Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    1/33

    A SOCIAL-DEMOCRACIA

    O que , o que prope para o Brasil

    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

    1 edioSo Paulo, maro de 1990

    Documento elaborado pelo escritrio poltico dosenador Fernando Henrique Cardoso

    sob a coordenao de Eduardo Graeff.

    Rua dos Ingleses, 325

    So Paulo - SP

    CEP 01329

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    2/33

    APRESENTAO

    De repente a social-democracia virou moda no Brasil.

    Isto bom na medida em que reflete o prestgio crescente da social-democracia no mundo e ajuda a despertar o interesse pelas suas propostas.

    Modas, no entanto, podem ir embora to depressa como vieram se notrouxerem uma mensagem realmente nova e importante para a sociedade. Antes queisso acontea, cabe um esforo para discutir seriamente a mensagem da social-democracia - o que representa no mundo hoje, que rumos aponta para o Brasil.

    Este livreto busca contribuir para essa discusso. Embora tenha sido feitopensando especialmente nos militantes e simpatizantes do meu partido, o PSDB, elese destina a todos os que se interessam pelas propostas da social-democracia, seja

    para apoiar ou criticar.No se trata - convm esclarecer - de um documento partidrio. O que se

    apresenta aqui uma interpretao pessoal das idias social-democrticas, emborareflita, como natural, posies assumidas em documentos oficiais do PSDB.

    A democracia em geral, e a social-democracia ainda mais, precisa de partidosmodernos, que sejam democrticos no seu funcionamento interno, contem com uma

    base ampla de militantes e, principalmente, tenham uma mensagem programticaclara para os seus prprios quadros e para a sociedade.

    Espero que este livreto contribua de fato para difundir a mensagem da social-democracia e, deste modo, ajude a aprimorar a vida partidria no PSDB e em todos os

    partidos empenhados em transformar a sociedade brasileira pela via democrtica.

    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    3/33

    SUMRIO

    I - QUE SOCIAL-DEMOCRACIA

    ESQUERDA X DIREITAQual a posio ideolgica da social-democracia?

    DEMOCRACIA X DITADURAO que diferencia a social-democracia de outras correntes que se consideramdemocrticas?

    REFORMA X REVOLUOA social-democracia quer realmente transformar a sociedade ou apenasaliviar suas injustias?

    TRABALHO X CAPITALDe que lado ficam os social-democratas nos conflitos trabalhistas?

    ESTADO X INICIATIVA PRIVADAA social-democracia quer a estatizao da economia?

    CAPITALISMO X SOCIALISMOQual o modelo de organizao da sociedade da social-democracia?

    II - A SOCIEDADE DEMOCRTICA (UMA OLHADA NO FUTURO)

    UNIDADE NA DIVERSIDADE

    Qual a posio da social-democracia em poltica internacional?DESENVOLVIMENTO SEM MARGINALIZAO preciso se preocupar com reformas sociais quando os avanos da cincia etecnologia parecem garantir o bem-estar geral?

    PLURALISMO E TRANSPARNCIAComo a social-democracia encara as mudanas recentes no mundosocialista?

    EFICINCIA COM RESPONSABILIDADE

    A "perestroika" no o reconhecimento da superioridade da economiacapitalista?

    III - AS PROPOSTAS DA SOCIAL-DEMOCRACIA PARA O BRASIL

    A BARREIRA DO ATRASOD para pensar em bem-estar para todos num pas subdesenvolvido?

    SADAS DA CRISEComo tirar o Brasil da crise econmica sem sacrificar mais o trabalhador?

    UM NOVO MODELO ECONMICO

    Quais so as opes do Brasil para retomar o seu desenvolvimento?O PAPEL DO CAPITAL ESTRANGEIRO

    As empresas multinacionais so um apoio ou uma ameaa nossa economia?

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    4/33

    REVOLUO EDUCACIONALComo um pas semi-analfabeto pode entrar na corrida tecnolgica?

    REDISTRIBUIO DE RENDAQue fazer concretamente para elevar o nvel de vida do trabalhador

    brasileiro?REFORMA AGRRIAPode-se pensar em justia social no Brasil sem resolver o problema dos sem-terra?

    MEIO-AMBIENTEO Brasil ser capaz de desenvolver sua economia sem sacrificar a ecologia?

    REFORMA DO ESTADO certo apontar o estado como o grande vilo da crise brasileira?

    REFORMA TRIBUTRIAComo conseguir mais recursos para educao, cincia e tecnologia,

    programas sociais, reforma agrria, meio-ambiente etc. sem aumentarimpostos?

    PARLAMENTARISMOPode-se considerar a democracia consolidada no Brasil depois daConstituinte?

    IV - A SOCIAL-DEMOCRACIA BRASILEIRA E OS PARTIDOS

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    5/33

    I - QUE SOCIAL-DEMOCRACIA

    Social-democracia uma corrente poltica que quer corrigir as injustiassociais e melhorar as condies de vida do povo atravs de reformas livremente

    consentidas pela sociedade, dentro de um regime democrtico.A social-democracia uma das principais foras polticas do mundo neste

    sculo. Pases como a Inglaterra, Alemanha, Blgica, Holanda, Sucia, Noruega,Dinamarca, Austrlia, Frana, Espanha e Portugal so ou foram governados por

    partidos de orientao social-democrtica. Em outros pases onde os social-democratas nunca estiveram no governo, as idias social-democrticas, aliadas mobilizao do povo, inspiraram reformas que acabaram sendo realizadas por outros

    partidos.

    Em poucas palavras, a social-democracia luta pela manuteno e ampliaodas liberdades democrticas; pela valorizao do trabalho e a elevao do nvel devida dos trabalhadores; pela subordinao do poder econmico ao controledemocrtico da sociedade.

    Os ideais da social-democracia, que no comeo do sculo pareciam"subversivos", tornaram-se amplamente aceitos. Hoje todo mundo se diz a favor dademocracia, da justia social e da participao do povo nas decises. Ou pelo menosevita falar contra. Por isso, para saber o que a social-democracia representa, convmir alm das declaraes gerais e ver mais de perto o que os social-democratas pensam

    - e como atuam na prtica - em relao a alguns dilemas polticos do mundo de hoje.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    6/33

    ESQUERDA X DIREITA

    Qual a posio ideolgica da social-democracia?

    Se esquerda significa ser contra a ordem social existente, e direita a favor, asocial-democracia sem dvida uma corrente de esquerda.

    Um social-democrata antes de tudo algum que tem senso crtico - quepercebe as injustias da sociedade e no tem medo de se opor a elas, mesmo correndoo risco de passar por subversivo ou sonhador.

