V_o Socialismo Brasileiro e a Social Democracia Brasileira

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INSTITUTO DE HUMANIDADES

CURSO DE CINCIA POLTICA

O SOCIALISMO BRASILEIRO E A SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA VOLUME I PRIMRDIOS DO SOCIALISMO DEMOCRTICO (fins do sculo XIX 1930) FRUTOS DA ALIANA COM OS LIBERAIS

Por Antnio Paim, Leonardo Prota e Ricardo Vlez Rodriguez

Editora Humanidades

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SUMRIO

TEXTO I -

TRAJETRIA DO SOCIALISMO BRASILEIRO Viso sinttica Apresentao do senador Lcio Alcntara do livro O socialismo brasileiro, de Evaristo de Moraes Filho

TEXTO II - LINHAS DE ATUAO NO CICLO INICIAL Situao material da classe trabalhadora, segundo Evaristo de Moraes Filho Movimentos reivindicatrios dos trabalhadores TEXTO III - AS CONQUISTAS DA LEGISLAO SOCIAL Comisso de Legislao Social da Cmara (1918) e primeiras leis Personalidades destacadas TEXTO IV TENTATIVAS FRUSTRADAS DE ORGANIZAO DO PARTIDO SOCIALISTA As iniciativas mais relevantes Os programas partidrios

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TEXTO I TRAJETRIA DO SOCIALISMO BRASILEIRO Viso sinttica No seu livro clssico O socialismo brasileiro (1981), Evaristo de Moraes Filho estabeleceu os parmetros bsicos a serem seguidos na considerao do tema. A primeira de suas diretrizes consiste em distinguir nitidamente o socialismo, democrtico, reformista, radicado no Ocidente, tanto do comunismo que teve maior fortuna e sobreviveu ao longo do sculo XX como do anarquismo que virtualmente desapareceu aps as primeiras dcadas desse sculo. Aquela espcie de socialismo fez sua apario no Brasil ainda no sculo XIX. At a dcada de vinte, no plano reivindicatrio, atuou juntamente com os anarquistas. Com o aparecimento dos comunistas em cena, em 1922, estes progressivamente iro reclamar de exclusividade na matria. No interregno democrtico ps-45, quando a vertente socialista assume feio amadurecida, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrar em franco conflito com o PC. Renascendo, como diversas outras agremiaes, aps os governos militares, o PSB sucessivamente desfigurado. Em compensao, em face da derrocada da Unio Sovitica, o prprio PCB passa a denominar-se Partido Popular Socialista (PPS), aderindo ao socialismo democrtico, e surge outra agremiao pretendendo assumir tal condio: o Partido dos Trabalhadores (PT). Naquele primeiro ciclo, em aliana com os liberais, os socialistas alcanam expressivas conquistas, notadamente aps a Primeira Guerra, quando se organiza, na Cmara dos Deputados, a Comisso de Legislao Social. Comea a estruturar-se a legislao do trabalho, tornada privativa da Unio com a Reforma Constitucional de 1926. Formula-se Cdigo do Trabalho que, entretanto, no chega a ser votado. Os anos trinta representam uma reviravolta em face do franco predomnio das correntes autoritrias. O Partido Comunista, que at ento era uma pequena seita, recebe a adeso de militares positivistas, com Prestes frente, e realiza ampla movimentao com a Aliana Nacional Libertadora. Sem que se estabelea uma ntida separao entre socialistas e comunistas, este segmento da opinio acaba de igual modo distanciando-se do compromisso com as instituies do sistema representativo. Tambm aquela parcela dos militares mantida fora do governo Vargas, organizado em decorrncia da Revoluo de 30, passa a proclamar-se socialista, notadamente atravs de uma organizao denominada Clube 3 de Outubro,(1) inteiramente dissociada de preocupaes de ndole democrtica. Ao mesmo tempo, os castilhistas no poder, com Vargas frente, cuidam de apropriar-se da bandeira da reforma social. Os sindicatos so colocados sob a gide do Estado. O momento devia ser de enorme perplexidade. A crise de 1929 levara os grandes pases capitalistas a enfrentar desemprego em massa. Os liberais pareciam desarvorados e deixavam a impresso de que no sabiam o que fazer. O laissez faire, isto , o no intervencionismo na vida econmica, que os caracterizava, fora apanhado de surpresa. O fato de que John Maynard Keynes (1883/1946) acentuasse suas divergncias com a conduo da economia europia, desde os tempos de Versalhes,(2) publicando em 1926 um livro justamente intitulado O fim do laissez-faire, no produzira maior impacto. Tal somente

