221

8.4.5.1.2 Património cultural ................................................................. 222

8.4.5.1.3 Educação e formação técnica e profissional ........................... 223

9. Monografia do periurbano de Luanda (Cacuaco, Cazenga e Belas) ................................. 224

9.1 Introdução ................................................................................................................... 224

9.2 Caracterização geográfica ............................................................................................ 225

9.3 Caracterização administrativa e demográfica .............................................................. 228

9.4 Situação social dos três municípios do periurbano de Luanda .................................... 232

9.4.1 Saúde ................................................................................................................. 232

9.4.1.1 Cobertura sanitária ................................................................................. 235

9.4.1.1.1 Hospital Geral de Luanda ........................................................ 235

9.4.1.1.2 Hospital Municipal do Cacuaco ............................................... 236

9.4.1.1.3 Hospital dos Cajueiros ............................................................. 236

9.4.1.1.4 Hospital Municipal do Cazenga ............................................... 236

9.4.1.2 Quadro epidemiológico .......................................................................... 239

9.4.1.2.1 Malária .................................................................................... 241

9.4.1.3 Saúde materno ‑infantil ........................................................................... 242

9.4.2 Educação ............................................................................................................ 245

9.4.2.1 Cobertura escolar ................................................................................... 248

9.4.2.2 Corpo docente ........................................................................................ 253

9.4.2.3 Infra -estruturas escolares ....................................................................... 254

9.4.2.4 Principais constrangimentos .................................................................. 255

9.4.3 Protecção social .................................................................................................. 255

9.4.4 Água e saneamento básico ................................................................................. 258

9.4.5 Energia eléctrica ................................................................................................. 261

9.5 Estudo de caso: situação social dos bairros Wenji Maka II, Paraíso e Terra Vermelha ...... 264

9.5.1 Educação ............................................................................................................ 268

9.5.2 Saúde, água e saneamento básico ..................................................................... 274

9.5.3 Energia eléctrica ................................................................................................. 279

9.5.4 Comércio, infra -estruturas e vias de acesso ....................................................... 280

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 284

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 286

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Pela primeira vez, Angola pode contar com o Recenseamento Geral da População e Habita-ção, efectuado em 2014 e publicado em 2015. Até aqui, o país foi administrado e avaliado, ao longo destes 40 anos de Independência, com base em projecções, mais ao menos aleatórias, a partir do Censo de 1970 ou de estudos e inquéritos parciais, como foram o Multiple Indicator Cluster Surveys (MICS) (2003) e o Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População (IBEP) (2010).

O Censo 2014, apesar de algumas zonas de interrogação pela sua falta de fiabilidade e au-sência de demonstração, representa, assim, uma importante ferramenta para a abordagem da situação social do país.

O Relatório Social de Angola 2015 procurou apoiar -se nos resultados do Censo 2014 como for-ma de sustentar a imagem que se dá do país e das suas enormes debilidades nos sectores sociais.

O primeiro capítulo aborda a questão do funcionamento do espaço público e da participação dos cidadãos, ressaltando os diversos “casos” de restrições e coerção, através do que a comuni-dade internacional designa por “problemas com os Direitos Humanos”, mas também através da análise dos meios e modos da procura hegemónica de poder político e das linhas de força da sua evolução. Questões como a sucessão do Presidente da República, a prisão dos “révus”, o pro-cesso Kalupeteca e a acção de manu militari em Cabinda são alguns dos casos abordados, para se ter uma visão de conjunto sobre os modos de reprodução do poder e da luta pela liberdade.

O segundo capítulo, como habitualmente, debruça -se sobre as condições de vida da popu-lação, analisando a sua função social e económica, enquanto sujeito e objecto do crescimento, assinalando as actuais dificuldades de crescimento do PIB, que se reflectem em maior desem-prego, diminuição do poder de compra, factores negativos que, agravados pela crescente infla-ção e depreciação da moeda nacional, fazem com que o Índice de Desenvolvimento Humano esteja quase estacionário, colocando o país no Grupo de Desenvolvimento Humano Baixo, o que contrasta com o seu recente estatuto de “país de rendimento médio superior” e atesta uma forte desigualdade de rendimento dos cidadãos.

O terceiro capítulo dá conta do estado da saúde e da prestação de cuidados médico--sanitários às populações, assinalando uma deterioração considerável dos seus serviços, agra-vada pelo persistente fraco saneamento básico.

O quarto capítulo, sobre a educação, analisa o comportamento dos principais indicadores ligados ao acesso escolar aos diferentes níveis de ensino, tendo como propósito contribuir, por

INTRODUÇÃO

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meio de recurso à informação quantitativa recente disponível, para a compreensão do insucesso no cumprimento das metas nacionais e internacionais de expansão da cobertura escolar até ao ano de 2015.

O quinto capítulo aborda as condições socioeconómicas da família e da criança com base no Censo 2014, em contraponto com os dados do IBEP, em relação à estrutura demográfica, estado civil e relações conjugais, tamanho e estrutura dos agregados familiares, condições de habitação, meio ambiente e posse de bens, para reavaliar as metas e os compromissos assumi-dos pelo Governo em relação à família e à criança e dimensionar as carências a suprir para que lhes seja garantido um verdadeiro bem ‑estar.

O sexto capítulo situa -se no terreno da acção social do Estado, abordando o funcionamento dos mecanismos de protecção social dos grupos mais vulneráveis, tendo como foco a sua di-mensão programática. Procura ‑se, a partir de fontes documentais oficiais, reflectir sobre o nível de realização dos programas ligados à área social e, particularmente, à integração da pessoa com deficiência.

O sétimo capítulo é dedicado à agricultura familiar e segurança alimentar face aos constrangi-mentos climáticos na província do Cunene. A abordagem da problemática da agricultura familiar e da segurança alimentar no Relatório Social não é nova, mas abordam -se pela primeira vez estas questões em face de uma realidade concreta; a da seca recorrente na província do Cunene, que provoca sempre escassez de água para as pessoas e para o gado, falta de alimentos e outros efei-tos nefastos para as famílias, mesmo se estas, à força da repetição dessa ocorrência, a tenham como um elemento central no planeamento das suas actividades produtivas. Aliás, os meios de vida das comunidades do Cunene noutro período do ano são também afectados por cheias que tudo arrastam pela fúria da água e provocam escassez de alimentos, destruição de reservas ali-mentares e de campos agrícolas, para além de outros grandes prejuízos, directos e indirectos, como são a fome, a malnutrição, nomeadamente das crianças, aqueles que mais facilmente su-cumbem a tais provações. A questão central é, pois, não a maneira como as medidas de emer-gência são tomadas, não como as acções humanitárias dão resposta à questão da sobrevivência das populações, não como a comunicação social trata ou ignora estas situações dramáticas re-correntes, mas como as comunidades enfrentam o problema da viabilidade dos seus agregados familiares, já que os activos que sustentam os seus meios de vida são afectados durante longo período e não são passiveis de nenhuma solução “instantânea”. Logo, a inovação da abordagem deste capítulo está em colocar a questão dos efeitos da seca numa perspectiva de longa duração.

O oitavo capítulo refere o quadro dos actores não -estatais e o seu papel como forças que contribuem para o desenvolvimento, dando o quadro actual de provações que as várias Organi-zações Não -Governamentais vivenciaram ao longo de 2015.

O Relatório Social deste ano, tal como no anterior, completa ‑se com uma monografia, desta feita sobre as condições de vida nos bairros do periurbano luandense.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

1. PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NA GESTÃO E CONTROLO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

1.1 Introdução

No domínio político e da participação dos cidadãos, o ano de 2015 foi um ano muito difícil. A crise económica e social que se instalou no mercado internacional devido à baixa de preço do petróleo potenciou um clima propenso à contestação e reivindicação dos cidadãos nas mais diversas esferas. Tal tornou o regime e os seus aparelhos repressivos mais sensíveis e descon-fiados em relação a um aproveitamento político da situação de crise, agravada pelo desgaste político da figura de José Eduardo dos Santos e do reconhecimento unânime (incluindo do pró-prio) da necessidade da sua sucessão.

Essa crise multimoda parece impulsionar também um movimento crescente de adesão às oposições que, em surdina, vão acumulando capital político e simbólico que pode pronunciar uma alteração na correlação de forças da política nacional, pois há uma convergência de po-sições em relação às grandes questões políticas nacionais, quer dos actores políticos, quer so-ciais. Esta conjugação de factores está na origem dos sérios contratempos e episódios menos felizes registados no funcionamento do espaço público e na degradação das condições de par-ticipação dos cidadãos nos assuntos públicos, de preservação e reforço das garantias da cidada-nia plena, da segura realização do direito à reunião e manifestação e da participação cívica nos processos de decisão.

O espaço público angolano foi palco de vários actos de violação de direitos fundamentais de cidadania, que a comunidade internacional designa por “problemas com os direitos humanos”. É sobre estes acontecimentos e de como se desenvolveram as relações de força entre os di-versos intervenientes no espaço público angolano, bem como sobre como este se caracterizou no ano de 2015, que versa este capítulo, nomeadamente através da abordagem, em concreto, desses “problemas com os direitos humanos” e da problemática da sucessão do PR.

1.2 Novamente os direitos humanos

A questão do respeito pelos direitos humanos no país tornou -se a colocar com acuidade devido a uma sucessão de factos que foram reportados em diversos relatórios internacionais com grande eco na opinião pública nacional e estrangeira. O relatório da eurodeputada Ana Gomes e a moção de condenação do Parlamento Europeu da violação de alguns direitos humanos

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CEIC / UCAN

internacionalmente aceites e também consagrados na nossa Lei Fundamental originaram um coro de protestos, seguidos de debates televisivos e radiofónicos sobre a matéria.

O respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente do direito de manifes-tação e de reunião, continua a ser uma das questões mais discutidas pois o país vive num regi-me em que somente quem apoia o Governo e o partido no poder se pode manifestar e reunir livremente. Reiteradamente as autoridades impedem as manifestações, sob pretexto de que as organizações políticas ou da sociedade civil que se pretendem manifestar não conseguem cumprir os requisitos legalmente estabelecidos para que os órgãos policiais e de segurança considerem estar reunidas as condições para que ordeira e livremente os protestos se concre-tizem. Muitas das anunciadas manifestações são mesmo impedidas antes da sua realização e os seus organizadores detidos pela Polícia Nacional ou perseguidos por agentes dos serviços de segurança e contra ‑inteligência ou por milícias pró ‑Governo, que gozam do apoio e protecção dos órgãos de Polícia e Segurança.

Essa evidente violação dos direitos políticos é acompanhada da violação dos direitos huma-nos, económicos e sociais estabelecidos na Constituição da República de Angola (CRA) (datada de 2010). Estes, absolutamente fundamentais para se poder construir uma sociedade mais in-clusiva, igualitária e reconciliada, são amplamente desrespeitados e mesmo atropelados, cons-tituindo formas de violência reiterada, por vezes mais graves do que o desrespeito pelo direito à manifestação, ao protesto, à expressão pública de desacordos e críticas.

A CRA consagra dezassete “tarefas fundamentais” que o Estado deve, permanentemente, assegurar (artigo 21.o). Sete são relacionadas com a soberania, a segurança e as liberdades e direitos políticos, as restantes dez são de natureza social e humana. Estas tarefas fundamentais do Estado, consagradas na Constituição, vão ser o fio de orientação da abordagem do espaço político e de participação dos cidadãos este ano. Vamos fazê ‑lo em dois momentos: primeiro abordando as “tarefas” relacionadas com a soberania, a segurança, as liberdades e direitos; depois debruçando ‑nos sobre as demais, relativas ao social e aos direitos humanos. Posterior-mente, abordaremos uma questão correlata e absolutamente fulcral na própria Constituição, a questão da justiça social.

1.3 Soberania, direitos fundamentais e liberdades públicas

As “tarefas fundamentais” relacionadas com a soberania, a segurança e liberdades e di-reitos, são: 1) a garantia da independência nacional, da integridade territorial e da soberania nacional; 2) a paz e a segurança nacional; 3) a igualdade entre homem e mulher; 4) a defesa da democracia, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais; 5) a protecção, valorização e dignificação das “línguas angolanas de origem africana como património cultural, e promover o seu desenvolvimento como línguas de identidade nacional e de comunicação”; 6) a promoção da excelência, da qua-lidade, da inovação, do empreendedorismo, da eficiência e modernidade no desempenho dos

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cidadãos, das instituições, das empresas e serviços, nos diversos aspectos da vida e sectores de actividade e; 7) outras previstas na Constituição e na Lei.

Normalmente, algumas destas tarefas são opostas a outras, por exemplo, a soberania e a segurança são evocadas para justificar a restrição de direitos e liberdades. No entanto, a soberania e a segurança não devem ser entendidas como conceitos abstractos, mas como realidades concretas, com tradução na vida do país e dos cidadãos. A soberania, desde logo, porque é um atributo do povo que o transmite para fins de gestão da res publica aos órgãos previstos na Constituição, sem que deixe de ser o seu único e legítimo titular originário. A segurança também não é oponível às liberdades dos cidadãos porque não deve ser enten-dida como a segurança do poder mas dos próprios cidadãos, inclusive no seu sentido lato, que abrange a segurança não apenas física mas também alimentar. A própria Constituição prescreve que “a garantia da ordem tem por objectivo a defesa da segurança e tranquilidade públicas, a garantia e protecção das instituições, dos cidadãos e dos respectivos bens e dos seus direitos e liberdades fundamentais” contra todo tipo de ameaças ou riscos, “no estrito respeito pela Constituição, pelas leis e pelas convenções internacionais de que Angola seja parte (artigo 209.o, CRA).

No entanto, são notórias as contínuas dificuldades e obstáculos ao exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos. São poucos os avanços na promoção de iniciativas visando a partici-pação da sociedade civil na abordagem de problemas como os da juventude, do empresariado nacional, do empreendedorismo, ou outros. E na maior parte das vezes esta dita participação é restringida a cidadãos, empresários e empreendedores do partido no poder (militantes, simpa-tizantes e amigos), para além de ser normalmente obnubilada por retrocessos em relação aos direitos e liberdades de reunião, manifestação, religião, ou outros.

Pode, então, o regime angolano ser considerado, neste estado, uma democracia? Apesar do discurso oficial, para uma grande parte dos angolanos não o é. Até porque para este regime, o ponto essencial é a sua auto -reprodução, a dominação e apropriação e não os interesses de Angola e dos angolanos. O Economist Intelligence Unit Democracy Index, Índice de Democracia no Mundo, da prestigiada revista The Economist, classifica o regime político angolano como “autoritário”, colocando -o na 131.a posição (num total de 167 países), onde já esteve em 2010, atrás de países como Cuba (129.a), que é um regime de partido único declarado. Isto porque no item “processo eleitoral e pluralismo” Cuba regista 1,75 pontos, enquanto Angola fica ‑se por 0,92. Em consequência, Angola em 2015, num outro índice, o das liberdades humanas, surge numa posição mais recuada, em 135.o lugar, atrás do Mali, da China, da Serra Leoa, com fracos indicadores em relação às “liberdades pessoais ou individuais” (5,96), à “liberdade económica” (5,46) e à “liberdade política” (5,71)1. Da mesma maneira que no relatório da Freedom in the

1 Human Freedom Index 2015 (A Global Measurement of Civil, Economic and Personal Freedom Legal System and Property Rights: A. Judicial independence; B. Impartial courts; C. Protection of property rights; D. Military interference in Rule of Law and politics; E. Integrity of the Legal System; F. Legal enforcement of contracts; G. Regulatory restrictions on the sale of real property).

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World 2015 Angola apresenta também baixos indicadores para liberdade (5,5), direitos políticos (6,0) e liberdades civis (5,0).

POSIÇÕES DE ANGOLA NO ÍNDICE DE DEMOCRACIA NO MUNDO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no The Economist Intelligence Unit, 2010-2015.

ÍNDICE DE DEMOCRACIA NO MUNDO – 21 REGIMES CLASSIFICADOS COMO “AUTORITÁRIOS” EM 2015

FONTE: CEIC, com base no The Economist Intelligence Unit, 2010-2015.

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O gráfico acima mostra ‑nos que o país não progride desde 2010, pelo contrário, registou sucessivos recuos em 2011, 2012 (133.o), 2013 (132.o) e 2014 (133.o). Isto porque tem estado estacionário ou a registar retrocessos em alguns dos critérios deste índice, nomeadamente em relação aos “processos eleitorais e pluralismo, como podemos constatar no gráfico da página seguinte. Logo, o país tem de ir muito mais longe garantir o direito fundamental de participação estabelecido na Constituição da República de Angola. Este direito de participação, que é tam-bém um “bem público”, é consagrado constitucionalmente, quer em relação à “participação na vida política”, quer “na direcção dos assuntos públicos, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos”. Materializa -se também em relação ao direito do cidadão “ser informado sobre os actos do Estado e [sobre] a gestão dos assuntos públicos, nos termos da Constituição e da Lei”2.

ÍNDICE DE DEMOCRACIA EM ANGOLA POR INDICADORES MUNDIAIS ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no The Economist Intelligence Unit, 2010-2015.

Angola, apesar do discurso oficial, tem um regime autoritário, no qual o poder está con-centrado no Presidente da República. E perante esta realidade há questões que se tornam ainda mais prementes, nomeadamente a da sucessão do Presidente da República, que no caso de Angola governa há 36 anos. Este ponto antecede assim a questão da participação, dos direitos fundamentais dos cidadãos e das liberdades públicas, a questão da descentralização político ‑administrativa e da proximidade do poder através da implementação das autarquias locais.

2 CRA, artigo 52.o. Este direito está associado a uma série de outros, tais como o direito ao sufrágio (artigo 54.o), o direito de criação e participação em partidos e associações políticas (artigo 55.o).

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1.3.1 A sucessão do Presidente da República

Perante o Presidencialismo extremo que o país vive, qualquer que seja a correlação de factores, a sucessão do Presidente da República é uma determinante importante da política nacional, uma componente -chave da sua previsibilidade e aconselha que a sua evolução seja realizada num ambiente de estabilidade e não de violação de direitos e agravamento de infle-xões autoritárias.

Apesar de se ter introduzido no Sistema Constitucional como meio de previsibilidade e esta-bilidade, a figura do Vice ‑Presidente, que substitui o Presidente da República em caso de renún-cia ou impossibilidade permanente (artigo 132.o CRA), o actual Presidente da República nunca deu sinais à opinião pública nacional de considerar a sua sucessão através deste mecanismo. Tanto é que, quando lhe é posta a questão da sucessão como necessária, esclarece que está a experimentar várias soluções.

No seu discurso de 2 de Julho de 2015, o Presidente da República3 pôs em perspectiva essa possibilidade de vários cenários relativamente à sucessão na direcção do partido de Governo e na sua lista de candidatos para as próximas eleições, bem como em relação à chamada “reno-vação de mandatos” nos órgãos do partido no poder, que supostamente trará uma anunciada renovação geracional.

Quando não refere a importância da existência do Vice ‑Presidente da República, José Eduar-do dos Santos transmite a ideia de que Manuel Vicente (que foi escolhido por si contra algumas e ténues resistências no interior do seu partido) não é a sua solução para a sucessão. Por hipó-tese, ao baralhar novamente os cálculos políticos e as previsões do futuro do país, faz adensar especulações segundo as quais tem a pretensão de enveredar por uma sucessão de tipo fami-liar, o que é reforçado pelo rápido surgimento do seu filho à frente do Fundo Soberano, insti-tuição dotada de cinco mil milhões de USD e concebida como um complemento do Executivo4.

1.4 Participação, direitos fundamentais dos cidadãos e liberdades públicas

A tomada de consciência mais realista da dimensão da crise dos preços do petróleo, das suas consequências sociais e da destabilização do sistema no seu conjunto conduziu o poder a tomar algumas medidas de política, nem sempre coerentes e consequentes, mas sobretudo

3 Discurso proferido pelo Presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, na abertura da III Sessão Extraordinária do Comité Central, realizada no dia 2 de Julho de 2015.4 A percepção de alguns sectores da sociedade, cada vez mais generalizada, é a de que a solução para a sucessão presidencial passe pela via familiar, pois seria uma forma de garantir a continuidade dos interesses políticos, económicos e sociais da família presidencial e do grupo hegemónico de poder, mantendo assim a gestão económica sob a tutela dos seus filhos, que já controlam as empresas estra-tégicas do país.

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medidas de policiamento para suster a expressão de descontentamento, que se traduziram na violação de direitos fundamentais dos cidadãos e na denegação das suas liberdades públicas. Instalou ‑se um cenário de repressão das liberdades constitucionais, quer as de expressão e de reunião, quer as de confissão religiosa.

A convivência do regime com estas liberdades constitucionais tem ‑se revelado cada vez mais problemática. Há casos que vão sucedendo em continuum, desde a prisão e condenação de activistas em Cabinda por terem convocado uma manifestação pacífica, a prisão e condena-ção dos 17 “révus”, até o caso Kalupeteca.

1.4.1 O caso dos activistas de Cabinda

A sociedade civil cabinda convocou uma marcha contra as violações dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e a má governação na província. Visava denunciar os atropelos aos direitos humanos e a falta de transparência na administração do erário público, exigir o cumprimento da lei e dos padrões universais referentes à administração da res publica. Esta marcha, apesar do simbolismo de ter como meta o local do Monumento da Assinatura do Tra-tado de Simulambuco, poderia ter simbolizado uma mudança na natureza da acção reivindica-tiva no enclave, não mais exclusivamente ligada aos ideais independentistas, mas também à cidadania, mas foi impedida manu militari e os seus principais organizadores foram presos na véspera da sua realização. Entre eles, José Marcos Mavungo, conhecido activista de Cabinda que foi detido sem mandado de captura a 14 de Março de 2015 e acusado de incitamento à re-belião, vindo a ser condenado em Setembro de 2015 a seis anos de prisão, apesar de contra ele não terem sido apresentados elementos de prova convincentes. O advogado Arão Bula Tempo foi igualmente preso no mesmo dia, por alegado envolvimento na organização desse mesmo protesto. Arão Bula Tempo, delegado da Ordem dos Advogados de Angola no enclave, foi entre-tanto libertado a 13 de Maio e encontra -se a aguardar julgamento, acusado de sedição5, cuja acusação não se provou.

Quando da prisão dos activistas cabindas, várias entidades nacionais e internacionais manifestaram -se a favor da libertação dos presos e do respeito pelos direitos humanos e con-sideraram a sua condenação “arbitrária” e “violadora da Lei Internacional”. O Grupo de Traba-lho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária, da Comissão de Direitos Humanos da ONU (UNGWAD), exigiu a “libertação imediata” de José Marcos Mavungo, considerando “muito gra-ve” o facto de o Governo angolano não ter respondido à sua petição sobre as condições críticas daquela detenção6, na qual apresentava alegações com base em informação “clara, consistente e coerente”, obtida a partir de várias fontes e se tornou de domínio público. Este grupo de trabalho exigia do Executivo a adopção das medidas necessárias para remediar a situação de

5 Levantamento popular, motim, rebelião; do latim seditione.6 O Governo angolano tinha 60 dias para responder àquela petição.

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Mavungo e para cumprir os padrões e princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. O grupo acreditava que a correc-ção a ser aplicada, tendo em conta as circunstâncias do caso, seria “a libertação imediata” e “a atribuição de um direito implementável de indemnização”.

A Associação dos Advogados dos Estados Unidos, American Bar Association (ABA)7, congratulando -se pela decisão da UNGWAD, considerou “a liberdade de expressão e de reunião pacífica” “fundamentais para uma democracia e que ninguém deve ser detido por legitimamente exercer esses direitos”.

A Ordem dos Advogados de Angola requereu ao Tribunal Constitucional que se pronunciasse sobre a legalidade da prisão de Arão Bula Tempo e determinasse a sua libertação em acção de habeas corpus8.

1.4.2 O caso dos “révus” e o direito de reunião e manifestação

A polícia entra numa casa particular sem mandato de captura, irrompe pela sala adentro para prender um grupo de treze jovens activistas que se encontravam a discutir questões po-líticas e formas de acção civil. Os seminários realizados a cada fim ‑de ‑semana estavam no fim. Mais tarde, prende dois outros activistas, um oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA) em sua casa, e outro, quando pretendia deixar o país a caminho da Namíbia, onde iria fazer a edição da sua adaptação local do livro de Gene Sharp, “From Dictatorship to Democracy” (“Da Ditadura à Democracia”) sobre a luta não violenta contra Governos didatoriais e repressivos9, obra que servira de material de apoio aos debates. Imediatamente são acusados de “tentativa de golpe de Estado”. Em consequência, é anunciado que um outro oficial das FAA é preso por ter transmitido a um colega militar um documento confidencial da Contra ‑Inteligência Militar. A sua prisão preventiva é justificada pelo Ministério Público por terem sido presos em flagrante delito. As provas colectadas no local das reuniões são cadernos de notas, lapiseiras, máquinas fotográficas e demais objectos deste tipo de material. As restantes provas são colectadas em suas casas, de onde cada um é levado para a prisão, sob custódia dos Serviços de Investigação Criminal (SIC) e da Contra ‑Inteligência Interna, para devassas ilegais (sem mandado de busca), com todo tipo de atropelos à Constituição e à Lei.

Os quinze activistas são mantidos em prisão preventiva, em regime de isolamento, sem cul-pa formada, sem acesso a patrocínio judiciário, sem visitas da família, que tenta saber do seu

7 Uma das organizações que enviou uma petição ao UNGWAD.8 O Tribunal Constitucional considerou (Acórdão n.o 381/2015) que a lide de Providência Cautelar de habeas corpus, interposta pela Ordem dos Advogados de Angola, era de inutilidade superveniente, pois que o detido se encontrava já em liberdade, embora obrigado a termo de identidade e residência.9 Gene Sharp é um professor norte -americano de Ciências Políticas da Universidade de Massachusetts Dartmouth.

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estado e enviar -lhe alimentos. Virão a ser localizados num centro de detenção a cerca de 200 km de Luanda, onde, de acordo com relatos, são sujeitos a tortura física e psicológica, nomea-damente ameaça de morte. Os familiares receiam pela vida dos activistas e procuram chamar a atenção da opinião pública, nacional e internacional, mobilizando -se para uma manifestação. As autoridades reprimem com violência e ameaçam as mães dos jovens prisioneiros. A socie-dade mobiliza ‑se e surge uma campanha nas redes sociais intitulada “Liberdade Já” pedindo a libertação imediata dos presos. São promovidas várias acções de solidariedade, concertos, apelos de personalidades (escritores, músicos, políticos, académicos, entre outros) gravados em vídeo, no país e no estrangeiro. A imagem do regime degrada -se cada vez mais, sendo con-siderado uma ditadura corrupta.

No decurso da instrução do processo, para além dos presos, são ouvidos três declarantes, dos quais, um por pertencer a um dito “Governo de Salvação Nacional” e outras duas jovens mulheres, que são imediatamente constituídas arguidas, sem que lhes seja imposta alguma medida de coacção, por também terem participado de seminários, anteriores ao do dia das detenções.

As autoridades organizam uma “campanha de esclarecimento” visando a Assembleia Na-cional, onde vão apresentar o caso o Ministro do Interior e o Procurador -Geral da República, o corpo diplomático no país, para a qual é organizada uma sessão de esclarecimento no Ministé-rio das Relações Exteriores.

Nestas sessões as autoridades apresentam provas que, segundo elas, constam do processo que está em fase de instrução e em segredo de justiça. De entre essas provas, para além dos cadernos de notas, lapiseiras, computadores e demais material informático, exibem um vídeo das sessões dos seminários dos jovens, gravado por um agente infiltrado mas editado para o efeito. A intenção é disseminar a ideia de que estava em preparação um golpe de Estado. Esta é, aliás, a acusação feita ao grupo pelo Procurador -Geral da República, pelo Ministro do Interior e pelo próprio Presidente da República, diante dos órgãos de comunicação social. Este vai mesmo ao ponto de comparar a dita conspiração com a tentativa de golpe de Estado de 27 de Maio de 1977, afirmando que as prisões tinham sido efectuadas para evitar o golpe de Estado.

A situação assume uma dimensão dramática quando alguns dos presos, em consequência de terem expirado os prazos da prisão preventiva, decidem entrar em greve de fome para rei-vindicarem a sua libertação.

A prisão destes “révus” despoletou uma série de acções de protesto de grupos da sociedade civil em manifesto desacordo e condenação das prisões. No Le Monde10, que havia publicado um artigo em que denunciava a deriva autoritária do regime angolano, um grupo de dezasseis cientistas sociais publicam uma petição em que exigem a libertação dos activistas presos e

10 Le Monde, de 23 de Julho de 2015.

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apelam aos Governos e empresas ocidentais a cessação de negócios com Angola, se não fos-sem dadas garantias de respeito pelos direitos humanos. Antes, já o semanário Expresso (de Portugal) e o The Guardian (do Reino Unido) coincidiam na denúncia da “deriva autoritária” do Presidente José Eduardo dos Santos.

Pelo lado do partido no poder surgem acções de contramanifestação e de inviabilização das manifestações contra o Executivo, que se traduzem sempre em manifestações de apoio ao Presidente da República. O julgamento dá também lugar a um conjunto de atropelos à lei e a uma clara indicação de que as autoridades, no seu conjunto, procuravam justificar por todos os meios legais possíveis e de propaganda a condenação, que era tida como certa. A maneira truculenta como o representante do Ministério Público, com o beneplácito dos juízes da causa, tratavam os réus, os advogados, ou mesmo os declarantes, consolidava na opinião pública a ideia de que o regime queria manter essas pessoas na cadeia. Mas apesar disso, o juiz -presidente, em consequência de várias pressões, decidiu mudar a medida de coacção, passando os quinze acti-vistas para um regime de prisão domiciliária, antecipando mesmo em alguns dias a entrada em vigor de uma nova Lei da Prisão Preventiva. Ao mesmo tempo começa uma manobra dilatória, com a audição dos 54 declarantes citados no dito Governo de Salvação Nacional, de dois oficiais superiores das FAA e dois agentes dos Serviços de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE), que, infiltrados no seio do movimento revolucionário, fizeram as gravações vídeo usadas como prova no processo e que denunciaram os “révus”. A defesa queria também ouvir, como decla-rantes, o chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) das FAA para esclarecer a presença do relatório -síntese, com informações secretas sobre as unidades das Forças Arma-das, elaborado pelo Serviço de Inteligência Militar, no computador de um dos réus11. A forma como o Tribunal Provincial de Luanda notificou, através de edital público, os membros do dito Governo de Salvação Nacional12, dado a conhecer pela Rádio Nacional de Angola (RNA) e pela Televisão Pública de Angola (TPA) e pelo Jornal de Angola, vai contra o que prescreve a lei que determina que seja feito através de notificação pessoal, no domicílio familiar, profissional ou por um edital do jornal mais lido da circunscrição comunitária.

Os advogados consideram que o julgamento tomou carácter político ao serem chamados a depor os membros desse Governo de Salvação Nacional que foi criado no Facebook que tinha como presidente o líder religioso já preso nas ocorrências do Monte Sumi e outro mem-bro também preso em Cabinda. Depois de várias peripécias, no rescaldo final, os dezassete “révus” foram condenados a penas de dois a oito anos e meio de prisão e multas correspon-dentes, em consequência de uma acusação superveniente, nas alegações finais do Ministério

11 Para os advogados de defesa, o documento teria sido introduzido por agentes do Serviço de Inves-tigação Criminal, a fim de incriminar o oficial das Forças Armadas preso e dar credibilidade à tese do golpe de Estado.12 Este dito “Governo de Salvação Nacional” resultou de uma discussão no Facebook a partir de uma proposta de um jurista, que explicou ao Tribunal que foi com o propósito de testar a capacidade do país reagir a uma situação de crise.

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Público, de “Crime de Associação de Malfeitores”, acusação que fez passar a moldura penal de “zero a três anos de prisão ou multa não superior ao correspondente a 365 dias”, para de “dois a oito anos de prisão”, sendo de “oito a doze anos de prisão” para aqueles que foram considerados os cabecilhas13. Esta condenação provocou consternação e descrédito no Sistema Judicial nacional, confirmando a tese segundo a qual o julgamento fora político e a condenação imposta pelo poder. Vários foram os juristas que se manifestaram contra os sucessivos atropelos ao julgamento, contra a violação do Princípio do Acusatório14 e sobre-tudo de terem sido condenados por um crime pelo qual não tinham sido julgados, porque em momento algum foi objecto da acusação ou da querela, conformando, por isto, uma fla-grante violação do Princípio da Imutabilidade da Acusação, segundo o qual ninguém pode ser acusado de uma coisa e ser condenado por outra15. Esta irracionalidade judicial violou um outro princípio do Processo Penal: o Princípio da Ampla Defesa16. Benja Satula, especialista em Direito Penal, advogado, docente universitário e director do Centro de Investigação do Direito da Universidade Católica de Angola, afirmou categoricamente: “O Juiz Januário José Domingos prestou um mau serviço à justiça angolana. O Juiz não deve confundir ‑se com as funções do Ministério Público. Não se pode julgar por um crime e condenar -se por outro sem que os réus tenham a oportunidade de se defenderem, ou de serem bem defendidos em relação aos novos factos”17.

A consternação e condenação social desta sentença não foi apenas interna mas também internacional. Os embaixadores da União Europeia e da Noruega condenaram a sentença e, por meio de uma declaração, solicitaram às autoridades judiciais de recurso darem um tratamento justo adequado ao caso. Por sua vez, a chefe dos negócios estrangeiros da União Europeia corroborou categoricamente a declaração dos embaixadores da União Europeia, em Angola. A eurodeputada do Parlamento Europeu Ana Gomes voltou a denunciar as violações dos direitos e considerou que tal é fruto do regime ditatorial que reina no país. O Departamento de Estado

13 O Crime de Associação de Malfeitores está previsto no Código Penal, artigo 263.o, que consagra o seguinte: “Aqueles que fizerem parte de qualquer associação formada para cometer crimes e cuja organização ou existência se manifeste por convenção ou por quaisquer outros factos, serão conde-nados à pena de prisão maior de dois a oito anos, salvo se forem autores da associação ou nela exer-cerem direcção ou comando, aos quais será aplicada a pena de oito a doze anos de prisão maior”.14 O Princípio do Acusatório consagra a separação entre a instância de acusação e a de julgamento, isto é, quem acusa não julga e quem julga não acusa. Para além de que apenas se pode julgar o que consta da pronúncia, ou seja, os réus não podem ser julgados por crimes diferentes dos que constam da acusação do Ministério Público e sobretudo dos que o magistrado judicial admite na querela para julgamento.15 Constituição da República de Angola, artigo 67.o, 1.16 Constituição da República de Angola, artigo 67.o, 1. O Princípio do Contraditório consagra que todo o acusado de um crime tem o direito de contradizer tal acusação, apresentando em sua defesa os seus factos e razões, nas mesmas condições e oportunidade.17 Benja Satula, Debate Livre da TV Zimbo sob o tema: Análise Jurídica sobre a Sentença do Caso 15+2, no dia 30 de Março de 2016.

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norte -americano mostrou -se preocupado com a situação no país e solicitou ao Governo que não destruísse a democracia. A Embaixada do Canadá em Harare, que abarca também Angola, pronunciou ‑se contra a condenação dos dezassete activistas políticos, manifestando ‑se profun-damente preocupada com a falta de cumprimento da lei, neste caso, mostrando ‑se particular-mente desapontada com a recusa de acesso ao julgamento de observadores internacionais e com a falta de proporcionalidade das penas aplicadas.

O Embaixador itinerante, António Luvualu de Carvalho, desvalorizou as críticas e afirmou que 99% dos angolanos não se preocupa com o caso dos “révus”. No entanto, as manifesta-ções de solidariedade e apoio vieram de todo lado junto do Consulado-Geral de Angola no Porto. No Brasil, manifestantes realizaram uma vigília de solidariedade em homenagem aos jovens condenados. Juristas apelaram a que as autoridades envidassem todos os esforços para assegurar que as condições recurso fossem asseguradas num processo justo e que a justiça prevalecesse. Lembram também a obrigação constitucional do Governo de promover e defender os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como de garantir a sua im-plementação.

1.4.3 O caso Rafael Marques de Morais

Rafael Marques de Morais, autor do livro Diamantes de Sangue18, foi julgado num processo--crime de calúnia e difamação bastante atribulado, movido contra ele por um conjunto de gene-rais próximos do Presidente da República, por estes terem sido referidos no seu livro como ac-cionistas de empresas ligadas a actos de corrupção, violação sistemática dos direitos humanos, deslocação forçada de populações dos seus domicílios para a exploração de diamante e mortes de pessoas inocentes nas Lundas.

Este jornalista e activista dos direitos humanos, que no passado foi preso e julgado por ofensas ao PR, por ter escrito o artigo de opinião “O ‘bâton’ da ditaduraˮ19 foi condenado a 28 de Maio de 2015 a uma pena de seis meses de prisão, com pena suspensa, por dois anos. A ma-téria de culpa foi retirada dos relatos que faz no seu livro sobre mais de cem casos de homicídio e centenas de casos de tortura, alegadamente perpetrados por guardas de uma empresa de segurança e por soldados na zona diamantífera das Lundas. No entanto, as queixas anteriores, apresentadas por Rafael Marques de Morais ao Ministério Público, sobre as violações dos direi-tos humanos nas Lundas (Norte e Sul) não foram objecto de inquérito.

A condenação de Rafael Marques de Morais foi amplamente criticada pelas organizações internacionais de direitos humanos como uma violação, quer do seu direito à liberdade de expressão, quer do seu direito a um julgamento justo, ambos protegidos pela Carta Africana

18 Rafael Marques de Morais, Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, Edições Tinta -da - -China, Lisboa, 2011.19 Rafael Marques de Morais, “O ‘batôn’ da ditadura”, Semanário Agora, Luanda, 2000.

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dos Direitos Humanos e dos Povos (artigos 7.o e 9.o), pela Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigos 14.o e 19.o) e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigos 10.o e 11.o). O Estado angolano já havia sido condenado pelo Comité de Direitos Humanos da ONU (embora de forma não vinculativa) em consequência de uma acção movida por Rafael Marques Morais, em 2002.

A ABA publicou um relatório ‑síntese sobre este julgamento, onde afirma que o tribunal violou: 1) o direito a uma audiência pública; 2) o direito de ser informado das acusações; 3) o direito ao tempo e local para preparar a sua defesa; 4) o direito da não auto -incriminação; 5) o direito a um julgamento justo e imparcial e, finalmente; 6) o Princípio da Presunção de Inocência.

Rafael Marques de Morais, que já havia sido absolvido noutro processo intentado contra si pelos mesmos generais, em Portugal (local da edição do livro), recorreu da sentença, também com base no acordo obtido no decurso do processo entre a defesa e a acusação, segundo o qual a acusação desistia do processo e o réu suspendia a reprodução do livro. Os trâmites estão a correr no tribunal de segunda instância, mas envoltos em incertezas.

1.5 A liberdade de religião e o poder hegemónico: o controlo do campo religioso

A CRA consagra categórica e inequivocamente a “liberdade de consciência, de religião e de culto” que “a liberdade de consciência, de crença religiosa e de culto é inviolável” (artigo 41.o, 1, CRA), e que “ninguém pode ser privado dos seus direitos, perseguido ou isento de obriga-ções por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política” (artigo 41.o, 2, CRA), sendo “garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei” (artigo 41.o, 3, CRA) e que “ninguém pode ser questionado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou práticas religiosas, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis” (artigo 41.o, 4, CRA). O que quer dizer que nenhuma autoridade, quer a nível central, quer a nível provincial ou local, tem competência para pôr em causa as escolhas de natureza religiosa, individuais ou colectivas, dos cidadãos. Esta norma tem aplicação ou vinculação imediata pois “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais são directamente aplicáveis e vinculam todas as entidades públicas e privadas” (artigo 28.o, 1, CRA).

Também a “Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Intolerância e Discri-minação Fundadas em Religião ou Crença” prescreve, para todas as pessoas, o “direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”, o que inscreve a liberdade religiosa como um direito de primeira geração, ou seja, um limite a ser respeitado pelo Estado, que deve abster -se de cercear a liberdade do indivíduo no que concerne a sua fé, a sua crença ou a religião professada, e consagra um direito que salvaguarda às pessoas não apenas “a liber-dade de terem uma religião ou qualquer crença de sua escolha”, mas também “a liberdade de

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manifestarem a sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto em público como em particular” (artigo 1.o)20.

Essa Declaração da ONU considera que a “discriminação entre seres humanos por motivos de religião ou crença constitui uma ofensa à dignidade humana (...) e deve ser condenada como violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais proclamados na Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos”21. A liberdade integra, pois, um núcleo de princípios de uma teo-ria da cidadania baseada nos valores da escolha individual22. Dentre as principais manifestações das liberdades individuais, destaca -se a liberdade religiosa, que tem sido constantemente vio-lada em vários países, nomeadamente Angola, onde uma particular acção do poder procurou controlar e subordinar de forma violenta e cruel a religião23.

No ano de 2015 teve lugar um conjunto de acontecimentos que visaram colocar o campo religioso ao serviço do poder político ou de submetê ‑lo, desde o agrupamento forçado de deno-minações religiosas numa “coligação” sob o comando dos seus agentes, passando pela invasão e profanação de templos ou locais de culto, pela perseguição e a não legalização da religião islâmica, até à cega e violenta repressão dos crentes de Kalupeteca. Estes acontecimentos fize-ram de 2015 um ano mais térmico e turbulento em relação à violação dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, particularmente no tocante à liberdade de religião.

1.5.1 O caso Kalupeteca

A “Igreja Luz do Mundo”, de confissão Pentecostal do Sétimo Dia, fundada por Julino Kalu-peteca, pastor dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia, convoca uma grande concentra-ção de fiéis provenientes de todo o país para um retiro espiritual, tendo em vista o fim do mundo24. Quando uma multidão de pessoas se concentraram no Monte Sumi (Caala), onde montaram acampamento, fundando uma nova Jerusalém, a Polícia Nacional dirigiu -se ao local para prender o seu líder e os crentes opuseram -se. Disparou contra os crentes que achavam ser aquele o sinal da catástrofe final. Os mesmos caíram sobre o reduzido efectivo policial, tendo

20 Organização das Nações Unidas (ONU), Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Intole‑rância e Discriminação Fundadas em Religião ou Crença, 25 de Novembro de 1981 (Resolução 36/55).21 Ibidem.22 Ralf Dahrendorf defende que a essência do projecto moderno é a ideia de instituições de liberdade que possam emancipar os súbditos, transformando -os em cidadãos. Jurgen Habermas diz que o pro-jecto moderno não está acabado enquanto a questão da liberdade não estiver resolvida.23 Salvatore Veca é filósofo, professor da Universidade de Milão, autor de vários livros. 24 A “Igreja Luz do Mundo” é um movimento messiânico, profético e catastrofista de dupla inspiração: ensinamentos adventistas do Sétimo Dia e tradição afro -cristã, à semelhança de muitos outros que foram surgindo, ao longo dos séculos, desde Kimpa Vita (1705). A sua fé é, pois, inspirada numa rein-terpretação da Bíblia e na crença de que o novo messias está prestes a aparecer e, no caso, em terras de Angola, eventualmente na pessoa do próprio Julino Kalupeteca.

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sido mortos nove agentes e treze civis. Na refrega dos reforços policiais (e militares) cria -se uma situação caótica e um elevado número de mortos, ainda indeterminado, mas que podem atingir os milhares, segundo alguns relatos do ocorrido. Julino Kalupeteca e outros líderes e crentes da Igreja são presos, alguns procuram refúgio por todo o lado e escondem -se da repressão das forças da ordem25.

Perante as notícias que correm e que dão conta de um massacre de crentes de uma con-fissão religiosa, as autoridades procuram dar a sua versão dos factos, por vezes contradizendo outras. O Secretário de Estado do Interior associa o local do santuário a uma antiga base da UNITA e o próprio Kalupeteca é identificado como antigo militar da UNITA. Em resposta a estas acusações, a UNITA fez deslocar uma delegação de deputados da Assembleia Nacional para rea-lização de um inquérito sobre o ocorrido. O local estava cercado por militares que não permiti-ram a sua entrada. A UNITA emitiu então um comunicado, no qual afirmava nada ter a ver com o ocorrido e que Kalupeteca não tinha qualquer passado militar, nem era seu apoiante, pelo contrário, tinha sido cabo eleitoral do partido no poder, quer em 2008, quer em 2012, factos que foram demonstrados com a publicação de fotografias nas redes sociais26.

As autoridades tiveram de abandonar esta narrativa, que pretendia insinuar que havia ou-tras motivações estranhas à religião para aquela concentração de pessoas e para a existência do acampamento daquela Igreja. Agora os fiéis não eram simples cidadãos que professavam o seu culto religioso, mas um grupo desordeiro que declarava abertamente a sua oposição às leis do Estado, que priva as crianças de irem à escola, vivendo as mesmas com grandes dificuldades, com escassez de comida, como afirmava o governador do Huambo.

Perante a acusação de terem as forças de segurança e defesa protagonizado um massacre em que teriam perecido 1050 pessoas, o Estado apelidou tais relatos de fantasiosos e resumiu o acontecimento à gravidade de terem sido mortos agentes da Polícia Nacional, o que constituía uma afronta ao poder público.

25 A repressão desse movimento, feita pela Polícia Nacional (PN) e por destacamentos das Forças Armadas de Angola (FAA), levou à morte de inúmeras pessoas, fiéis daquele movimento religioso, falando -se de centenas e até mesmo de milhares, segundo certas fontes. As forças políticas da opo-sição (UNITA e CASA -CE) que se pronunciaram sobre o caso foram unânimes em desmentir a versão oficial, segundo a qual teriam morrido apenas nove polícias às mãos dos fiéis de Kalupeteca e treze civis por disparos da PN. O Escritório de Direitos Humanos da ONU fala em “relatos alarmantes” de um alegado massacre e exige (para além do inquérito do Executivo sobre a tragédia) “um inquérito independente e completo” que possa apurar responsabilidade pelas mortes.26 O portal de notícias Club-K publicou a biografia de Kalupeteca, elaborada pelo SINSE algum tempo atrás, onde se afirmava que aquele não tinha qualquer experiência militar, ou seja, “a sua vida esteve sempre dedicada à agricultura e actividade religiosa na sua terra natal”. Cluk-K, “SINSE desmente Laborinho: Kalupeteca nunca foi militar da UNITA”. Disponível em: <http://www.clubk.net/index.php?option=com_content&view=article&id=21020:sinse-desmente-laborinho-kalupete-ca-nunca-foi-militar&catid=2:sociedade&lang=pt&Itemid=1069>. Acedido em: 10 de Maio de 2015.

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No discurso do Presidente da República não há qualquer referência à morte de civis, o que se passou no Monte Sumi (Huambo) foi “um triste acontecimento” devido ao fanatismo reli-gioso, causado por “um grupo de fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia que abandonou a sua congregação e decidiu criar uma seita religiosa denominada ‛A Luz do Mundo’. Um grupo que abandonou também a doutrina social da sua antiga Igreja, baseada nos Mandamentos da Lei de Deus e noutros princípios da Bíblia Sagrada, e formulou a sua própria doutrina com base no fanatismo religioso, no ódio, em vez de no amor ao próximo, na divisão e na mentira, com o propósito de não respeitar a autoridade do Estado e de promover a anarquia (...). Uma doutrina que fomenta a desintegração da sociedade e a separação das famílias, estimula o pecado e é contra os valores, os princípios morais e cívicos e os usos e costumes do povo angolano. A seita ‛A Luz do Mundo’ é, de facto, uma ameaça à paz e à unidade nacional”27. Assim sendo, a preocupação deste foi a de “render uma profunda homenagem a todos os oficiais e agentes da Polícia Nacional, que com coragem e determinação, sacrificaram as suas vidas no cumpri mento do dever”, promovendo “ao grau imediatamente superior e a título póstumo estes bravos oficiais” que tinham sido “cobardemente assassinados pelos responsáveis da seita ‛A Luz do Mundo’”, para além de organizar “funerais com dignidade e dando o apoio necessário às famílias enlutadas”.

Para além disto, convocava a sociedade civil e as Igrejas para “uma ampla campanha de educação para a ressocialização e integração de todos os cidadãos que foram enganados nou-tras vilas e aldeias ou nas suas terras de origem”, dispondo ‑se também a “mobilizar os meios necessários para apoiar as províncias atingidas por este fenómeno”28.

O discurso do chefe do Executivo, pronunciado dois dias depois dos acontecimentos do Monte Sumi, passou completamente ao lado da possibilidade de ter havido o excessivo uso de força e assinalou como normal (e de nula importância) a morte de civis pelas forças da ordem, tendo implicitamente orientado a deslocação forçada de populações por razão da sua opção religiosa e inviabilizado a possibilidade de um apuramento mais detalhado dos factos, mesmo por um inquérito do Governo. Logo, as autoridades não somente não fizeram qualquer investigação em relação à morte dos civis, como se negaram a aceitar a abertura de um “inquérito independente”, fosse ele feito por uma organização nacional ou internacional e, ao mesmo tempo, negavam com vigor a existência de um tão elevado número de vítimas civis anunciado pelos media e por testemunhas29. O poder opôs ‑se sempre à possibilidade de

27 Agência Angolana de Notícias (ANGOP), “Angola: Presidente da República considera seita ‘Luz do Mundo’ uma ameaça à paz”. Disponível em: <http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/poli-tica/2015/3/17/Angola-Presidente-Republica-considera-seita-Luz-Mundo-uma-ameaca-paz,-9ce6967e-1850-49ab-aa5f-04dc17bf253e.html>. Acedido em: 30 de Abril de 2015.28 Id., ibid.29 A estes acontecimentos seguiu -se uma acção de propaganda contra as “seitas”, procurando justi-ficar a repressão, incutindo medo nos integrantes destes grupos religiosos e em suas famílias, bem como uma acção de proibição administrativa de fé e encerramento de lugares de culto de outros movimentos religiosos, designados genericamente por “seitas”, numa flagrante violação de direitos constitucionais como a liberdade de religião.

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se abrir e realizar um inquérito, afirmando que já estava em curso uma investigação interna sobre o caso, encabeçada pelo Provedor de Justiça30.

Tal situação levantou uma maior preocupação em relação à intervenção do Estado nas orga-nizações religiosas e uma reflexão sobre o Princípio da Laicidade do Estado angolano. A Comu-nidade Internacional, na voz das Nações Unidas31, a Comissão Europeia e a Amnistia Internacio-nal condenaram aqueles “acontecimentos” e foi cogitado um possível massacre, um eventual crime contra a humanidade, cometido no local, supostamente por órgãos representantes do Estado (forças policiais e armadas). As fontes procuram demostrar que o objectivo das forças de segurança consistia em eliminar uma minoria religiosa (Igreja Adventista do Sétimo Dia, “A Luz do Mundo”) considerada pejorativamente como “seita”. A verdade é que Kalupeteca e al-guns companheiros foram detidos e torturados, privados de direitos durante bastante tempo. Os seus seguidores foram perseguidos ou sentiram ‑se acuados em todo o território, optando por certa clandestinidade ou mesmo pelo exílio.

Este processo, depois das pesadas penas acordadas para Julino Kalupeteca (28 anos de ca-deia) num julgamento cheio de omissões e atropelos à Lei, nomeadamente à Lei Processual Penal e aos direitos de defesa, terá o seu desfecho final quando o Tribunal Supremo decidir sobre o recurso interposto pela defesa dos réus, transitando em julgado. Mas qualquer que seja a decisão, a imagem interna e internacional do Estado angolano já está manchada de forma indigna, mais, sendo este tido como cruel e ilegitimamente violento, ressabiado pelas feridas de guerra, que ainda não foram saradas e que em cidades como o Huambo a população ainda está sujeita às suas lógicas destrutivas, não deixando espaço de liberdade de expressão e muito me-nos de contestação e defesa dos seus direitos civis e interesses de cidadania, quer por simples cidadãos, quer por líderes emergentes, seja de cariz religioso, seja de cariz político.

Nesse episódio, a rigor, a posição explicitamente assumida pelo Estado viola claramente a Constituição32 em relação à liberdade de consciência, de religião e de culto, direitos garantidos

30 Fizeram constar que a Provedoria de Justiça estava a realizar um relatório sobre os acontecimen-tos, mas até ao momento não foi apresentado ou publicado.31 O Escritório de Direitos Humanos da ONU fala em “relatos alarmantes” de um alegado massacre e exige (para além do inquérito do Executivo sobre a tragédia) “um inquérito independente e com-pleto” que possa apurar responsabilidades pelas mortes. O Escritório de Direitos Humanos da ONU em Genebra já está informado sobre um possível massacre realizado pelas autoridades angolanas na província do Huambo. Neste sentido, o órgão faz um apelo a uma investigação independente e com-pleta, que possa apontar os responsáveis pelas mortes.32 A Constituição da República de Angola de 2010 consagra categórica e inequivocamente, no seu artigo 41.o, a “liberdade de consciência, de religião e de culto”, dispondo o seguinte: “1) A liberdade de consciência, de crença religiosa e de culto é inviolável; 2) Ninguém pode ser privado dos seus direitos, perseguido ou isento de obrigações por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou polí-tica; 3) É garantido o direito à objecção de consciência nos termos da lei; 4) Ninguém pode ser ques-tionado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou práticas religiosas, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis”.

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a todos os cidadãos nacionais e estrangeiros. Viola também, no âmbito do Direito Internacio-nal, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que consagra como dever fundamental e indispensável dos Estados o de proteger os cidadãos, as suas liberdades e as instituições religio-sas. Perante estes factos, há quem se interrogue sobre a possibilidade dos acontecimentos do Monte Sumi constituírem um genocídio ou um crime contra a humanidade. Segundo o Estatuto de Roma33, entende ‑se por “genocídio” qualquer “acto praticado com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (artigo 6.o). Já o crime contra a humanidade é definido como qualquer acto cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque” (artigo 7.o).

As autoridades deverão responder pelas vítimas mortais e pelo desaparecimento sistemático de pessoas que exerciam apenas o seu direito de culto. Como ao nível interno o Tribunal Pro-vincial do Huambo não deu relevância às mortes de civis, não permitiu à defesa a reconstituição dos factos, nem a sua presença no local dos acontecimentos. Não publicando o Relatório da Provedoria de Justiça, Angola corre o risco de responder perante o Comité de Direitos Huma-nos da ONU, perante o Tribunal de Direitos Humanos da União Africana, perante o Tribunal de Direitos Humanos da SADC e até perante o Tribunal Penal Internacional.

1.5.2 Fusões de Igrejas cristãs

O Estado, ao mesmo tempo que fazia campanha contra a Igreja de Kalupeteca, beneficiando do clima de temor que se criou com as notícias da repressão no Monte Sumi, tomou a iniciativa de agrupar uma série de pequenas e médias congregações religiosas numa dita “coligação de Igrejas cristãs”. A razão desta iniciativa é explicada como sendo a de permitir a “legalização” de mais de 200 Igrejas que se encontravam em desconformidade com a Lei. Esta iniciativa, osten-sivamente apoiada pelos poderes públicos foi liderada por um Pastor, conhecido pelo seu apoio indefectível ao poder. A busca do controlo hegemónico do espaço religioso colocou também na ordem do dia a discussão de uma nova Lei da Liberdade de Religião, Crença e Culto, que se apresenta mais rígida quanto ao processo de legalização das instituições religiosas no território nacional.

1.5.3 Islamismo em Angola

Os acontecimentos do Monte Sumi (Huambo), ao provocar o debate público sobre as mino-rias religiosas e a separação entre o Estado e a Igreja, trouxe à memória a acção do Estado em relação à comunidade islâmica, ao destruir locais de culto com o pretexto de que não estavam regularizados em todo espaço territorial, revelando um certo receio pela sua propagação em todo território nacional e subtilmente disseminando a ideia de uma associação ao terrorismo. Os dignitários das confissões islâmicas no país acusaram o Estado de não ter permitido a sua legalização, criando enormes barreiras burocráticas. Esse impasse da legalização do Islamismo

33 Estatuto de Roma, artigo 6.o, a) e b), Acto Constitutivo de 1998, em Roma.

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persiste, com várias vozes a acusar o Governo de dificultar o processo e relatos de crispação interna. O vice ‑emir (título laico atribuído a um líder islâmico) Altino Miguel Umar, afirma que o maior problema é o exagerado número mínimo de fiéis exigido por lei para registar uma de-nominação religiosa34. Para o mesmo, continua a hostilização e mesmo perseguição de fiéis e há a intenção de manter o impasse no processo de reconhecimento. “Tanto no seio do povo muçulmano, quanto fora da comunidade islâmica tem -se ouvido rumores que o impasse na legalização da religião islâmica perante o Estado angolano não é apenas religioso. Temos assis-tido a comportamentos de altos responsáveis das autoridades angolanas a demonstrarem certo ódio e rancor pelos muçulmanos no geral. Embora na Lei não haja nada a discriminar a religião islâmica no país, a atitude dessas pessoas, que na maior parte das vezes representam o Estado angolano, levam os fiéis a crer que estamos, sim, numa situação de perseguição”35.

Esta situação dura desde os fins da década de 1970, altura em que é fundada a primeira organização islâmica no país e foi pedida, pela primeira vez, segundo os seus dignitários, a lega-lização do Islamismo. Em 2007, o gabinete jurídico do Ministério da Justiça convocou os vários grupos islâmicos desavindos para um encontro, representados na COIA e na CISLANG (ambas as siglas significam Comunidade Islâmica de Angola). Deste encontro resultou a fundação da Comunidade Islâmica de Angola (CISA), que depois de ter sido governada por uma Comissão ad hoc, teve a sua primeira direcção em 201036.

1.6 Direitos económicos e sociais dos cidadãos

Todos os Estados modernos têm um conjunto de princípios, normas e garantias jurídicas referentes aos direitos sociais dos cidadãos. Estes direitos jurídicos nem sempre são concretiza-dos ou transformados em liberdades públicas. De qualquer maneira, são entendidos como um compromisso dos Estados, como pilares do contrato social entre todos os membros da comu-nidade de destino que é a Nação e, tendo uma importante força simbólica, servem de tábua de reivindicação dos cidadãos e das Organizações da Sociedade Civil na sua luta pelo bem -estar e melhoria das condições de vida no país.

A Constituição da República de Angola está organizada em oito partes principais, designadas Títulos: “Princípios Fundamentais” (Título I), “Direitos e Deveres Fundamentais” (Título II), “Or-ganização Económica, Financeira e Fiscal” (Título III), “Organização do Poder de Estado” (Título

34 A Lei sobre a Liberdade de Religião, Crença e Culto exige um mínimo de 100 000 fiéis para a legali-zação de uma denominação religiosa.35 O vice -emir Altino Miguel Umar em declarações à Rede Angola, www.redeangola.com.36 Segundo os dignitários islâmicos, há em Angola, incluindo estrangeiros (sobretudo oeste -africanos, indianos e paquistaneses), cerca de 300 000 muçulmanos. Em Luanda, há mesquitas em todos os municípios e comunas; algumas das que foram destruídas já estão a ser reconstruídas e nunca deixou de haver cultos. O Cazenga é o município com maior concentração de fiéis e Mártires do Kifangondo é o bairro que concentra o maior número de fiéis estrangeiros, na maioria oeste -africanos.

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IV); “Administração Pública” (Título V); “Poder Local” (Título VI); “Fiscalização da Constitucio-nalidade” (Título VII); “Disposições Finais” (Título VIII). Mas a sua economia interna permite agrupar os seus princípios, regras e garantias em quatro grandes Partes: 1) Liberdades, Direitos e Garantias Fundamentais dos Cidadãos; 2) Organização do Estado; 3) Fiscalização da Constitui-ção e 4) Disposições Finais.

Os direitos económicos e sociais dos cidadãos estão fundamentalmente agrupados no Capí-tulo III (Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais) do Título II da Constituição (artigos 76.o a 88.o), aos quais se deve juntar os princípios da Justiça Social e da Discriminação Positiva, estabelecidos no artigo 90.o, alínea a) da CRA (conjugado com o artigo 89.o, 1, alínea f) e 101.o da CRA) e das “Tarefas fundamentais do Estado angolanoˮ, referidas no artigo 21.o. As dez tare-fas referentes ao social obrigam o Estado, através da acção dos órgãos de soberania, particular-mente do Executivo, a promover:

1. As condições necessárias para tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos.

2. O bem -estar, a solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, designadamente dos grupos populacionais mais desfavorecidos.

3. A erradicação da pobreza.

4. As políticas que permitam tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saúde.

5. Políticas que assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito, nos termos definidos por Lei.

6. Melhoria sustentada do Índice de Desenvolvimento Humano dos angolanos.

7. A igualdade de direitos e oportunidades entre os angolanos, sem preconceitos de origem, raça, filiação partidária, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

8. Investimentos estratégicos, massivos e permanentes no capital humano, com destaque para o desenvolvimento integral das crianças, dos jovens, bem como na educação, na saúde, na economia primária e secundária e noutros sectores estruturantes do desen-volvimento auto-sustentável.

No entanto, o próprio Executivo reconhece que em relação aos Objectivos de Desenvolvi-mento do Milénio, “pela avaliação realizada, duas das vinte Metas apresentam uma probabi-lidade muito alta de serem alcançadas, onze, intermédia; três, intermédia/baixa; e cinco, bai-xa”37. De entre as onze metas com probabilidade intermédia de serem realizadas, encontra -se justamente a erradicação da pobreza. A participação dos 20% mais pobres no rendimento ou no consumo apresenta uma probabilidade ínfima de se realizar. Ou seja, reduzir para metade, entre

37 Relatório do Executivo intitulado Objectivos de Desenvolvimento do Milénio – Relatório de Angola 2015, de 13 de Agosto.

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1990 e 2015, a percentagem da população cujo rendimento médio é inferior a 1 dólar por dia, em paridade do poder de compra, não foi conseguido. Pelo IBEP (2008 -2009), cerca de 60% da população tinha um rendimento médio diário inferior a 2 dólares e o acesso a um rendimento médio digno e compensador é um direito humano fundamental. Talvez se possa dizer que a não erradicação da pobreza absoluta no país é o custo a pagar pela criação da elite angolana endi-nheirada, o que fez com que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)38 angolano tenha pro-gredido muito pouco, mais pelo lado do crescimento económico do que pelos indicadores de não -rendimento39, colocando Angola na parte do Grupo de Desenvolvimento Humano Baixo, com um valor de 0,526 em 2013 (149.a posição entre 177 países). Mas se for retirado deste índice o rendimento por habitante (cujo valor aumenta sobretudo pela influência da exploração do petróleo), o valor do IDH de não rendimento (ou seja, apenas social) cai para 0,47940. Por ou-tro lado, o Fundo Monetário Internacional, ao tratar da questão “traduzir o crescimento do RNB per capita num maior bem -estar”41, refere expressamente que “com base na relação entre as dimensões de rendimento e de não ‑rendimento do IDH, seria de esperar que Angola tivesse um valor para a dimensão de não -rendimento igual a 0,67; porém, o seu valor é de 0,48, ou seja, um desnível de cerca de 40%”. Em síntese, o direito a um desenvolvimento humano integral, previsto na Constituição, não está a ser garantido/respeitado pelo Estado.

O artigo 76.o da CRA consagra o direito ao trabalho como um “direito e dever de todos”. Ainda que não se disponha, publicamente, de dados sobre a taxa de desemprego, algumas estimativas apontam para um intervalo entre 20% e 25% da população economicamente activa, no mercado formal42. Provavelmente, considerando -se a economia informal, onde o mercado de trabalho é extraordinariamente flexível, a taxa de desemprego pode baixar para 12 ‑15%. Ainda assim, um elevado índice de desaproveitamento do mais importante factor de produção da economia – o factor trabalho – e um impedimento sério ao acesso ao rendimento nacional. Correlacionado está o salário. O Capítulo III do Título II da Constituição da República de Angola, intitulado “Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais” é omisso quanto ao direito de o trabalhador auferir um salário digno, adequado à sua produtividade e competência, mas igual-mente ajustado à sua dignidade humana. A estrita economicidade da remuneração do traba-lho deve ser caldeada pelo direito à dignidade, de trabalhar e auferir uma justa remuneração.

38 O Índice de Desenvolvimento Humano é o melhor e mais usado indicador de progresso das socie-dades e das economias. Foi pela primeira vez apresentado pelo PNUD em 1980 e desde então todos os anos as Nações Unidas elaboram, apresentam e difundem o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano.39 O IDH é um índice compósito com três dimensões: o PIB por habitante, a esperança média de vida e o índice de educação. A metodologia tem vindo, sucessivamente, a ser aperfeiçoada e o âmbito da sua cobertura também, tornando -o um indicador completo sobre as condições de vida da população.40 PNUD, Relatório do Desenvolvimento Humano 2014.41 Fundo Monetário Internacional, Angola, Temas Seleccionados, Setembro de 2014.42 CEIC / UCAN, Relatório Económico 2014.

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Segundo as Contas Nacionais, em 2012 – o INE ainda não as actualizou para 2013 e 2014 – o salário médio mensal nacional era de 37 000 kwanzas, equivalente à taxa de câmbio desse ano, a cerca de 370 dólares americanos. Evidentemente que não é um salário digno. Acrescem as profundas desigualdades sectoriais e regionais (entre Luanda e o interior distam 15 vezes e entre a extracção de petróleo e a agricultura quase 70 vezes). O Governo tem, na verdade, pro-movido a formação e o aperfeiçoamento técnico e profissional de alguns trabalhadores como meio de se auferirem salários mais elevados, mas o mercado de trabalho ainda se encontra muito desestruturado e a nova Lei Geral do Trabalho vai agravar a capacidade de se encontrar emprego e auferir um salário digno. A conclusão vai também no mesmo sentido das anteriores: o direito fundamental ao emprego e a um salário digno (que não é, evidentemente, o salário mínimo) não tem tido expressão prática na melhoria dos níveis de vida da população.

O Título III – Organização Económica, Financeira e Fiscal, nos seus artigos 89.o (Princípios Fundamentais) e 104.o (Orçamento Geral do Estado) – estabelece como princípios fundamen-tais, entre outros:

1. “A livre iniciativa económica e empresarial, a exercer nos termos da lei”. Esta livre iniciativa pressupõe acesso completo à informação para a tomada de decisão, conheci-mento das oportunidades de negócio que a economia cria (incluindo -se o próprio Esta-do), igual acesso às fontes de financiamento do investimento privado e regulamentação estatal racional (que não induza distorções). Em Angola, o acesso à informação é assi-métrico e o conhecimento das grandes oportunidades de negócio criadas pelo Estado (projectos públicos e fornecimento de bens e serviços) é restrito ao círculo político do partido do Governo. Estas queixas são recorrentes da maior parte dos agentes priva-dos independentes (e provavelmente os mais capazes). Em termos gerais, não existe liberdade económica em Angola, nas balizas estabelecidas na Constituição. O Índice de Liberdade Económica43 – que avalia o grau de liberdade económica de 178 economias, segundo quatro grupos de itens, como o Estado de Direito, a dimensão do Governo, a eficiência ao nível da regulação e a criação de novos negócios – coloca Angola na 158.a posição em 2015, com uma pontuação de 47,9 pontos. Segundo os níveis de liberdade económica estabelecidos pela Economic Freedom of the World, Angola é considerada um país “repressor”, ou seja, o direito a fazerem -se negócios de uma forma livre e trans-parente está fortemente condicionado entre nós. A liberdade económica também pode ser analisada através do Doing Business do Banco Mundial, publicação sistematicamen-te alvo de críticas oficiais, quanto à sua credibilidade, mas de utilização crescente no mundo dos negócios44. E a posição do nosso país tem permanentemente piorado de ano para ano a despeito do Banco Mundial, em dois itens, reconhecer algumas melhorias

43 Elaborado pela Economic Freedom of the World.44 Uma análise detalhada deste índice pode ser encontrada, evidentemente, na publicação original do Banco Mundial, mas também no Relatório Económico 2014 do CEIC / UCAN.

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ao longo do tempo. Em 2015, Angola ocupa a 181.a posição, entre 189 países, o que significa considerá ‑la como uma economia que não favorece a liberdade de se fazerem negócios.

2. “A execução do Orçamento Geral do Estado obedece aos princípios da transparência e boa governação e é fiscalizada pela Assembleia Nacional e pelo Tribunal de Contas, em condições definidas por lei”. Os cidadãos e as empresas são quem paga os im-postos ao Estado e por isso têm o direito de exigir o que o artigo 104.o estabelece em matéria de transparência, boa governação e fiscalização. Os impostos equivalem a re-cursos financeiros que a sociedade subtrai aos seus rendimentos (famílias e empresas) e entrega ao Estado/Governo na presunção de uma correcta utilização em benefício da sociedade e da economia. Assim sendo, é um direito fundamental o de os cidadãos exi-girem e o Estado/Governo cumprir a boa governação e a transparência. O que se passa, então, de concreto nestes itens? O Índice de Boa Governação em África – vulgarmente conhecido como Índice Mo Ibrahim – posiciona Angola na 44.a posição em 2014, entre 52 países africanos e com uma pontuação de tão -somente 40,9 (para um total de 100 pontos). O significado prático deste indicador é o de que o dinheiro que os cidadãos entregam ao Estado a título de impostos e outros tributos não é bem governado, per-dendo, portanto, a sociedade a oportunidade de melhor o gerir se não fosse obrigada a entregá ‑lo ao Estado. Quanto à transparência, os cidadãos, pela Constituição, têm o direito de saber para que finalidades o Estado usa o seu dinheiro, de uma forma limpa, sem corrupção. E a verificação deste direito fundamental da nossa Constituição não se esgota nas eventuais formas de participação na elaboração do Orçamento Geral do Estado ou na obtenção de informações, mais ou menos detalhadas, quanto às opções que daí constam. A Transparência Internacional – uma organização mundial que se des-taca na apresentação de casos de corrupção e de falta de transparência de todos os países do mundo – coloca o nosso país nas posições inferiores da sua escala de valores. Também neste caso são formuladas diversas críticas quanto à forma como o indicador é construído, mas o Índice de Percepção da Corrupção continua a ser a única medida utilizada pela maior parte das organizações do Estado ou da sociedade civil para se avaliar o grau de transparência dos Governos, em especial, na utilização dos seus re-cursos financeiros. A posição de Angola, em 2014, foi a 161.a, num total de 175 países. Em matéria específica de transparência orçamental, medida pelo Índice Open Budget Index45, Angola é igualmente considerada um país opaco. Na verdade, a sua pontuação em 2012 foi de 28 pontos (num total de 100) e 26 pontos em 2015. Significam estas clas-sificações que o nosso país tem uma transparência orçamental insuficiente e mínima, em qualquer dos anos.

45 Elaborado pela International Budget Partnership; Angola faz parte deste índice desde 2006, ano em que a sua pontuação foi de apenas 4 (equivalente a “nenhuma transparência orçamental”).

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Fica ‑se, portanto, com a certeza de que não é apenas na garantia do direito de manifestação que o nosso país é deficitário. No campo dos direitos humanos económicos e sociais há igual-mente muito a fazer para que o país melhore, substancial e sustentadamente, a sua imagem de credibilidade.

1.7 A questão da justiça social

O espaço público é também o espaço de negociação da justiça social que ganha maior relevo numa situação de crise. Neste sentido, o Titular do Poder Executivo procurou dar ga-rantias em relação à política de combate à pobreza e à política laboral e salarial. Prometeu promover “uma política laboral e remuneratória objectiva” e combater a pobreza através de “um rendimento digno”, de preferência na área da produção. As medidas de contensão da crise, através de “maior racionalidade nas despesas”, não são convergentes neste senti-do e seguramente vão dificultar as políticas públicas de redistribuição da riqueza, quer pela via fiscal, quer pela política de segurança social e de despesas sociais. O congelamento do recrutamento e dos salários na Função Pública serviu de padrão de comportamento para os demais empregadores. O movimento reivindicativo e protestador encontrou nessas medidas razões suficientes para a contestação e paralisação do trabalho. O salário, sendo apenas, na maioria dos casos, um salário directo, não foi ajustado nem ao nível da inflação prevista, que foi inferior à inflação real, o que se traduziu num agravamento das condições de vida das populações, em geral e das famílias, em particular. Estas foram obrigadas a recorrer a outras formas de proventos, também porque houve congelamento de obras e acções de melhoria e alargamento da rede de serviços sociais. Houve, por retracção do capital, tendência para uma menor valorização do trabalho e uma maior redução da já diminuta contribuição social das empresas.