    Ser "de esquerda", neste sentido, o mesmo que ser "progressista". acreditar que tudo na vida muda, se transforma, e que melhor ajudarconscientemente a mudana do que ficar parado no tempo, agarrado aos privilgios, ideologia, s convenincias polticas, enfim, a tudo o que faz as pessoas "de direita"

    defenderem a ordem estabelecida apesar das injustias, da misria e da violncia queela produz.

    Mas bom ter cuidado com as palavras. No Brasil, no meio das elites, poucagente admite que de direita. As pessoas mais reacionrias dizem que so "decentro", ou at "de centro-esquerda". Em compensao, muita gente que se considerade esquerda antes de tudo atrasada - no consegue perceber as mudanas queaconteceram no mundo neste sculo e continua lutando contra um tipo de sociedadeque de fato j no existe.

    Como se isso no bastasse, muita gente pouco instruda confunde ser dedireita com ser direito, honesto, reto, bom carter, e esquerda com o contrrio disto -o errado, do contra, criador de caso.

    Por tudo isso, se queremos realmente saber o que a social-democracia, melhor se preocupar mais com o contedo das propostas do que com rtulosideolgicos. Vamos ao contedo, ento.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    7/33

    DEMOCRACIA X DITADURA

    O que diferencia a social-democracia de outras correntes que se consideramdemocrticas?

    A social-democracia europia nasceu na luta pelo direito de voto, pelasoberania do voto popular e pelas liberdades de expresso e organizao das classes

    populares, contra os privilgios dos reis, da nobreza e da burguesia. Em toda parte, ossocial-democratas se destacam na luta a favor dos direitos humanos e das instituiesdemocrticas, contra todas as formas de discriminao, violncia e opresso entre

    pessoas, grupos ou naes.

    Para os social-democratas, a democracia um valor fundamental, do qual noabrem mo em nenhuma hiptese. Isto os diferencia claramente de outras correntes

    polticas.Os liberais conservadores, que costumam falar como se fossem os pais da

    democracia, parecem muitas vezes ter mais horror do povo do que dos ditadores,principalmente quando imaginam que a participao do povo na poltica podequestionar o direito de propriedade. Por isso, acabaram muitas vezes apoiandoregimes ditatoriais e tolerando violaes dos direitos humanos (como no Brasildepois de 1964).

    Por seu lado, muitos comunistas e socialistas ainda vem a democracia, nocomo um princpio permanente, mas como uma ttica temporria para acumularforas espera da revoluo que dever estabelecer a "ditadura do proletariado".

    Um social-democrata coerente no vai nunca compactuar com qualquer formade ditadura, mesmo que a ditadura venha enrolada na bandeira da mudana social.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    8/33

    REFORMA X REVOLUO

    A social-democracia quer realmente transformar a sociedade ou apenas aliviar suasinjustias?

    Social-democracia significa mudanas com liberdade. Se por revoluo seentende mudana do regime poltico e social por meio da violncia, a social-democracia no , decididamente, um movimento revolucionrio.

    Os social-democratas do sculo passado eram em geral revolucionrios.Pregavam claramente - na linha do Manifesto Comunista de Marx e Engels - aderrubada violenta do sistema capitalista, destruindo o estado vigente e abolindo a

    propriedade privada dos meios de produo.

    J no fim do sculo esse movimento se dividiu em dois. Uma corrente

    continuou a pregar a revoluo com base nas idias de Marx e, a partir da RevoluoRussa, com base nas idias e na ao poltica de Lenin. Esta a origem dos partidoscomunistas atuais e de outros partidos que se denominam marxistas-leninistas.

    Outra corrente rejeitou os mtodos revolucionrios e se voltou para a disputado poder poltico pelo voto, buscando transformar a sociedade capitalista atravs dereformas graduais. Da evoluram os partidos social-democrticos europeus daatualidade, que s vezes tambm se chamam socialistas, como na Frana, Espanha ePortugal, ou trabalhistas, como na Inglaterra.

    Os social-democratas querem fazer suas propostas avanar peloconvencimento, no pela imposio. Isto pode tornar as mudanas mais lentas, talvez.Mas no significa que elas tenham de ser superficiais ou limitadas.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    9/33

    TRABALHO X CAPITAL

    De que lado ficam os social-democratas nos conflitos trabalhistas?

    Decididamente, do lado dos trabalhadores. No basta afirmar que todos oshomens nascem livres e iguais, se uma minoria concentra toda a riqueza e o poder nasociedade e a maioria no consegue uma retribuio justa pelo seu trabalho.Igualdade real, para a social-democracia, significa salrios crescentes e oportunidadesiguais de crescer e se desenvolver como ser humano para todos os trabalhadores efilhos de trabalhadores.

    A social-democracia no quer acirrar as lutas de classes. Ela simplesmentereconhece que essas lutas existem na mesma medida em que existem desigualdadesinjustificveis e explorao dos trabalhadores na sociedade. E afirma que a

    explorao e as desigualdades so superveis - que uma distribuio mais equilibradada riqueza possvel e necessria, sem que para isso a luta de classes precise viraruma guerra sangrenta.

    Isto no significa que os trabalhadores devam esperar sentados o "crescimentodo bolo" da riqueza. Em todos os pases onde a fatia do trabalho nesse bolo aumentou

    proporcionalmente, foi graas presso organizada dos prprios trabalhadores,atravs dos seus sindicatos e partidos.

    Por isso um elemento essencial da democracia, para os social-democratas, aliberdade sindical ou, falando mais amplamente, a liberdade para os trabalhadores seorganizarem e conseguirem maior participao, tanto na distribuio da riqueza comonas decises.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    10/33

    ESTADO X INICIATIVA PRIVADA

    A social-democracia quer a estatizao da economia?

    No. A social-democracia assegura a propriedade privada e a liberdade deempresa. Mas afirma tambm que esses direitos tm por contrapartida deveres ouresponsabilidades das quais o empresrio/proprietrio no pode fugir.

    Para a social-democracia a questo fundamental no quem o dono daempresa, mas quais so os resultados do seu funcionamento para a sociedade. Aempresa eficiente? Aplica tecnologia atualizada? O preo e a qualidade dos

    produtos so competitivos? Paga salrios crescentes? Oferece emprego estvel e boascondies de trabalho? Paga os impostos regularmente? Obedece s leis trabalhistas ede proteo do meio ambiente?

    Se as respostas a essas perguntas so positivas, no h, em princpio, razopara estatizar ou interferir no funcionamento normal de uma empresa privada.

    Governos social-democratas podem promover, como j promoveram, aestatizao de empresas. Mas tambm podem privatizar ou desativar empresasestatais ineficientes - como comea a ser feito, alis, pelo prprio socialismo da"perestroika", que descobriu que a estatizao total da economia gera ineficincia eestagnao.