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ocorreria a partir do New Deal de Roosevelt, que consubstanciava uma proposta intervencionista, inspirada nas idias daquele renovador do liberalismo clssico. Entre ns, poucos autores(3) contestaram que o problema social decretara o fim do liberalismo, como desde ento tornou-se um lugar comum. Nesse clima, os prprios socialistas democrticos decidiram-se a pactuar com o governo em matria de reforma social. Evaristo de Moraes e Joaquim Pimenta, expoentes daquela vertente, aceitaram a estatizao dos sindicatos. A esse propsito escreve Evaristo de Moraes Filho: "Socialistas ambos, democratas, por uma sociedade aberta e pluralista, levaram para a norma jurdica a experincia acumulada ao longo dos anos. Pensavam que havia chegado o momento da vitria final, fazendo do Estado o aval e a garantia das reivindicaes dos trabalhadores. De um sindicalismo de oposio, procuraram instituir um sindicalismo de controle, integrando o sindicato no Estado, no vendo neles rivais de soberania, mas, antes, aliados no encaminhamento da longa e ampla reforma social que se iniciava."(4) E, assim, o socialismo democrtico deixa-se suplantar pelas vertentes autoritrias. O Estado Novo, sufocando todas as liberdades, fez o resto. Tivemos que esperar o interregno democrtico para que se formulasse uma proposio clara em matria de socialismo democrtico. Desincumbiu-se da tarefa o Partido Socialista Brasileiro, organizado em 1945. Com base na trajetria do socialismo democrtico brasileiro antes brevemente descrita, a presente disciplina ser apresentada deste modo: Vol. I. Primrdios (fins do sculo XIX a 1930) quando, em aliana com os liberais, obtm o incio da legislao social; Vol. II. Vitria da correntes autoritrias nos anos 30 e renascimento aps o Estado Novo; Vol. III. Agremiaes polticas socialistas depois da abertura poltica de 1985. (I) O PSB E O PPS; Vol. IV. Agremiaes polticas socialistas depois da abertura poltica de 1085. (II) O PT; Vol. V - A social democracia brasileira. .

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- Apresentao do Senador Lcio Alcntara do livro O socialismo brasileiro, de Evaristo de Moraes Filho Impunha-se, por diversas razes, a reedio de O socialismo brasileiro, da autoria de Evaristo de Moraes Filho. Em primeiro lugar pelo fato de que, aparecido em 1981, acha-se inteiramente esgotado. Mais importante que isto a circunstncia de que constitui uma comprovao acabada de que o nosso pas dispe de uma larga tradio do socialismo democrtico. Na Europa, ao contrrio do Brasil, a qualificao inteiramente desnecessria. O socialismo, desde o seu nascedouro, est associado s causas democrticas, a partir mesmo da adeso luta pelo sufrgio universal. O comunismo que assumiu feio totalitria, pouco tendo a ver com socialismo, sendo uma expresso do despotismo oriental. Com o seu retumbante fracasso e o simultneo abandono pelos socialistas do projeto de sociedade sem classes para apostar no aprimoramento do capitalismo vertente que passou a ser denominada de social-democracia o carter moral do socialismo passa a primeiro plano, como queria Edward Bernstein. Presentemente reivindicado por personalidades do porte de Tony Blair. Os livros desses autores aparecidos precedentemente comprovam-no integralmente. Evaristo de Moraes Filho justamente um dos mais qualificados representantes do socialismo moral, ocupando na cultura brasileira posio anloga de Norberto Bobbio em relao a cultura italiana. No preparo deste livro optou por selecionar os documentos que melhor expressam tanto a presena como a evoluo do socialismo no Brasil, comentando-os e situando-os em magnfica introduo. A coletnea abrange uma centria, de fins dos anos 70 do sculo passado a 1979. Herdeira autntica da tradio socialista a social-democracia, o que justifica plenamente a incluso de O socialismo brasileiro nesta Coleo. Est em curso a pesquisa que nos permitir complement-lo com o desenvolvimento dessa vertente nas duas ltimas dcadas. Evaristo de Moraes Filho, nascido em 1914, carioca. Seu pai, Evaristo de Moraes (1871-1939) foi o precursor do Direito do Trabalho, advogando em favor dos trabalhadores, em carter pioneiro. Evaristo de Moraes Filho complementaria esse trabalho dando forma acabada quele ramo do Direito. Professor da Universidade do Brasil (atual UFRJ), implantou naquela instituio a pesquisa sociolgica. tambm destacado participante do movimento filosfico nacional, integrante que do Instituto Brasileiro de Filosofia. Pertence Academia Brasileira de Letras. Braslia, novembro de 1998. Lcio Alcntara Senador e Presidente do Instituto Teotnio Vilela