Embora o Presidente da República tenha afirmado que malgrado o adiamento de projectos o controlo das despesas do Estado, a disciplina e parcimónia na gestão orçamental e financeira, “a política de combate à pobreza não seria alterada”, as dificuldades económicas conhecidas estão a ter efeitos duradoiros no domínio social. Tanto assim é que algumas das medidas que foram gizadas para dar resposta cabal à demanda social, já foram alongadas no tempo, o que se traduziu numa redução objectiva de investimento, como aconteceu com o chamado Plano de Contingência para a Educação, que visava formar 123 000 professores e construir 63 000 salas de aulas, com uma dotação de 1 trilhão de Kz em três anos e passou para cinco ou dez anos. Desta maneira, compromete -se também o sonho de elevar o país ao Grupo de Países de Desenvolvimento Humano Elevado nas duas próximas décadas.

O mesmo deverá acontecer com o conjunto de acções com incidência social previstas no Plano Nacional de Desenvolvimento 2013 -2017, como são os casos das águas e da energia, onde se pretendia atingir 5000 megawatts de potência instalada e ampliar a rede de distribui-ção, de maneira a fazer chegar electricidade às empresas e às famílias de maneira a libertá -las

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da economia do gerador. O Programa Água para Todos não tendo sido cumprido até 2012, está longe de atingir o objectivo de fornecer água potável às populações urbanas em 100% e rurais em 80%, como estava previsto, e não vai muito provavelmente conseguir atingir a cifra de 65%, que é agora a nova meta do Executivo.

As privações alimentares, em água e outros, impedem os cidadãos de terem uma vida que não seja a da luta pela sobrevivência e impedem a sua participação num espaço público, mes-mo que local. A seca e a fome no Sul do país, devido à longa estiagem, segundo várias fontes, resultaram na existência de fome nas províncias mais atingidas, onde “as crianças apresenta-ram sinais de desnutrição”. Estas privações extremas ocorreram quando Angola, bem como boa parte dos Estados ‑membros das Nações Unidas, ratificaram a “Carta de Milão”, instrumento de compromisso internacional que insta os Estados signatários a desenvolverem esforços para a erradicação da fome no mundo até 2030.

O país tem um longo percurso a fazer para montar todos os mecanismos de segurança e de apoio às populações. Estima ‑se que no país ainda existam cerca de 3,2 milhões de pessoas a passarem fome. Ou seja, 14% dos angolanos ainda têm difícil acesso a alimentos. Para além do problema da seca, no Sul, outras regiões, com maior incidência para o Centro, apresentaram casos de malnutrição em crianças e adolescentes, sendo esta a razão da prevalência de muitas doenças e de um número preocupante de casos de morte.

Uma política de justiça social implica ter ‑se em conta a dignidade humana e saber ‑se qual deve ser o rendimento médio que lhe é compatível. De acordo com o IBEP 2008/2009, são consideradas duas linhas: uma, a da pobreza extrema, equivalente a menos de 1,25 dólares por dia, e outra de menos de 2 dólares por dia, para uma dimensão de pobreza geral. Dentro deste último limiar parece sobreviver quase 60% da população. Em função do custo de vida actual, admita -se uma linha de dignidade humana de 5 dólares por dia46 como o mínimo dos mínimos para se acomodarem condições beneméritas de vida. Neste caso o Total Poverty Gap em An-gola, tomando como referência dois dólares por dia, é de 7,17 mil milhões de dólares. O Total Poverty Gap é uma medida de desigualdade de rendimento e tem como objectivo o de estimar o montante de investimento necessário para se retirar da pobreza uma quantidade relevante de população.

Rareiam estudos sobre a distribuição do rendimento em África, embora se continue com a sensação de que os seus países, em particular os economicamente mais representativos, são dos mais desiguais. Sobretudo os que assentam as suas estratégias de crescimento nos sectores de enclave e que praticam um modelo de repartição rentista, com uma elite privilegiada a ace-der aos rendimentos procedentes da exploração dos recursos naturais não renováveis.

46 Basta visitar os mercados da periferia das grandes cidades para perceber que os preços dos pro-dutos, essenciais e não essenciais, são muito elevados, seguramente incompatíveis com este rendi-mento de sobrevivência.

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Cassandro Mendes47 e Olugbenga Adesida elaboraram um estudo aplicado a 43 países da África Subsariana, num período de 20 anos (1980 -2000), para descobrirem se a Curva de Kuznets tem validade empírica48. A conclusão geral é a de que mesmo nas economias africa-nas da África Subsariana mais desenvolvidas a desigualdade tem aumentado à medida que o rendimento médio por habitante aumenta, ou seja, o crescimento económico não tem sido um factor de diminuição das desigualdades económicas e sociais entre a população. Estes autores determinaram que o turning point (nível de rendimento médio por habitante a partir do qual passa a existir uma relação amigável entre crescimento económico e melhoria significativa e sustentável das condições de vida dos cidadãos) se situa entre 13 000 e 14 000 dólares.

Esta conclusão é muito relevante para Angola:

1. O PIB por habitante em 2013 foi de 6527,5 dólares49; 7472,5 dólares menos do que o limite superior do intervalo anterior.

2. Para se atingir o turning point teria de se incrementar substancialmente a taxa de cres-cimento do PIB – de acordo com as últimas previsões do FMI, a taxa média anual de crescimento do PIB poderá ser da ordem dos 5,5% até 2019.

3. A uma taxa de variação do PIB por habitante de 2,2% (admitindo ‑se uma taxa de cres-cimento médio do PIB de 5,5%50 e de variação demográfica de 3,2% ao ano51) serão necessários 35 anos para se encontrar o ponto de ruptura da excessiva concentração do rendimento no país.

Naturalmente que se trata de projecções lineares (tudo o resto permanecendo constante), mas este tipo de exercício tem a enorme vantagem de pôr a descoberto a amplitude dos fenó-menos e de identificar a verdadeira natureza dos problemas. O aumento do PIB por habitante depende directamente da quantidade de crescimento económico conseguida e do controlo/estímulo da natalidade, parcialmente controláveis em alguns dos seus aspectos e fundamentos. Mas a sua distribuição pode ser negativamente influenciada pelas falhas de mercado (reparti-ção primária do rendimento base) e pelo modelo existente, quando privilegia a classe política e empresarial dominante. Nestas circunstâncias e no caso de Angola, se não forem 35 anos (e seguramente em termos reais não o serão) poderão ser 20 anos, se entretanto forem acorda-das cedências significativas na diminuição dos excessos de concentração do rendimento e da riqueza.

47 Professor da Escola de Negócios e Governança da Universidade de Cabo Verde.48 Mendes, Cassandro e Olugbenga Adesida, Income Inequality and Economic Development: Evidence from Sub ‑Saharan African Countries, Economics Bulletin, Volume 33, Issue 2, June 2013.49 CEIC / UCAN, Relatório Económico 2014.50 IMF, World Economic Outlook, April 2014, Angola – Second Post ‑Program Monitoring, March 2014.51 INE, Projecção da População 2009 ‑2015.

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A dúvida está em saber se a classe política em exercício do poder está, de facto, interessada em ceder privilégios e alterar os mecanismos estabelecidos que enviesam e dificultam um acesso mais generalizado e equitativo ao rendimento nacional.

As políticas relacionadas com a distribuição secundária do rendimento – após a incidência dos impostos e das transferências para as famílias – costumam ser um instrumento para se corrigirem as assimetrias que os mecanismos de mercado e o rent -seeking introduzem no pro-cesso de repartição primária do rendimento. O Executivo e o partido de poder acolhem estas medidas correctivas52. No entanto, perante um clima de corrupção generalizada e endémica e de forte tráfico de influências, estas medidas de carácter administrativo acabarão por ter um impacto menor do que o teoricamente reconhecido e o politicamente desejado. Nestas sociedades – com instituições ainda por fazer e politicamente muito influenciáveis – medidas de natureza administrativa, ou seja, tendo na sua base a intervenção directa dos organismos do Estado, geram sempre oportunidades de ganhos marginais para os agentes públicos, em prejuízo das famílias mais carenciadas. Algumas evidências empíricas apontam para uma per-da entre 25% e 30% do montante global das transferências para a população inscrita nos Orça‑mentos de Estado.

Com menos crescimento económico até 2019, diminuição de recursos financeiros do Estado e de divisas na economia, a criação de emprego não vai acontecer nas proporções necessárias. Até porque crescimento e criação de emprego nem sempre são parte de um binómio comple-tamente compatível. Especialmente quando o país se debate também com um sério problema de competitividade, cuja mitigação pode ter de passar pela redução de emprego e salários. É por isto que aspectos como a descentralização administrativa, a criação das autarquias e o verdadeiro exercício da democracia, tal como contemplado na Constituição da República de Angola, se afiguram determinantes para o processo de repartição dos rendimentos e da riqueza no país.

A questão das terras e a problemática da sua expropriação constante das populações a fa-vor de latifúndios, muitas das vezes improdutivos, tem também uma grande relevância para a realização da justiça social. Segundo a investigação em curso do jornalista Rafael Marques, há dezenas de situações irregulares de expropriação de terras por parte de dirigentes que conser-vam em seu poder uma grande parte das terras improdutivas, ao mesmo tempo que os campo-neses continuam com sérias dificuldades na obtenção de um título de posse53, embora o FED da União Europeia tenha disponibilizado 20 milhões de euros para financiar o desenvolvimento da agricultura familiar e o combate à fome, no Sul do país.

52 Vide Plano Nacional de Desenvolvimento 2013 ‑2017, pp. 67 e 68, e Programa de Governação para 2013 ‑2017, pp. 79 e 80.53 Como relata Paulo Filipe, técnico com ampla experiência em extensão rural, na sua obra Nós e a Terra, lançada no mercado este ano.

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1.8 Espaço público, sociedade civil e questão autárquica

A liberdade também é medida pelo modo de funcionamento do espaço público, pela possi-bilidade de os direitos fundamentais se transformarem em liberdades públicas. Acontece que no sentido de uma maior hegemonia do poder sobre o espaço público, desde há muito se vem procurando controlar as Organizações da Sociedade Civil. Vários foram os episódios de coerção e cerceamento de liberdades e direitos, contra a autonomia dessas organizações, na convicção de que as ONG (Organizações Não ‑Governamentais) constituindo o terceiro sector, deviam ter um papel complementar da acção do Executivo, sem exercer papel crítico.

Actualmente, as Organizações da Sociedade Civil (OSC) procuram reverter a regulamentação constante do Decreto Presidencial n.o 74/15, de 23 de Março54, que é o mais recente instrumento de controlo das ONG. Este Decreto Presidencial adopta uma série de mecanismos que tornam praticamente impossível o trabalho independente e imparcial das ONG, agora obrigadas a uma inscrição/registo junto do Governo, podendo este ser tacitamente indeferido em caso de incon-formidade documental, o que quer dizer que a criação de uma ONG passa agora a depender, em última instância, da vontade administrativa do Governo. No caso das ONG estrangeiras, são obrigadas a uma inscrição no Ministério das Relações Exteriores e no recém ‑criado Instituto de Promoção e Coordenação de Ajudas às Comunidades (IPROCAC). Mas o “nó górdio” do contro-lo destas organizações está não apenas na supervisão da tutela de mérito, mas sobretudo na obrigação do estabelecimento de um acordo financeiro com as autoridades que vai permitir o Executivo controlar o seu financiamento. Este Decreto Presidencial, ao perdurar, acaba com a independência das ONG, atentando contra a liberdade de associação, de expressão e demais direitos fundamentais.

Os observadores chamam a atenção para o facto de diploma semelhante ter sido produzido em 2012 por Putin, na Rússia. Ora, o Estado de Direito e Democrático não pode existir senão com o estrito cumprimento da Constituição e dos direitos, liberdades e garantias consagrados.

Em relação à descentralização político ‑administrativa e a consequente criação do poder autárquico, o país continua a não dar passos concretos, por obstrução clara do poder. O Presi-dente da República, no seu Discurso sobre o Estado da Nação (de Outubro de 2014), disse não haver condições de realização das eleições autárquicas nos anos subsequentes, sob pena de se comprometer à realização das Eleições Gerais em 2017, para as quais havia ainda um conjun-to de tarefas a realizar, nomeadamente em relação ao registo eleitoral. Logo a seguir, no seu Discurso de Fim ‑de ‑Ano, recolocou a questão autárquica na agenda política nacional ao indicar que a Assembleia Nacional deveria colocar na sua Agenda de Trabalho o processo de ausculta-ção e discussão de todos os assuntos relativos à preparação das condições para a realização das Eleições Autárquicas. Na sequência, houve declarações convergentes do líder parlamentar da maioria, do Ministro da Administração do Território e do Vice ‑Presidente do partido do poder,

54 O Decreto Presidencial n.o 74/15, de 23 de Março, entrou em vigor no mês de Abril.

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o que configurava um novo quadro. Estes dados indiciavam uma tendência para que as Eleições Autárquicas pudessem ser realizadas após as Eleições Gerais em 2017, ou em seu lugar, já que estas pareciam continuar envoltas em sombras. Desde logo com a nova proposta de Lei do Re-gisto Eleitoral, que pôs em evidência posições antagónicas entre o Ministério da Administração do Território e os deputados da oposição parlamentar, pois ao chamar a si a tarefa de realizar o registo oficioso por considerar um acto pré ‑eleitoral, considerando ‑o fora das competências da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), a oposição vê nisso um indício de falta de transferência e tentativa de controlo do processo eleitoral pelo Executivo. Defende, por isso, que essa tarefa deve ser realizada pela CNE, porque é um dispositivo que cria as condições preparatórias para o pleito eleitoral.

Facto político de relevo no funcionamento do espaço público em 2015 foi a aprovação da Lei do Registo Eleitoral, eufemisticamente chamada “Lei do Registo Oficioso” pelo grupo parlamentar do partido do poder e sem a participação da oposição, que em bloco recusou o texto.

O poder considera vital para a sua reprodução e manutenção da actual correlação de forças dominar o processo eleitoral e, nomeadamente, a sua preparação, por isso, depois de vários consensos obtidos ao longo de várias semanas na Comissão Especializada Permanente (Comis-são de Assuntos Constitucionais e Jurídicos) desconsiderou ‑os e insistiu na flagrante inconsti-tucionalidade de atribuir a tarefa do registo ao Ministério da Administração do Território (MAT) quando a Constituição diz que “os processos eleitorais são organizados por órgãos de adminis-tração eleitoral independentes” (artigo 107.o da CRA). E, enquanto a comunicação social oficial, revertendo os factos, dava a entender que a oposição não tinha honrado os seus compromis-sos, apesar da boa vontade do partido do poder, esta anunciava acções políticas de controlo estrito da presente lei, no sentido de evitar uma nova fraude em 2017. As forças políticas dão então grande importância ao “próximo desafio eleitoral nacional, mas também na implemen-tação dos postulados constitucionais sobre as autarquias locais (artigo 213.o a 222.o e 242.o, da CRA), tanto que as três principais forças de oposição parlamentar colocaram no centro da sua acção, na Assembleia Nacional, o pacote legislativo das autarquias locais, na convicção de que “Angola não pode esperar muito tempo mais pelas autarquias e negá -las ao nosso povo é um verdadeiro crime”55.

As forças políticas da oposição procuram ter uma existência real no espaço público, afir-mando o seu espaço e pressionando o poder a respeitar o contrato social e as liberdades consa-gradas na Constituição. Para aumentarem as suas possibilidades, juntaram esforços e apresen-taram reivindicações convergentes. Neste sentido, realizaram este ano as Primeiras Jornadas Parlamentares Conjuntas, que marcaram uma ampla convergência das oposições políticas ao regime (parlamentares e não -parlamentares). Este acto quase inédito deixou o registo de que

55 Raúl Danda, Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA.

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a oposição pode convergir em matérias fundamentais como a fiscalização do exercício do Go-verno, a luta pela abertura política e o estreitamento da sua relação com a sociedade civil. Nessa ocasião, os líderes da oposição convergiram em princípios e directrizes do programa do ano político da nova legislatura com o desafio aos deputados a darem início a um processo de responsabilização politica dentro dos procedimentos parlamentares de José Eduardo dos Santos por uma gestão danosa na governação do país. Foi mesmo aventada a hipótese de se constituírem condições legais para também se intentar um processo de responsabilização crimi-nal por “crimes de suborno, peculato e corrupção”, destacando a “má gestão do erário público, os escândalos do BESA (Banco Espírito Santo Angola), o secretismo à volta dos acordos com a China e os efeitos danosos de uma Lei Geral do Trabalho concebida para defender o patronato e os interesses oligárquicos no país.

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2. POPULAÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E POBREZA

2.1 Introdução

De acordo com a análise elaborada no Relatório Social, justamente na Introdução deste capítulo sobre a função social e económica da população enquanto sujeito e objecto do crescimento, verificou ‑se em 2015 uma deterioração significativa da sua condição de finali-dade do crescimento. Quais as razões? O crescimento do PIB foi pífio (2,8% quase que nem cobre o crescimento populacional de 2,70% e muito menos garante a renovação do stock de capital fixo da economia), a taxa de desemprego manteve ‑se no intervalo 20% ‑24% (ver Relatório Económico 2015, capítulo 8, parágrafo 8.2), o rendimento médio por habitante (em USD e em Kz) diminuiu consideravelmente, interrompendo uma sequência temporal positiva, o poder de compra dos rendimentos do trabalho sofreu desvalorizações significati-vas pela taxa de inflação e pela taxa de câmbio da moeda nacional, a prestação de cuidados de saúde e de saneamento deteriorou -se consideravelmente, o Índice de Desenvolvimento Humano teima em não permitir que o país ultrapasse o Grupo de Desenvolvimento Humano Baixo e a desigualdade de rendimento, educação e saúde pioraram. As verdadeiras causas da derrocada económica e financeira vão ter de ser objecto de investigação social e política profunda, porquanto não se esgotam na queda do preço do barril de petróleo depois de Junho de 2014.

2.2 População

Já no Relatório Social 2014 se tinha referido o Censo Geral da População e Habitação realizado em 2014, nomeadamente a sua importância para as Políticas Sociais e de Integração Regional e igualmente para a pesquisa e investigação. Fica ‑se agora a saber não apenas quan-tos somos na realidade, mas, do mesmo modo, quantas pessoas se acrescentam anualmen-te ao volume de população, colocando ‑se em decorrência desafios relacionados com a sua integração no mercado de trabalho, a melhoria das suas condições de vida, como educá -las e tratar da sua saúde e como garantir níveis de bem ‑estar compatíveis com a sua condição humana.

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De acordo com os dados demográficos do INE, anualmente quase 700 000 pessoas passa-rão a conviver com quem já cá está, a desafiar os sistemas sociais e económicos existentes, a pressionar a quantidade e qualidade dos serviços de saneamento básico, a disputar o mercado de trabalho e a competir no mundo dos negócios. Para além das contagens que oferecem, os recenseamentos demográficos também servem para que quem governa e administra o país e a coisa pública possa elencar políticas defensivas e pró ‑activas (estratégicas e prescientes) essenciais para colocar as pessoas no centro da política e da economia, afinal, no centro da sociedade.

Destes 700 000 novos cidadãos, quantos serão apanhados pela teia da pobreza? Será que se pode falar de uma “pobreza hereditária”? Quem nasce no seio de famílias pobres, continuará a sê ‑lo? É verdade que a História mundial está recheada de casos demonstrativos de sucesso emergido de comunidades familiares pobres. No entanto, são minoritários, valendo como regra que os mecanismos do Capitalismo – de onde sobressaem valores tremendamente individualis-tas e egoístas – acabam por reservar sempre muitos lugares aos pobres. Não é ingénuo o con-teúdo deste parágrafo, na medida em que o Governo e a Administração em Angola têm agora uma responsabilidade acrescida na montagem de esquemas e estratégias tendentes a evitar que um só angolano, desta nova fornalha anual, venha a ser pobre no futuro. Se a democracia valesse – promessas não as levam os ventos – isto até poderia ser a bandeira de um qualquer (partido ou) político: depois de 2017, nenhum angolano dos novos 700 000 será pobre. Acaba-ria por ser o mote de um bom Programa Eleitoral, pois a “promessa” comporta Políticas Educa-tivas, de Saúde e de Rendimentos e Preços.

Com os censos demográficos não mais se pode argumentar que não se sabia o real quan-titativo de habitantes para justificar o fracasso – infelizmente em Angola, useiro e vezeiro em domínios como a saúde e o saneamento básico – das deficientes leituras da realidade e da tomada de decisões mais defensoras de interesses individuais e muito marginalizantes do in-teresse colectivo. O problema demográfico e do crescimento da população não é apenas uma questão de números. É essencialmente um problema de bem -estar (human welfare) e de de-senvolvimento. Um crescimento populacional muito rápido (a taxa de 2,70% do Censo 2014 pode ser considerada relativamente elevada para os padrões médios internacionais, normal para as médias africanas e talvez desejável se estiver em causa a reposição de equilíbrios demo-gráficos fundamentais alterados durante 27 anos de guerra civil) pode ter sérias consequências sobre o bem -estar da população. Esta dúvida (dilema mesmo: crescer muito ou pouco?) deixa de ser tão determinante se o crescimento económico engendrar desenvolvimento (o aumento do PIB também se faz à conta do incremento do emprego e não apenas da produtividade), isto é, melhorias nos rendimentos das pessoas, nos sistemas de provisão de saúde, educação e sa-neamento, na sua auto ‑estima (cidadania, democracia, segurança, transparência e dignidade) e no orgulho de se pertencer à Nação.

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Um exercício demográfico desafiante e interessante para os poderes políticos e governa-tivos do país: qual a taxa de crescimento da população até 2030 compatível com a melhoria substancial do seu nível de vida56? Não é difícil de resolver, desde que as premissas, hipóteses de trabalho e pressupostos forem compatíveis com a realidade nacional. De quantos anos o país necessita para repor os equilíbrios demográficos perdidos? Qual a taxa de crescimento do PIB potencial perdida a alavanca do petróleo caro? Em que fase demográfica se encontra a população angolana57? O crescimento da população tem condicionantes políticas, económicas, culturais e religiosas. Combiná ‑las nos respectivos aspectos positivos não é tarefa acessível: a economia pode ser resiliente a taxas demográficas elevadas por razões de produtividade do factor trabalho, mas apenas dentro de certos intervalos, porquanto o crescimento da popula-ção pode tornar mais abundante este factor de produção, reduzindo -se os inerentes custos de contratação. A política pode conviver bem com taxas demográficas elevadas, particularmente quando se convertem em eleitorado. Via de regra, as religiões coabitam deficientemente com políticas e processos de controlo do aumento da população, sobretudo em situações de incenti-vos ou facilitação da contracepção. A cultura relaciona -se bem com as dinâmicas populacionais nos casos em que sobressaiam valores tradicionais ligados à família alargada e ao valor econó-mico dos descendentes.

Mas todas estas relações de convergência/divergência podem ser discutidas e tratadas a partir da existência das estatísticas demográficas. O Censo Populacional de 2014 deve marcar o ponto de partida de uma verdadeira Política Demográfica, baseada nos factos captados nos inquéritos.

Como é consabido, o Censo 2014 aponta para um quantitativo, no final desse ano, de 25 789 023 habitantes, com algumas características interessantes:

1. 13 289 983 habitantes são mulheres, a que corresponde uma taxa de feminilidade de 106 mulheres para cada 100 homens.

56 Problema equivalente pode ser definido da seguinte forma: – “Qual a taxa de crescimento demo-gráfico necessária para se reduzirem as discrepâncias provinciais nos índices de concentração da população?” A título exemplificativo: entre a densidade demográfica de Luanda (a mais elevada) e da província do Cuando Cubango (a mais baixa) medeia uma diferença de 1723 vezes; em termos per-centuais, de 172 231%! Se for verdade que o crescimento económico e a actividade produtiva acom-panham a população (a História Económica está recheada de casos ilustrativos desta correlação), então as assimetrias regionais não se mitigarão (pelo contrário, agravar -se -ão), mesmo na presença de políticas públicas incentivadoras da deslocalização produtiva.57 Os demógrafos apontam três: a Fase do Crescimento Lento – que se prolonga por muito tempo e é abandonada quando o crescimento do PIB se torna significativo (taxas de natalidade e mortalidade elevadas e saldo demográfico reduzido); a Fase do Crescimento Exponencial (taxa de crescimento populacional bem acima da do PIB médio; e a fase em que as condições de vida melhoram significa-tivamente, a taxa de natalidade é elevada e a taxa de mortalidade reduz -se drasticamente). Depois, a Fase do Crescimento Demográfico Lento, em que as preferências individuais da população se sobre-levam às de natureza colectiva, o lazer passa a valer mais do que o trabalho e aparecem novas neces-sidades individuais ligadas à cultura, à ciência, à investigação.

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2. Uma taxa de actividade de 50,3% (proporção da população com 15 ‑64 anos – população economicamente activa – na população total).

3. Uma elevada proporção de população jovem: 65% entre 0 -24 anos.

4. 47,2% da população é muito jovem, entre 0 ‑14 anos, colocando desafios importantes quanto à sua formação básica.

5. A taxa de fecundidade é de 5,7 nascimentos para cada mulher em idade de procriação. Este valor garante – provavelmente até em excesso – a estabilidade da reprodução da população. Recorde ‑se que em praticamente toda a Europa esta taxa situa ‑se abaixo de 2,1 o mínimo vital para que a população mantenha o seu quantitativo, sem crescer ou diminuir58.

6. 71% da população tem o português como a língua mais falada, seguida do umbundu, com 23%.

7. A taxa de crescimento natural da população está estimada em 2,70% por ano.

8. 75% da população dos 0 -4 anos não tem registo civil, uma violação de princípios básicos de cidadania e um handicap para a programação da escolarização pré -primária.

9. A taxa de alfabetização dos adultos é de 66%, mas de apenas 41% no mundo rural.

10. A taxa global de emprego era de apenas 40% e de 34,1% para as mulheres.

11. A taxa global de desemprego foi estimada em 24%, com praticamente uma igualdade entre homens e mulheres.

12. 40,1% de estrangeiros residentes no país estão em Luanda. Quase ¾ desta cifra está nas províncias petrolíferas de Cabinda e do Zaire (28%). Foram recenseados 586 480 residentes estrangeiros.

13. 41% de angolanos professava a religião católica e 38% a protestante, ou seja, quase 80% da população em Angola é cristã.

14. Apenas 17% dos agregados familiares são abastecidos de água directamente da rede pública.

15. Os Resultados Definitivos do Censo Geral da População de 2014 mostram que nas áreas rurais viviam somente 37,4% dos angolanos, significando que a taxa de urbanização do país é de 62,6%, originando dois problemas sérios: a desertificação da agricultura e das zonas interiores do país e a pressão sobre os equipamentos sociais nas cidades. Evidentemente que é uma tendência natural da distribuição espacial da população his-toricamente observável no mundo, mas que no país não respeita as leis demográficas

58 Em alguns países do Norte da Europa esta taxa está abaixo da unidade, provocando declínio demo-gráfico.

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de relacionação do fenómeno com o crescimento e desenvolvimento económicos. Este êxodo rural estruturou ‑se com os efeitos de uma guerra civil prolongada e acentuou ‑se com a concentração das actividades económicas e produtivas nas principais cidades e no litoral do país. Outro factor explicativo pode ser a ausência/deficiência de equipa-mentos sociais nas províncias do interior, nas áreas da saúde, educação e habitação.

Para efeitos de programação territorial do crescimento económico e do desenvolvimento social, a arrumação dos dados censitários por províncias permite aproximações úteis quanto à possível/provável localização dos sistemas produtivos e da deslocalização das empresas. As economias/ganhos de aglomeração ainda são relevantes em Angola, levando as actividades económicas a escolherem as grandes concentrações urbanas para se instalarem, pois é aí onde está o poder político, a burocracia administrativa, a massa crítica de procura de bens e serviços, a disponibilidade de força de trabalho mais ou menos qualificada e o acesso ao sistema de cré-dito. Podem ser aplicadas medidas de Política Económica visando a desconcentração da activi-dade produtiva, mas muitas vezes os custos associados (normalmente perda de receitas fiscais e aumento de despesas se a prática for a da concessão de subsídios) superam os benefícios obtidos. A Ciência Económica e a História Económica ensinam que nas economias de mercado são os seus mecanismos que acabam por operar as transformações esperadas e desejadas. O que equivale a dizer, neste caso, que as economias de aglomeração tendem a esgotar -se e transformam ‑se em deseconomias, levando as actividades a procurarem novas localizações geográficas.

A distribuição da população recenseada em 2014 por províncias está exposta na tabela que se segue.

DADOS DEFINITIVOS DO CENSO 2014

Província INE Censo 2014 Censo corrigidoDiferenciais corrigidos

Repartição geográfica (%)

Repartição diferenças (%)

Cabinda 688 285 716 075 27 790 2,8 2,0

Zaire 567 225 594 428 27 203 2,3 1,9

Uíge 1 426 354 1 483 118 56 764 5,8 4,0

Luanda 6 542 944 6 945 386 402 442 26,9 28,6

Cuanza Norte 427 971 443 386 15 415 1,7 1,1

Cuanza Sul 1 793 787 1 881 873 88 086 7,3 6,3

Malanje 968 135 986 363 18 228 3,8 1,3

Lunda-Norte 799 950 862 566 62 616 3,3 4,5

Benguela 2 036 662 2 231 385 194 723 8,7 13,9

Huambo 1 896 147 2 019 555 123 408 7,8 8,8

Bié 1 338 923 1 455 255 116 332 5,6 8,3

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Província INE Censo 2014 Censo corrigidoDiferenciais corrigidos

Repartição geográfica (%)

Repartição diferenças (%)

Moxico 727 594 758 568 30 974 2,9 2,2

Cuando Cubango 510 369 534 002 23 633 2,1 1,7

Namibe 471 613 495 326 23 713 1,9 1,7

Huíla 2 354 398 2 497 422 143 024 9,7 10,2

Cunene 965 288 990 087 24 799 3,8 1,8

Lunda-Sul 516 077 537 587 21 510 2,1 1,5

Bengo 351 579 356 641 5062 1,4 0,4

Total 24 383 301 25 789 023 1 405 722 100,0 100,0

FONTE: CEIC, ficheiro Estudos da População, com base no Censo Geral 2014.

Análise:

1. Luanda confirma ‑se como o maior centro populacional de Angola, concentrando quase 27% da população total.

2. Huíla (9,7%), Benguela (8,7%) e Huambo (7,8%) são as províncias que se seguem, com um total conjunto de 26,2% da população total. Admitindo que uma massa crítica de procura interna é necessária para o crescimento económico, então as três províncias indicadas constituem alternativas de instalação das actividades económicas e perfilam‑-se com excelentes condições para a instalação de pólos de desenvolvimento e atrac-ção de investimento privado. Claro que o viés da população é insuficiente para que da análise se retirem conclusões pertinentes – ter ‑se ‑ia de acrescentar o seu valor relativo e absoluto em termos de PIB por habitante (poder de compra provincial). Porém, sem população (sujeito e objecto do funcionamento dos sistemas económicos) não há como encetar a aventura do desenvolvimento.

3. Os dados corrigidos do Censo (valores definitivos) possibilitam interessantes reflexões quanto às alterações introduzidas:

• O quantitativo total de população corrigido (entre os resultados preliminares e os definitivos) foi de 1 405 722 habitantes, ou seja, cerca de 6%, erro aceitável nestas pesadas operações estatísticas. Seria interessante cotejar este diferencial com ope-rações estatísticas semelhantes noutros países. No entanto, pressupõe ‑se que com a realização de outras contagens demográficas a experiência se vá acumulando e se aprimorem as metodologias de recolha da informação.

• Olhando atentamente para os dados corrigidos, parece ser lícito concluir -se que não foram considerados ajustamentos nas informações estatísticas do Censo Preliminar (foram consideradas como boas/aceitáveis), na medida em que em todas as províncias

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as correcções foram para mais. Assim sendo, as correcções ficaram ‑se a dever, na sua totalidade, à consideração de inquéritos esquecidos ou atrasados durante a primeira contagem e não a recontagens/reanálises dos primeiros inquéritos. É discutível que assim se tenha procedido – sobretudo pensando ‑se nas várias críticas quanto ao eventual número de cidadãos que afirmaram não terem sido inquiridos – mas pro-vavelmente os ganhos obtidos através de procedimento contrário seriam marginais, valendo, por consequência, a maior rapidez de disponibilização das informações cen-sitárias.

• As províncias com maior percentagem de ajustamentos são Luanda (28,6%), Benguela (13,9%) e Huíla (10,2%). As mais assertivas são Cuanza Norte (1,1%), Malanje (1,3%) e Bengo (0,4%).

4. Para uma população total de 25 789 023, o INE estima a taxa de crescimento demográfico em 2,70%, corrigindo em 2 pontos percentuais a que era utilizada por algumas organi-zações internacionais (FNUAP/PNUD, OCDE, FMI e Banco Mundial). É uma estatística relevante para estudiosos, investigadores e decisores das Políticas Económicas.

A representação gráfica da distribuição regional da população está patente na figura abaixo.

ESTRUTURA DEMOGRÁFICA PROVINCIAL SEGUNDO O CENSO 2014 (%)

FONTE: CEIC, ficheiro Estudos da População, com base no Censo 2014.

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Agrupando as províncias segundo um critério litoral/interior, a configuração territorial é revelada pelos gráficos que se seguem.

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO EM 2014

FONTE: CEIC, ficheiro Estudos da População, com base no Censo 2014.

Verifica ‑se que as províncias litorâneas e as que lhes são imediatamente adjacentes con-centravam em 2014 61% da população total do país, destacando -se, no entanto, a região litoral Norte -Centro, integrada pelas províncias de Luanda, Cuanza Sul, Bengo e Benguela.

Ainda de um outro ponto de vista, a distribuição espacial da população pode apresentar -se da seguinte forma:

REPARTIÇÃO GEOGRÁFICA DA POPULAÇÃO EM 2014

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

O Corredor do Lobito – zona de influência do Caminho ‑de ‑ferro de Benguela (Benguela, Huambo, Bié e Moxico) na qual se depositam elevadas expectativas económicas, as quais, concretizadas, poderão ter um efeito sinergético (ou mesmo de spillover) importante sobre o crescimento das regiões contíguas, o aumento do rendimento das suas populações e uma contribuição significativa para o processo de diversificação da economia pela relevância detida pela agricultura nesta região – afinal não representa, de acordo com os dados do Censo 2014, mais de 25% da população total, ¾ da qual rural, com rendimentos médios anuais inferiores a USD 1500. A transformação do Corredor do Lobito num grande e verdadeiro pólo de irradiação de efeitos económicos a montante e a jusante apresenta desafios colossais e tem no tempo e na correcta abordagem dos problemas envolvidos a sua pedra de toque. O próprio caminho -de--ferro não está a funcionar duma forma capaz de facilitar as trocas comerciais interprovíncias e a agricultura, sector dominante na actividade económica da zona, enfrenta problemas sérios de funcionamento comuns a todo o país e que podem ser apreciados no Capítulo 4, parágrafo 4.3.1, do Relatório Económico 2015.

Outra perspectiva de análise demográfica facilitada pelo Censo 2014 é a da densidade de-mográfica geográfica da população. Uma matéria relacionada com as economias de aglomera-ção anteriormente analisadas: quanto maior a densidade populacional, maiores as probabilida-des de se gerarem economias de escala (ou poupanças de dimensão de mercado) e igualmente acrescidas as possibilidades de criação de economias externas (numa aproximação conceptual abusiva, economias de clusters), sendo o ponto de acumulação da sua convergência o aumento da actividade económica (produção, emprego e rendimentos).

E as diferenças são, na realidade, abissais. Por exemplo, entre Luanda e Cuando Cubango a diferença é de 1723 vezes (1722,31%), não havendo, consequentemente, dúvidas por parte dos empresários em localizarem as suas actividades em Luanda, onde as economias de aglo-meração ainda compensam. E o êxodo rural tem acentuado estes desvios, ficando por se saber onde está o “rabo” da pescada: – É a falta de actividade produtiva que provoca a emigração da população, ou é esta a base para a emigração das empresas?

ÍNDICES DE CONCENTRAÇÃO DA POPULAÇÃO POR PROVÍNCIA

Província Censo corrigido Área (km2)Densidade populacional

(hab./km2)

Cabinda 716 075 7270 98,5

Zaire 594 428 40 130 14,8

Uíge 1 483 118 58 698 25,3

Luanda 6 945 386 2257 3077,3

Cuanza Norte 443 386 24 110 18,4

Cuanza Sul 1 881 873 55 660 33,8

Malanje 986 363 97 602 10,1

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Província Censo corrigido Área (km2)Densidade populacional

(hab./km2)

Lunda-Norte 862 566 103 000 8,4

Benguela 2 231 385 31 788 70,2

Huambo 2 019 555 34 270 58,9

Bié 1 455 255 70 374 20,7

Moxico 758 568 223 023 3,4

Cuando Cubango 534 002 299 049 1,8

Namibe 495 326 58 137 8,5

Huíla 2 497 422 75 002 33,3

Cunene 990 087 87 342 11,3

Lunda-Sul 537 587 77 637 6,9

Bengo 356 641 33 016 10,8

Total 25 789 023 1 378 365 18,7

1 246 700 20,759

FONTE: INE – Censo Populacional, 2014 e Ministério do Planeamento, Monografia de Angola, 2009.59

Luanda detém o mais elevado índice de concentração da população, com uma densidade média de 3077 habitantes por km2. O colapso nos sistemas de saúde e de saneamento básico em 2015/2016 – no mínimo rupturas incompreensíveis e inadmissíveis num país que reco-lheu, entre 2002 e 2015, 575,4 mil milhões de dólares de receitas de exportações de petróleo, investiu em obras públicas 103,7 mil milhões de dólares e acumulou saldos orçamentais no montante de 28,8 mil milhões de dólares – pode ser o resultado conjugado do excesso de população, de prioridades mal definidas e de corrupção generalizada no uso dos dinheiros públicos.

Benguela e Huambo (70,2 e 58,9 habitantes por km2, respectivamente) são os dois pólos concorrentes de Luanda na captação de actividade privada pelo viés da massa crítica de procura provincial (coeteris paribus). Mas atenção ao Cuanza Sul, com um valor de 33,8 habitantes por km2. O caso de Cabinda pode estar influenciado pela sua reduzida dimensão territorial – ex-ceptuando Luanda, é a província mais pequena do território nacional – e pelos movimentos migratórios de proximidade fronteiriça com o Congo e a RDC.

59 Nos Relatórios do CEIC / UCAN, o Relatório Económico e o Relatório Social, têm sido apontadas lacunas na informação estatística em diferentes domínios. Por exemplo, no caso da tabela anterior (densidades populacionais): a Monografia de Angola, elaborada em 2008 e dada à estampa em 2009, refere uma superfície total do país (pela soma das áreas das províncias) de 1 378 365 km2, quando na verdade é de 1 246 700 km2. Claro que a densidade populacional vem afectada.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

Em conclusão, a densidade demográfica litorânea de Angola é de 56,8 habitantes por km2, o que ajuda a compreender que 62,5% de todo o PIB e a maior parte das oportunidades de emprego tenham origem nestas províncias.

A tabela seguinte apresenta as densidades demográficas por grandes zonas.

ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO POPULACIONAL POR GRANDES ZONAS

População Área (km2) Concentração

Litoral Norte-Centro (Luanda, C. Sul, Bengo, Benguela) 11 415 285 122 721 93,0

Interior Norte-Centro (Uíge, C. Norte, Malanje e Bié) 4 368 122 250 784 17,4

Interior Leste (Lundas, Moxico, Cuando Cubango) 2 692 723 702 709 3,8

Interior Centro-Sul (Huambo, Huíla e Cunene) 5 507 064 196 614 28,0

Litoral Norte (Cabinda e Zaire) 1 310 503 47 400 27,6

Litoral Sul (Namibe) 495 326 58 137 8,5

Angola 25 789 023 1 378 365 18,7

FONTE: INE – Censo Populacional, 2014 e Ministério o Planeamento, Monografia de Angola, 2009.

Verificam ‑se aspectos muito interessantes no contexto geral das assimetrias territoriais em Angola:

1. 44,3% da população ocupa menos de 9% do território nacional, em cinco províncias do litoral.

2. 27,4% da população concentra -se em 69,2% do território, em 8 províncias do interior (Uíge, Cuanza Norte, Malanje, Bié, Lundas, Moxico e Cuando Cubango).

O gráfico de radar seguinte avalia justamente o distanciamento das províncias litorâneas da média nacional (18,7 habitantes por km2).

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2.3 Condições de vida e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

Durante 2015 ocorreu uma deterioração generalizada das condições de vida da população, pelas razões conhecidas, sendo provavelmente difícil a economia repô ‑las nos níveis de 2013 pela mecânica do seu funcionamento, dependente do comportamento do preço do petróleo e do aumento das relações comerciais mundiais. O indicador mais imediato para se avaliarem os níveis de vida – a despeito de todas as reservas colocadas ao seu carácter condensado, que esconde mecanismos e processos de acesso à renda – é o PIB por habitante. Neste indicador não são visíveis as desigualdades económicas e sociais, sendo por isso discutível colar o cresci-mento do PIB à melhoria das condições de vida da população. De resto, conforme sublinhado anteriormente, o PIB aumentou apenas 2,8% em 2015 – o segundo pior registo desde a crise financeira e económica internacional de 2008/2009 – donde um incremento de 0,088% no ren-dimento médio de cada angolano, admitindo ‑se – por redução ao absurdo – um coeficiente de Gini na vizinhança de zero.

VARIAÇÕES NO VALOR NOMINAL DO PIB POR HABITANTE POR EFEITO DO RECENSEAMENTO DA POPULAÇÃO E DA CRISE DO PETRÓLEO

Rubricas 2013 2014 2015

PIB (mil milhões de kwanzas) 12 056,3 12 462,3 11 568,0

População (milhares de habitantes) 25 111,0 25 789,0 26 485,3

PIB por habitante (kwanzas) 480 120 483 241 436 771

PIB (mil milhões de dólares) 124 200,2 129 300,2 102 132,1

PIB por habitante (USD) 4946,0 5014,0 3856,1

FONTE: Relatório de Fundamentação do OGE 2016. Estratégia de Mitigação dos Efeitos da Brusca Redução do Preço de Comercialização do Petróleo Bruto no Mercado Internacional no Âmbito do Plano Nacional de Desenvolvimento 2013‑2017. Linhas Mestras para a Definição de uma Estratégia para a Saída da Crise Derivada da Queda do Preço do Petróleo no Mercado Internacional, Janeiro de 2016. INE – Recenseamento Geral da População e Habitação, 2014. Fundo Monetário Internacional – Angola 2015 Article IV Consultation, Novembro 2015.

Conforme as informações insertas na tabela anterior, em 2015 o PIB por habitante, em va-lores nominais, regrediu:

1. 9,6% em kwanzas correntes. O PIB nominal em kwanzas diminuiu 7,2% o que corrigido do efeito aumento da população (2,70%) perfaz exactamente -9,6%60.

2. Em dólares a situação é semelhante: o PIB nominal diminuiu 21% (diminuição da produ-ção de petróleo, decréscimo do preço do barril de petróleo e desvalorização cambial) e o PIB por habitante 23,1%.

60 Os cálculos são feitos em índices: -7,2% corresponde ao índice 0,928; 2,70% (crescimento da popu-lação) tem como índice 1,0271. Comparando pela operação de divisão os dois índices obtém -se o resultado de 0,904, que, convertido em percentagem, dá -0,0906, ou seja -9,6%.

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Portanto, em 2015 o país ficou mais pobre e a maior parte dos seus cidadãos devem ter ‑se tornado mais pobres ou mais remediados.

O CEIC tem conduzido estudos sistemáticos sobre o PIB por habitante, em especial procu-rando identificar e quantificar o que pode ser distribuído no futuro.

AS TENDÊNCIAS DO PIB POR HABITANTE

FONTE: CEIC, ficheiro Estudos sobre o PIB por Habitante.

A linha tendencial da taxa de variação do PIB por habitante confirma a elevada probabili-dade de, no futuro, se continuar a verificar a degradação das condições de vida da população. Depois de 2016, a variação média anual do PIB por habitante acaba por ser irrisória. Juntando a deficiente repartição da riqueza gerada em cada ano, a fotografia fica completa quanto ao que se pode vir a passar com a população pobre do país.

Daí fazer todo o sentido a pergunta: – O que há efectivamente para distribuir até 2020, admitindo a ultrapassagem do período de acumulação sucessiva de défices fiscais? Recorrendo às previsões sobre o comportamento da economia angolana61, o gráfico seguinte ajuda a com-preender que entre 2016 e 2020 o incremento do PIB por habitante – mesmo que não seja o indicador que melhor expresse progresso e desenvolvimento – conforma as reservas apresen-tadas anteriormente: será de menos de 100 dólares por ano, verificando ‑se uma notável dife-rença entre o período 2004 -2008 e 2016 -2020. Perderam -se muitas oportunidades de melhorar substancialmente a distribuição do rendimento, tornando ‑a mais equitativa e socialmente mais justa.

61 Relatório Económico 2015, capítulo 10, parágrafo 10.2.

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O QUE HÁ PARA DISTRIBUIR ATÉ 2020

FONTE: CEIC, ficheiro Plano Médio Prazo, Cenários de Crescimento.

A tabela abaixo mostra o comportamento anual, entre 2016 e 2020, do valor do PIB por habitante, tendo em atenção as projecções do PIB do CEIC: a média anual de aumento é de 28,3 dólares para cada cidadão. Se as taxas médias de variação anual e real do PIB fossem in-crementadas para uma média anual de, por exemplo, 6,5%, os ganhos de rendimento médio quedar -se -iam em 190 dólares. Portanto marginais, quando o propósito é o de tornar os cida-dãos mais iguais entre si.

INCREMENTOS ANUAIS DO PIB POR HABITANTE (USD)

2016 2017 2018 2019 2020

Incremento anual do PIB por habitante (USD) -155,1 -3,9 305,0 -30,1 25,2

Incremento médio anual do PIB por habitante (USD) 0,0 -79,5 48,7 29,0 28,2

FONTE: CEIC, ficheiro Plano Médio Prazo, Cenários de Crescimento.

O Índice de Desenvolvimento Humano é hoje o indicador mais relevante para a análise das condições de vida da população e para o cálculo duma medida que permita compreender quanto de crescimento económico se transforma em desenvolvimento.

Seguramente que a situação social é hoje bem melhor que em 2002 (a economia e a socie-dade são sistemas dotados de “vida” própria e de dinâmicas evolutivas para além das políticas

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públicas e por isso depois da paz eram expectáveis ajustamentos estruturais a uma situação de paz, onde as iniciativas individuais e colectivas ganharam um novo espaço de afirmação), sendo a evolução do IDH uma boa aproximação à medida dessas transformações. Porém, entre 2010 e 2014, de acordo com o Human Development Report do PNUD de 2015, a taxa média anual de variação do IDH de Angola ficou ‑se em 1,1%, bastante aquém do crescimento do PIB no mesmo período (4,3%), uma prova mais de que o crescimento se não transformou em desenvolvimento.

EVOLUÇÃO COMPARADA DO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

2010 2011 2012 2013 2014 2000/2010 2010/2014

ANGOLA 0,509 0,521 0,524 0,530 0,532 2,70% 1,11%

África Subsariana 0,499 0,505 0,510 0,514 0,518 1,68% 0,94%

Grupo IDH Médio 0,611 0,619 0,623 0,627 0,630 1,29% 0,78%

FONTE: Human Development Report, UNDP 2015.

À cadência de 1,11% Angola necessitará de 15 anos (14,6 anos em termos rigorosos do cálculo pela via logarítmica) para atingir o valor médio do Grupo de Países de Desenvolvimento Humano Médio, admitindo um crescimento nulo no valor do seu IDH.

Notas suscitadas pela leitura da tabela:

1. Os efeitos da crise económica mundial (2008/2009) – que de acordo com pontos de vista dos mais credenciados economistas ainda não foram totalmente absorvidos pelas diferentes economias do mapa -mundo – podem ter afectado o ritmo de obtenção de ganhos na valorização das condições de vida dos países e espaços económicos constan-tes da tabela anterior. Esta conclusão é permitida pela comparação entre a taxa média de 2000/2010 e a de 2010/2014.

2. Angola patenteia um IDH superior ao da África Subsariana.

Transcreve -se do Relatório Social de 2014 uma pertinente apreciação do Fundo Monetário Internacional quanto à capacidade de transformação do crescimento em desenvolvimento:

“O Fundo Monetário Internacional é explicitamente crítico quanto às oportunidades que o país tem perdido em transformar o crescimento em desenvolvimento. No seu Relatório “Angola - Temas Seleccionados”, Relatório n.o 14/275P, de Setembro de 2014, apresenta as considera-ções seguintes:

1. “Uma das características dos países ricos em recursos é a de que o PIB per capita não é, frequentemente, representativo dos padrões de vida da população.” (p. 27)

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2. “É necessário alcançar uma elevada taxa de crescimento do Rendimento Nacional Bruto per capita, embora não seja suficiente para a redução da pobreza e o desenvolvimento.” (p. 28)

3. “Com base na relação de rendimento e não -rendimento do IDH seria de esperar que Angola tivesse um valor para a dimensão de não -rendimento do IDH de 0,67; porém, o seu valor actual é de 0,48, equivalente a um desnível de 40%.” (p. 28)

Ou seja, há um problema sério de equidade na repartição do Rendimento Nacional e de excesso de concentração da riqueza, cuja solução não está – isso já se sabia - no simples cresci-mento da actividade económica.

Mas a análise do IDH tem outras vertentes, mais concretas e elucidativas das condições de vida dos angolanos.

A DESIGUALDADE VISTA ATRAVÉS DO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

IDHIDH ajustamento à desigualdade

Perda (%)Coeficiente desigualdade

humanaDesigualdade

rendimento (%)

ANGOLA 0,532 0,335 37,0 36,5 28,9

África Subsariana 0,518 0,345 33,4 33,1 27,5

Grupo IDH Médio 0,630 0,468 25,7 25,5 19,8

NOTA: As definições destes indicadores encontram-se nos Relatórios sobre Desenvolvimento Humano.

FONTE: Human Development Report, UNDP 2015.

Conclusão geral: Angola é um país onde predomina a desigualdade humana, expressa por intermédio de vários indicadores:

1. No ranking de rendimento do Human Development Report o país ocupa a 119.a posição entre 188 países, mas em termos de desenvolvimento humano, o seu lugar é o 149.o. Há assim 30 pontos de diferença que se perdem a favor do agravamento da desigualdade.

2. No ajustamento do IDH à desigualdade, o respectivo valor baixa para 0,335, uma perda de 37%. O significado prático é o de que não têm sido suficientes os incrementos no valor do rendimento médio por habitante para induzir melhorias nos indicadores sociais (educação e saúde). A razão para tal? A desigualdade na repartição do Rendimento Na-cional.

3. O coeficiente de desigualdade humana – uma média simples entre as desigualdades no rendimento, na educação e na saúde – é elevado e o mais alto dos três espaços geográ-ficos considerados.

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2.3.1 Pobreza e poder de compra dos salários

É claro que os incrementos nominais no rendimento médio por pessoa são um caminho para se reduzir a pobreza. No entanto, em África o crescimento económico está a reduzir a pobreza duma forma muito lenta – não sendo assim possível erradicá -la até 2030, segundo o novo compromisso internacional no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento Internacio-nais Pós -2015 – em parte, porque os africanos são na verdade muito pobres (apanhados no círculo vicioso do subdesenvolvimento): quem vive abaixo da linha de pobreza de 1,25 dólares por dia, na realidade vive, em média com, tão ‑somente, 70 cêntimos de dólar. Esta é a dureza dos factos. E Angola não foge muito a esta realidade, na medida em que a sua estrutura económico ‑produtiva e a sua matriz social potenciam a desigualdade e a exclusão. A redução/eliminação dos subsídios aos preços dos derivados do petróleo – uma justa medida económica/orçamental, e até mesmo de reconhecimento de algumas virtualidades aos mecanismos de mercado – teve consequências sobre as condições de vida da maioria da população, sobretudo dos pobres ou próximos do limiar de dois dólares por dia, sem ter afectado grandemente os rendimentos e padrões de consumo dos angolanos ricos ou da classe média alta. Este facto foi reconhecido pelo Fundo Monetário Internacional num estudo sobre os efeitos económicos e sociais da redução destas subvenções públicas.

A inflação é um factor importante com influência no nível de vida das populações, pela via do aumento/diminuição do poder de compra dos rendimentos, especialmente para as camadas mais desfavorecidas e desprotegidas da sociedade. Tecnicamente o estudo do poder de compra dos rendimentos, especialmente dos salários, é feito com base nos índices de inflação e tem por suporte um período de médio prazo (3 a 4 anos), para se quantificarem as perdas acumuladas. No entanto, vale a pena sublinhar que a maior parte dos detentores de rendimento, novamente com destaque para os provenientes do trabalho, agem normalmente sob influência da “ilusão monetária”, olhando para as suas condições de vida preferencialmente pelo valor nominal dos seus rendimentos.

A avaliação dos ganhos/perdas de rendimentos, em especial dos proveitos do trabalho, faz-‑se pela comparação entre incrementos nos rendimentos e nos preços. Via de regra, é a inflação o factor de actualização dos salários, regra praticada pela Função Pública em Angola. Apenas com a nuance de ser a inflação esperada e não a inflação verificada. Seja como for, a intenção era a preservação do respectivo poder de compra. Com as dificuldades financeiras do país e do Estado, em 2015 não ocorreu a actualização dos salários públicos.

A apreciação do comportamento do poder de compra dos salários tem, no Relatório Social de 2015, como base de trabalho o salário mínimo nacional, cujos dados foram recolhidos no mais recente Relatório da Comissão Governamental para o Salário Mínimo Nacional.

Vale a pena frisar desde já que o montante desta categoria salarial – bastante controversa nos debates sobre Macroeconomia (verifica ‑se ou não a ocorrência de distorções no mercado

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de trabalho, que afectam a alocação deste factor de produção?) e sobre a competitividade dos países – é bastante baixo em Angola. Cotejando com o orçamento de um conjunto de bens básicos, o seu valor fica bastante aquém das possibilidades financeiras dos agregados fami-liares mais pobres. Vale também a pena sublinhar que, segundo informações veiculadas pela imprensa, muitas empresas não praticam o salário mínimo legalmente obrigatório. Consequen-temente, esta categoria de rendimentos do trabalho acaba por ser apenas uma referência para o funcionamento do mercado de trabalho e para as contratações de mão -de -obra.

PODER DE COMPRA DO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL

Ano Salário mínimo IncrementoTaxa

de inflaçãoPerda do

poder de compraPerda

acumuladaSalário mínimo

real

2003 4014 23,4 76,56 -30,1 -30,1 2805

2004 4344 8,2 31,01 -17,4 -42,3 2508

2005 5850 34,7 18,53 13,6 -34,4 3837

2006 6611 13,0 12,21 0,7 -33,9 4367

2007 7420 12,2 11,79 0,4 -33,7 4922

2008 8609 16,0 13,17 2,5 -32,0 5854

2009 8891 3,3 13,99 -9,4 -38,4 5478

2010 9371 5,4 15,32 -8,6 -43,7 5277

2011 10 777 15,0 11,38 3,3 -41,9 6266

2012 11 854 10,0 9,04 0,9 -41,4 6952

2013 13 277 12,0 7,69 4,0 -39,0 8099

2014 15 003 13,0 7,48 5,1 -35,9 9621

2015 17 403 16,0 14,3 1,5 -34,9 11 327

FONTE: CEIC, ficheiro Poder de Compra dos Salários, com base em dados oficiais.

Análise suscitada pela leitura da tabela:

1. A perda geral/acumulada de poder de compra do salário mínimo nacional – bem como de todas as categorias de remuneração dos factores de produção em actividade no país62 – foi de praticamente 35% entre 2003 e 2015.

62 Naturalmente que esta afirmação teria de ser caldeada por considerações mais específicas sobre salários diferenciados, porquanto a força de trabalho mais qualificada e especializada pode ter desfru-tado de incrementos salariais superiores aos do salário mínimo e mesmo do salário médio nacional.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

2. Olhando para a coluna da perda do poder de compra anual, verificaram ‑se ganhos em al-guns anos, fruto de aumentos salariais superiores ao ritmo de aumento geral dos preços.

3. Os salários mínimos reais constam da última coluna da tabela anterior: em 2015, o valor real dum salário nominal de Kz 17 403 foi de Kz 11 300.

Circunscrevendo o estudo aos anos mais recentes – de efectiva desinflação da economia, à parte de 2015 – verificam ‑se ganhos do poder de compra, tal como revelam os dados da tabela abaixo.

PODER DE COMPRA DO SALÁRIO MÍNIMO ENTRE 2010-2015

Ano Salário mínimo IncrementoTaxa

de inflaçãoPerda do

poder de compraPerda

acumuladaSalário mínimo

real

2010 9371 5,4 15,32 -8,6 -8,6 8565

2011 10 777 15,0 11,38 3,3 -5,6 10 170

2012 11 854 10,0 9,04 0,9 -4,8 11 284

2013 13 277 12,0 7,69 4,0 -1,0 13 145

2014 15 003 13,0 7,48 5,1 4,1 15 616

2015 17 403 16,0 14,3 1,5 5,6 18 384

FONTE: CEIC, ficheiro Poder de Compra dos Salários, com base em dados oficiais.

Aparecem muito explícitos, nesta nova configuração do cálculo do poder de compra do sa-lário mínimo – redução do período de análise – os ganhos efectivos no seu poder de compra. Em 2015, o salário mínimo real correspondeu a um valor de Kz 18 384, contra um valor nominal de Kz 17 403. A conjugação entre incrementos salariais positivos e controlo da inflação explica o essencial desses ganhos. A lição é a seguinte: o controlo da inflação é um elemento decisivo no contexto duma política de rendimentos e preços.

Uma boa regra de gestão macroeconómica da Política de Rendimento e Preços é acondicio-nar os incrementos salariais relativos à real e efectiva capacidade da economia, medida pela variação do seu PIB. O exercício é plasmado na imagem gráfica que se segue.

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COMPARAÇÃO ENTRE VARIAÇÕES DO SALÁRIO MÍNIMO E DO PIB

FONTE: CEIC, ficheiro Poder de Compra dos Salários, com base em dados oficiais.

Sistematicamente – as excepções (apenas duas) não fazem mais do que confirmar a regra – os incrementos ocorridos no valor do salário mínimo nacional ultrapassaram as taxas reais de variação do Produto Interno Bruto. Semelhante situação pode ter consequências fortemente negativas sobre as diferentes estruturas de custo da economia. O esbatimento deste tipo de efeitos ou até a sua anulação só acontece quando ocorrerem substanciais ganhos de produtivi-dade do trabalho. Por isso, a comparação deve ser feita em termos reais.

COMPARAÇÃO EM TERMOS REAIS

FONTE: CEIC, ficheiro Poder de Compra dos Salários, com base em dados oficiais.

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A situação é praticamente igual à anterior, colocando ‑se com muito mais ênfase a questão dos ganhos efectivos de produtividade do trabalho.

Relacionada com a produtividade, os aumentos salariais e a capacidade de crescimento da economia está a pobreza.

Usando -se a metodologia que relaciona o crescimento do PIB e da população – equivalente ao comportamento do PIB por habitante – com a elasticidade pobreza/rendimento (de certo modo uma proxy ao modo como o rendimento se distribui na economia), estimou ‑se em 41,6% a taxa de pobreza em 2014 e 2015 (mais 4 pontos percentuais da constante do IBEP). Aparente-mente, não custa admitir esta degradação, face aos resultados expostos anteriormente quanto à quebra do valor do PIB por habitante nominal, em kwanzas e dólares.

Até 2020, utilizando as projecções de crescimento do PIB do Relatório Económico (ponto 10, parágrafo 10.2) e uma taxa demográfica de 2,70%, não vão ser conseguidos ganhos significa-tivos na redução da situação de pobreza em Angola. A estimativa do CEIC para 2020 é de uma taxa de pobreza de 33,6%.

COMPORTAMENTO PREVISIONAL DA TAXA DE POBREZA

FONTE: CEIC, ficheiro Cenários de Redução da Pobreza.

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O Governo estabeleceu como meta, para 2017, reduzir a taxa de pobreza de 36,6% para 28% (ver Plano Nacional de Desenvolvimento 2013 -2017, p. 40). Para isso, tornar -se -á necessário que:

1. A taxa média de crescimento do PIB entre 2014 e 2017 seja de 11% ao ano.

2. Melhorem os canais de redistribuição do rendimento através dos impostos e das presta-ções sociais, a que poderá corresponder uma elasticidade rendimento/pobreza de ‑1,85.

3. A taxa de crescimento demográfico se mantenha em 3,2%. Uma diminuição deste valor pode poupar tempo na obtenção desta meta ou pode diminuir a exigência na melhoria do padrão de distribuição do rendimento nacional no país63.

“Uma elasticidade rendimento ‑pobreza de ‑1,85 pressupõe canais de transmissão dos efei-tos do crescimento económico abertos e politicamente desbloqueados. O processo de acu-mulação primitiva de capital teria de cessar nos contornos injustos, desequilibrados, desestru-turantes e assimétricos que o caracterizam actualmente e ser substituído por um modelo de distribuição do rendimento mais centrado no emprego, nas remunerações do trabalho e no incremento da produtividade. O crescimento do PIB é um factor essencial para a redução da pobreza, mas é -o também a alteração do modelo de concentração do rendimento e da riqueza vigente.”64

63 CEIC / UCAN, Relatório Social 2014.64 Ibidem.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

3. COMPROMISSO COM A SAÚDE

3.1 Quadro epidemiológico

A presente análise foca a evolução do quadro epidemiológico em Angola registado em 2015 e cuja base referencial é, em grande medida, o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) definido pelo Ministério da Saúde de Angola. Este sistema notifica as doenças de maior incidência populacional (comparativamente com anos anteriores), bem como os níveis de mor-bilidade e mortalidade incidentes sobre os vários grupos sociais.

A elaboração dos dados sobre a evolução do quadro epidemiológico de 2015 resultou de vários constrangimentos que advêm do momento conturbado que o sector da saúde vive em Angola. Por este facto, fica ‑se sem se apurar devidamente se a ausência de dados sobre as mais variadas patologias, que não apenas as sete categorias de doenças sobre as quais foram dispo-nibilizados dados, é resultado dos poucos recursos financeiros e humanos existentes no sector ou se para evitar maiores dissabores com a disponibilização da informação real do estado de morbilidade e mortalidade do ano em referência.

De igual modo, e contrariando o ano passado, também não foram disponibilizados dados sobre a mortalidade neonatal, sobre as diferentes tipologias de malnutrição e acerca dos trau-matismos físicos e mentais resultantes, ou não, de acidentes de viação. Existem apenas in-formações sobre a malária, infecções respiratórias agudas, diarreias com desidratação, febre tifóide, infecções sexualmente transmissíveis, tétano e raiva. Não se apuraram os dados sobre a tuberculose e as co ‑infecções VIH/TB e TB/Hepatite C. Fica ‑se igualmente sem acesso a in-formação sobre a situação das doenças não transmissíveis que ao longo dos últimos anos vêm registando números alarmantes, tais como as cardiovasculares e a diabetes.

QUADRO EPIDEMIOLÓGICO EM 2014

FONTE: DNSP, 2015.

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CEIC / UCAN

QUADRO EPIDEMIOLÓGICO EM 2015

FONTE: DNSP, 2015.

Com um universo de notificações de doenças bastante reduzido torna ‑se difícil fazer compa-rações com anos anteriores relativamente ao quadro epidemiológico de 2015. Por outro lado, o sistema de processamento de dados epidemiológicos da Direcção Nacional de Saúde Pública cria demasiados constrangimentos ao mudar de ano para ano a classificação das doenças, como sucedeu por exemplo entre os anos de 2014 e 2015. Como se pode verificar atrás, no gráfico de 2014 a designação para uma das entradas é “doenças diarreicas agudas” no de 2015 refere--se “diarreias com desidratação em menores de 5 anos”, suprimindo -se a primeira designação. Facto semelhante acontece com as entradas relativas às patologias respiratórias: se no gráfico relativo a 2014 as mesmas recebem simplesmente a designação de “doenças respiratórias agu-das”, no de 2015 a informação surge fragmentada em duas classificações diferentes: “doenças respiratórias agudas em menores de 5 anos” e “infecções respiratórias agudas em maiores de 5 anos”. Ambos os exemplos ilustram a urgência da DNSP adoptar um sistema coerente de pro-cessamento dos dados do sector da saúde.

Com base nos dados disponibilizados pela DNSP em 2015, as doenças transmissíveis re-presentaram mais de dois terços das notificações registadas, num universo epidemiológico de 5216,829 casos. Ou seja, em 2015 registou ‑se um aumento de 85% de casos diagnosticados em relação a 2014, contudo é um dado adquirido que também se registou uma redução dos óbitos, isto é, de um ano para o outro os números diminuíram de 11 014 para 10 519 mortos.

O que importa verificar é que estes óbitos estão relacionados apenas com os que resultam de doenças dos casos diagnosticados em unidades sanitárias existentes no país. Desta feita, o ano de 2015 regista, no conjunto das doenças em consideração, um aumento de óbitos na or-dem dos 38% em relação a 2014. Ou seja, um retrocesso aos níveis de 2013.

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ÓBITOS

FONTE: DNSP, 2015.

Como demonstra o gráfico acima, com a excepção das doenças respiratórias agudas, o ano de 2015 pode ser considerado problemático a partir do momento em que alerta para as difi-culdades do sector da saúde em momento de crise económica nacional. O que se trata aqui é da relação que existe entre a redução dos recursos humanos e bens materiais hospitalares com o aumento de óbitos em consequência de uma resposta menos eficaz das unidades sanitárias sobre os doentes.

A importância da relação entre estas duas variáveis no sector da saúde – recursos dispo-níveis e mortalidade por doença – vem provando a sua relevância quando tomamos em con-sideração os últimos três anos e vemos que se em 2013 se atingia o histórico volume mais alto do financiamento ao sector (3821 milhões de dólares norte ‑americanos) e encontramos a explicação para o facto de em 2014 terem ‑se registado reduções bastante significativas na mortalidade por doença.

3.1.1 Malária

Em 2015, a malária registou 3,2 milhões de casos clínicos em todo o país, o que representou uma prevalência da doença de 12,9%, deste modo, dá ‑se conta de um incremento de sensivel-mente 2% da prevalência da malária em relação ao ano de 2014.

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CEIC / UCAN

CASOS DE MALÁRIA ENTRE 2004-2015

FONTE: DNSP, 2015.

Numa década o país vem registando uma frequência média de 3,2 milhões de casos de paludismo por ano. A prevalência contabilizada como casos de malária resulta da duplicação dos diagnósticos em virtude do surgimento de novas estirpes da doença como a dengue e a xicungunha – popularmente conhecida como catolotolo – e mais para o final do ano, o surto de febre ‑amarela, que num primeiro momento também foi diagnosticado como de paludismo. Ou seja, a pouca precisão dos diagnósticos efectuados no país por falta de laboratórios eficientes leva a que muitas vezes haja duplicação de resultados de paludismo quando, na verdade, se trata de estirpes diferentes.

A província de Luanda continua a registar o maior número de notificações de paludismo. No ano de 2015 contabilizou ‑se em Luanda 27% das notificações de paludismo de todo o país, De facto, a sua imensa população e as grandes dificuldades de saneamento e salubridade do ambiente torna Luanda das províncias mais vulneráveis ao paludismo, seguida pelas províncias do Cuanza Sul e de Malanje.

PERCENTAGEM DE CASOS DE MALÁRIA POR PROVÍNCIA EM 2015

FONTE: DNSP, 2015.

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Contudo, se em 2014 houve uma redução significativa da taxa de mortalidade dos casos de paludismo, em 2015 voltou ‑se ao registo da média de números de mortes dos últimos dez anos: 0,3%.

CASOS NOTIFICADOS E TAXA DE MORTALIDADE DA MALÁRIA ENTRE 2004-2015

FONTE: DNSP, 2015.

Tomando o número da população de cerca de 25 066 028, calculámos um universo de sen-sivelmente 78 000 pessoas doentes com paludismo, todos os anos, em Angola.

Se tomarmos a taxa de incidência e a de mortalidade por paludismo no conjunto do país, veremos que embora a província de Luanda registe a maior percentagem de notificações, não é de facto aquela que teve uma maior incidência de casos novos por cada 1000 habitantes e que apenas está em segundo lugar na taxa de mortalidade por cada 1000 habitantes, porque as províncias com as maiores taxas de incidência de malária são as de Malanje, com 341 casos por cada 1000 habitantes, Cuanza Norte, com 268, Cuando Cubango, com 267, e Cabinda, com 256. Ou seja, embora a maior percentagem de notificações, Luanda aparece na nona posição das províncias com maior taxa de incidência de malária por cada 1000 habitantes.

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TAXAS DE INCIDÊNCIA E MORTALIDADE DA MALÁRIA POR PROVÍNCIA EM 2015

FONTE: DNSP, 2015.

Por outro lado, a província do Cuando Cubango surge como sendo aquela em que mais pessoas morrem de malária por cada 1000 habitantes da província, ou seja, apresenta a maior taxa de mortalidade do país quanto a esta doença, com 0,6%. Em seguida, estão as províncias do Bengo e de Luanda, com 0,5% de taxa de mortalidade da malária, depois segue -se a provín-cia do Cuanza Norte e da Lunda -Norte com 0,4%. Tirando estas, as restantes províncias estão dentro da média nacional, que é de 0,3%.

3.1.2 Infecções respiratórias agudas

No conjunto das infecções respiratórias agudas encontramos as doenças crónicas como a asma e as bronquites e por outro lado as doenças pulmonares, como as pneumonias graves. No ano de 2015, o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) notificou um total de 1151,385 casos de infecções respiratórias agudas, ou seja, no ano passado 4,5% da população angolana contraiu uma qualquer estirpe de infecção respiratória aguda.

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CASOS DE INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS AGUDAS ENTRE 2008-2015

Como podemos constatar no gráfico acima, as infecções respiratórias agudas atingem anualmente no país a média de 1 milhão de indivíduos. Sensivelmente metade do universo dos infectados são crianças menores de 5 anos, ou seja, em 2015, 46% dos infectados tinham menos de 5 anos de idade.

CASOS DE INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS AGUDAS POR PROVÍNCIA EM 2015

As províncias de Benguela, Cabinda, Luanda, Lunda -Sul e Lunda -Norte foram as que regis-taram mais casos de infecções respiratórias agudas em crianças menores de 5 anos, contudo, a província do Huambo, à semelhança dos últimos anos, vem registando um maior número de casos. No ano passado foram notificados nesta província 32% do total de casos do país.

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TAXA DE PREVALÊNCIA DAS INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS AGUDAS/1000 HABITANTES EM 2015

Assim, nesta província, a intensidade da incidência de infecções respiratórias agudas é das maiores do país, ou seja, a proporção da sua prevalência foi de 187,8 infecções por cada 1000 habitantes da província, um valor oito vezes maior que o da província de Luanda.

ÓBITOS E TAXA DE LETALIDADE POR INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS AGUDAS EM 2015

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As infecções respiratórias agudas provocaram 1668 óbitos em todo o país, o que representa no seu conjunto um registo da taxa de letalidade de 0,1%. Luanda teve 40,7% do total de óbitos e a província do Cuando Cuango a maior taxa de letalidade: 1,2%.

ÓBITOS POR INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS AGUDAS EM 2015

Por outro lado, podemos verificar que as províncias que possuem maior prevalência são as que mais registam mortes por infecções respiratórias agudas em crianças menores de 5 anos. A maior prevalência da doença numa determinada província está directamente relacionada com o maior número de mortes de crianças menores de 5 anos por esta mesma doença. Referimo--nos às províncias do Bengo, Benguela, Bié, Huambo, Huíla, Cuanza Sul, Lunda -Norte e Lunda--Sul como as que registam maior número de mortes de crianças 5 de anos, que no conjunto representam 41,7% do total de mortes por infecções respiratórias agudas.

3.1.3 Doenças Diarreicas Agudas (DDA) em menores de 5 anos

Os dados disponibilizados pela Direcção Nacional de Saúde Pública referentes ao ano de 2015 apenas se reportam às notificações de casos de doenças diarreicas agudas em menores de 5 anos, não se verificando variações significativas comparativamente com dados de anos ante-riores, o que nos leva a concluir que ao longo destes ano as doenças diarreicas agudas sinalizam neste grupo etário de indivíduos o maior número de casos.