    A social-democracia no aceita, por outro lado, a tese do "quanto menos

    governo melhor". Primeiro, porque nem sempre as leis do mercado e da livreconcorrncia so capazes de harmonizar automaticamente os interesses particulares eo interesse geral da sociedade, como afirmam os liberais. E hoje, em muitos ramos daeconomia, no existe concorrncia e sim monoplio, o que d a algumas empresasgigantes - privadas ou estatais - oportunidade de aumentar seus lucros, no pelaeficincia, mas custa do prejuzo de outras empresas e do resto da sociedade. Portudo isso, nos pases capitalistas desenvolvidos, o estado nunca deixou de intervir naeconomia, direta ou indiretamente, para evitar crises, impulsionar o desenvolvimento,conter abusos do poder econmico contra os assalariados, pequenos produtores,

    consumidores, o meio ambiente.Segundo, e mais importante, o estado, para a social-democracia, tem

    responsabilidades diretas em relao ao bem-estar social. Alm de melhores salrios,a elevao do nvel de vida dos trabalhadores requer leis de proteo do trabalho eservios pblicos eficientes e acessveis a todos nas reas de sade, educao,

    previdncia, transportes coletivos etc. Os maiores avanos nesse sentido, nos pasescapitalistas desenvolvidos, foram conseguidos atravs do estado, quase sempre porinfluncia dos social-democratas.

    O fundamental para a social-democracia no , assim, que o estado seja

    pequeno ou grande, mas que tenha o tamanho e as funes correspondentes snecessidades do conjunto da sociedade.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    11/33

    CAPITALISMO X SOCIALISMO

    Qual o modelo de organizao da sociedade da social-democracia?

    A social-democracia no prope um modelo acabado, mas um caminho para atransformao da sociedade - o caminho democrtico.

    Com certeza esse caminho deve levar a algo melhor do que a sociedadecapitalista. O capitalismo exalta a liberdade individual, promove a competio e comisso estimula a eficincia na produo e o progresso tecnolgico. Ao mesmo tempo,empobrece as relaes pessoais, isola o indivduo, concentra a riqueza, agrava asdesigualdades sociais e at hoje condena grande parte do povo ao desemprego e misria, mesmo nos pases mais desenvolvidos - isto para no falar das tremendasdesigualdades entre as naes.

    Mas a construo de uma nova sociedade tambm deve aprender com os errosdo socialismo, tal como o conhecemos neste sculo. O socialismo real conseguiunivelar as condies de vida ao preo de sufocar o indivduo, inibir a competio egerar ineficincia na economia. E acabou readmitindo as desigualdades pela porta dosfundos, transformando a "ditadura do proletariado" em ditadura de uma camada

    privilegiada de funcionrios do estado e do partido dominante.

    No se constri o futuro sobre iluses. A social-democracia no esconde nemjustifica os defeitos das sociedades capitalistas nem das socialistas. Sabe, por outrolado, que no se constri o futuro dando as costas para o que h de bom no presente.

    Para os social-democratas, a prtica da democracia, seu aperfeioamentoconstante, o melhor caminho para a construo de uma sociedade que some asqualidades e supere os defeitos do capitalismo e do socialismo.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    12/33

    II - A SOCIEDADE DEMOCRTICA (UMA OLHADA NO FUTURO)

    No h como prever exatamente aonde vai chegar a sociedade pelo caminhodas mudanas democrticas. Alis, no h por que pensar que existe um ponto final

    para as mudanas - um estgio ideal de desenvolvimento aonde todas as sociedadesdeveriam chegar um dia. Escolher conscientemente o caminho democrtico entender que o futuro da sociedade s pode ser resultado de muitos ideais diferentes,sustentados por diferentes partidos e interesses. E que esse resultado sempre

    provisrio, est sempre sujeito a novas mudanas.

    Contudo, alguns traos da sociedade do futuro prximo comeam a ficarvisveis a partir das mudanas que esto acontecendo no mundo hoje.

    . Estamos caminhando para um mundo menos ameaado pela guerra e cada

    vez mais integrado pelo comrcio, pelos investimentos e pelos meios decomunicao.

    . O mundo industrializado passa por uma fase de desenvolvimentotecnolgico superacelerado, que est revolucionando a economia e a sociedade.

    . Tanto no mundo socialista como no capitalista, existe uma insatisfaogeneralizada com os mtodos centralizados, burocrticos e autoritrios de gesto daeconomia.

    . Mais que nunca, no mundo inteiro, democracia o denominador comum das

    lutas por mudanas da sociedade.Esses fatos levam os social-democratas a sustentar com muito mais

    entusiasmo as idias que sempre defenderam. E os desafiam a se atualizar e aincorporar propostas novas como resposta a novos problemas.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    13/33

    UNIDADE NA DIVERSIDADE

    Qual a posio da social-democracia em poltica internacional?

    Os governos social-democratas europeus, mesmo mantendo a aliana militarcom os Estados Unidos, sempre se esforaram para acabar com a "guerra fria".

    Hoje a humanidade respira aliviada com o progresso das negociaes entre osEstados Unidos e a Unio Sovitica. A ameaa da guerra nuclear parece afastada.

    O sculo 21 pode tornar realidade o sonho de um mundo sem guerras e sembarreiras entre os pases. Em todo o mundo, a opinio pblica, principalmente osjovens, se mobiliza cada vez mais em defesa da paz, dos direitos humanos e do meioambiente. O desenvolvimento do comrcio, dos investimentos e dos meios decomunicao leva a uma integrao crescente entre os pases, independentemente das

    diferenas econmicas, culturais e ideolgicas.Mas ainda h muito o que fazer nesse sentido.

    A paz no pode se basear para sempre no equilbrio do terror nuclear entre asgrandes potncias, enquanto guerras convencionais - alimentadas, muitas vezes, pelas

    prprias grandes potncias - flagelam vrias regies do planeta. Um mundo semguerras significa um mundo com menos armas e sem intervencionismo militar.

    A integrao econmica e cultural no pode se limitar aos pases capitalistasdesenvolvidos e ao mundo socialista, marginalizando os pases subdesenvolvidos.

    preciso converter gastos militares em programas de cooperao internacional queajudem a livrar o Terceiro Mundo do atraso e da misria e a preservar o equilbrioecolgico do planeta.

    Os social-democratas sabem que as diferenas e conflitos internacionais novo desaparecer da noite para o dia, nem abrem mo de defender os interesses dosrespectivos pases.