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TEXTO II LINHAS DE ATUAO NO CICLO INICIAL Situao material da classe trabalhadora, segundo Evaristo de Moraes Filho Indstria, proletariado e imigrao Em 1890 possua a Capital Federal uma populao de cerca de 522.000 habitantes, para somente 65.000 de So Paulo. Em 1900, atingia esta ltima a cifra de 240.000 numa verdadeira mutao urbana, segundo as palavras de Moreira Pinto, que a chamava de "a cidade de italianos", j no ltimo ano do sculo. Segundo estimativas, pela ausncia de censos diretos, So Paulo apresentava 300.000 e 375.000 habitantes, respectivamente, em 1905 e 1910. Quando do recenseamento levado a efeito a 20 de setembro de 1906, havia no Rio de Janeiro 463.453 homens e 347.990 mulheres, num total de 811.443 habitantes. Com a Abolio entraram no Brasil 443.892 imigrantes entre 1891/1900, superior totalidade chegada entre 1808 (data do Decreto do Prncipe Regente, de 25 de novembro, como primeira tentativa de imigrao dirigida) e 1890. Pois bem, era grande o nmero de imigrantes em ambas as metrpoles. Basta dizer que, dos 522.000 de 1890, 124.000 eram estrangeiros no Rio de Janeiro, isto , 25%. De 1887 a 1900 entraram no Estado de So Paulo 909.417 imigrantes, com uma taxa de aumento da populao de 86%. De 1901 a 1920 declina esta quota para 38,5%, com entrada de 823.642 imigrantes. No Rio, eram, na maioria, de nacionalidade portuguesa, espanhola, italiana; invertendo-se esta ordem em So Paulo. Somente a partir de 1920 que cresceu a imigrao japonesa nesse estado. Mais particularmente ainda, de 1900 a 1907, entraram no Estado de So Paulo 308.809 imigrantes e dele saram 227.029, mostrando que j havia passado o perodo mais forte e significativo do processo imigratrio.'' Em ambas as cidades crescia a concentrao urbana estrangeira. Revela Bandeira Jnior que a percentagem de estrangeiros nas atividades fabris era da ordem de 80%; outros autores chegam a 90%. Segundo os dados do recenseamento de 1906, no Rio de Janeiro, ocupavam-se no comrcio em geral 66.062 pessoas; nos transportes, 14.217 e na indstria, 73.243, o que representava, de certa forma, uma populao economicamente ativa e bem significativa para esses setores. Pela distribuio das idades, j despontava a caracterstica que ainda hoje persiste na composio da populao brasileira: 257.334 eram menores de 14 anos, para 528.395 que se colocavam entre essa faixa etria e 70 anos. Em 1907, concentravam-se na Capital Federal 30% das indstrias nacionais, possuindo todo o Estado de So Paulo somente 16% do total. No primeiro ano do sculo, conforme inqurito realizado, apresentava a cidade de So Paulo, 144 estabelecimentos importantes, com 11.590 operrios, com excluso dos engenhos de acar. Em 1907, dispunha a mesma metrpole de 153 estabelecimentos industriais, com 14.614 operrios. Pelo visto, era bem maior o proletariado urbano guanabarino, em decorrncia das prprias funes econmicas e polticas da cidade, como capital do pas, dispondo de vias de comunicao ferroviria com as fontes produtoras de Minas e Estado do Rio. Pelo seu porto escoavam essas riquezas, ao mesmo tempo que por ele eram importadas as matrias-primas, combustveis e outros produtos manufaturados. As grandes fbricas, quela poca, procuravam localizar-se nos fundos dos vales, sombra das montanhas cariocas, no que era a periferia da cidade, alm