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CASOS E ÓBITOS DE DOENÇAS DIARREICAS AGUDAS EM CRIANÇAS MENORES DE 5 ANOS

FONTE: DNSP, 2016.

Em 2015 foram notificados 347 118 casos de doenças diarreicas agudas em menores de 5 anos, um aumento de 56 630 casos em comparação com o ano de 2014. Partindo do princípio de que estamos a comparar a mesma classe de dados, ou seja, a dos menores de cinco anos, então podemos concluir que houve variações significativas nestes últimos sete anos.

DOENÇAS DIARREICAS AGUDAS POR PROVÍNCIA EM 2015

FONTE: DNSP, 2016.

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A província do Huambo é a que possui maior taxa de incidência no que se refere às doenças diarreicas agudas, o que significa que nestas províncias foram notificados 41,4 novos casos por cada 1000 habitantes. Proporções igualmente tão elevadas encontram -se nas províncias do Cunene, com 25,4 por cada 1000 habitantes, e do Bié, com 23,2. A província de Luanda, com 7,5 novos casos por cada 1000 habitantes, tem a quarta taxa de incidência mais baixa do país, depois do Cuanza Norte (3,6/1000), Cabinda (4,7/1000) e Zaire (6,6/1000).

TAXA DE LETALIDADE POR DOENÇAS DIARREICAS AGUDAS ENTRE 2008-2015

FONTE: DNSP, 2016.

Como se pode verificar no gráfico acima, houve ao longo dos últimos anos uma significativa redução das mortes derivadas da doença. Para sermos mais concretos, nos últimos sete anos, registou -se uma redução da taxa de letalidade de 26,9% das doenças diarreicas agudas em todo o país.

3.1.4 Febre tifóide

A febre tifóide continua a ser considerada uma das doenças com as maiores taxas de in-cidência em Angola. Os números referentes às recentes notificações mostram que os casos de infecção aumentaram de 2008 a 2015, registando, em média, um incremento de 28 000 novos casos todos os anos. Esta doença está directamente relacionada com a fragilidade das estruturas de saneamento básico, bem como com a degradação das condições de salubridade ambiental, com as condições de consumo de água e alimentos.

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CASOS DE FEBRE TIFÓIDE ENTRE 2008-2015

FONTE: DNSP, 2016.

Assim sendo, o crescimento progressivo de novos casos registados todos os anos está direc-tamente relacionado com a acentuada degradação das condições de uso e consumo de água e alimentos, por outro lado há que notar que o mais recente universo de pessoas afectadas pela febre tifóide vem sendo constituído pela população de estrangeiros a residir em Angola.

INCREMENTO PERCENTUAL DA FEBRE TIFÓIDE ENTRE 2009-2015

FONTE: DNSP, 2016.

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Como podemos constatar no gráfico anterior, desde 2009 que se regista o incremento de novos casos sobre o ano anterior, ou seja desde há sete anos que vêm aumentando os números de notificações de casos de febre tifóide e todos os anos há cada vez mais afectados do que no ano anterior. Desta feita, o último ano registou o maior crescimento percentual em relação a todos os outros anos, de 21%. De 2014 a 2015 o aumento de casos de febre tifóide subiu 4%, o maior aumento comparado com os últimos seis anos anteriores.

CASOS E ÓBITOS DE FEBRE TIFÓIDE POR PROVÍNCIA EM 2015

FONTE: DNSP, 2016.

No quadro da situação da doença por províncias verificamos que Benguela, com um total de 95 703 notificações, é de longe a província com mais caso de febre tifóide, ou seja, apresenta 28% do total de casos de todo o país e está 9,2% acima da segunda província com mais casos, Luanda, com 86 840 casos. Também é Benguela a província com mais casos de mortes por febre tifóide, contudo é a província do Cunene que apresenta a maior taxa de letalidade da doença: 0,7%.

3.1.5 Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)

Em 2015, as doenças sexualmente transmissíveis representaram 6,4% do total das notifica-ções epidemiológicas, ano em que se registam 337 448 casos em todo o país.

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CASOS DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS ENTRE 2008-2015

FONTE: DNSP, 2016.

As doenças sexualmente transmissíveis têm registado um aumento considerável de casos ano após ano. Desde 2008 as infecções aumentaram 48%, contudo, a partir dos dados dispo-nibilizados pela DNSP não é possível escrutinar a real situação de infecções como as hepatites comumente designadas por B e C, ou ainda da sífilis, que em anos anteriores foi das doenças sexualmente transmissíveis com maior número de infecções.

CASOS DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS POR PROVÍNCIA EM 2015

FONTE: DNSP, 2016.

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Embora a província de Luanda seja a que mais casos de doenças sexualmente transmissíveis notifica, o certo é que na relação com as outras províncias do país, no se refere à proporção da doença por habitantes, concluímos que Luanda é a sexta província com a taxa de incidência mais baixa, ou seja, com apenas 4,6 novos casos por 1000 habitantes.

No caso das doenças sexualmente transmissíveis, o indicador taxa de incidência por provín-cias permite -nos aferir das regiões onde existe uma maior exposição dos indivíduos à doença.

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS – TAXA DE INCIDÊNCIA/1000 HABITANTES EM 2015

FONTE: DNSP, 2016.

Como podemos constatar através da análise do gráfico acima, as províncias que surgem como tendo uma maior exposição dos indivíduos às doenças sexualmente transmissíveis são as da Lunda -Norte, com 11 novos casos por 1000 habitantes, a província do Uíge, com 9,7 novos casos por 1000 habitantes, e a província do Huambo, com 8,8 novos casos por 1000 habitantes.

Nota ‑se igualmente que, neste caso, quanto maior for a taxa de incidência maior é exposi-ção dos indivíduos aos denominados comportamentos sexuais de risco.

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ÓBITOS POR DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS ENTRE 2008-2015

FONTE: DNSP, 2016.

Até ao ano de 2014, as doenças sexualmente transmissíveis registavam uma média de 12 mortes por ano, contudo, em 2015, muito pelo elevado número de óbitos notificados na provín-cia da Huíla (169) e Cunene (9), a média de mortes deste ano subiu para os 33%.

3.1.6 Raiva

Em 2014 houve um surto de infecções por raiva que teve a sua maior incidência na província de Luanda. Ainda que pouco se tenha reportado sobre a evolução do combate ao surto de raiva através das medidas de prevenção levadas a cabo pelas autoridades sanitárias, o certo é que no ano de 2015 este surto aumentou silenciosamente o número de vítimas mortais.

ÓBITOS POR RAIVA ENTRE 2014-2015 POR PROVÍNCIA

FONTE: DNSP, 2016.

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Desde há dois anos que a raiva tem persistido em registar taxas de letalidade de 100%. Em 2014, apenas a província de Luanda teve uma taxa de letalidade de 97%, todas as outras províncias tiveram como mortes os mesmos números das notificações da doença. Para todos os efeitos, 2015 regista um aumento de notificações e por consequência de mortes, em quase todas as províncias, o que também demonstra o fracasso da capacidade das unidades sanitárias em curar a infecção.

3.1.7 Tétano

O tétano é uma infecção que pode ser contraída através de ferimentos ou lesões graves. Segundo os dados disponibilizados pelo DNSP, o grupo etário mais afectado pela infecção de tétano é o das crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 9 anos de idade.

TÉTANO POR PROVÍNCIA EM 2015

No ano de 2014, a cobertura vacinal do tétano rondava os 95%. Contudo, com o acentuar da crise económica em finais daquele ano, o stock de vacinas foi drasticamente afectado, facto que provocou um recrudescimento das metas até antes alcançadas com a redução dos óbitos por tétano.

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ÓBITOS POR TÉTANO EM 2015

Em 2015 registou -se um total de 229 casos, dos quais 86 resultaram em mortes. À seme-lhança de anos anteriores, o grupo etário com maior número de vítimas mortais por tétano continua a ser o dos recém ‑nascidos. Como podemos ver no gráfico acima, houve um registo de 37 óbitos neste grupo etário e o segundo grupo com maior número de registo de mortes é o das crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 9 anos de idade, com 22 mortes notificadas.

3.2 Indicadores ‑chave da saúde

Os indicadores -chave da saúde que nos interessam neste relatório são a mortalidade mater-na e a mortalidade infantil, que são aqueles que mais influenciam a posição do país no Índice de Desenvolvimento Humano.

3.2.1 Mortalidade materna

A taxa de mortalidade materna é determinada pelo número de mulheres que morrem du-rante a gravidez ou o parto, por 100 000 nados-vivos. Os dados sobre a mortalidade materna são pouco consistentes, ou pouco abrangentes, já que se baseiam essencialmente em registos institucionais, não havendo muita informação sobre as instituições de saúde privadas, militares e policiais, ou sobre os nascimentos fora do Sistema de Saúde formal.

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ESTIMATIVA DO RÁCIO DA MORTALIDADE MATERNA POR 100 000 NADOS-VIVOS ENTRE 1990-2015

FONTE: WHO/OMS, 2015.

O Programa de Saúde Reprodutiva em Angola vem sofrendo algumas melhorias nos últi-mos anos, em grande parte devido aos compromissos governamentais com os ODM, que em parceria com entidades internacionais e estrangeiras, incrementaram medidas de qualidade da saúde materna no país. Neste contexto, o país também registou melhorias no âmbito da recolha e tratamento dos dados do Sistema Nacional de Saúde referentes à saúde materna, contudo, ainda há muito a melhorar, principalmente em relação ao reforço da terapêutica de prevenção de transmissão vertical às gestantes portadoras de VIH/SIDA, ao registo dos partos efectuados fora das unidades sanitárias e no licenciamento das parteiras alternativas. Por ou-tro lado, em 2015, Angola, pela primeira vez em 5 anos, registou um número de mortalidade materna abaixo da média da África Subsariana, que foi de 546 mortes maternas por 100 000 partos bem -sucedidos65. É de salientar que a tendência de redução significativa destes casos vem acontecendo em rápida progressão desde 1995 e a tendência futura é que se mantenha em paridade com a média do continente africano.

Estimativas obtidas a partir da consolidação de dados provenientes de centros de prestação de Serviços de Saúde Materno ‑Infantis Públicos em várias províncias apontam para uma taxa de mortalidade materna de 447 óbitos por 100 000 nados ‑vivos, quando o ODM respectivo prevê a meta de 350 mortes por 100 000 nados ‑vivos. Já a evolução da linha de tendência da taxa de fertilidade é decrescente, ainda que se mantenha como uma das maiores do mundo.

65 Trends in Maternal Mortality: 1990 to 2015, Estimates by WHO, UNICEF, UNFAP, Word Bank Group and the United Nation Population Division, World Health Organization, 2015.

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Apesar da elevada taxa de mortalidade materna, a percentagem de mulheres grávidas que fazem um mínimo de quatro consultas pré ‑natal apresenta tendência de crescimento, quer na média nacional, quer em conjunto nas zonas rurais e urbanas.

PRINCIPAIS CAUSAS DA MORTALIDADE MATERNA ENTRE 2013-2014

FONTE: DNSP, 2014.

MORTALIDADE MATERNA POR PROVÍNCIA EM 2015

FONTE: DNSP, 2015.

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As províncias que mais mortes registam por complicações ocorridas na gravidez são as do Bié, Huíla, Uíge e Benguela.

3.2.2 Mortalidade infantil

A mortalidade infantil, nos termos da definição dos indicadores da UNICEF, é “a probabilida-de de morrer entre o nascimento e os cinco anos de idade, por 1000 nados-vivos”66. A sua taxa é um dos indicadores que espelha o nível de desenvolvimento humano de um país. Este indica-dor coloca Angola nas piores posições do IDH. Apesar do fim da guerra, de novos investimentos sociais e programas dirigidos, o país continua no grupo de países com uma das piores taxas de mortalidade infantil do mundo (164/1000) (2012).

MORTALIDADE INFANTIL (MENORES DE 5 ANOS POR 1000 NADOS‑VIVOS) ENTRE 2000‑2015

FONTE: Governo de Angola/PNUD, 2005; BM, 2013; UNICEF, 2014.

A taxa de mortalidade infantil de crianças menores de cinco anos segue a mesma tendência da taxa de mortalidade infantil de crianças menores de um ano, no que diz respeito à sua distri-buição no território nacional. Angola vem apresentando, nestas duas categorias, números que ascendem à média do continente africano e tem ‑se registado como o país no mundo onde as crianças têm menos esperança de chegarem aos cinco anos de idade.

66 Crianças e Mulheres em Angola: Análise da Situação, Luanda, UNICEF, 2015.

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3.3 Despesas com a saúde

A qualidade de vida e o bem -estar dependem muito do nível de saúde usufruído e este, por sua vez, da capacidade de prevenir e tratar as enfermidades que assolam as pessoas. E o Siste-ma Nacional de Saúde tem a responsabilidade de garantir a oferta de serviços de saúde que irão possibilitar que todos os cidadãos desfrutem de uma melhor saúde. Mas a resposta do Sistema de Saúde vai depender em muito dos recursos financeiros que lhe são alocados por parte do Estado no seu orçamento e, por fim, da sua gestão responsável e eficiente.

3.3.1 Na perspectiva do OGE

A despesa do Estado com o sector da saúde tem como vocação central e princípio fun-damental a garantia da prestação de cuidados de saúde a todos os cidadãos. O exercício da concretização deste objectivo implica sempre introduzir um factor importante: a equidade no acesso aos cuidados de saúde. O factor equidade no acesso aos serviços de saúde e assistência médica prevê diminuir as disparidades sociais e económicas entre os indivíduos.

O cumprimento ou o não cumprimento do objectivo principal do financiamento do Estado neste campo é um bom indicador de avaliação do sector da saúde de um país, principalmente num país como Angola, em que os níveis de desigualdade de rendimentos entre as pessoas são dos mais elevados do mundo. Avaliar o sector da saúde em Angola é efectivamente analisar a sua capacidade de maximizar os recursos públicos e, por outro lado, de produzir uma gestão eficiente com o objectivo de prestar serviços de saúde de qualidade e de forma equitativa e eficaz a todos os angolanos.

Desta feita, nos últimos dois anos temos constatado, ao nível da despesa orçamental afecta ao sector da saúde, uma progressiva diminuição e desinvestimento em termos nominais. Ou seja, de 2014 a 2015, a verba disponibilizada para o sector diminuiu 13%. E se compararmos 2015 com 2013, ano em que historicamente se investiu mais na saúde (3821 milhões de dóla-res norte ‑americanos), então, constatamos, como demonstra o gráfico da página seguinte, ter ocorrido um desinvestimento de 25%.

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DESPESAS COM A SAÚDE (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS)

FONTE: RS 2014; OGE 2015.

Com um quarto do orçamento diminuído em relação a 2013, o ano de 2015 põe definitiva-mente em risco a capacidade do sector estar à altura da manutenção dos programas sanitários, quer os da área da saúde preventiva, quer da saúde reprodutiva, dos serviços ambulatórios para doenças crónicas não infecciosas, dos cuidados com as doenças negligenciadas e ainda a capacidade de cobrir os riscos sociais endémicos e de conter o impacto dos surtos epidémicos.

Angola continua a ser dos países da região Austral de África, ou se quisermos da SADC, que menos verba canaliza para a saúde na sua estrutura de despesa orçamental67. Se de facto tomarmos o ano de 2013 como ano de referência, por ter registado a maior verba de todos os tempos, mesmo estando 10 pontos percentuais da despesa pública abaixo do estabelecido pela Convenção de Abuja68, então podemos concluir que os anos que se seguiriam, com os progres-sivos desinvestimentos registados, só poderiam anunciar uma catástrofe no sector.

67 Ver Jornal Expansão, de 24 de Março de 2016.68 A Convenção de Abuja de 2000 determina que os Estados africanos signatários devem aplicar no sector da saúde o equivalente a 15% da totalidade das despesas públicas, contudo, são muito poucos os que cumprem os compromissos ratificados, sendo excepções na região países como a Swazilândia, com 18,1%, e o Malawi, com 16,2%.

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% DA DESPESA COM A SAÚDE NO OGE

FONTE: CEIC, a partir de RS 2014 e OGE 2015.

Desde 2000, ano em que assinou a Convenção de Abuja, Angola regista como peso médio anual da despesa total do Estado no sector da saúde apenas 4,81% dos valores mais baixos da região Austral de África69. E ainda que em 2015 se tenha verificado um aumento relativo de 0,7% no sector relativamente ao conjunto das despesas totais do Estado, o certo é que a subsequente revisão orçamental e a progressiva desvalorização do kwanza em relação ao dólar norte ‑americano, moeda com que se importa os bens consumíveis na saúde, retirou capacidade administrativa aos gestores, qualidade nos serviços médicos e assistência medicamentosa aos cidadãos. Houve de facto uma diminuição real da verba disponível.

3.3.2 Despesa em percentagem do PIB

Este indicador permite -nos perceber a performance e o comportamento da despesa pública na saúde naquilo que se refere às actividades de instituições e pessoas individuais residentes, no emprego final de bens e serviços de saúde disponibilizados através da despesa pública, bem como na formação bruta de capital nas actividades prestadoras de cuidados de saúde durante um ano. Ou seja, aqui contabiliza ‑se o esforço da despesa pública na garantia da gestão, da aplicação do conhecimento médico, da enfermagem, da medicina alternativa e do uso da tec-nologia com o estrito objectivo de prevenir, diagnosticar, curar doenças e manter os cidadãos de um país com saúde.

69 Jornal Expansão, de 24 de Março de 2016.

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Desta feita, no que se refere ao conjunto dos bens e serviços públicos e prestações sociais disponibilizados aos cidadãos por via orçamental e direccionados à satisfação das suas necessi-dades com os cuidados de saúde, Angola continua a registar níveis médios muito baixos e pou-cos satisfatórios, que colocam em conflito os administradores públicos com os Princípios dos Direitos dos Cidadãos estabelecidos pela Constituição da República de Angola no que concerne à responsabilidade da gestão pública na garantia da prestação de serviços e assistência médica em equidade e igualdade a todos os cidadãos.

% DAS DESPESAS PÚBLICAS COM A SAÚDE NO PIB

FONTE: Banco Mundial, 2015.

Tomando como referência os anos de 2007 a 2014, o Banco Mundial estima como peso das despesas públicas com a saúde no PIB de Angola o valor médio de 3,6%. Com efeito, é um valor que fica muito abaixo da média dos países africanos da região Austral, tomando como comparação o caso da Namíbia, de Moçambique ou o do Congo Democrático.

Esta percentagem é ainda mais baixa quando procedemos a um exercício de comparação com países como o Brasil, a Noruega, Cuba e a África do Sul. Como podemos verificar no gráfico na página ao lado, Angola, em termos médios, é o país que menos investiu em saúde, relativamente ao total dos gastos públicos.

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DESPESAS TOTAIS COM A SAÚDE (% PIB)

FONTE: Banco Mundial, 2016.

3.3.3 Despesa per capita

O indicador da despesa per capita com a saúde permite -nos analisar com maior precisão o quanto de recursos públicos um Governo destina a cada cidadão para cobrir as suas necessida-des com a saúde.

Com base nos dados do Banco Mundial, entre os anos de 2007 a 2014, o Governo angolano destinou a cada cidadão uma média anual de 162 dólares norte ‑americanos para cuidados sa-nitários, de facto, uma média superior à de países como a Nigéria ou Moçambique.

Contudo, abaixo das médias de países como o Botswana, a Namíbia ou a África do Sul que, para o mesmo período, registam valores médios acima dos 400 dólares norte -americanos para cada cidadão.

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DESPESAS PER CAPITA COM A SAÚDE (EM USD)

FONTE: Banco Mundial, 2016.

Por outro lado, no caso de Angola há que considerar os custos relativos aos serviços de saúde, que por norma são mais caros em comparação com outros países africanos, o que resulta num maior fosso entre o valor médio que o Estado se disponibiliza a cobrir com a despesa de cada cidadão (160 USD) e o custo real total que este tem de suportar a cada ano com cuidados de saúde. Uma vez que não existe no país qualquer tipo de comparticipação do Estado ou subsí-dios que afectem directamente a demanda dos serviços médicos, então aqui também podemos concluir que o esforço de cada cidadão em suportar os custos com a saúde é muito superior em relação ao de um cidadão de um dos países mencionados. O que nos leva a observar que existe uma muito reduzida capacidade de cobertura das despesas públicas sobre os custos totais com a saúde de um indivíduo angolano.

3.3.4 Distribuição da despesa dentro do sector

A estrutura da despesa da saúde, traduzida na distribuição das verbas alocadas ao sector pelas diversas áreas, mostra que ao longo da última década existiu pouca consistência na es-tratégia através da qual foi financiada. De recordar que a sub ‑rubrica “Serviços de Saúde Não‑‑Especificados” deixou de constar apenas em 2012. Contudo, consegue ‑se observar a muito tímida evolução tendencial no sentido de uma redução do investimento na medicina curativa de urgência, ao passo que se registou uma maior atenção à medicina preventiva, que em oito anos aumentou dez vezes e meia.

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DISTRIBUIÇÃO DAS DESPESAS COM A SAÚDE (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS)

FONTE: Relatório Social 2014, CEIC e OGE 2015.

Como também se pode verificar no gráfico acima, os serviços de hospitais gerais absorvem quase 87% das verbas, deste modo, podemos concluir que grande parte da actividade sanitária do país decorre nos hospitais gerais, em detrimento dos centros de saúde de proximidade, o que denota uma muito reduzida descentralização na administração dos serviços de saúde e de assistência médica ou paramédica. Outras conclusões que podemos retirar deste volume de verbas dirigidas aos hospitais gerais são as de que estes hospitais são o centro nevrálgico de toda a assistência médica nas outras províncias do país, dado que para além de Luanda não existem serviços de proximidade e serviços médicos especializados em número significa-tivo noutras regiões do país. Como podemos constatar através da tabela da página seguinte, o Serviço Nacional de Saúde angolano ainda é desenhado sob a observância de um modelo de concentração e centralização da sua administração. As Direcções Provinciais de Saúde ao já não pertencerem ao conjunto institucional do Ministério da Saúde mas aos Governos Pro-vinciais que dependem administrativamente do governador (indicado pelo Presidente da Re-pública), e contudo não sendo constituídas unidades orçamentais, vêem as suas verbas serem afectas à sub -rubrica “Serviços de Saúde Pública” e “Serviços Hospitalares Gerais.” Ambas as sub -rubricas representam, no fundo, a verba total do sector da saúde nas províncias, o que, à partida, acarreta que as províncias recebam menos verbas para a saúde por terem a sua rede sanitária muito pouco diversificada.

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Nível administrativoNível de cuidados

sanitáriosEstrutura dos serviços de saúde

Central Terciário Hospital Central

Provincial Secundário Hospital Geral

Distrital PrimárioCentro de Saúde de referência/Hospital distrital

Centro de Saúde Posto Médico I Posto Médico II

FONTE: Connor et al., 2010.

Contudo, desde 2013 que a discrepância orçamental entre Luanda e as outras províncias vem sendo revertida através do aumento do financiamento dos Serviços de Saúde Pública que, efectivamente, são administrados e geridos pelas Direcções Provinciais de Saúde dependentes dos respectivos Governos Provinciais, ao invés de se canalizar para o reforço da gestão admi-nistrativa dos hospitais provinciais ou na disseminação de serviços médicos de especialidade nas províncias. Resultando que, no final, pouco se poderá saber se o destino final desta verba é aplicada de facto em “Serviços de Saúde Pública”, ou seja, integralmente em programas de saúde preventiva.

Uma nota final sobre este ponto vai no sentido de observar o fim, desde 2012, da sub ‑rubrica “Serviços de Saúde Não‑Especificados”, período em que o financiamento dos serviços de Saúde Pública registou um avultado aumento de 25 para 83 mil milhões de kwanzas em 2013.

3.3.5 Despesas do Estado por programas

Ao longo destes últimos anos, o financiamento a programas de saúde pública através do Orçamento Geral do Estado tem sido pouco consistente ao nível de uma estratégia solidamente delineada com vista à constituição de um Sistema Nacional de Saúde eficaz e eficiente na pre-venção, na cura e na terapêutica dos fenómenos epidemiológicos.

O perfil epidemiológico de 2015 revela de forma mais vincada o que em anos anteriores sur-gia como um alerta em relação às doenças não transmissíveis, em especial as doenças cardio-vasculares e a diabetes. As notificações sanitárias de prevalência destas doenças, no seu con-junto, vêm aumentando exponencialmente em Angola. O aumento das notificações de doenças não transmissíveis deve, pois, representar um sinal de alerta, quanto mais não seja pelo facto de já somarem 50% das causas de morte entre adultos no continente africano, realidade que parece ainda não merecer a devida atenção na despesa do Estado canalizada para programas específicos com vista a abordar esta questão.

Como ainda podemos constatar na tabela da página ao lado, as Doenças Tropicais Negli-genciadas (DTN) e a lepra, com grande prevalência entre as comunidades mais pobres do país, continuarem a ser esquecidas nestes últimos anos. Contudo, com a crise do baixo preço do

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petróleo, a degradação da situação económica e o acentuar do empobrecimento, quer em zo-nas urbanas, quer nas zonas rurais do país, o mais certo é que o perfil epidemiológico destas doenças esteja a assumir níveis superiores aos da região Austral.

O financiamento aos programas de saúde pública sofreram cortes substanciais no Orçamento Geral do Estado em 2015. Não é por acaso que é precisamente no final deste ano que eclode o surto de febre -amarela em Luanda. Como podemos observar na tabela abaixo, houve uma diminuição considerável na dotação orçamental do Programa de Luta contra as Grandes Ende-mias que de 2014 a 2015 sofre uma diminuição de 69%, ou seja, a redução de um montante de mais de 11 mil milhões de kwanzas, a maior redução do financiamento público ao programa dos últimos cinco anos.

Despesas por programas (mil milhões de kwanzas) 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Programa de Combate às Grandes Endemias 7,43 5,63 4,92 6,25 16,71 5,18

Programa de Luta contra o SIDA/VIH 1,54 1,60 1,82 5,19

Programa de Melhoria da Saúde Materno‑Infantil 0,67 2,21 2,20 5,38 10,50 2,10

Programa Nacional de Doenças Mentais e Toxicodependência 0,07 0,13

Programa de Combate à Cólera 0,75 0,75

Programa de Gestão e Ampliação da Rede Sanitária 23,59 6,55

Programa de Melhoria da Qualidade dos Serviços de Saúde 14,49 10,86

Programa de Prestação de Cuidados de Saúde 0,96 0,09

Programa de Desenvolvimento do Sector Farmacêutico e de Gestão de Disponibilidade de Médicos 11,93 7,18

Programa de Prestação de Cuidados Primários e Assistência Hospitalar 9,01

Programa de Gestão e Despesas do Aprovisionamento e Logística do Sector da Saúde 10,57

Programa de Saúde Pública Veterinária 0,16

FONTE: Relatório Social 2013 e OGE 2014.

Por outro lado, há dois anos consecutivos não há registo de financiamento público ao Pro-grama de Luta contra o VIH e SIDA, o que nos leva a crer que este programa, juntamente com financiamento direccionado ao combate à tuberculose (dada a convolação de ambas), esteja a ser integralmente suportado pelas doações internacionais. O mesmo critério deve aplicar -se ao Programa de Melhoria da Saúde ‑Materno Infantil, que vem merecendo, de há um tempo a esta parte, o grande apoio da UNICEF e de outras instituições internacionais. O mesmo não se aplica a programas como o Programa Nacional de Doenças Mentais e Toxicodependência, que é expressamente negligenciado.

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A novidade é a valorização dos recursos humanos do Sistema Nacional de Saúde e do re-forço das capacidades de gestão administrativa hospitalar através de Programas como o de Desenvolvimento do Sector Farmacêutico e Gestão de Disponibilidade dos Médicos, bem como o de Prestação de Cuidados Primários e Assistência Hospitalar.

É de notar com grande alarme a ausência de programas dirigidos ao combate da malnu-trição. Ainda que os dados oficiais não sejam precisos em relação à malnutrição, o certo é que este estado de saúde torna as pessoas mais vulneráveis a contrair outras doenças como a tuberculose e os portadores do VIH mais susceptíveis de desenvolver o SIDA. Esta tendência revela que embora se registe a diminuição das suas notificações, a vulnerabilidade em que se encontram os seus doentes vem aumentando nos últimos anos, quer pela deficiência das tera-pêuticas, quer por factores clínicos associados, sendo a malnutrição a hipótese mais provável.

Em suma, pela lógica apresentada no quadro de programas sanitários financiados pelo Or-çamento Geral do Estado, podemos concluir que os gestores públicos do Ministério da Saúde concebem a realização de toda a actividade sanitária do país como devendo estar centrada nos hospitais.

3.3.6 Despesa pública e despesa privada

A despesa pública com a saúde corresponde à despesa suportada pelos agentes financia-dores públicos que gerem e administram os regimes de financiamento do Sistema de Saúde Pública e os regimes de financiamento contributivos através dos quais realizam a oferta de serviços de saúde directa ou indirectamente. Em Angola, a despesa pública ainda suporta parte considerável da totalidade dos gastos das famílias com a saúde. Conforme os dados do Banco Mundial, entre os anos de 2007 a 2014, o Estado angolano suportou um peso médio de 65,34% das despesas totais com a saúde das famílias.

Por outro lado, a despesa privada com a saúde, neste mesmo período, manteve -se estag-nada, registando um valor médio de 34,65% da totalidade dos gastos com bens e serviços de saúde. O que demonstra que a totalidade do dinheiro gasto pelas famílias (quer de forma di-recta, quer através de sociedades de seguro e de instituições sem fins lucrativos ao serviço das famílias) não cresceu de forma sustentada ao longo dos anos considerados. Ou seja, não obs-tante o aparecimento do mercado de seguros privados de saúde e o crescimento do número de clínicas privadas e subsequente oferta de serviços clínicos, o certo é que a despesa privada com o consumo de bens e serviços de saúde não tem aumentado significativamente.

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DESPESAS PÚBLICAS VERSUS DESPESAS PRIVADAS COM A SAÚDE EM ANGOLA

FONTE: Banco Mundial e cálculos do CEIC.

Observando o comportamento da despesa privada, podemos chegar à conclusão de que as famílias angolanas ainda dispõem de poucos recursos para suportar os custos dos serviços de saúde. Por outro lado, poucas são as famílias que conseguem ter acesso aos planos de finan-ciamento privados de saúde do mercado de seguros, visto que em muitos casos precisariam de estar a exercer actividades remuneratórias formais. Por outro lado, os custos praticados pelos agentes privados de oferta de bens e serviços de saúde são incomportáveis para os rendimen-tos da maioria dos agregados familiares em Angola, um país cujo número de desempregados atinge os 24,2% da população economicamente activa70.

70 Censo 2014: Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da População e Habitação, INE, Março 2016.

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4. COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO

4.1 O fim de um ciclo

O ano de 2015 constitui, do ponto de vista oficial, o fim de um ciclo para o sector da educa-ção, cujo início ocorreu nos primeiros anos do presente milénio, com a aprovação e adopção, pelo Estado angolano, de um conjunto de instrumentos normativos e programáticos, a saber:

• Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) – 2000-2015:Agenda global de compromissos mínimos, de entre os quais a garantia do Ensino Primário de qualidade para todos71, estabelecida em comum acordo por 189 chefes de Estado e de Governo sob a égide da Cúpula do Milénio, reunida em Setembro de 2000. Como a maior parte dos países, Angola não apenas subscreveu os oito ODM, mas também os incorpo-rou, como um dos eixos centrais, à sua Agenda Nacional de Desenvolvimento.

• Plano Nacional de Educação para Todos (PN -EPT) – 2001 -2015:Elaborado com base nas recomendações da chamada “Declaração de Dakar”, documento lavrado pela Cúpula Mundial da Educação, reunida em Abril de 2000, em que constam seis objectivos fundamentais a serem alcançados pelos Governos de todo o mundo em prol de uma educação inclusiva e igualitária72.

• Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação (EI -MSE) – 2001 -2015:Para além de um diagnóstico extremamente negativo do funcionamento dos diferentes subsistemas de ensino, essa estratégia nacional inclui um prognóstico da evolução a curto, médio e longo prazos dos principais indicadores macro -educacionais, tais como as taxas de matrícula e de rendimento escolar.

• Lei de Bases do Sistema de Educação (LBSE)73 – 2001:Diploma legal que marca a passagem do antigo sistema de educação, vigente desde 1978, para o novo sistema, o qual veio a ser apenas implementado a partir de 2005, por meio do Plano de Implementação Progressiva do Novo Sistema de Educação74.

71 Refere -se ao ODM n.o 2. Ver Organização das Nações Unidas, Objectivos de Desenvolvimento do Milé‑nio: Uma Breve Síntese. In Wecan and Poverty 2015, p. 2, 2010. 72 Ver UNESCO, Declaração de Dakar – Educação para Todos, Dakar, 28 de Abril de 2000. 73 Lei n.o 13/01, de 31 de Dezembro.74 Decreto n.o 2/05, de 14 de Janeiro.

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Esses instrumentos visaram, essencialmente, a criação de um quadro favorável à restrutu-ração operacional do sistema de educação, pouco antes mesmo do término da guerra civil. Nas palavras oficiais as máximas prioridades eram: 1) realizar a escolarização de todas as crianças em idade escolar; 2) erradicar o analfabetismo de jovens e adultos; e 3) aumentar a eficácia do sistema educativo, de modo a colocá ‑lo em linha com as necessidades do país em termos de recursos humanos75.

Neste sentido, o ciclo que se encerra no ano de 2015 pode muito bem ser chamado “ciclo do acesso escolar”, no sentido em que nele teve lugar o esforço de ampliação da inclusão escolar.

De facto, após décadas de estrangulamento do sistema de educação (escassez de salas de aula e de professores com incidência na área rural, sobrelotação da rede escolar nos centros urbanos, inexistência de meios logísticos e pedagógicos, etc.), causado quer pelo longo conflito armado, quer pelo fraco investimento público no sector, assistiu ‑se a um aumento exponencial do número de matrículas em todos os níveis de ensino, ainda que sem o correlativo aumento do número de educadores de infância e de professores.

Entretanto, parece cada vez mais evidente que o crescimento do número de matrículas, tanto na Classe de Iniciação, como nos níveis Primário, Secundário e Superior, ficou aquém das expectativas. Note ‑se que as próprias autoridades angolanas, em várias ocasiões, já vieram a público reconhecer que, apesar dos avanços relativos registados, o país deverá continuar a em-preender esforços para alcançar os objectivos no sector da educação, sejam aqueles assumidos no âmbito de protocolos internacionais, sejam os outros estabelecidos internamente76. Eis o que justifica a prossecução do acesso escolar no contexto geral das metas de desenvolvimento através da materialização da terceira etapa (“Sustentabilidade e Crescimento”) da Estratégia Nacional de Desenvolvimento de Longo Prazo – Angola 2025.

Aliás, basta consultar os Relatórios de Monitoria sobre Educação para Todos, do Ministério da Educação, ou mesmo os Relatórios sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, do Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial, para perceber que, desde alguns anos atrás, já era previsível que o país não conseguisse:

• Expandir e melhorar, em todos os aspectos, cuidados e educação na Primeira Infância, especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas.

• Assegurar que até 2015 todas as crianças e, sobretudo, as meninas e crianças em situação difícil e pertencentes a minorias étnicas, tenham acesso a um Ensino Primário gratuito e obrigatório de boa qualidade e o concluam.

75 Governo da República de Angola, Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação 2001‑ ‑2015, Luanda, Agosto de 2001, p. 37.76 Na “Nota de Abertura” do Relatório de Balanço sobre os Objectivos do Milénio 2015, do Ministério do Planeamento e Desenvolvimento Territorial, o titular da pasta, Job Graça, reconhece que o ODM n.o 2 não foi, em média, cumprido – Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial, Relató‑rio de Balanço sobre os Objectivos do Milénio 2015, Luanda, Novembro de 2015, p. 6.

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• Responder às necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos, através do acesso equitativo a uma aprendizagem adequada e a programas de preparação para a vida activa.

• Aumentar em 50%, até ao ano 2015, o número de adultos alfabetizados, em particular mulheres, facilitando a todos os adultos um acesso equitativo à educação básica e à edu-cação permanente.

• Eliminar as disparidades de género no Ensino Primário e Secundário, até 2005, e alcançar, até 2015, a igualdade entre os sexos na educação, garantindo às meninas um acesso ple-no e equitativo a uma Educação Básica de boa qualidade, com as mesmas possibilidades de sucesso77.

É certo que, em relação ao ODM n.o 2, o fraco desempenho não se limita à realidade do acesso escolar em Angola. Nenhum país classificado como de desenvolvimento humano baixo conseguiu garantir que “até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, (tivessem) a oportunidade de completar um plano de estudos de [escolarização] primária completo”78. De acordo com o Relatório sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio 2014, da ONU, “os maiores insucessos verificaram ‑se na região da África Subsariana (sic)”, onde a taxa líquida de escolarização registou um crescimento de apenas 18 pontos percentuais entre 2000 e 201279.

O propósito deste capítulo é o de contribuir, através da análise do comportamento dos prin-cipais indicadores de acesso escolar, para a compreensão da dimensão real da actual ineficiên-cia da cobertura escolar nos diferentes níveis. Trata -se, assim, de, com base em informação quantitativa recente, procurar apresentar subsídios que possam levar ao entendimento do in-sucesso – e relativo sucesso, em alguns casos – no cumprimento das metas para o sector da educação.

Para o efeito, considera -se imprescindível, antes de mais, proceder a uma revisão da popu-lação em idade escolar, em função da qual o grau de acesso escolar é medido.

77 Ver Ministério da Educação, Relatórios de Monitoria sobre Educação para Todos, Luanda, Novem-bro de 2014, p. 4. 78 Organização das Nações Unidas, Relatórios sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio 2014, in Wecan and Poverty 2015, p. 16, 2014.79 Organização das Nações Unidas, op. cit., p. 17. Espera -se, pois, que esse insucesso venha a ser supe-rado à luz de um novo compromisso que são os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), também conhecido por Agenda Pós ‑2015, lançado em Setembro de 2015 durante a Cúpula de Desen-volvimento Sustentável.

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4.2 População em idade escolar

É possível assegurar, a partir dos Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da Popula-ção e Habitação de Angola 2014, que a população em idade escolar esteja, actualmente, acima de 8 milhões, ao contrário das seguintes projecções oficiais:

• 7 071 539, de acordo com o Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial, através do Plano Nacional de Desenvolvimento 2013 -2017 (PND)80.

• 7 516 600, segundo o Ministério da Educação, por intermédio do seu Relatório de Balanço referente ao ano de 201581, que se propõe avaliar o grau de execução das metas de polí-tica educacional concebidas no âmbito daquele plano de médio prazo.

Tal possibilidade se confirma mesmo que, num primeiro momento, apenas se leve em conta os níveis precedentes ao Ensino Superior e, para a Educação Pré -Escolar, apenas a Classe de Iniciação ou também designada por Pré -Primária82. No caso vertente, o cálculo aponta para uma população em idade escolar na ordem de 9 516 093, divergindo das referidas projecções oficiais em mais de 1 000 000.

Já quando adicionadas as faixas etárias adequadas ao Ensino Superior e à educação na Pri-meira Infância, a soma tem como resultado 13 810 536, o que conforma pouco mais da metade, cerca de 52%, da população total residente no ano de 2015, estimada em 26 485 327, de acordo com uma taxa de crescimento natural de 2,7%83.

À luz dessa estimativa, a faixa etária dos 6 aos 11 anos, que corresponde ao máximo de tempo de escolarização previsto em todo o sistema de educação e a idade adequada ao Ensino Primário, apresenta ‑se como a mais populosa. A sua participação percentual é de 34,1 em re-lação à população em idade escolar e de 17,7 em relação à população total residente. Por seu turno, a faixa etária dos 12 aos 14 anos, recomendável para o 1.° Ciclo do Ensino Secundário, possui a menor população, com 1 726 861.

80 Ver Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial, Plano Nacional de Desenvolvi‑mento 2013 ‑2017, Luanda, Dezembro de 2012, p. 115.81 Ver Ministério da Educação, Relatório de Balanço do Plano Nacional de Desenvolvimento 2013 ‑2017. Balanço 2015, Luanda, Dezembro de 2015, p. 18. Talvez porque elaborado três meses antes da publi-cação dos Resultados Definitivos do Censo 2014, o referido relatório não tenha sido revisto em função dos dados actuais. De todo modo, em se tratando do órgão de gestão e tutela do sector da educação, a não actualização do número da população em idade escolar resulta em erros de previsibilidade e acção institucional, com proporções políticas e sociais graves, na medida em que a exclusão escolar de parte da população passa a ser, ainda que involuntariamente, negligenciada. 82 A Educação Especial e a Educação de Adultos não contam para a taxa da população em idade escolar, pelo simples facto da primeira ser transversal ao subsistema de Ensino Geral (Ensino Primá-rio e Ensino Secundário) e da segunda não ter uma população em idade escolar com limite de faixa etária. 83 A mesma taxa de crescimento natural constante dos Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da População e Habitação de Angola 2014. Ver Instituto Nacional de Estatística, op. cit., 2016, p. 15.

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POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR (ESTIMATIVA) EM 2015

FONTE: CEIC, com base no INE, 2016.

Os Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da População e Habitação de Angola 2014 permitem ainda assegurar que a maioria da população em idade escolar reside em áreas urbanas nas quais o número de escolas é absolutamente mais elevado do que nas áreas rurais.

Essa maioria equivale a 54,4% da população urbana, sobretudo litorânea, concentrada em Luanda e Benguela, aliás duas das províncias com os mais altos índices de actividade económica e de empregabilidade84, revelando -se assim a relação intrínseca entre as desigualdades educa-cionais e as assimetrias regionais85.

Ou seja, os dados mostram, à partida, que a fraca oferta de bens e serviços sociais nas áreas rurais continua a ser uma das razões essenciais da migração da população mais jovem para as áreas urbanas, em busca de formação, com vista a uma melhor inserção no mercado de tra-balho e no espaço público, porquanto, para quem opta por não arredar pé, resta como quase certo o flagelo do analfabetismo e a consequente exclusão dos processos formais de produção e de cidadania.

84 Instituto Nacional de Estatística, op. cit., 2016, p. 156.85 Essa relação radica na ausência de uma justiça distributiva nacional. É o que afirmam, por exemplo, Cida de Oliveira e Sarah Fernandes, ao considerarem, em relação ao contexto educacional brasileiro, que o fim das desigualdades educacionais entre ricos e pobres, Sul e Norte, brancos e negros, depende, principalmente, de uma justa redistribuição dos recursos. Oliveira, C. e Fernandes, S.: “O Fim das Desigualdades Educacionais depende da Redistribuição de Recursos” (publicado em 27/01/2014), in Rede Brasil Atual, disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br>, acesso: 03/11/2015.

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POPULAÇÃO NA FAIXA ETÁRIA DE 5 A 23 ANOS POR PROVÍNCIA (ESTIMATIVA) EM 2015

FONTE: CEIC, com base no INE, 2016.

Quanto à diferenciação por sexo, estima ‑se que a população feminina representa a maioria nas áreas urbanas e rurais. Ela perfaz um total de 6 837 562, que representa 0,9% a mais do que a população masculina no cômputo da população em idade escolar. Daí certo predomínio do sexo feminino no interior das diferentes faixas etárias, em particular naquelas adequadas à Edu-cação Pré ‑Escolar e ao Ensino Primário, o que exige a reconfiguração dos parâmetros actuais de equidade educacional de género.

POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR POR ÁREA E SEXO (ESTIMATIVA) EM 2015

FONTE: CEIC, com base no INE, 2016.

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Prevê ‑se, por conseguinte, que até 2025 a população em idade escolar se situe acima de 17 500 000, em conformidade com o que ilustra o gráfico seguinte.

PREVISÃO DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR ATÉ 2025

FONTE: CEIC, com base no INE, 2016.

4.3 Cobertura escolar nacional

Em face dessa breve revisão da população em idade escolar, que no fundo atesta a estrutura demográfica do país, mormente a pirâmide etária, a distribuição territorial e a composição se-xual da população total residente86, não é difícil constatar que até ao ano de 2015 a cobertura escolar se manteve bastante aquém do crescimento da população em idade escolar.

A constatação vale tanto para a demanda teórica, quanto para a demanda efectiva de esco-larização. A primeira refere -se ao total da população em idade escolar, enquanto a segunda im-plica apenas o segmento da população em idade escolar que se propôs ingressar no sistema de educação por meio da participação nos processos de admissão aos respectivos níveis de ensino.

O gráfico da página seguinte mostra que nos seis últimos anos a dinâmica de expansão da Rede Geral de Ensino Pública, Privada e Comparticipada, incluindo a Educação Especial e a Educação de Adultos87, com uma média de crescimento anual de 13,4%, foi incapaz de alcançar

86 Instituto Nacional de Estatística, Recenseamento Geral da População e Habitação. Apresentação dos Resultados Definitivos, Março de 2016, pp. 8-11.87 A informação estatística disponibilizada pelo Ministério da Educação não desagrega, para alguns anos, o número de matrículas efectuadas no Ensino Geral do número de matrículas efectuadas na Educação Especial e na Educação de Adultos.

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o ritmo de progressão da população em idade escolar. Embora não conste o total de matrícu-las efectuadas na educação na Primeira Infância, em razão da indisponibilidade de informação mais recente a respeito do número de crianças inscritas anualmente em creches e jardins in-fantis em todo o país88, fica claro que a cobertura escolar não atingiu até então os patamares preconizados, inversamente ao que os dados oficiais parecem fazer crer.

MATRÍCULAS E POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR EM 2015

FONTE: CEIC, com base no INE, 2014 e ME, 2011; 2015.

Não se nega, com isso, que houve uma redução significativa da exclusão escolar ao longo dos quinze anos transactos, por consequência directa da Reforma Educativa que implementou o novo Sistema de Educação. O que aqui se coloca em causa é a pressuposição de que, em fun-ção dessa redução, se esteja próximo de uma cobertura escolar satisfatória ou de uma inclusão escolar plena. Pois, como ficou sugerido no primeiro parágrafo da presente secção, as metas oficiais estiveram – e continuam a estar – fundadas em projecções equivocadas do crescimento da população em idade escolar.

Sem que a devida correcção se imponha de imediato, acha -se pouco provável que até ao ano de 201789 a cobertura escolar venha a responder a qualquer uma das demandas de esco-larização. Até porque, para que realmente assim aconteça, não basta que o total de matrículas coincida com o número da população em idade escolar – o que, aliás, já seria um feito assina-lável. É necessário, em última instância, que os alunos matriculados correspondam, de facto, à população em idade escolar, isto é, que a população na faixa etária dos 3 aos 23 anos de idade esteja incluída no Sistema de Educação.

88 Ver Ministério da Educação, op. cit., 2015, p. 18.89 Por ser este o ano limite de implementação do PND 2013 -2017.

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Mesmo com uma taxa bruta de escolarização de 61,7%, registou ‑se, em termos relativos, uma cobertura escolar insuficiente, na medida em que mais de 5 milhões de habitantes em idade escolar estariam excluídos do Sistema de Educação.

SATISFAÇÃO DA DEMANDA TEÓRICA DE ESCOLARIZAÇÃO EM 2015

FONTE: CEIC, com base no INE, 2014 e ME e MES, 2015.

Nos mesmos termos relativos, é provável que a exclusão se ampliará até 2015, uma vez que mantendo -se o actual ritmo de progressão da cobertura escolar, a decalagem da população em idade escolar em relação ao número de matrículas será de 5 062 853.

PREVISÃO DE CRESCIMENTO DAS MATRÍCULAS ATÉ 2025

FONTE: CEIC, com base no INE, 2014.

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Ocorre que, em termos reais, certamente que o índice de exclusão escolar ultrapassa, com larga margem, a percentagem de 38,3, hospedando -se próximo de 50%. Quer dizer, por isso, que há a probabilidade objectiva de pouco mais ou pouco menos de metade da população em idade escolar estar fora do Sistema de Educação. Mais ainda, é real o risco de que o nível de exclusão venha a aumentar consideravelmente em anos vindouros.

4.4 Cobertura escolar por níveis de ensino

Com as diferenças de cada caso, cenário idêntico verifica ‑se em relação à cobertura escolar por níveis de ensino. Apesar de terem alcançado as mais altas taxas brutas de escolarização desde 2002, os diferentes níveis de ensino tiveram índices de inclusão escolar abaixo do desejável. A única excepção foi o Ensino Primário, onde, a despeito de uma queda de 2,3% da taxa de cres-cimento anual de matrículas, a taxa bruta de escolarização fixou ‑se acima de 100%. No entanto, trata ‑se de uma excepção aparente, porque sinaliza a reincidência de uma anomalia enformada pela presença de alunos com idade inadequada, a princípio na ordem de 7,5%, resultante de casos de ingresso tardio e da manutenção dos índices de repetência.

COBERTURA ESCOLAR POR NÍVEIS DE ENSINO EM 2015

IndicadoresClasse de Iniciação (5 anos)

Ensino Primário

(6 a 11 anos)

Ensino Secundário (12 a 18 anos) Ensino

Superior (19 a 23 anos)1.o Ciclo

(12 a 14 anos)2.o Ciclo

(15 a 17/18 anos)

População em Idade Escolar 951 773 4 714 067 1 726 861 2 123 392 2 279 790

Matrículas 727 120(+11,3%)

5 070 800(-2,3%)

1 082 800(+13,2%)

621 700(+27,7%)

218 433(+49,6%)

Taxa Bruta de Escolarização 76,3% 107,5% 62,7% 29,2% 9,5%

FONTE: CEIC, com base no ME e MES, 2015.

Portanto, carece de sustentação empírica a tese de que a taxa líquida de escolarização no Ensino Primário esteja acima de 83%90, uma vez que nem sequer ultrapassou os 80% no ano de 201491. Como se verá adiante, com a redução da taxa de crescimento anual de matrículas, a taxa líquida de escolarização no Ensino Primário terá caído não menos de 2%, fixando ‑se em

90 É o que sustenta o aludido Relatório de Balanço sobre os Objectivos do Milénio 2015 para o ano de 2014, baseado em informação do Ministério da Educação. Ministério do Planeamento e do Desenvol-vimento Territorial, Relatório de Balanço sobre os Objectivos do Milénio 2015, Luanda, Novembro de 2015, p. 41. 91 Ver Instituto Nacional de Estatística, op. cit., p. 16.

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cerca de 74%. Em limites muito mais baixos, ter -se -ão situado as taxas líquidas de escolarização dos demais níveis: Classe de Iniciação, com cerca de 23,4%; 1.o Ciclo do Ensino Secundário, com cerca de 18,6%; 2.o Ciclo do Ensino Secundário, com cerca de 11,5%; e Ensino Superior, 3,5%, sendo, sem dúvida, o caso mais preocupante.

4.4.1 Educação Pré ‑Escolar

Os factos levam a afirmar ainda que, em prejuízo das metas estabelecidas com vista à me-lhoria da Educação Pré ‑Escolar, esse subsistema continua a desmerecer, na prática, a atenção requerida pelo estatuto basilar que detém no contexto da cadeia de ensino.

Sendo uma deficiência transversal ao Sistema de Educação, a questão do acesso coloca ‑se com especial ênfase no caso da Educação Pré ‑Escolar, já que, perdida esta etapa, o indivíduo jamais, ou tão ‑somente a duras penas, conseguirá desenvolver as valências cognitivas inatas não estimuladas na tenra idade. Razão mais do que suficiente para que a educação à Primeira Infância fosse encarada como uma prioridade nacional, da qual, portanto, o Estado não abrisse mão, no sentido de garantir, de facto, a sua obrigatoriedade e gratuidade92. A não ser que a ur-gência da referida necessidade seja tida em conta, o futuro de sucessivas gerações de crianças continuará fadado ao insucesso intelectual, ético e social, com incalculáveis e irremediáveis perdas para o país.

A dimensão do descaso a que parece estar votada a Educação Pré -Escolar pode ser, entre-tanto, aferida por meio das próprias constatações e avaliações oficiais em relação ao ano de 2015. No Relatório de Balanço acima referido, o Ministério da Educação consta que, no âmbito do Programa de Expansão da Educação Pré -Escolar, foram desenvolvidas as seguintes acções:

• Prosseguida a construção de salas de aulas, por iniciativa da comunidade, com o apoio dos Governos Provinciais e seus parceiros.

• Efectuados contactos com o Ministério dos Transportes para a implementação do trans-porte escolar.

• Elaborado o Relatório Final do Estudo de Caso sobre a Educação Pré -Escolar (Classe de Iniciação) nas províncias do Bié, Cuanza Norte, Cunene e Luanda.

• Orientadas todas as instituições do Ensino Primário para a inserção de, pelo menos, uma turma da Iniciação e a isenção de qualquer tipo de pagamento, tendo em conta a Lei n.o 13/2001, de 31 de Dezembro.

92 Em conformidade com o que prevê a alínea g) do artigo 21.o da Constituição da República de Angola como uma das tarefas fundamentais do Estado angolano: “promover políticas que assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito”, como é o caso do Ensino Pré -Escolar, de acordo com a Lei de Bases do Sistema de Educação.

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• Elaborado o Plano Estratégico da Classe de Iniciação com o apoio do UNICEF e um estudo sobre a situação real da educação.

• Em curso consultas internas para aprovação do Plano Estratégico da Classe de Iniciação e aprovação do Relatório Preliminar sobre o Diagnóstico do Pré -Escolar (Classe de Iniciação) em Angola93.

Evidencia ‑se que, até ao momento, inexiste um conhecimento definitivo da situação real da Educação Pré ‑Escolar em todas as províncias do país, o que dificulta o trabalho de avaliação e compromete deveras a exequibilidade de qualquer medida de política educacional estruturante destinada ao subsistema.

Ademais, resulta evidente que as acções levadas a cabo tiveram como alvo exclusivo a Classe de Iniciação, deixando de levar em conta a creche e o jardim infantil. Tanto assim é que não se acha qualquer referência à construção e ao apetrechamento de centros infantis, bem como à formação de educadores de Primeira Infância, acções que certamente mitigariam as inúmeras insuficiências que ainda se constatam no panorama da Educação Pré ‑Escolar.

Assim sendo, em rigor, não se pode falar propriamente da existência de uma rede pública de creches e jardins infantis no país, pois a maior parte dos estabelecimentos de educação na Primeira Infância, aos quais parte das famílias confiam a educação dos seus filhos, são privados ou, no mínimo, comparticipados, quer dizer, inacessíveis à maioria das crianças.

Não só não se tem investido na formação de educadores de infância e na construção de no-vos Centros Infantis Municipais, como se tem descurado dos poucos centros que ainda restam e possuem, no quadro dos seus serviços, educação destinada à Primeira Infância. Só assim se explica o facto da maior parte das crianças que atingem os 5 anos de idade não beneficiarem de qualquer tipo de educação dirigida.

Embora não se disponha de informação acerca do comportamento dos principais indicado-res da Educação Pré -Escolar no ano de 2015, com excepção da Classe de Iniciação, calcula -se que os números actuais não estejam muito distantes dos registados há cerca de seis anos atrás, pois há que relembrar que pelo menos até ao ano de 2009, existiam, em todo o país, 368 Cen-tros Infantis públicos e privados, sendo 155 provinciais e 213 comunitários94.

Acresce que, para além da referida oferta ser incompatível com a demanda efectiva à época, a maior parte de tais instituições, mormente os Centros Comunitários, não apresentava as con-dições mínimas exigidas para o exercício da educação na Primeira Infância, o que, no entanto, não impedia que continuassem a funcionar. Isto sem falar daqueles centros que se encontra-vam já, desde há algum tempo, parcial ou mesmo totalmente inoperantes.

93 Ministério da Educação, op. cit., p. 2. 94 Instituto Nacional de Estatística, Inquérito Integrado sobre o Bem ‑Estar da População, 2008 ‑2009, Luanda, 2010, p. 37.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

CENTROS INFANTIS POR PROVÍNCIA EM 2010

FONTE: INE, 2010.

De modo que 90,7% das crianças em idade escolar (com 3 e 4 anos de idade) não frequen-tavam a Educação Pré -Escolar, o que correspondia a uma taxa líquida de escolarização de 9,3%. Já a taxa bruta de escolarização situava -se em 9,7%, havendo disparidades gritantes entre os dados provinciais, a exemplo de Cabinda e Uíge, detendo esta 1,7% e aquela 20,8%95.

4.4.1.1 Classe de Iniciação

Pela segunda vez nos seis últimos anos, a cobertura escolar, na Classe de Iniciação, ampliou‑-se no ano de 2015, muito em função do aumento da taxa de crescimento anual de matrículas, que se fixou acima de 10%. Se de 2010 a 2013 houve uma perda de pouco mais de 17,4% de matrículas, no último biénio operou ‑se um crescimento médio de novas matrículas na ordem de 13,1%.

95 Id., ibid., p. 87.

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TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL DE MATRÍCULAS NA CLASSE DE INICIAÇÃO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

Contrastando com os níveis Primário, Secundário e Superior, na Classe de Iniciação a relação entre a taxa de crescimento anual de matrículas e o total de matrículas por cada ano é directa, uma vez que na Educação Pré ‑Escolar não se coloca o problema da irregularidade do fluxo, ou não se deveria colocar. A inclusão escolar é, por assim dizer, uma variável ligada, quase que de maneira exclusiva, à variação do número de novas vagas em função da dinâmica de crescimento da população em idade escolar.

Assim, vê ‑se no gráfico abaixo que, depois do movimento decrescente do número de ma-trículas ter atingido o seu ponto mais baixo no ano de 2013, em que se totalizou a perda de quase 100 mil matrículas, a disparidade em relação à população em idade escolar passou a ser consideravelmente reduzida.

MATRÍCULAS E POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR NA CLASSE DE INICIAÇÃO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

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A diminuição do défice pode também ser confirmada pela renovação do crescimento da taxa bruta de escolarização, como ilustra o gráfico seguinte.

TAXA BRUTA DE ESCOLARIZAÇÃO NA CLASSE DE INICIAÇÃO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, 2015.

Significa, pois, que está em curso uma recuperação moderada de novas vagas, para níveis anteriores ao ano de 2010, cuja sustentabilidade dependerá, com certeza, da criação de infra-‑estruturas físicas e contratação de educadores destinados exclusivamente à Educação Pré‑-Escolar, e não da inserção de turmas iniciais em escolas do Ensino Primário, como tem ocorrido e consta de orientações do Ministério da Educação, conforme citado acima.

No fundo, a medida em causa desvaloriza a Educação Pré -Escolar, em geral, e a Classe de Iniciação, em particular, tendo em conta que as trata como meras precedências do Ensino Pri-mário, sem qualquer natureza específica.

4.4.2 Ensino Primário

No Ensino Primário a cobertura escolar ainda é feita, na sua maioria, pela rede pública. Ela continua a cobrir, aproximadamente, 78% do território nacional. Já a rede privada cobre cerca de 17%. Há também as chamadas escolas comparticipadas, que detêm os restantes 5% de co-bertura escolar.

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REDE DE ENSINO NO ENSINO PRIMÁRIO

FONTE: CEIC, com base no ME, 2014-2015.

Essa cobertura escolar está mal distribuída geograficamente. No meio urbano, o Ensino Pú-blico cobre 64%, ao passo que o Ensino Privado cobre 25% e o Comparticipado cobre 11%. No meio rural, 91% da oferta não deixou de ser pública, sendo a restante em maior dimensão comparticipada.

Como mencionado acima, as matrículas no Ensino Primário decresceram. Foi a primeira vez que o referido decréscimo ocorreu, ao menos desde 2002. E, ainda que pouco expressivo no conjunto das matrículas efectuadas, na ordem de 2,3%, não deixou de surpreender quem acompanha com alguma atenção as mudanças por que passa o sector da educação, em parti-cular no quesito acesso.

TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL NO ENSINO PRIMÁRIO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2015.

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Esperava -se, diferentemente, que, no mínimo, as matrículas permanecessem acima de 5 150 000, justamente no ano de 2015, em que já se previa que a promessa de universalização do Ensino Primário não seria alcançada.

MATRÍCULAS NO ENSINO PRIMÁRIO ENTRE 2002-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

Esse facto inédito e, ao mesmo tempo, contraditório está longe, portanto, de sinalizar um momento de consolidação do acesso após 13 anos de evolução, numa média anual de cresci-mento de 3,8%. Considerando ‑se que a respectiva taxa líquida de escolarização não superou os 80 pontos percentuais, a diminuição do número de alunos significa, antes de mais, que a rede de cobertura escolar no Ensino Primário perdeu – acidentalmente, espera -se – a capacidade de expansão que até então evidenciou, num ritmo lento, mas aparentemente seguro.

Não se descarta, desde já, que tenha havido uma redução da cota anual de vagas disponí-veis. Ainda que não se disponha de informação desagregada do número de matrículas por pro-víncia, género e classe, é razoável partir do pressuposto de que a inversão da disponibilidade de acesso manteve os actuais desiquilíbrios em termos de exclusão escolar entre as 18 províncias, as 6 classes e ambos os sexos. O mesmo não se poderia dizer em relação às áreas de residência, pois, em razão da escassez de salas de aula, as áreas rurais e as regiões periurbanas terão regis-tado a maior diminuição do número de alunos.

A redução da quota anual de vagas poderá ter resultado de uma série de factores. No en-tanto, deve ‑se, à partida, descartar o factor demográfico, uma vez que é fácil constatar que não ocorreu uma queda da taxa de natalidade e um aumento da taxa de mortalidade infantil que pudessem influenciar a lenta evolução das matrículas nos últimos cinco anos96. Do mesmo

96 O que, aliás, estaria em desacordo com os Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da Popu‑lação e Habitação de Angola 2014.

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modo que é fácil concluir que, se a queda e o aumento das referidas taxas tivessem ocorrido em determinadas províncias, o número de alunos não deixaria de aumentar em termos nacionais por causa do provável défice da taxa líquida de escolarização, que permitiria compensações por meio da inclusão da população em idade escolar.

Uma das hipóteses a considerar é a da exclusão da população em idade escolar adequada, que deixou os seus antigos espaços de residência, trocando uma província por outra, um muni-cípio por outro, ou mesmo uma comuna por outra. Nos novos espaços de residência, esta popu-lação não encontrou a disponibilidade de cobertura escolar necessária para acolhê ‑la, pois, por omissão das autoridades locais e centrais, não se procedeu à realocação atempada de escolas, professores e outros meios imprescindíveis ao processo de ensino e aprendizagem.

Um claro exemplo é a província de Luanda, onde as escolas, sobretudo públicas, do municí-pio sede, tem registado uma diminuição significativa de vagas, resultado da queda na demanda de escolaridade específica ao nível do Ensino Primário. De acordo com a reportagem publicada pelo Jornal de Angola;

A situação deve -se ao facto de muitas famílias se terem mudado para as novas centralidades e, algumas, construído moradias fora do centro da cidade, onde agora o nível de procura por va-gas no Ensino Primário, por estar a crescer exponencialmente, tem sido a grande preocupação do Governo Provincial de Luanda97.

Enquanto algumas escolas do Centro são obrigadas a fazer cortes nas suas vagas, por haver pouca procura, as escassas escolas das novas centralidades e de bairros periféricos são incapa-zes de responder à enorme demanda efectiva. As escolas da Ingombota chegam a ter turmas com 20 alunos cada, muito abaixo da média nacional. O rácio aluno/professor varia entre 30 e 35. Em contrapartida, nas escolas do Zango, no município de Viana, um professor ensina 100 ou mais crianças98. A situação repete-se em outras escolas distantes, onde muitas famílias não conseguem uma vaga para matricular os seus filhos entre os milhares. A única alternativa que lhes resta é contratar os serviços de professores particulares, vulgo explicadores, cuja formação pedagógica, em mais de 90% dos casos, é nenhuma.

Isso, no entanto, não incluiu, no ano de 2014, Luanda no grupo das províncias com o maior ín-dice de exclusão escolar no Ensino Primário99. Nele estão províncias mais pobres, como Cunene, Moxico e Cuando Cubango, de acordo com o gráfico da página seguinte.

97 Jornal de Angola, “Muitos Alunos e Poucas Salas na Periferia”, Luanda, 29 de Julho de 2015, p. 6. A reportagem é da autoria de Walter António e reproduz, na sua maior parte, as palavras de André Soma, Director do Gabinete Provincial de Luanda da Educação. 98 Id., ibid., p. 6. 99 Não são factíveis, de todo modo, os dados divulgados, no primeiro semestre do ano de 2015, pelo Gabinete Provincial de Luanda da Educação (GPLE), situando em 41 265 a população em idade esco-lar no Ensino Primário e Secundário. Id., ibid., p. 7.

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TAXA LÍQUIDA DE ESCOLARIZAÇÃO NO ENSINO PRIMÁRIO EM 2014

FONTE: CEIC, com base no INE, 2014.

Não obstante, e também como se fez menção, diversamente do que se verificou nos demais níveis de ensino, mais uma vez, no curso de seis anos, o total de matrículas no Ensino Primário superou a respectiva população em idade escolar. O que não quer dizer que todas as crianças na faixa etária adequada estejam matriculadas. Antes, sinaliza que, a princípio, mais de 300 mil alunos se encontram não inscritos na população em idade escolar, na sua esmagadora maioria com mais de 11 anos de idade.

MATRÍCULAS E POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR NO ENSINO PRIMÁRIO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015 e no INE, 2016.

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TAXA BRUTA DE ESCOLARIZAÇÃO NO ENSINO PRIMÁRIO ENTRE 2010‑2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

Na verdade, revela -se não apenas o problema do início tardio da escolarização de uma parte das crianças na faixa etária adequada, mas também os altos índices de atraso escolar no Ensino Primário, determinados tanto por aspectos exógenos, derivados da condição cognitiva da crian-ça e da situação económica da família, como por aspectos endógenos, relacionados com a irre-gularidade do fluxo no interior do subsistema.

Para dar uma ideia, estima ‑se que entre 2006 e 2008 a população que deveria estar matri-culada no Ensino Secundário era cerca de 58,5% da população matriculada no Ensino Primário, ou seja, aproximadamente 5 810 151 jovens entre os 12 e os 17 anos100. Entre 2008 e 2012, essa população ascendeu para pouco mais de 59%. Só em 2012, dos 5 022 144 alunos matri-culados, apenas 3 569 807 tinham idade para frequentar o Ensino Primário, o que teve como consequência haver cerca de 1 510 728 crianças, na faixa etária dos 6 aos 11 anos de idade, fora do Ensino Primário, uma vez que 2 963 064 alunos estavam matriculados em classes que não correspondiam às respectivas idades.

É bem provável que essa realidade se tenha mantido mais ou menos inalterável no ano de 2015.

4.4.3 Ensino Secundário

A avaliação feita de acordo com os dados disponíveis relativos à cobertura escolar no Ensino Secundário indica que, à semelhança do Ensino Primário, mais de 70% da rede continua a ser composta por escolas públicas, estando elas em absoluta maioria nas áreas urbanas e rurais.

100 Ver Instituto Nacional de Estatística, op. cit., 2010, p. 23.

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As escolas privadas encontram -se quase todas na capital do país, que, assim, possui pouco menos de ⅓ dos alunos do 1.o Ciclo e quase a metade dos alunos do 2.o Ciclo. As demais provín-cias com maior investimento privado no sector da educação, como Benguela, partilham entre si a grande fatia do que resta da cobertura escolar.

As escolas comparticipadas são uma minoria nas áreas urbanas, mas uma maioria em rela-ção às escolas privadas nas áreas rurais, onde atendem a população jovem que não conseguiu ingressar na rede pública por indisponibilidade de vagas ou mesmo por falta de escolas e, ao mesmo tempo, não possui condições financeiras suficientes para ingressar na rede privada.

REDE ESCOLAR NO ENSINO SECUNDÁRIO

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

Em termos homólogos, o número de novas matrículas foi beneficiado com um aumento de 22,6%. Foi um incremento acima da média na última década, de 15,5%, ainda que esse incre-mento represente 14,1% de perda.

Para além disso, pela terceira vez, desde 2005, a taxa de crescimento anual de matrículas chegou a superar os 20 pontos percentuais, depois de passar de 19,0% em 2010 para 22,1% em 2011, e de 5,5% em 2013 para 36,7% em 2014, até então a mais alta ascensão. É admissível falar ‑se em “regressão ascendente”, no sentido em que não deixou de haver acréscimo signi-ficativo de novas matrículas, apesar da desaceleração do ritmo de acesso em relação ao ano transacto.

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TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL DE MATRÍCULAS NO ENSINO SECUNDÁRIO ENTRE 2005-2015

FONTE: CEIC, com base no MES, 2011-2015.

Talvez se esteja já em presença dos primeiros e tímidos efeitos da Reforma Educativa, em especial no que diz respeito à eficácia interna do subsistema de Ensino Secundário. Com a im-plementação de medidas que visam corrigir o fluxo, passa a ser perfeitamente normal que, no decurso de anos subsequentes, se operem variações na expansão da cobertura escolar, sem que isso acarrete, via de regra, a anulação dos níveis relativos de crescimento do número de alunos.

No entanto, a manutenção do volume de novas matrículas em patamares considerados sus-tentáveis não torna intangível o grande défice de cobertura escolar, que, desde 2002, sequer ultrapassou os 50%. É verdade que a reincidência do incremento de novas matrículas acima de 20%, conforme notado, assume ‑se como um sinal positivo, mas, também, revela ‑se uma excep-ção que confirma a regra do extenso acumular de desaceleração do ritmo de acesso escolar.

MATRÍCULAS E POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR NO ENSINO SECUNDÁRIO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015 e no INE, 2016.

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TAXA BRUTA DE ESCOLARIZAÇÃO NO ENSINO SECUNDÁRIO ENTRE 2010‑2015

FONTE: CEIC, com base no MES, 2011-2015.

Os dois gráficos anteriores são, portanto, passíveis das seguintes leituras:

• De 2010 a 2015, a expansão do Ensino Secundário correspondeu a apenas 451 702 novas matrículas.

• O crescimento da taxa bruta de escolarização, de 2010 a 2015, foi apenas de 23,2%, quer dizer, ainda pouco expressivo para compensar as distorções que se verificam com a pre-sença da população na faixa etária inadequada.

• O ano de 2015 foi o único em que a taxa bruta de escolarização não acompanhou o cres-cimento do número de matrículas, o que reforça o enunciado no ponto anterior.

O défice prolongado tem sido, em grande medida, o principal motivo da péssima classifica-ção que o Ensino Secundário angolano tem merecido, recorrentemente, quando comparado com os seus similares internacionais.

Por isso, não causa espanto algum que, com mais de metade da população em idade es-colar excluída, o Ensino Secundário angolano se tenha situado, de 2008 a 2014, entre os me-nos acessíveis do mundo e, em particular, do continente africano. Até países como Burquina Faso, o Burundi e o Ruanda, com os conhecidos problemas humanitários com os quais ainda se debatem após largos anos de crises sociais e políticas cíclicas, matricularam mais jovens no nível Secundário do que Angola, que obteve uma taxa bruta de escolarização condensada de 32%.

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TAXA BRUTA DE ESCOLARIZAÇÃO NO ENSINO SECUNDÁRIO ENTRE OS PAÍSES AFRICANOS DE DESENVOLVIMENTO HUMANO BAIXO ENTRE 2008-2014

FONTE: PNUD, 2015.

E a julgar pelo valor da taxa líquida de escolarização referente ao ano de 2014, calculada a partir da informação constante dos Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da Popula-ção e Habitação de Angola 2014101, de 9%, a situação do acesso ao Ensino Secundário sugere -se muito mais problemática, uma vez que 78,5% dos alunos matriculados não se enquadrava na faixa etária adequada, na sua maioria ingressantes tardios e/ou repetentes.

Calcula -se que no ano de 2015 esse percentual não terá caído em mais de 4, sendo que o número real de jovens na faixa etária dos 12 aos 18 anos excluídos teria rondado os 3 200 000.

101 Ver Instituto Nacional de Estatística, op. cit., pp. 113 -114. O resultado do cálculo feito a partir dos dados dessas páginas não coincide com o resultado apresentado na página 16 dos mesmos Resulta‑dos Definitivos do Recenseamento Geral da População e Habitação de Angola 2014. O mais provável é que o erro esteja na síntese desta última página.

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TAXA LÍQUIDA DE ESCOLARIZAÇÃO NO ENSINO SECUNDÁRIO EM 2014

FONTE: INE, 2016.

POPULAÇÃO EM IDADE ESCOLAR DENTRO E FORA DO ENSINO SECUNDÁRIO EM 2014

FONTE: INE, 2016.