    Sabem, por outro lado, que o futuro da humanidade depende da suacapacidade de conviver em paz apesar das diferenas e conflitos. Por isto, todas os

    esforos em favor do desarmamento, da no-interveno e da cooperaointernacional, venham de onde vierem, merecem apoio irrestrito da social-democracia.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    14/33

    DESENVOLVIMENTO SEM MARGINALIZAO

    preciso se preocupar com reformas sociais quando os avanos da cincia etecnologia parecem garantir o bem-estar geral?

    O progresso cientfico e tecnolgico torna possvel mas por si s no garantea melhoria das condies de vida de toda a sociedade.

    O aumento da produtividade do trabalho proporcionado pelo progressocientfico e tecnolgico tem permitido conciliar aquilo que parecia inconcilivel nos

    primeiros tempos do capitalismo: a manuteno dos lucros, por um lado, e o aumentoreal dos salrios e a reduo da jornada de trabalho, por outro lado. Mas isto sacontece quando os trabalhadores se organizam e pressionam para garantir sua

    participao nos benefcios do progresso.

    E a substituio de trabalho humano por mquinas e mtodos de produomais eficientes pode ter uma consequncia perversa: o aumento do desemprego, queacaba se tornando uma condio permanente para grande parte da populao. Isto criaum abismo entre a prosperidade dos setores da sociedade integrados no mundo dacincia e tecnologia - inclusive os tcnicos e trabalhadores especializados - e amisria dos marginalizados.

    O governo e as empresas, ao planejar a introduo de novas tecnologias,precisam levar em conta o impacto de suas decises sobre o nvel do emprego. Ostrabalhadores e seus representantes devem ser ouvidos - no para frear o progresso,mas para evitar o desemprego e garantir a recolocao dos trabalhadores dispensados.

    Mais importante: preciso assegurar a todos acesso ao mercado de trabalho. Eisto, no mundo de hoje, depende fundamentalmente do acesso educao.

    Defesa do emprego e igualdade de oportunidades educacionais so, assim,pontos cada vez mais importantes das polticas social-democrticas de valorizao dotrabalho e redistribuio de renda.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    15/33

    PLURALISMO E TRANSPARNCIA

    Como a social-democracia encara as mudanas recentes no mundo socialista?

    Com simpatia, claro. E como um incentivo sua luta para democratizar asociedade capitalista.

    A Europa Oriental est festejando a conquista ou reconquista de valoreselementares da democracia - direitos humanos, pluralismo partidrio, eleies livres.Em alguns pases ocidentais esses valores so garantidos h muito tempo. Em outros,como o Brasil, so conquistas recentes, nem sempre bem enraizadas na sociedade. Eainda h ditaduras, como a da frica do Sul, apoiadas ou toleradas pelas grandes

    potncias capitalistas.

    A social-democracia solidria com todos os povos que lutam para se livrar

    da tirania, seja ela de "esquerda" ou de "direita".E afirma que a democratizao no se detm na conquista dos direitos e

    liberdades fundamentais.

    Nos pases socialistas, a "glasnost" (transparncia) significa antes de maisnada o fim da censura e da mentira oficial. No mundo capitalista, mesmo onde aliberdade de expresso garantida, existe uma preocupao crescente com amonopolizao dos meios de comunicao e a possibilidade de manipulao dainformao por grupos privados ou estatais.

    Do ponto de vista da social-democracia, a igualdade de acesso informao eaos meios de comunicao to essencial para a democracia, no mundo de hoje,quanto o pluralismo partidrio e eleies livres.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    16/33

    EFICINCIA COM RESPONSABILIDADE

    A "perestroika" no o reconhecimento da superioridade da economia capitalista?

    Com a "perestroika" (reestruturao da economia), os pases socialistas estopondo em xeque a concentrao do poder poltico e das decises econmicas nasmos do partido nico e da burocracia estatal.

    No mundo capitalista tambm se reclama do excesso de regulamentos eburocracia na vida econmica. Ao mesmo tempo, questiona-se a concentrao dopoder econmico nas mos de poucos capitalistas individuais, grupos financeiros egrandes empresas que conseguem manipular o mercado.

    Na economia, assim como na poltica, todo poder, para no virar tirania, deveter seus "freios e contrapesos".

    A sociedade no est condenada a escolher entre a tirania da burocracia estatale a de grupos privados. Democracia econmica no quer dizer apenas mercado livre,mas cidados livres, informados e organizados para defender seus interesses diantedas empresas e do estado.

    No mundo de hoje, os freios e contrapesos democrticos so exercidos cadavez mais por entidades que no so propriamente estatais nem privadas: sindicatos,associaes de consumidores e de defesa do meio ambiente, a opinio pblica,universidades, igrejas, comunidades locais etc.

    com a participao dessas entidades nas decises que a social-democraciaconta, antes de tudo, para garantir a subordinao do poder econmico sociedade.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    17/33

    III - AS PROPOSTAS DA SOCIAL-DEMOCRACIA PARA O BRASIL

    O futuro para o qual a social-democracia aponta comea a se tornar realidadena Europa.

    A Europa Ocidental j marcou data - 1992 - para abolir definitivamente asfronteiras econmicas entre seus pases. Dentro de mais algum tempo, as prpriasfronteiras polticas nacionais podem dar lugar a um governo unificado, cujo embrio o Parlamento Europeu. Depois da queda do muro de Berlim, a integraoeconmica da Europa Ocidental com a Europa Oriental e a Unio Sovitica, que jvinha acontecendo, deve se acelerar mais. Nesse quadro, cada vez mais ampla aaceitao das propostas da social-democracia, mesmo por parte de governos e

    partidos que historicamente no se consideram social-democrticos.

    Mas tudo isso no uma realidade distante? Ser que a social-democracia, pormuito certo que possa dar na Europa, tem a ver com um pas como o Brasil?

    Uma corrente poltica no uma receita de bolo sempre igual em qualquerlugar. O sucesso da social-democracia no Brasil depende da capacidade dos social-democratas de propor solues concretas e viveis para os nossos problemas - queno so poucos.

    Vejamos como os mais graves desses problemas se apresentam do ponto devista da social-democracia.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    18/33

    A BARREIRA DO ATRASO

    D para pensar em bem-estar para todos num pas subdesenvolvido?

    O que no d mais para imaginar que o Brasil pode continuar a sedesenvolver mantendo seu povo marginalizado.

    Na verdade o Brasil j no se encaixa no grupo dos pases subdesenvolvidos.Seria mais correto dizer que somos um caso de pas mal desenvolvido.

    Nos ltimos cinquenta anos o Brasil se industrializou num rtmoimpressionante. O crescimento das cidades, a expanso da rede de estradas e dastelecomunicaes, a modernizao dos servios e da agricultura, tudo isso nosaproxima dos pases desenvolvidos.