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de grande concentrao nos bairros da Gamboa e So Cristvo. Assim que chegaram at nossos dias alguns estabelecimentos fabris situados na Gvea, na Tijuca e nas Laranjeiras. As indstrias de tecidos e de alimentao eram as mais proeminentes, a par de um sem-nmero de pequenos estabelecimentos, oficinas, manufaturas de calados, de vesturio em geral, de mveis, de tintas, de material de escritrio, de tinturarias, de fundies, etc. instalados em galpes, fundos de armazns, em locais mais ou menos escondidos, longe dos olhos do pblico e da fiscalizao. A indstria txtil a mais representativa, dispunha ainda na capital paulista de 17 estabelecimentos, com 4.570 trabalhadores, em 1900; de 18, com 6.298 trabalhadores, em 1905 e 24, com 13.396, em 1910. Pelo recenseamento de 1 de setembro de 1920, assim se distribua a p.e.a. brasileira: 6.377.000 (69,7%) na agricultura; 1.264.000 (13,8%) na indstria; 1.509.000 (16,5%) nos servios, num total de 9.150.000. Durante a Primeira Guerra, surgiram entre ns 5.940 estabelecimentos industriais novos, perfazendo um total existente de 13.336, dos quais, j agora, 4.145 se localizavam em So Paulo e 1.541 nesta Capital. Se em 1900 a mo-de-obra estrangeira no pas era da ordem de 59,6%; em 1920 havia cado um pouco essa percentagem, ficando em 54,5%. Admitem os autores que foi esta a marcha brasileira quanto ao efetivo de trabalhadores industriais: 1907, 3.187 estabelecimentos, 149.140 operrios; 1920, 13.336, 275.512; 1940, 49.418, 781.185; 1950, 89.096, 1.256.807. Estes dados so suficientes para os nossos propsitos, quanto ao aparecimento e desenvolvimento do socialismo entre ns. A herana que a Repblica recebeu dissemos, os primeiros anos da Repblica foram de grande agitao. Se 1888 significou, por si s, a primeira grande lei social entre ns, acabando com a escravido e instituindo o regime do trabalho livre, as conseqncias que acarretou foram profundas e duradouras. Faltou-lhe uma complementao necessria, como j em 1864 aconselhava Tavares Bastos, quando cuidava da emancipao do chamado elemento servil. poca da Abolio, outro no era o conselho de alguns espritos alentos, entre eles, Silva Jardim, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Pregavam uma lei de reforma agrria, que fixasse o homem terra, o tornasse proprietrio, dividisse os latifndios, com radical alterao do sistema rural at ento vigente, a fim de que, com o novo regime de trabalho, no se desorganizasse a produo dos campos. Como vimos, os fazendeiros o que equivale dizer, a classe latifundiria que apoiava o Imperador voltaram-se contra ele, aderindo propaganda republicana. Por isso mesmo, coube ao novo regime herdar todos os problemas que se originavam da Abolio: campo desorganizado; quebra da produo; ausncia de brao livre para substituir, de repente, o trabalho escravo; migrao para os centros urbanos dessa mo-de-obra desempregada e faminta, quando no se deixava ficar pelos prprios campos, como fantasma a perambular em torno das antigas fazendas. Tudo isso se transformou em fator socioptico nas cidades, principalmente na Capital Federal: mendigos, vagabundos, prostituas, desabrigados; mo-de-obra despreparada e desqualificada, sem aprendizado nem formao profissional para os novos trabalhos mecnicos que iam surgindo. Empregavam-se por qualquer salrio e para todo o servio. O problema da infncia abandonada e desvalida saltava aos olhos. Os poderes pblicos no estavam preparados para abrigar, alimentar e educar essas legies de crianas filhas de escravos, de ex-escravos, de imigrantes, das classes pobres em geral que se deixavam ficar pelas ruas, entregues ociosidade, ao vcio, iniciando-se no crime, com vrias entradas nas delegacias policiais e na prpria Deteno. Em 11 de setembro de 1896,