Resta saber como alguns desses indicadores se comportaram nos 1.o e 2.o Ciclos.

4.4.3.1 1.o Ciclo do Ensino Secundário

Também no 1.o Ciclo os desiquilíbrios na sequência da taxa de crescimento anual de matrí-culas chamam à atenção, mostrando terem ocorrido irregularidades gritantes no incremento de vagas. Parece mesmo que não houve, ou não foi possível haver, uma planificação efectiva do acesso no quadro da gestão do subsistema de Ensino Secundário desde 2005. Só no curso dos últimos três anos, a renovação de matrículas tanto aumentou 29,8%, de 2013 a 2014, como diminuiu exactamente 22%, de 2014 para 2015.

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TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL DE MATRÍCULAS NO 1.o CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO ENTRE 2005-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

De 2010 a 2015, a taxa bruta de escolarização demonstrou, contudo, não ter sido, de maneira directa, afectada pelos desequilíbrios. Ela progrediu ora em ritmo bastante lento, com 1,9% de rendimento (de 2011 a 2013), ora em ritmo moderado, com rendimento de 6,8% (de 2014 a 2015).

TAXA BRUTA DE ESCOLARIZAÇÃO NO 1.o CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

O que não deixou de se ressentir foi a taxa líquida de escolarização. O seu decréscimo acen-tuou as desigualdades na inclusão e na exclusão da população em idade escolar entre as pro-víncias. Como o gráfico da página seguinte deixa ver, as províncias do Cuanza Norte, Cuanza Sul

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e Cuando Cubango tão pouco conseguiram incluir 4% da população em idade escolar. Mas tam-bém províncias como Benguela e Huíla obtiveram uma taxa líquida abaixo da média, de 8,1%.

TAXA LÍQUIDA DE ESCOLARIZAÇÃO NO 1.o CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO POR PROVÍNCIA EM 2014

FONTE: INE, 2016.

4.4.3.2 2.o Ciclo do Ensino Secundário

No 2.o Ciclo verificou ‑se um comportamento diverso. Os desequilíbrios da taxa de cresci-mento anual de matrículas tiveram o seu reflexo na taxa bruta de escolarização.

Assim foi quando a queda do incremento de matrículas se situou abaixo de 3%, levando a taxa bruta de matrículas a decrescer 0,1%.

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TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL DE MATRÍCULAS NO 2.o CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO ENTRE 2005-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

TAXA BRUTA DE ESCOLARIZAÇÃO NO 2.o CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

De igual modo, percebe -se que a taxa líquida de escolarização em algumas províncias, com destaque para o Cunene, o Cuanza Sul e o Cuando Cubango, sofreu com as variáveis reduções do incremento de matrículas.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

TAXA LÍQUIDA DE ESCOLARIZAÇÃO NO 2.o CICLO DO ENSINO SECUNDÁRIO POR PROVÍNCIA EM 2014

FONTE: CEIC, com base no INE, 2016.

4.4.4 Alfabetização

Em relação à alfabetização de jovens e adultos, convém, antes de mais, assinalar que dado o facto de uma grande parte da população com mais de 14 anos ter sido excluída do sistema de educação ao longo de décadas, o Governo angolano apresentou, no ano de 2007, a Estratégia de Relançamento da Alfabetização e a Recuperação do Atraso Escolar, sob a direcção do Minis-tério da Educação. Essa estratégia vem sendo implementada através do Programa de Alfabe-tização e Aceleração Escolar (PAAE)102, concebido no ano de 2012, o qual tem como objectivo reduzir a taxa de analfabetismo no país em até 10%, no prazo de cinco anos.

Assim, a meta para o ano de 2017, estabelecido no PND, consiste na elevação da taxa de alfabetização em até 75%103.

102 Ver Ministério da Educação, Balanço da Implementação da Reforma Educativa nos Sistemas de Ensino: Educação Pré ‑Escolar, Ensino Geral, Formação de Professores e Ensino Técnico ‑Profissional, Luanda, 2001.103 Ver Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial, op. cit., 2012, p. 46.

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Em contraponto com a maioria dos subsistemas, a Educação de Adultos não implica para a avaliação do seu grau de eficácia em termos de acesso escolar um recorte preciso da população. A precisão resulta, na verdade, do prévio conhecimento da demanda teórica de alfabetização, formada pelo número da população considerada analfabeta, isto é, que não sabe ler e escrever.

Nos últimos onze anos, a média da taxa de crescimento anual de matrículas na alfabetização foi de 8,5, com oscilações sucessivas.

TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL DE MATRÍCULAS NA ALFABETIZAÇÃO ENTRE 2005‑2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

Enquanto isso, nos últimos dez anos, o crescimento do número de matrículas tem ‑se dado com relativa aceleração desde 2010, ano em que o grau de execução das metas anuais previstas no PND passou a situar -se acima de 100%.

MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO DE ADULTOS – ALFABETIZAÇÃO ENTRE 2010‑2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

Segundo os Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da População e Habitação de Angola 2014, no ano em referência, a taxa de alfabetização, em todo o país, situou ‑se em 65,6%. Sem nenhuma surpresa, verifica ‑se que mais de 63% da população com 15 ou mais anos de idade reside em áreas urbanas.

ALFABETIZAÇÃO POR ÁREA EM 2014

País e áreaPopulação com 15 ou mais anos de idade

População que sabe ler e escrever

Taxa de alfabetização

Angola 13 592 528 8 915 628 65,6%

Urbano 8 706 580 6 908 680 79,4%

Rural 4 885 947 2 006 945 41,1%

FONTE: CEIC, com base no INE, 2016.

As mulheres foram o grupo populacional que em menor número fizeram parte das turmas de alfabetização em todo o país. Crê ‑se que, nas áreas rurais, onde sobretudo razões culturais estiveram na base dessa ausência, em função da predominância da ordem patriarcal, elas te-nham composto menos de 30% da população na faixa etária de 15 a 34 anos que sabe ler e escrever, contra mais de 80% de homens.

ALFABETIZAÇÃO POR ÁREA E SEXO EM 2014

AngolaÁrea Sexo

Urbano Rural Homem Mulher

População com 15 ou mais anos de idade que sabe ler e escrever 65,6 79,4 41,1 80,0 53,0

População na faixa etária de 15 a 34 anos que sabe ler e escrever 76,9 87,7 54,7 40,0 36,5

FONTE: CEIC, com base no INE, 2016.

Os dados desagregados por província mostram que Cabinda e Zaire foram as províncias que assinalaram mais progresso. A taxa de alfabetização na população com 15 ou mais anos de idade dessas províncias aponta que, contrariamente a outros anos, no ano de 2014, o acesso à alfabetização em Luanda esteve longe de ser absolutamente hegemónico no con-texto do país.

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TAXA DE ALFABETISMO NA POPULAÇÃO COM 15 OU MAIS ANOS DE IDADE POR PROVÍNCIA EM 2014

FONTE: CEIC, com base no INE, 2016.

Será necessário, no entanto, um grande esforço de todos os actores comprometidos com a materialização dos programas de alfabetização – Governo e seus parceiros, mormente Igrejas e Organizações Não ‑Governamentais (ONG) nacionais e estrangeiras –, para que o analfabetismo seja erradicado até 2025, conforme novo desiderato oficial.

4.4.5 Ensino Superior

No Relatório Social de Angola 2013, afirmou ‑se, a propósito da expansão da rede escolar no Ensino Superior, que o exame da evolução do acesso escolar a este nível de ensino só estaria completo se fosse possível não apenas desagregar o número de matrículas, mas, sobretudo, correlacioná -lo com outros indicadores diretamente ligados ao acesso.

Ficou dito, ainda, que, à semelhança dos níveis precedentes, sem a verificação do compor-tamento das diferentes taxas, não se podia conhecer a real natureza do crescimento do número de matrículas no Ensino Superior, ou seja, não se podia saber em que medida o incremento de matrículas reflectia, de facto:

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• O aumento da capacidade de atendimento e de inclusão escolar do subsistema.

• A diversificação da oferta de cursos – e dos respectivos perfis de saída profissional – em função da crescente heterogeneidade dos candidatos no que respeita à competência aca-démica, ao interesse pessoal e à vocação.

• A adequação da formação superior às necessidades efectivas do país em termos de recur‑ sos humanos, de acordo com o previsto no Plano Nacional de Formação de Quadros (PNFQ)104.

Em face da ausência de informação que permitisse realizar as correlações, procedeu ‑se a cálculos aproximados que apontaram para uma expansão da cobertura no Ensino Superior baseada na ampliação precária do acesso escolar, cuja lógica compensatória se manteria por décadas.

Transcorrido apenas um ano, os dados disponíveis sobre o Ensino Superior vieram confirmar aquelas aproximações.

O país continua a dispor de um total de 71 IES, das quais 26 são públicas (36,6%) e 45 pri-vadas (63,4%). Desse universo, 63 estiveram em funcionamento em 2015, sendo 22 públicas (35,5%) – das quais sete Universidades, 11 Institutos Superiores e quatro Escolas Superiores – e 41 privadas (65%) – com 10 Universidades e 31 Institutos Superiores.

REDE ESCOLAR NO ENSINO SUPERIOR EM 2015

FONTE: CEIC, com base no MES, 2014-2015.

104 Universidade Católica de Angola, Centro de Estudos e Investigação Científica, Relatório Social de Angola 2013, Luanda, 2014, pp. 98 -99.

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REDE ESCOLAR NO ENSINO SUPERIOR EM 2015

FONTE: CEIC, com base no MES, 2014-2015.

Como se observou no ano de 2014, Luanda ainda ocupa a primeira posição no que respeita ao número de IES existentes e em funcionamento, ao deter 34 delas (51,6%)105.

Províncias como Bengo, Bié, Cuanza Norte e Lunda -Sul e Norte, com uma IES, dispõem de apenas 1,6% cada.

Das cerca de 130 unidades orgânicas que agora compõem as IES, quase 100 estão sediadas em Luanda. Com efeito, só Luanda detém 50 858 do total de matrículas, ficando o resto do país com 95 143.

Essa realidade é justificada apenas em parte pelo facto de Luanda concentrar a maioria da população de 18/19 a 22 anos, já que, se for tido em conta que um número considerável de jovens migra todos os anos das suas províncias para Luanda em busca de uma vaga no Ensino Superior público ou privado, facilmente se concluirá que o número de IES e o leque de cursos oferecidos em algumas províncias é insatisfatório.

105 Segundo o INE, no ano de 2014, “a província do país que apresenta uma maior proporção de popu-lação com Ensino Superior concluído é a província de Luanda com 5,4%, seguida da província de Cabinda com 3,8%. A província do Bié detém a menor proporção, com cerca de 0,5%”, Instituto Nacio-nal de Estatística, op. cit., p. 58.

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UNIDADES ORGÂNICAS POR PROVÍNCIA EM 2015

FONTE: CEIC, com base no MES, 2014-2015.

Apesar do crescimento do número de instituições, o Ensino Superior não deixou de ser, até ao ano de 2015, o nível de ensino com o mais baixo índice de cobertura escolar, por um lado, e com o mais elevado contingente de estudantes situados acima da idade adequada, derivado de inúmeros casos de ingresso tardio, por outro106.

São dois estatutos distintos, porém complementares, posto que um realimenta o outro, numa relação recíproca de causa e efeito. O défice de cobertura escolar é o principal responsá-vel pela maioria dos casos de ingresso tardio107, os quais, por seu turno, constituem, em certa medida, a raison d’être da não inclusão de grande parte da população em idade escolar, que, de fora do subsistema, vê mais de ⅓ das vagas disponíveis serem preenchidas pela população mais velha, ela mesma sucessivas vezes excluída no passado.

106 É oportuno assinalar que a presente secção aborda apenas o acesso a cursos de graduação, por-quanto o problema do ingresso tardio não se coloca da mesma maneira para o acesso a cursos de pós--graduação. 107 As causas secundárias podem ser: 1) indecisão na escolha do curso superior, geralmente por ausência de orientação académico -profissional no 2.o Ciclo do Ensino Secundário; 2) sobrecarga de tarefas sociais, que leva a adiar a formação superior, como ainda é o caso de muitas mulheres; e 3) opção pessoal, em função de um determinado projecto de vida.

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Esse círculo vicioso parece renovar ‑se a cada ano que passa, a despeito das iniciativas con-ducentes à ampliação do acesso, materializadas quer na permanente expansão da rede de insti-tuições de Ensino Superior privadas, que se multiplicam mesmo sem a observância dos padrões mínimos exigidos para o exercício da missão a que se propõem, quer, sobretudo, na mais re-cente criação das oito Universidades públicas de âmbito regional108. Isso prova que muitas das dificuldades com as quais se confronta a universalização do Ensino Superior não assentam raí-zes apenas nas insuficiências internas do subsistema, mas também nas insuficiências do Ensino Primário e Secundário109, afinal de onde provêm os ingressos com mais de 23 anos de idade. Em outras palavras, a exclusão escolar no Ensino Superior, à semelhança do insucesso escolar, continua a ser, em parte, um subproduto de mazelas transversais à cadeia de ensino.

Ao longo dos últimos quinze anos, o movimento da taxa de crescimento anual de matrículas apresentou oscilações regressivas constantes, que, por isso mesmo, estiveram longe de assegu-rar a trajectória de superação do referido défice de cobertura escolar.

De 2005 a 2009, em vez da manutenção do incremento acima de 30%, o volume de novas matrículas caiu para 13,2%. De 2010 a 2014, o decréscimo acentuou ‑se, já que, além de ficar abaixo de 10% em duas ocasiões, no fim do período, atingiu um saldo negativo superior a 30%. E apesar de, no ano de 2015, o incremento ter voltado a ser positivo, chegando mesmo a atingir o valor recorde de 49,6%, esse percentual não pôde significar nada de extraordinário. Antes pelo contrário, esperava -se que a adição de novas matrículas superasse os 70%, podendo -se, aí sim, falar de uma retoma do ritmo de crescimento iniciado no ano de 2005.

TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL DE MATRÍCULAS NO ENSINO SUPERIOR ENTRE 2005-2015

FONTE: CEIC, com base no MPDT, 2012-2013 e MES, 2014-2015.

108 Depois da criação das sete regiões académicas e respectivas Universidades em 2009 (Ver Decreto n.o 7/09, de 12 de Maio, publicado em Diário da República, 1.a Série, n.o 64, de 7 de Abril de 2009), foi criada em 2014 a VIII Região Académica, adstrita à Universidade Cuíto Cuanavale (ver Decreto n.o 172/14, de 16 de Julho, publicado em Diário da República, 1.a Série, n.o 135, de 23 de Junho de 2014). Contra as expectativas, essa universidade não entrou em funcionamento em 2015. 109 Refere -se, aqui, tanto a escassez de salas de aula e de outras infra -estruturas físicas indispensá-veis, que faz com que muitos ingressos não tenham acesso ao nível subsequente, quanto a ausência de fluxo regular, do que resulta o atraso escolar.

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Para agravar o quadro, o Ensino Superior tem enfrentado o intrigante fenómeno das desis-tências de candidatos admitidos, que, por motivos ainda não totalmente dilucidados110, deixam de efectuar as matrículas pela primeira vez. A gravidade reside justamente no facto de que, por mínimas que sejam, as desistências reduzem muito mais o volume de novas matrículas e, com efeito, geram a anulação de parte das vagas disponíveis111, o que se traduz no crescimento da demanda efectiva de escolarização, ou seja, do número de candidatos a uma vaga no Ensino Superior112, com incidência variável em cada ano e para cada uma das instituições de Ensino Superior.

A propósito, importa lembrar que no ano de 2014, dos 129 758 candidatos inscritos no exa-me de acesso, apenas 55 235 foram admitidos, número que correspondeu a 42,6% da demanda efectiva de escolarização. Desses candidatos admitidos, 33,1% não efectuaram matrículas pela primeira vez, contribuindo, assim, com mais de 40 pontos percentuais para o referido saldo negativo da taxa de crescimento anual de matrículas113.

No ano de 2015, para 157 947 candidatos inscritos, somente 62 817 foram admitidos, nú-mero que correspondeu a 39,8% da procura, equivalente a uma capacidade de acesso de 2,8% a menos do que em 2014. Em compensação, o desfasamemto entre o número de candidatos admitidos e o de estudantes matriculados pela primeira vez foi de 3,2%, operando ‑se, assim, uma redução do desperdício de matrículas na ordem de 29,9%. Ocorre, no entanto, que, mais uma vez, as desistências contribuíram, com pouco mais de 11%, para a retenção do incremento de matrículas abaixo do que seria o limite possível em condições normais.

110 Diferentes ocorrências podem ser consideradas, como, por exemplo: 1) candidatos admitidos em mais de uma instituição de Ensino Superior que tenham optado por uma das vagas; 2) candidatos que, após a admissão numa instituição localizada distante da sua residência, concluíram que seria economicamente inviável a sua permanência em outra região ou província durante os 4 ou 5 anos previstos para o curso superior; e 3) candidatos que, após a admissão, tenham feito outra opção de vida, que não passava, naquela altura, pela formação superior. Mas qualquer dessas hipóteses não deve substituir a avaliação mais profunda que o fenómeno das desistências merece. 111 Independentemente dos motivos das desistências, esse efeito seria minimizado com a adopção, por parte das instituições de Ensino Superior mais afectadas – maioritariamente públicas, como se vê adiante –, de um segundo período de matrículas através de lista de espera, para o qual se convoca-riam, conforme o número de vagas não preenchidas, aqueles candidatos não admitidos melhor colo-cados, uma vez que se visaria dar cabimento ao numerus clausus. 112 É verdade que, por ausência de informação a este respeito, não há como saber qual o grau de par-ticipação da população em idade escolar na demanda de escolarização efectiva. Ainda assim, é fácil constatar empiricamente que a sua frequência nos exames de acesso tem sido cada vez maior, ainda que parte dela, em determinado momento e pelos mais variados motivos, desista de se candidatar a uma vaga no Ensino Superior. 113 Acresce que mais de metade dos estudantes matriculados pela primeira vez, na ordem de 16,3%, se localizavam na faixa etária dos 30 aos 35 anos de idade. Ver Ministério do Ensino Superior, Anuá‑rio Estatístico do Ensino Superior 2014, Luanda, 2014, p. 21.

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RÁCIOS DE ACESSO E DESISTÊNCIA APÓS ADMISSÃO NO ENSINO SUPERIOR ENTRE 2014-2015

FONTE: CEIC, com base no MES, 2014-2015.

Deste modo, muito embora a clara desigualdade entre o rácio de desistência de um ano e de outro, a taxa de incorporação, que expressa o percentual de matrículas pela primeira vez em relação ao total de matrículas efectuadas, foi quase a mesma para ambos os anos. Quer dizer que a redução do desperdício de matrículas significou não mais do que 0,2% de incorporação no ano de 2015, como se vê no gráfico abaixo.

TAXA DE INCORPORAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR ENTRE 2014-2015

FONTE: CEIC, com base no MES, 2014-2015.

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Por ter sido, dentre as 63 instituições de Ensino Superior actualmente em funcionamento, aquela com a maior disponibilidade de vagas, em consequência do maior número e da maior diversidade de cursos oferecidos, a Universidade Agostinho Neto (UAN) foi a mais concorrida no ano de 2015, com um total de 29 023 inscrições no exame de acesso, de longe superior aos 68 candidatos a uma vaga no recém ‑criado Instituto Superior de Educação Física e Desporto (ISEFD). Mesmo assim, a UAN obteve um rácio de acesso dentro da média, de 5 candidatos inscritos para 1 admitido, muito abaixo do rácio obtido pelo Instituto Superior de Ciências de Educação (ISCED) do Huambo, de 14 candidatos inscritos para 1 admitido, o pior de todos.

Mas, por outro lado, o ISCED do Huambo não registou qualquer caso de desistência entre os candidatos admitidos, à semelhança da maior parte das instituições privadas mais concorridas, como a Universidade Metodista de Angola (UMA), a Universidade Técnica de Angola (UTANGA), o Instituto Superior Politécnico Metropolitano de Angola (IMETRO), o Instituto Superior Técnico de Angola (ISTA), a Universidade Independente de Angola (UNIA) e a Universalidade Gregó-rio Semedo (UGS). As únicas excepções foram o Instituto Superior Politécnico de Tecnologia e Ciência (ISPTEC) e a Universidade Jean Piaget (UNIPIAGET), com 282 e 10 desistências, respec-tivamente.

É curioso observar, em todo o caso, que, em algumas dessas instituições privadas, o número de candidatos inscritos no exame de acesso correspondeu ao de candidatos admitidos e ao de estudantes matriculados pela primeira vez.

Sendo pouco provável que a demanda efectiva de escolarização tenha, de facto, coincidido com o volume de novas vagas disponíveis, não se pode descartar a possibilidade de ter havido deturpações no número de vagas disponíveis em função do número de candidatos inscritos no exame de acesso, em prejuízo da capacidade instalada, sobretudo no que respeita à infra--estrutura e ao quadro docente, tornando -se, assim, evidente o carácter puramente comercial de certos investimentos privados na esfera do Ensino Superior.

O mesmo não se pode dizer, por exemplo, em relação à Universidade Mandume ya Ndemo-fayo (UMN), que, para além de ter sido a quarta instituição mais concorrida e, por isso, obtido um rácio de acesso de 3 candidatos inscritos para 1 admitido, registou a desistência de quase metade dos candidatos admitidos. Em situação ainda pior ficaram o ISCED de Luanda e o Ins-tituto Superior Politécnico do Cuanza Sul (ISPKS), uma vez que restaram com menos de 1/10 dos candidatos admitidos.

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RÁCIOS DE ACESSO E DE DESISTÊNCIA APÓS ADMISSÃO NO ENSINO SUPERIOR POR INSTITUIÇÃO EM 2015

FONTE: CEIC, com base no MES, 2015.

As estimativas apontam que essas nuances se repercutiram nas diferentes áreas de conhe-cimento114, bem como nos respectivos cursos. A área das Ciências Sociais, Políticas e de Comu-nicação manteve a maior demanda efectiva de escolarização, sem que tal resultasse num rácio de acesso acima da média, de 2 candidatos inscritos para um 1 admitido. De igual modo, o seu rácio de desistência ficou abaixo do da área das Ciências da Educação, que foi o mais elevado. Ao contrário, o curso de Direito, ministrado em cerca de 19 instituições, tanto foi um dos mais concorridos, como registou o maior número de desistências, cerca de 21%, pouco mais do que o percentual de desistências no conjunto dos cursos de Ciências da Educação.

RÁCIOS DE ACESSO POR ÁREA DE CONHECIMENTO NO ENSINO SUPERIOR (ESTIMATIVA) EM 2015

FONTE: CEIC, 2015.

114 Definidas de acordo com a classificação constante no PNFQ. Ver Ministério do Ensino Superior, op. cit., 2014, p. 77.

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Não sobra, por isso, qualquer dúvida de que o total de matrículas registado nos seis últi-mos anos tenha ficado bastante aquém do necessário, quer para a reposição das matrículas perdidas, quer para a diminuição substancial da desigualdade em relação ao crescimento da população em idade escolar.

MATRÍCULAS E POPULAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR ENTRE 2010-2015

FONTE: CEIC, com base no ME, 2011-2015 e no INE, 2016.

Foi o que aconteceu com algumas das maiores instituições privadas, em que a tradição recente de progressão da taxa de crescimento anual de matrículas foi, de maneira brusca, que-brada no ano de 2015. Em primeiro lugar esteve a UTANGA que registou uma diminuição de mais da metade dos estudantes em relação ao ano de 2014.

MATRÍCULAS NAS 10 MAIORES INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PRIVADAS ENTRE 2010-2015

InstituiçãoAno

2010 2011 2012 2013 2014 2015

Universidade Técnica de Angola 5908 7044 - 9925 13 850 6880

Universidade Metodista de Angola 2496 2109 - 8508 8818 9264

Universidade Independente de Angola 5489 6561 - 8180 7083 6538

Universidade Jean Piaget 8597 8495 - 13 993 6854 7890

Instituto Superior Politécnico Metropolitano 2227 3080 - 6079 6511 12 561

Instituto Superior Politécnico de Humanidades e Tecnologias “Ekuikui II” - 750 - 2839 3820 1842

Universidade Gregório Semedo 4033 5722 - 6795 2811 6114

Universidade Privada de Angola (ex‑Instituto Superior Privado de Angola) 3889 3222 - 3003 2757 2215

Instituto Superior Politécnico Independente - 510 - 1554 2694 3328

Instituto Superior Politécnico Maravilha - - - 1825 2405 3136

FONTE: CEIC, com base no MPDT, 2012-2013 e no MES, 2014-2015.

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Dentre as maiores instituições públicas, a grande diminuição da taxa de crescimento anual de matrículas aconteceu na Universidade Lueiji -a -Nkonda, que observou menos 299 037 matrí-culas do que no ano de 2014.

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MATRÍCULAS NAS 10 MAIORES INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS ENTRE 2010-2015

InstituiçãoAno

2010 2011 2012 2013 2014 2015

Universidade Agostinho Neto 19 585 20 536 - 22 660 19 553 18 177

Universidade Lueji-a-Nkonda115 2566 6020 - 7105 8254 5586

Universidade José Eduardo dos Santos 3203 4771 - 8120 7670 8472

Universidade Mandume ya Ndemofayo 2191 5380 - 8361 7253 5629

Instituto Superior de Ciências de Educação do Uíge - - - - 6854 7458

Universidade 11 de Novembro 2943 4207 - 7497 6421 9036

Instituto Superior de Ciências de Educação da Huíla 3922 4656 - 5901 6168 6596

Escola Superior Pedagógica do Cuanza Norte 1544 2129 - 3292 3607 4061

Instituto Superior de Ciências de Educação de Luanda 2864 2619 - 2046 2321 2538

Universidade Kimpa Vita - 1769 - 4588 2166 5707

Com efeito, a taxa bruta de escolarização prova que o momento de recuperação do ritmo de crescimento ainda não terminou. Muito embora tenha aumentado, o número de matrículas não alcançou aquilo que seria o mínimo: os 9,8% do ano de 2013.

TAXA BRUTA DE ESCOLARIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR ENTRE 2010‑2015

115 Foram agregados os números de matrículas da Escola Superior Pedagógica da Lunda-Norte e da Escola Superior Politécnica da Lunda-Sul.

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Se no ano de 2013 a uma taxa de escolarização de 9,8% correspondeu uma taxa líquida de escolarização de cerca de 4,5%, deve ‑se calcular que, no ano de 2015, a respectiva taxa líquida não passou de 3%, aproximadamente 1,5% a mais do que no ano de 2014.

4.5 Despesas com a educação

O Estado tem a responsabilidade primária de formar e qualificar os cidadãos para que ve-nham a servir melhor o país e contribuam para o seu desenvolvimento.

Para isso, muitos gastos públicos são realizados no sector da educação para garantir a ins-trução da população.

O quanto o Estado tem vindo a alocar para a formação e qualificação dos cidadãos pode ser avaliado através da análise das respectivas dotações orçamentais no Orçamento Geral do Estado.

O gráfico seguinte ilustra as verbas que o Estado tem vindo a disponibilizar para o sector da educação, nos últimos seis anos (2010 ‑2015).

DESPESAS PÚBLICAS COM A EDUCAÇÃO (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS)

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2010-2015.

O gráfico mostra que neste período a dotação orçamental para o sector da educação, em termos nominais, tem vindo a aumentar: em 2010 foi alocada uma verba de 263,5 mil milhões de kwanzas que passou, em 2011, para 341,17 mil milhões (um aumento nominal de 29,5%) e em 2012 subiu para 376,76 milhões de kwanzas, para se fixar, em 2013, nos 536,93 mil milhões de kwanzas.

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Mas já no ano de 2014 verificou ‑se uma diminuição na ordem dos 89,61 mil milhões de kwanzas nas verbas atribuídas ao sector, passando para os 447,32 mil milhões de kwanzas e em 2015 houve um ligeiro aumento de 9%, alcançando a cifra dos 486,43 mil milhões de kwanzas.

4.5.1 Na perspectiva do OGE

Olhando para a percentagem ou peso relativo da despesa com a educação, no total das des-pesas públicas do Estado, o gráfico seguinte apresenta os respectivos valores.

PESO DAS DESPESAS COM A EDUCAÇÃO NO OGE

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2010-2015.

4.5.2 Despesa por níveis de ensino

O nível de compreensão do Governo angolano acerca da importância estratégica do sector da educação e, com efeito, das necessidades de cada nível de ensino, determinam o grau de atribuição de verbas orçamentais a cada um desses níveis. E a análise destas verbas pode aju-dar‑nos a deduzir a importância que o Executivo atribui a cada subsistema de educação.

No gráfico da página seguinte apresenta ‑se a dotação do OGE para a educação, que é distri-buída pelos diferentes níveis de ensino existentes no país.

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DESPESAS COM A EDUCAÇÃO EM DIFERENTES NÍVEIS DE ENSINO (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS)

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2010-2015.

O Ensino Primário é o que mais verbas tem vindo a receber, o que é perfeitamente normal tendo em conta a população estudantil que frequenta este nível.

Mas a nossa atenção vai para os valores que são alocados à Educação Pré -Escolar (crianças menores de 6 anos). Em 2010 a dotação era de 71,47 mil milhões de kwanzas, em 2011 reduziu drasticamente para 14,7 milhões, em 2012 igualmente 14,7 milhões, em 2013 subiu para 42 milhões de kwanzas, em 2014 houve um salto para os 294,25 milhões de kwanzas, e em 2015 reduziu para 139,5 milhões. Estes valores dão a entender que o Executivo não é consistente e não tem este subsistema de ensino como prioridade, atendendo à baixa dotação orçamental que lhe é atribuída.

As famílias com mais posses conseguem fazer com que as suas crianças com idades inferio-res a 6 anos vão aos jardins de infância e ATL privados, o que faz com que quando essas crianças vão para o Ensino Primário aos 6 anos de idade, sejam munidas de capacidades intelectuais mais avançadas do que as crianças das famílias pobres, que só começam a estudar quando completam os 6 anos.

O Ensino Técnico ‑Profissional, em 2013, beneficiou de uma verba de 23,53 mil milhões de kwanzas. Em 2014 esta verba foi reduzida para 18,99 mil milhões de kwanzas e em 2015 teve um ligeiro aumento para os 19,5 mil milhões.

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Numa altura em que o país regista uma alta taxa de desemprego, a formação profissional devia ser uma aposta do Executivo, pois dota os que a frequentam, em especial os jovens, de capacidades técnicas que lhes permite trabalhar, quer por conta de outrem, quer por conta própria, o que fomenta o auto -emprego, por isso achamos que se devia dar atenção especial mais nesta categoria de ensino, alargando o programa e dotando -o de mais verbas orçamentais para que os cursos sejam ministrados em todo o país.

4.5.3 Despesa per capita (estimativa)

A despesa per capita de cada nível de ensino em 2015 revela que os níveis do Ensino Pri-mário (5 070 800 alunos) e Secundário (1 704 503 alunos), por albergarem o maior número de alunos matriculados, são os que apresentam um menor nível de despesa per capita (despesa por aluno).

DESPESAS PER CAPITA COM A EDUCAÇÃO (EM KWANZAS)

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2010-2015.

Como se pode observar no gráfico da página seguinte, o Ensino Superior (218 433 estudan-tes) é o que apresenta a maior dotação orçamental per capita de todos os níveis de ensino, pois é o ensino com menor número de estudantes matriculados comparado com os Ensinos Primário e Secundário.

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5. A SITUAÇÃO DA FAMÍLIA E DA CRIANÇA À LUZ DO RECENSEAMENTO GERAL DA POPULAÇÃO E HABITAÇÃO EM 2014

5.1 Introdução

Nos últimos anos, em anteriores edições do Relatório Social, fomos fazendo referência a melhorias na situação social das famílias e das crianças em Angola. Estas melhorias estão for-temente relacionadas com o boom económico que o país registou, principalmente, em conse-quência da exploração dos seus recursos naturais (petróleo), o que permitiu criar um ambiente macroeconómico favorável ao aumento da despesa pública. Mas, apesar dos progressos regis-tados após o fim da guerra, nos últimos dez anos, a situação da família em Angola mantinha‑‑se preocupante, como também o fomos assinalando. Hoje podemos mesmo afirmar que é alarmante.

A vontade política do Governo, aliada ao bom momento que a economia angolana atraves-sava, constituíam factores favoráveis e até mesmo “uma oportunidade de ouro” para Angola criar as bases para garantir o desenvolvimento equitativo sustentado, porém, muito pouco foi feito, enfrentando o país privações básicas não compagináveis com a sua recente classificação como “país de rendimento médio baixo”.

No domínio da criança, o Governo parece estar ciente dos principais desafios. Os 11 Com-promissos, os planos e programas em prol da criança e, mais recentemente, a Lei de Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança são bons exemplos de vontade política a favor das crian-ças em Angola. Porém, materializar esta vontade requer uma sincronia ou harmonização entre os planos, programas e os respectivos orçamentos, bem como a exigência de uma cultura ins-titucional fundada na solidariedade e na cooperação entre os diferentes sectores do Governo, determinados no compromisso para alcançar resultados comuns.

Neste capítulo pretende -se analisar os principais aspectos ligados à condição socioeconó-mica das famílias e das crianças com base nos dados definitivos do Recenseamento Geral da População e Habitação (Censo 2014), usando como base comparativa os dados do Inquérito Integrado sobre o Bem -Estar da População (IBEP, 2008 -2009). Far -se -á uma caracterização da situação da família e da criança em relação a alguns dos indicadores socioeconómicos julgados importantes para a análise, nomeadamente a estrutura demográfica, o estado civil e as relações conjugais, tamanho e estrutura dos agregados familiares, condições de habitação, meio am-biente e posse de bens. Estes dados permitirão reavaliar as metas e os compromissos assumidos

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pelo Governo em relação à família e à criança e dimensionar os esforços ainda necessários para o verdadeiro bem -estar deste grupo e da sociedade em geral. Também gostaríamos de analisar os níveis de receitas, despesas e índices de pobreza. Todavia, no país não estão disponíveis dados actualizados para a análise dos níveis de receitas, pelo que nos ficaremos apenas pela análise da despesa no Orçamento Geral do Estado de 2015.

5.2 Sumário dos indicadores demográficos de Angola

5.2.1 Estrutura demográfica

De acordo com os Resultados Definitivos do Censo 2014, a população em Angola, no mo-mento censitário (Maio de 2014) era de 25 789 024 habitantes, dos quais 48% homens e 52% mulheres, número muito superior à população estimada no ano em que o IBEP foi elaborado (2008 ‑2009), estimada em 16 367 879 habitantes. Ainda de acordo com o Censo 2014, do total da população, 63% residem na área urbana e 37% na área rural. Independentemente da credi-bilidade dos dados, é ‑nos possível detectar uma tendência vertiginosa de crescimento da popu-lação urbana, sendo que em 2008 a população urbana foi estimada em 54,8% (IBEP 2008), en-quanto em 1995 foi estimada em 31% (MICS 1). Há uma tendência para o aumento da popula-ção residente nos próximos anos. Este crescimento explica -se com o facto de, com o advento da paz, registar -se um baby boom que tem ainda grande respaldo nas altas taxas de fecundidade e na baixa taxa de uso de métodos contraceptivos.

De entre os principais factores que influenciam a estrutura demográfica em Angola, desta-camos:

• A elevada taxa de fecundidade, estimada em 5,7 nascimentos (Censo 2014), relativamen-te menor comparada com os 6,4 nascimentos (IBEP 2008) e a esperança de vida estimada em 60 anos, sendo de 63 anos para as mulheres e de 57 anos para os homens, uma dife-rença significativa quando comparada com o IBEP que a estimava em 48 anos, sendo de 47 anos para os homens e 49 anos para as mulheres.

• A elevada taxa de crescimento da população, estando o nível de crescimento natural es-timado em 2,7% (Censo 2014), valor aproximado dos 3,1% estimados em 2008 (Relatório do IBEP, p. 9). Atendendo às baixas taxas de crescimento económico projectadas pelo FMI e pelo Banco Mundial para Angola, em consequência da redução do preço médio do barril de petróleo, este crescimento da população ao ser inferior ao crescimento económico, agravará a condição das crianças e das famílias em geral.

• A elevada taxa de dependência, estimada em 98,41 (Censo 2014). Constata ‑se que a população angolana é muito jovem, quase metade (47,7%) da população residente tem menos de 15 anos e 65% está na faixa dos 0 -24 anos de idade. A classe etária dos 15 aos 64 anos representa 50,3% da população, a percentagem de indivíduos com 65 anos ou

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mais é de apenas 2,3%. Sendo, pois, uma população muito jovem, os níveis de dependên-cia são maiores, daí a necessidade de um Estado ‑Providência principalmente promotor e gerador de meios para a subsistência dessa população jovem e não auto ‑suficiente. As políticas sociais deverão estar principalmente viradas para a população jovem.

RELAÇÃO DA ESPERANÇA DE VIDA ANGOLA/REGIÃO SUBSARIANA

FONTE: Resultados Definitivos do Censo 2014 e US National Institutes of Health (US Census Bureau).

Finalmente, do ponto de vista demográfico, de acordo com o Censo 2014, o indicador que mais cresceu foi a esperança de vida dos angolanos, fixada em 60,29 anos, sendo de 57,59 anos para os homens e de 63 anos para as mulheres.

Com este indicador Angola figura no grupo de países da África Subsariana com os melhores índices da esperança de vida, à frente de países como: a África do Sul (49,9 anos); a Namíbia (51,4 anos); a Swazilândia (51,58 anos), a Zâmbia (53,37 anos), a Nigéria (53,67 anos) e o Bo-tswana (54,51 anos), superando mesmo a média da esperança de vida na África Subsariana, fixada em 53 anos.

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DENSIDADE DEMOGRÁFICA POR PROVÍNCIA

FONTE: Resultados Definitivos do Censo 2014.

Em média, existem em Angola 20,6 pessoas por cada km². Conforme podemos observar na figura acima, para além da província de Luanda, que apresenta uma média de 368,9 pessoas por km², as demais províncias apresentam menos de 100 pessoas por km², com destaque para as províncias do Moxico e do Cuando Cubango que apresentam apenas entre 2,7 a 5,0 pessoas por km². É assim evidente a necessidade de políticas de incentivo aos habitantes nessas provín-cias, bem como de mecanismos de atractividade de pessoas de outras províncias densamente povoadas.

5.2.2 Estado civil e relações conjugais

De acordo com o Censo 2014, aproximadamente 48% da população maior de 12 anos está acasalada, sendo 14% casada e 34% em união de facto, aquela que é a forma mais comum de relacionamento em Angola. A população solteira é significativa, estimada em 46%, mas sur-preendentemente os indicadores de divórcio, separação e viuvez em Angola são muito baixos.

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Apenas 0,4% da população é divorciada, 2,5% é separada e 3,5% é viúva (Censo 2014). Estes indicadores parecem bastantes intrigantes; receamos, pois, que esta classificação dos termos “separado” e “divorciado” parece estar desarticulada com a realidade angolana ou mesmo es-tarmos perante um “ruído de amostra”.

Apesar da inquietação diante destes indicadores de separação e divórcio, estas cifras podem espelhar a elevada percentagem de estigmas sociais e culturais associados ao casamento e à família, denotando -se um alto grau de submissão da mulher, um aparente equilíbrio familiar as-sente na manutenção do casamento (ou dos relacionamentos) mesmo quando os indicadores de violência doméstica são referidos como bastante altos e com índices de pobreza a continuarem altos. A preservação de tais relacionamentos acaba por ser entendida como uma obrigação so-cial, cultural e religiosa e sinónimo de bem -estar. Esta situação levanta, com toda a certeza, ques-tões sérias acerca da condição da mulher na família, da discriminação e das disparidades sociais e de género que certamente seriam interessantes aferir num estudo mais apurado neste domínio.

Para além das questões acima apontadas, será importante assumir que Angola é um país onde a poligamia e as relações extraconjugais, tanto no meio rural como urbano, são bastante comuns. No Censo 2014 não dispomos de dados para aferir este fenómeno social bastante comum em Angola, não obstante, segundo o Relatório do IBEP 2008, apenas 10% dos homens casados indicaram ter mais de uma esposa, estando a maior parte deles entre os 40 e 50 anos de idade (IBEP, 2010; 13). Em regra nos centros urbanos as relações poligâmicas não são aber-tamente assumidas, assim sendo, uma análise empírica da realidade permite concluir que a poligamia possa ser muito superior à indicada no IBEP 2008.

5.2.3 Tamanho e estrutura do agregado familiar

Outro indicador importante que utilizamos aqui para avaliar a condição da família é o tama-nho do agregado familiar, em Angola estimado em 4,6 pessoas por família, sendo comparati-vamente mais baixo que em 2008, que foi então estimado em 5 pessoas (IBEP, 2008; 13). Esta tendência de redução é proporcional à tendência de desenvolvimento das sociedades, em que o acesso à informação educação e bens tende a contribuir para a redução do número de filhos e, consequentemente, para um mais elevado nível de estabilidade familiar. Na composição dos agregados familiares constata -se que 62% dos agregados familiares são liderados por homens e 38% liderados por mulheres (Censo 2014), uma diferença significativa face aos dados do IBEP 2008, em que a paridade era de 77% para os agregados familiares liderados por homens e de 23% para os agregados liderados por mulheres.

Em relação ao nível de escolaridade do chefe do agregado familiar (chefe de família) constata ‑se que 25% dos mesmos não têm nenhuma escolaridade, 19% possui o Ensino Pri-mário, 15% tem o 1.o Ciclo do Ensino Secundário, 12% possui o 2.o Ciclo do Ensino Secundário e apenas 3% completou o Ensino Superior (Censo 2014). Comparando estas cifras com as do IBEP 2008, estamos certamente diante de um retrocesso, sendo que 20% dos chefes de família

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não tinha escolaridade, 45% possuía o Ensino Primário, 29% o Ensino Secundário e apenas 3% tinham completado o Ensino Superior. Os baixos níveis de escolaridade dos chefes de família es-tão intrinsecamente relacionados com a qualidade e tipo de relações familiares que se podem estabelecer, especialmente quando cerca de 25% dos chefes de família não possui nenhuma escolaridade e 19% possui apenas o Ensino Primário. Os altos níveis de violência doméstica e a alta taxa de atraso e de abandono escolar estão certamente associados também à baixa escola-ridade dos chefes dos agregados familiares.

De acordo com as evidências, o nível de escolaridade do chefe do agregado familiar apa-renta ser um factor determinante dos níveis de pobreza em geral. Deste modo, a aposta na educação não deve apenas cingir -se às crianças, mas de forma generalizada a toda a população, sendo que a educação para os adultos deverá ser profissionalizante ou ligada ao empreendedo-rismo, na qual as questões de ordem social devem estar presentes.

5.3 Indicadores de pobreza monetária

Conforme fizemos referência acima, também gostaríamos de analisar os níveis de receitas, despesas e índices de pobreza com dados actualizados, sendo estes os principais indicadores de bem ‑estar, contudo, por imperativos da conjuntura do país não temos dados actualizados dis-poníveis para este feito. Todavia, segundo o IBEP, 36,6% da população angolana vive abaixo da linha de pobreza (absoluta) nacional, apesar de notar -se uma substancial redução dos índices de pobreza comparativamente com os do ano 2000, em que se estimava em 68% a incidência de pobreza (relativa). De acordo com os dados disponíveis, podemos assim afirmar que houve uma redução na taxa da pobreza, mas atendendo às diferenças na metodologia usada nas duas análises é difícil mensurar o nível real de redução da taxa de incidência da pobreza em Angola.

INCIDÊNCIA, PROFUNDIDADE E SEVERIDADE DA POBREZA EM ANGOLA

FONTE: IBEP, 2008.

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De acordo com os dados do IBEP, a pobreza é mais acentuada na zona rural, havendo 58,3% da população a viver abaixo da linha de pobreza (estimada em 1,4 dólares), cerca de 61,7% dos mais pobres não têm qualquer nível de escolaridade. O impacto da pobreza é maior nos agregados familiares com mais de 7 pessoas, dos quais 44% vivem abaixo da linha de pobreza. A pobreza abate -se mais sobre as famílias cujo chefe do agregado familiar trabalha por conta própria ou no sector agrícola. Este facto exige a reestruturação dos planos e políticas públicas para o reforço do empreendedorismo, programas de geração de rendimento e formação, de modo a assegurar condições às pessoas que trabalham nestes sectores para que possam obter rendimentos suficientes para o sustento das suas famílias.

Infelizmente, devido à queda do preço médio do barril de petróleo no mercado internacio-nal, o país está a atravessar o pior momento macroeconómico em tempo de paz: instabilidade no mercado cambial, redução da despesa pública para quase metade, desvalorização contínua do kwanza em relação ao dólar, queda drástica no volume das importações devido ao défice de divisas, aumento considerável da taxa de inflação, salários constantes sem flexibilidade or-çamental para reajustes e consequentemente perca do poder de compra das famílias. Embora não existam dados para aferir do impacto da crise económica e financeira, uma análise empírica permite -nos adiantar que o impacto da presente crise em Angola é grave ao ponto de fazer retroceder significativamente os grandes avanços registados nos indicadores de pobreza, espe-cialmente das famílias dos primeiros três quintis de despesa (os dos mais pobres).

DISTRIBUIÇÃO DAS RECEITAS POR QUINTIS DE RENDIMENTO

FONTE: IBEP, 2008.

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Conforme podemos observar na figura da página anterior, há um nível de desigualdade na distribuição de receitas. O quinto quintil (ou seja, os 20% de população mais rica) detinha 59% de todas as receitas do país, enquanto o primeiro quintil (ou seja, os 20% de população mais pobre) detinha apenas 3% das receitas do país. Por outras palavras, a receita média de uma pessoa no quintil mais rico é 18 vezes mais alta do que a receita média de uma pessoa no quintil mais pobre. Estes dados indicam que o principal desafio do país não é a pobreza em si, mas a distribuição equitativa da riqueza e a aplicabilidade prática do slogan “Angola a crescer mais e a distribuir melhor”, premissa básica para a equidade social.

5.4 Indicadores de pobreza não ‑monetária116

5.4.1 Habitação e meio ambiente

O direito à habitação, consagrado universalmente, e a forma como este direito é exercido pode reflectir o nível de vida das famílias e é um reflexo dos níveis de desenvolvimento susten-tado do país.

Segundo o Censo 2014, a maioria dos agregados familiares vive em residências do tipo con-vencional (vivendas), representando cerca de 74%, seguindo ‑se as casas do tipo cubata, com cerca de 23%, os apartamentos, com 2% e as barracas, com 1%. Comparando com os dados do IBEP 2008 há uma diferença significativa, sendo que 80% dos agregados familiares viviam então em moradias, porém 12,5% dos agregados familiares viviam em cubatas ou cabanas e apenas 1,7% da população vivia em apartamentos.

REGIME DE PROPRIEDADE DAS HABITAÇÕES FAMILIARES (CASA PRÓPRIA)

FONTE: Resultados Definitivos do Censo 2014.

116 Neste subponto destacamos a nossa análise nos domínios da Habitação, Água e Saneamento, Inclu-são e Posse de Bens Duradouros. Os domínios da Educação e da Saúde são analisados num capítulo à parte do presente Relatório Social.

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Conforme mostra o gráfico da página anterior, 92% dos agregados familiares com casa pró-pria obteve ‑a através da autoconstrução, sendo evidente o défice habitacional em Angola. Mes-mo com a construção das centralidades por todo o país, o impacto deste programa no quadro habitacional parece ser ainda marginal e provavelmente fará mais sentido fomentar programas de acesso ao financiamento (credito bancário) para que as famílias possam edificar as suas próprias residências.

Há um programa denominado “autoconstrução dirigida”, que parece ser um programa com objectivos muito interessantes e em linha com a realidade do país, mas do ponto de vista prá-tico, o défice de vontade política aliado à ausência de mecanismos de gestão para assegurar a implementação do programa, faz com que a maioria da população opte pela autoconstrução, que acaba sendo não dirigida, anárquica.

Sendo a casa o espaço privilegiado para a formação da família, o desenvolvimento da per-sonalidade e dos comportamentos sociais, os resultados da educação e da formação desejada acabam por ser afectados. A falta de habitação condigna, para além de ser a expressão da po-breza familiar, reflecte a dimensão social de um problema bastante grave.

A vida social, a educação, a moral, os valores e as noções sociais, religiosas, culturais dos membros das famílias ficam, com certeza, condicionadas ou afectadas.

No domínio da habitação e meio ambiente, para além da criação de centralidades e do Fundo Habitacional, outras medidas relativamente mais simples e menos onerosas podem ser aplicadas, como sejam o alargamento comparticipado do parque de habitação social através do loteamento e urbanização das áreas de autoconstrução dirigida, a bonificação dos preços de materiais de construção adequados, coordenadas e acompanhamento, de modo a evitar a desorganização do espaço bem como a aquisição de equipamento básico para o mínimo de conforto das famílias angolanas.

5.4.2 Acesso a água potável e a saneamento adequado

A proporção da população com acesso a água e saneamento apropriado é outro indicador que merece especial atenção porque define, no caso de Angola, um problema social bastante preocupante.

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FONTES DE ÁGUA PARA BEBER

FONTE: Resultados Definitivos do Censo 2014.

De acordo com o gráfico acima, 53% dos agregados familiares em Angola não têm acesso a fontes apropriadas de água para beber, com a agravante de apenas 11% dos agregados terem uma torneira ligada à rede pública e 10% dos agregados familiares (a maior parte na área urba-na) terem acesso a água para beber proveniente de camiões cisterna. Em Angola, 58% da po-pulação não faz qualquer tratamento da água para beber antes de a consumir. Esta proporção é bastante alarmante nas zonas rurais, onde 82% da população não faz qualquer tratamento, embora nas zonas urbanas também seja preocupante, já que 42% da população também não faz qualquer tratamento da água para beber.

As metas traçadas no Plano de Desenvolvimento de Angola até 2025 prevêem que até 2025 pelo menos 70 a 75% dos angolanos terão acesso a água potável e a saneamento básico. Seria de desejar que em 2025 essa ambição fosse de que todas as famílias pudessem ter acesso a água apropriada para consumo. Não se notou uma mudança significativa neste indicador na última década, o que nos faz questionar a eficácia de alguns programas, como seja o caso do programa “Água para Todos”, que prevê alcançar uma cobertura no acesso a água potável de 100% para a área urbana e de 70% para a área rural até ao ano de 2022. A forma como tal será efectivado também nos interessa particularmente.

De acordo com as metas traçadas na Estratégia de Desenvolvimento de Médio e Longo Prazo, “Angola 2025” prevê que até 2025, pelo menos 70 a 75% dos angolanos tenham acesso a saneamento básico apropriado. Todavia, a realidade parece contrariar ou mesmo puxar o indicador do saneamento na direcção oposta, sendo este um dos indicadores que não regista mudanças significativas na última década.

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LOCAL DE DEPÓSITO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS (LIXO)

FONTE: Resultados Definitivos do Censo 2014.

Conforme indicado no gráfico acima, 70% da população em Angola deposita os resíduos sólidos (lixo) ao ar livre, o que equivale a que cerca de 6 em cada 10 agregados familiares, nas áreas urbanas, deposita o lixo ao ar livre e na zona rural esta paridade aumenta para 9 em cada 10. Apenas 19 dos agregados familiares deposita os resíduos sólidos nos contentores.

No Relatório Social 2014, publicado pelo CEIC / UCAN no primeiro semestre de 2015, cha-mámos a atenção das autoridades para os crescentes amontoados de lixo que estavam já a surgir pela cidade de Luanda, na altura, a situação já inspirava cuidados, exigindo uma resposta firme das instituições afins. Todavia, apesar do nosso alerta, pouco ou nada foi feito para in-verter este quadro e evitar consequências disso e a partir do segundo semestre de 2015 o lixo atingiu proporções extremamente assustadoras, pondo em causa a salubridade da população em geral e tendo contribuído significativamente para o retrocesso de certos indicadores sociais alcançados nas últimas décadas, especialmente no domínio da saúde, em que assistimos ao acréscimo de casos de malária, ao ressurgimento da febre -amarela e ao aumento das taxas de mortalidade na cidade de Luanda.

5.4.3 Acesso a electricidade

Finalmente, deve -se olhar para os indicadores de bem -estar e conforto. Aqui, novamente, a situação é preocupante. Com vista a alcançar a propalada modernidade e a ambição de chegar a tornar o país uma potência em África, deve ‑se melhorar os indicadores de bem ‑estar que influenciam a qualidade de vida dos angolanos.

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Conforme documenta o gráfico seguinte, a situação continua crítica em relação ao acesso a electricidade apenas 3% da população tem acesso à mesma nas zonas rurais contra 8,6% indi-cado pelo IBEP 2008. Em geral, em todo país este indicador mantém -se preocupante, uma vez que apenas 32% da população angolana tem acesso a electricidade.

ACESSO A ELECTRICIDADE

FONTE: Resultados Definitivos do Censo 2014.

5.4.4 Cidadania, inclusão (informação e novas tecnologias) e posse de outros bens duradouros

Cidadania é o exercício prático dos direitos e deveres de um indivíduo num determinado Estado, no qual a nacionalidade é um dos seus pressupostos, sendo esta a condição primordial para o exercício dos direitos políticos e o registo de nascimento o primeiro direito a ser conce-dido a todo o cidadão angolano.

POPULAÇÃO COM REGISTO DE NASCIMENTO POR ÁREA DE RESIDÊNCIA

FONTE: Resultados Definitivos do Censo 2014.

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De acordo com o gráfico da página anterior, apenas 53% da população angolana possui re-gisto de nascimento, sendo 68% na área urbana e apenas 30% na área rural. Cenário ainda pior: 75% da população angolana dos 0 -4 anos de idade não tem registo civil, estando o Estado em falta para garantir às crianças angolanas o direito ao nome, à nacionalidade e à sua existência perante a Lei e o Direito. Estes indicadores colocam em causa a eficácia de alguns programas em curso, como seja o caso do “Programa de Massificação do Registo de Nascimento do Ministério da Justiça e Direitos Humanos”, que através de um Decreto Presidencial isenta as taxas para o primeiro registo de nascimento até ao ano de 2017.

No que concerne à inclusão (acesso a informação e novas tecnologias), conforme indicado na figura seguinte, apenas 2% da população tem acesso a telefone fixo, a percentagem da popu-lação com acesso a telemóvel é de 53%, a percentagem da população que possui computador é de apenas 10%, sendo que pelo apenas 9% tem acesso a Internet. Destacamos aqui um acrés-cimo substancial quando comparado com os dados do IBEP, segundo os quais apenas 0,7% da população tinha acesso a telefone fixo, 32,6% possuía telemóvel, 4,1% tinha acesso a computa-dor e apenas 0,3% da população conseguia aceder à Internet. Todavia, apesar do aumento nos indicadores, estes ainda estão muito aquém das metas desejadas, quando comparados com os de países como a África do Sul, a Namíbia e a Nigéria.

POSSE DE BENS DURADOUROS E ACESSO A OUTROS SERVIÇOS

FONTE: Resultados Definitivos do Censo 2014.

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Para a posse de outros bens duradouros, destacamos que 47% da população possui um te-levisor e 48% possui rádio. Há aqui uma evolução tremenda quando comparada com o número de receptores de televisão em 2000, que era de 13 para cada 1000 habitantes. Para outros bens não deixamos de destacar que apenas 10% da população angolana possui uma viatura, 16% possui bicicleta e 29% possui uma arca ou geleira para conservar alimentos.

Apesar dos avanços registados nos indicadores referidos, podemos afirmar a necessidade urgente do alargamento da população com acesso a electricidade, o que vai permitir às famí-lias, especialmente na zonas rurais, terem a motivação para adquirir bens duradouros como o rádio ou a televisão, que representam uma forma de exercício da cidadania através do acesso a informação e posterior participação na vida pública.

Como podemos constatar pelos indicadores, muito ainda está por fazer para se poder as-segurar o bem ‑estar, as condições sociais e humanas mínimas para a sobrevivência da família como núcleo fundamental de desenvolvimento da sociedade. O acesso a bens como a televi-são, o telemóvel, a Internet e o computador não pode ser encarado como um luxo ou privilégio de alguns.

Nesta era da modernidade e globalização, e visando atingir as metas previstas para o desen-volvimento sustentável de Angola até 2025, é urgente a criação de políticas e programas que efectivamente criem os indicadores, colocando o país no ciclo virtuoso do desenvolvimento.

5.5 Despesa pública com a família e a criança

O tratamento dado hoje às crianças ditará com certeza o tipo de adultos que a sociedade terá. Tendo em conta que as crianças garantem a continuidade das gerações e são o futuro de uma sociedade, também por esta razão devem ser cuidadas, tratadas e educadas da melhor maneira possível, pois só desta forma teremos cidadãos responsáveis que contribuirão para o desenvolvimento do país. Mas para que as crianças se desenvolvam de uma forma sadia preci-sam do apoio quer das famílias, quer do Estado.

O gráfico da página seguinte mostra as dotações orçamentais que o Governo explicitamente destina às crianças, às suas famílias e às pessoas da Terceira Idade.

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DESPESA PÚBLICA COM A FAMÍLIA E A INFÂNCIA (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS)

FONTE: RS 2014 e OGE 2015.

Como se pode observar, em 2010 foram alocados 11,75 mil milhões de kwanzas à família e à infância; em 2011 verificou ‑se um pequeno acréscimo, mas em 2012 houve uma queda significativa e em 2013 as verbas aumentaram moderadamente mas não chegaram a atingir os níveis de 2010 e 2011. Em 2014 verificou ‑se um aumento em mais de 100% das verbas alo-cadas à família e à infância, tendo os valores atingido os 24 mil milhões de kwanzas, mas em 2015 volta -se a registar uma diminuição nas verbas na ordem dos 69%, passando para 7,65 mil milhões de kwanzas.

É importante lembrar que os 11 Compromissos pela Criança só serão efectivamente alcan-çados se existirem fundos que sejam capazes de cobrir as despesas inerentes a cada um desses compromissos.

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6. ASSISTÊNCIA SOCIAL

6.1 Introdução

A trajectória histórica de Angola é marcada por uma longa guerra pós ‑independência que causou a destruição de parte significativa das suas infra ‑estruturas físicas, socioeconómicas e do seu tecido humano. Quanto à componente humana, fruto da guerra, o país produziu um nú-mero considerável de deslocados internos, refugiados e várias pessoas vulneráveis que contraí-ram deficiências físicas ou perderam as pessoas de quem dependiam economicamente (órfãos e viúvas). Por conseguinte, muitas das pessoas com deficiência, regressados, viúvas e órfãos que compõem o nosso tecido humano nacional têm até agora na guerra a causa directa da vul-nerabilidade que continua a marcar a condição socioeconómica das suas vidas.

Para além da guerra, o país tem conhecido nestes últimos anos algumas calamidades natu-rais resultantes do aquecimento global, com impacto negativo na vida social e económica das pessoas atingidas. Exemplos disso são a seca no Sul de Angola e as descargas pluviométricas que se têm registado um pouco por todo o país. Os efeitos dessas calamidades têm sido bas-tante devastadores dos meios de sobrevivência das populações (principalmente na agricultura e criação de gado), das suas habitações, das vias de comunicação, deixando com frequência algumas comunidades inteiramente isoladas do resto do país, um quadro que tem sistemati-camente exposto as populações atingidas a uma situação de completa vulnerabilidade social, ao ponto de por vezes terem de sobreviver por algum tempo apenas com base nas acções de assistência social do Estado e/ou de outros actores da sociedade civil.

Existem ainda outros factores que concorrem para a vulnerabilização social e económica de muitas pessoas no nosso país, tais como a pobreza, os despedimentos que têm sistematica-mente ocorrido em muitas das empresas do nosso tecido produtivo, fruto da crise económica que o país atravessa, a instabilidade política noutros países, o que faz com que alguns cidadãos ou cidadãs destes países busquem refúgio em Angola na condição de refugiados e/ou asilados políticos. O facto de haver a imagem fictícia de Angola como um eldorado contribui para a pre-sença no nosso país de vários imigrantes económicos de países vizinhos, da África Ocidental e de outros continentes, estando alguns deles na condição de ilegalidade e por isso expostos a vulnerabilidade, doenças crónicas, mesmo alguns já idosos, entre outros factores.

Todos os Estados, sendo que Angola não é excepção, dispõem de mecanismos legais, políti-cos e operacionais para proteger os grupos mais vulneráveis, visando garantir os seus direitos

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e promover um desenvolvimento inclusivo. No caso de Angola, o Ministério de Reinserção e Assistência Social é o órgão governamental encarregue de executar a Política Social do Estado em prol dos grupos vulneráveis. No RSA 2014117 a nossa análise incidiu sobre dois grupos vulne-ráveis: os idosos e os ex -militares de guerra. Este ano a nossa análise tem como foco a dimensão programática, ou seja, procuramos reflectir sobre o que foi feito ao nível dos programas ligados às áreas social e integração da pessoa com deficiência, tendo como base principal fontes docu-mentais oficiais.

6.2 A acção social

Na análise do ponto em questão, interessa ‑nos olhar para a realidade dos serviços executivos directos, mais concretamente para o trabalho que tem sido feito pela Direcção Nacional de Ac-ção Social, responsável pela formulação e gestão da Política Pública de Assistência e Reinserção Social por meio de actividades integradas com carácter socio ‑assistencial para o atendimento à população em situação de vulnerabilidade e risco social.

No presente capítulo conceituamos a acção social com base na visão apresentada pelo MINARS no seu Glossário da Assistência Social (p. 1), segundo a qual:

“Acção social é o conjunto das medidas adoptadas pelo Governo para melhorar as relações sociais, as condições de vida dos cidadãos mais vulneráveis e tornar a sociedade mais justa e favorável ao desenvolvimento das pessoas. Uma acção social consentânea ao tipo de organiza-ção política da sociedade que se pretende construir, isto é, um Estado Democrático de Direito, deverá ser fundada sobre a ideia e a concepção cujas coordenadas principais são as noções de participação e promoção social. Os objectivos de natureza participativa e promocional a que a acção social aponta atingir ‑se ‑ão no sentido de lutar contra os males sociais para promover o bem -estar social de todos os cidadãos, para o qual os grupos vulneráveis também deverão participar e contribuir.” (Cf. artigo 21.o, alíneas d), e), h), da Lei Constitucional).

A este respeito, a Constituição consagra as tarefas fundamentais do Estado, de entre as quais “promover o bem -estar, a solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, designadamente dos grupos populacionais mais desfavorecidos”, mas tal sem descu-rar o Princípio da Igualdade perante a Constituição e a Lei.

De acordo com os dados definitivos do Censo 2014, em Angola existem 25 789 024 habitan-tes, de entre os quais 13 289 983 são mulheres, contra 12 499 041 homens. A tabela da página seguinte apresenta os indicadores demográficos do país.

117 CEIC / UCAN, Relatório Social de Angola 2014, Luanda, Junho de 2015, pp. 145 -167.

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SUMÁRIO DE INDICADORES DEMOGRÁFICOS

Indicador Total Masculino Feminino

Esperança de vida (anos) 60,29 57,59 63,00

Taxa bruta de natalidade/1000 hab. 36,12 37,39 34,92

Taxa bruta de mortalidade/1000 hab. 9,12 10,25 8,06

Taxa de fecundidade (filhos/mulher) 5,7 - -

Taxa de crescimento natural (%) 2,70 2,71 2,68

FONTE: Censo Geral 2014.

Atendendo ao número de habitantes do país e à sua especificidade no que concerne à es-perança de vida, à taxa de natalidade, à taxa de mortalidade, de fecundidade, entre outros, o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) para o período 2013 ‑2017 define as prioridades abaixo mencionadas no quadro da assistência social no país.

ASSISTÊNCIA E REINSERÇÃO SOCIAL

Objectivo Prioridades dos objectivos específicos

Contribuir activamente para a redução da pobreza em Angola através da assistência aos grupos mais vulneráveis para a sua reintegração social e produtiva.

1. Estruturar um modelo de financiamento da acção social do Estado, bem como o correspondente modelo de gestão.

2. Definir estratégias de mitigação do risco social, visando preparar os indivíduos, os agregados familiares e as comunidades para enfrentar a ocorrência de situações de risco social.

3. Banir a ameaça de minas, em todo o território nacional, para assegurar o processo de reconstrução e desenvolvimento.

4. Criar o Banco de Dados de indicadores sociais do sector.

5. Assegurar a formação e admissão de trabalhadores sociais, a nível médio e superior, bem como de técnicos de desminagem.

6. Promover a criação do Instituto de Serviço Social.

7. Garantir a criação do mecanismo de articulação entre a protecção social de base e a protecção social obrigatória.

8. Implantar o serviço de denúncia SOS-criança.

9. Criar o Observatório da Criança.

10. Assegurar a verificação e desminagem de vias rodoviárias, áreas úteis e de impacto socioeconómico.

FONTE: Plano Nacional de Desenvolvimento 2013‑2017.

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Entre as prioridades apresentadas, chama ‑nos particular atenção o facto de ainda não ter-mos nenhuma informação sobre o andamento da 1.a, 4.a e 7.a prioridades. Por um lado, tal pode ser revelador de que o processo não está em curso, mas por outro um sinal de que a sociedade não tem retorno sobre o trabalho que tem sido feito nesta área, especialmente no que concerne à acção social.

O documento de dotação orçamental por órgão do OGE, publicado pelo Ministério das Fi-nanças (2015, p. 120) atribui ao MINARS um valor total de 19 680 578 244. O mesmo foi distri-buído como se apresenta na tabela abaixo.

DOTAÇÃO ORÇAMENTAL EM 2015 PARA ALGUMAS ÁREAS

Área Valor orçamental %

Serviços de defesa não‑especificados 151 474 950,61 0,77%

Protecção social

Família e infância 2 298 585 454,87 11,68%

Velhice 7 171 928,00 0,04%

Desemprego 80 791 951,00 0,41%

Doença e incapacidade 275 058 395,00 1,40%

Serviços de protecção social não‑especificados 16 867 495 564,52 85,71%

FONTE: MINFIN, Dotação Orçamental por Órgão, 2015, p. 120.

Observa ‑se que o investimento para assistência em caso de desemprego é inferior ao valor dedicado aos serviços de defesa não especificados, denominação ambígua que deixa margem para outras interpretações. Todos os outros serviços não especificados precisam de clarifica-ção para que o cidadão comum possa perceber que há dinheiro destinado para resolver o seu problema. Infelizmente, em caso de desemprego a alternativa para apoio não é grande, nem constitui prioridade em termos de assistência, um elemento que vai fazer com que o potencial utente desses serviços permaneça em situação de vulnerabilidade social.

À velhice dedica ‑se muito menos, talvez reflectindo os valores em voga na sociedade actual, segundo os quais a pessoa idosa já não é contada pois não é parte da força activa, constituindo o grupo menos valorizado em termos de dotação orçamental do MINARS.

Apesar do Censo (INE, 2016, p. 40) ter revelado um índice de envelhecimento da população angolana de 5%, isto é, por cada 100 pessoas entre 0 -14 anos (população mais jovem), em 2014 existiam apenas 5 com 65 ou mais anos (população idosa), convinha o Estado repensar a neces-sidade de aumento da assistência à pessoa idosa, para que possa viver mais e melhor, uma vez que a mesma já dedicou os melhores anos da sua vida à sociedade.

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Um dado que vem reflectir o futuro do país é o facto de o Censo (INE, 2016, p. 38) ter re-velado que 65% da população angolana é jovem e tem entre 0 e 24 anos de idade. Com isto sabemos que para resolver o problema da pobreza precisamos de uma população socialmente activa superior à que temos. Os dados do Censo revelam um número considerável de pessoas de-sempregadas que em 2014 abrangia 1 739 946 indivíduos, o que corresponde a uma taxa de de-semprego a nível nacional de 24%, atingindo sobretudo a população jovem entre os 15 ‑24 anos.

Observando a tabela da página anterior, é pertinente referir que o estabelecimento de um perfil para descrever os pobres no contexto angolano não é um exercício fácil, mas ajuda ‑nos a chegar à visão de Sen (1999, p. 7), segundo a qual são pobres aqueles cujos rendimentos totais são insuficientes para satisfazer as necessidades mínimas e o pensamento de Capucha (1998, p. 212), para o qual são pobres as pessoas, as famílias e os grupos cujos recursos materiais, culturais e sociais são tão escassos que os excluem dos modos de vida minimamente aceitáveis segundo a norma vigente nos países em que vivem, aqueles que são privados de, pelo menos, uma das seguintes necessidades: alimentação, cuidados de saúde, alojamento condigno, rendi-mento, vestuário e falta de acesso à vida social do país (exercício do direito de voto, liberdade de direitos, etc.). Esta visão do pobre e da pobreza está de acordo com a apresentada na Estra-tégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP, 2004).

As observações feitas mostram que os pobres são geralmente “indesejados” pela sociedade, ou porque são vistos como sujos, pedintes, ladrões, sem educação, e que não se esforçam para saírem da situação em que se encontram, ou porque não são apoiados e sem esse apoio perpe-tuam a sua condição de pobreza.

Assim, a Direcção Nacional para Acção Social conta actualmente com três departamentos: o departamento que gere a assistência à pessoa idosa, o que trabalha em prol da assistência e apoio à inclusão social e o terceiro é responsável pelo desenvolvimento e gestão integrada das políticas sociais. De entre as medidas tomadas pelo Governo no âmbito da acção social, apre-sentamos algumas inerentes aos seguintes Programas: Programa de Apoio Social, Programa de Geração de Trabalho e Renda, Linha de Assistência à Pessoa Idosa.

Podemos verificar, através dos dados do questionário respondido pelo MINARS (2016), que esta área responde pela Política Nacional de Assistência à Pessoa Idosa, sobre a qual nos de-bruçámos no Relatório Social de 2014 (CEIC / UCAN, 2015, pp. 165 -167), pelo que não a apro-fundaremos aqui. Trata ‑se da única política existente, sendo que as demais acções continuam a ser realizadas de forma ad hoc e irregular, isto é, não há um critério claro para a prestação de assistência que nos garanta que os beneficiários de um projecto não são as mesmas pessoas que são apoiadas noutro projecto ou que as pessoas apoiadas numa fase não são as mesmas anteriormente beneficiadas. Ao mesmo tempo que constataremos pelos dados analisados que não há segurança, em relação ao acompanhamento que é dado, na percepção se a assistência prestada gerou melhoria na vida dos utentes e de como se traduz esta mudança de modo par-ticular na vida de cada um.

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Se não tivermos em atenção tais factores de estabilidade, os trabalhos realizados não darão garantia de que os utentes destes serviços se autopromovem com os apoios recebidos, confor-me nos revelam os dados que apresentamos.

Os programas referidos, ligados à área da acção social, foram implementados nas 18 provín-cias do país, através dos seguintes projectos:

• Assistência alimentar e não‑alimentar às pessoas carenciadas e em situação de vulnera-bilidade.

• Assistência às populações afectadas por sinistros e calamidades.

• Geração de trabalho e renda.

• Assistência às pessoas vulneráveis com doenças crónicas.

• Melhoria das condições habitacionais das pessoas vulneráveis.

• Apoio social às instituições sob controlo do Executivo.

• Repatriamento dos ex -refugiados angolanos nos países limítrofes.

6.2.1 Programa de Apoio Social

Para este Programa o OGE canalizou, em 2015, 2 939 479 224,46, equivalente a 14,94% do orçamento do MINARS, de acordo com o documento de dotação orçamental do MINFIN (2015, p. 120). Esse valor foi aplicado nos diferentes projectos atinentes ao Programa de Apoio Social (PAS), em 2015, através dos quais 2499 famílias foram apoiadas com chapas de zinco e 591 514 pessoas receberam apoio em bens alimentares, não-alimentares, ajuda técnica e atribuição de kits profissionais diversos (RBA, MINARS, 2015, p. 3).

O Relatório de Balanço das Actividades do MINARS (2015) destaca o apoio concedido a 47 207 pessoas em lares de assistência à pessoa idosa e instituições de atendimento à Primeira In-fância sob controlo do Estado, a 115 345 pessoas carenciadas e dependentes, o que corresponde a 23 069 famílias, 366 764 pessoas afectadas por sinistros e calamidades, 4946 cidadãos repatriados no âmbito da Operação de Repatriamento Voluntário de cidadãos angolanos nos países limítrofes com Angola, assistência a 37 idosos na comunidade, 1233 pessoas receberam kits profissionais e foram integradas em Projectos de Geração de Trabalho e Renda, 13 552 crianças abrangidas pelo Projecto Leite e Papas, bem como 1406 pessoas vulneráveis com doenças crónicas.