    Mas a distncia ainda grande. O pas mais pobre da Europa Ocidental -nossa ex-metrpole, Portugal - tem uma renda per capita maior que a do Brasil. Osmais ricos - Alemanha, Frana, Inglaterra - tem uma renda 5 a 6 vezes maior.

    Pior: somos campees mundiais da desigualdade. Enquanto na EuropaOcidental a diferena entre o salrio de um alto executivo e o do trabalhador menosqualificado fica em torno de 10 vezes, no Brasil passa de 100 vezes. E grande partedos trabalhadores no tem sequer emprego regular. Da ndices de subnutrio,mortalidade infantil, analfabetismo, dficit habitacional etc. muito piores do que os de

    pases mais atrasados do ponto de vista econmico.

    O relativo atraso econmico dificulta a superao do atraso social. Oproblema fundamental da social-democracia europia redistribuir a riqueza geradapelo capitalismo. No Brasil, a distribuio pura e simples da riqueza existentesignificaria um nivelamento por baixo, uma redistribuio da pobreza.

    Mas o povo brasileiro no aceita mais a teoria de que preciso crescerprimeiro para s depois cuidar da diviso do bolo. A opo clara: preciso crescer edistribuir renda ao mesmo tempo. este o desafio que a social-democracia tem queenfrentar para mostrar a que veio no Brasil.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    19/33

    SADAS DA CRISE

    Como tirar o Brasil da crise econmica sem sacrificar mais o trabalhador?

    Depois de tantos planos fracassados contra a inflao, ningum mais acreditaem remdios mgicos. Solues existem, mas so difceis.

    So difceis, primeiro, porque so tecnicamente complicadas. Exigemcompetncia para tomar medidas em vrias frentes ao mesmo tempo e para ajustaressas medidas de acordo com as circunstncias, dentro de uma estratgia geral.

    Alm disso, para que um plano de ajuste da economia funcione realmente, vaiter que sacrificar quem at hoje foi poupado: os mais ricos, dentro do Brasil, e oscredores da dvida externa, que naturalmente vo resistir a isso.

    E mesmo assim a situao para o povo pode at piorar no comeo, se asmedidas contra a inflao provocarem recesso e desemprego, o que um risco real.

    Por outro lado, na medida em que a inflao se acelera, corri ainda mais ossalrios e condena os trabalhadores, mesmo das categorias mais fortes, a semprecorrer atrs dos preos, sem ganhos reais.

    Ser social-democrata ter compromisso com a verdade. melhor reconheceras dificuldades do que fazer promessas demaggicas que levam o povo descrena.

    Mas ser social-democrata antes de tudo ter compromisso com ostrabalhadores. Por isso a atitude bsica dos social-democratas brasileiros diante dacrise s pode ser a de lutar para que o custo do combate inflao no caia, comosempre, nas costas dos assalariados.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    20/33

    UM NOVO MODELO ECONMICO

    Quais so as opes do Brasil para retomar o seu desenvolvimento?

    O Brasil tem problemas to graves de estagnao, inflao, dvida externa,que parece intil discutir "modelos econmicos". Mas para retomar odesenvolvimento precisamos saber o que queremos fazer com a nossa economia amdio e longo prazo.

    Desde a dcada de 40, a frmula bsica de desenvolvimento do Brasil foi a"substituio de importaes": para impulsionar a industrializao, o governolimitava a importao de tudo o que pudesse ser fabricado aqui mesmo.

    Hoje o Brasil tem um parque industrial bastante completo. Por isso mesmo, hmenos oportunidades para a implantao de novas indstrias por substituio de

    importaes.E criou-se um problema grave: porque cresceu protegida da concorrncia

    estrangeira, a indstria brasileira teve pouco estmulo para aumentar a produtividadee aprimorar seus produtos. Por isso eles so frequentemente piores e mais caros -apesar dos baixos salrios - do que os de outros pases.

    Se quer voltar a crescer pagando salrios mais altos e melhorando o preo e aqualidade dos seus produtos, o Brasil tambm precisa fazer a sua "perestroika", isto ,reestruturar sua economia, tornando-a menos protecionista e mais eficiente.

    Isto no significa abrir irresponsavelmente o mercado brasileiro, de uma horapara outra, concorrncia estrangeira. Significa, isto sim, desenvolver nossacapacidade prpria em cincia e tecnologia e fortalecer a indstria brasileira paratorn-la mais competitiva, aqui dentro e no mercado externo.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    21/33

    O PAPEL DO CAPITAL ESTRANGEIRO

    As empresas multinacionais so um apoio ou uma ameaa nossa economia?

    As multinacionais podem ser um fator positivo, desde que subordinadas snossas prioridades.

    Ser de esquerda, no Brasil, sempre foi sinnimo de ser nacionalista, isto , afavor do desenvolvimento nacional e do fim da dependncia poltica, econmica ecultural em relao s grandes potncias capitalistas. Os social-democratas brasileirosno tm por que negar essa tradio. Mas precisam atualiz-la.

    Num mundo cada vez mais integrado, desenvolvimento no rima comisolamento. Pas independente, hoje, significa pas capaz de defender seus prpriosinteresses dentro de um relacionamento crescente com o mercado internacional e com

    o capital estrangeiro.O capital e a tecnologia das empresas multinacionais podem ajudar, como tm

    ajudado, a modernizar a indstria brasileira. E claro que as multinacionais sinvestem se tm perspectiva de remeter os lucros que obtiverem - o que deve sergarantido, desde que no desequilibre o nosso balano de pagamentos.

    Mas bom no ter expectativas exageradas em relao entrada de capitalestrangeiro no Brasil. No momento as multinacionais esto mais interessadas nomundo capitalista desenvolvido - onde a formao de blocos econmicos regionais

    cria novas oportunidades de investimento - e na Europa Oriental. Por isso no temcabimento dificultar, da nossa parte, a entrada de capital estrangeiro.

    Pela mesma razo, no adianta oferecer vantagens especiais para atrair asmultinacionais se elas no acreditarem no potencial do Brasil. E isto s quem podegarantir o prprio Brasil, com seus prprios recursos e com maturidade poltica paradefinir suas prioridades em matria de desenvolvimento.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    22/33

    REVOLUO EDUCACIONAL

    Como um pas semi-analfabeto pode entrar na corrida tecnolgica?

    Apesar do atraso social, a parte mais desenvolvida do Brasil tem uma baseindustrial e uma capacidade instalada de pesquisa que permitem competir em algumasfaixas dessa corrida.