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exclamava Lopes Trovo, no Senado Federal: Quem com olhos observadores percorre a capital da Repblica v apesarado que neste meio (a rua) que boa parte da nossa infncia vive s soltas, em liberdade condicional, ao abandono, imbuindo-se de todos os desrespeitos, saturando-se de todos os vcios, aparelhando-se para todos os crimes. Por outro lado, ainda como concausa da agitao, jovem tambm era o prprio regime republicano, lutando igualmente por firmar-se em meio a crises de toda ordem econmicas, financeiras, polticas e sociais. Conspirava-se contra a nova ordem; os monarquistas nutriam ainda esperanas de uma reviravolta. Entre os prprios republicanos lavraram a discrdia e a incompreenso. J a 2 de outubro de 1890, antes do primeiro aniversrio do 15 de novembro, desencantava-se Silva Jardim, dizendo em carta a Rangel Pestana: Comunico-lhe que parto para a Europa, a demorar-me o tempo preciso a que este pas atravesse o perodo revolucionrio de ditadura tirnica e de anarquia. Colocado margem, sem responsabilidade oficial, diminuda a minha responsabilidade para com o povo, no querendo nem concordar, nem perturbar, retiro-me. Aquela no era a Repblica dos seus sonhos... Toda a dcada que se iniciava iria ser cruenta, sanguinria, agitada plena de violncias. Mil oitocentos e noventa e um vai assistir a golpes e contragolpes de Estado. Nos dois anos seguintes viro as deposies de governadores, protestos e reformas de militares, demisses de professores vitalcios em Pernambuco e no Rio de Janeiro, afastamento de ministros do Supremo Tribunal Federal, agitao de rua, decretao de estado de stio, expedio Wandenkolk, a revolta da Armada e a revoluo federalsta. Ao assumir a Presidncia da Repblica, dirigia-se Prudente de Moraes Nao, dizendo nesse Manifesto de 15 de novembro de 1894: "As constantes agitaes que, no primeiro quinqunio, perturbaram a vida da Repblica, no causaram surpresa; eram previstas como conseqncia da revoluo de l5 de novembro. No se realizam revolues radicais, substituindo a forma de governo de uma nao, sem que nos primeiros tempos as novas instituies encontrem a resistncia e os atritos, motivados pelos interesses feridos pela revoluo, que embaraam o funcionamento do novo regime. Foi o que aconteceu no Brasil... Felizmente, graas atitude patritica, pertinaz e enrgica do Marechal Floriano Peixoto, secundado pela grande maioria da Nao, parece estar encerrado em nossa ptria o perodo das agitaes, dos pronunciamentos e das revoltas, que lhes causavam danos inestimveis, sendo muitos deles irreparveis". Infelizmente, enganara-se o autor destas palavras: todo o seu quadrinio foi pleno de luta, sangue e revolta. Basta destacar a Guerra de Canudos. Somente ao deixar o governo., em 1898, que se poder dizer que, de certo modo, a Repblica estava consolidada e pacificada. O novo regime ficava definitivamente reconhecido como irreversvel. As condies de vida e de trabalho nas duas capitais Tanto no Rio como em So Paulo, a mo-de-obra mais qualificada ou semi-qualificada, por assim dizer, compunha-se de estrangeiros. O trabalho do menor e a crise habitacional constituram os dois maiores problemas herdados pela Repblica. O primeiro j vinha do Imprio, posto a nu com a Abolio. A 17 de maio de 1888 registrava o Dirio de Notcias: Habitaes para os operrios e os novos libertos pela Lei urea n 3.353 Sem dvida que pela extino da escravido os novos libertos de perto ou de longe tero de afluir Corte e acumular-se nos cortios e estalagens, cujas condies ficaro piores do que ora so. Assim, pois, julgamos a propsito nestes dias de festa chamar a ateno de todos sobre uma pequena funo que foi