O referido Programa abarca o Projecto de Assistência Alimentar e Não ‑Alimentar às Pessoas Carenciadas e em Situação de Vulnerabilidade, no âmbito do qual foram atendidas, em 2015, 115 345 pessoas, o que corresponde a 23 062 famílias, conforme o Relatório de Balanço das Actividades do MINARS em 2015.

A mesma fonte revela que a província do Uíge foi a maior beneficiária deste Projecto, com 9780 pessoas, seguida do Zaire, com 3865, depois Cabinda com 2800, a Lunda -Sul com 819, o

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Huambo com 801 e assim sucessivamente. Esta realidade leva ‑nos a reflectir sobre o facto de que a província do Cunene tenha apenas registado 491 famílias beneficiárias, dadas as vicissi-tudes por que passa, independentemente da existência de outros programas que atendem a demandas específicas nessa realidade.

O Relatório sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (Angola, 2015, p. 29) apon-ta para o 1.o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio, que consiste em erradicar a pobreza extrema e a fome, um cenário pouco animador, pois revela uma grande diferença entre ricos e pobres, reflectida no facto de que a riqueza do país está concentrada nas mãos de poucos indi-víduos, uma vez que o coeficiente de Gini é superior a 0,40 referido ao consumo.

O Relatório de Orçamentação do OGE 2015 (p. 29) apresenta 28,6% (1772 mil milhões de kwanzas) do OGE destinado às despesas com o sector social, justificadas pela mesma fonte com o seguinte argumento:

O peso do sector social resulta da importância da operação e manutenção das instituições prestadoras de serviços públicos de saúde, de educação e de assistência social a crianças e ido-sos. As dotações orçamentais para o sector social, em especial nos sectores da saúde, educação e Ensino Superior, visam assegurar a implementação do Plano Nacional de Desenvolvimento 2013 -2017 (p. 29).

Mas na prática, olhando para a fatia deste destinada à assistência social, os dados forne-cidos pelo MINARS não permitem perceber quanto foi gasto nas referidas despesas, nem o critério para tal atribuição.

Outro projecto consiste na assistência às populações afectadas por sinistros e calamidades, que atendeu, no ano em referência, 366 764 pessoas afectadas por estas ocorrências, espe-cialmente nas províncias do Cuando Cubango, onde foram beneficiadas 262 104 pessoas; do Cunene, com 69 422; Benguela, com 20 333; da Huíla, com 8912; entre outras populações. De entre as populações afectadas, chama a atenção o facto de que entre as 18 províncias do país, apenas em Malanje, Moxico e Bié o projecto não registou beneficiários (RBA, MINARS, 2015).

O apoio em situações de calamidades naturais está contemplado na dotação orçamental do MINARS no OGE 2015, com o valor de 44 451 600,00, representando 0,23% do total recebido pelo Ministério e para a assistência às pessoas afectadas por sinistros e calamidades naturais o valor de 485 817 460,00, equivalente a 2,53% (MINFIM, 2015, pp. 120 -121).

O impacto deste projecto é desconhecido. Os dados não revelam o tipo de apoio prestado, nem ainda se o mesmo respondeu às necessidades dos utentes. Esta situação de falta de clareza nos dados pode ser reveladora de uma realidade para a qual o país ainda precisa de se organizar. Isso para que a assistência em situações em que se regista menor número de pessoas afectadas, a própria província esteja em condições de responder com esses projectos, capazes de garantir que aquela pessoa apoiada hoje não venha a precisar do mesmo apoio num curto espaço de tempo.

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Ainda assim, de acordo com o Relatório de Balanço da Execução do OGE (2015, p. 19), no final do 1.o trimestre de 2015 o sector social tinha apenas 17% do OGE executado, correspon-dente ao gasto de 304 507 milhões, dado que não podemos aferir em relação à execução es-pecífica correspondente à área de Acção Social do MINARS, mas que nos revela um cenário de desafios para este órgão.

O Projecto de Assistência às Pessoas Vulneráveis com Doenças Crónicas atendeu 1406 pes-soas em 2015, mas apenas em 7 das 18 províncias do país, nomeadamente em Cabinda, Cuanza Sul, Bengo, Huíla, Luanda, Namibe e Lunda ‑Sul. Como não tivemos acesso a outros dados mais concretos, fica ‑nos a interrogação sobre os critérios para a prestação de tal apoio, uma vez que não é seguro afirmar que nas demais províncias do país não temos pessoas vulneráveis com doenças crónicas que precisavam deste apoio.

O Projecto de Melhoria das Condições Habitacionais das Pessoas Vulneráveis trabalhou na distribuição de chapas de zinco a 2499 famílias, com maior impacto nas províncias do Cunene, Uíge, Lunda -Sul, Bié, Cabinda e Cuanza Norte, sendo que em Malanje e Zaire nenhuma família teve acesso a estes bens.

Um aspecto pertinente é o de que não podemos limitar um projecto de melhoria das con-dições habitacionais deste grupo social que se propõe distribuir unicamente chapas de zinco, quando pode fazer muito mais. Nesta perspectiva, entende ‑se que a acção social precisa de ser capaz de articular “(...) um conjunto integrado de acções de iniciativa pública e privada, que desenvolvam serviços, benefícios, programas e projectos assistenciais.” (Araújo, s/data, p. 3) materializado como direito do cidadão e dever do Estado.

Nesse contexto de apoio torna -se evidente a maneira regressiva através da qual se desen-volvem os mecanismos de assistência para a melhoria das condições habitacionais, conduzida pelo Estado, pois se, por um lado a legislação angolana assevera a garantia de atendimento aos seus cidadãos, por outro lado compreende uma elevada parcela da população que nem sequer possui o direito de sobrevivência, pela violação constante dos seus direitos, minando qualquer possibilidade de acesso a habitação condigna e a assistência social.

Trata -se de pessoas mais vulneráveis à situação de pobreza as crianças de rua, as pessoas portadoras de deficiência, os idosos, os deslocados, os desempregados e desmobilizados, os grupos marginalizados como as crianças entregues à sua própria sorte e aqueles que apre-sentam um handicap (desvantagem física ou social, as mães solteiras, os sem‑abrigo e os de-ficientes mentais), pessoas com baixos rendimentos, sem emprego, conforme o Glossário da Assistência Social.

Assim, por exemplo, um desempregado pode ver as suas condições habitacionais melho-radas ao receber chapas de zinco, mas na realidade sabemos que ele precisa de muito mais. Esse projecto precisa ir mais além, ver a casa não como um mero corpo de imagens que dão ao

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homem razões ou ilusões de estabilidade, mas como o mundo da sociabilidade privada, o que pode significar ajuda mútua, brigas, rivalidades, preferências, tristezas, alegrias, aborrecimen-tos, espaço onde se fazem planos, sonhos, construções e realizações. Ela é o abrigo contra as “tempestades” do sistema económico, o locus onde se condensa a produção de discussões e o espaço onde se arquitecta a estratégia de sobrevivência. Trata ‑se do mundo privado destas famílias, onde se definem as responsabilidades, as permissões e omissões, as possibilidades, quem pode e quem não pode entrar, trabalhar, morar (Kowarick, 2009, p. 84 apud Monteiro, 2012, p. 125).

De acordo com o Relatório de Balanço das Actividades do MINARS de 2015, no âmbito do Projecto de Apoio Social às Instituições sob Controlo do Estado, foram apoiadas 423 institui-ções de atendimento à Primeira Infância, com uma frequência diária de 46 276 crianças, mas com maior incidência em Luanda, onde foram beneficiadas 135; Uíge com 41; Namibe com 36; Huambo com 33, e assim sucessivamente. As províncias do Cuando Cubango apenas com 2 ins-tituições a beneficiarem; Lunda ‑Norte 5; Zaire 5; Moxico 7 e Cuanza Norte também com 7 são as localidades do país onde menos instituições foram contempladas, talvez por disporem de um número reduzido de instituições daquele tipo.

Ao mesmo tempo, o referido projecto prestou assistência a 17 lares de assistência a pessoas idosas, tendo beneficiado um total de 931 utentes, com maior impacto nas províncias do Moxico, onde apoiou 4 lares, com um total de 211 pessoas, no Huambo, 3 lares com 185 pessoas e Luanda 1 lar com 108 pessoas.

Artigo 82.o da Constituição da República de Angola

1. Os cidadãos idosos têm direito à segurança económica e a condi-ções de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem ou superem o isolamento e a marginaliza-ção social.

2. A Política de Terceira Idade engloba medidas de carácter econó-mico, social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas opor-tunidades de realização pessoal através de uma participação activa na vida da comunidade.

Durante o ano de 2015, no âmbito do Projecto APROSOC (Parceiro do MINARS), deu -se início ao Diagnóstico Municipal para Implementação de Centros de Acção Social, os quais o projecto pretende iniciar em 2016 em seis municípios piloto não mencionados pela fonte. Tal mostra que em 2015 não foi criado nenhum novo centro social para atender às necessidades

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da população nessa área. Assim sendo, lamentamos o facto do órgão responsável não ter dis-ponibilizado dados mais pormenorizados sobre o tipo de apoio, a maneira como este foi mate-rializado e a sua frequência.

Outro projecto deste Programa visou o repatriamento dos ex ‑refugiados angolanos nos países vizinhos, de entre os quais 4946 regressaram de modo “organizado e espontâneo” para as províncias do Bié, Cabinda, Lunda -Norte, Lunda -Sul, Moxico, Uíge e Zaire. Ainda de acordo com o MINARS (2016), no seu Relatório de Balanço das Actividades de 2015, este projecto be-neficiou os seus utentes com assistência alimentar, não ‑alimentar, médica e medicamentosa, tramitação de documentação de identificação pessoal, disponibilização de terra para cultivo, apoio para autoconstrução dirigida, distribuição de insumos agrícolas, chapas de zinco e com outros bens essenciais à sua inserção.

Este Programa de Repatriamento terminou em Setembro de 2015, os dados apresentados foram recolhidos até Novembro de 2015. O processo de reintegração social destas pessoas encontra -se ainda em curso, pelo que o MINARS acha possível apresentar ainda dados a ele referentes. Contudo, os dados apresentados não revelam o número total de famílias angolanas em situação de vulnerabilidade que em 2015 precisaram de determinado apoio, por isso, pode-mos arriscar dizer que as observações feitas mostram que a cobertura deste Programa não foi total para as necessidades dessa população, nesse período.

Os dados do questionário mostram que o Projecto de Regresso e Integração dos Deslocados em Angola terminou com o fim do período de emergência, ou seja, aquando do fim do conflito militar em 2002.

Em 2015 foram assistidos 132 refugiados na província de Luanda. Estes beneficiaram de dois tipos de assistência: assistência médica e medicamentosa (33, dos quais 19 homens e 14 mu-lheres) e em termos de assistência social foram beneficiados 99 refugiados. Deste grupo 66 fo-ram assistidos através da atribuição de valores monetários para reforço da sua dieta alimentar (desses 66, 16 eram do sexo masculino e 50 do sexo feminino); 19 foram assistidos com valores monetários para pagamento de renda da casa (sendo 8 chefes de família do sexo masculino e 11 do sexo feminino); 2 refugiados foram ainda beneficiados com valores monetários (um para obtenção da carta de condução e outro para pagamento de propinas); 5 pessoas (3 homens e 2 mulheres) beneficiaram de assistência para aquisição de óculos. Foram ainda apoiadas famílias vulneráveis de 7 refugiados (4 do sexo masculino e 3 do sexo feminino) que faleceram, tendo--lhes sido atribuída subvenção de despesas fúnebres.

6.2.2 Programa de Geração de Trabalho e Renda (GTR)

O trabalho realizado visou a integração em Projectos de Geração de Trabalho e Renda, com um total de 1233 pessoas a beneficiarem do mesmo. Neste âmbito, foram criadas oportunida-des de trabalho para 1237 pessoas, de entre as quais jovens, idosos, pessoas com deficiência,

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refugiados residentes e asilados em Angola. Algumas foram apoiadas com kits de corte e costu-ra, pedreiro, sapataria, mecânica, com moto -táxi, outras através do recebimento de bicicletas, kit refrigerante, kit engrachador, entre outros. A assitência foi prestada com maior incidência nas províncias de Benguela, Huambo, Namibe, Bié e Moxico.

Analisando este cenário, podemos afirmar que em face do tipo de assistência prestada no domínio da área de acção social, dificilmente alcançaremos as prioridades definidas no Plano Nacional de Desenvolvimento em relação à estruturação de um modelo de financiamento da acção social do Estado, bem como o correspondente modelo de gestão, assim como a definição de estratégias de mitigação do risco social visando preparar os indivíduos, os agregados familia-res e as comunidades para enfrentar a ocorrência de situações de risco social.

O desafio para o sector poderá passar pela mobilização social, pelo desenvolvimento de práticas educativas, pelo atendimento psicossocial (em Centros Sociais específicos), através dos quais os profissionais, especialmente os assistentes sociais, possam desenvolver acções de atendimento social aos utentes, visitas domiciliárias, auxílio para transporte, alimentação, funeral, encaminhamentos, orientação e acompanhamento social aos utentes, estudos sociais, entre outros, capazes de contribuir de facto para a redução da pobreza no país.

As acções desenvolvidas em 2015 pelo MINARS em torno da acção social persistem no teor do assistencialismo, com apoios não ‑sistémicos. Tal não corresponde propriamente à assistên-cia social em si, mas a uma forma de mitigar a pobreza que não revela a real visão da assistência social enquanto direito do cidadão e dever do Estado.

6.3 Situação social da pessoa com deficiência

A Convenção das Nações Unidas define pessoa com deficiência como a que tem impedimen-tos, sejam eles de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em conjugação com outras barreiras, têm a possibilidade de obstaculizar a sua participação plena e efectiva na sociedade (INE, 2016:48).

No presente ponto, reflectiremos sobre as acções executadas pela área da integração social visando a integração das pessoas com deficiência.

6.3.1 Quadro demográfico da pessoa com deficiência

A prevalência da deficiência em Angola é de 2,5%, o equivalente a 656 258 pessoas, do universo de 25 789 024 da população angolana contabilizada até Maio de 2014, uma franja bas-tante reduzida, considerando o passado histórico que Angola viveu, marcado por uma guerra civil prolongada. Nota ‑se que a prevalência da deficiência é maior nos homens, cuja cifra está na ordem de 365 858 (56%), contrariamente à das mulheres (290 400, o equivalente a 44%) e na faixa etária de 25 a 65 anos, que possui 326 390 pessoas, correspondendo a 49,7% contra a

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faixa de 0 a 4 anos, que não vai além de 50 786 crianças com deficiência, equivalente a 7,7% do todo. A tabela seguinte fornece detalhes adicionais.

POPULAÇÃO RESIDENTE PORTADORA DE DEFICIÊNCIA POR GRUPOS DE IDADE, SEGUNDO O GÉNERO

País e grupo de idadeTotal Homens Mulheres

N.o % N.o % N.o %

Angola 656 258 100,0 365 858 100,0 290 400 100,0

0-4 anos 50 786 7,7 26 449 7,2 24 338 8,4

5-14 anos 113 325 17,3 59 789 16,3 53 536 18,4

15-24 anos 108 778 16,6 57 551 15,7 51 227 17,6

25-64 anos 326 390 49,7 192 665 52,7 133 724 46,0

65 ou mais anos 56 980 8,7 29 404 8,0 27 575 9,5

FONTE: INE, 2016:48.

Desagregadas as deficiências por tipo, constata ‑se que existe um maior número de pes-soas com deficiência mental (13,6%), seguidas das que possuem deficiências decorrentes de paralisia (13%). Na base da pirâmide estão as pessoas com deficiência auditiva (4,6%) e de fala (5,4%)118. O gráfico seguinte fornece detalhes completos sobre esta variável.

POPULAÇÃO PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, SEGUNDO O TIPO (%)

FONTE: INE, 2016:48.

118 Ver INE, 2016:49.

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Feita a distribuição geográfica da prevalência de deficiência no país, e de acordo com o seu in-tervalo percentual, verifica ‑se a existência de cinco grupos de províncias: Cuanza Norte, Moxico e Cunene são o grupo do topo, com uma percentagem que varia entre 3,1 a 3,4%; Bié e Huíla formam o segundo maior grupo, cuja cifra está situada no intervalo de 2,8 a 3,1%; Bengo, Uíge, Malanje, Lunda ‑Sul, Huambo e Cuando Cubango têm 0,3% acima da média nacional, sendo o seu intervalo 2,5 a 2,8%; Luanda, Cuanza Sul, Benguela e Lunda ‑Norte constituem o segundo menor grupo, cuja percentagem oscila entre 2,1 a 2,5% e Cabinda, Zaire e Namibe, que são o menor grupo, têm uma percentagem que vai de 1,7 a 2,1% (INE, 2016:49).

6.3.2 Quadro legislativo em prol da pessoa com deficiência

Terminada a guerra em 2002, o país fez uma viragem na concepção e abordagem das ques-tões sociais e da problemática da pessoa com deficiência em particular, passando as acções sociais do Estado a serem concebidas e executadas não mais no âmbito de solidariedade social, mas sim na perspectiva dos direitos de que as pessoas vulneráveis, incluindo as com deficiência, são detentores (Canhanga & Constantino, 2015). Esta mudança faz jus à designação “pessoa com deficiência”, em que a sua dimensão antropológica é colocada acima de qualquer que seja a natureza da deficiência de que é portadora.

Nessa senda, o país concebeu e tem estado a conceber instrumentos legais com vista a proteger os direitos da pessoa com deficiência, garantir a sua dignidade e realização enquanto pessoa humana e cidadão nacional, de entre os quais se destaca a CRA, que consagra a não discriminação da pessoa, quer seja ou não portadora de deficiência (CRA, artigo 23.o, n.o 2).

Os instrumentos legais ordinários podem ser agrupados em três categorias, sendo a primeira a dos que protegem direitos específicos das pessoas com deficiência, tais como: educação es-pecial (Decreto n.o 56/79, de 19 de Novembro)119; emprego (Decreto n.o 12/16, de 15 de Janei-ro)120 e assistência pecuniária para o exercício de qualquer actividade laboral (Lei n.o 6/98, de 7 de Agosto)121. De referenciar de forma particular o Decreto n.o 13/02, de 5 de Outubro, do antigo combatente e do deficiente de guerra, em sede do qual lhes são reconhecidos direitos sociais, extensíveis às pessoas cujos familiares tenham tombado na luta de libertação nacional ou na defesa da pátria.

119 Vê-se reforçado pelo Decreto n.o 20/21, de 18 de Janeiro, que aprova o Conselho e Estatuto da modalidade da Educação Especial em prol das pessoas com necessidades especiais.120 O Decreto n.o 21/82, de 22 de Abril, tem a mesma finalidade, não tendo ficado claro, por isso, se o último revoga o primeiro. A previsão é de uma reserva na ordem de 4% de vagas de trabalho nas empresas públicas e 2% nas privadas para as pessoas com deficiência.121 Apesar de existir factualmente, ainda não produziu resultados práticos pois carece de regulamen-tação.

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A segunda categoria é relativa a dois instrumentos que respaldam a existência de órgãos que prestam serviço especificamente às pessoas com deficiência, a saber: Instituto Nacional de Reabilitação (INR), órgão do Executivo que tem a responsabilidade de executar a Política Nacional de Reabilitação das Pessoas com Deficiência, funciona sob a tutela do Titular do Poder Executivo, é dirigido por um Presidente, coadjuvado por um Vice ‑Presidente, ambos nomeados pelo Titular do Poder Executivo (Decreto n.o 6 -E/91, de 9 de Março) e o Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência (CNPED), órgão de consulta e concertação para a execução das tarefas definidas pela política, formado por 19 departamentos ministeriais, 10 associações de pessoas com deficiência e organizações religiosas (Decreto n.o 105/12, de 1 de Junho). Este último viu a sua vida política mais facilitada com a aprovação do Regulamento do seu Secretariado Executivo (Decreto Executivo n.o 213/13, de 12 de Julho).

A terceira categoria representa o conjunto de instrumentos que consagram as políticas do Estado direccionadas às pessoas vulneráveis e às pessoas com deficiência em particular, tais como: a Lei de Bases de Protecção Social, que define os fundamentos e objectivos da protec-ção social de base (Lei n.o 7/04, de 15 de Outubro)122; a Política para a Pessoa com Deficiência (Decreto n.o 237/11, de 30 de Agosto); as Estratégias de Protecção da Pessoa com Deficiência (Decreto n.o 238/11, de 30 de Agosto); o Programa de Assistência à Pessoa com Deficiência (Decreto n.o 151/12, de 29 de Junho)123; as Estratégias de Intervenção para Inclusão da Criança com Deficiência (Decreto n.o 207/14, de 15 de Agosto) e a Tabela de Índices Médicos de Incapa-cidade (Decreto n.o 86/81, de 16 de Outubro).

Apesar do rico ambiente legislativo que protege e garante os direitos das pessoas com defi‑ciência, o quadro factual deste segmento social ainda é marcado por muitos desafios sociais, com destaque para as dificuldades de acesso à educação, habitação, emprego e locomoção, de-vido, nomeadamente, a estradas esburacadas, à inexistência de vias preferenciais, à existência de pouquíssimos espaços de estacionamento, à falta de elevadores em transportes públicos124 e de rampas na maioria das instituições públicas, conforme a experiência de Inácio ilustrada no texto da página seguinte.

122 Esta lei define claramente os grupos vulneráveis que precisam de protecção social do Estado, a saber: pessoas ou famílias em situação grave de pobreza, mulheres em situação desfavorecida; crian-ças e adolescentes com necessidades especiais ou em situação de risco; idosos em situação de depen-dência física ou económica e de isolamento; pessoas com deficiência, em situação de risco ou de exclusão social e desempregados. 123 O Programa visa aplicar o estabelecido na Lei de Bases de Protecção Social. 124 ANGOP, 2015, Canhanga & Constantino, 2015.

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Inácio Oliveira é formado em Direito, tem 28 anos e pretende entrar no mercado de trabalho para pôr em prática o que aprendeu e exercer a actividade para a qual se preparou e que sempre quis exercer. Está can-sado de passar o dia no seu apartamento com a mãe que, infelizmente, ainda o trata como uma criança. Inácio tem uma deficiência nas pernas, que adquiriu enquanto fugia da guerra, do Uíge para Luanda, em 1993. É obrigado a passar o dia em casa, às vezes durante dias, devido à au-sência de elevadores no prédio onde vive e por não querer dar trabalho à família que tem de o carregar ao colo do 7.o andar ao rés-do-chão para de seguida poder locomover-se em cadeira de rodas.

FONTE: Monteiro, s/d., Dificuldades de Locomoção de uma Pessoa com Deficiência.

É crível que a experiência de Inácio represente o calvário de muitas pessoas com deficiência, espalhadas um pouco por esta Angola.

6.3.3 Resposta do Executivo aos problemas que afectam as pessoas com deficiência

A Direcção Nacional de Integração Social da Pessoa com Deficiência (DNISPCD), tutelada pelo Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS), é o órgão de Direito que gere as Políticas Sociais do Executivo direccionadas às pessoas com deficiência, com a co ‑participação de actores da sociedade civil, de entre estes, a Associação Angolana de Mutilados e Militares de Guerra (AMMIGA), ANADEV, a Associação Nacional dos Deficientes de Angola (ANDA), o Fundo Lwini, LAASP e a Liga de Apoio e Reintegração dos Deficientes Físicos de Angola (LARDEF). Estes detêm o estatuto de instituições de utilidade pública, o que lhes permite beneficiar do bolo orçamental do Estado que de alguma forma lhes confere fôlego financeiro para a prossecução do seu objecto social125.

Do universo de 656 258 pessoas com deficiência existentes no país, a acção da DNISPCD desde 2012 tem incidido apenas sobre 89 438, que correspondem a 13,6%, estando a esma-gadora maioria desta população (86,3%) em situação de exclusão. Entre a população -alvo da DNISPCD, 28 456 eram crianças e compreendiam as seguintes faixas etárias em 2012: dos 0 aos 5 anos (6274); dos 6 aos 10 anos (9984) e dos 13 aos 17 anos (12 198)126.

125 As acções que estes actores desenvolvem em prol da pessoa com deficiência não são referenciadas neste capítulo por falta de informação.126 LUSA, 2013.

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Confrontando os dados do quadro de beneficiários da DNISPCD, desagregados por provín-cia, sexo e tipo de deficiência, com os do Censo 2014127, embora os deste último não estejam desagregados por província em valores absolutos e ponderadas as assimetrias demográficas das províncias, constatamos que, em alguns casos, há desalinhamento da acção interventiva da DNISPCD com a quantidade da população com deficiência existente numa dada província, ou seja, era expectável que algumas províncias tivessem mais população beneficiária da acção interventiva da DNISPCD em função do número total de pessoas com deficiência que possuem, inversamente, outras províncias deveriam estar a beneficiar menos, pela mesma razão. A tabela seguinte apresenta mais informações quantitativas sobre a população ‑alvo da DNISPCD.

POPULAÇÃO COM DEFICIÊNCIA ALVO DA ACÇÃO DNISPCD, SEGUNDO A PROVÍNCIA, SEXO, TIPO DE DEFICIÊNCIA E GRUPO ETÁRIO

N.o Província TotalSexo Tipo de deficiência Grupo etário

M F Cego Surdo Mudo S/Mudo Motora Mental 0-5 6-12 13-17

1 Bengo 2665 1721 944 149 325 317 137 1714 23 12 323 391

2 Benguela 6840 3600 3240 1158 956 737 180 3572 237 0 994 1153

3 Bié 5937 2615 3322 538 94 115 147 4961 82 135 301 757

4 Cabinda 7061 3403 3658 830 683 664 555 3724 605 243 848 1166

5 Cunene 1720 990 730 507 88 69 131 715 210 38 142 164

6 Huila 7958 3838 4120 1095 615 866 458 4523 401 1624 1175 1015

7 Huambo 2649 1597 1052 114 89 529 190 1155 572 162 331 274

8 C. Norte 2107 1073 1034 221 185 206 172 1180 143 447 314 315

9 C. Sul 9592 5192 4400 416 404 361 785 5648 1978 419 1060 1424

10 C. Cubango 3065 1442 1623 143 188 175 133 2244 182 120 174 265

11 Luanda 8516 6442 2074 537 610 242 117 4990 2020 613 720 992

12 L.-Norte 4569 2374 2195 592 442 352 332 2633 218 304 498 595

13 L.-Sul 3942 2023 1919 318 160 143 149 3017 155 482 515 589

14 Malanje 3551 1770 1781 175 130 170 309 2646 121 97 363 854

15 Moxico 6049 3457 2592 454 418 382 465 4016 314 276 438 292

16 Namibe 1943 1061 882 163 29 46 23 1637 45 93 252 351

17 Uíge 9594 5179 4415 1142 1330 1174 1170 3583 1195 1134 1393 1279

18 Zaire 1680 831 849 142 137 131 104 1016 150 75 143 322

Total geral 89 438 48 608 40 830 8694 6883 6679 5557 52 974 8651 6274 9984 12 198

FONTE: MINARS.

A tabela acima mostra que a população masculina tem beneficiado mais da acção social da DNISPCD, comparativamente com a feminina, opção perfeitamente justificável considerando

127 Ver gráfico 2 e cartograma 12 (INE 2016, pp. 32, 49).

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que a primeira representa a maior franja da população com deficiência ao nível do país, confor-me atestam os dados do Censo atrás referenciados.

O mesmo revela que a diferença entre o número de pessoas com deficiência motora que são assistidas socialmente pela DNISPCD é bastante grande, em comparação com o das restantes cinco categorias. A guerra, os acidentes de viação e doenças como os acidentes vasculares cere-brais (AVC) são apontadas como estando na base das principais causas da deficiência motora.

Depois da categoria das pessoas com deficiência motora, as demais alinham ‑se pela seguinte ordem: pessoas com deficiência visual (8694), pessoas com deficiência mental (8651), pessoas com deficiência auditiva (6883), pessoas com deficiência de fala (6679) e pessoas com deficiências simultâneas de natureza auditiva e de fala (5557). Em termos globais, nota ‑se que as categorias que beneficiam das acções de integração social da DNISPCD estão em conformi-dade com o quadro nacional128.

O quadro não apresenta dados completos da desagregação da população com deficiência por faixa etária, o que desaconselha a fazer análises sobre esta variável, sob pena de se incorrer em erros.

6.3.4 Resposta estruturada nos programas definidos

A acção da DNISPCD tem sido assente em três eixos programáticos: apoio social, geração de trabalho e renda e reabilitação baseada na comunidade (RBC).

6.3.4.1 Programa de Apoio Social

O mesmo tem a finalidade de garantir a inclusão dos cidadãos que estejam expostos ao risco de exclusão social, garantindo ‑lhes acesso aos recursos, bens e serviços, assim como de promover a igualdade de oportunidades de participação social, visando a construção de uma sociedade com melhor qualidade e coesão social. O programa compreende acções voltadas para a concepção de ajudas técnicas às pessoas com deficiência e a assistência com meios de locomoção.

De 2013 a 2015, num universo de mais de 4 032 457 pessoas em situação de risco apoiadas socialmente pelo Estado, 25 325 eram pessoas com deficiência, um segmento que representa 28,3% do total de população com deficiência que tem estado sob o controlo do MINARS desde 2012. Outrossim, o número de pessoas com deficiência beneficiárias do apoio social diminuiu consideravelmente entre 2014 (que se cifrava em 12 773) e 2015 (em que a cifra atingiu apenas 3185 pessoas).

128 Vide gráfico 13 do Censo 2014 (INE, 2016:48).

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A tabela seguinte fornece detalhes adicionais.

POPULAÇÃO COM DEFICIÊNCIA ASSISTIDA SOCIALMENTE ENTRE 2013-2014

N.o de pessoas beneficiárias

Ano Material recebido

9367 20135700 pares de canadianas, 1329 pares de muletas axilares, 2042 cadeiras de rodas, 23 triciclos manuais, 73 andarilhos, 53 pares de óculos de sol, 101 relógios falantes e 46 guias de cegos.

12 773 2014 Cadeiras de roda, triciclos manuais, triciclos motorizados, canadianas, muletas, ben-galas e óculos para cegos, relógios falantes e andarilhos.

3185 2015 1015 cadeiras de roda, 59 triciclos manuais, 21 triciclos motorizados, 1551 canadia-nas, 188 muletas, 50 bengalas, 8 óculos para cegos, 4 relógios falantes e andarilhos.

FONTE: MINARS, 2014.

Nos últimos três anos o Executivo não tem sido capaz de atingir as metas estabelecidas no Plano de Desenvolvimento Nacional 2013 -2017 em relação ao apoio social a pessoas com defi‑ciência. Em 2013, ao contrário das 20 000 pessoas previstas, só conseguiu apoiar 9367, cifra equivalente a 46,4% da população. O ano de 2014 foi o de maior sucesso, dado que das 22 000 pessoas previstas foram apoiadas 12 773, correspondendo a 58% dos beneficiários previstos. Contrariamente a 2014, o ano seguinte foi o de maior insucesso, pois o Executivo conseguiu apoiar apenas 3185 pessoas, das 25 000 previstas, o que equivale a 12,7% do universo previa-mente definido (MPDT, 2012:127 e MPDT, 2014:144).

6.3.4.2 Programa de Geração de Trabalho e Renda (GTR)

Conforme referenciado no ponto anterior, este programa tem um grupo -alvo mais alargado: jovens em situação de risco, pessoas com deficiência, mães chefes de família, repatriados, refugiados, asilados em Angola e outros cidadãos em situação de pobreza devidamente iden-tificados nas comunidades e que não só tenham sido cadastrados, mas que também estejam sob atendimento directo dos Governos Provinciais, por intermédio das Direcções Províncias da Assistência e Reinserção Social (DPARS).

A função do programa consiste em dar -lhes oportunidades ocupacionais de carácter remu-neratório, cujos projectos de base são: centros de referência, oficinas integradas comunitárias e cooperativas. Nos três anos consecutivos, isto é, de 2013 a 2015, um total de 17 659 pessoas com diferente categoria social, beneficiou do programa, conforme ilustra a tabela da página seguinte.

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BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA DE GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA ENTRE 2013-2015

N.o de pessoas

beneficiáriasAno Tipo de apoio concedido

3930 2013Criação de 3930 oportunidades de trabalho em diversas áreas profissionais que be-neficiaram jovens, repatriados e pessoas com deficiência, apoiadas com 1238 kits profissionais129.

12 496 2014

Criação de 12 683 oportunidades de trabalho para jovens, pessoas idosas, pessoas com deficiência e refugiados residentes em Angola nas comunidades, em diversas áreas profissionais, apoiadas com a distribuição de 6231 kits profissionais e equi-pamentos.

1233 2015

Criação de 1237 oportunidades de trabalho para jovens, pessoas idosas, pessoas com deficiência e refugiados residentes/asilados em Angola, em diversas áreas pro-fissionais (corte e costura, sapataria, mecânica, moto‑táxi e outros, mediante atri-buição de 798 kits profissionais).

FONTE: MINARS, 2014, p. 8; MINARS, 2015, p. 6 e MINARS, 2016, p. 7. 129

A tabela acima não precisa o número específico de pessoas com deficiência que beneficia-ram do programa no universo das 17 659 pessoas. Por outro lado, não fornece dados desagre-gados por género nem distribuição geográfica, o que não nos permite fazer análises comparati-vas entre as províncias, assim como entre homens e mulheres.

Todavia, comparando os dados da tabela relativa à população com deficiência assistida so-cialmente com os da tabela sobre os beneficiários do programa de geração de trabalho e renda, constatamos que o Programa de Apoio Social beneficiou um maior número de pessoas com deficiência do que o Programa de Geração de Trabalho e Renda, podendo com isto deduzir ‑se que no intervalo de 2013 a 2015, a Política Social do Estado em prol das pessoas com deficiência privilegiou a componente assistencialista em detrimento da integracionista.

O depoimento do Presidente da ANDA, Silva Lopes Etiambulo, à ANGOP (2015) revela que o défice global na reintegração das pessoas com deficiência é também uma realidade em pro-porções consideráveis na Associação que dirige: “As estatísticas dos reintegrados, desde os de-ficientes de guerra e de âmbito natural, indicam que há um número muito elevado de pessoas com deficiência por reintegrar. Somos mais de 150 000 pessoas e temos cerca de 10 572 mem-bros que se encontram integrados no processo produtivo.” (ibid.)

129 É de destacar, no âmbito do programa, o Projecto de Promoção e Apoio às Cooperativas de Moto--Táxi, ao qual foram atribuídos 595 triciclos motorizados, 299 de carga e 296 de passageiros, tendo possibilitado a criação de cooperativas de moto-táxi nas províncias do Bengo, Benguela, Cabinda, Cuanza Sul, Cunene, Huíla, Luanda, Lunda-Norte, Lunda-Sul, Moxico e Namibe, abrangendo 890 bene-ficiários. Cf. MINARS, 2014, p. 8.

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As fontes documentais do Executivo apresentam dados divergentes sobre o Programa de Geração de Trabalho e Renda, sendo mais expressivas no tocante às metas preconizadas e bastante ligeiras no que diz respeito às metas alcançadas (MPDT, 2012:127; MPDT, 2014:144; MINARS, 2014, p. 8; MINARS, 2015, p. 6 e MINARS, 2016, p. 7). Na nossa análise decidimos utilizar os dados constantes dos Relatórios do MINARS, presumindo serem os mais fiáveis, pelo facto de terem sido produzidos pelo próprio órgão que responde politicamente pela questão que constitui o foco da nossa abordagem nesse capítulo.

6.3.4.3 Programa de Reabilitação Baseada na Comunidade (RBC)

É um programa multissectorial, consubstanciado no encaminhamento de pessoas com defi-ciência, ou seja, pessoas vulneráveis no geral, aos serviços especializados de saúde, educação, formação profissional e emprego. Os outros actores que concorrem para a materialização deste programa, além do MINARS, são: os da Saúde, Educação, Ensino Superior, Justiça e Direitos Hu-manos, Emprego e Formação Técnico‑Profissional, Igrejas, Organizações Comunitárias de Base (OCB), Associações de PCD e Autoridades Tradicionais.

No triénio de 2013 a 2015, um total de 5164 pessoas com deficiência beneficiou deste pro-grama, o que corresponde a 5,7% do universo da população com deficiência que o MINARS controla ao nível nacional. Detalhes adicionais na tabela que se segue.

BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA DE RBC ENTRE 2013-2015

Ano

Tipo de apoio

Mercado de Emprego

SaúdeEnsino

EspecialReabilitação

FísicaEducação e Ensino

Formação Profissional

Subtotal

2013 207 120 - 659 1663 600 3249

2014 4 212 - 99 511 324 1150

2015 94 142 3 170 205 151 765

Total 305 474 3 928 2379 1075 5164

FONTE: MINARS, 2014, p. 9; MINARS, 2015, p. 7 e MINARS, 2016, p. 8.

Com base na leitura da tabela acima, constatamos que o número de beneficiários do progra-ma RBC foi reduzindo gradualmente de ano para ano. Em 2013 a população -alvo foi de 3249, porém no ano seguinte verificou ‑se uma redução na ordem de 35,3%, pois apenas 1150 pes-soas foram contempladas neste programa. No ano de 2015 a redução quase duplicou (66,5%), correspondendo a 765 beneficiários.

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De entre os cinco sectores actuantes em favor das pessoas com deficiência, o sector da Edu-cação e Ensino foi o que maiores oportunidades proporcionou (2379), coadjuvado pelo sector da Formação Profissional, que possibilitou a formação de 1075 pessoas. O sector do Ensino Especial foi o que menor contributo deu a favor das pessoas com deficiência. Dos três anos consecutivos em questão (2013, 2014 e 2015), apenas 2015 registou a comparticipação da for-mação de 3 pessoas.

O Mercado de Emprego foi o segundo sector que menos contribuiu em prol das pessoas com deficiência, salvaguardada a distância com o do Ensino Especial, tendo absorvido 305 pes-soas deste grupo; tendo sido em maior número em 2013, com um total de 207 postos laborais. Das 1075 pessoas formadas no triénio 2013 -2015, apenas 28,3% conseguiu aceder ao mercado de emprego. Este indicador revela que o mercado laboral angolano ainda é bastante fechado a pessoas com deficiência, apesar da existência do Decreto n.o 12/16, de 15 de Janeiro, que visa alterar o quadro, implicando provavelmente que as especialidades (carpintaria, corte e costura, serralharia, mecânica, construção civil e electricidade) que têm sido ministradas às pessoas com deficiência sejam repensadas, visando torná ‑las mais compatíveis com as necessidades actuais do mercado.

Do ponto de vista da oferta, o país dispõe de 20 oficinas integradas e cooperativas sociopro-fissionais, 20 escolas de Ensino Especial em 16 províncias, com excepção de Cabinda e Malanje e 750 escolas inclusivas, com a finalidade de garantir a formação, reintegração e socialização das pessoas com deficiência.

A tabela sobre os beneficiários do Programa de RBC apresenta uma situação de diminuição irreversível da acção social do Executivo em prol das pessoas com deficiência nas seis catego-rias desde 2013 a 2015, tendência global revelada nas anteriores duas tabelas em relação aos Programas de Apoio Social e Geração de Trabalho e Renda, apesar do contrabalanço excepcio-nalmente feito no ano de 2014. Desta política redutora do Estado advêm muitas consequências para as pessoas com deficiência pois têm recebido cada vez menos apoio social desta entidade e presumivelmente dos seus familiares face à crise socioeconómica, tornando a sua situação de vulnerabilidade social cada vez mais grave e inalcançáveis as aspirações da sua integração social. Lamentavelmente, as informações de natureza financeira disponíveis nos Relatórios do MINARS e nos OGE 2013 ‑2016 não nos permitiram aferir com segurança se o quadro global da redução da acção social do Executivo em prol das pessoas com deficiência terá conexão com a insuficiência de verbas que têm sido alocadas aos três programas ou com outras razões que incluem a ineficácia política do Executivo130.

130 Esta situação é recorrente (CEIC / UCAN, 2015:162,167).

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7. AGRICULTURA FAMILIAR E SEGURANÇA ALIMENTAR FACE AOS CONSTRANGIMENTOS CLIMÁTICOS NA PROVÍNCIA DO CUNENE

7.1 Introdução

Os desastres naturais, tais como cheias e secas, são recorrentes no Sul de Angola, nomeada-mente na província do Cunene. A seca constitui uma situação recorrente que afecta os meios de vida de milhões de pessoas no mundo, nomeadamente na África Austral. Em 2013, a FEWS NET (Famine Early Warning System Network) reportou que as colheitas no Cunene estiveram 50 a 70% abaixo da média. Outros dados indicam que mais de 20% dos grupos domésticos das províncias do Cunene e do Namibe caíram na situação de segurança alimentar precária ou ape-nas conseguiram satisfazer minimamente as suas necessidades alimentares. Entretanto, dados públicos avançados referem que aproximadamente 640 000 habitantes da província do Cunene foram afectados, 80% da produção de cereais perdida e de que cerca de 20% do gado, principal fonte de rendimento das comunidades locais, morrera.

Consequência directa da escassez ou falta de alimentos, a seca leva a situações de malnu-trição aguda, particularmente em crianças. De acordo com o Relatório de Revisão dos Mecanis-mos de Coordenação e Resposta à Seca no Sul de Angola, o município de Cuanhama foi o mais afectado, com 49% de crianças em estado de malnutrição severa.

Dados da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) indicam que em Junho de 2015 cerca de 5,60% das crianças abaixo de cinco anos se apresentava desnutrida, subindo esse número para 7,10% em Novembro do mesmo ano. Dados da World Vision (2015) obtidos em diferentes localidades do Sudoeste de Angola apontam para 4,7% de crianças em situação de desnutrição aguda severa, 11,8% em situação de desnutrição aguda moderada e 16,5% com desnutrição aguda global. Mais indicam que estariam afectadas cerca de 600 000 crianças, das quais 180 000 com idade inferior a cinco anos. Diversas Igrejas131 e vozes da sociedade civil se levantaram a reclamar maior apoio das estruturas governamentais a favor das populações atingidas. Por sua vez, os meios de comunicação social vêm dando conhecimento de situa-ções dramáticas vividas no seio das comunidades atingidas. Tais notícias são acompanhadas de imagens de dor e sofrimento, de populações esfomeadas e desnutridas, sobretudo crianças.

131 Por exemplo, a CEAST (Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé), na sua nota pastoral datada de 9 de Março de 2016, alerta para a seca e a fome no Sul de Angola, que se alastram por largo tempo e continuam a fazer vítimas.

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Paralelamente, são veiculadas informações e imagens de apoios institucionais e doações da sociedade civil. O elemento ‑chave é a ajuda de emergência e o apelo às imagens de satisfação e reconhecimento manifestadas pelos sinistrados perante as actividades humanitárias desenca-deadas. Entretanto, logo que a questão da sobrevivência esteja ultrapassada e a comunicação se “desligue” do assunto, as comunidades enfrentam um problema a longo prazo da viabilidade dos seus agregados familiares, já que os activos que sustentam os respectivos meios de vida ficam afectados durante longo tempo e não podem ser objecto de nenhuma “cura instantânea”.

Situações de seca constituem um evento recorrente no Sul de Angola, profusamente refe-renciadas em manifestações culturais e em contos populares das comunidades rurais, sendo os agregados familiares obrigados a tomá -la como um elemento central no planeamento das suas actividades produtivas. Assim, uma das preocupações centrais do agregado familiar é a de assegurar a sua sobrevivência e minimizar os riscos a que está sujeita a sua actividade produti-va. Perante falhas na produção, procuram, então, limitar as suas perdas e manter ou recuperar a sua capacidade produtiva. Existem evidências de que a região se vem tornando mais quente e seca, comparativamente com o passado. Contudo, estas eventuais mudanças climáticas são relativamente menores se comparadas com as mudanças socioeconómicas que essas comuni-dades vêm enfrentando num passado recente. As populações locais demonstraram ao longo da história uma notável capacidade de se desenvolverem integradas no meio ambiente em que vivem. Contudo, essa capacidade evolutiva de adaptação está, aparentemente, a ficar cada vez mais limitada. Esta situação é agravada pelos cada vez maiores constrangimentos no acesso aos recursos naturais e pelo limitado acesso a serviços sociais, mormente educação e saúde, assim como aos mercados. A resposta que tem havido por parte das entidades competentes tem sido fundamentalmente humanitária, focalizada basicamente em acções de ajuda de emergência dispersas e nem sempre convenientemente coordenadas.

Este ponto é dedicado ao problema da seca no Sul de Angola, mais especificamente na província do Cunene, focando sobretudo a agricultura familiar e a segurança alimentar. Pri-meiramente é feita a caracterização da província e das suas populações, nomeadamente dos respectivos meios de vida e formas de resposta a situações de desastre, sempre tomando a seca como parte do sistema. Em seguida, é apresentada uma síntese das principais acções levadas a cabo por parte de diversas instituições em socorro das vítimas e é feita uma reflexão sobre as formas de abordagem desta ocorrência natural.

7.2 Definições e conceitos

De uma forma simples, pode ‑se definir “seca” como sendo o fenómeno que ocorre natu-ralmente quando a precipitação registada é significativamente inferior aos valores normais, provocando um sério desequilíbrio hídrico que afecta negativamente os sistemas de produção dependentes dos recursos da terra. Situações de seca podem levar a conjunturas de desastre. “Desastre” pode ser definido como uma séria perturbação na forma como as coisas funcionam,

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originando perdas globais humanas, materiais e ambientais, que limitam a capacidade das co-munidades ou sociedades afectadas estarem à altura de a elas fazerem face utilizando os seus próprios recursos. O conceito de “vulnerabilidade” refere -se à exposição e sensibilidade aos choques e stress e à capacidade de se recuperar deles, portanto às relações entre risco e gestão de risco. “Risco” pode ser definido como a probabilidade de um determinado evento (choque) ocorrer. Os “meios de vida” consistem nas capacidades, actividades e recursos (tanto materiais como sociais) necessários para o sustento do indivíduo e do seu agregado familiar. “Susten-tabilidade” refere ‑se à manutenção ou reforço da produtividade dos recursos numa base de longo prazo. “Agricultura familiar” designa uma forma de produção agrícola que agrupa ex-plorações caracterizadas por ligações orgânicas entre a família e a unidade de produção e pela mobilização do trabalho familiar excluindo o assalariado permanente. Por “agregado familiar” entende -se a pessoa ou grupo de pessoas, com ou sem relações de parentesco, que vivem habitualmente sob o mesmo tecto e partilham as despesas alimentares e/ou outras necessi-dades vitais. De um ponto de vista social, “resiliência” refere -se à capacidade de indivíduos e agregados familiares resistirem ao impacto de tendências e choques, absorvendo ‑os enquanto mantêm a sua funcionalidade.

7.3 Caracterização da província do Cunene

7.3.1 Caracterização administrativa

A província do Cunene está situada no extremo Sul do País. A Norte confina com a província da Huíla, a Oeste com a província do Namibe, a Leste com a província do Cuando Cubango e a Sul com a República da Namíbia. Com uma extensão territorial de 89 342 km2, constitui ‑se por 6 municípios (Cuanhama, Ombadja, Cuvelai, Curoca, Namacunde, Cahama), 20 comunas e 850 localidades, das quais 804 são consideradas rurais.

7.3.2 Clima

O clima, a partir dos seus diferentes elementos, em associação com outros factores físicos como o solo ou a orografia, determina os calendários agrícolas, hidrológicos, vegetativos, entre outros, que condicionam, em última instância, o dia ‑a ‑dia das populações. De uma forma geral, o clima da província do Cunene é do tipo semiárido, com a estação das chuvas a coincidir com os meses de Verão, período do ano em que as temperaturas médias são mais elevadas. Por seu lado, as chuvas apresentam uma grande variabilidade não só nos seus quantitativos absolutos, mas também no âmbito espacial e temporal, determinando, ao nível hidroagrícola, anos “bons” e anos “maus”. As precipitações situam -se entre 700 e 400 mm e vão decrescendo à medida que se caminha para Sul. Em Ondjiva, a precipitação média anual é de 600 mm, no entanto, em quase todos os anos os seus valores diferem em termos quantitativos dos anos anteriores ou se-guintes, sendo os melhores anos associados a pluviometrias três ou quatro vezes superiores às dos anos mais secos. Tomando como referência o período de observação 1937 ‑75, a humidade

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relativa média anual, às 9 horas é, em Ondjiva, de cerca de 47,2%. Os valores máximos mensais, de 68,2%, ocorrem em Fevereiro, sendo Setembro o mês que apresenta um valor médio mensal mais baixo, de cerca de 27%. Na região, as amplitudes térmicas diárias são consideráveis, sobre-tudo durante o período seco do ano. Assim, o vapor de água presente junto ao solo dissipa -se nas horas mais quentes do dia, por convecção, para as camadas de ar sobrejacentes.

7.3.3 Fitogeografia

Uma grande área é coberta por floresta densa seca caracterizada pela presença de Baikiaea plurijuga (muiumba), daí ser também conhecida por mata de muiumba. Formações de mutiati (Colophospermum mopane) ocupam extensões consideráveis na zona semiárida, em corres-pondência com as superfícies de drenagem deficiente que se saturam de humidade na estação chuvosa. Esta espécie arbórea ou arbustiva aparece em povoamentos estremes ou associada a outras espécies arbóreas, sobretudo Spirostachys africana (omupapa) e espécies de Acacia, Combretum e Commiphora. Na zona árida, que abrange parte do município do Curoca, a cober-tura vegetal assume fácies xerofítico.

7.3.4 Geomorfologia

As populações locais adoptam uma terminologia específica para as distintas unidades mor-fológicas. Estas unidades, correlacionadas com comunidades de vegetação específicas, drena-gem e circulação ou retenção de água no solo estão estreitamente ligadas ao povoamento e es-tratégias de meios de vida das populações. Pela sua importância, referem -se às mulolas (vales alargados em correspondência com linhas de água secas ou de caudal esporádico), chanas (su-perfícies rasas, suavemente depressionadas, que ficam inundadas na estação chuvosa), mufitos (superfícies salientes que separam chanas e que, embora com poucos metros de desnível, ficam livres das inundações), evanda (superfície aluvial do rio Cunene) e etunda (superfície saliente de relevo ondulado largo e suave).

7.3.5 Solos

Os solos da região podem, quanto à sua génese, ser agrupados em dois grandes conjuntos pedológicos: os que se encontram directamente relacionados com o sistema de drenagem en-dorreica do Cuvelai, de génese sedimentar aluvionar, com variações de textura de acordo com o tipo de sedimentos; os que se relacionam com a superfície arenosa do Kalahari, essencialmente psamíticos. Regra geral, os solos são considerados pouco férteis do ponto de vista agrícola.

7.3.6 O Homem

De acordo com os resultados preliminares do Censo Populacional realizado em 2014, a pro-víncia do Cunene possui um total de 965 288 habitantes, dos quais 79,1% vivendo no meio rural. O município do Cuanhama tem 360 491 habitantes, o de Ombadja 290 077, Namacunde

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143 739, Cahama, 69 094, Cuvelai, 60 137 e Curoca apenas 41 750 habitantes. O município do Cuanhama é o mais populoso, concentrando 37% da população da província, seguindo -se os municípios de Ombadja 30% e Namacunde 15%. Estes três municípios albergam 82% do total da população da província. O município de Ombadja apresenta o maior número de habitantes (24) por km2, enquanto os municípios do Cuvelai e do Curoca são aqueles que apresentam uma densidade mais baixa (4 e 5 habitantes por km2, respectivamente). A densidade demográfica é de 13 pessoas por km2. As mulheres constituem 53% do total da população residente na pro-víncia e os homens 47%.

É opinião comum que o Cuvelai foi povoado pelo povo Ambó (Ovambo) no decurso dos anos 1500. Todavia, povos caçadores recolectores, talvez predecessores dos actuais San, já ocupavam a região há dezenas de milhares de anos ou mais, anteriormente a 1500. Os primeiros ocupantes Ambó terão sido atraídos pela variedade e riqueza dos recursos naturais, sobretudo nas áreas próximas das chanas. Havia disponibilidade de água doce, o solo era fértil, os frutos silvestres abundavam, existia caça e o peixe era abundante quando as chanas se enchiam de água.

Para além dos Ambó, estão presentes também os grupos etnolinguísticos Nhaneca ‑Nkhumbi e Herero (Dimbas, Chimbas e Chavícuas, confinados às áreas mais áridas e exercendo funda-mentalmente a pastorícia). Todos estes grupos são de origem Bantu. Entre os grupos não -Bantu distinguem ‑se os Ovakwisi, Ovakwepi e os San (conhecidos localmente por Mucuancalas ou Camusequeles), habitando os dois primeiros sobretudo o município do Curoca, enquanto os San se espalham pelos municípios de Cuanhama, Cuvelai, Namacunde e Ombadja. A língua cuanhama constitui o principal factor identitário.

O tipo de organização social é fundamentalmente matrilinear, embora com autoridade mas-culina. Contudo, consequência de diversos factores, como a influência do cristianismo, das mi-grações laborais, da independência económica, etc., a sociedade tem vindo a tornar ‑se cada vez mais patrilinear. Destaca -se o carácter profundamente rural da região, a manutenção de po-voamento disperso com base no ehumbo (unidade residencial composta por várias estruturas independentes com funções específicas) e o predomínio da economia agro ‑pastoril com regime de transumância do gado. O espaço pertencente a cada ehumbo é, por sua vez, repartido nas parcelas que estão destinadas às culturas, nas que constituem a reserva individual de pasta-gem, nas que se encontram em pousio e nas correspondentes à área ocupada pelas constru-ções e currais para o gado. A localização dos assentamentos tem em conta a disponibilidade de água, encontrando -se as maiores densidades populacionais ao longo dos rios Caculuvar, Cune-ne e Cuvelai. Na bacia do Cuanhama a sua localização encontra -se invariavelmente associada à presença de mufitos, fora do alcance das águas de inundação. Entre os Ambó, ainda existe a mucunda, que é um conjunto de ehumbos.

As relações entre o meio urbano e o rural são intensas, tanto ao nível da actividade eco-nómica como das redes familiares. As deslocações nesta região evidenciam as intensas trocas e a mobilidade que decorrem num espaço alargado, transfronteiriço, integrando zonas rurais,

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pequenas vilas e capitais de município, e a capital da província e também cidades e vilas do Norte da Namíbia. Estas inter -relações entre o rural e o urbano, as deslocações e trocas de membros de famílias de um meio para o outro (acolhimento de crianças, de idosos e de outros membros da família), as trocas de produtos e de influências, para além de constituírem uma característica africana, estão na base da dinâmica social da província.

Desde a imposição da administração portuguesa que se foi alterando o exercício do poder judicial, fenómeno que teve continuidade na Angola já independente. Contudo, mantém ‑se a simultaneidade do Direito Nacional formal com o tradicional, pelo que às sanções impostas pelas normas legais vigentes juntam -se as tradicionais. Nos delitos mais simples intervém a lei tradicional e o Direito Consuetudinário mantém -se em vigor.

7.3.7 Recursos aquíferos

A província do Cunene é contemplada com duas bacias hidrográficas:

1) A bacia hidrográfica do CuneneCom origem no Planalto Central angolano, desenvolve -se até às quedas do Ruacaná, na fronteira da Namíbia. Engloba sobretudo a sub -bacia do médio Cunene, cujas linhas de água principais são de regime intermitente e de regime torrencial, e a sub -bacia do Cunene inferior com linhas de água secas ou de regime torrencial. A primeira sub -bacia corres-ponde à zona de clima semiárido e a segunda à de clima árido.

2) A bacia hidrográfica do Cuanhama (ou do Cuvelai)Envolve o delta do Cuvelai, que por sua vez integra a grande bacia do Etosha, estendendo-‑se por cerca de 450 km de Norte a Sul. A Oeste é limitada pela faixa marginal de influên-cia do rio Cunene, enquanto a Leste e Nordeste é -o pela faixa equivalente do rio Cubango. O seu ponto mais largo localiza -se ao longo da fronteira Angola -Namíbia. Nesta vasta área, de clima semiárido, não existe qualquer curso de água permanente.

O rio Cuvelai é de natureza endorreica e apresenta um regime permanente a semiperma-nente nos primeiros 100 km de percurso, até atingir, por alturas do Evale, o ápice do seu delta interior, onde o seu canal principal se subdivide em múltiplos braços que se espraiam por uma vasta superfície de ondulado suave onde adquire um regime temporário. O seu sistema de drenagem superficial é composto por uma vasta rede de chanas. Devido à topografia plana e à presença de aquíferos com teor de sais elevados o armazenamento de água superficial é limita-do a pequenos açudes e chimpacas que sofrem grandes perdas por evaporação. Estes represa-mentos retêm parte do fluxo das cheias que ciclicamente atingem a região, constituindo um im-portante contributo no fornecimento de água no vasto território integrado na bacia do Cuvelai.

Na generalidade da região, a água de superfície é escassa, sendo a maioria dos pontos de abe-beramento de águas superficiais recarregados a partir de águas de escorrimento (das chuvas). Entretanto, foram desenvolvidos pontos de água artificiais, mormente captações subterrâneas

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(furos artesianos e cacimbas, estas por norma feitas manualmente pelas populações) e super-ficiais. Os furos artesianos são geralmente construídos por instituições estatais ou por Orga-nizações Não -Governamentais e possuem sistemas de extracção de água mecânicos. As ca-cimbas são poços escavados com cerca de 2 -3 metros de diâmetro e uma profundidade que pode atingir vários metros. Embora algumas possam pertencer a apenas um ehumbo, a maioria está vinculada a um conjunto de agregados familiares habitando na mesma área que se asso-ciam para procederem à sua abertura ou contribuem para o pagamento desse trabalho. As cacimbas concentram -se fundamentalmente nos locais em que os aquíferos são exploráveis, nomeadamente nas mulolas e suas imediações. A sua água é utilizada tanto por pessoas como por animais. Neste caso, é retirada com recipientes para bebedouros escavados em troncos de árvore onde os animais se dessedentam. De entre as obras de retenção de águas superficiais destacam -se os reservatórios escavados, conhecidos por chimpacas, cuja água é muito poluída e apenas deve ser consumida pelo gado. No entanto, muitos agregados familiares também a usam. Um outro problema advém da sua alta taxa de evaporação. As chimpacas têm a vanta-gem de não servirem apenas alguns agregados familiares, mas sim comunidades na sua glo-balidade. O seu tamanho deve ter em conta a pluviosidade, formas de recarga, tipo de solo, evaporação potencial, etc.

O impacto da seca no aprovisionamento de água

Entre 13 e 28 de Novembro de 2013 uma equipa coordenada pela CRS fez uma avaliação rápida do impacto da seca no Sul de Angola, tendo sido abrangidos os municípios de Cuanhama, Ombadja e Cahama, no Cunene. Nestes municípios, as populações elegeram como principais necessidades: conseguir água potável (75%), obter água para o gado (47%), conseguir pastos (26%) e sementes (22%). De acordo com os líderes contactados, as chimpacas têm secado e assoreado, tornando -se inviável o consumo de água tanto por humanos como por animais. Nas visitas efectuadas, a equipa não encontrou nenhuma chimpaca em funcionamento, havendo concluído que a generalidade destas estruturas se encontra deficientemente abastecida. O mesmo fenómeno se verifica para as cacimbas e rios, embora a população tenha tentado cavar muitas cacimbas nas áreas a Sul do Cunene. O consumo de água por agregado familiar, já de si muito abaixo dos padrões internacionais mesmo em épocas normais (cerca de 3 -4 l/pessoa/dia), baixou entre 20% -30% com a seca (até -50% em Ombadja). As sondas em funcionamento são muito escassas e estão demasiado dispersas. A equipa concluiu que a profundidade dos aquíferos nas zonas semiáridas

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do Cunene (cerca de 200 metros ou mais) adicionada à com ple-xidade mineralógica das águas (frequentemente salgadas) constituem desafios sérios para a expansão da infra ‑estrutura aquífera no Sul de Angola.

In Avaliação Rápida do Impacto da Seca – Províncias de Cunene, Namibe e Huíla, E. Beguin, CRS Angola, 2013.

Na região, a reposição dos recursos aquíferos está grandemente dependente da quanti-dade, intensidade e duração da pluviosidade e das propriedades do solo, mormente das suas características e capacidade de infiltração, que também influenciam a quantidade de água que escorre. No geral, muita da água da chuva é perdida por evapotranspiração e por escorrimento. Como resultado, os lençóis freáticos são recarregados apenas localmente por infiltração através do solo. Na província do Cunene os eventos de escorrimento de água, recarga dos lençóis freá-ticos e retenção de humidade pelo solo são muito mais contingentes e menos certos do que em outras regiões do país, mais húmidas.

Devem ser desenvolvidas e difundidas técnicas que sejam acessíveis económica e tecnica-mente aos agricultores familiares da província para que estes possam optimizar a água, tendo em conta o contexto local e as necessidades específicas dos grupos ‑alvo. Deve ser valorizado o saber -fazer local, combinando -o, se necessário, com outras técnicas adaptadas. A gestão correcta da água, acompanhada de medidas adequadas de apoio à valorização agrícola são decisivas para o aumento da produção agrícola. Neste sentido, podem ser ajustadas práticas agrícolas, melhorada a manutenção da fertilidade do solo e a sua capacidade de retenção de água de forma a permitir uma melhor eficiência da água nos sistemas de produção agrícola e na globalidade do ecossistema.

7.3.8 Ciclos de cheias e secas

Pelas suas características, a região servida pela bacia do Cuvelai passa por ciclos de cheias ou de seca. A subida das águas em maior ou menor grau é denominada localmente efundja. Este fenómeno cíclico, mas nem sempre anual, é responsável por uma alteração profunda na paisagem regional. O fluxo cíclico da efundja constitui uma parte vital da subsistência das comu-nidades, assim como da terra da qual dependem. Ao longo da História, várias secas impeliram a situações de grandes fomes como as de 1877 -1879, 1896 -1898, 1907 -1908, 1915, 1920, 1929- -1931, havendo algumas destas situações de seca extrema sido também acompanhadas por pragas de gafanhotos. Assim como a região passou por anos secos, que conduziram a fomes catastróficas, esta sofreu grandes enchentes, nomeadamente em 2004, 2008, 2009 e 2011. To-mando como referência registos namibianos, apresentam ‑se a seguir os eventos de inundação

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(efundja) da bacia do Cuvelai entre 1941 e 2013, um período de 73 anos. De uma forma resumi-da, ocorreram grandes inundações: 11 vezes (1949, 1953, 1956, 1970, 1976, 1977, 1995, 2004, 2008, 2009 e 2011), médias inundações: 18 vezes (1943, 1946, 1955, 1975, 1979, 1983, 1985, 1987, 1991, 1994, 1997, 1999, 2000, 2001, 2005, 2006, 2010 e 2012) e inundações negligenciá-veis: 12 vezes (1941, 1942, 1944, 1947, 1950, 1958, 1982, 1984, 1990, 1993, 1996 e 1998). Não ocorreram inundações durante 18 anos: 1945, 1948, 1951, 1952, 1954, 1957, 1959, 1969, 1978, 1980, 1981, 1986, 1988, 1989, 1992, 2002, 2003 e 2013. Não foram obtidos dados referentes a 13 anos: 1960, 1961, 1962, 1963, 1964, 1965, 1966, 1967, 1968, 1971, 1972, 1973 e 1974. Basicamente, os anos em que não ocorrem inundações coincidem com eventos de seca. As situações mais dramáticas acontecem quando não ocorrem inundações em anos seguidos (por exemplo, 1951-1952, 1980-1981, 1988-1989 e 2002-2003) ou quando não ocorre inundação em determinado ano e a do ano seguinte é negligenciável.

7.3.9 Recursos piscícolas

A província possui recursos piscícolas importantes. Na parte respeitante à bacia hidrográfica do Cunene, este rio e seus afluentes oferecem possibilidades de pesca ao longo do ano, embora com maior quantidade de peixe nas alturas em que as águas alagam os fundões dos rios. Na bacia hidrográfica do Cuvelai, o fenómeno efundja conduz à presença cíclica de grande quan-tidade de peixe nas superfícies alagadas pela cheia regional, que a população rural aproveita como complemento nutricional e comercial. Regra geral, a pesca constitui uma actividade de equipa. O peixe, depois de seco ou fumado, é facilmente encontrado no mercado informal, sendo o bagre uma das espécies mais procuradas. A diversidade de espécies parece estar de-pendente da magnitude da efundja, já que algumas apenas aparecem aquando de inundações de grandes dimensões. O seu crescimento processa -se a ritmo acelerado, em parte resultante da abundância de alimento e quantitativo térmico elevado das águas que progressivamente inundam o território alagável. Também, e ainda relacionado com a efundja, é feita a apanha de grandes rãs (anfíbios), utilizadas no consumo familiar depois de devidamente preparadas.

7.3.10 Recolecção

As comunidades locais fazem muito uso de produtos espontâneos da flora que desempe-nham um papel complementar de relevo na alimentação. Os frutos silvestres são facilmente armazenáveis, sendo aproveitados durante a maior parte do ano, particularmente em épocas de crise. São produzidas igualmente diversas bebidas tradicionais a partir de frutos locais. Nas matas de mutiati fazem a colecta do mahungo, forma larvar de um lepidóptero, que depois de preparado constitui um excelente alimento, para além de ter boa saída no comércio informal. Também é feita a recolha de mel e abate de pequenos animais selvagens.

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7.3.11 Agricultura

De acordo com as suas características mesológicas, foram definidas duas zonas agrícolas no território da província do Cunene: a zona agrícola 34 (Baixo Cunene) e a zona agrícola 35 (Cua-nhama). A primeira engloba a maior parte da bacia média do rio Cunene, expandindo -se para um e outro lado do seu curso, ao longo de 260 km, desde o Norte do Mulondo até à fronteira com a Namíbia. Nesta zona, o rio Cunene constitui a artéria vitalizadora do desenvolvimento económico regional. A zona agrícola 35 está enquadrada pelos vales do Cunene a Oeste e do Cubango a Leste. Corresponde a uma vasta superfície aplanada, de drenagem interior, caracte-rizada pela escassez de recursos aquíferos ao longo da estação seca.

A agricultura familiar é caracterizada pelo modo como a produção e o consumo são orga-nizados. O objectivo principal destes sistemas não é a obtenção de lucros, mas sim satisfazer as necessidades imediatas e futuras do agregado familiar, de forma a assegurar a sua sustenta-bilidade. Depois, pode ser comercializado o necessário para obtenção de dinheiro para outras necessidades tais como vestuário, medicamentos, material escolar, investimento em equipa-mentos, etc. O excedente das colheitas pode ser armazenado para fazer face a situações de escassez que possam ocorrer no futuro ou vendido e reinvestido em gado, outros bens e redes sociais. Como a própria expressão indica, a agricultura familiar remete para a família. É esta que controla – sem necessariamente os possuir – os principais meios de produção, seja a terra, o gado, os materiais e a força de trabalho. Um controlo que se exerce também sobre um saber--fazer, nomeadamente no que se refere à biodiversidade local e à preservação da água.

Regra geral, a empresa familiar assume uma ampla variedade de formas no que concerne à produção e à integração de actividades, que são determinadas tanto pelo contexto (caracterís-ticas climáticas, pedológicas e fitogeográficas, proximidade de mercados, etc.) como pela dis-ponibilidade de factores de produção (terra, insumos agrícolas e trabalho). Assim, a agricultura familiar corresponde a uma forma de produção caracterizada por apresentar vínculos estrutu-rais entre recursos naturais, actividades económicas e estrutura familiar. Estas relações influen-ciam processos de tomada de decisão como a escolha das actividades a executar, a organização do trabalho familiar, a gestão dos meios de produção, etc. Pode ‑se afirmar que a agricultura familiar é sobretudo um espaço para viver e não apenas uma unidade de produção. No Sul de Angola, a agricultura familiar é parte integrante da paisagem e, portanto, tem um papel -chave na conservação da biodiversidade, para além de se enquadrar numa economia rural mais vasta, com os seus códigos culturais e as suas noções de região.

Na província do Cunene as comunidades têm de fazer face ao impacto de duas característi-cas fundamentais dos seus ecossistemas: a secura e a imprevisibilidade da pluviosidade. Na pe-quena zona árida do extremo Sul, a agricultura de sequeiro é, digamos, impraticável. Na zona se-miárida, com uma queda pluviométrica anual de 250 -1000 mm, a estação das chuvas possibilita um período de crescimento vegetal de 75 -179 dias, sendo a agricultura de sequeiro episódica, com períodos de trabalho intenso e exaustivo, separados por períodos de relativa inactividade.

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O potencial bioprodutivo é inferior relativamente às regiões húmidas e sub ‑húmidas e a varia-bilidade da pluviosidade constitui um elemento de risco para o camponês.

A pecuária desempenha um papel fundamental na economia dos agregados familiares, tanto pela contribuição dos produtos que concorrem para o consumo doméstico, como pela comercialização e permuta de animais para fazerem face às necessidades em bens e serviços. A espécie animal de maior valor económico e sociocultural é a bovina. Entretanto, a maior parte dos agregados possui caprinos e galinhas, sendo também comum verem -se ovinos, suí-nos e patos. Burros e cavalos servem sobretudo para transporte. O apascentamento do gado é feito em regime extensivo, com recurso a pastagem natural de acesso comunitário. Em toda a região a mobilidade constitui um aspecto nuclear no maneio do gado. Note ‑se que no Cunene a alta variabilidade edafoclimática (padrões de pluviosidade, solos, condições do terreno) faz com que não apenas exista uma variedade de espécies vegetais com diferentes picos nutritivos no seu ciclo, mas que também a mesma espécie vegetal possa iniciar o seu ciclo vegetativo em diferentes alturas em distintas áreas, mesmo que relativamente próximas uma da outra. Os criadores da região procuram possuir o maior número de animais que as condições lhes permitem. Advogam que para fazerem face às perdas eventualmente ocasionadas por secas e cumprimento das necessidades básicas de alimentação necessitam ter um número suficiente de cabeças que permita a sustentabilidade do agregado familiar. Por outro lado, os animais em excesso são também um investimento e permitem reforçar alianças sociais.

A actividade agrícola é basicamente encarada como um complemento da pastorícia, estan-do muito dependente da pluviosidade. A tracção animal é amplamente utilizada. Para minimi-zarem os riscos advenientes da variabilidade climática e no sentido de fazerem um aproveita-mento mais eficiente dos limitados recursos naturais, as comunidades locais praticam sobretu-do uma agricultura caracterizada pela baixa utilização de insumos, como o adubo e sementes certificadas, assim como baixos níveis de gestão. As culturas mais importantes são o massango e a massambala, ambas bastante resistentes à secura, constituindo o primeiro, mais resistente, o cereal de eleição e a base alimentar das populações locais. Esta cultura apresenta os melhores rendimentos em áreas com quedas pluviométricas entre os 500 -600 mm e em solos arenosos com algum enriquecimento em matéria orgânica, estando as suas épocas de maturação e co-lheita associadas ao período seco. A massambala, sendo mais exigente em termos climáticos e edáficos, apresenta ‑se como complemento à produção de massango. Geralmente, a produção local de massango e massambala cobre o consumo dos agregados familiares por um período de cerca de seis meses. Entretanto, o milho, sobretudo variedades de ciclo curto e com maior tolerância à aridez, vem sendo cada vez mais cultivado, especialmente nas áreas menos secas. Além destes cereais, também são cultivados o feijão macunde, a omatila, a efukua, a matanga, a melancia, a abóbora, o amendoim e a mandioca, entre outros. A fertilização dos terrenos de cultura é feita com base na estrumação e ocasionalmente pela aplicação de cinzas, que possibi-litam maior intensidade de exploração e redução do tempo de pousio.