    Para isso, no entanto, vamos ter de investir em cincia e tecnologia o dobro ouo triplo do que investimos hoje. E preciso saber exatamente como e onde investir,

    porque os recursos so limitados.

    Nessa matria, como em muitas outras, querer fazer tudo o melhor caminhopara no fazer nada bem feito. O governo, junto com os pesquisadores, tcnicos eempresrios, tem que escolher ramos nos quais temos condies mais favorveis, e

    concentrar os recursos neles. Em outros casos, mais vivel absorver tecnologiaatravs da importao de equipamentos e do treinamento de profissionais brasileirosno exterior.

    Mas investir no progresso cientfico e tecnolgico antes de tudo investir nascabeas que criam, difundem e aplicam cincia e tecnologia, do pesquisador delaboratrio ao trabalhador qualificado. Em outras palavras, investir tanto em pesquisacomo em educao - que , esta sim, a base do desenvolvimento em todos os nveis.

    Assim, junto com a modernizao da economia, para que ela tenha flego, o

    Brasil precisa promover uma verdadeira revoluo educacional. Uma revoluo quesacuda a apatia do sistema de ensino desde o primeiro grau at a universidade. Quedemocratize o acesso educao recuperando a escola pblica, to abandonada nosltimos anos. E que acabe com o analfabetismo no prazo mais curto possvel, o que,mais do que uma questo de desenvolvimento, uma condio bsica para quemilhes de brasileiros possam exercer plenamente seus direitos de cidados.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    23/33

    REDISTRIBUIO DE RENDA

    Que fazer concretamente para elevar o nvel de vida do trabalhador brasileiro?

    Muita gente ainda pensa que o governo tem poder de aumentar salrio. Ogoverno pode aumentar o valor nominal do salrio, isto , o valor em cruzados. Paraaumentar o valor real, ou seja, o poder de compra do salrio, preciso que asempresas no repassem os aumentos para os preos.

    O governo pode at tabelar ou congelar preos. Mas s por curtos perodos; seno, d no que deu com o Plano Cruzado.

    A mdio e longo prazos, quem pode conseguir aumentos reais de salrio soos prprios trabalhadores, atravs dos sindicatos, na negociao direta com asempresas, com base nos ganhos de produtividade. Prometer o contrrio demagogia.

    Mas h coisas fundamentais que o governo pode e deve fazer para elevar arenda dos trabalhadores. Pode respeitar a autonomia dos sindicatos e o direito degreve, para que a negociao entre empregados e empregadores seja realmente livre.Pode garantir a reposio correta da inflao, para que os trabalhadores concentremsuas energias na luta por aumentos reais. Pode aumentar gradualmente o salriomnimo, com reajustes maiores do que a mdia, para diminuir a distncia entre ossalrios mais altos e os mais baixos.

    Alm disso, o bem-estar do trabalhador no depende s do salrio. Depende

    tambm dos benefcios sociais e servios pblicos a que ele e sua famlia tm acesso.Um trabalhador com carteira assinada, inscrito na previdncia, morando num bairrocom gua, luz, esgoto, coleta de lixo, transporte coletivo, escola pblica, posto desade, policiamento, tem um nvel de vida muito melhor do que outro trabalhadorcom o mesmo salrio mas sem os mesmos benefcios.

    A situao do Brasil vergonhosa desse ponto de vista. Os benefcios sociaise servios pblicos, alm de deficitrios, so muito mal distribudos. Privilegiamquem ganha mais e deixam desassistido quem ganha menos.

    Distribuio de renda significa, alm de aumento real de salrios, expansodos programas sociais e uma distribuio justa dos seus benefcios. A social-democracia faz disto uma prioridade real do governo.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    24/33

    REFORMA AGRRIA

    Pode-se pensar em justia social no Brasil sem resolver o problema dos sem-terra?

    Decerto que no. A reforma agrria antes de tudo um meio de promover ajustia social no campo. O Brasil no pode tolerar que grandes extenses de terrasfrteis fiquem improdutivas enquanto milhes de agricultores sem-terra ou com

    pouca terra so condenados misria.

    Mas o Brasil tambm no pode se dar ao luxo de desestabilizar a empresaagrcola produtiva, que gera alimentos, matrias-primas e divisas. A agricultura

    brasileira mudou muito nos ltimos trinta anos. Hoje h uma profunda integraoentre agricultura e indstria - a chamada agro-indstria. Muitos latifndios viraramgrandes empresas rurais. Muitos camponeses tradicionais viraram pequenos

    empresrios. E surgiu um vigoroso proletariado rural de "bias-frias" e empregadospermanentes.

    Fazer da reforma agrria um fantasma para essa agricultura moderna amelhor maneira de inviabilizar a reforma agrria.

    As desapropriaes para fins de reforma agrria devem ser feitas estritamentedentro da lei e com parmetros claros para dar tranquilidade empresa agrcola e ao

    pequeno proprietrio.

    E o assentamento de agricultores exige muito mais do que desapropriaes:

    investimentos em transporte, armazenamento, assistncia tcnica, financiamento daproduo, educao. Investimentos que tambm so necessrios, diga-se depassagem, para melhorar as condies dos pequenos proprietrios e trabalhadoresassalariados do campo.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    25/33

    MEIO-AMBIENTE

    O Brasil ser capaz de desenvolver sua economia sem sacrificar a ecologia?

    No mundo de hoje, desenvolvimento sem conservao dos recursos naturais epreservao do meio-ambiente no desenvolvimento, mas iluso de prosperidadeque dura pouco em benefcio de poucos.

    O Brasil pode conjugar economia e ecologia, desde que aprenda com os errosdos pases industrializados. Depois que o estrago foi feito, muito caro e demoradorecuperar o meio-ambiente, e quase nunca se recupera inteiramente.

    O Brasil j viu isto acontecer na Baa da Guanabara, no esturio de Santos,nos rios Tiet, Piracicaba, Guaba, Capiberibe e outros, mortos ou gravemente feridos

    pela poluio.

    Ainda tempo de evitar que o mesmo acontea em regies como a Amazniae o Pantanal. Para isto no preciso impedir o desenvolvimento dessas regies.Mesmo porque, muitas formas de explorao da natureza que praticam a, como osgarimpos e as queimadas de florestas para a formao de pastagens, no trazemnenhum desenvolvimento duradouro. O que se precisa pesquisar e estimular asatividades econmicas mais compatveis com o potencial de cada regio, e que

    possam ser desenvolvidas sem devastar a natureza. J existem vrias experinciasnesse sentido.