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feita no ato de serem examinadas as plantas de uma sociedade, que tem por fim remediar a grande falta de casas apropriadas para os pobres". E vem ento a descrio do que foi a cerimnia realizada na sede da Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro, na Rua dos Invlidos, para o estudo e exame dos projetos para a construo dessas casas para operrios. A Repblica recebia intacto, sem soluo alguma, o problema do desemprego e da misria. Em ambas as metrpoles para falar somente em Rio e So Paulo persistiam os mesmos problemas de uma urbanizao sem plano, com falta de habitaes, transportes escassos, ruas sujas, estreitas e sem calamento, servios de gua e esgotos precrios, abastecimento insuficiente. Os mais pobres, como natural, sofriam diretamente na prpria carne e sentiam de maneira sufocante todas essas deficincias. Morando em bairros anti-higinicos, em cabeas-de-porco, nas primeiras favelas que j iam surgindo; aglomeradas as famlias em cmodos imundos, sem ar nem luz, entregues os seus chefes a trabalhos estafantes, de 10, 12 ou mais horas de servio, mal remunerados, executados os trabalhos em locais quase sempre insalubres, escuros, mal ventilados, assim viviam os trabalhadores. Mulheres ainda que grvidas e crianas de tenra idade eram obrigadas a mourejar nos servios mais pesados e penosos, durante mais de 12 horas, com salrios nfimos, a fim de poderem contribuir, de qualquer forma, com alguma coisa, para o oramento domstico. A tuberculose, molstia endmica entre as classes pobres, ceifava milhares de vidas por ano. 1. Ainda assim, quando do incio da Repblica, no faltou quem afinasse pelo porque-me-ufano do meu pas, fazendo desta nao um osis de fortuna e bem-estar em confronto com outros povos. O Dr. Urias, j aqui referido mais de uma vez, escrevia em 1890: "A uberdade do seu solo, a regularidade de suas estaes, a pureza de sua atmosfera, e a limpidez do seu cu fazem deste Pas um verdadeiro Paraso terreal. Os seus habitantes vivem fartamente. O estado de misria, igual ao que existe em Londres, Npoles etc., completamente desconhecido no Brasil. O trabalho sempre recompensado com generosidade... No Brasil, mais do que em qualquer pas, com inteligncia, trabalho e economia, s no rico quem mesmo quiser ser pobre. Cinco anos mais tarde outro no era o pensamento de Silvio Romero: num. "abenoado clima", com oportunidade para todos, com falta de braos, no se distinguiam aqui classes ricas e classes pobres, exploradores e explorados. Comparando as nossas classes com as europias, chega a escrever: "Reconheceremos, por toda parte, uma pobreza geral, dando-se at uma singular anomalia: a classe mais pobre que existe no pas justamente a que corresponde burguesia da Europa. E depois de dividir a populao brasileira em seis classes, concluiu: "No sexto grupo faamos aparecer os operrios propriamente ditos: alfaiates, sapateiros, carpinteiros, marceneiros, pedreiros, ferreiros, tipgrafos, encadernadores etc., etc. Em um sentido geral so a gente mais prspera e satisfeita de todo o Brasil,. No se queixam de falta de trabalho, pois, ao contrrio, ele superabunda. Esta gente mais prspera e satisfeita de todo o Brasil o em relao a banqueiros, donos de fbrica, industriais, comerciantes, militares, profissionais liberais,

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polticos etc. o caso de se usar a expresso do prprio autor: Ora, Sr. Slvio, d-se ao respeito! 2. Muito ao contrario do que pensavam e pregavam Urias e Slvio, grande era a pobreza como ainda neste pas. As condies de trabalho eram as mais penosas possveis, num verdadeiro capitalismo selvagem, num vale-tudo sem regras de jogo, numa sociedade anmica. "Enriquecei-vos!", foi a palavra de ordem que logo se ouviu no incio da dcada de 90, com o encilhamento. Na indstria, no comrcio, nos transportes, por toda a parte, pagava-se um salrio de simples subsistncia, em troca de numerosas horas de trabalho, sem repouso, sem frias, sem as mnimas condies de higiene e segurana. Ainda nos primeiros anos deste sculo, testemunhava Evaristo de Moraes: Nesta cidade, sabemos existirem fbricas onde trabalham crianas de 7 a 8 anos, junto a mquinas, na iminncia aflitiva de terrveis desastres, como alguns j sucedidos. O trabalho noturno das crianas praticado em certas fbricas com o das mulheres cercado de todos os inconvenientes e desmoralizaes. Ainda nenhum Ministro da Indstria sentiu a necessidade de um inqurito, que servisse para evitar abusos e verdadeiros crimes, e indicasse a necessidade das reformas e a maneira de as executar. Aqui, o trabalho exercido em condies primitivas". E em outro passo: "H meses, todos os jornais noticiaram que, em certa fbrica, uma operria de seis anos (!) fora colhida por aparelho mecnico, que a deformara para sempre". Em inqurito de 1901, escrevia Bandeira Junior sobre as condies de moradia do operariado paulistano: "Nenhum conforto tem o proletrio nesta opulenta e formosa Capital. Os bairros em que mais se concentram, por serem os que contm o maior nmero de fbricas, so os do Brs e do Bom Retiro. As casas so infectas, as ruas, na quase totalidade, no so caladas, h falta de gua para os mais necessrios misteres, escassez de luz e de esgotos. O mesmo se d em gua Branca, Lapa, Ipiranga, So Caetano e outros pontos um pouco afastados..." E pouco antes: " considervel o nmero de menores, a contar de 5 anos, que se ocupam em servios fabris..." Em 1934, como Diretor do Departamento Estadual do Trabalho em So Paulo, confessava Jorge Street, sobre as condies de trabalho do seu tempo de industrial... (dcadas de 10 e de 20): Havia entre ns no entanto, incontestavelmente, abusos e injustias contra crianas, mulheres e mesmo operrios homens, no que diz respeito idade de admisso, do horrio e do salrio principalmente. E sabeis que falo de experincia prpria, porque durante mais de 35 anos dirigi fbricas com milhares de operrios e sei bem o que vos digo. Confesso que trabalhei com crianas de 10 e12 anos e talvez menos, pois, nesses casos, os prprios pais enganavam. O horrio normal era de 10 horas e, quando necessrio, de 11 ou 12 horas. O que vos dizer das mulheres grvidas que trabalhavam at a vspera, que vos dizer? At quase a hora de nascer o filho. No preciso explicar os exemplos, cito estes unicamente para mostrar que o problema existia. Surpreendentemente vamos encontrar nas memrias de Maurcio Nabuco, h pouco desaparecido, um depoimento bem severo do que presenciou ou do que participou no comeo de sua vida: E no vou tentar aqui explicar essas minhas concluses sobre uma indstria que se baseava em um protecionismo outrance. E a isso ia-se juntando minha repulsa social ao que via e que, feito o desconto da poca e do nosso clima mais ameno, vai descrito em muita obra estrangeira. Na sua vida da Rainha Vitria, por exemplo, Victoria of England, Edith Sitwel, no captulo intitulado The March Past, lembra muito do que vi no