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No Cunene, a interacção entre homem (agricultor e criador de gado), meio ambiente e acesso aos recursos naturais é crucial. O período de crescimento vegetativo não constitui um limiar rígido, variando entre valores muito amplos. As estações meteorológicas presentes na região fornecem dados obtidos em determinada localidade ou localidades que dão uma impressão errónea de uniformidade. Na realidade, no terreno existe uma grande variabilidade, ocorrendo uma constelação de diferentes padrões de pluviosidade, muito diferentes entre si. Enquanto em determinadas áreas a pluviosidade pode ser considerada como “máˮ, noutras, a escassos quilómetros, já pode ser vista como “boaˮ. Mesmo tendo ocorrido, por exemplo, uma precipita-ção média anual de 600 mm em Ondjiva, em certas áreas da província, esta poderá ter sido in-ferior a 100 mm, enquanto noutras poderá até ter sido superior a 800 mm. Consequência desta variabilidade, uma abordagem que considere a distribuição temporal e espacial da pluviosidade é mais correcta do que aquela que leva apenas em conta médias de pluviosidade. Estas diferen-ças na distribuição da pluviosidade, para além de influenciarem o período de crescimento ve-getativo, também podem conduzir a diferenças na incidência de doenças, infestantes e pragas, factores com importante impacto no crescimento das culturas e disponibilidade de pastagem. Por outro lado, existe uma forte interacção entre produção agrícola e gado. A fase de pastoreio constitui um importante componente do sistema e, se bem gerida, promove aumentos signifi-cativos de produção agrícola e animal. Restolho e resíduos de colheitas ficam disponíveis para o gado, ao passo que um pastoreio bem gerido e processos correctos de estrumação propor-cionam melhores colheitas, para além da manutenção da cobertura vegetal requerida para a protecção do solo e do recurso à tracção animal nas diferentes fases do ciclo agrícola.

7.3.12 Mudanças climáticas e biodiversidade

Mudanças climáticas e variabilidade climática apresentam novos desafios ao desenvolvi-mento, nomeadamente na região Sul de Angola, onde grande parte da população depende de actividades condicionadas pelo clima, sobretudo no âmbito da agricultura. Perto de 80% da população da província do Cunene reside em áreas rurais, estando, portanto, largamente dependente dos recursos naturais para a sua sobrevivência. Para além de serem as mais afecta-das por fenómenos naturais, são também as que melhor conhecem a biodiversidade da região, particularmente em relação à sua distribuição. Estas comunidades locais devem, assim, ter um papel chave na conservação e gestão da biodiversidade, o que está fortemente relacionado com o uso sustentável dos recursos naturais. O envolvimento comunitário é, portanto, funda-mental no acesso e partilha de benefícios dos recursos da biodiversidade.

Alterações no sistema hidrológico da região poderão ter graves consequências no frágil ecossistema semiárido e, naturalmente, nas populações que aí vivem. Em algumas áreas, mesmo que restritas, já é possível observar diferentes estádios de desertificação física, conse-quência de sobrepastoreio, corte desregrado de árvores e arbustos, perda de fertilidade dos solos, alterações ao fluxo de drenagem superficial, etc., fruto de uma cada vez maior pressão

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demográfica sobre o território132. Por sua vez, e no referente à piscicultura, é fundamental proceder -se a estudos que permitam estabelecer níveis de captura que não ponham em risco as populações piscícolas das duas bacias. Deve ser levado em consideração que a construção de infra -estruturas hidrológicas pode provocar alterações profundas nos ecossistemas e comu-nidade ictiológica local.

7.3.13 Vulnerabilidade à seca

Uma pluviosidade deficitária durante determinado período, numa zona escassamente po-voada e em que as comunidades disponham de acesso assegurado aos necessários recursos naturais pode ser considerada apenas uma variabilidade climática natural, enquanto um défice similar numa zona muito povoada é um fenómeno que se pode transformar numa seca se as co-munidades locais estiverem deficientemente preparadas para o gerir e se depararem com cons-trangimentos nos direitos de acesso aos recursos naturais. Vulnerabilidade ao clima é função tanto do evento em si, como do grau de preparação e resiliência das comunidades ao mesmo. O impacto social e económico que situações de pluviosidade mais reduzida vêm tendo sobre as populações da província do Cunene revelam uma alta vulnerabilidade destas. Um conjunto de indicadores conduz à suposição de que, no futuro, os agregados familiares agro -pastoris da região verão a sua vulnerabilidade aumentada. O acesso limitado a insumos, meios financeiros, mercados, serviços de informação e extensão, etc., para além de carências ao nível de infra‑-estruturas, impedem os agregados familiares não apenas de aumentarem a sua produção e rendimentos, como também de reforçarem a resiliência.

O impacto da seca sobre os utentes de gado depende de um conjunto de factores ecológicos e socioeconómicos, nomeadamente direitos de acesso a áreas de pastagem e pontos de água. Contribuem assim para um aumento da vulnerabilidade: sedentarização, quantidade reduzida de gado relativamente à população humana existente, constrangimentos no acesso às áreas de pastagem de estação seca e de seca, altas densidades de população humana e de gado em determinada área. No caso do Cunene é notório que a mobilidade, elemento essencial no maneio tradicional do gado e para os criadores poderem fazer face à seca, apresenta -se cada vez mais restringida, em consequência da ocupação de terras por agricultores sedentarizados e grandes empresários, o que também provoca a redução das áreas de recursos pascigosos. A insegurança (roubos, etc.) também contribui para o aumento da vulnerabilidade, pois limita o acesso às áreas de pastagem e a mobilidade das manadas. Por sua vez, a pobreza crónica, que afecta muitos dos agregados familiares, torna -os extremamente vulneráveis à variabilida-de climática prevalecente no Sul de Angola. Realce ‑se que, consequência da sua progressiva integração na economia de mercado e de mudanças em direcção a uma pobreza cada vez mais

132 Estas alterações são particularmente visíveis no território namibiano integrante da bacia do Cuvelai.

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individualizada, no seio de uma mesma comunidade alguns agregados familiares tornaram -se particularmente vulneráveis.

Perante a ocorrência de desastre, as perdas são particularmente elevadas e, regra geral, afectam toda a comunidade. Entre os impactos primários, destacam ‑se a carência de água (para uso humano, animal e agrícola), a perda de colheitas, escassez de pastos, redução na produ-tividade da terra e aparecimento de pragas, a perda de cabeças de gado, etc. Como impactos secundários destacam -se o aumento da pobreza no seio dos agregados familiares, a redução de fontes de rendimento, o aumento da insegurança alimentar, a fome e desnutrição, a debilidade física e maior exposição às doenças, o aumento do número de doenças veiculadas pela água, a eclosão de conflitos e o aumento da insegurança social, a redução dos activos de meios de vida, a migração de membros e a disjunção familiar. Uma vez que os impactos da seca são cumula-tivos, os agregados familiares afectados vão ‑se tornando progressivamente menos capazes de fazer face ao evento seguinte.

7.3.14 Viver com a seca e a variabilidade climática

Uma análise profunda ao meio social da região do Cunene deixa transparecer que distintas comunidades e agregados familiares apresentem diferente vulnerabilidade à seca e gerem o risco do impacto à seca de distintas formas. Em parte, tal é função dos seus diferentes níveis de desenvolvimento económico, facto que conduz a opções diferenciadas de reacção. Essas diferenças devem ser analisadas mediante uma abordagem que considere a relação “exposição à seca ‑impacto da secaˮ como sendo mediada pela capacidade adaptativa social. Esta capaci-dade é um atributo ou recurso potencial que contempla atitudes de resiliência em determinada situação, fundamentalmente a nível de agregado familiar e comunidade.

Os agricultores familiares do Cunene são obrigados a viver com a variabilidade climática da região. No seu dia ‑a ‑dia, têm de decidir sobre a alocação dos escassos recursos (trabalho, capital, direitos de acesso à terra, água e recursos bioprodutivos) face a um limitado leque de opções (determinadas nomeadamente pela pluviosidade, fertilidade dos solos, mercados, co-nhecimento), determinando assim a estratégia económica do agregado familiar. O foco deste tipo de gestão é distinto daquele do desenvolvimento baseado no melhoramento técnico e lucro económico seguido pelo sector empresarial. Os agregados familiares lançam mão de um conjunto de estratégias de gestão e tecnologias de produção que podem variar de ano para ano e que dependem das flutuações na pluviosidade. Entre outras, podem ser citadas:

1. Diversificação de culturas, visando sobretudo reduzir os riscos e dispersar, no tempo, as necessidades em força de trabalho.

2. Utilização de variedades locais de sementes, melhor adaptadas à secura e aos solos exis-tentes na região, embora possam produzir menos.

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3. Escalonamento das sementeiras no tempo.

4. Uso de fertilizantes orgânicos. A maioria dos agregados familiares faz recurso da estruma-ção, os que não têm acesso a estrume verão as suas colheitas cada vez mais reduzidas. Devido ao seu preço elevado, aos riscos associados à sua utilização em zonas marginais e às dificuldades da sua obtenção, os adubos raramente são usados.

As comunidades agro -pastoris do Sul de Angola desenvolveram uma diversidade de estra-tégias para fazerem face aos factores sobretudo os associados à variabilidade da pluviosidade, que condicionam a produção de alimentos e a pastagem disponível para o gado. Estas estraté-gias incluem respostas específicas, assim como mudanças a longo prazo nos sistemas de pro-dução, de forma a aumentar a resiliência. De entre as estratégias adoptadas, a diversificação de meios de vida é nuclear. Neste caso, para além da diversificação de actividades no seio da exploração agrícola, muitas vezes optam também por actividades fora da exploração agrícola e extra agricultura. Outras incluem a partilha de recursos entre distintos agregados familiares; a procura de fontes alternativas de obtenção de renda, como a venda de lenha e a produção de carvão; a intensificação das actividades de recolecção; a pesca; o pequeno comércio; o trabalho para terceiros (dependendo da situação da agricultura e de outras actividades económicas na região); o uso de remessas de familiares; a migração, sobretudo para centros urbanos (contri-buindo ainda mais para o êxodo rural), etc. A importância da caça vem declinando devido à escassez crescente de animais selvagens, pelo que a sua contribuição se vem reduzindo. Entre-tanto, algumas estratégias podem -se revelar ecologicamente insustentáveis, nomeadamente a produção de carvão e práticas que conduzam ao sobrepastoreio.

Em antecipação à ocorrência de secas, a maior parte dos agregados familiares faz a colecta, conservação e armazenamento de produtos alimentares locais e de colheitas obtidas em tem-pos bons. Entre as estratégias adoptadas pelos detentores de gado destacam -se a movimen-tação das manadas (transumância) em busca de água e de pastagem, essencial para fazer face à variabilidade climática, e a dispersão dos animais por vários espaços geográficos, sobretudo entre agregados familiares da mesma rede de parentesco. Esta dispersão permite distribuir a pressão do pastoreio de forma mais global e uniforme na região. Pode ser também feita a di-visão do rebanho em grupos menores de animais, pastoreados separadamente. Outra medida consiste na priorização de determinados animais, mormente os produtores de leite. Note -se que tanto a dispersão do gado como da população humana estão estreitamente relacionadas com a disponibilidade de água e pastagem.

Muitas vezes os criadores vêem ‑se obrigados a desfazerem ‑se progressivamente dos seus animais. As vendas ocorrem geralmente em períodos em que os preços do gado são mais baixos e em que os animais estão a perder condição física rapidamente. Nesse momento a disponibi-lidade e preço dos cereais são de importância fulcral. Esta relação de preços constitui uma de-terminante crítica para a hipótese da seca conduzir à situação de fome. Constituindo o gado um dos principais activos dos agregados familiares, a sua venda ou morte, sobretudo de animais de

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reprodução, condiciona de sobremaneira a recuperação futura dos agregados familiares. Daí a importância atribuída aos pequenos ruminantes, mais resistentes e com um ciclo reprodutivo mais rápido que os bovinos, e às raças locais, melhor adaptadas às condições agrestes do meio em que vivem.

7.3.15 Respostas à seca

Na província do Cunene a seca constitui importante determinante da segurança alimentar e afecta de uma forma global a economia rural. Pode conduzir à perda de colheitas e à morte de animais, o que tem um impacto directo imediato sobre os agregados familiares cujos meios de vida se baseiam na agricultura. Contudo, os seus efeitos são muitas vezes sentidos de for-ma indirecta, nomeadamente ao nível do aumento de preços e da escassez de alimentos no mercado. Agregados familiares cujo rendimento depende da agricultura, pecuária, produção e/ou processamento de alimentos, transporte e comercialização de produtos agrícolas são seria-mente afectados.

É necessário haver investimento para mitigar os impactos danosos da seca: investimento na preparação para o evento – família, comunidade e município; integração no mercado através de melhores infra ‑estruturas; apoio ao desenvolvimento das comunidades; garantia e reforço do seu acesso aos necessários recursos naturais; disponibilização dos serviços requeridos; miti-gação de conflitos, etc. Perante a ocorrência de desastres, as intervenções devem basicamente focar a preservação da saúde humana e animal, assim como assegurar os meios de vida das fa-mílias e comunidades. Estas acções reduzem substancialmente as necessidades subsequentes de ajuda alimentar e melhoram a capacidade de recuperação dos agregados familiares e das comunidades, sobretudo se tiver havido um investimento prévio na preparação. Infelizmente, tal raramente acontece.

Uma sociedade resiliente à seca será também uma sociedade resiliente à fome pois as de-terminantes sociais e físicas estão associadas tanto ao nível da segurança alimentar como da resiliência à seca. Ambas resultam de um complexo conjunto de factores físicos e sociais inte-ractuantes, pelo que as políticas relacionadas com segurança alimentar devem ter em conta essa interacção e não basear -se em modelos lineares que advogam como certeza absoluta o princípio de que a seca conduz, invariavelmente, a uma situação de insegurança alimentar. En-quanto em certas regiões a seca pode causar sofrimento humano extremo e mesmo mortes, noutras uma seca com a mesma intensidade pode ter apenas um impacto económico limitado.

Distintas comunidades têm diferentes formas de abordar e capacidades de gerir riscos e desastres. No passado, as comunidades controlavam, geriam, conservavam e protegiam os seus recursos de uma forma comunitária. Acumulavam assim uma profusão de conhecimentos, ideias e experiências sobre como gerir e enfrentar riscos e desastres, mesmo em situações de gravidade extrema. Hoje, muita dessa responsabilidade passou para o Governo, que por sua

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vez criou instituições e mecanismos que tratam, directa ou indirectamente, a situação da seca (e de outras catástrofes). Basicamente, estas instituições têm a responsabilidade de reduzir e gerir o risco de seca, alertando as comunidades da sua ocorrência e assistindo ‑as a fazer ‑lhes face. Entretanto, tal nem sempre é feito com a eficiência e amplitude necessárias para além de, muitas vezes, comunidades vivendo em áreas marginalizadas ficarem negligenciadas e terem de enfrentar o choque socorrendo ‑se sobretudo da sua própria capacidade adaptativa.

Para que os necessários projectos de reforço da capacidade adaptativa das comunidades possam ser exitosos, as estruturas do poder de decisão e financiamento devem mudar das cidades capital para o nível local – administrações, autoridades e comunidades. Actividades baseadas na comunidade criam sentido de propriedade e estimulam a inovação, contribuin-do para o reforço da sustentabilidade e resiliência. Se moldadas para zonas agro ‑ecológicas e sistemas de produção específicos, muitas dessas acções de adaptação conduzirão também a co ‑benefícios no âmbito da mitigação. As associações de camponeses, de pastores e outras são fundamentais, pois são o foco de práticas de produção inovadoras e de experimentação. Trabalhando em grupo os camponeses são capazes de dispersar os riscos que envolvem novas práticas e tecnologias e de aprender através da experimentação, assim como posteriormente transportar as lições aprendidas para as suas próprias explorações. Por exemplo, a agricultura de sequeiro pode tornar ‑se menos vulnerável diversificando as espécies e variedades cultiva-das, lançando mão de técnicas visando a conservação dos solos e o aumento da retenção de água, etc. Adicionalmente, actividades de geração de renda e grupos de poupança e crédito comunitários facilitarão a diversificação económica e a prossecução de estratégias de meios de vida menos vulneráveis às secas. Realce ‑se que o êxito de um processo de adaptação depende também muito da utilização de novas tecnologias e procedimentos sendo, portanto, crucial que os produtores, mesmo em áreas remotas, possam beneficiar de tecnologias modernas, como comunicações telefónicas móveis, para poderem aceder à necessária informação e serviços em tempo conveniente.

Fazedores e decisores de políticas governamentais devem reconhecer que as suas decisões podem aumentar ou deteriorar itens como a capacidade adaptativa. É fundamental ter em conta que no contexto da província do Cunene determinada decisão pode conduzir a uma redução da vulnerabilidade à seca, mas entretanto aumentar a vulnerabilidade de determinado grupo ou grupos. Por outro lado, a sociedade pode optar por auxiliar um grupo ou subsistema particu-larmente exposto ou vulnerável, no âmbito de uma política pró ‑pobre, mesmo agravando o im-pacto da seca, pelo facto de esse grupo estar mais uniformemente distribuído. Assim, quando se fala de vulnerabilidade à seca, deve ‑se também questionar: vulnerabilidade de quem?

As acções a serem levadas a cabo devem basear -se num paradigma baseado no conceito de resiliência das comunidades agrícolas e seus ecossistemas. Este conceito comporta dois as-pectos:

1. Resiliência ecológica, adaptação à seca e às mudanças climáticas.

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2. Resiliência sociopolítica, isto é, capacidade dos agricultores reforçarem as suas compe-tências e terem voz para escolherem as suas próprias vias de desenvolvimento e estabe-lecerem prioridades.

Os sistemas agrícolas devem ser compreendidos como um conjunto. Neste paradigma, o objectivo não é apenas aumentar a produtividade das culturas, mas também adaptar ‑se às mudanças climáticas e preservar a base dos recursos naturais. Neste âmbito, torna ‑se funda-mental aumentar a matéria orgânica do solo, no sentido de elevar a sua capacidade de retenção de água e a fertilidade, assim como prevenir a erosão. As práticas agro ‑ecológicas vão desde a reciclagem de nutrientes e energia à integração de culturas e gado com pequenos apoios ex-ternos e diversificação das culturas. Estas acções devem ser acompanhadas da autonomização dos camponeses, homens e mulheres. O agricultor familiar deve integrar organismos repre-sentativos que se possam bater a todos os níveis de tomada de decisões – locais, nacionais, internacionais – para defender os seus interesses e os seus direitos. A sua voz deve ser ouvida e entendida por aqueles a quem compete tomar decisões ao nível da comuna, do município, da província e do país. À medida que as comunidades tomam conta do seu próprio destino, os riscos de más colheitas e de perda de animais causadas pela seca reduzem -se. Desta forma, as comunidades rurais vêem a produtividade acrescida, a segurança alimentar reforçada, obtêm mais rendimentos, a regeneração da base de recursos naturais é mais bem -feita, a adaptação climática é superior e as comunidades gozam de maior autonomia.

Regra geral, em Angola, quando se fala de desenvolvimento da agricultura, as estratégias são focalizadas ao nível da exploração sedentarizada, da fazenda, contudo, na província do Cunene, pelas suas características climáticas, a agricultura torna ‑se mais eficiente gerindo a variabilidade no sentido de criar vantagens (maior resiliência), devendo as estratégias de cria-ção de gado e de produção agrícola serem integradas numa escala regional ou inter -regional e procurando um menor compromisso com a especialização. Culturas agrícolas e pastoralismo devem ser vistos como estratégias complementares que podem assumir diversos padrões de integração regional e inter -regional.

Constituindo o gado um activo fulcral nas estratégias de meios de vida das comunidades lo-cais, diversos factores podem contribuir para uma crescente resiliência à seca: direitos de aces-so às necessárias áreas de pastagem assegurados (na província do Cunene são várias as áreas consideradas pelos pastores como essenciais para o pastoreio do seu gado no período seco do ano e onde se concentram milhares de cabeças vindas de diversos locais da província e inclu-sivamente da Namíbia, como a Mulola do Tchimporo), mobilidade das manadas assegurada, quantidade suficiente de gado para a população existente, densidade de apascentamento ade-quada, raças locais de animais com maior resistência às condições ambientais locais, acesso aos mercados, etc. Assim, as comunidades desenvolveram um conjunto amplo de respostas à seca incluindo adaptações na gestão de pastagens e maneio do gado, assim como mudanças na eco-nomia do agregado familiar e formas de subsistência, com respostas geralmente progressivas

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à medida que as condições de seca persistem, mas dependentes da severidade desta e da “saúdeˮ do sistema.

Seria importante implementar ‑se um Sistema de Alerta Rápido no sentido de um alerta prévio de situações de desastre. Os distintos estádios devem indicar as tendências ao nível da segurança alimentar no seio dos agregados familiares. Tomando como referência o do Quénia, poderiam ser definidos os seguintes estádios de alerta:

1. Normal – os indicadores relacionados com o meio ambiente, a agricultura, o gado e o bem ‑estar dos agregados familiares não mostram flutuações anormais e permanecem nos valores esperados para a estação.

2. Alerta – os indicadores relacionados com o meio ambiente mostram flutuações fora dos valores normais considerados para a estação. Pode atingir toda a extensão de um municí-pio ou regiões localizadas, os agregados familiares cujos activos são demasiado escassos para que possam conferir um nível de subsistência e de segurança alimentar adequados passam por dificuldades.

3. Alarme – os indicadores relacionados com o meio ambiente, gado e agricultura apre-sentam flutuações anormais fora dos valores considerados normais para a estação. Esta situação ocorre na maior parte do território do município e ameaça de forma directa ou indirecta a segurança alimentar dos agregados familiares.

4. Emergência – todos os indicadores estão fora dos valores considerados normais, os siste-mas de produção local entram em colapso, assim como a economia do município. Afecta seriamente os activos e poder de compra dos agregados familiares, pelo que os respecti-vos níveis de bem ‑estar ficam seriamente comprometidos, existe ameaça de fome.

Perante situações de seca, o principal objectivo é o de salvar vidas e proteger os activos das comunidades atingidas. Paralelamente, as intervenções a serem implementadas devem tam-bém contribuir para a recuperação sustentável e reforçar a resiliência dos agregados familiares, melhorando a segurança alimentar e restaurando os meios de vida a longo prazo. Contudo, as respostas à seca não se podem resumir a acções de emergência, como geralmente tem acon-tecido.

Sabendo ‑se que situações de estiagem e de seca são recorrentes no Sul de Angola, deve ‑se, antecipadamente, tomar medidas de prevenção e mitigação, focalizadas sobretudo na redução dos processos de vulnerabilidade/risco que agravam um desastre. No decurso da seca e depois da mesma, devem ser levadas a cabo acções de preparação, resposta e recuperação/reabilita-ção focalizadas basicamente na redução do impacto do evento. Aos primeiros sinais de seca deve ser reforçada a capacidade das comunidades locais para a enfrentarem. Durante a seca, as acções são essencialmente de emergência. Depois, as comunidades devem ser assistidas na recuperação das condições de vida anteriores à ocorrência da seca. Finalmente, a fase de

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reabilitação deve contemplar acções que permitam aos agregados familiares restaurar os seus meios de vida. No decurso de todo o processo devem ser desenvolvidas acções no sentido de aumentar a resiliência à ocorrência da seca.

7.4 Medidas de Política de Promoção da Agricultura Familiar

Referimo ‑nos às medidas no âmbito de Políticas Públicas de Apoio à Agricultura Familiar e Segurança Alimentar implementadas no Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017 (PND), financeiramente concretizado no Orçamento Geral do Estado.

O PND define como escopo promover o desenvolvimento integrado e sustentável do sector agrário, tomando como referência o pleno aproveitamento do potencial dos recursos naturais produtivos e a competitividade do sector, visando garantir a segurança alimentar e o abasteci-mento interno, bem como realizar o aproveitamento das oportunidades relacionadas com os mercados regional e internacional. O mesmo compreende programas que concorrem directa-mente para a agricultura familiar e outros de forma indirecta, a saber:

Programa 1 – Fomento da actividade produtiva através da campanha agrícola e suporte das Explorações Agrícolas Familiares (EAF) e das Explorações Agrícolas do tipo Empresarial (EAE).

Programa 2 – Desenvolvimento da Agricultura Familiar com projectos estruturantes com o apoio de instituições financeiras multilaterais, tais como o IFAD (International Fund for Agri-cultural Development), a FAO (Food and Agriculture Organization) e o Banco Mundial. Inclui o Programa de Extensão e Desenvolvimento Rural e do Fomento Agrícola, o Programa de Fomen-to às famílias por parceiros das ONG e o Plano de Contingência das Populações Afectadas pela Estiagem.

Programa 3 – Segurança Alimentar e Nutricional com realização de missões multissectoriais de acompanhamento e avaliação dos efeitos da seca e do impacto da assistência prestada às populações afectadas.

Programa 4 – Investigação e Desenvolvimento Tecnológico por via do Projecto de Relan-çamento do Cultivo de Algodão, ensaios de diversas variedades com recurso a um sistema de rega, campo experimental, Programa Nacional de Investigação de Cereais para a criação de novas variedades de milho adaptadas às diferentes zonas agro -ecológicas de Angola.

Programa 5 – Desenvolvimento da Agricultura Comercial.

Programa 6 – Programa de Saúde Pública Veterinária.

Programa 7 – Desenvolvimento da Fileira das Carnes e do Leite, Recuperação e Melhoria.

Programa 8 – Programa de Apoio e Fomento da Produção Animal.

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Programa 9 – Construção e Reabilitação de Perímetros Irrigados.

Programa 10 – Programa de Relançamento da Fileira da Madeira e de Produtos não Lenhosos.

Programa 11 – Programa de Gestão Sustentável dos Recursos Naturais.

Em termos de desenvolvimento rural, o objectivo é o de promover o desenvolvimento so-cioeconómico das comunidades rurais e camponesas, incrementando de forma sensível os seus níveis de bem -estar e simultaneamente contribuindo para a elevação dos níveis de segurança alimentar da população angolana e da erradicação da pobreza. A este nível os programas são:

Programa 1 – Requalificação das Aldeias Rurais.

Programa 2 – Estruturação Económica e Produtiva das Comunidades Rurais.

7.5 Quem responde à seca?

Se for feito o exercício sobre “quem responde à seca”, serão certamente catalogados os dife-rentes actores locais, o Governo, agências multilaterais/bilaterais internacionais, organizações regionais e Organizações da Sociedade Civil. Para cada um destes quatro últimos actores é, em seguida, feito um resumo das suas principais actividades. Os actores locais, agregados familia-res e comunidades foram amplamente referenciados no decurso do texto.

7.5.1 Governo

Em Angola foi desenvolvido o Plano Estratégico de Prevenção e Redução do Risco de Desas-tres, destinado a criar um sistema integrado de gestão de ameaças. Baseou ‑se nas orientações adoptadas na Terceira Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Redução do Risco de Desastres, realizada em Sendai, no Japão, em 2015. Os mecanismos de coordenação para re-dução do risco de desastres em Angola são regulados pela “Lei de Bases da Protecção Civil”, de 2003, que instituiu o Sistema Nacional de Protecção Civil. Em Maio de 2013 o Executivo ango-lano aprovou o Plano de Contingência sobre os Efeitos da Seca. Para coordenar a sua execução foi criada a Comissão Interministerial de Apoio às Populações Afectadas pela Estiagem. Esta Comissão é composta pelo Ministério de Planeamento e Desenvolvimento Territorial (MPDT), Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS), Ministério da Agricultura (MINAGRI), Ministério da Administração do Território (MAT), Ministério da Saúde (MINSA), Ministério do Interior (MININT) e pelo Ministério de Energia e Águas (MINEA). Em cada província, sobretudo nas afectadas, tal como o Cunene, existe a Comissão de Protecção Civil, liderada pelo Governa-dor Provincial.

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A promoção da agricultura familiar é assegurada pelo Ministério da Agricultura (MINAGRI), através do Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA) e seus correspondentes nos municípios, ou seja, a Estação de Desenvolvimento Agrário (EDA). O Ministério do Comércio (MINCOM), através dos programas de comercialização rural e de produtos agrícolas, criou o PAPAGRO, Pro-grama de Aquisição dos Produtos Agropecuários, para resolver os problemas decorrentes do escoamento dos produtos agropecuários das áreas de produção para os principais centros de consumo, assim como para mitigar as debilidades de funcionamento do processo de comer-cialização no campo. Funciona na lógica de pontos de recolha e comercialização da produção agropecuária, sob a forma de mercados rurais denominados AGROMERCA, e uma rede para o transporte dos produtos aí adquiridos para os Centros de Logística e Distribuição (CLOD), que podem ser de grande e média dimensão. O outro Ministério envolvido é o da Família e Promo-ção da Mulher (MINFAM), que superintende o desenvolvimento rural na actual orgânica do Executivo de Angola.

7.5.2 Agências multilaterais/bilaterais internacionais

Dada a importância atribuída ao problema, a coordenação da ONU em Angola pretende que haja uma conjugação de esforços das suas agências – FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e OMS (Organização Mundial da Saúde). A FAO, através da sua Divisão de Operações de Emergência e Reabilitação, desenvolve o Projecto de Redução e Gestão de Riscos de Desastres para Apoio às Comunidades Agro -Pastoris Afectadas por Secas Recorrentes e Outros Desastres Naturais no Sul de Angola e Norte da Namíbia (OSRO/RAF/504/USA). O projecto tem como objectivo geral fortalecer a segurança alimentar e a gestão dos riscos de desastre, assim como aumentar a resi-liência dos modos de vida pastoris, aumentando a capacidade de gestão de riscos relacionados com desastres naturais ao nível das comunidades e instituições locais. A OMS incumbe ‑se da assistência sanitária, distribuição de vacinas e medicamentos. Por sua vez, a UNICEF trabalha na componente de água e saneamento, visando o aumento da disponibilidade e qualidade de água, distribuição de kits de saneamento hídrico e capacitação ao nível comunitário e de práti-cas de higiene, e na componente nutricional.

Por sua vez, a União Europeia (UE) expressou preocupação com a situação de insegurança alimentar que enfrenta o Sul de Angola, particularmente as províncias do Cunene e da Huíla. Nesta senda, a UE anunciou a doação de recursos financeiros para apoiar as populações afec-tadas pela seca nas províncias da Huíla e do Cunene. A mesma será gerida através de ONG e pelo Departamento Nacional de Nutrição do Ministério da Saúde. O objectivo é o de reduzir a mortalidade e morbilidade infantil causada pela malnutrição.

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7.5.3 Organizações regionais

A SADC (Southern African Development Community), mais precisamente o seu sector de Alimentação, Agricultura e Recursos Naturais (Food, Agriculture and Natural Resources – FANR), desenvolveu um programa de acção que envolve a cooperação de vários sectores no âmbito de uma estratégia de segurança alimentar (FSS – Food Security Strategy). O seu principal objectivo é o de assegurar o fornecimento dos alimentos necessários à satisfação das necessidades dos grupos domésticos e à população em geral e garantir que esses grupos domésticos tenham acesso aos alimentos. Com o decorrer do tempo foi sendo dada maior ênfase à busca da segu-rança alimentar, com enfoque na economia dos grupos domésticos e vulneráveis. Com o intuito de os serviços meteorológicos terem um papel efectivo no desenvolvimento socioeconómico dos países membros da SADC, em 2012 foi acordado o Regional Infrastructure Development Master Plan Meteorology Sector Plan. O SASSCAL (Southern African Science Service Centre for Climate Change and Adaptive Land Use) é uma iniciativa de Angola, Botswana, Namíbia, África do Sul, Zâmbia e Alemanha que, com fundos alemães, realiza estudos acerca da adaptação às alterações climáticas.

7.5.4 Organizações da Sociedade Civil (OSC)

As Organizações da Sociedade Civil, ou o chamado Terceiro Sector, que incluem as Igrejas ou organizações para ‑eclesiásticas, estão igualmente envolvidas na resposta à seca. A Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) está envolvida em programas de desenvolvimento comunitário sustentável ao nível local. A Development Workshop Angola (DWA) e a ADRA já estiveram envolvidas em governança climática na bacia do Cuvelai, fazendo o mapeamento de cursos de água e vulnerabilidade. O ACT Forum Alliance (ACT Fórum Angola) é constituído por seis membros, dos quais três são Organizações Internacionais Não ‑Governamentais, a Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN), a Ajuda da Igreja Dinamarquesa (AID) e a Federação Luterana Mun-dial (FLM) e membros nacionais, tais como o Conselho das Igrejas Cristãs em Angola (CICA), a Igreja Evangélica Reformada em Angola (IERA) e a representação de Pão para o Mundo (PPM). A Igreja Evangélica Luterana de Angola (IELA) tem uma presença histórica na região do Cunene e participa de forma activa na resposta à situação de seca. O ACT Fórum Angola, por altura do começo da última crise de seca no Sul de Angola, apresentou um apelo aos doadores no sentido de mobilizar recursos para responder aos seus efeitos. A Fundação Luterana (LWF), com fundos da Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN), esteve presente no Cunene com uma abordagem sobre mudanças climáticas, a Visão Mundial (World Vision) desenvolve projectos no domínio da nu-trição, a CARITAS faz campanhas de apelo à contribuição de bens para socorrer as comunidades atingidas e faz a sua distribuição, o Conselho das Igrejas Cristãs de Angola (CICA) e a Aliança Evangélica de Angola (AEA) também fizeram campanhas de recolha de bens para distribuição às populações afectadas.

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7.6 Respostas à situação de seca

7.6.1 Como funciona o sistema de respostas

O Sistema Nacional de Protecção Civil possui uma estrutura que se articula em três níveis do Executivo, em estreita interacção com os órgãos sectoriais e órgãos de apoio, e estabelece uma linha de comando para a coordenação institucional e gestão operacional em situações de emergência. Existe uma articulação técnica ao nível central da Comissão Nacional de Protecção Civil (CNPC) e os Grupos Técnicos que envolvem os parceiros do Governo, incluindo as Nações Unidas. Em situação de desastre, os grupos técnicos organizam -se em função dos sectores de resposta, por exemplo, o Grupo de Trabalho da Nutrição, liderado pela Secção de Nutrição da Direcção Nacional de Saúde Pública do Ministério da Saúde. Ao nível local, a articulação é feita através da Comissão Provincial de Protecção Civil e dos Grupos Técnicos liderados pelas respec-tivas Direcções Provinciais. Ao nível municipal, a coordenação é assegurada pelas Comissões Municipais, coordenadas pelos administradores municipais, com envolvimento das autoridades tradicionais e dos parceiros locais, que se estende ao nível comunal.

7.6.2 Medidas implementadas

As Organizações da Sociedade Civil e as Igrejas e as organizações paraeclesiásticas participa-ram através de avaliações da situação de seca, tendo produzido vários relatórios de diagnóstico, pesquisas sobre a seca e os níveis de vulnerabilidade, pesquisas sobre insegurança alimentar, campanhas de advocacia social e sensibilização da sociedade sobre o problema da seca, cam-panhas para recolha de donativos, de bens para distribuição às pessoas afectadas, reforço da capacidade de resiliência das comunidades, assistência alimentar, doação de sementes, de ins-trumentos agrícolas e de fármacos para animais.

O sistema das Nações Unidas esteve envolvido no domínio da assistência técnica ao Governo na redução da malnutrição, no aumento da quantidade e qualidade da água, na melhoria do saneamento, na promoção da segurança alimentar. Por exemplo, a FAO, em parceria com o Ins-tituto de Serviços Veterinários (ISV), desenvolve o Projecto SANGA (Support to Veterinary Ser-vices in Angola) que forma tratadores de gado vindos da comunidade que depois recebem um kit inicial para prestarem serviços nas comunidades. Ainda, a FAO, no âmbito do Projecto PIRAN (Integrated Project Resilience Angola Namibia), produz um boletim informativo trimestral com o objectivo de servir de sistema de alerta rápido (com informação acerca dos preços de bens alimentares, precipitações, oferta de água, oferta de pasto, doenças de animais e vegetais). O projecto implementa também acções práticas para aumentar a resiliência das comunidades. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) realizou seminários e reforçou as capacidades sobre estratégias de construção de resiliência para as Comissões Provinciais de Protecção Civil e as Direcções Provinciais em 2015.

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Para o Executivo angolano, uma das componentes principais é a assistência alimentar. Por exemplo, o Ministro da Assistência e Reinserção Social, em Janeiro de 2016, entregou às au-toridades provinciais de Ondjiva 50 toneladas de alimentos, incluindo arroz, massa alimentar e sal. O apoio também incluiu o fornecimento gratuito de sementes de cereais – massango e milho – de ciclo curto e outros insumos agrícolas. A este propósito, em Janeiro de 2016, o Go-verno Provincial anunciou a existência de 10 toneladas de semente de milho133. Para além da componente alimentar, o Executivo procedeu à construção e reabilitação de infra ‑estruturas para aprovisionamento de água, aquisição e distribuição de reservatórios (cisternas) e meios de transporte e distribuição de água às populações afectadas e estabelecimentos hospitalares. Os serviços veterinários mantiveram e adaptaram as campanhas de vacinação do gado tendo em conta a realidade da seca.

7.7 Exemplo de projecto de reforço da capacidade de resiliência

Projecto Okupopya (“Dialogar”): Fortalecendo as Capacidades Locais e o Diálogo entre os Actores Estatais e Não‑Estatais

em Benguela e Cunene

Implementado pela ADRA (Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente) em par-ceria com a Oxfam Novib, com financiamento da União Europeia no Cunene, a intervenção tem lugar no município de Ombadja, um dos 6 municípios, com 5 comunas (Xangongo, Ombala Yo Mungo, Naulila, Humbe e Mucope), 25 povoações e 56 aldeias. A activida-de económica principal das populações é a pastorícia e a agricultura familiar. O projecto decorreu num período de 36 meses, com início a 1 de Fevereiro de 2013 e término a 31 de Janeiro de 2016.

Beneficiários/grupos ‑alvoCamponeses de 12 associações de camponeses (destes, pelo menos 60% são mulhe-

res), 4 cooperativas e 3 técnicos de apoio rural das Estações de Desenvolvimento Agrário e Serviços Veterinários.

Tipo de actividadesAcções de capacitação: sessões de debate, formalização e assessoria às associações de

camponeses, facilitação de encontros institucionais com lideranças, instalação de campos experimentais, realização de intercâmbios, desenvolvimento de fóruns e núcleos, realiza-ção de estudos, gestão do projecto.

133 Informação pública referida no Jornal de Angola de 6 de Janeiro de 2016.

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Objectivo geralContribuir para a promoção do desenvolvimento local sustentável e para uma sociedade

aberta, mais equitativa e democrática em Angola.

Objectivos específicosFortalecer as capacidades locais e mecanismos de diálogo entre actores não-estatais

(pessoas pertencentes a grupos, associações e cooperativas camponesas) e conselhos e instituições do poder tradicional e autoridades locais do Cunene em apoio ao seu desen-volvimento sustentável.

Resultados 1. Saíram fortalecidas as capacidades de multiplicadores, incluindo camponeses e suas

organizações, bem como técnicos locais de apoio agro -pecuário, em termos de apoio da defesa de direitos, da participação na vida pública e da produção agro ‑pecuária sustentável.

2. Saiu aumentado o nível de consciencialização, incluindo lideranças das comunidades e quadros das administrações municipais e comunais sobre participação democrática, direi-tos humanos, descentralização, desenvolvimento local sustentável e equidade de género.

3. Saíram reforçados os espaços e mecanismos de diálogo e articulação entre os ac-tores não-estatais e as autoridades locais, ao nível municipal, provincial e nacional, para melhoria das políticas públicas de desenvolvimento local sustentável, segurança alimen-tar e combate à pobreza rural.

4. Saíram fortalecidas as capacidades da equipa da ADRA em termos de execução, monitoria, avaliação, sistematização, administração e gestão financeira.

Resumo dos resultados da avaliação intermédiaNo que respeita ao parâmetro de impacto, a avaliação procurou averiguar os efeitos

do projecto no seu ambiente socioeconómico e o seu potencial impacto no longo prazo. Neste âmbito foram evidentes os seguintes aspectos:

Relativamente à apropriação pelas comunidades– O projecto contribuiu para uma maior apropriação, consciência e conhecimento

mais aprofundado sobre diferentes temáticas de interesse para as comunidades e com relevância para os seus modos de vida. Isso é notório ao nível do discurso dos líderes co-munitários, dirigentes das associações e membros das famílias, mas também das práticas de alguns actores, designadamente das administrações comunais. As diversas acções de formação e debates desenvolvidos facilitaram este processo.

– O nível de informação sobre questões legais, direitos fundiários e programas públicos em curso é visível. O projecto tem despertado o sentido crítico no seio das comunidades, bem como possibilitado um maior acesso a informação. No longo prazo, isso poderá con-tribuir para facilitar os processos de diálogo entre as comunidades e os decisores políticos.

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– São já visíveis algumas mudanças de atitude relativamente a práticas produtivas sustentáveis, bem como uma maior preocupação com algumas questões ambientais e de saúde. Para isso muito contribuiu a introdução de temas transversais nos debates co-munitários. A longo prazo isso poderá trazer benefícios não visíveis, mas importantes em termos de mudanças de hábitos de vida nas famílias.

Relativamente à consolidação da agenda política – É ainda pouco visível uma mudança clara na agenda política em direcção a uma

maior abertura democrática através do aumento da participação social nos espaços públi-cos de diálogo. Contudo, a postura e discurso de vários administradores comunais denota uma sensibilização importante que no longo prazo poderá conduzir a mudanças institu-cionais na composição dos CACS.

– De igual modo, mudanças no atendimento aos cidadãos através do fornecimento de bens e serviços públicos de forma equitativa só são alcançados a longo prazo. Não são ainda visíveis mudanças significativas, mas importa registar os pequenos avanços já al-cançados em alguns casos pontuais nos municípios do projecto, conforme documentado anteriormente.

Relativamente à mobilização social – É notório um “sentimento de pertença” no seio das comunidades, fruto do fortale-

cimento das suas associações. Manifestamente as famílias têm orgulho em pertencer à associação e reconhecem que os seus interesses podem ser melhor assegurados se agi-rem em conjunto. A facilitação na atribuição dos Bilhetes de Identidade promoveu a auto‑‑estima e a valorização pessoal das famílias.

– Este é, porventura, um dos maiores impactos registados até ao momento. Embora os processos de legalização sejam difíceis, existe uma clara dimensão institucional progressi-vamente fortalecida que trará benefícios importantes para estas comunidades.

SustentabilidadeNo que respeita a este parâmetro, a avaliação procurou averiguar em que medida os

resultados do projecto têm condições para persistir após o seu término. Em particular, importa analisar a sustentabilidade económico ‑financeira, apropriação por parte dos be-neficiários e instituições locais e sua capacidade para dar continuidade aos resultados, incluindo o ambiente político.

Sustentabilidade económico ‑financeira– Algumas acções do projecto não terão capacidade para ser suportadas pelos benefi-

ciários após o seu término, designadamente as que se relacionam com a assistência técni-ca e assessoria às associações e núcleos constituídos. Estas acções demandam afectação de pessoal técnico e consequente alocação de recursos financeiros em fluxo contínuo.

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Recursos financeiros contínuos são também necessários para assegurar o combustível e manutenção das viaturas ou consumíveis para o material informático e demais equipa-mento técnico.

– Contudo, existem várias outras acções que apresentam boas condições para persis-tir autonomamente após o fim do projecto, podendo inclusivamente gerar alguns recur-sos financeiros para as comunidades. São estes os casos dos equipamentos instalados, como sejam os campos experimentais e as pequenas moagens que, na maior parte dos casos, estão já a gerar receitas. Importa também sublinhar que no âmbito da assistência da ADRA para o fortalecimento das associações está a ser introduzida a questão da consti-tuição e gestão de caixas comunitárias. Esta questão pode ser reforçada neste último ano do projecto no sentido de dotar as comunidades de condições efectivas para promover a poupança e o estabelecimento de mecanismos progressivos de microcrédito.

– Não existem, até ao momento, iniciativas ou projectos que estejam a ser financiados pelas instituições do Estado ou outros actores nestas comunidades.

Sustentabilidade política – Durante os contactos efectuados no terreno foi notório o grau de sensibilização por

parte das administrações municipais e comunais com relação ao projecto Okupopya e às associações beneficiárias. Pese embora a dificuldade em garantir que estas venham a estar representadas nos CACS – dado que isso depende de critérios subjectivos e no-meação directa dos próprios administradores –, considera -se que o trabalho desenvolvi-do pelo projecto criou as bases para uma maior confiança e inter ‑relacionamento entre os decisores políticos e os beneficiários das comunidades abrangidas. Por outro lado, as capacidades criadas durante o projecto, designadamente ao nível das capacitações e de-bates realizados, aumentaram o nível de consciência das comunidades relativamente aos seus direitos e legislação relevante em vigor (por exemplo na área de acesso à terra), colocando -as numa posição mais favorável para manter o diálogo e o poder de negocia-ção junto dos órgãos públicos de forma autónoma.

Sustentabilidade técnica e institucional– Existem bons indícios que permitem afirmar que este projecto poderá garantir al-

guma sustentabilidade do ponto de vista técnico. Referimo ‑nos, em particular, ao esforço realizado para a formação de multiplicadores sobre práticas agrícolas sustentáveis e ma-neio animal. Estes multiplicadores desempenharão um papel crucial na replicação dos conhecimentos nas comunidades. Contudo, para que isso seja assegurado, é fundamental que durante este último ano as equipas do projecto prestem particular atenção a estes agentes, apoiando -os na organização de sessões comunitárias, supervisionando a sua ac-tuação e chamando a sua responsabilidade para os compromissos que assumiram en-quanto multiplicadores.

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– Também ao nível institucional é importante referir os avanços significativos que já foram logrados até ao momento com o processo de formalização de associações. Sendo certo que muitas associações não estarão completamente legalizadas até ao término do projecto, os progressos alcançados devem merecer reconhecimento.

Sustentabilidade ambiental– A questão ambiental surge como um tema transversal a várias acções do projec-

to. Existem bons indícios que permitem afirmar que do ponto de vista ambiental haverá mudanças positivas nas comunidades beneficiárias, que poderão perdurar para além da duração do projecto. A instalação de campos experimentais, a par das formações sobre práticas agrícolas sustentáveis são bons exemplos. As comunidades apropriaram ‑se de novas técnicas de base agro -ecológica e adaptadas às suas realidades que irão perdurar no futuro, tais como: elaboração e aplicação de BIOL (insecticida biológico), técnicas de rotação de culturas e de adubação verde, técnicas de melhoria da fertilidade dos solos através de plantas locais melhoradoras, reconhecimento por parte das comunidades dos danos que as queimadas provocam aos solos, utilização de sementes locais melhoradas, reaplicação de análises básicas do sistema agro -ecológico. A introdução da metodologia das Escolas de Campo (ECA), que será igualmente reforçada neste último ano, é outra das garantias de sustentabilidade ambiental com maior credibilidade realizadas por este projecto.

– O outro exemplo claro e com impacto muito positivo refere ‑se às técnicas sustentá-veis de produção de carvão, cuja componente prática será introduzida neste último ano. Como é sabido, a produção de carvão de forma artesanal é uma prática altamente lesiva para o ambiente. A introdução de novas técnicas nas comunidades é fundamental para reverter este quadro. A construção participativa de fornos melhorados nas comunidades criará capacidades locais e garantirá a sua replicação para além do limite temporal do projecto.

– Por fim, e embora não seja tão visível, é importante salientar a preocupação cons-tante que a equipa do projecto tem tido em introduzir temas actuais e pertinentes sobre a questão ambiental em todas as discussões promovidas até ao momento. Exemplo disso são as sessões específicas sobre temas de desenvolvimento sustentável que foram reali-zadas no município e que contaram com altos níveis de participação.

In ADRA (2015), Projecto Okupopya (“Dialogar”): Fortalecendo as Capacidades Locais e o Diálogo entre os Actores Estatais e Não-Estatais em Benguela e Cunene

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8. CONTRIBUIÇÃO DOS ACTORES DA SOCIEDADE CIVIL

No presente capítulo abordaremos a actuação das Organizações da Sociedade Civil (OSC) em Angola, durante o ano de 2015. Para tal, organizámos um processo de recolha de dados que incluiu a análise de documentos, entrevistas com algumas OSC, parceiros internacionais e instituições públicas ao nível nacional, provincial e municipal.

Para efectuarmos uma análise geral sobre o desempenho das OSC em termos de influência na definição e monitorização de políticas públicas, prestação de serviços sociais básicos e defesa e promoção dos direitos humanos, temos de atentar especificamente:

1. No estado global da situação da sociedade civil em Angola, particularmente em relação ao ambiente, à estrutura, à capacidade, ao engajamento e sustentabilidade das suas or-ganizações.

2. Nas lacunas existentes, às necessidades fundamentais e também às oportunidades das OSC se envolverem e influenciarem processos políticos, monitorizarem a implementação das políticas públicas e promoverem o respeito pelos direitos humanos, a transparência e a boa governação.

8.1 Ambiente de actuação das OSC

8.1.1 Contexto legal

O Executivo angolano aprovou, a 23 de Março de 2015, um diploma legal que regulamenta a Lei das Associações. Trata -se de um documento que estabelece o Regime Jurídico de Exercício das Actividades e Funcionamento das Organizações Não ‑Governamentais (ONG) nacionais e estrangeiras que operam em Angola.

Para operarem legalmente em Angola, o referido diploma exige a inscrição das ONG nacio-nais e estrangeiras junto do recém ‑criado Instituto de Promoção e Coordenação da Ajuda às Comunidades (IPROCAC), instituição pública que resultou da extinção formal da antiga Unidade Técnica de Coordenação das Ajudas Humanitárias, de quem herdou a totalidade dos meios e recursos humanos.

Segundo as autoridades angolanas, o referido diploma visa ajustar o quadro jurídico que regula a actividade e o funcionamento das ONG ao actual panorama de desenvolvimento

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económico, social e jurídico ‑constitucional em vigor, bem como responder à necessidade de se melhorar os seus mecanismos e procedimentos de actuação, para além de prevenir o bran-queamento de capitais e o financiamento ao terrorismo134.

Tão logo foi tornado público o seu conteúdo, algumas Organizações Não -Governamentais manifestaram as suas preocupações em relação ao conteúdo do referido diploma por, no seu entender, limitar ou condicionar a participação efectiva dos cidadãos em acções que visam con-tribuir para o desenvolvimento político, económico e social do país.

A exigência de que o financiamento de outros organismos estrangeiros não‑governamentais às ONG nacionais ou internacionais que operam em Angola deva ocorrer obrigatoriamente com base num acordo escrito, sujeito à aprovação do IPROCAC, é vista como uma intromissão do Poder Executivo nos assuntos internos das ONG e um mecanismo para as impedir de ter acesso aos fundos externos, facto que penaliza sobretudo as ONG que têm vindo a assumir publica-mente posições de denúncia, crítica ou independência de acção face à actuação do Executivo angolano.

O facto de as ONG serem obrigadas a comunicar ao IPROCAC a fonte ou fontes de finan-ciamento e montantes disponibilizados, aliado à exigência segundo a qual qualquer entidade governamental de outro país que queira apoiar financeiramente as ONG nacionais ou interna-cionais que operam em Angola deverem fazê ‑lo somente com base num acordo assinado entre os respectivos Estados é visto por algumas ONG como uma medida que contraria o princípio segundo o qual as ONG são livres de adquirir qualquer tipo de financiamento para a prossecu-ção dos seus programas.

Num contexto em que não são claros os mecanismos e critérios para que as ONG possam aceder aos recursos do Orçamento Geral do Estado, aprovar um diploma que prevê a sua sus-pensão e extinção, que não se sujeita às exigências anteriormente descritas, é percebido como sendo uma medida injusta que limita de certa forma o exercício do direito de associação e a livre iniciativa dos cidadãos.

Por esta razão, algumas ONG consideram que o presente regulamento obstaculiza o surgi-mento de um ambiente propício a um clima de cooperação harmonioso entre si e o Executivo, o que poderá limitar o seu desempenho.

Apesar desta limitação de natureza legal, as ONG desenvolveram as suas acções à seme-lhança dos anos anteriores, e não houve registo de que alguma delas tenha sofrido qualquer condicionalismo ao abrigo do novo regulamento.

134 Regulamento das ONG.

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8.1.2 Contexto político

Embora o processo democrático tenha iniciado em finais dos anos 80 e início dos 90 com uma série de transformações políticas ao nível internacional e nacional, que culminaram com a adopção de um sistema multipartidário e com o reconhecimento do livre associativismo, como é comum nos países africanos onde os poderes tendem a estar concentrados no órgão executi-vo, Angola enfrenta enormes desafios em termos de mecanismos de contrabalanço, tolerância política, liberdade de imprensa e uma certa partidarização das instituições do Estado. Contu-do, o debate crítico nos meios de comunicação social e as reacções espontâneas de objecção, protestos, reivindicações por parte dos cidadãos têm vindo a demonstrar uma tendência de aumento, no ano de 2015, em relação a anos anteriores.

Em 2015, as redes sociais foram um meio privilegiado por parte de alguns cidadãos e faze-dores de opinião que com frequência recorriam a esta via para partilha de informações, conhe-cimentos e opiniões críticas em relação à governação do país, para convocar manifestações, divulgar alegados abusos dos direitos humanos, dentre outros.

No final de 2015, o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos135 manifestou a sua preocupação em relação à forma como estavam a ser utilizadas as redes sociais, facto que foi reafirmado pelo Secretariado do Bureau Político do Comité Central do MPLA através de um comunicado em que dizia, dentre outras coisas, que o partido e o Executivo têm vindo a ser “questionados” e “ridicularizados” nas redes sociais por “supostos militantes, amigos ou simpa-tizantes” com vista a confundir os internautas136.

Embora exista sempre uma certa conflitualidade, a prática da utilização pelos cidadãos das redes sociais como forma daqueles expressarem os seus sentimentos, opiniões e ideias por uma via onde a censura e o controlo são relativamente mais difíceis tem vindo a consolidar ‑se em Angola.

Neste particular contexto, é de salientar o papel e a importância daqueles actores da socie‑dade civil que, de forma colectiva ou individual, se têm vindo a pronunciar publicamente a favor de uma sociedade mais aberta e plural, que respeita os direitos humanos, que combate as assimetrias regionais, que promove uma governação participativa, etc.

Em 2015, o debate sobre os direitos civis e políticos foi igualmente intenso devido a casos como o da condenação do activista cívico de Cabinda, Marcos Mavungo, condenado a 6 anos de prisão, e o da detenção de 13 jovens activistas do movimento conhecido por “révus”.

135 Discurso do Presidente da República, por ocasião do fim de ano, e comunicado do Bureau Político do Comité Central do MPLA, emitido em Janeiro de 2016.136 Ver discursos do Presidente da República e declaração do Secretariado do Bureau Político do MPLA.

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Ambos os casos são vistos como uma forma de perseguição das autoridades angolanas aos defensores dos direitos humanos, e apresentados como evidências de que ainda existem restri-ções ao exercício do direito de reunião e manifestação em Angola.

Apesar destas dificuldades do contexto, as organizações de defesa dos direitos humanos procuram fazer uma utilização eficaz dos instrumentos e mecanismos de advocacia e pres-são interna e externa, meios que permitiram captar a atenção externa e interna em relação a eventuais casos de violação dos direitos humanos, obrigando as instituições do Estado a vi-rem a público prestar esclarecimentos por um lado, e algumas instituições internacionais a pronunciarem -se sobre os acontecimentos em Angola.

Falando com um número significativo de líderes das mais activas organizações de direitos humanos existentes em Angola, estes afirmaram serem visíveis os sinais de uma certa hostilida-de por parte de algumas instituições do Estado face aos defensores dos direitos humanos, vá-rias vezes acusados por pessoas próximas do Poder Executivo e do partido no poder de estarem ao serviço de interesses externos.

8.1.3 Contexto organizacional das ONG

Do ponto de vista organizacional, a maior parte das Organizações da Sociedade Civil do tipo ONG continuou a enfrentar sérias dificuldades devido à sua dependência dos financiadores externos que se afiguram cada vez mais escassos.

Esta ausência de financiamento vem agravar ainda mais o seu desempenho já que se cruza com outro tipo de insuficiências ligadas à fraca capacidade de governação interna, capacidade de relacionamento com outros actores da sociedade civil e instituições do Estado e à limitada capacidade para mostrar resultados.

A maior parte das ONG registadas oficialmente junto das instituições do Estado possui nos seus estatutos uma estrutura que prevê, entre os seus órgãos sociais, no mínimo os seguintes: Assembleia ‑Geral, Conselho Fiscal e um Órgão Executivo que, em teoria, deveriam funcionar plenamente nos termos do que consta nos estatutos.

Na prática, estes órgãos não funcionam como previsto. Na sua maioria, as organizações fun-cionam sem qualquer mecanismo de prestação de contas aos seus membros, o que aumenta os riscos de ocorrência de práticas de má gestão e falta de transparência.

Há também casos de pequenas organizações que não têm recursos humanos para integrar todos os órgãos e a duplicação de funções potencia a existência de casos de conflitos de inte-resse, nomeadamente quando as mesmas actuam entre os órgãos executivos (remunerados) e os órgãos sociais detentores formais do poder, mas que não auferem remuneração.

Tal como acontece noutras paragens, afigura ‑se importante haver uma concertação entre as ONG no sentido de criarem um “Código de Conduta e Ética das ONG” que preveja a adopção e implementação de uma série de princípios com vista à sua boa governação.

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Outro desafio prende ‑se com a adequada capacidade de gestão administrativa e financeira das ONG, aspecto determinante na angariação de fundos de parceiros internacionais e nacio-nais. Não dispondo de recursos suficientes para gestão financeira, implementação das acções, monitoria e avaliação, sustentabilidade organizacional, a maior parte das ONG angolanas estão em risco de desaparecer.

Porque cada vez são menores os financiamentos destinados ao apoio institucional necessá-rio, é fundamental para manter as pessoas que fazem a organização funcionar e crescer, bem como os projectos que as instituições pretendem executar.

Outra nota de realce vai para a assimetria na distribuição geográfica das oportunidades de acesso a financiamento para as ONG, facto que penaliza sobretudo as ONG que actuam no interior do país sem que tenham estabelecido escritórios em Luanda ou nas principais cidades capitais das províncias de Luanda, Benguela e Huíla.

Segundo o Directório publicado pelo PAANE, 154 das 347 ONG registadas estão baseadas em Luanda, seguidas das da província de Benguela (37 ONG) e das da Huíla (30 ONG). As restan-tes províncias possuem menos de 20 ONG registadas no Directório, facto que mostra a forma assimétrica como as ONG estão distribuídas pelo país.

Se alargarmos a análise a outros actores da sociedade civil que não fazem necessariamente parte do sector das ONG, a presença de actores da sociedade civil noutras regiões do país dá -se através das organizações baseadas na fé ligadas às instituições religiosas, e nos casos em que existem e funcionam, às organizações comunitárias de base e grupos associados de campone-ses que muitas das vezes funcionam sem qualquer financiamento externo.

O facto de estarem fora da capital do país, em contextos de menor abertura política compa-rativamente às cidades de Luanda, Benguela e Huíla, contribuiu para que as acções de reivin-dicação, advocacia e mesmo as de prestação de serviços que estes actores realizaram fossem menos visíveis, dando a sensação da existência de um fraco protagonismo dos actores da socie-dade civil em tais contextos.

Exceptuando os casos de algumas pessoas ou actores ligados aos movimentos cívicos em províncias como Cabinda, Benguela, Huíla e na região das Lundas, que com relativa frequência se têm vindo a pronunciar em casos relacionados com os direitos humanos ou a falta de trans-parência, o nível de divulgação das acções protagonizadas pelos actores da sociedade civil tem sido escasso, dando a sensação da sua não existência.

No caso de actores ligados principalmente à produção de conhecimentos e recolha de evi-dências através de pesquisas, em 2015 verifica ‑se uma dinâmica de surgimento de instituições de investigação ligadas às Universidades, que se juntam ao leque de algumas ONG de referência

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tais como a ADRA137, a DW, a AJPD, o Centro Cultural Mosaiko138, o CICA, a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese do Lubango139, que publicaram algumas pesquisas realizadas em 2015.

8.2 Estrutura da sociedade civil

Depois de um aturado processo de contactos directos com as Organizações Não -Gover-namentais, o PAANE (Pograma de Apoio aos Actores Não-Estatais) publicou em 2015 um Directório das Organizações Não -Governamentais140 tendo como base, para além dos contac-tos feitos com as organizações, a última publicação da UTCAH feita em 2012141.

Neste exercício, que teve a duração de seis meses, foram classificadas como ONG sem seguir quaisquer critérios de natureza legal, 343 organizações sediadas nas 18 províncias de Angola.

Segundo o referido Directório, todas as organizações aí registadas consideram -se ONG, cujo propósito de criação é o de contribuir para o desenvolvimento do país através de acções nos mais diversos sectores, de entre os quais podemos destacar os seguintes: Educação, Agricultura, Direitos Humanos, Reforço Institucional, Desenvolvimento Comunitário, Protecção do Meio Ambiente, Equidade e Equilíbrio de Género, etc.

Face ao ambiente actual e às dificuldades para obtenção de financiamento para as ONG que operam em Angola, estima ‑se que mais de metade das organizações cujos nomes constam do Directório não implementaram qualquer projecto em 2015, sendo que muitas apenas existem de jure e outras apenas de nome.

Contrariando a tendência de desaparecimento de muitas ONG, as actuais dinâmicas polí-ticas, económicas e sociais que o país atravessa, têm vindo a propiciar o surgimento de uma infinidade de actores que actuam de forma individual ou colectiva na arena pública em torno de interesses, propósitos e valores comuns numa lógica distinta de mercado e fora da arena da família e do Estado, que não são necessariamente ONG, mas fazem parte do universo de actores da sociedade civil.

Embora não constem do Directório elaborado pelo PAANE nem pretendam registar -se no IROCAC, estes actores actuam no espaço público e assumem formas institucionais variadas em termo do grau de formalidade, informalidade, autonomia em relação às instituições do Estado, mercado e família.

137 A ADRA, em parceria com o OPSA, publicaram a análise do OGE.138 O Centro Cultural Mosaiko publicou o relatório de uma pesquisa sobre o acesso a informação.139 O CICA e a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese do Lubango publicaram o seu Relatório de Monitoria Social.140 Directório das ONG, publicado pelo PAANE em 2015.141 Directório da UTCAH, publicado em 2012.

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A falta de um debate sério sobre a identidade da sociedade civil angolana dificulta o estabe-lecimento de balizas que nos permitem aferir com algum rigor quem são verdadeiramente os actores da sociedade civil e o grau de autonomia que algumas dinâmicas e actores possuem em relação às instituições do Estado, partidos políticos, sector privado e doadores internacionais. Razão pela qual seria sempre difícil indicar com exactidão o número de actores da sociedade civil existentes em Angola de modo geral, e de modo mais específico dentre estes o número de ONG, que embora sejam parte dos actores da sociedade civil, não são os únicos nem os mais visíveis ou os mais relevantes face ao actual contexto político, económico e social do país.

Num momento em que têm vindo a decrescer o número de ONG, constata ‑se uma tendên-cia de aumento do número de associações ou colectivos que se juntam para realizar acções de caridade e solidariedade, organizações baseadas na fé, associações profissionais, grupos de auto ‑ajuda, grupos de activistas cívicos, centros de investigação ligados às instituições acadé-micas e outras formas de actuação de modo individual e colectivo.

Se para efeitos de aplicação do regulamento das ONG, estas são definidas como pessoas constituídas por duas ou mais pessoas singulares ou colectivas e que não têm por objecto a obtenção de lucro económico dos associados, o conceito que vamos utilizar aqui é o conceito de actores da sociedade civil para nos referirmos a um leque de actores muito mais alargado do que as ONG.

8.3 Tipologia das OSC cuja acção mereceu destaque

Longe de serem vistos como actores relevantes apenas na prestação de serviços sociais básicos aos cidadãos mais desfavorecidos, como acontecia durante o período da guerra, em que a maior parte dos actores da sociedade civil eram ONG que se dedicavam à ajuda de emer-gência ou à ajuda humanitária, o ano de 2015 foi marcado pelo aumento do protagonismo dos actores da sociedade civil cuja tipologia pode ser dividida da seguinte forma: actores ligados às acções de pesquisa e advocacia; actores ligados às acções de divulgação do conhecimento; organizações baseadas na fé; actores ligados às acções de denúncia e defesa dos direitos huma-nos; organizações comunitárias de base; movimentos cívicos; plataformas/fóruns de discussão temática e individualidades que actuam na arena da sociedade civil.

Ao nível das redes sociais e dos espaços de debate desempenharam um importante papel os actores ligados às acções de advocacia, defesa e promoção dos direitos humanos e divulgação do conhecimento que, tirando partido das redes sociais online, criaram oportunidades para estabelecer comunicação com vários cidadãos e em alguns casos até conseguiram que as suas preocupações chegassem até aos órgãos governamentais.

ONG como a associação OMUNGA, individualidades como o jornalista de investigação Rafael Marques, o comentarista Reginaldo Silva ou a organização Iniciativa Aberta para Políticas

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Públicas ou o Observatório Político Social de Angola, a Associação Construindo Comunidades, mereceram destaque pela sua actuação caracterizada fundamentalmente pela utilização das redes sociais e espaços nos media para divulgação das suas reflexões, sugestões e denúncias, contribuindo significativamente para a disseminação de informações e debate público sobre diversos assuntos.

Ainda assim, e embora com menos visibilidade e enfrentando condicionamentos vários, com destaque para as dificuldades de acesso a financiamentos para os seus projectos e inicia-tivas, foram importantes para muitos dos seus beneficiários os serviços de educação, saúde e outros prestados maioritariamente por actores da sociedade civil ligados às diferentes Igrejas e às poucas ONG que ainda se mantêm activas.

Apesar dos desafios que os defensores dos direitos humanos enfrentam, muitas foram as vozes que se levantaram e as pessoas que a título individual, representando ‑se a si mesmas enquanto cidadãs, se solidarizaram com o caso que ficou conhecido entre nós como o caso dos 15+2.

Em parte, foi graças a estas vozes e ao desempenho de algumas ONG, fundamentalmente ligadas à promoção e defesa dos direitos humanos, que utilizando de forma eficaz os mecanis-mos nacionais e internacionais existentes, conseguiram captar a atenção de muitas pessoas e instituições ao nível nacional e internacional para a situação dos direitos humanos em Angola.

8.4 O papel das OSC na perspectiva sectorial

Neste ponto analisa -se o papel das OSC por sectores e subsectores, começando pelo sector da boa governação e desenvolvimento rural, e subsectores como os dos direitos humanos, cul-tura, serviços sociais e formação profissional. Em cada um enfatizam ‑se as tendências gerais, os principais actores e alguns exemplos e práticas a destacar.

8.4.1 Boa governação

Nos últimos catorze anos aumentou de maneira significativa o número de actores da sociedade civil na área de governação, à medida que o processo de paz se foi consolidan-do e o Governo passou a dispor de mais recursos para assumir a sua responsabilidade em relação à prestação de serviços sociais básicos, tais como saúde e educação. Algumas OSC foram privilegiando o fortalecimento da sociedade civil para actuar no campo da governação, reivindicar uma maior transparência e contribuir para a melhoria do sistema de governação democrática.

Este processo de reforço das OSC contribui para mudanças de foco de inúmeras organiza-ções outrora viradas para a prestação de serviços e propiciou o surgimento de novos actores individuais e colectivos interessados em trabalhar especificamente as questões de governação.

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O debate sobre transparência e prestação de contas em Angola não surgiu apenas em 2015, mas ganhou um destaque particular neste ano. Um dos mais proeminentes sectores da socie-dade a trazer para o espaço público matérias sobre corrupção, transparência e prestação de contas em 2015 foi o dos actores da sociedade civil.

As actividades das OSC na componente de governação tiveram o objectivo de promover uma maior transparência e integridade na gestão dos bens públicos. Um dos principais resulta-dos tem sido o paulatino aumento da consciência cívica de que as Organizações da Sociedade Civil devem estar envolvidas nos processos de governação.

Um dos exemplos que se pode avançar é o facto de que na sequência das acções de rei-vindicação protagonizadas pelos cidadãos contra o fraco desempenho das autoridades na ges-tão dos resíduos sólidos em Luanda se assistiu em 2015 a uma forte pressão exercida sobre o Governo, que se viu forçado a pronunciar -se sobre o que se estava a passar.

Outro exemplo de resultados que tem vindo a demonstrar o amadurecimento das OSC prende ‑se com a maneira como estas têm vindo a adoptar um conjunto de estratégias com o propósito de assegurar o reconhecimento de alguns problemas que afectam franjas específicas da sociedade como uma preocupação da sociedade em geral.

Actividades de lobbying junto dos órgãos competentes sobre as matérias em causa, a par-ticipação em diversos seminários e debates públicos (alguns dos quais com a participação de proeminentes figuras nacionais), a elaboração de documentos de posição, comunicados de im-prensa e a publicação de reflexões baseadas em evidências funcionaram como um importante contributo da sociedade civil em 2015.

Como resultados destes processos podemos destacar o aumento de eventos tais como o lançamento conjunto, em 2015, dos Relatórios de Monitoria Social e Avaliação Participativa da Pobreza do CICA e pela Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz do Lubango, que contou com a presença de deputados da Assembleia Nacional, Ministros do Executivo angolano, que nos seus pronunciamentos consideraram importante o papel das instituições religiosas e a neces-sidade de mais envolvimento de outras Organizações da Sociedade Civil em acções que visam promover uma maior integridade na gestão dos bens públicos.

Outra nota digna de realce quando olhamos para o contributo dos actores da sociedade civil em 2015 é o facto de se ter constatado uma forte pressão e influência exercida por OSC nacionais e estrangeiras, com destaque para a AJPD, que convidou a eurodeputada Ana Gomes a visitar Angola e apurar junto da sociedade civil e do Estado angolano as alegadas violações dos direitos e restrições às liberdades fundamentais dos cidadãos praticadas pelo Executivo ango-lano. O Parlamento Europeu, que nos últimos anos se tem mostrado relativamente distante em relação aos casos de alegadas violações dos direitos humanos, também emitiu uma declaração sobre Angola.

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8.4.1.1 Monitoria de OGE

Em 2015 foram lançados os Relatórios de Monitoria Social num evento promovido por um grupo constituído por algumas Organizações da Sociedade Civil, nomeadamente o Conselho das Igrejas Cristãs em Angola (CICA), a Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz do Lubango, o Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil. O CICA estabeleceu ligações com a Assembleia da República, o que constitui talvez a primeira iniciativa estruturada e sistemática de relacionamento entre o Parlamento e as Organizações da Sociedade Civil em matéria de monitoria social do Orçamento do Estado.

O OPSA, em parceria com a ADRA, fez análises da proposta do Orçamento Geral do Estado (OGE) e os resultados das discussões públicas promovidas por ambas as organizações foram, para além de divulgados nos diferentes meios de comunicação, submetidos à Comissão de Eco-nomia e Finanças da Assembleia Nacional, às bancadas parlamentares, para que as pudessem utilizar durante as audições ao Executivo.

Foi na sequência das acções de advocacia e lobby levadas a cabo pelo OPSA e pela ADRA que as propostas de Orçamento do Estado para 2015 foram disponibilizadas com relativa an-tecedência às pessoas responsáveis e interessadas em analisá ‑las. Este procedimento permitiu que as Organizações da Sociedade Civil pudessem discutir o documento de posicionamento do OPSA e da ADRA que foi apresentado e apresentar as suas propostas de melhoria tanto ao próprio Governo como à Assembleia da República.

O debate em relação ao OGE tem vindo a contribuir para mudanças na maneira como alguns cidadãos encaravam a questão dos Orçamentos do Estado; por exemplo: tem vindo a crescer o número de pessoas e o nível de debate público em relação às opções constantes no OGE. Uma das claras demonstrações do resultado destes documentos está no facto de que durante as dis-cussões em plenária para aprovação do OGE, o líder da bancada parlamentar da UNITA – União Nacional para Independência Total de Angola – utilizou muitos dados do referido documento, o que demonstra a sua real utilidade142.

O OPSA, a ADRA e a Associação Industrial Angolana tiveram igualmente a oportunidade de analisar e produzir um parecer que foi encaminhado para a Comissão de Economia e Finanças da Assembleia Nacional, sobre as medidas a serem adoptadas pelo Executivo angolano visando a diversificação da economia durante o ano de 2015. Tal como em outras situações, o parecer destas instituições foi usado como parte do documento de referência deste órgão na audição ao Executivo e nos debates parlamentares sobre a questão.

Ao nível local, as Igrejas ‑membro do CICA e a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese do Lubango realizaram acções de monitoria do orçamento, umas de carácter abrangente e outras

142 Ver discurso de Raul Danda, líder da bancada parlamentar da UNITA, e documento do OPSA sobre o OGE de 2016.

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focadas especificamente nos fundos destinados ao Programa Municipal de Combate à Pobreza e Desenvolvimento Rural. Esta experiência tem sido bastante útil para alguns Governos Provin-ciais e para alguns Administradores Municipais que asseguram ser uma contribuição importan-te para a transparência na gestão e execução da despesa pública.