    E preciso entender que ecologia tem a ver diretamente com o bem-estar dasociedade, e no s com a preservao da natureza. Problemas de habitao,saneamento bsico, transporte, abastecimento so em geral mais rpidos e baratos deresolver em cidades pequenas e mdias do que nas grandes. O Brasil um pas togrande com uma populao relativamente pequena, mas mal distribuda. Pensar nomeio-ambiente tambm significa planejar a ocupao do territrio brasileiro paradiminuir a concentrao da populao - e dos problemas sociais - numas poucas reasmetropolitanas congestionadas.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    26/33

    REFORMA DO ESTADO

    certo apontar o estado como o grande vilo da crise brasileira?

    Desde a dcada de 1930, o estado assumiu um papel preponderante nodesenvolvimento econmico do Brasil. Se hoje o estado est endividado, falido,

    porque nos ltimos cinquenta anos, em nome do desenvolvimento, ele transferiumaciamente recursos do conjunto da sociedade para grupos privados - diretamente,atravs de todo tipo de subsdios, incentivos e concesses, e indiretamente, pelofornecimento de produtos e servios das empresas estatais a preos artificialmente

    baixos.

    preciso estabelecer um novo equilbrio entre as funes do estado emrelao ao desenvolvimento econmico e ao bem-estar social.

    O estado pode e deve continuar impulsionando o desenvolvimentoeconmico, mas em outros termos: investindo mais em educao e cincia etecnologia, e dando menos subsdios diretos e indiretos ao setor privado.

    A privatizao de empresas uma das medidas que se pode aplicar na reformado estado. No entanto, se em certos casos vlido privatizar, no conjunto fundamental desprivatizar, isto , acabar com as vrias formas de loteamento damquina do estado e de desvio dos seus recursos para o enriquecimento privado deempresrios, tecnocratas e polticos fisiolgicos.

    Ao mesmo tempo, preciso reformar a fundo a mquina estatal (da Unio aosestados e municpios) responsvel pelas polticas sociais. O desvio de recursos doFGTS para a construo de moradias de luxo, por exemplo, tambm uma forma de"privatizao" do estado. O mesmo se pode dizer da sub-remunerao, negligncia,empreguismo, clientelismo e corrupo que deterioram os servios pblicos.

    Do ponto de vista da social-democracia, acabar com essas distores fundamental para transformar o estado brasileiro num instrumento de justia social,em vez de um fator de agravamento das injustias.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    27/33

    REFORMA TRIBUTRIA

    Como conseguir mais recursos para educao, cincia e tecnologia, programassociais, reforma agrria, meio-ambiente etc. sem aumentar impostos?

    Primeiro, reformando a mquina do estado para fazer com que os recursosdisponveis sejam melhor aplicados.

    Como se no bastassem as distores no gasto pblico, no entanto, a cargados impostos muito mal distribuda no Brasil.

    Enquanto o assalariado descontado na fonte e paga - s vezes sem saber - oimposto embutido no preo de cada mercadoria, os empresrios e ricos em geral tmmil maneiras de escapar das garras do "leo". O resultado que um trabalhador desalrio-mnimo paga mais imposto, proporcionalmente sua renda, do que um

    milionrio.Assim o estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrrio,

    tirando dos pobres para dar aos ricos.

    A social-democracia encara os impostos como um instrumento de justiasocial - um meio de tirar renda de quem ganha mais e distribuir para quem ganhamenos sob a forma de servios pblicos e benefcios sociais. Uma reforma tributriaque realize esse princpio elementar de justia permitir ao Brasil investir mais, tantoem desenvolvimento como em bem-estar social, sem sobrecarregar de impostos os

    trabalhadores e a classe mdia.Por isso a reforma tributria , do ponto de vista da social-democracia, um

    complemento essencial da reforma da mquina do estado brasileiro.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    28/33

    PARLAMENTARISMO

    Pode-se considerar a democracia consolidada no Brasil depois da Constituinte?

    Um dos problemas polticos que a Constituio de 1988 no resolveu ouresolveu pela metade o do sistema de governo. A Constituio manteve o sistema

    presidencialista tradicional no Brasil, mas aumentou bastante os poderes doCongresso. E marcou para 1992 um plebiscito atravs do qual o povo escolherdefinitivamente um sistema de governo.

    Existem bons argumentos a favor da troca do presidencialismo peloparlamentarismo nesse plebiscito, e at para antecip-lo, se houver condiespolticas para isso.

    O sistema hbrido adotado pela nova Constituio traz riscos de impasse, j

    que o presidente da Repblica precisa do apoio do Congresso para governar, mas oCongresso no co-responsvel pelo governo.

    O nico pas at hoje em que o presidencialismo combinou com democraciaestvel os Estados Unidos. No Brasil, a concentrao do poder Executivo nas mosdo presidente da Repblica s tem servido para afastar o povo das decises,acobertando o arbtrio da burocracia estatal, e para gerar crises quando o governo vaimal e no h meios legais de substitu-lo. O parlamentarismo, ao contrrio, umsistema que tem flexibilidade para superar crises: se o governo vai mal, o Congresso

    pode destituir os ministros sem entrar em choque com o presidente da Repblica. Eestimula a participao poltica do povo, abrindo para toda a sociedade, atravs doCongresso, a discusso dos programas do governo.

    Do ponto de vista da social-democracia, no entanto, o fundamental que atroca de sistema seja fruto de uma deciso consciente da maioria do povo, precedidade uma discusso que permita a todos entender as implicaes dessa opo. Assim aadoo do parlamentarismo representar de fato um passo para a consolidao e -mais que isto - para o aperfeioamento da democracia no Brasil.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    29/33

    IV - A SOCIAL-DEMOCRACIA BRASILEIRA E OS PARTIDOS

    Hoje, no Brasil, muita gente de diferentes partidos tem idias iguais ouparecidas com as que expusemos aqui. claro que nenhuma pessoa ou partido pode

    ter qualquer pretenso de exclusividade sobre as idias da social-democracia. S sepode esperar que todos os que se identificam com elas estejam prontos a dialogar ecooperar cada vez mais ativamente para lev-las prtica dentro da realidade

    brasileira.

    Para a clareza do debate e da ao, no entanto, convm ter presente, no s ospontos que aproximam, mas tambm os que diferenciam as foras polticas.

    Assim, cabe a pergunta: como o Partido da Social-Democracia Brasileira sesitua em relao a outras foras que assumem, de alguma maneira, propostas social-

    democrticas?Comecemos pelos pontos que aproximam.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    30/33

    LEGADO OPOSICIONISTA

    Em relao a outras correntes que se consideram "de esquerda" ou"progressistas", o PSDB tem antes de tudo uma afinidade histrica que vem da

    oposio ao regime autoritrio. Como as eleies presidenciais mostraram, essepassado comum no basta para identificar claramente uma opo poltica aos olhos dapopulao. Ele cria, no entanto, um lao forte entre todos aqueles que sofreram atragdia poltica do autoritarismo e acalentaram o sonho da democracia no Brasildesde 1964.

    Existe, em relao a essas mesmas correntes, uma afinidade bsica que tem aver, no tanto com ideologias, mas com o sentimento de indignao diante da tragdiasocial brasileira - a tragdia da desigualdade exacerbada, da misria das massas e dacegueira das elites.

    No Partido dos Trabalhadores, em especial, o PSDB reconhece uma expressoda vitalidade e da autonomia das organizaes populares que floresceram mesmo sobo autoritarismo, com tudo o que isto representa de novidade no ambiente elitista da

    poltica brasileira.

    De outra parte, o PSDB no se recusa a dialogar com setores da elite, namedida em que eles se mostrem dispostos a preservar as instituies democrticas e arealizar por meio delas reformas que preencham o abismo entre a base e a cpula dasociedade.

    Isto posto, h diferenas que devem ser explicitadas.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    31/33

    PARTICIPAO SEM ASSEMBLESMO

    Em grande parte da esquerda, de vrios partidos, o PSDB questiona emprimeiro lugar o vis autoritrio, que se manifesta muitas vezes na forma de

    arrogncia ideolgica e menosprezo pelos mtodos democrticos. Vale insistir: para asocial-democracia, direitos humanos, pluralismo partidrio e eleies livres sovalores fundamentais, no meros enfeites da "democracia burguesa" descartveis emnome da revoluo socialista.

    Porque quer preservar e aperfeioar a democracia, o PSDB no pode aceitar oassemblesmo tpico do PT. A democracia moderna participativa, isto , aberta

    participao das organizaes de base da sociedade. um erro, no entanto, invocaressa participao para tentar passar por cima das instituies fundamentais dademocracia representativa - o estado de direito, o parlamento, o governolegitimamente eleito, o prprio partido poltico. Mesmo porque, a autonomia dasorganizaes de base tambm depende dessas instituies.

    Os comunistas e socialistas em geral, inclusive do PT, dividem a sociedadeem duas classes antagnicas, a dos exploradores e a dos explorados, e se vem comoos nicos representantes autnticos dos explorados. A social-democracia reconhece arealidade da explorao social e das lutas de classes. Tambm reconhece, porm, queno mundo de hoje impossvel enquadrar toda a enorme diversidade de grupos ecamadas sociais com interesses especficos num esquema simples de explorados x

    exploradores. Por isso o PSDB rejeita a viso monoclassista, isto , no se v comorepresentante de uma nica classe social, mas sim de uma aliana ampla que incluitrabalhadores, classe mdia e empresrios sensveis s demandas de justia social. Etampouco pretende ter o monoplio da representao desses setores.

    A combinao de assemblesmo com a viso monoclassista leva a outra coisainaceitvel para o PSDB: o corporativismo, isto , a tendncia de assumir qualquerreivindicao de qualquer grupo social especfico - desde que se enquadre entre os"explorados" - como um direito absoluto. Mesmo reconhecendo que a reivindicao

    pode ser justa em princpio, o partido poltico, principalmente quando tem

    responsabilidades de governo, tem a obrigao de perguntar: quais sero asconsequncias do atendimento dessa reivindicao para o conjunto da sociedade?

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    32/33

    OS LIMITES DO PERSONALISMO

    Em relao ao PDT, o PSDB faz restries especialmente ao personalismoque marcou at hoje a trajetria desse partido. O Brasil precisa de lideranas que

    falem ao corao do povo e tenham ao mesmo tempo coerncia para defender aquiloque consideram o interesse nacional e popular. Mas o Brasil tambm precisa de

    partidos que sejam capazes de se organizar no pas inteiro e atuar de acordo com osmesmos princpios bsicos - respeitadas as diferenas regionais - no plano domunicpio, do estado e da Unio. O PDT no tem conseguido se consolidar fora dasreas de influncia direta do brizolismo. Isto mostra que uma liderana pessoal, porrespeitvel que seja, uma base muito estreita para se criar um partido que tenhaexpresso nacional.

    Como vimos, a social-democracia no aceita a viso de socialismo comosinnimo de estatizao dos meios de produo. Por conta dessa viso, parte daesquerda brasileira no consegue at agora encarar de frente as mudanas que estoacontecendo no mundo socialista. E incapaz de propor qualquer polticaconsequente de reforma do estado intervencionista brasileiro, teimando em defender

    privilgios da burocracia estatal como se esta fosse guardi suprema do interessenacional e popular.

    O PSDB tambm questiona, em setores da esquerda (e no s da esquerda),um tipo de nacionalismo anacrnico, com rano de guerra fria, que v o dedo do

    "imperialismo" em todo investimento estrangeiro e confunde independncia comisolamento econmico. A social-democracia, como vimos, no desconhece osdesnveis e conflitos entre os pases nem a necessidade de polticas que sustentem ointeresse nacional. Entende, no entanto, que no mundo de hoje o interesse nacionalaponta, no para o isolamento, mas para a busca de condies mais vantajosas de

    participao na economia internacional.

  • 7/29/2019 Socialismo - Fernando Henrique Cardoso (a Social-Democracia)

    33/33

    SOCIAL-DEMOCRACIA OU LIBERALISMO

    Por fim, em relao aos setores da elite que hoje se mostram simpticos spropostas da social-democracia, a atitude do PSDB de uma expectativa cautelosa.

    positivo que representantes da elite reconheam os nveis insuportveis dedesigualdade existentes no Brasil e admitam a necessidade de reformas sociais.Muitos deles, no entanto, na hora de dizer como corrigir as injustias, limitam-se arepetir a velha tese liberal do "quanto menos governo melhor": basta tirar o estado daeconomia e liberar o mercado para garantir a felicidade geral.

    O ponto de vista da social-democracia diferente. Vimos que ela reconheceas leis do mercado e o dinamismo da empresa, sim, mas sujeitos ao controledemocrtico da sociedade, atravs do estado e das organizaes no-estatais; e que se

    preocupa sobretudo em reforar e tornar mais eficiente a atuao do estado nas reasdiretamente ligadas ao bem-estar social.

    Seja como for, no indispensvel ser social-democrata para ser co-participante das transformaes da sociedade pela via democrtica. Basta no seagarrar cegamente s vantagens - reais ou imaginrias - da ordem social existente. Eentender que o sentido geral das transformaes, quando se pratica democracia deverdade, s pode ser a eliminao dos privilgios e a participao crescente do povo,tanto nas decises como no bem-estar.