É evidente que estudos orientados para a monitoria das contas públicas ou para a monitoria do orçamento têm uma implicação directa sobre questões mais problemáticas de governação. Muitas vezes, os agentes públicos menos preparados e menos comprometidos com estes pro-cessos tendem a reagir de forma negativa a esta interferência da sociedade civil. Por exemplo, não são raros os testemunhos das pessoas que afirmam que em determinados municípios e províncias, em 2015, os titulares de cargos públicos tentam evitar a partilha de informações relacionadas com as despesas públicas aos cidadãos interessados.

8.4.2 Estudos e produção de evidência

As actividades de lobbying e advocacia representam uma das linhas mais importantes de intervenção das principais Organizações da Sociedade Civil a trabalhar na área de governação em Angola. A maioria das Organizações da Sociedade Civil que se assume como ONG e trabalha nesse campo admite que ainda carece de capacidade para tornar a sua intervenção mais eficaz.

Embora reconheçam a importância fundamental de estudos consistentes e baseados em evidências para sustentar as suas acções de lobbying e advocacy, são muito poucos os actores com capacidade e meios para realizar estudos com rigor e de forma sistemática sobre as ques-tões que mais os afligem.

Mesmo existindo experiências de pesquisa para recolher evidências que possam ser utiliza-das para influenciar políticas públicas, ao nível local e sobretudo provincial, a visibilidade deste tipo de acções é fraca e os actores resumem ‑se a uma ou duas organizações ou individualidades da sociedade civil que operam de forma isolada e com algumas dificuldades em articular as suas acções com outros actores interessados.

O OPSA, a ADRA, a Mosaiko, o CICA, o CEIC e outros centros de estudos ligados às Universi-dades são algumas das organizações que, no contexto das suas actividades, incorporam estraté-gias que visam a realização de estudos e produção de conhecimentos baseados em evidências com o propósito de influenciarem as políticas públicas.

O CEIC, por exemplo, é uma instituição sólida em termos de pesquisa científica, que procura produzir com regularidade estudos sobre questões políticas, económicas e sociais.

Já a Mosaiko tem a característica de aliar pesquisa e advocacia. A DW, à semelhança de outras ONG que trabalham as questões ligadas ao desenvolvimento, tendem a produzir estu-dos sobre questões que possam ser usadas como base para as suas actividades de lobbying e advocacia nos assuntos do seu interesse.

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Com reconhecida intervenção no meio rural, a ADRA tem um claro foco sobre questões de desenvolvimento rural, especialmente sobre as políticas e desenvolvimento. Outras organiza-ções, como a Mãos Livres e a AJPD, realizaram estudos sobre direitos humanos em Angola.

Em todos os casos, as questões do financiamento e da qualificação do pessoal representam constrangimentos difíceis de ultrapassar para muitas das organizações que se dedicam a estu-dos na área de governação.

O desafio que sempre se coloca às Organizações da Sociedade Civil para a utilização de es-tudos baseados em evidências nas suas actividades de lobbying e advocacia relaciona -se com a complexidade de alguns dos estudos que se revelam muito extensos, densos e de alto pendor académico, fazendo com que não sejam acessíveis nem facilmente perceptíveis para a maior parte dos cidadãos.

Apesar da qualidade dos estudos e do produto de diversas pesquisas, há uma crescente preocupação no que respeita à necessidade de converter o conhecimento produzido em ac-ção. Vários entrevistados chamaram a atenção para o facto dos estudos produzidos não serem usados na prática devido, também, à mobilização dos interessados, à desanimação das infor-mações e à velha questão do financiamento concedido abranger somente acções de advocacia e nunca estudos e vice -versa.

8.4.3 Acesso a informação

Em Angola, o acesso a informação é um desafio permanente para as Organizações da Socie‑dade Civil e para os cidadãos em geral. Salvo algumas excepções, as instituições do Estado tendem a não disponibilizar a informação isenta, plural e diversa aos cidadãos, mesmo quando se tratam de informações de interesse público.

Na sequência das violações recorrentes ao direito que os cidadãos têm de aceder à infor-mação, muitas Organizações da Sociedade Civil têm vindo a reivindicar uma maior abertura por parte dos órgãos de informação estatais ao debate público, convidando não apenas as vozes alinhadas com as ideias defendidas pelas instituições do Estado e o partido do poder, mas tam-bém as vozes críticas.

Mais uma vez aqui não se pode estabelecer uma ligação directa entre aquilo que têm vindo a ser as reivindicações dos cidadãos e o facto de que, embora timidamente, alguns órgãos de informação públicos criaram espaços de debate onde aparecem pessoas com opiniões diver-gentes dos posicionamentos oficiais. Acreditamos que estas reivindicações acabaram por ter alguma influência sobre esta eventual mudança de atitude dos órgãos de informação estatais.

Apesar destas ligeiras melhorias, persistem e foram notórias em 2015 as dificuldades de acesso às informações e a fraca presença das instituições da sociedade civil, sobretudo as que

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trabalham as questões ligadas aos direitos humanos nos espaços promovidos pelos órgãos de informação públicos.

Mesmo quando acusadas pelos diferentes órgãos de informação públicos de estarem ao serviço de interesses alheios à Nação, as organizações que trabalham as questões dos direitos humanos não tiveram a oportunidade de se defenderem perante aqueles órgãos por lhes ser vedado o acesso aos espaços de diálogo e debate por eles proporcionados.

Com relação ao acesso às informações de carácter público disponibilizadas pelos diferentes Órgãos do Poder Executivo, a situação em 2015 não foi melhor do que nos anos anteriores. Os cidadãos continuam a debater ‑se com os problemas resultantes da atitude e da cultura de limitar o acesso a informações de carácter público aos cidadãos. Nesse contexto, ressaltamos a divulgação de informações, ideias e opiniões que não são veiculadas através dos canais oficiais de comunicação, mas por indivíduos da sociedade civil através das redes sociais permitindo as-sim a todos os cidadãos o acesso a informações, ideias e opiniões úteis para o seu engajamento cívico.

8.4.4 Direitos humanos

Sendo responsável pelo quadro legislativo e o principal portador de deveres, o Estado an-golano reconhece a importância da participação da sociedade civil, tanto nos processos de pre-paração e formulação de novas leis, como nos debates sobre a questão dos direitos humanos em Angola.

Embora o papel das OSC seja indispensável nas acções que visam a promoção e defesa dos direitos e na monitoria de implementação e aplicação de legislação às relações entre algumas ONG e as instituições do Estado, o ano de 2015 foi marcado por tensões e acusações de ambas as partes devido à polémica que se gerou em torno do processo que levou à prisão e ao con-sequente julgamento dos activistas envolvidos no caso que ficou conhecido por caso dos 15+2.

Ainda assim, temos a destacar o importante papel de algumas organizações, tais como a Associação Mãos Livres, a Associação Justiça, Paz e Democracia, o Centro Cultural Mosaiko, a Associação OMUNGA, a Associação Construindo Comunidades e outras, cujo principal foco de trabalho é a questão dos direitos humanos.

A área dos direitos das mulheres e da equidade de género destaca -se com uma forte repre-sentação de OSC que se dedicaram a acções de sensibilização, informação e educação contra a violência doméstica e o direito à igualdade e equidade de género. Como exemplos destas instituições referimos: a Plataforma Mulheres em Acção e o Fórum das Mulheres Jornalistas para a Igualdade de Género.

Em termos gerais, podemos considerar que a acção da sociedade civil no âmbito dos di-reitos humanos tem sido financiada basicamente por entidades doadoras internacionais. Esse

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apoio continua a ser fulcral para reforçar os níveis de intervenção da SC ao nível da produção legislativa, da participação na monitoria nacional e local dos casos de violação dos direitos hu-manos, bem como na promoção da cidadania activa e do processo democrático.

Com a entrada em vigor do novo regulamento, a continuidade de muitas destas acções podem estar em perigo, uma vez que o regulamento estabelece a exigência de que o financia-mento de outros organismos estrangeiros não governamentais às ONG nacionais ou internacio-nais que operam em Angola deve ocorrer obrigatoriamente com base num acordo reduzido a escrito, sujeito à aprovação do IPROCAC, conforme previsto no artigo 15.o, ponto 4, do referido regulamento. Esta medida é vista como uma forma de limitar o acesso ao financiamento às organizações que trabalham com um grande enfoque nos direitos humanos, visto que estas são dependentes do apoio externo para poderem realizar as suas actividades.

8.4.5 Desenvolvimento rural sustentável

Os dados definitivos do Censo Geral da População indicam que as actividades do Sector Pri-mário concentram 44,2% do total da actividade, as do Secundário 6,1%, as do Terciário 26,2% e que 23,5% da população residente não declarou a sua actividade.

Neste contexto, a promoção do desenvolvimento rural nas suas múltiplas vertentes assume particular importância para o desenvolvimento político, social e económico do país uma vez que o Sector Primário, que engloba actividades como agricultura, pecuária, caça, silvicultura e pesca, concentra a maior parte da população com mais de 15 anos.

Com efeito, a prossecução de um desenvolvimento rural inclusivo e sustentável abrange uma grande diversidade de aspectos, desde a preservação e utilização sustentável de recursos naturais, intervenções nos sectores sociais e económicos, questões relativas à preservação e transmissão da cultura às novas gerações e à salvaguarda e uso sustentável do rico e diverso património cultural, material e imaterial, detido pelas populações rurais.

8.4.5.1 Os actores principais

Em geral, as actividades das OSC no âmbito do desenvolvimento rural são múltiplas e desenvolvem -se em duas áreas principais: prestação de serviços e advocacia em prol do au-mento do volume de investimentos em infra ‑estruturas básicas tais como estradas secundárias e terciárias, electricidade, meios de comunicação, etc.

Entrevistas com organizações que trabalham ou representam camponeses confirmaram que parte importante do seu trabalho consistiu no apoio aos mesmos para lidarem com algumas das principais preocupações do sector familiar da agricultura: falta de insumos agrícolas, falta de acesso a conhecimentos técnicos mais avançados e dificuldades de acesso aos mercados para escoamento dos seus produtos.

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Neste contexto, as poucas ONG que tiveram alguma actividade concreta em 2015 e que tra-balharam nas zonas rurais implementaram uma série de iniciativas que vão desde a construção e gestão de infra -estruturas económicas e sociais como escolas, postos de saúde e hospitais, mercados, cantinas comunitárias e sistemas de água e saneamento.

Apesar dos anunciados investimentos públicos em infra ‑estruturas e equipamentos no meio rural, há ainda muitos desafios a superar, daí que em termos de advocacia social algumas ONG e outros actores da sociedade civil têm vindo a bater ‑se pelo acesso equitativo à educação, à saúde e saneamento, à água potável e à protecção social.

Partindo do princípio de que a actividade agrícola está estreitamente ligada ao direito e acesso a recursos naturais como água, terra, florestas, fauna,… que têm vindo a ser ameaçados, quer pela sua usurpação ilegal e continuada, quer pelo interesse crescente de investidores nas áreas do agronegócio e da exploração de recursos minerais, algumas ONG também deram o seu contributo no sentido de informar e educar as comunidades na defesa dos seus direitos, gestão de conflitos e legalização das suas terras. Entre muitos outros exemplos, pode referir ‑se as formações organizadas pela ADRA junto das associações de camponeses, as formações em direitos humanos e sob questões legais organizadas pelo Centro Cultural Mosaiko para grupos comunitários, as acções de advocacia social implementadas pela Associação Construindo Co-munidades.

Efectivamente, as OSC, com frequência actuando conjuntamente, quer a nível nacional, quer internacional, destacaram -se durante o ano de 2015 como grandes divulgadoras dos direi-tos à terra através da divulgação de evidências com base nas pesquisas, diagnósticos e reflexões que normalmente promovem, na delimitação e demarcação de terras comunitárias e também na condução de acções de lobbying e advocacia de reivindicação do direito à terra legalmente consignado.

Os efeitos das mudanças climáticas põem em risco os meios de vida da população, principal-mente das suas camadas cuja forma de sustento têm como base a terra e os recursos naturais. Muitas OSC revelam existir, por parte da sociedade em geral, um certo desconhecimento quanto aos impactos negativos das alterações climáticas nas comunidades rurais.

Por esta razão, as OSC que actuam na área da extensão rural têm vindo a dar um contri-buto significativo na minimização das limitações provocadas pela escassez de factores de pro-dução adequados e de conhecimentos técnicos sobre práticas agrícolas adaptadas e outras estratégias que visam tornar as comunidades mais resilientes. Desde algumas comunidades onde actuam organizações como a Federação Luterana Mundial, a Igreja Evangélica Congre-gacional em Angola, a Acção Cristã da Mocidade, a Caritas de Angola, por exemplo, têm vindo a receber formação e treino sobre o fenómeno das mudanças climáticas e estratégias de resiliência.

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8.4.5.1.1 Serviços sociais

A prestação de serviços sociais como a protecção social aos vulneráveis, os cuidados de saú-de e a educação é, em princípio, responsabilidade do Estado que, para sua concretização, de-finiu legislação, políticas e estratégias sectoriais específicas. Parte destas estratégias prevêem que os Ministérios da Saúde, Educação e Reinserção Social estabeleçam acordos de cooperação com instituições privadas e da sociedade civil que prestam serviços aos cidadãos sob a sua su-pervisão e coordenação.

Fruto de tais acordos, os parceiros destes ministérios, na sua maior parte instituições religio-sas, prestam como apoio e supervisão das instituições públicas importantes serviços sociais a partir das escolas, hospitais, centros de saúde, creches e outros serviços sob a sua gestão directa.

Algumas Organizações da Sociedade Civil também são responsáveis pela implementação de vários projectos e programas dirigidos aos grupos vulneráveis tais como crianças, pessoas ido-sas, pessoas que vivem com deficiência, agregados familiares mais desfavorecidos, etc. Muitos dos serviços e ajudas foram prestados com base no voluntariado, no qual se destacou o papel dos grupos ligados às Igrejas ou cidadãos anónimos que se mobilizaram doando bens e géneros alimentícios diversos às vítimas das calamidades naturais que ocorreram em 2015.

Embora não gozem da mesma visibilidade e reconhecimento que as Organizações Não--Governamentais mais conhecidas em Angola na área social, começa a reconhecer -se cada vez mais o importante papel que tem vindo a ser desempenhado por grupos de cidadãos que se juntam para resolver os seus problemas tendo por base problemas ou interesses comuns. Gra-ças a esta prática temos verificado, sobretudo nas zonas rurais e periferias de algumas cidades, que os cidadãos se unem para gestão de bens e serviços comunitários tais como saneamento do meio, sistemas de água, prestação de cuidados aos mais vulneráveis, etc.

Outro tipo de Organizações da Sociedade Civil que tem vindo a ganhar notoriedade são aquelas cujo propósito é o de contribuir para a resolução de problemas ligados à discriminação e marginalização de pessoas com necessidades específicas. Estas formas organizativas têm ‑se vindo a destacar pelo seu esforço no sentido de reduzir os casos de isolamento social e discri-minação a que muitas pessoas estão sujeitas. Também as organizações formadas por pessoas que, com base nas suas experiências pessoais, procuram chamar a atenção para a necessidade de esclarecimento da opinião pública, divulgação de informação, assim como advogar em prol da assistência adequada por parte de quem de direito.

Um dos exemplos notórios em 2015 são as acções de lobby, advocacia social e assistência prestada a alguns dos seus membros por parte de organizações como a Associação Angolana de Apoio a Pessoas Autistas e com Transtornos Globais de Desenvolvimento (APEGADA); o Centro de Capacitação e Atendimento Neurológico de Angola (CECANA), organização que entre outros aspectos trabalha as questões de informação e formação sobre transtornos como a Dislexia e o

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Transtorno de Défice de Atenção com ou sem Hiperactividade (TDAH); a Associação Angolana dos Albinos (AAA); a Associação de Cegos e Amblíopes de Angola, que trabalha no apoio a pes-soas com deficiência visual, sobretudo na promoção de acções de advocacia para sensibilização da sociedade quanto à situação deste grupo de pessoas.

A defesa de direitos das pessoas que vivem com deficiências não é uma questão nova em Angola. Embora pouco visíveis nas suas acções, actualmente existem várias organizações que actuam nesta área.

As diferentes associações têm vindo a desenvolver actividades de luta pela integração da pessoa com deficiência no local de trabalho, pela acessibilidade nos edifícios e espaços públicos (escolas, hospitais, outras instituições governamentais), pela construção de instalações adap-tadas a pessoas com deficiência, pela integração das crianças com deficiência no sistema de ensino (educação inclusiva), etc.

No entanto, as actividades das Organizações da Sociedade Civil nesta área são ainda escas-sas, embora seja crescente a atenção aos direitos de participação activa e igual na sociedade das pessoas vulneráveis e/ou portadoras de deficiência.

8.4.5.1.2 Património cultural

Embora o património cultural tenha sido frequentemente ignorado no presente Relatório, vamos salientar o papel da sociedade civil na sua preservação e manutenção, mais especifica-mente a sua acção no recurso a uma variedade de manifestações culturais como mecanismo de diálogo político e como veículo de comunicação e transmissão de conhecimentos.

Apesar de merecer menor atenção em relação a outros sectores ao nível do Orçamento Ge-ral do Estado, a área da cultura tem vindo a destacar -se como factor de desenvolvimento social e humano. Do ponto de vista económico, apesar de ter uma contribuição mínima no Produto Interno Bruto de Angola, são muitas as pessoas que têm vindo a obter algum rendimento atra-vés de actividades como a música, o teatro, a dança, o artesanato e as artes plásticas, para além de outras manifestações culturais.

O sector da cultura tem sido tutelado pelo Ministério da Cultura e de entre as suas funções destacam ‑se principalmente aspectos relativos à preservação do património cultural material, à conservação de edifícios e monumentos, à definição de políticas públicas para o sector, etc.

Entretanto, a sociedade civil tem -se destacado na promoção da nossa cultura imaterial atra-vés de campanhas de educação e sensibilização dos cidadãos para a valorização do património imaterial, bem como da utilização e disseminação – igualmente com fins educativos – de impor-tantes hábitos e costumes que enformam a identidade colectiva angolana.

Apesar da pouca capacidade técnica instalada e da falta de meios do Ministério da Cultura e das diversas associações, a cultura imaterial sempre foi vista como importante na educação

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ética e moral da camada jovem da população e como um forte veículo de comunicação. Foi nesta óptica que muitos grupos culturais existentes em Angola utilizaram as diferentes formas de manifestação artística como instrumento de comunicação em prol das actividades de mobi-lização, divulgação de mensagens e de advocacia.

Neste contexto, destaca -se o teatro como forma de expressão. Vários grupos teatrais, so-bretudo em Luanda e nas principais cidades do país, realizaram de forma regular apresentações públicas retratando aspectos ligados à problemática do HIV/SIDA, direitos à terra, violência do-méstica, democracia e governação.

Em Luanda e noutros centros urbanos há grupos que têm vindo a desempenhar um im-portante papel em termos de valorização da cultura local através da prática de, por exemplo, danças tradicionais e outras manifestações artísticas típicas de cada região do país. Foram estes grupos que vieram dar sentido aos numerosos eventos que se realizaram em 2015, tais como o Carnaval, festas municipais, etc.

Em 2015, as Organizações da Sociedade Civil que actuam na área da cultura sofreram as mesmas dificuldades que os outros actores da sociedade civil em geral: falta de capacidade de gestão de fundos, escassez de fontes para obtenção de financiamentos, limitadas capacidades de colaboração e articulação de interesses com outras organizações do mesmo sector.

Outra grande lacuna que enfrentam os actores da sociedade civil que se dedicam à cultura prende ‑se com a sua fraca capacidade de monitoria de políticas públicas para o sector e com o fraco mecanismo de diálogo entre estas e as instituições do Estado responsáveis pela área da cultura.

8.4.5.1.3 Educação e formação técnica e profissional

A educação e formação técnica e profissional compreendem a formação de carácter formal e informal, através da qual os indivíduos aprendem conhecimentos e habilidades de nível básico ou avançado em diversos contextos sociais e económicos.

O Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional, sob tutela do Ministério do Traba-lho, Emprego e Segurança Social, é a entidade governamental responsável pela área e que tem vindo a assumir a gestão de diversos centros de formação profissional públicos existentes no país.

Embora não nos tenha sido possível apurar o número de provedores públicos e privados de cursos de formação profissional autorizados a exercer esta actividade, sabe ‑se que alguns actores da sociedade civil, como por exemplo os Salesianos de Dom Bosco ou o Conselho das Igrejas Cristãs em Angola oferecem cursos de formação profissional.

Para além destes actores, existem várias Organizações da Sociedade Civil, sobretudo as liga-das às confissões religiosas, que tradicionalmente se preocupam com a formação profissional dos jovens, cujas experiências devem ser devidamente estudadas.

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9. MONOGRAFIA DO PERIURBANO DE LUANDA (CACUACO, CAZENGA E BELAS)

9.1 Introdução

A presente monografia analisa a situação social do periurbano da cidade de Luanda, no-meadamente de três bairros pertencentes aos municípios do Cacuaco, Cazenga e Belas, que configuram a divisão administrativa da província de Luanda, situada na região litoral norte de Angola.

O estudo de caso é resultado de uma pesquisa de terreno, realizada de 10 a 27 de Fevereiro. A pesquisa enquadra ‑se no âmbito de três projectos da área dos Estudos Sociais e teve como base a combinação dos Métodos Quantitativo e Qualitativo, consistindo, com efeito, na aplica-ção de questionários por agregados, a partir de indicadores sociais, junto dos referidos bairros e respectivas repartições municipais. Culminou com a recolha de dados complementares desses órgãos administrativos, bem como com a realização de entrevistas abertas a alguns responsá-veis administrativos.

O objectivo da pesquisa foi o de captar in loco as dinâmicas da pobreza e a diferenciação en-tre grupos sociais, relações de género e o desempenho da governação a nível local, procurando aferir se o seu impacto se reflecte, ou não, na melhoria das condições de vida das populações dos bairros Wenji Maka II, Paraíso e Terra Vermelha. Neste contexto, a análise centrar -se -á nos dados recolhidos no terreno para melhor elucidação tendo como foco principal os três bairros atrás referidos.

No quadro expositivo da presente monografia, decorre, em primeiro lugar, a caracterização geográfica, seguida de um enquadramento político ‑administrativo dos três municípios, o que nos permitirá, numa medida considerável desenvolver ao longo do texto os tópicos subsequen-tes relativos ao sector social – saúde, educação, protecção social, água e saneamento, energia eléctrica, comércio, infra ‑estruturas e vias de acesso.

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9.2 Caracterização geográfica

PROVÍNCIA DE LUANDA: MUNICÍPIOS DA NOVA DIVISÃO POLÍTICO‑ADMINISTRATIVA

FONTE: Development Workshop, 2014.

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O município de Belas foi criado pela Lei n.o 17/11, de 21 de Abril de 2011, fruto da nova divisão administrativa da província de Luanda. Com uma extensão territorial de 1077 km2, faz fronteira, a Norte, com o município de Luanda, a Oeste com o oceano Atlântico, a Leste com o município de Viana e a Sul com o município de Quiçama.

O município do Cacuaco, por sua vez, localiza -se junto à costa litoral luandense, na região Norte da província de Luanda, que faz fronteira a Norte com a Barra do Dande, a Oeste com o oceano Atlântico, e com os municípios de Luanda e do Cazenga, a Leste com o município do Ícolo e Bengo, e a Sul com o município de Viana. Possui uma extensão de superfície territorial de 335 km2.

MUNICÍPIO DO CACUACO: DIVISÃO POLÍTICO‑ADMINISTRATIVA

FONTE: Administração Municipal.

Quanto ao município do Cazenga, o mesmo ocupa uma extensão territorial de 41,2 km2, que faz fronteira a Norte com o município do Cacuaco, a Oeste com o distrito do Sambizanga, a Leste com o município de Viana e a Sul com os distritos do Rangel e do Kilamba Kiaxi.

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MUNICÍPIO DO CAZENGA: VIAS DE ACESSO E PONTOS DE REFERÊNCIA

Os municípios do Cacuaco e do Cazenga são os mais antigos comparativamente com o de Belas.

Quanto ao clima dos três municípios, os do Cacuaco e de Belas têm um clima tropical seco, tal como a generalidade dos municípios de Luanda, por estarem localizados numa região árida e semi ‑árida, que também acaba por ser influenciada pelas correntes frias da costa de Benguela, tendo por isso uma estação híbrida, nem muito fria nem muito quente. O período chuvoso ocorre de três a cinco meses e a temperatura média anual é de 25 oC a 30 oC em Julho e Agosto, reduzin-do depois para os 23 oC. A temperatura no interior dos dois municípios, incluindo o do Cazenga, é geralmente mais quente do que na orla marítma, que chega atingir pouco mais de 21 oC.

Os solos são vermelhos em algumas zonas e argilosos noutras, com predominância de em-bondeiros na sua vasta vegetação.

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A disposição geográfica dos dois municípios costeiros permite as seguintes actividades:• Pesca continental, marítima e artesanal.• Produção pecuária, com a criação de gado bovino, suíno e caprino.• Avicultura, com a criação de aves, patos e perus.• Agricultura.• Indústria.• Turismo.

Quanto aos recursos hidrográficos, o município do Cacuaco é atravessado pelo rio Zenza, a principal fonte de abastecimento de água à província de Luanda; já o município de Belas é ocupado pelas margens do rio Kwanza.

9.3 Caracterização administrativa e demográficaa143sdfa144sdf145asfa146dfds147dfds148dfds149dfds

DIVISÃO ADMINISTRATIVA DO PERIURBANO DE LUANDA

Município Comuna Superfície terrestre Demografia

Belas

Barra do Kwanza143

km² habitantes

Benfica144

Camama145

Futungo146

Ilha do Musssulo147

Ramiros148

Vila Estoril149

143 Esta comuna compreende os seguintes bairros: Benvindo, Dikenhe, Masola, Soares e Tapo.144 A comuna do Benfica é constituída pelos seguintes bairros: Agostinho Neto, Benfica, Bem-vindo, Casa Branca, Cateba, Calivoto, Chinguar, Cabolombo, Faz Sol, Luquembo, Partido Sossego, Tanque I, Tanque II, Tanque Serra, Zena a Moxico, Zona B e 10 de Dezembro.145 A comuna da Camama é constituída pelos seguintes bairros: 4 de Abril, 15 de Fevereiro, Bairro dos Guerrilheiros, Bairro do Nandó, Bairro da Paz, Bawer, Bita, Bita Vacaria, BPC, Camama Sede, Cama ma II, Chimbicado, Dangere, Jardim do Éden, Major Kanhagulo, Mbondo Centro, Mbondo I “Fubu”, Mbondo II, Mutemba, Nova Esperança, Njinga Mbandi, Sapú II, Simione I, Simione II, Sonha da Casa Própria, Sossego e Terra Nova.146 A comuna do Futungo é constituída pelos seguintes bairros: Angotel, Bairro Militar, Futungo I, Futungo II, Inbombeiro, Inorad, Morro Bento I, Morro Bento II, Kambamba I, Kaposoka, Kawelela, Talatona I.147 A comuna da Ilha do Mussulo é constituída pelos seguintes bairros: Areal Buraco, Cambaxi, Farol, Macoco, Ponta da Barra, Prior Mussulo, Mussulo Centro, Zanga, Zanga Mussulo e Prier.148 A comuna de Ramiros é constituída pelos seguintes bairros: Bairro Foz, Rapado, Palmeirinhas, km 54, Praia do Miradouro, Lombo e Wacongo.149 A comuna da Vila Estoril é constituída pelos seguintes bairros: Golfo I, Golfo II e 28 de Agosto.

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Município Comuna Superfície terrestre Demografia

Cacuaco

Vila de Cacuaco150

km² habitantesKikolo151

Funda152

Cazenga

Tala Hady153

–Hoji-Ya-Henda154

Cazenga Popular155

FONTE: CEIC, com base no GPL, 2013. ja150sfjds151fjsjd152fasdj153fjasfj154sjfsak155sfdksda

De acordo com o Censo Geral da População de Maio de 2014, o município de Belas tem uma composição demográfica de cerca de 1 065 106 habitantes, dos quais 521 733 homens e 543 373 mulheres, com um índice de masculinidade de 96,0. A seguir aos municípios de Luanda e de Viana, o de Belas é o terceiro, com cerca de 16% de densidade populacional. Do ponto de vista da divisão administrativa, o município de Belas é constituído por sete comunas – Barra do Kwanza, Benfica, Camama (onde se localiza Wenji Maka II), Funtugo, Talatona, Vila Estoril e Mussulo.

150 A comuna da Vila de Cacuaco, sede administrativa do município com o mesmo nome, encontra--se subdividida da seguinte forma: Bairro da Polícia, Barra do Bengo, Chapas, Cerâmica, Forno de Cal, Hota Nganga, Inbombeiro, Pescadores, Kifangondo, Nazaré, Salinas, Vidrul, 4 de Fevereiro e 17 de Setembro.151 A comuna do Kikolo subdivide-se pelos seguintes bairros: Augusto Ngangula, Bandeira, Boa Espe-rança Central, Boa Esperança III, Candua, Cardoso, Cemitério, Combustíveis, Compão, Comandante Buala, Kawelele, Kikolo Sede, Mulenvos, Ndala Muleba, Pedreira e Paraíso. 152 A comuna da Funda é constituída pelos seguintes bairros: Bairro 30, Caop Nova, Caop Velha, Cali-longe, Camicuto I, Camicuto II, Catondo, Cazulo Estrada, Cazulo Sede, Cowboi, Experimental, Have-mos de Voltar, Fazenda, Fortim, Kuta, Mulundo, Mutamba Kahango, Paquete, Quilunda, Rio Seco, Sepa do Bengo, Sequele, Terra Branca.153 A comuna do Tala Hady é constituída pelo Sector 19 e Zona C e subdivide-se em quarteirões: Cariango, Dr. Agostinho Neto, Grafanil, Madeira, Kalawenda, Marcelo Caetano, Tala Hady e Vila Flor.154 A comuna do Hoji-Ya-Henda encontra-se subdividida por sectores e bairros que são: Adriano Moreira, Ilha da Madeira, Mabor, São António, São João e 11 de Novembro.155 A comuna do Cazenga Popular é constituída pelo Sector 18 e pelos seguintes bairros: Angolano, Canivete, Cazenga Popular, Comissão do Cazenga, Curtume, Tunga Ngô, Mabor-Sonef e Mutapá.

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O município do Cacuaco156 é dividido administrativamente em três comunas e 52 bairros, nomeadamente a comuna sede, a comuna do Kikolo e a comuna da Funda. Cacuaco é, por con-seguinte, um município amplo e diversificado que abrange bairros urbanos densos, linha cos-teira e áreas agrícolas. A sua rápida transformação territorial teve igual efeito no crescimento da população, que aumentou a uma taxa anual de 28,8%. Na verdade, durante os últimos dez anos, ou seja, de 2000 a 2010, o município do Cacuaco registou a segunda maior taxa anual de crescimento de Luanda, depois de Viana. Mais adiante explicar -se -á, com efeito, as razões desse crescimento populacional, registado em pelo menos dois dos três municípios em estudo.

Quanto ao municípo do Cazenga157, é um dos sete municípios da província de Luanda, habi-tado por uma população estimada em dois milhões de habitantes, distribuída por 3 comunas: Tala Hady, Cazenga e Hoji -Ya -Henda. É provavelmente o segundo em densidade populacional, calculada em 18 169 hab./km2, a seguir ao município de Luanda.

As comunas do Cazenga estão organizadas em bairros, sectores e quarteirões, cuja toponí-mia apresenta -se, diversas vezes, de forma inadequada e confusa. A comuna do Cazenga Po-pular é a mais numerosa, ocupando uma superfície de 10,50 km2, contrariamente à comuna sede de Tala Hady que, embora seja geograficamente maior (18,80 km2), a sua população é numericamente inferior. A comuna do Hoji ‑Ya ‑Henda, por seu turno, é a menor de entre as três em termos de superfície, 9,30 km2.

O município possui um total de 46 Comissões de Moradores, cuja missão consiste funda-mentalmente em apoiar a Administração Pública em actividades como a recolha de dados esta-tísticos da população local e a organização dos utentes para viabilizar o seu acesso aos serviços sociais. A rotação dos membros das comissões é deficitária devido à ausência de eleições regu-lares no seu seio.

As características que são apresentadas pela população do Cazenga, grosso modo, não dife-rem das restantes regiões da província de Luanda, pois os jovens e as crianças são, em grande

156 O nome “Cacuaco” é historicamente o resultado do processo de aportuguesamento da expressão “Bwakwaku” em língua kimbundu, usada sobretudo durante as caravanas do Rei Ngola Kiluanje, que montava areal na região devido às suas condições naturais favoráveis à habitação. Cedo houve um processo migratório de populações do Norte de Angola, como as várias vagas de pescadores, e essa expressão popularizou -se, daí derivando a palavra “Cacuaco” já nos finais do século XVIII. O actual município de um interposto comercial que ganhou a categoria de “Vila de Cacuaco” com o povoa-mento da população portuguesa no decurso dos anos 1960, durante o período colonial. A sua exten-são territorial ia até à actual comuna do Kikolo. 157 A palavra “Cazenga”, que dá nome ao município, é derivada do século XVIII. Tal como reza a história da sua origem, o termo foi usado em homenagem e honra do cidadão Pedro Guilherme Cazenga, cujo pai, Miguel Pedro Cazenga, havia imigrado do ex -Congo Belga para Angola no final do século e assen-tou arraiais com a família nessa região, que ia desde a Praça do Kinaxixi até à zona limítrofe com os denominados “bairros indígenas”. A data de 9 de Janeiro (de 1946), data do seu nascimento, foi insti-tuída para celebração da fundação do município pelas autoridades coloniais portuguesas.

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parte, o maior segmento social, ou seja, dos 5 aos 28 anos, ao passo que a população idosa, dado o avançar da idade, apresenta ‑se em menor número. As mulheres, com efeito, constituem 52% e os homens 48% do total da população municipal.

DENSIDADE POPULACIONAL DO PERIURBANO DE LUANDA

MunicípioPopulação

Densidade por municípioMasculina Feminina

Luanda1 030 224 1 077 424

18 1692 107 648

Belas521 733 543 373

10181 065 106

Cacuaco431 046 451 352

2828882 398

Cazenga423 909 438 442

23 307862 351

Total do PPL1581 376 688 1 433 167

27 1532 809 855

FONTE: CEIC, com base no INE, 2014. 158

Os dados ilustrados na tabela acima foram oficialmente apresentados na fase preliminar do Censo Geral da População e Habitação de Maio de 2014. Estes dados reflectem a densidade da população de Luanda até ao ano em que a operação censitária foi realizada. Trata -se, com efeito, de uma articulação da densidade populacional dos três municípios a que denominámos como sendo o periurbano de Luanda, partindo da costa Norte do litoral para a costa Sul, asso-ciando, pelo meio, o município do Cazenga que se situa no interior da província de Luanda. É assim um município de transição da população entre o centro urbano e o interior da periferia da cidade capital. Este fenómeno transitório, em parte, ajuda a explicar as razões que levaram a que o município do Cazenga tenha uma acentuada densidade populacional em relação aos outros dois municípios, nomeadamente o do Cacuaco e o de Belas.

A densidade populacional do município do Cacuaco, por sua vez, aumentou consideravel-mente nos últimos vinte anos, tal como já referido acima. As razões, em parte, para essa pres-são demográfica, quer em Cacuaco, quer no Cazenga, prendem ‑se com o prolongado conflito armado, sobretudo durante a década de 1990, pois vagas numerosas de populações de outras regiões do país procuraram refúgio e abrigo seguro e distante dos intensos combates na cidade

158 Periurbano de Luanda.

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capital. Uns, originários do Planalto Central, designadamente das províncias do Huambo e do Bié, fixaram residência no município do Cacuaco, havendo entre estes casos de migrações que se deram nos anos 60 devido às plantações de café nas regiões do Uíge, particularmente no Negage. Neste caso em particular muitas foram as pessoas que fizeram o percurso do Planalto Central a Luanda e vice ‑versa, fixando ‑se em Luanda devido ao eclodir da guerra de maior in-tensidade. Outros, por seu lado, originários da região Norte como as províncias do Uíge, Zaire, Cuanza Norte e Malanje, fixaram residência nos municípios do Cazenga e do Cacuaco, também em circunstâncias historicamente similares às do primeiro grupo. Temos a referir, por isso, que algumas migrações do Norte e do Planalto Central são anteriores aos anos 1990, ou seja, a fase mais intensa do conflito armado em Angola.

Houve, ainda assim, vagas mais recentes de deslocados do conflito armado que engrossa-ram os campos situados neste último, mais concretamente em algumas zonas que depois se converteram em bairros, tais como o Paraíso. Mais adiante, abordaremos esta questão.

9.4 Situação social dos três municípios do periurbano de Luanda

Neste ponto começaremos por abordar a situação social dos municípios de Belas, Cacuaco e Cazenga com vista a ilustrar os aspectos mais relevantes dos sectores da Saúde, Educação, Protecção Social, Água e Saneamento, Energia Eléctrica, Infra -Estruturas e Vias de Acesso.

9.4.1 Saúde

No periurbano luandense, nomeadamente nos municípios de Belas, Cacuaco e Cazenga, o sector da saúde (quanto à rede sanitária), apresenta o seguinte cenário:

REDE SANITÁRIA DE LUANDA

MunicípioPopulação

Unidade sanitáriaMasculina Feminina

Luanda Distritos 1 030 224 1 077 424

Ingombota

Maternidade Augusto Ngangula

Maternidade Lucrécia Paim

Centro de Saúde Boavista

Centro de Saúde da Ilha

CAJ

Centro de Saúde 7.o Dia

Maianga

Hospital Pediátrico

Hospital Josina Machel

Centro de Saúde da Polícia Nacional

Dispensário Anti‑TB

Centro de Saúde do Prenda

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MunicípioPopulação

Unidade sanitáriaMasculina Feminina

Luanda Distritos 1 030 224 1 077 424

Maianga

Centro de Saúde do Cassequel

Clínica do Exército

Centro de Saúde Alegria

Centro de Saúde da Maianga

Centro de Saúde do Catambor

Centro de Saúde do Rocha Pinto

Preventório da IERA

Kilamba Kiaxi

Hospital do Kilamba Kiaxi

Hospital da Divina Providência

Hospital Sanatório

Hospital Neves Bendinha

Centro de Saúde do Palanca I

Centro de Saúde do Palanca II

Rangel

Hospital Esperança

Hospital Américo Boavida

Centro de Saúde do Rangel

Centro de Saúde da Terra Nova

Centro de Saúde do Zangado

Samba

Centro de Saúde do Morro Bento

Centro de Saúde da Kinanga

Centro de Saúde São José

Clínica Multiperfil

Sambizanga

Clínica Castelo

Posto de Saúde Sol

Posto de Saúde Vitrona

Centro de Saúde Agostinho Neto

Centro de Saúde do Sambizanga

Centro de SEFAS (Odebrecht)

Centro de Saúde do B. Operário

Centro de Saúde Ngola Kiluanji

Centro de Saúde do São Pedro da Barra

CLIMED

2 107 648

Belas 521 733 543 373

Hospital Geral de Luanda

Centro de Saúde Chinguar

Centro de Saúde do Camama

Centro de Saúde do Chimbicado

continua

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MunicípioPopulação

Unidade sanitáriaMasculina Feminina

Belas521 733 543 373

Centro de Saúde Bondo Chapéu

Centro de Saúde do Benfica

Centro de Saúde Santa Maria

Centro de Saúde Kilamba I

Centro de Saúde Kilamba II

Centro de Saúde Ramiro

Centro Materno‑Infantil Wenji Maka II

Centro de Saúde do Mussulo

Posto de Saúde do Benfica

1 065 106

Cacuaco431 046 451 352

Hospital Municipal do Cacuaco

Centro de Saúde São Lucas

Centro de Saúde Cucucro

Centro de Saúde Kikilo

Centro de Saúde da Funda

Centro de Saúde AMEN (Privado)

Centro de Saúde Santa Teresinha (Privado)

Centro de Saúde S. Lucas (Privado)

882 398

Cazenga423 909 438 442

Hospital dos Cajueiros

Hospital Municipal do Cazenga

Centro de Saúde Asa Branca

Centro de Saúde Paz

Centra de Saúde Vila da Mata

Centro de Saúde Progresso

Centro de Saúde Hoji-Ya-Henda

Centro de Saúde 11 de Novembro

Centro de Saúde Siga

Centro de Saúde Cariango

Centro de Saúde IEBA (Privado)

862 351

Total do PPL1591 376 688 1 433 167

27 1532 809 855

FONTE: CEIC, com base no Jornal de Angola, 2012. s159f

159 Periurbano de Luanda.

continuação

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Apesar de a tabela da página anterior ilustrar a rede sanitária do periurbano e município de Luanda, a mesma careceria de actualização pelo facto de, ao longo dos últimos quatro anos, terem surgido outras unidades no sector da saúde. De qualquer forma, a informação nela apre-sentada continua a ser relevante.

Abordaremos em seguida a cobertura sanitária do periurbano de Luanda e do município de Luanda, faremos também uma breve caracterização das unidades sanitárias de referência localizadas nos três municípios, Belas, Cacuaco e Cazenga.

9.4.1.1 Cobertura sanitária

9.4.1.1.1 Hospital Geral de Luanda

Esta unidade sanitária situa -se no município de Belas, comuna da Camama. Fundada em 2006, no âmbito de uma linha de crédito de 8 milhões de dólares americanos concedidos pelo Governo da República Popular da China ao Governo de Angola, após quatro anos foi contudo encerrada devido a graves erros de construção.

Um edifício de dois pisos e 329 camas, mais 29 do que a capacidade anterior, foi reinau-gurado em 2014 depois de ter sido demolida a infra -estrutura e restruturada de raiz pela em-presa chinesa China Civil Engineering Group Co., LTD, – CTVE com todos os seus componentes, num espaço de 822 m2, mais 22 m do que a estrutura anterior. Esta instituição proporciona serviços de saúde nas seguintes especialidades: Medicina-Geral, Pediatria, Ginecologia, Obs-tetrícia, Planeamento Familiar, Consultas Pré -Natal, Cirurgia, Ortopedia, Cardialogia, Otorri-nolaringologia, Dermatologia, Acupuntura, Fisioterapia, Defectologia e Psicologia, bem como dispõe de um programa de controlo e atestagem do VIH/SIDA, Laboratórios de Análises, Ima-giologia, Hemoterapia e Farmácia, e de três ambulâncias doadas pelo Governo da República Popular da China.

Durante o período de restruturação os serviços hospitalares funcionaram nos arredores por 18 meses enquanto Hospital de Campanha e em 2011 os serviços foram transferidos para o quintal que albergava a estrutura em reconstrução, numa área provisória.

O Hospital Geral de Luanda é constituído pela seguinte estrutura médica: 42 médicos em di-ferentes especialidades, 155 enfermeiros e 82 técnicos de diagnóstico e terapêutica – segundo o responsável da instituição, números insuficentes perante o cada vez maior número de utentes que acorrem a esta instuição.

Esta unidade sanitária atende diariamente entre 650 a 700 utentes com diversas patologias. Somente em 2015 deram entrada no hospital cerca de 1500 pacientes com casos de malária, doenças diarreicas agudas e doencas respiratórias agudas, sobretudo de crianças dos 0 aos 6 anos de idade.

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O Hospital Geral de Luanda possui técnicos de manutenção de equipamentos e traduto-res chineses e alguns funcionários nacionais encontram -se em formação na China. O facto de os equipamentos se encontrarem catalogados em mandarim representou um grave problema para a direcção do hospital pois sem o domínio daquela língua não era possível trabalhar com os equipamentos.

9.4.1.1.2 Hospital Municipal do Cacuaco

Esta unidade sanitária, existente desde 2012, situa -se na parte Norte da província de Luanda. Possui 25 médicos em diversas especialidades, 47 enfermeiros, dos quais 8 nacionais e 17 de nacionalidade cubana, dispõe de um Banco de Urgência, Maternidade, Morgue e Laboratório. Esta unidade sanitária ao nível municipal atende diariamente cerca de 200 a 250 utentes.

9.4.1.1.3 Hospital dos Cajueiros

Fundado em 1988, situa ‑se no município do Cazenga e ao longo dos últimos anos beneficiou de obras de restauração. Esta unidade hospitalar de referência, do segundo nível no âmbito do Sistema Nacional de Saúde, atende diariamente cerca de 700 utentes num universo de 425 mil habitantes. Apresenta ainda a seguinte estrutura administrativa dividida em três edifícios: no primeiro edifício estão instalados os serviços de Urgência, Medicina, Cirurgia e Pediatria, no segundo funcionam os serviços de Internamento em Pediatria, Medicina e Cirurgia. No terceiro edifício funcionam os Serviços Ambulatórios e as Consultas Externas. A referida unidade conta ainda com cinco salas de Bloco Operatório, Banco de Urgência, Sala de Partos, Laboratório, Farmácia e área de Recuperação Nutricional para Crianças.

O Hospital dos Cajueiros funciona com uma equipa de 31 médicos e 330 enfermeiros, mas necessita de, pelo menos, 50 especialistas em diferentes áreas e 120 enfermeiros. Actualmente, dispõe de mais um médico do que em 2012 e nesse ano tinha cerca de 360 enfermeiros, com-parativamente com 2015 perdeu 30 técnicos de saúde. De acordo com a Direcção, a unidade sanitária tem no seu quadro cerca de 680 enfermeiros, mas somente metade destes efectivos se encontra em actividade, os restantes estão de baixa médica, sofrendo de doenças crónicas dando ou aguardando a reforma.

9.4.1.1.4 Hospital Municipal do Cazenga

Este hospital foi inaugurado em 2012 e situa -se no Bairro Kalawenda, comuna do Tala Hady, ocupando uma superfície de 3900 m2. Possui capacidade de 75 camas e a seguinte divisão ad-ministrativa: Banco de Urgência, Área de Consultas Externas, Pediatria (com capacidade de 20 camas), dois Blocos Operatórios, Maternidade, Morgue, Área Administrativa e um parque de estacionamento. Dispõe de uma equipa composta por 60 enfermeiros nacionais e 15 médicos de várias especialidades, dos quais 7 nacionais e 8 de nacionalidade cubana, contratados no

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âmbito da cooperação entre os Governos de Angola e da República de Cuba. O hospital tem assistido regularmente utentes com malária, doenças respiratórias agudas, acidentados com traumatismos provocados por acidentes de motorizada e de viação, sobretudo durante os fins‑‑de ‑semana, e alguns casos de ferimentos graves provocados por brigas domésticas ou entre jovens de bairros periféricos que fazem uso de objectos contudentes como facas, lâminas ou pedaços de garrafas. Os casos de enfermidades mais graves são encaminhados para as unida-des de referência localizadas no centro da província de Luanda.

Pelo menos duas das unidades sanitárias acima referenciadas foram criadas em 2012 no âmbito do Programa do Governo para a Municipalização dos Serviços de Saúde. São, por isso, unidades muito recentes no espaço da rede sanitária, cujo orçamento de manutenção está dependente das administrações municipais e do referido programa público com verbas espe-cíficas.

DESPESAS PÚBLICAS COM A SAÚDE DE LUANDA (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS) ENTRE 2005‑2015

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2005-2015.

A despesa pública para o sector da saúde, se por um lado tem registado crescimento con-siderável, por outro este tem -se feito gradualmente e com aumentos e reduções da dotação. Por exemplo, no intervalo entre os anos de 2005 a 2009 houve um triplo aumento desse valor, de 3378 em 2005, 9299 em 2007 e 9008 em 2008, ao passo que nos anos seguintes houve um aumento do valor orçamental substancial, de 17 142 em 2011 para 22 805 em 2013 e 28 117 em 2014. Os anos de 2006 e 2012, ano eleitoral, registaram as maiores reduções de orçamento, contrariamente a 2014, que continua a ser o ano de maior aumento quando comparado a 2005. De 2005 a 2011 houve um aumento de 13 764 milhões de kwanzas, ao passo que de 2011 a 2014 esse aumento foi de 10 975 milhões de kwanzas, menos 2789 do que no primeiro quin-quénio.

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CEIC / UCAN

DESPESAS DAS UNIDADES SANITÁRIAS DE REFERÊNCIA (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS) ENTRE 2009‑2015

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2009-2015.

O gráfico acima é ilustrativo do aumento das despesas com as unidades de saúde dos três municípios do periurbano luandense. As referidas unidades, de 2009 a 2015, beneficiaram de significativos aumentos da despesa do OGE. Por exemplo, o Hospital dos Cajueiros, do Cazenga, de 2009 a 2015, usufruiu de um aumento da verba de 1045 mil milhões de kwanzas, o Hospital do Kilamba Kiaxi, no mesmo período temporal, conheceu um aumento de 1237 mil milhões de kwanzas, ao passo que o Hospital Geral de Luanda, do município de Belas, beneficiou de um aumento de dotação de cerca de 759 mil milhões de kwanzas, o que corresponde, grosso modo, ao dobro das verbas para as respectivas unidades.

COBERTURA SANITÁRIA DO PERIURBANO DE LUANDA EM 2015

FONTE: CEIC, com base na ANGOP, 2015.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

Para além do que atrás foi exposto, segundo os órgãos administrativos dos três municípios que temos vindo a designar como constituindo o periurbano de Luanda, o município de Belas possui cerca de 35 unidades sanitárias dispersas pelas 7 comunas, das quais 29 são públicas ou comparticipadas e as restantes privadas. O município do Cacuaco, por seu turno, ainda segundo a administração, possui cerca de 19 unidades sanitárias: 1 hospital municipal público, 3 centros de saúde públicos de referência, 1 centro materno ‑infantil e 14 postos de saúde de proximidade. Quanto ao sector privado, o Cacuaco possui 30 unidades, das quais 2 clínicas, 1 consultório médico, 2 centros de saúde comparticipados e 25 centros médicos. Já o município do Cazenga possui 2 hospitais públicos de referência, 8 centros de saúde e 20 pequenas unidades sanitárias privadas espalhadas pelos bairros nos quais se inclui as das Igrejas, como a IEBA e outras.

A inexistência de dados mais actualizados sobre o total de unidades sanitárias por município e a ausência de dados relativos aos utentes para medir o seu nível de satisfação quanto ao aten-dimento, sobretudo do sector privado, não nos permite uma análise mais detalhada.

A verdade, porém, é que existem algumas insuficiências que essas unidades sanitárias, na maior parte pública, apresentam na prestação de serviços adequados aos seus utentes. A pri-meira das quais é a ausência de técnicos de saúde em número suficiente que permita fazer face às necessidades reais, para além da redução de recursos financeiros que se tem feito sentir e que tem afectado negativamente o sector da saúde em geral. Existem casos, nos três muni-cípios alvo deste estudo, em que algumas unidades funcionam com apenas um médico, ou, quando muito, dispõem apenas de enfermeiros que realizem todo o tipo de actividades, mes-mo as que exigem formação que não possuem. Acresce que alguns dos bairros pertencentes aos três municípios em análise não têm cobertura sanitária pública. As pessoas recorrem aos serviços de saúde privados e muitas das vezes em condições inedaquadas. São numerosos os casos de mortes por diagnóstico médico inadequado ou casos de pacientes em que em estado grave acabam por ser transferidos para as unidades sanitárias centrais. A falta de água canaliza-da regular, de energia eléctrica regular e a escassez de equipamentos adequados são também insuficiências que estas unidades apresentam.

9.4.1.2 Quadro epidemiológico

QUADRO EPIDEMIOLÓGICO DO PERIURBANO DE LUANDA EM 2015

FONTE: CEIC, com base nas Administrações Municipais, 2015.

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Tal como se verifica no restante país, o quadro epidemiológico do periurbano de Luanda apresenta, em 2015, sinais de alarme entre as principais doenças notificadas e as causas da taxa de mortalidade, sobretudo em crianças dos 0 aos 5 anos, e igualmente em idosos.

A malária destaca ‑se nesse filão, com 40% dos casos, e continua a ser a doença mais fre-quente, ocupando a posição principal no quadro das doenças mais notificadas, seguida das Doenças Respiratórias Agudas (DRA) com 16%, das Doenças Diarreicas Agudas (DDA) com 12%, da Febre Tifóide com 8%, do Síndrome Gripal com 7%, da Tuberculose com 5%, e das Doenças de Transmissão Sexual (DTS) e Sarampo, ambos com 3 pontos percentuais.

As restantes doenças notificadas perfazem no conjunto 3% do total, em que se incluem os casos de conjuntivite e schistosomíase.

O gráfico da página anterior é ilustrativo do quadro epidemiológico do periurbano de Luan-da, que não se diferencia da situação geral da província. A malária, tal como em outras partes de Luanda e mesmo do país, é a principal doença que atinge os agregados familiares, seguida das DDA, das DRA, da Febre Tifóide e do Síndrome Gripal.

De qualquer modo, a malária é a principal causa de mortalidade ao nível dos três muni‑cípios.

CASOS NOTIFICADOS E TRATADOS NO MUNICÍPIO DE BELAS EM 2015

FONTE: CEIC, com base na Direcção Municipal da Saúde de Belas, 2015.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

O gráfico seguinte ilustra a situação do município de Belas.

ÓBITOS POR DOENÇA NO MUNICÍPIO DE BELAS ENTRE 2013-2015

FONTE: CEIC, com base na Direcção Municipal da Saúde de Belas, 2015.

9.4.1.2.1 Malária

Tal como temos vindo a referir, entre os anos de 2013 a 2015, a malária surge como a princi-pal causa de mortalidade em Luanda, tal como em Belas. O segmento etário mais afectado por essa doença endémica tem sido o dos 5 aos 14 anos de idade, com cerca de aproximadamente 200 casos de mortes. A redução de casos em 2014 demonstra que quanto maior for a atenção dada os factores vectoriais, maior sucesso se poderá alcançar. A ocorrência de insuficiências no sistema, tais como: 1) fraca capacidade de resposta aos casos notificados por parte das unidades sanitárias de base; 2) negligência da doença por parte das populações, resultando na intervenção médica tardia e 3) ocorrência de outros sintomas que contribuem para dificultar o diagnóstico e ainda o surgimento de outras doenças com as mesmas características que a malá-ria criam constrangimentos aos doentes e às equipas médicas, agravados pelo grande fluxo de utentes, sobretudo no período chuvoso.

As DRA, a seguir à malária, destacam -se como a segunda maior causa de mortalidade entre 2013 e 2015, sendo as gripes, a pneumonia e o catarro os casos mais comuns.

Como ilustrado no último gráfico, as DDA são, ao nível do município de Belas e mesmo do Cacuaco e Cazenga, as doenças mais notificadas, depois da malária e das DRA. A cólera é a doença com maior incidência nas zonas periféricas, em consequência da falta de saneamento do meio durante e após épocas de chuva.

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CEIC / UCAN

9.4.1.3 Saúde materno ‑infantil

No que se refere aos cuidados de saúde materno ‑infantil registou ‑se, de 2013 a 2015, va-riações cíclicas dos casos notificados ao nível do município de Belas, conforme ilustra a tabela abaixo.

Indicador 2013 2014 2015

Grávidas – consultas pré-natal 68 025 64 395 72 034

Partos institucionais 10 396 7230 6604

Nados-vivos 10 131 7156 6533

Nados-mortos 160 73 71

Morte materna registada 0 (0,0%) 3 7

Morte materna institucional 0 (0,0%) 0 (0,0%) 0 (0,0%)

Mortalidade infantil institucional 0 (0,0%) 0 (0,0%) 0 (0,0%)

FONTE: CEIC, com base na Direcção Municipal da Saúde de Belas, 2015.

PROGRAMA DE SAÚDE POR MUNICÍPIO EM 2013

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL, 2013.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

MUNICÍPIO DO CACUACO: INFRA‑ESTRUTURAS DE SAÚDE

FONTE: CEIC, com base no Perfil do Município do Cacuaco, 2014.

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CEIC / UCAN

MUNICÍPIO DO CAZENGA: INFRA‑ESTRUTURAS DE SAÚDE

FONTE: Perfil do Município do Cazenga, 2011.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

9.4.2 Educação

Este ponto faz a análise do sector da educação no periurbano de Luanda, constituído pelos municípios de Belas, Cacuaco e Cazenga. Começaremos por uma apreciação da evolução da dotação orçamental do sector, seguida da análise do número de alunos matriculados ao nível de Luanda, da taxa de crescimento dos professores também ao nível da província, da cobertura escolar nos vários níveis de ensino por município e do número de crianças que se encontram fora do sistema regular de ensino, alguns dos quais para contornar os longos períodos que permanecem fora do sistema frequentam explicações próximo dos seus locais de residência.

DESPESAS COM A EDUCAÇÃO EM LUANDA NO OGE (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS) ENTRE 2005‑2015

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2005-2015.

O gráfico acima reflecte uma tendência evolutiva da dotação do orçamento alocado à edu-cação que desde o ano de 2007 foi registando algum crescimento, o que nem sempre se tra-duziu em ganhos reais para o sector. De 2005 a 2011, a dotação orçamental conheceu um aumento significativo, havendo, porém, redução em 2012, o ano seguinte à realização das ter-ceiras eleições gerais em Angola, quando a divisa do partido do Governo era “Crescer mais e distribuir melhor”. No quinquénio 2005 -2010 houve um aumento do orçamento na ordem de 20 800 mil milhões de kwanzas. Essa tendência de crescimento visível no início do gráfico vol-tou a verificar ‑se nos anos seguintes, com realce para o ano de 2013, em que houve o maior aumento do orçamento substancial, na ordem de 66 833 mil milhões de kwanzas, sendo que no espaço de um ano, de 2013 a 2014, esse valor diminuiu para 45 213 milhões, uma redução que correspondeu a 33 311 mil milhões de kwanzas.

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CEIC / UCAN

O gráfico seguinte visa ilustrar a evolução da verba destinada aos três níveis de Ensino Geral em Luanda.

DESPESAS COM A EDUCAÇÃO EM DIFERENTES NÍVEIS DE ENSINO (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS) ENTRE 2005‑2015

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2005-2015.

Como se pode verificar, houve um aumento substancial entre 2005 e 2015 ao nível do Ensino Primário, sendo que o mesmo não ocorreu nos outros dois níveis, que se apresentaram com aumentos e reduções oscilantes no mesmo período.

MATRÍCULAS POR NÍVEIS DE ENSINO EM LUANDA ENTRE 2009-2014

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL/DPEL/INE, 2013-2014.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

No que se refere às taxas de matrículas dos diferentes níveis de ensino da província de Luanda, podemos constatar uma certa evolução, ou seja, houve um crescimento do número de alunos no espaço temporal de 2009 a 2014, conforme ilustra o gráfico da página anterior. Mas devido à ausência de dados mais detalhados sobre as taxas de reprovação, aproveitamento, abandono escolar bem como de transição de Ciclos, é ‑nos difícil aferir se esse crescimento resulta necessariamente de novos ingressos ou não. O salto quantitativo que se pode verificar entre os anos de 2013 a 2014 é, por exemplo, notório no Ensino Primário, sendo que esse nível registou um aumento de alunos na ordem dos 769 949, ao passo que o 1.o Ciclo registou uma redução de 44 736 alunos, o que pode, ou não, ser resultado do processo normal de transição do 1.o para o 2.o Ciclo. Quanto ao 2.o Ciclo tem -se a registar um aumento do número de matrí-culas na ordem de 40 051 alunos em relação a 2013.

Importa referir que o número de matrículas ou de alunos a frequentar os três níveis de ensino em 2014, que constam do gráfico, foram extraídos dos Resultados Definitivos do Censo Geral da População e Habitação devido às insuficiências na recolha, o que não impediu obviamente que se fizesse o cruzamento com outras fontes públicas de informação tais como a Direcção Provincial de Educação de Luanda.

UNIDADES ESCOLARES DE BELAS

MunicípioPopulação

Unidade EscolarMasculina Feminina

Belas 521 733 543 373

Vila de Estoril

28 de Agosto

Nova Vida

Chimbicado

Mbondo Chapéu

Futungo de Belas

Kilamba

Bita Sapú

Luquembo

Sossego

Chinguar

Cabolombo

Partido

Benfica

Cateba

Tanque I

continua

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CEIC / UCAN

MunicípioPopulação

Unidade EscolarMasculina Feminina

Belas 521 733 543 373

Tanque Serra

Tanque II

Kididi

Tombo

Barra do Cuanza

Quenguela Norte

Wacongo

Lombo

Praia de Miradouro

Palmeirinhas

Buraco

Macoco

Mussulo Centro

Zanga

Zanga Mussulo

Prior Mussulo

Ponta da Barra

Bairro da Foz

FONTE: CEIC, com base na Administração Municipal, 2015.

9.4.2.1 Cobertura escolar

A cobertura escolar, conforme ilustra o mapa da página seguinte, é feita, na maior parte, no Ensino Primário, sendo que nos 1.o e 2.o Ciclos o crescimento de 2009 a 2013 é moderado, ao passo que o aumento significativo ocorreu de 2013 a 2015.

Ao nível do município do Cazenga, segundo o responsável da Repartição de Educação, a co-bertura escolar está organizada da seguinte forma: o mesmo possui um total de 286 escolas dis-tribuídas pelas três comunas, das quais 80 são escolas públicas, sendo 64 do Ensino Primário, 9 do 1.o Ciclo, 3 do 2.o Ciclo, 2 Institutos – 1 Politécnico e 1 Escola de Formação de Professores, 23 colégios privados e 183 escolas comparticipadas. As Escolas n.os 3001, 3045, 3046, 3061, 3073, 3078, 3079, 3080 e 3081 pertencem ao Ensino Primário, 1.o e 2.o Ciclos do Ensino Secundário. Regra geral as escolas do Ensino Primário, 1.o e 2.o Ciclos possuem uma capacidade que varia de 36 a 45 alunos e entre 6, 8 e 12 salas de aulas.

O município tem ainda 2494 professores e 731 técnicos‑administrativos que perfazem um total de 3225 funcionários do sector da educação a nível local. Já o responsável para a educação da província de Luanda assegurou que o sector tem actualmente 1,7 milhões de alunos nos diferentes níveis de ensino.

continuação

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

A escola do 2.o Ciclo do Cazenga, também conhecida como o PUNIV do Cazenga, possui 14 salas de aulas, 3 laboratórios e dispõe de 102 professores que leccionam em 3 turnos cerca de 2211 alunos. O seu quadro curricular é constituído pelos seguintes cursos: Ciências Humanas, Ciências Físicas e Biológicas e Ciências Económicas e Jurídicas. O PUNIV e a Escola de Formação de Professores, como mencionado acima, são as únicas instituições nesse nível de ensino exis-tentes no município.

MUNICÍPIO DO CAZENGA: UNIDADES ESCOLARES

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CEIC / UCAN

Quanto ao município do Cacuaco, segundo a administração municipal, este dispõe de todos os níveis de ensino, constituídos por 321 escolas, 31 colégios privados e 203 escolas comparti-cipadas.

No sector público regista-se um total de 87 escolas, sendo: 51 do Ensino Primário; 19 do En-sino Primário e do 1.o Ciclo do Ensino Secundário; 1 do Ensino Primário e do Ensino Secundário; 5 do 1.o Ciclo do Ensino Secundário; 4 do 1.o e 2.o Ciclos do Ensino Secundário; 4 do 2.o Ciclo do Ensino Secundário; e 2 antigos Institutos Médios, designadamente o Instituto Médio de Gestão do Kikolo (IMGK) e o Instituto Médio Politécnico do Cacuaco (IMPC).

No sector privado contabilizam -se 31 colégios, dos quais 7 do Ensino Primário; 11 do Ensino Primário e 1.o Ciclo; 4 do Ensino Primário, 1.o e 2.o Ciclos; 1 do 1.o Ciclo; 1 do 1.o e 2.o Ciclos; 1 do 2.o Ciclo; 3 do Ensino Primário, 1.o Ciclo e Ensino Médio‑Profissional.

No ano lectivo de 2014/2015 foram matriculados, ao nível do município do Cacuaco, um total de 197 127 alunos, dos quais 151 453 no Ensino Primário, 28 052 no 1.o Ciclo e 17 622 no 2.o Ciclo do Ensino Secundário. Do total de 197 127 alunos matriculados, 104 824 são do sexo feminino e 167 271 são do sexo masculino.

Desde 2013 que o sector contabiliza um total de 5049 professores, dos quais 2289 per-tencem ao sector público e 2760 aos ensinos privado e comparticipado, sendo 650 do Ensino Primário; 743 do Ensino Primário e 1.o Ciclo; 90 do Ensino Primário, 1.o e 2.o Ciclos; 204 do 1.o e 2.o Ciclos; 304 do 1.o Ciclo; 163 do Ensino Pré ‑Universitário e 135 dos Institutos Médios.

O sector privado e comparticipado possui 2760 professores, sendo que 2373 são das escolas comparticipadas do Ensino Primário, 387 estão vinculados nos colégios privados, dos quais 65 professores são do Ensino Primário; 113 do Ensino Primário, 1.o Ciclo; 118 do Ensino Primário, 1.o e 2.o Ciclos; 13 do 1.o Ciclo do Ensino Secundário; 23 do Ensino Pré -Universitário e 55 dos Institutos Médios.

Segundo a Repartição da Educação do Cacuaco os 2760 professores do sector privado e comparticipado têm vínculo contratual exclusivamente com as instituições às quais prestam serviços, não havendo qualquer envolvimento contratual com o Estado ao nível local.

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

MUNICÍPIO DO CACUACO: UNIDADES ESCOLARES

FONTE: CEIC, com base no Perfil da Administração Municipal do Cacuaco, 2014.

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CEIC / UCAN

O município de Belas, por seu turno, segundo a Repartição Local da Educação, tem 427 estabelecimentos escolares, dos quais 97 escolas públicas (mais 3 novas escolas previstas para o ano de 2016), 174 colégios privados e 153 escolas comparticipadas. Dos três municípios do periurbano de Luanda, à excepção do município de Luanda, o município de Belas é o que mais escolas possui, pelo menos 2 localizadas na centralidade do Kilamba. Não obstante a autonomia administrativa dessa cidade, é a Repartição da Educação de Belas que controla a Escola n.o 2014 e o IMIS, que aguarda atribuição do número por parte do Ministério da Educação. Quanto ao corpo docente, possui cerca de 2957 professores divididos entre os três níveis de ensino, desig-nadamente 1079 no Ensino Primário, 1105 no 1.o Ciclo e 773 no 2.o Ciclo do Ensino Secundário, respectivamente.

No ano lectivo de 2015 foram matriculados um total de 106 954 alunos, dos quais 1984 na Iniciação, 52 152 no Ensino Primário, 32 247 no 1.o Ciclo e 20 571 no 2.o Ciclo do Ensino Secun-dário.

COBERTURA ESCOLAR NO ENSINO PÚBLICO, PRIVADO E COMPARTICIPADO EM 2015

FONTE: CEIC, com base nas Administrações Municipais, 2015.

O gráfico da página seguinte é ilustrativo do crescimento que se observou no número de crianças fora do sistema de ensino. O município de Luanda é aquele que absorve maior número de crianças no espaço temporal de 2013 a 2015, seguido do município do Cacuaco.

Dos três municípios do periurbano de Luanda, o do Cacuaco é o que mais se destaca, se-guido do Cazenga e de Belas. Mas o que salta à vista é o facto de, no mesmo espaço temporal, os municípios de Belas e do Cazenga terem duplicado o número de crianças fora do sistema de

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RELATÓRIO SOCIAL DE ANGOLA 2015

ensino, com graves consequências sociais para as famílias e para o futuro dessas crianças num contexto de desequilíbrio orçamental e estrutural devido ao preço do petróleo, na medida em que o sector social é grandemente afectado com essa redução orçamental.

NÚMERO DE CRIANÇAS DE 6 ANOS OU MAIS QUE NUNCA FREQUENTOU A ESCOLA ENTRE 2013-2015

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL, 2015.

9.4.2.2 Corpo docente

Desde 2012 que o corpo docente dos três níveis de Ensino Geral tem registado um aumento moderado, sendo que o maior salto quantitativo foi em 2011. Os anos seguintes foram regis-tando reduções, contrariamente ao número de alunos, que foi aumentando de 2012 a 2014. De acordo com o responsável do sector para a província de Luanda, o sistema de nível local neces-sitava para o ano lectivo de 2015 cerca de 3600 professores para os diferentes níveis de ensino.

De 2009 a 2015 as necessidades do sector da educação de Luanda foram crescendo e devido à crise orçamental eclodida em 2014, o sector adiou a inserção de 1500 novos professores admitidos no mesmo ano, ao passo que para o ano 2015, ao invés de realizar novas admissões, optou ‑se, à última hora, pelo ajustamento ou recolocação de efectivos administrativos para a docência.

Significa dizer que relativamente a 2013, em que o sector contava com 28 433 professores, em 2014 houve um aumento de 1500 profissionais de educação.

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CEIC / UCAN

TAXA DE CRESCIMENTO DO NÚMERO DE PROFESSORES NO ENSINO GERAL EM LUANDA ENTRE 2009-2014

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL/DPEL, 2013.

9.4.2.3 Infra ‑estruturas escolares

O aumento do número de unidades escolares nos vários níveis de ensino é ilustrado pelo gráfico que se segue.

COBERTURA ESCOLAR POR NÍVEL DE ENSINO EM LUANDA ENTRE 2009-2013

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL/DPEL, 2013.

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Não obstante o aumento de salas, como se pode verificar no gráfico, a superlotação de alunos por sala de aula e o número de crianças fora do sistema de ensino são ainda alguns dos constrangimentos que precisam ser debelados para que se possa alcançar outros patamares ao nível do sistema em geral. Fica por saber, no entanto, qual tem sido a evolução do número de salas de aulas nos anos seguintes, isto é, de 2013 em diante, e qual o rácio aluno/sala de aulas ao nível dos três municípios e da província de Luanda em geral.

9.4.2.4 Principais constrangimentos

O sector da educação nos três municípios enfrenta:

1. Insuficiência de recursos financeiros para a compra de equipamentos e materiais, sobre-tudo no Ensino Primário.

2. Insuficiência do número de docentes, de técnicos‑administrativos, seguranças e auxilia-res de limpeza.

3. Ausência de escolas públicas do Ensino Primário, 1.o e 2.o Ciclos do Ensino Secundário em algumas zonas dos três municípios (por exemplo Wenji Maka II e Terra Vermelha, como veremos mais adiante).

4. Falta de transportes para o acompanhamento das unidades escolares nas comunas (por exemplo nas localidades do município de Belas: Benfica, Tombo, Kididi, Lombo, Wacongo, Bita, Mussulo e Ramiros).

5. Falta de inspecção escolar.

6. Inexistência da merenda escolar em quase todas as escolas dos três municípios.

7. Falta de energia eléctrica.

8. Falta de água potável.

9.4.3 Protecção social

O sector da protecção social, mais frequentemente designado por assistência, é crucial para permitir que as famílias carenciadas tenham o mínimo de apoio do Estado para viver. Não obs-tante esse princípio de justiça social, o certo é que no contexto nacional tem sido negligenciado ou pelo menos não merece a atenção devida.

A abordagem que se segue nos pontos seguintes é apenas panorâmica dada a escassez de informação. Assim sendo, inicia ‑se a exposição com a análise descritiva das despesas do Estado com esse sector e a partir daí medimos a sua importância, após o que fazemos uma breve descrição dos programas de apoio social e do número de pessoas assistidas por município, dos três em análise.

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DESPESAS COM A PROTECÇÃO SOCIAL NO OGE (EM MILHÕES DE KWANZAS) ENTRE 2008‑2015

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2008-2015.

As despesas com o sector da assistência social são muito díspares de ano para ano, para além da ambiguidade existente entre os programas de apoio social e das rubricas que apare-cem e desaparecem do Orçamento Geral do Estado.

O gráfico anterior e o gráfico abaixo ilustram um período cíclico de aumento e redução des-sas verbas, onde se destacam os anos de 2012 e 2013 que registaram maior aumento, ao passo que nos anos seguintes registaram -se substanciais reduções, quer das despesas do sector, quer do programa de apoio social, um complemento dessa mesma verba central.

DESPESAS COM O PROGRAMA DE APOIO SOCIAL DE LUANDA NO OGE (EM MIL MILHÕES DE KWANZAS) ENTRE 2010‑2015

FONTE: CEIC, com base no OGE, 2010-2015.

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No gráfico seguinte podemos verificar o número de pessoas que beneficiaram de apoio social no ano de 2012 no periurbano de Luanda, não obstante as limitações financeiras que geralmente afectam esse sector. A impressão com que se fica é a de que um maior número de idosos terá beneficiado de assistência social, seguido das crianças e dos portadores de defi-ciência. A inexistência de mais dados não nos permite fazer uma análise mais detalhada, pois necessitaríamos de outras variáveis para aferirmos da eficácia dos apoios. Um dado relevante patente no gráfico é o de que o apoio social varia conforme o atendimento disponibilizado por cada município. Se por um lado o município de Belas apoiou mais crianças, por outro, os idosos foram os mais beneficiados no município do Cazenga, ao passo que em Cacuaco houve uma distribuição mais ou menos equiparada entre os vários segmentos sociais.

Seguramente, de entre os três municípios, o do Cazenga foi o que dedicou menos atenção às crianças, o que pode corresponder ou a escassez de recursos financeiros alocados pelo OGE, ou por negligência dos órgãos sociais, ou ainda por falta de cadastragem das famílias, pois o que não falta nesses municípios são crianças pertencentes a famílias carenciadas que necessitam de apoio dos fundos sociais públicos.

NÚMERO DE PESSOAS ASSISTIDAS POR MUNICÍPIO EM 2012

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL, 2013.

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CEIC / UCAN

9.4.4 Água e saneamento básico

O sector de abastecimento de água potável à cidade de Luanda está organizado da seguinte maneira:

ENQUADRAMENTO DO SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA À CAPITAL DO PAÍS

FONTE: Matoso, Baptista, 2013.

Estações de Tratamento de Água (ETA) do periurbano de Luanda:

• Candeladro • Kifangondo • Kinaxixi

• Luanda Sul • Luanda Sudeste • Bom Jesus

• Kikuxi

Centros de Distribuição:

• Benfica • Cacuaco • Cazenga

• Maianga • Marçal • Palanca

• Talatona • Morar • Viana

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ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ÁGUA DO PERIURBANO DE LUANDA EM 2013

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL, 2013.

MUNICÍPIO DO CACUACO: SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA

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MUNICÍPIO DO CAZENGA: ACESSO A ÁGUA POTÁVEL

FONTE: CEIC, com base no Perfil do Município do Cazenga, 2011.

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9.4.5 Energia eléctrica

O sector da energia eléctrica, ao nível dos três municípios, apresenta ‑se da seguinte forma:

FONTE: CEIC, Relatório de Energia de 2011.

O gráfico acima visa dar uma ideia genérica sobre a capacidade de energia eléctrica de que dispõe a província de Luanda, embora reportando o Relatório de Energia de 2011, sendo que quatro anos depois a realidade alterou ‑se substancialmente pois continuamos a registar insu-ficiências graves no sector de fornecimento, quer para os agregados, quer para as empresas.

Há, contudo, zonas de Luanda que ainda registam a inexistência de sistema de fornecimento de energia, essencial para o desenvolvimento das comunidades, das empresas, das famílias e do indivíduo.

No caso da rede de fornecimento de energia do município de Belas, a mesma é feita através de postos de transformação, vulgo Pts públicos e privados, que correspondem a um total de 102 Pts públicos com capacidade de 1000 kV/400 comunidades. O total de consumidores de energia eléctrica ronda aos 32 800 habitantes. Em Agosto de 2012 foram instalados mais quatro Pts nos bairros Simione, Mbondo Chapé e Benvindo, com a capacidade de 1000 kV. O municí-pio, para além dos Pts, dispõe igualmente de quatro subestações eléctricas de média tensão, das quais duas estão em funcionamento e as restantes estão em fase de conclusão.

Quanto ao município do Cacuaco, dados de 2008 dão conta de que existem 11 Postos de Transformação de Distribuição de Energia nas três comunas, dos quais 1 na comuna da Funda, 5 na comuna sede e igual número na comuna do Kikolo. Não obstante algum trabalho de manu-tenção e da instalação de outros Pts ao nível dos bairros, a situação de fornecimento de energia eléctrica ainda não é satisfatória para a generalidade dos municípios.

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Já o município do Cazenga, segundo a administração municipal, até 2011 a rede eléctrica beneficiava cerca de 58% da população inquirida, sendo que, em termos de capacidade instala-da, o sector dispunha de 125 Postos de Transformação, dos quais 23 na comuna do Tala Hady, 34 na comuna do Cazenga Popular, 49 na comuna do Hoji‑Ya‑Henda e 19 Pts não identificados.

De uma forma geral, a capacidade de energia instalada ao nível dos três municípios, como referido atrás, ainda está muito aquém das reais necessidades, sendo que o maior nível de con-sumo dessa energia destina ‑se aos pequenos electrodomésticos tais como televisores, rádios e essencialmente para iluminação, deixando de parte o consumo para os frigoríficos e conge-ladores, que exigem maior capacidade de refrigeração. Em muitas dessas zonas, a população residente enfrenta enormes dificuldades para conservação de alguns géneros alimentares, tais como legumes, carnes e outros, acabando por se deterioraram pouco tempo depois, o que exige o seu consumo imediato.

SUBESTAÇÕES DE ENERGIA ELÉCTRICA DE LUANDA EM 2013

N.o SubestaçãoPotência instalada

(MVA)Localidade Fonte de alimentação

1 Belas 2x20 Belas SE Camama 220/60 kV

2 Benfica 2x20 Patriota/Belas SE Camama 220/60 kV

3 Boavista 2x40 Sambizanga CT Barcaça

4 Chicala Móvel 1x20 Ingombota SE Boavista 60/15 kV

5 Cuca 2x40 Cazenga SE Cazenga 220/60 kV

6 Edifício Sede 1x40 Sambizanga SE Boavista 60/15 kV

7 Estalagem 2x20 Viana SE Viana 220/60 kV

8 Estrada de Catete 1x40/1x20 Rangel SE Cuca 60/15 kV

9 Filda 2x40 Cazenga SE Filda 220/60 kV

10 Golfe 2x40 Kilamba Kiaxi/Camama SE Camama 220/60 kV

11 Kilamba I 4x40 Centralidade do Kilamba SE Camama 220/60 kV

12 Kilamba II 4x40 Centralidade do Kilamba SE Camama 220/60 kV

13 Kifangondo 2x20 Cacuaco SE Cacuaco 220/60 kV

14 Kinaxixi 1x40 Ingombota SE Boavista 60/15 kV

15 Maianga 2x40 + 1x20 Maianga SE Cuca 60/15 kV

16 Móvel de Cacuaco 1x20 Centralidade de Cacuaco SE Cacuaco 220/60 kV

17 Mutamba 2x40 Ingombota SE Cuca 60/15 kV

18 Ngola Kiluanji 2x20 Cazenga SE Cazenga 220/60 kV

19 Nova Vida I 2x40 Kilamba Kiaxi SE Camama 220/60 kV

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N.o SubestaçãoPotência instalada

(MVA)Localidade Fonte de alimentação

20 Ramiros 1x20 Belas SE Camama 220/60 kV

21 Sapú 1x20 Viana SE Camama

22 Talatona 2x40 Belas SE Camama 220/60 kV

23 Viana/Caop 2x20 Viana SE Viana 220/60 kV

24 Vila de Viana 2x20 Viana SE Viana 220/60 kV

25 Zango 2x20 Viana SE Viana 220/60 kV

26 Zango II 1x40 Viana SE Viana 220/60 kV

27 Pangila 1x20 Pangila/Bengo SE Kifangondo

28Caminhos‑de‑Ferro de Luanda

1x40 Cazenga CT CFL

29 Morro Bento 1x20 Samba CT Morro Bento/SE Talatona 60/15 kV

30 Cacuaco Móvel 1x40 Cacuaco SE Cacuaco 220/60 kV

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL, 2013.

POTÊNCIA INSTALADA POR MUNICÍPIO (EM MW) EM 2012

FONTE: CEIC, com base no PD-GPL, 2013.

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9.5 Estudo de caso: situação social dos bairros Wenji Maka II, Paraíso e Terra Vermelha

QUADRO HISTÓRICO DOS BAIRROS

Designação Ano de fundação

Motivo antes da fundação

Densidade populacional

Superfície territorial

Divisão admi-nistrativa Órgãos locais Infra‑

‑estruturas

Paraíso 1999/2000

Lavras/Cam-po de assen-tamento de deslocados de guerra

180 000160 –

11 sectores (1, 2a, 2b, 3a, 3b, 4,

5, 6a, 6b, 7 e 8)

Comissão de Morado-res, Igrejas, Associações

cívicas

Escolas (públicas, privadas e comparti-cipadas), Posto de

Saúde, Posto da polícia, Chafarizes, Pts, EDEL

Terra Vermelha 1998

Campos de cultivo agrí-cola/Lavras/Aterro sani-

tário

30 000 – Sectores 18, 19 e Zona C

Comissão de Moradores,

Igrejas

Hospital Municipal

nos arredo-res, escolas

privadas e compar-ticipadas, Esquadra móvel da

polícia, Pts

Wenji Maka II 2003/2004

Campos de cultivo agrí-cola/Lavras

22 000 – 5 quartei-rões

Comissão de Morado-res, Igrejas, Associação

Civil

Escolas públicas e

alguns priva-dos, Centro Materno- ‑Infantil, Postos

privados, Esquadra da polícia nos arredores, EDEL, Pts

FONTE: CEIC, com base nas Comissões de Moradores/Igrejas/Associações, 2016.160

Wenji Maka II

O Bairro Wenji Maka II, designação em kimbundu que em português significa “Problemas no Negócio”, é um bairro localizado a Sul de Luanda, na comuna da Camama, município de

160 Este dado não é consensual, pois há instituições do bairro que apresentam um número mais ele-vado; outras já um número mais reduzido. Optámos por este último tendo como base o recurso de orientação geográfica da organização Development Workshop, que realiza pesquisas periódicas no município do Cacuaco e em alguns bairros em que se inclui o do Paraíso. Estima-se que a população do Bairo do Paraíso até 2006 contabilizava 34 200 habitantes; em 2008, 65 136 habitantes; em 2010, 106 556 habitantes e, provavelmente, em 2015 estima-se que tenha 180 000 habitantes.

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Belas. Compreende mais de 267 hectares de extensão, com cerca de 22 000 habitantes. O seu surgimento como bairro periférico remonta a 2003, sendo que outrora a zona era um conjunto de várias lavras de pequenos camponeses. Eram no total 275 camponeses, destes 85% eram mulheres e cada qual possuía entre 0,5 a 2 hectares de terra. A transformação da área em bairro residencial foi motivada por um conflito de terras em 2003 que opôs, naquela altura, um membro da Igreja Católica aos camponeses. Como forma de evitar que ficassem sem as suas terras, grande parte dos camponeses foi construindo e vendendo partes de terrenos a outros particulares. Um ano após o conflito, a comunidade resistiu e venceu a batalha, estabelecendo aí residências, passando a ser classificadas pela SOS ‑HABITAT como “comunidade consolidada”.

O bairro está estruturado em diversas ruas e 5 quarteirões. Cada quarteirão tem um re-presentante na Comissão de Moradores e compreende entre 20 a 30 famílias. Os moradores elegem os seus representantes à Comissão de Moradores, que na sua fundação contava 18 membros (7 mulheres e 11 homens), mas que factualmente é constituída por apenas 5 pessoas, todos homens. Grande parte dos associados acabaram por desistir da actividade não remune-rada para se dedicar ao comércio e outras formas de sustento familiar.

A referida Comissão de Moradores representa os mesmos junto das autoridades da comuna e encaminha os problemas para os serviços públicos como a Administração Municipal e a Polícia e trata de assuntos ligados à comunidade tais como falta de água, de electricidade, segurança, violência doméstica (presta serviços de aconselhamento e encaminha os problemas para a po-lícia), saneamento básico, entre outros.

A população é caracterizada como sendo pobre, sendo que cerca de 70% obtém rendimen-tos precários, ou seja, insuficientes para um mês de sustento familiar. O perfil de pobre parti-lhado é de um chefe de família que não consegue o suficiente para comprar comida que chegue para um mês e não consiga ou tenha os filhos matriculados nas escolas públicas ou privadas.

Em cada 10 agregados familiares, 4 serão liderados por mulheres, sendo 5 o número médio de filhos por agregado. As mulheres, em geral, praticam o pequeno comércio à porta de casa, na zunga (ou venda ambulante) ou em mercados informais. Entre os homens também é comum o pequeno comércio, também há uma parte que se dedica ao serviço de táxi, trabalha nas pe-dreiras e serralharias.

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Paraíso

Antes de se transformar em zona residencial, o Bairro do Paraíso161 era constituído por lavras ou campos de cultivo da cintura agrícola dos arredores de Luanda. A partir de 1992 foi registado como campo de acolhimento para os deslocados da guerra civil que, fugindo da vio-lência nas suas zonas de origem, encontraram em Cacuaco abrigo seguro. Tais deslocados de guerra faziam parte de uma vaga de outros tantos que iniciaram deslocações para a província de Luanda no final dos anos 80 e início dos 90, vindos de vários locais do país. O grupo de des-locados que formou o Bairro do Paraíso tinha sido transferido para essa zona em 1992, depois de terem permanecido por algum tempo no campo de acolhimento da Boavista, actualmente distrito urbano do Sambizanga162.

A fundação e oficialização desse bairro como zona residencial deu ‑se após uma visita do antigo governador de Luanda, Anibal Rocha, que decidiu dar por encerrado o campo de assen-tamento de deslocados de guerra em 2000. Imediatamente depois, iniciou -se o processo de ocupação definitiva dos terrenos e da delimitação geográfica do bairro, na medida em que as primeiras moradias eram essencialmente tendas de papelão ou de chapas de zinco. Em 2001, dado o problema de segurança devido aos níveis de criminalidade, constitui ‑se o grupo de de-fesa civil – uma forma derivada do período de partido único – formado por moradores que tinham como objectivo garantir a segurança do recém ‑criado Bairro do Paraíso em pequenos agrupamentos que rondavam sobretudo durante a noite.

O Paraíso é um dos 15 bairros da comuna do Kikolo, uma das mais populosas do município do Cacuaco, dividido em 11 sectores (zonas), sendo que cada sector comporta entre 5 -8 quar-teirões. Situado em Cacuaco, o Paraíso faz fronteira com o município de Viana. Geograficamente está localizado a Noroeste da cidade de Luanda e estima ‑se que, segundo a administração mu-nicipal, tenha 9000 km2 e cerca de 180 000 habitantes.

A sua população é maioritariamente de origem ou proveniente das províncias do Huambo, Bié e Benguela e também minorias do Bengo, do Cuando Cubango e do Uíge, sendo uma das suas principais particularidades a de albergar um número significativo de ex ‑militares da UNITA, actualmente desmobilizados. O Bairro do Paraíso depende da administração da comuna do Kikolo. No seu interior tem uma Comissão de Moradores, que é dirigida por um coordenador do bairro e este, por sua vez, é auxiliado em cada sector por um responsável denominado vogal.

161 Segundo fontes populares, o nome do bairro resulta do deslocamento da frase muito divulgada pelas autoridades para conter as ocupações ilegais “Para com isso”, em alusão à paralisação das obras de construção residencial, que ficou popularizada como “Paraíso” (veja -se: Waldorff, P., The Informa‑lity City: Candonga, Governamentality and Corruption in Post ‑Conflict Luanda, tese de doutoramento, McGill University, Montreal, Canadá, 2014). 162 Ver Robson, Paul & Roque, Sandra, Aqui na Cidade nada Sobra para Ajudar: Buscando Solidarie‑dade e Acção Colectiva em Bairros Periurbanos de Angola, Luanda: Development Workshop, Ocasional Paper n.o 3, 2001, pp. 50 -63.

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Um aspecto de particular relevância é que as instituições públicas começaram a surgir no Bairro do Paraíso em 2004, três anos depois da constituição da primeira Comissão de Mora‑dores.

Terra Vermelha

O surgimento do Bairro da Terra Vermelha está intrinsecamente associado à agricultura, saneamento e marginalidade social. A maior parte do território que configura o bairro actual-mente era pequenas lavras, utilizadas para a prática agrícola, enquanto a zona onde se encontra instalado o Centro Sagrada Família pertencente à Igreja Católica e arredores serviam de aterro sanitário do município do Cazenga. Actualmente, passados alguns anos, os vestígios do aterro sanitário ainda são visíveis, pois, à mínima escavação que seja feita no subsolo, surgem à super-fície quantidades consideráveis de lixo.

O Bairro da Terra Vermelha terá surgido em 1998 num processo de ocupação pacífica e gradual dos terrenos pelas populações vindas do interior do país, na condição de deslocados de guerra, em busca de segurança e melhores condições de sobrevivência material na capital. No ano 2000 as lavras deixaram definitivamente de existir no território do actual Bairro Terra Ver-melha, como consequência imediata da venda das parcelas de terra pelos seus antigos proprie-tários aos deslocados, porém a maioria deles adquiriu os terrenos de forma gratuita, através da distribuição dos espaços livres feita pelas Comissões de Moradores. Assim, os deslocados são considerados os primeiros ocupantes do actual Bairro da Terra Vermelha. O mesmo é habitado maioritariamente por populares da província de Malanje que partilham o mesmo espaço com populares minoritários provenientes das províncias do Cuanza Norte, Cuanza Sul, Huambo e Bié. A sua densidade é tão alta que não restam espaços no bairro para actividades desportivas ou de lazer. Apesar das particularidades da sua configuração geográfica, o território é geologi-camente marcado por zonas elevadas e valas.

A designação oficial não é Terra Vermelha, esta é usada frequentemente pela população local devido à cor vermelha do terreno, sobretudo característica do seu solo, comum à zona norte do bairro nos arredores da lixeira. Apesar disso, porém, a designação do bairro é bastante popular e caracteriza um espaço geográfico com uma extensão considerável, ultrapassando os limites político ‑administrativos oficiais, pois uma parte da Terra Vermelha localiza ‑se no Bairro Kalawenda, adstrito à comuna do Tala Hady – Cazenga e a outra pertencente ao Bairro Cazenga Popular. A via estruturante não asfaltada que se encontra no local e informalmente denomi-nada “TV, Igreja, Casa de Chapa” delimita longitudinalmente as duas parcelas do Bairro Terra Vermelha, nomeadamente a do Tala Hady, que se estende até à vizinhança com o Bairro da Bananeira, e a do Cazenga Popular, que vai até à linha divisória com o Bairro Comandante Bula, pertencente ao município do Cacuaco.

O território da Terra Vermelha situa -se na comuna do Cazenga Popular e compreende a zona 18 e a outra parcela do bairro o sector 19, zona C, sendo cada parcela controlada por um

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coordenador do bairro163. Não se sabe ao certo se essas Comissões de Coordenação de Mo-radores são eleitas como resultado de processos democráticos ou indicadas pelos órgãos da administração local do Estado, porém, é notória a proximidade com as estruturas do partido do Governo, que por vezes se confundem umas com as outras. A interacção entre as autoridades políticas locais, sobretudo as colocadas ao nível da comuna de Tala Hady e a população local do bairro não é visível, o que, provavelmente, pode ser indicativo de distância política entre Governo e governados.

O MPLA é o partido que em termos de actividades políticas de mobilização domina no bairro. A existência de outras formações políticas da oposição é bastante insignificante164.

De uma forma geral, os três bairros acima referidos surgiram no âmbito da expansão da cidade de Luanda, devido essencialmente à pressão demográfica que se verificou desde o fim da década de 1980 e início dos anos 1990, em que a população era maioritariamente constituída por deslocados de guerra que se fixaram na cidade capital à procura de segurança e melhores condições de vida, originários de várias regiões do país. Para além da pressão demográfica, outro factor que esteve na base do surgimento desses três bairros relaciona ‑se fundamental-mente com os conflitos de terra, demolições forçadas, expropriação e transferência da popula-ção sinistrada e em zonas de risco.

9.5.1 Educação

O sector da educação nos três bairros do periurbano luandense, apesar das omissões quanto ao segmento privado por falta de dados, encontra -se organizado como documentado na tabela abaixo. 165

ESTABELECIMENTOS DE ENSINO POR BAIRRO EM 2015

N.o Estabelecimento de ensino Comuna Localidade Níveis

de ensinoNúmero de

salas Regime de ensino

1 Escola n.o 2020 Camama Wenji Maka II Primário e 1.o

Ciclo 16 Público

2 Amor e Paz Camama Wenji Maka II Primário, 1.o e 2.o Ciclos 27 Privado

3 Escola n.o 4040165 Kikolo Paraíso Primário 6 Público

163 Segundo informação recolhida, os bairros são administrados por coordenadores, embora divirja da categoria de “Presidente”, constatada num documento oficial por este assinado. 164 Esta matéria deve ser aprofundada. 165 Construída com patrocínio do Fundo de Apoio Social (FAS).

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N.o Estabelecimento de ensino Comuna Localidade Níveis

de ensinoNúmero de

salas Regime de ensino

4 Escola n.o 4055166 Kikolo Paraíso Primário 12 Público

5 Escola n.o 4070 – “PUNIV” Kikolo Paraíso 2.o Ciclo 16 Público

6 Escola n.o 4074167 Kikolo Paraíso Primário e 1.o Ciclo 17 Público

7 Escola n.o 4091168 Kikolo Paraíso Primário 12 Público

8 Escola n.o 173 – AKM169 Kikolo Paraíso Primário e 1.o

Ciclo 6 Comparticipado

9 Escola Havemos de Voltar, n.o 103 Kikolo Paraíso Primário e 1.o

Ciclo 6 Comparticipado

10 Escola n.o 3073 – IEBA

Cazenga Popular

Terra Vermelha Primário – Comparticipado

11 A Luz do Mundo – Adventista

Cazenga Popular

Terra Vermelha

Primário, 1.o e 2.o Ciclos – Comparticipado

12 Tira Luto Cazenga Popular

Terra Vermelha

Primário e 1.o Ciclo – Privado

13 Colégio Cazenga Popular

Terra Vermelha Primário – Privado

14 Escola da Nazaré – Católica

Cazenga Popular

Terra Vermelha Primário – Comparticipado

FONTE: CEIC, com base na Administração Municipal, 2015. 166 167 168 169

A Escola n.o 2020 é a única instituição pública do Ensino Primário localizada no Bairro Wenji Maka II, situa -se concretamente no quarteirão IV e foi fundada entre 2008/2009. Com 16 salas de aulas, 1 gabinete para a Direcção, 1 sala de professores em mau estado de conservação, casas de banho para uso dos alunos e professores e uma quadra para a prática de futebol. A infra -estrutura é a única pública no bairro, como já referimos, e encontra -se vandalizada e em estado de degradação. O terreno onde se ergueu a escola foi cedido pela Igreja Católica ao Estado para esse efeito.

Quanto ao seu funcionamento, a escola dispõe de um corpo docente composto por 30 pro-fessores e cerca de 20 funcionários administrativos, incluindo o pessoal de segurança. Dispõe

166 Idem.167 Construída com o patrocínio da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA).168 Idem.169 Escola pertencente à Associação dos Kassules da Maculusso, num conjunto de quatros outros cen-tros espalhados por Luanda. Foi a primeira escola comparticipada a surgir no Bairro do Paraíso, em 2000, para fazer face à demanda das crianças das famílias deslocadas.

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igualmente de uma população estudantil de cerca de 2852 alunos, divididos em 2 turnos (da manhã e da tarde), maioritariamente originária do bairro, havendo também muitos casos de estudantes dos vários bairros adjacentes, como o Bita e outros.

Esta instituição alberga dois programas públicos do sector da educação, nomeadamente o Programa de Educação de Adultos, que faz uso das instalações em dois turnos e dispõe de 7 salas de aulas, com um universo de cerca de 350 alunos, e o Programa de Ensino Especial, com cerca de 5 salas de aulas, numa infra -estrutura própria anexa às instalações principais. O lixo é depositado na porta principal da escola, junto à via Calemba II – via Expressa. É de referir que têm ‑se registado vários casos de vandalismo por parte de jovens residentes no Bairro Wenji Maka II e assaltos aos estudantes durante a circulação de pessoas, facto que está na base da inexistência do turno da noite.

O Colégio Amor e Paz foi um primeiro projecto privado que surgiu no Bairro Wenji Maka II devido à inexistência de escolas públicas com os dois níveis de ensino. Fundado em 2007, abriu portas com cerca de 700 alunos em dois turnos (da manhã e da tarde), dispondo de 27 salas e, dada a necessidade manifestada pelos moradores do bairro, criou -se então um terceiro turno que funciona no período nocturno. Desde o ano passado que vem registando uma redução do número de alunos devido sobretudo à carência de recursos financeiros por parte das famílias. Ainda assim, segundo o seu director, existe um projecto para a abertura, no próximo ano, de um Programa de Ensino Médio de Saúde.

A população estudantil do Colégio Amor e Paz é fundamentalmente originária de outros bairros (sobretudo do Golfo II e arredores da comuna da Camama) em cerca de 60%, enquanto apenas 40% são originários do bairro e de famílias de renda baixa, havendo muitos casos de estu-dantes que beneficiam de redução de uma propina não superior a 10 000 kwanzas e há ainda um total de 15 a 20 alunos provenientes de famílias mais carenciadas, como viúvas ou órfãos que, por ordem do proprietário, têm isenção do pagamento das propinas até à finalização do curso ou transição de um ciclo para outro. Este caso é mais frequente com os alunos do 1.o Ciclo do Ensino Secundário. O director desta instituição manifestou desconhecer as actividades da Comissão de Moradores no bairro, alegando que não se vêem os resultados do seu trabalho. O lixo, tal como na Escola Pública n.o 2020, é depositado em frente à estrada principal de ligação à comuna da Camama e do Bairro do Calemba II. Outro problema apontado foi o das águas estag-nadas, causadoras de inúmeras doenças, sobretudo às crianças. Não existe água canalizada no colégio, sendo que o mesmo tem um tanque reservatório. Esta instituição tem registado vários casos de assaltos por parte de jovens residentes no Bairro Wenji Maka II, sobretudo durante o período nocturno, enquanto o deporto e a recreação são praticados na quadra da escola.

O Bairro do Paraíso tem 6 escolas públicas, designadamente as Escolas n.os 4040, 4055, 4070, 4074 e 4091 do Ensino Primário e do 1.o Ciclo do Ensino Secundário (da 7.a à 9.a classes) e uma escola pública do Ensino Primário (da 1.a à 6.a classes). A Igreja tem uma escola do Ensino Primário até ao 1.o Ciclo do Ensino Secundário. Existem ainda várias escolas privadas (vulgo

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colégios) de estrutura pequena e geralmente do Ensino Primário, bem como um número consi-derável de escolas comparticipadas.

O PUNIV do Paraíso é a Escola do Ensino Secundário n.o 4070, a única instituição pública a este nível existente no Bairro do Paraíso; foi inaugurada em 2013, dispondo de 12 salas de aulas com capacidade para 45/50 alunos, funcionando em três turnos (manhã, tarde e noite). Em 2015 finalizaram os cursos cerca de 600 alunos, alguns dos quais ingressaram em algumas Universidades da Região Académica n.o 1, ou seja, de Luanda. Essa instituição do 1.o e 2.o Ciclos dispõe igualmente de um universo de 1600 alunos divididos pelos três turnos e de 53 profes-sores, dos quais apenas 3 são do sexo feminino. A referida instituição dispõe de um total de 26 funcionários administrativos, havendo carência de pessoal de limpeza. A maior parte quer dos professores, quer do pessoal administrativo não reside no bairro, é originária de diversas zonas de Luanda.

Segundo a Direcção, a escola foi muito mal construída e inadequadamente equipada, sobre-tudo a rede eléctrica e a montagem dos laboratórios, o que tem originado a sua não utilização devido a problemas técnicos. Outro aspecto importante a referir tem que ver com a escassez do orçamento para fazer face à gestão desta unidade escolar.

A população estudantil do PUNIV do Paraíso é maioritariamente originária de diversas zonas do município do Cacuaco, com maior destaque para o Paraíso, Bairro da Pedreira, Belo Monte e dos arredores da sede do município. A delinquência e o fenónemo da gravidez precoce ao nível da população feminina são apontados como causas para o abandono escolar, associadas à carência de muitas famílias no que à alimentação diz respeito, o que tem provocado casos de tuberculose e outras doenças do foro nutricional em alguns alunos. O lixo é depositado junto à vala de drenagem das águas residuais, na parte lateral do edifício. Não existe serviço de recolha de resíduos sólidos. A referida instituição dispõe de um tanque reservatório de 50 000 ml. A falta de vias de acesso tem dificultado o trabalho dos técnicos de educação, havendo mesmo casos de professores que abandonaram os postos de trabalho. A escola não dispõe de energia eléctrica pública, depende de um gerador. A mesma tem registado nos seus arredores altos índices de delinquência entre os jovens pertencentes ao bairro devido, sobretudo, às taxas elevadas de desemprego e desocupação, visto que o bairro não dispõe de infra -estruturas so-ciais das mais básicas, que ocupem os jovens e adolescentes. Não obstante, dispõe de serviços de protecção e conta igualmente com o apoio da brigada escolar durante os três turnos, com maior realce para o nocturno. Para a prática de desporto e espaços de recreação a escola dispõe de uma quadra.

Quanto à Escola n.o 4074, a mesma foi inaugurada em 2010, fruto da parceria entre o Ministério da Educação e a Agência de Cooperação Internacional do Japão, Japan International Cooperation Agency (JICA), órgão do Governo japonês vinculado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. A infra ‑estrutura apresenta traço arquitectónico visivelmente japonês, é construí-da em três naves de dois pisos cada. A Escola n.o 4074, entretanto, iniciou actividade com o

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Programa de Ensino de Adultos, dada a necessidade do bairro, e pouco tempo mais tarde pas-sou a funcionar em três turnos (manhã, tarde e noite). É a única escola de Ensino Básico do bairro responsável pela certificação da maior parte dos colégios privados e das escolas compar-ticipadas existentes no Paraíso170. Possui 17 salas de aulas e uma sala para professores, gabi-netes para os directores e uma secretaria, situadas em dois pisos, dispondo de 51 professores, dos quais 5 são mulheres. Deste total de professores, apenas 3 (2 senhoras e 1 senhor) residem no Bairro do Paraíso e têm a seu cargo, por turma, em média, 45 alunos, outras vezes a procura faz ultrapassar o número exigido. O número de professores é insuficiente para as necessidades compatíveis com um ensino razoável.

A escola pública dispõe de um total de 5 funcionários administrativos (1 director, 1 director ‑ ‑adjunto, 1 chefe de secretaria e 2 técnicos de secretaria), havendo carência de pessoal de limpeza de forma a cumprir as regras estabelecidas. A maior parte quer dos professores, quer do pessoal administrativo não reside no bairro, são originários de diversas zonas do Cacuaco e de Luanda.

A população estudantil da Escola n.o 4074 é originária do Paraíso, Pedreira e do Belo Monte, com cerca de 2761 alunos, dos quais 1477 do sexo masculino e 1284 do sexo feminino, com ida-des compreendidas dos 6 aos 17 anos. A delinquência e as gravidezes precoces são apontadas como as causas do abandono escolar de alguns rapazes e raparigas. Dos 2761 alunos, 857 per-tencem ao Ensino Primário, enquanto os 1904 fazem parte do 1.o Ciclo do Ensino Secundário. Há casos de crianças que frequentem os primeiros níveis de ensino sem estarem devidamente registadas, ou seja, não têm qualquer registo civil. Nestes casos, muito frequentes na maior parte das estruturas escolares, as direcções têm de arranjar formas de manter os alunos até determinados ciclos, pressionando e dando tempo para que os pais registem os seus filhos. Outras vezes, a solução encontrada pelas respectivas Direcções das escolas e dos colégios passa pela não certificação dos alunos finalistas.

O lixo é depositado junto da vala de drenagem das águas residuais, não existe serviço de recolha dos resíduos sólidos. A escola possui um tanque reservatório de água de 15 000 ml, não dispõe de energia eléctrica pública e depende de um gerador. Dispõe de 2 seguranças, devido aos altos índices de delinquência existentes entre os jovens pertencentes ao bairro, chegando mesmo a registar ‑se casos de agressões físicas e roubos de bens. O desporto é praticado numa quadra que está em reconstrução.

O Programa Público da Merenda Escolar nunca esteve em funcionamento e como conse-quência disso, devido às carências registadas por parte da população do bairro, muitos alunos vão para a escola sem comer e passam a maior parte do tempo com fome, o que está na base, dentre outras razões, do abandono escolar e dos altos níveis de insucesso escolar.

170 A maior parte das escolas privadas e comparticipadas existente no Bairro do Paraíso são de cons-trução precária e o tipo de ensino praticado é visivelmente inadequado.

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A situação da educação no Bairro da Terra Vermelha, situado na comuna do Cazenga Po-pular, é da não existência de qualquer escola pública, havendo apenas duas escolas primárias comparticipadas e duas escolas privadas, designadamente a Escola Primária da Nazaré, perten-cente à Igreja Católica, e a Escola do Ensino Primário n.o 3073, pertencente à Igreja Evangélica Baptista em Angola (IEBA); dois colégios – Colégio A Luz do Mundo, sob domínio da Igreja Ad-ventista do Sétimo Dia, que lecciona o Ensino Primário, 1.o e 2.o Ciclos, e Tira Luto, que lecciona o Ensino Primário e 1.o Ciclo, e um outro colégio no mesmo nível de ensino. Com efeito, as populações reclamam a construção de uma escola pública, considerando as possibilidades que uma instituição do género oferece às famílias mais desfavorecidas na escolarização das suas crianças de forma gratuita.

Para além das escolas formais, o bairro possui várias salas de explicação até à 4.a classe e unidades escolares situadas nos bairros vizinhos, onde um número considerável de crianças do bairro também estuda. Existe, entretanto, um número de crianças fora do sistema de ensino que residem no bairro171, sendo o principal motivo para o não prosseguimento dos estudos a falta de interesse das crianças e a desmoralização dos pais.

Cada unidade escolar tem a sua tabela de propinas, mas em termos gerais os valores que são cobrados não são exorbitantes. Sabe -se que o valor mais alto que se cobra na 12.a classe não excede os Kz 5000,00. A Escola Primária da Nazaré pratica a sua própria tabela de propinas, ilustrada na tabela abaixo. Os pais e/ou encarregados de educação conseguem honrar os seus compromissos, embora algumas vezes se registem alguns atrasos.

PROPINAS DA ESCOLA PRIMÁRIA DA NAZARÉ (BAIRRO DA TERRA VERMELHA)

Categoria Valor em Kz

Matrícula 950,00

Confirmação 750,00

Propina referente à 1.a classe 500,00

Propina referente à 2.a classe 600,00

Propina referente à 3.a classe 700,00

Propina referente à 4.a classe 800,00

Propina referente às 5.a e 6.a classes 1000,00

FONTE: CEIC, com base em dados empíricos.

A Escola do Ensino Primário n.o 3073 regista pouca frequência por parte dos alunos, alega-damente por duas razões principais: pouco interesse dos pais e/ou encarregados de educação

171 Dado não consensual.

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em escolarizar as suas crianças e a sua fraca capacidade financeira para custear as propinas cobradas na escola. A Terra Vermelha do Kalewenda, contrariamente à outra parte, possui uma escola pública de Ensino Primário.

Importa referir que a maior parte das escolas do periurbano de Luanda, as do Cacuaco, Cazenga e Belas, contaram com o apoio de organizações nacionais e internacionais para a sua construção, reabilitação, aquisição de equipamentos e fornecimento de materiais didácticos, como é disso exemplo o Fundo de Apoio Social, órgão adstrito ao Ministério de Administração do Território de Angola, e da Agência de Cooperação Internacional do Japão, órgão vinculado ao Governo do Japão172, bem como da UNICEF. São, por isso, os exemplos das escolas primárias do Bairro do Paraíso.

Um problema não menos importante que as escolas dos respectivos bairros enfrentam tem que ver com o facto de muitos alunos, como mencionado anteriormente, não possuírem re-gisto de nascimento devido quer à irresponsabilidade dos pais, quer à incapacidade do Estado em dar resposta à questão, pois em algumas dessas localidades do periurbano de Luanda não existe posto de registo. Ou seja, há responsabilidades partilhadas entre encarregados de edu-cação das crianças e a omissão ou incapacidade do próprio Estado. As escolas são forçadas a encontrarem estratégias para se ultrapassar essa situação, que se torna mais dramática quan-do, ao fim de algum tempo, nas vésperas da transição de ciclo ou ainda na finalização do ciclo, se registam alunos sem identidade reconhecida pelo Estado que terminam os ciclos escolares sem serem certificados.

9.5.2 Saúde, água e saneamento básico

De acordo com um estudo levado a cabo por algumas organizações internacionais em certas zonas periféricas de Luanda, nas quais se incluem os municípios do Cacuaco, Cazenga e de Viana e o distrito urbano do Sambizanga, até 2012 existiam nesses locais 263 chafarizes173 que beneficiavam cerca de 21 700 pessoas, das quais 3500 no Bairro do Moxico em Viana, 7 no bairro da Pedreira e cerca de 11 000 pessoas no bairro do Paraíso, ambos pertencentes à co-muna do Kikolo, município do Cacuaco. De acordo com o mesmo estudo, dos 263 chafarizes, pelo menos 15174 estão localizados no Bairro do Paraíso e o seu funcionamento, no global, era assegurado por 17 associações de gestão de chafarizes e 168 zeladores. Em média, segundo o mesmo estudo, são servidas 700 pessoas por chafariz. Calcula -se que actualmente esse número

172 Relatório do Estudo de Desenho Básico para o Projecto de Construção de Escolas Primárias na Pro‑víncia de Luanda (Fase II), JICA, Janeiro de 2005.173 Dados originários da base estatística da organização Development Workshop.174 Os dados sobre os chafarizes instalados são muitas vezes divergentes, pois a Comissão de Mora-dores tem reportado um número superior a três dezenas, embora reconheça que a maior parte não está em funcionamento.

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tenha reduzido em razão das alterações ao nível da gestão do sector das águas e da capacidade de operação da EPAL e do facto de muitos dos chafarizes estarem avariados e sem qualquer plano de recuperação desses equipamentos.

À semelhança do que acontece um pouco pelos municípios em Luanda e não só, a falta de manutenção e de cuidados com o meio no Bairro do Paraíso, e segundo a própria unidade gestora, dos 63 chafarizes aí instalados somente 3 ou 4 estão em pleno funcionamento mas em mau estado de conservação, o que significa, contudo, que a maior parte das famílias consome água dos camiões -cisternas que circulam pelo bairro e cujo preço é muito mais elevado se com-parado com o praticado nos chafarizes públicos. Ou seja, a falta de água potável regular e cor-rente a partir de equipamentos públicos e canalizada em cada domicílio fez emergir uma certa economia da água em muitos bairros da província de Luanda, fenómeno que se reproduziu e se reproduz pelo país adentro175.

O Bairro Wenji Maka II dispõe de água canalizada em algumas casas, muito embora a maior parte dos moradores não tenham celebrado um contrato com a empresa pública de água para beneficiar do sistema de canalização doméstica (a maior parte compra água aos vizinhos). O Bairro Wenji Maka tem um perfil epidemiológico muito semelhante ao dos restantes da cidade de Luanda. Tem apenas um Centro Materno ‑Infantil. Muitos casos de doenças que surgem no bairro estão associados ao consumo água sem qualquer tratamento. Como nos disse um dos moradores mais antigos do bairro, ”muitos populares bebem a água directamente das tornei-ras”. O lixo, por seu turno, é depositado na vala de drenagem junto à estrada principal, outras vezes é enterrado ou queimado no interior das ruas ou casas. A maior parte das residências dispõe de latrinas, não havendo esgotos para a drenagem das águas residuais e domiciliárias.

O Bairro do Paraíso não tem hospital público com capacidade para atendimento da sua nu-merosa população, dispõe de um Posto de Saúde Público de pequenas dimensões, construído pelo Fundo de Apoio Social (FAS) em 2004, que funciona somente durante o período diurno, ou seja, até às 15 horas. No período nocturno, os moradores que não têm recursos financeiros e sem transportes recorrem ao Hospital Municipal do Cacuaco em casos de doenças graves. Não se sabe ao certo quantos postos de saúde privados existem no bairro, apenas se pode aferir que a maioria, senão todos, funcionam em condições precárias. Outros populares, de acordo com o responsável pela Comissão de Moradores, recorrem ao tratamento caseiro ou aos curandei-ros, uma vez que o posto de saúde público não tem médicos, apenas enfermeiros que tratam de quase todo o tipo de enfermidades. Tal cenário é mais dramático para as parturientes, pelo facto de não existir sequer uma parteira no Posto de Saúde do Paraíso.

175 MDGIF – Identification and JP Status Governance of Water and Sanitation in Angola’s Poor Neigh‑bourhoods, Luanda, ILO, IOM, UNDP e UNICEF, 2012. Ver também, Matoso, Mariana, Baptista, Cupi, et al., Modelo Comunitário de Gestão de Água: Um Estudo sobre a Evolução das Associações dos Comités de Águas, seus Insucessos e sua Sustentabilidade Futura, Development Workshop & Nottingham Uni-versity, 2013.

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UNIDADES SANITÁRIAS NOS TRÊS BAIRROS

Município Unidade sanitária Comuna Localidade Capacidade de

atendimentoNível de

atendimento Regime Nível da unidade

BelasCentro

Materno--Infantil176

Camama Wenji Maka II

50 a 60 utentes por dia

Precário/ /Regista-se enchente

Público 1

Cacuaco Posto de Saúde177 Kikolo Paraíso 40 utentes por

dia

Precário/ /Regista-se enchente

Público 1

Cazenga Hospital Municipal178

Cazenga Popular

Terra Vermelha

200 utentes por dia

Precário/ /Regista-se enchente

Público 2

FONTE: CEIC, com base nas Comissões de Moradores, 2015. 176 177 178

O excerto seguinte resume a situação aflitiva enfrentada por essa unidade sanitária: ”na saúde estávamos bem até a febre -amarela aparecer. Estamos numa situação mal. Os óbitos au-mentaram, o posto de saúde não dispõe de médicos, nem espaço para as pessoas se manterem de pé. Também houve óbitos durante as chuvas. Vai haver muitos óbitos que a febre -amarela está a fazer. Tem mais óbitos do que arcas”179.

O bairro também não tem água canalizada, embora exista, desde há dois anos, um plano de contingência para levar água a várias moradias. Até ao momento, as populações abastecem ‑se em chafarizes e camiões -cisternas.

Segundo o responsável da Comissão de Moradores, o Bairro do Paraíso possui 15 chafarizes espalhados pelos 11 sectores, mas apenas 2 ou 3 estão em pleno funcionamento. A população residente, sobretudo as senhoras e crianças, acarretam água a partir de camiões ‑cisternas que abastecem alguns reservatórios localizados em pontos específicos. Os preços praticados com a venda de água por cada balde variam de 5 a 10 kwanzas.

Desde o início da década de 2000, por altura da transformação da zona de assentamento de deslocados em zona residencial, que o bairro beneficiou da construção de fontanários e chafa-rizes para uso público. Alguns desses meios foram construídos pela Comissão de Moradores e populares do bairro; outros, como os fontanários ou reservatórios de água, foram construídos a partir de um projecto patrocinado com fundos da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), instituição presente em muitas outras zonas periféricas e rurais do país. Este projecto,

176 Construído em 2009 com o patrocínio da AGIP – Azienda Generale Italiana Petroli/ENI – Ente Nazi‑nale Idrocarbuni, com sede em Roma e fundado em 1926.177 Construído com o patrocínio do Fundo de Apoio Social (FAS), em 2004.178 Construído em 2012 pela empresa de construção civil portuguesa Somague, com fundos público--privados.179 Interlocutor do Bairro do Paraíso, Kikolo, Cacuaco.

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globalmente, já disponibilizou milhares de dólares americanos em diferentes áreas sociais tais como a educação, saúde, água e saneamento do meio pelo país adentro180.

No Bairro do Paraíso, o saneamento básico é assegurado pela Comissão de Moradores que juntamente com os restantes moradores e com o auxílio de meios motorizados fazem a limpeza do bairro. Acontece, porém, que esse mecanismo não tem sido tão eficaz quanto se pretendia, havendo por isso zonas do vasto território que não são cobertas por serviços de limpeza e que apresentam situações preocupantes: por exemplo, junto à Escola n.o 4070, também conhecida como PUNIV do Paraíso, existe uma vala de drenagem das águas residuais que tem servido de local para depósito de quantidades consideráveis de lixo e a escassos metros dessa vala encontra -se um chafariz onde sobretudo senhoras e crianças recolhem água para consumo diário; ainda, o aproveitamento dos charcos resultantes da água desperdiçada do chafariz mis-turada com lixo para banhos ao ar livre por parte das crianças e sem a mínima protecção dos pais. O quadro epidemiológico das doenças que frequentemente assolam o Paraíso, tal como a generalidade da periferia luandense, que afecta essencialmente crianças, resulta de uma as-sociação entre águas estagnadas não drenadas, ambiente propício à criação e reprodução de mosquitos, e lixo acumulado não recolhido.

FONTES PÚBLICAS DE ÁGUA DO BAIRRO DO PARAÍSO

FONTE: Development Workshop and Waldorff, 2014.

180 Os projectos de financiamento não -reembolsáveis da JICA – Agência de Cooperação Internacio-nal do Japão – já beneficiaram várias zonas do país no abastecimento de água potável por camiões--cisternas; construção de reservatórios de água e chafarizes; construção e reconstrução de escolas; fornecimento de equipamentos escolares e materiais didácticos, formação de recursos humanos nas áreas da educação e da saúde e de manutenção dos equipamentos e aproveitamento dos recursos hídricos. Actualmente, há uma carteira de projectos para a recuperação, reconstrução e formação de recursos humanos e equipamento para os portos da costa nacional, a exemplo do porto do Namibe, onde teve início o programa. Os locais beneficiados com a construção e equipamentos escolares e abastecimentos de água potável são: Luanda (municípios do Cacuaco, Cazenga, Maianga, Kilamba Kiaxi, Samba, Viana), Bengo, Benguela, Huambo, Cuanza Sul, Moxico, Uíge e Zaire.

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O Bairro da Terra Vermelha tem nos seus arredores o hospital municipal, denominado “Hos-pital Municipal do Cazenga”, construído pela empresa portuguesa Somague. Por esta razão, por vezes também é chamado pela população local “Hospital da Somague”. Nos primeiros dias após a sua inauguração, tinha a preferência da população local, mas pouco tempo depois deixou de assim ser devido à qualidade do atendimento aos utentes que ali recorriam, sendo que a única excepção era a secção de maternidade.

Este bairro não possui nenhuma unidade sanitária pública, mas tem vários postos de saúde privados. A população recorre a estas unidades para receber cuidados primários de saúde e os casos mais graves são transferidos para as unidades municipais ou centrais da província de Luanda. O atendimento, entretanto, é considerado “bom porque as pessoas pagam o seu dinheiro, são uma espécie de clínicas dos mais carenciados”. Os valores que se praticam são razoáveis no quadro geral, variando de acordo com a unidade e com a natureza do caso do paciente. As doenças mais frequentes no bairro são principalmente a malária, seguida das diar-reias agudas. Relativamente ao Hospital Municipal do Cazenga, os casos que esta unidade não consegue dar encaminhamento adequado são transferidos para o Hospital Municipal dos Ca-jueiros ou para o Hospital Central Américo Boavida, dependendo da sua natureza e gravidade, mas que nem sempre é possível devido à falta de transportes.

Quanto à água, inicialmente a população dependia de camiões -cisternas e da água adqui-rida nos chafarizes do bairro vizinho do Cacuaco que era transportada para as residências dos moradores através de kupapatas, pagando um valor variável de cerca de 3 bidões de 20 litros a Kz 100,00. Em 2009 instalaram ‑se alguns chafarizes públicos que mais tarde foram desactivados e em 2013 iniciou o projecto que resultou na extensão da rede de abastecimento ao domicílio.

No fim do ano passado foi possível concluir que o projecto teoricamente confere aos mo-radores do bairro o direito de usufruírem de água canalizada no domicílio. Na prática, porém, não tem sido assim, pois têm ‑se registado com regularidade rupturas no sistema e o tempo a repará -las é demasiado. A população passa mais tempo sem abastecimento de água no domicí-lio do que o contrário. Ainda não se sabe o quadro real dos custos desse serviço, pois não têm sido feitas cobranças aos beneficiários do consumo, podendo, por esta razão, este ser conside-rado um período de experiência.

O bairro tem problemas sérios de saneamento básico, com destaque para a existência de águas estagnadas nas vias de acesso devido à falta de esgotos e de constantes focos de lixo no principal mercado local. Um dos nossos interlocutores admitiu que as duas parcelas do bairro es-tavam limpas naquele preciso momento, contrariamente ao passado recente, em que a parcela do Cazenga Popular se encontrava bastante suja, apesar da existência de um carro para recolher o lixo.

Actualmente, contudo, as famílias residentes na zona do Cazenga Popular têm depositado o lixo produzido nos domicílios no principal mercado local, onde é recolhido por uma empresa181.

181 O nosso interlocutor não soube identificar o nome da empresa nem a eficácia do seu trabalho.

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A mudança de atitude dos populares resultou de um trabalho de sensibilização que a coorde-nação do bairro levou a cabo. A outra parte do lixo é depositada numa vala182 e quando chove os detritos são arrastados pela força das águas para a costa marítima do município do Cacuaco. Esta situação tem impacto directo na saúde das populações, registando -se como resultado dis-so, com regular frequência, casos de malária, febre tifóide e diarreias.

9.5.3 Energia eléctrica

O Bairro Wenji Maka II tem fornecimento de energia eléctrica (com dois Pts públicos e dois comparticipados), apesar disso, nem todos os moradores têm beneficiado do sistema de distri-buição doméstica ao domicílio (tendo como alternativa as “puxadas” ou o vulgo “gato”). Situa-ção similar ocorre no Bairro do Paraíso onde, apesar de possuir alguns postos de transformação privatizados, o fornecimento de energia é precário para alguns que têm contrato e inexistente para a maior parte das pessoas que aí residem.

Quando ao Bairro da Terra Vermelha, a deficiente situação de fornecimento de energia eléc-trica facilita a delinquência juvenil. Ali, cerca de 25% dos jovens não estuda, preferindo a busca de dinheiro fácil183. Segundo as entidades religiosas, não há segurança no bairro nem se circula à vontade, sobretudo durante o período nocturno, em que com frequência têm ‑se registado vítimas desta delinquência184. Alguns desses casos são assaltos perpetrados por jovens associa-dos a casos de violações a mulheres, em especial a jovens raparigas. Para além da zona residen-cial, os bairros vizinhos também são afectados por estes altos índices de delinquência juvenil.

A falta de energia eléctrica, por conseguinte, tem favorecido a prática desses delitos noctur-nos, facto que comprova que nas zonas onde há iluminação pública regular há menor índice de criminalidade e vice -versa, tal como defendem os moradores. Um número bastante limitado de moradores do Bairro Terra Vermelha tem acesso a energia, ao passo que a maior parte dos re-sidentes está privada desse direito ou possui insuficiência financeira para custear esse serviço, quando ele existe. Assim sendo, os moradores recorrem a soluções alternativas como o uso de geradores, exclusivamente no período nocturno devido aos custos do combustível. Existe, porém, um estreito segmento da população que usa como fonte de iluminação os candeeiros incandescestes e as velas (com um custo mais reduzido comparativamente com o combustível – gasolina).

182 A referida vala constitui a linha divisória entre o Bairro Angolano e a Terra Vermelha do Cazenga Popular.183 A quantificação percentual é questionável pois o nosso interlocutor fê -la de forma aleatória, por isso, este dado é usado com cautela. 184 Possivelmente, o primeiro interlocutor tinha dramatizado o quadro de segurança no bairro, ape-sar do outro ter reconhecido que a partir das 23h00 é perigoso circular no bairro.

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O consumo de droga e álcool é alto no seio da juventude, factor que tem contribuído para o agravamento de acções de delinquência no bairro. Para fazer face à situação, em contrapar-tida, existe apenas um Posto de Polícia na Terra Vermelha, comuna do Cazenga Popular, que depende da unidade policial de um outro bairro, com 6 ou 7 agentes que não têm conseguido satisfazer as necessidades de policiamento devido sobretudo à falta de iluminação e à extensão geográfica. Na parte do Bairro da Terra Vermelha pertencente à localidade do Kalawenda existe uma unidade policial junto à escola pública de construção provisória, cuja acção tem sido insu-ficiente para conter a criminalidade. Muito, provavelmente, se existisse no mínimo 3 Postos de Polícia com um maior número de efectivos para cada uma das divisões do bairro, maior eficácia haveria na contenção da criminalidade que se regista naquele bairro185.

No Bairro da Terra Vermelha registam ‑se de igual modo alguns casos de violência doméstica, em especial violência física contra as mulheres. Situação similar também ocorre no Bairro Wenji Maka II, onde a Comissão de Moradores regista os casos e participa ‑os imediatamente à polícia sem, no entanto, fazer qualquer seguimento dessas denúncias. Ao passo que no Paraíso a maior parte dos casos merece uma certa atenção das Igrejas, as quais limitam -se, no essencial, ao trabalho de aconselhamento dos casais no sentido de adoptarem uma postura conciliatória em desfavor da ruptura dos lares, já que as vítimas directas são as crianças.

9.5.4 Comércio, infra ‑estruturas e vias de acesso

A situação socioeconómica do Bairro do Paraíso não é diferente dos demais, pois as famílias que ali residem são maioritariamente de renda baixa ou precária, sendo que a maior parte dos homens tem como emprego a segurança privada, são pedreiros, serralheiros, taxistas, com um salário médio de 25 000 Kz e as mulheres exercem principalmente o comércio informal à porta de casa, nos mercados ou praças ou ainda de forma ambulante – são, vulgo, zungueiras. Os jovens, por sua vez, são na maioria desempregados, sendo que alguns praticam actividades de moto ‑táxi ou são taxistas (condutores de viaturas ligeiras ou semi ‑colectivas). Para além do desemprego e do facto de a maior parte da população se dedicar ao comércio informal, outro grave problema apontado pelos agregados familiares e instituições (das poucas que existem no Bairro do Paraíso) tem que ver com a mobilidade de pessoas e bens, ou seja, relaciona -se com as vias de acesso mesmo no interior do bairro. O Bairro do Paraíso encontra -se isolado dos restantes que constituem o município do Cacuaco por falta de vias de acesso, ao passo que as existentes estão intransitáveis devido às chuvas que se abatem sobre Luanda, sobretudo na zona norte, e às fortes correntes do mar.

185 Em anos passados a acção da Polícia de Investigação Criminal, vulgo DNIC, para conter a criminali-dade no bairro usava o método de execução sumária dos delinquentes considerados altamente peri-gosos. As críticas feitas pela população à acção da polícia fez com que estes revissem os seus métodos, porém, nessa altura houve uma certa redução não duradoura do índice de crimes praticados.

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O nível de desemprego é alto, como ilustrativo dessa situação, por exemplo, a paróquia da Terra Vermelha, pertencente à IEBA, num universo de 270 membros apenas um o está formal-mente. A Igreja tem ‑se ressentido dessa situação pois confronta ‑se com insuficiência financeira para acelerar o processo que está em curso de construção do templo para gestão corrente e para responder aos desafios da comunidade em redor.

No emprego formal, a maior parte dos homens do bairro trabalha em empresas de segurança privada como guardas, alguns são ex ‑combatentes mas que não beneficiam da pensão. Uma franja considerável destes está empregada no sector da educação como professores nas escolas comparticipadas; destes, pouquíssimos estão inseridos na Função Pública. A percentagem de ho-mens empregada no sector da defesa e segurança como militares e polícias é bastante reduzida.

A maior parte das mulheres moradoras no bairro são empregadas domésticas, prestando este tipo de serviço nas residências das vilas que se situam próximo do bairro. Outras, pelo con-trário, e em número relativamente considerável, dedicam ‑se ao comércio informal nos mercados de proximidade, como o Kikolo, o Kwanzas, o Asa Branca e o Trinta e nos 3 mercados locais186. Uma percentagem mínima de mulheres vende nas bancas montadas à porta de casa ou em pequenos estabelecimentos comerciais, vulgo cantinas. A mercadoria que as mulheres reven-dem, quer nos mercados locais, quer nas bancas e cantinas é adquirida nos mercados de Kikolo, Kwanzas, Asa Branca e Trinta, por isso tidos como os seus principais fornecedores grossistas.

Situação similar ocorre no Bairro do Wenji Maka II, onde as mulheres se dedicam à venda de diversos produtos à porta de casa ou no mercado junto à via principal Camama -Calemba II. As mercadorias são adquiridas nos armazéns grossitas situados ao longo da estrada do Calemba II, num movimento caótico de pessoas e viaturas que fazem serviços de táxi. A poucos metros da estrada do Calemba II, que divide o Bairro Wenji Maka II e o do Calemba II e Bita, localiza -se um dos principais mercados onde homens e mulheres praticam actividade comercial.

No Bairro da Terra Vermelha, por sua vez, existem também cantinas pertencentes a imi-grantes da África Ocidental, vulgo “Mamadús”187. Estes desenvolvem as suas actividades com bastante insegurança devido à delinquência que afecta o bairro. As cantinas são regularmente assaltadas pelos jovens delinquentes188 e a acção destes não poupa as instituições religiosas, a exemplo da paróquia da IEBA, localizada no Bairro da Terra Vermelha, que já foi assaltada por três vezes consecutivas, resultando na perda do património da Igreja.

O bairro é dividido por duas vias principais, ambas não asfaltadas, com excepção da via do bairro Malueka, que possui um troço bastante curto que é asfaltado, o qual vai de Pólvora até um

186 Para além do mercado principal, de referenciar o Salox, situado na fronteira com o Cacuaco, e o da Bananeira, localizado igualmente na fronteira com o bairro da Bananeira. 187 Pequenos comerciantes originários do Mali, Senegal ou da Mauritânia.188 Este dado não é consensual.

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pouco mais em frente a uma ravina. As demais vias, no entanto, não estão asfaltadas. A via que liga o bairro da Terra Vermelho ao mercado do Asa Branca encontra -se intransitável há já algum tempo. Durante o período chuvoso essas vias tornam ‑se intransitáveis e os transportes particula-res de passageiros, vulgos candongueiros, são inacessíveis, o que obriga que as pessoas procurem alternativas em camiões antigos, sobretudo militares, e em carrinhas para se fazem transportar.

Os táxis semi ‑coletivos, vulgo candongueiros189 e as motorizadas de duas e três rodas, res-pectivamente, também desempenham um papel importante no transporte de pessoas e mer-cadorias ao longo de vários pontos do município, deslocações que se dão no interior e para o exterior do bairro. As motorizadas de duas rodas destacam -se no transporte de pessoas, en-quanto as de três rodas, vulgo kupapatas, dedicam ‑se quase exclusivamente ao transporte de mercadorias diversas e de pequenas dimensões. As motorizadas, por sua vez, têm a vantagem de transportar tanto passageiros como mercadorias.

Tais veículos motorizados, em muitos casos, substituem as viaturas pois circulam em zonas onde estas viaturas não podem transitar devido às dificuldades de acesso, principalmente nos dias que se seguem às chuvas. Todavia, pelas mesmas razões, também as motorizadas têm res-trições de circulação em determinadas zonas, deixando os utentes sem alternativas senão a de caminhar a pé até aos pontos de acesso das motorizadas, táxis190 e/ou até às estradas principais.

O quadro tarifário praticado pelos proprietários desses veículos informais de transporte de pessoas e mercadorias varia entre os 150,00 a 200,00 Kz, podendo ser superior dependendo da distância e do estado das vias.

ANÁLISE DE FACTORES ESTRUTURAIS

N.o Infra‑estrutura Comuna Localidade Estado actual Prestação de serviço Perspectiva

1 Escolas Camama Wenji Maka II Construção definitiva

Razoável/ /Ensino precário

Insuficiência das estruturas

escolares

2Centro

Materno- ‑Infantil

Camama Wenji Maka II

Construção provisória Razoável Melhoria da rede

hospitalar

3 Vias de acesso Camama Wenji Maka II Terra‑batida Precário Construção e vias

4Abastecimento

de água potável

Camama Wenji Maka II

Tanque/camião--cisterna/alguns

domicíliosPrecário Extensão da rede

de água

5 Energia eléctrica Camama Wenji

Maka II RazoávelRazoável/

/alguns sem contrato

Extensão da rede de energia

189 Inclui -se aqui alguns modelos de carros Hiace ou de ligeiros como Toyota Carina e Toyota Corola. 190 As paragens de táxi como pontos de partida e/ou chegada são as mesmas das motorizadas.

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6 Saneamento básico Camama Wenji

Maka IISem depósitos de resíduos e esgotos

Sem recolha/ /tratamento

residual

Construção da rede de esgotos e

depósitos

7 Segurança Pública Camama Wenji

Maka II Precário Sem policiamento

Construção de esquadra próxima

8 Escolas Kikolo Paraíso Construção definitiva/provisória Razoável Melhoria da rede

escolar

9 Posto de Saúde Kikolo Paraíso Construção definitiva Precário/

/insuficiente

Construção de hospital com

maior capacidade

10 Vias de acesso Kikolo Paraíso Terra‑batida Precário Construção de vias pelo bairro

11Abastecimento

de água potável

Kikolo ParaísoChafarizes/

camiões-cisternas/ canalização residual

PrecárioConstrução da

rede de água em domicílio

12 Energia eléctrica Kikolo Paraíso

Postos de distribuição/alguns

sem contrato

Precário/a maior parte sem acesso

Melhoria da rede de distribuição

13 Saneamento básico Kikolo Paraíso Sem depósitos de

lixo/sem esgotos

Recolha residual/ /precário

Construção de depósitos de lixo

e esgotos

14 Segurança Pública Kikolo Paraíso Construção

provisória

Policiamento insuficiente/

/precário

Construção de esquadra

e aumento de efectivos

15 Escolas Cazenga Popular

Terra Vermelha

Sem escola pública/ /alguns privados e comparticipados

Precário Construção de escolas

16 Hospital Cazenga Popular

Terra Vermelha

Construção definitiva/nos

arredores do bairro/ /alguns postos privados

Razoável Extensão da rede hospitalar

17 Vias de acesso Cazenga Popular

Terra Vermelha

Terra‑batida/sem pavimentação/asfalto residual

PrecárioConstrução e

melhoria da rede rodoviária

18Abastecimento

de água potável

Cazenga Popular

Terra Vermelha

Canalização residual/ /chafarizes/camiões-

-cisternas

Precário/ /insuficiente

Construção e extensão da rede

de água

19 Energia eléctrica

Cazenga Popular

Terra Vermelha

Alguns postos de transformação/

/alguns sem contrato

Precário/ /inexistente

Extensão de rede de distribuição

20 Saneamento básico

Cazenga Popular

Terra Vermelha

Sem depósitos de resíduos

Recolha residual/ /precário

Construção de depósitos e rede

de esgotos

21 Segurança Pública

Cazenga Popular

Terra Vermelha

Construção provisória

Policiamento insuficiente/

/precário

Construção de esquadras e aumento de

efectivos

FONTE: CEIC, com base no terreno, 2015.

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O país não tem feito praticamente progressos e a população continua a padecer de grandes carências, para além de ser fortemente marginalizada na gestão da coisa pública.

1. Os níveis de participação política e cívica são assinalados, mais uma vez, como sendo dos mais débeis do mundo. As possibilidades de realização da liberdade não têm progredido e o funcionamento do espaço público continua a favorecer mecanismos de controlo do poder, con-tra a livre expressão dos cidadãos, através da manipulação da opinião pública, da coerção das pessoas e do cerceamento do seu espaço de intervenção e das suas organizações.

2. Em relação às condições de vida, constata ‑se uma deterioração significativa, que faz com que o Índice de Desenvolvimento Humano permaneça quase estacionário, devendo o seu pe-queno impulso mais à componente económica (PIB) que à não ‑económica, continuando o país no grupo de países da cauda do IDH, considerados de desenvolvimento humano baixo, onde a desigualdade de rendimento, educação e acesso à saúde tem piorado. Os níveis de pobreza em Angola continuam a ser considerados muito altos e em contínuo agravamento, nomeadamente da pobreza extrema, pois o emprego está a diminuir e a remuneração do trabalho é cada vez mais arbitrária e injusta. O poder de compra dos salários, incluindo do salário mínimo, regista perdas constantes devido à reiterada disparidade entre a inflação estimada pelo Executivo e a inflação real. Em 2015 não houve actualização de salários com base na inflação, nem esperada (11%), nem verificada (14,3%) tendo sido, por isto, maior o fosso entre o salário nominal e o salário real, com reflexos negativos no poder de compra e no bem ‑estar das famílias.

3. A saúde tem sido desvalorizada ao longo dos anos, registando cifras muito baixas no Orçamento Geral do Estado (OGE), muito inferiores às necessárias para responder às enormes necessidades correntes do sector. Por exemplo, nestes dois últimos anos, o OGE não incluiu rubricas dotando de meios financeiros os programas de luta contra o VIH/SIDA, de combate à cólera, doenças mentais e toxicodependência, apesar de contemplar novos programas, como os de ampliação da rede sanitária, de melhoria da qualidade dos serviços de saúde, de desen-volvimento do sector farmacêutico e de gestão de disponibilidade dos médicos, a par dos pro-gramas de prestação de cuidados primários e assistência hospitalar. O Programa de Melhoria da Saúde Materno ‑Infantil, em 2015, sofreu uma redução drástica de quase 80%, beneficiando apenas de 2,1 mil milhões de kwanzas. Esta diminuição terá reflexos negativos na prestação de cuidados de saúde materno ‑infantis, o que poderá contribuir para o aumento da já alta taxa de mortalidade infantil do país, uma das maiores no mundo.

4. A educação continua a ser um investimento estratégico por fazer, embora haja unanimi-dade sobre o seu papel primordial para o desenvolvimento do país. No entanto, de acordo com os Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da População e Habitação de Angola 2014, as metas oficiais que previam a expansão da cobertura até ao ano de 2015 estiveram – e con-tinuam a estar – fundadas em projecções equivocadas do crescimento da população em idade escolar. Sem que a devida correcção se imponha de imediato, acha -se pouco provável que o acesso escolar venha a responder à procura nos próximos anos. Até porque, para que realmen-te assim aconteça, não basta que o total de matrículas coincida com o número da população em idade escolar. É sobretudo necessário que os alunos matriculados correspondam, de facto,

CONCLUSÃO

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à população em idade escolar, isto é, que a população na faixa etária dos 3 aos 23 anos esteja incluída no Sistema de Educação.

5. Os indicadores de bem ‑estar das famílias angolanas continuam a ser baixos, como fica patente ao consultar -se o Censo 2014. O acesso a água potável é irrisório, o saneamento básico quase inexistente, as condições de habitação são, em geral, medíocres, a dieta deficiente, o acesso a bens duradoiros e de consumo problemático. Há um diminuto acesso à electricidade e a electrodomésticos fundamentais para aliviar as penosas condições de vida, nomeadamente das mulheres, que são a maioria da população e muitas vezes o único sustento da família, nú-cleo fundamental de desenvolvimento da sociedade. Para não falar do acesso, nesta era de mo-dernidade e globalização, a bens como a televisão, o telemóvel, a Internet e o computador, que já não podem ser considerados supérfluos ou meros artigos de luxo ou privilégio de poucos.

6. O país real está muito distante do discurso e da sua mistificação mediática. Apesar de possuir legislação favorável à protecção dos grupos vulneráveis, na prática (no campo factual) a maior parte das pessoas continua à margem da acção social protagonizada pelo Estado ou por outros actores da sociedade civil. Um exemplo disso pode ser encontrado na evidência de ha-ver, no país, 656 258 pessoas com deficiência e apenas 89 438 beneficiarem de apoio, no qua-dro de três programas do MINARS. Situação que se repete com outros grupos, cujos programas têm uma cada vez menor cobertura de beneficiários, deixando mais expostas socioeconomica-mente as franjas sociais mais vulneráveis, e que se agravou com a crise económica que assola o país, tornando inalcançáveis as aspirações da sua integração social. Aliás, essa integração está, à partida, comprometida, pois o quadro geral mostra que a acção social do Estado em prol dos grupos mais vulneráveis tem privilegiado o assistencialismo em detrimento da integração, tor-nando difícil a possibilidade dos beneficiários se autopromoverem com os apoios que recebem.

7. Ano após ano, desastres naturais extremos (cheias e secas) são recorrentes no Sul do país, nomeadamente no Cunene. O sistema de resposta privilegiado pelo Executivo, apesar da sua estrutura formal de protecção civil, que envolve vários níveis territoriais, que vai do Governo- -Central às autoridades tradicionais, é de assistencialismo de circunstância e não de segurança, pelo que os danos humanos e materiais são reiterados, afectando mais de dois terços da popu-lação da região e cerca de 80% da produção agrícola.

8. A luta pelo desenvolvimento conta também com a participação de actores não‑estatais. Segundo o Directório do PAANE, estes actores não -estatais estão nas 18 províncias do país, de-senvolvendo acções nos mais diversos sectores, nomeadamente Educação, Agricultura, Direitos Humanos, Reforço Institucional, Desenvolvimento Comunitário, Protecção do Meio Ambien-te, Equidade e Equilíbrio de Género e outros, perfazendo um total de 343 Organizações Não--Governamentais. No entanto, em 2015, devido ao cerco das autoridades, ao controlo exercido e às dificuldades de financiamento, cerca de menos de metade destas organizações não imple-mentaram nenhum projecto, passando a sua maioria a ter uma existência meramente formal.

9. O periurbano de Luanda tem indicadores muito distantes dos indicadores de desenvol-vimento do resto da cidade e regista problemas estruturantes de desemprego, falta de acesso a serviços básicos, malnutrição, fraca escolaridade. Este quadro não é compatível com a ideia geral de que a capital concentra todas as oportunidades e mostra que mesmo aí os índices de pobreza e carência são muito elevados.

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Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), Relatório da Linha de Base, Projecto Okupopya, Lubango, 2015.

Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA)/EUROPEAID, Co-operation Office, Relatório de Avaliação a Meio Percurso do Projecto Okupopya – “Dialogar” – Fortalecimento das Capacidades Locais e o Diálogo entre os Actores Estatais e Não-Estatais nas Províncias de Benguela e Cunene, Projecto Okupopya: Luanda, 2015.

Agência Angolana de Notícias (ANGOP), “Angola: Lei da Pessoa com Deficiência deve ser Respeitada – Apela respon-sável”, 2015. Disponível em: <http://www.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/no cias/sociedade/2015/11/51/An-gola‑Lei‑Pessoa‑com‑Deficiencia‑deve‑ser‑respeitada‑apela‑responsavel,6689ba4c‑9e84‑4c04‑9479‑0f62029e-b57f.html>. Acedido em: 10 de Abril de 2016.

Agência Angolana de Notícias (ANGOP), “Angola: Presidente da República considera seita ‘Luz do Mundo’ uma ameaça à paz”, 2015. Disponível em: <http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2015/3/17/Angola‑Presiden‑te-Republica-considera-seita-Luz-Mundo-uma-ameaca-paz,9ce6967e-1850-49ab-aa5f-04dc17bf253e.html>. Acedido em: 30 de Abril de 2015.

Agência Angolana de Notícias (ANGOP), “Hospital dos Cajueiros Precisa de Especialistas”, 2015. Disponível em: <http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/saude/2015/8/36/Hospital‑Geral‑dos‑Cajueiros‑necessita‑medicos‑para‑diversas-especialidades,84e0c84e-3196-45db-b4cd-2fd39cab2195.html>. Acedido em: 5 de Fevereiro de 2016.

Agência Angolana de Notícias (ANGOP), “Luanda Contará com Quarenta e Sete Novas escolas de 2013 a 2014”, 2013. Disponível em: <http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/educacao/2013/0/5/Luanda‑contara‑com‑quaren-ta-sete-novas-escolas-2013-2014,9b1da5c5-6574-4c8c-957e-7e6e75cfe192.html>. Acedido em: 20 de Setembro de 2015.

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Canhanga, S. & Constantino, L., Executivo Trabalha para Dignificar Pessoas com Deficiência, 2015. Disponível em: <http://www.portaldeangola.com/2015/05/executivo‑trabalha‑para‑digni ficar‑pessoas‑com‑deficiência>. Ace-dido em: 10 de Abril de 2016.

Club‑K, “SINSE desmente Laborinho: Kalupeteca nunca foi militar da UNITA”, 2015. Disponível em: <http://www.club‑k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=21020:sinse‑desmente‑laborinho‑kalupete-ca‑nunca‑foi‑militar&catid=2:sociedade&lang=pt&Itemid=1069>. Acedido em: 10 de Maio de 2015.

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