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bairro do Brs, na cidade de So Paulo, em 1910. Diz a clebre escritora em ingls rico aqui vertido para o meu portugus pobre: Essas infelizes crianas (algumas com apenas cinco anos de idade), condenadas escravatura das (mills) fbricas de fiao e tecelagem... quando conseguem chegar em casa pelos seus prprios meios, com suas prprias pernas, atiram-se ao cho... e pegam no sono sem conseguir comer uma migalha sequer de alimento. Ou ento: "E aqui deparamos com vultos alquebrados, arrastando-se desesperados como animais. So mulheres prestes a dar luz e que durante doze ou catorze horas enfrentam os seus teares, mediante a remunerao horria de um penny. Isso no difere muito do que presenciei, digo melhor, daquilo de que participei, no comeo do sculo, na fbrica Sant'Ana. Eu mesmo trabalhava doze, quando no catorze horas dirias. A princpio custava-me ficar de p e depois no gostava mais de sentar-me. A gente se acostumava a tudo. No se pensava ainda em semana inglesa, e, algumas vezes, trabalhava-se aos domingos". No inqurito j referido de 1901, registra Bandeira Junior a grande crise que acabava de se abater sobre o pas com a derrocada financeira de 1897 a 1900: Com a diminuio geral do trabalho em todas as fbricas, algumas das quais funcionavam apenas dois dias por semana e outras que, em nmero no pequeno, cessaram de trabalhar, muitos operrios emigraram, poucos dos mais prudentes vo lentamente se colocando em outros estabelecimentos de melhores condies. Iniciava-se o sculo com crise, em plena carestia de vida, carestia esta que haveria de ser a constante da histria republicana brasileira, at hoje, com os protestos desesperados das classes subalternas. Outro autor paulista, Rangel Pestana, j referido, informa que as maiores vtimas foram os pequenos estabelecimentos, improvisados na primeira dcada republicana pela inflao do encilhamento. Para socorrer e reorganizar os que escaparam do "tufo devastador", logo cuidou o governo de baixar nova poltica alfandegria protecionista em 1900, outra constante da histria econmica nacional. 3. Quanto s condies de trabalho no Rio de Janeiro e para concluir esta parte de depoimentos mediante fontes primrias, de contemporneos bastam esta linhas de tese de doutoramento, em 1907, do jovem mdico Raul S Pinto: "O operrio, nas suas atuais condies de vida, dizemos e havemos de repetir, no morre naturalmente: assassinado aos poucos (...) Dir-se- ento com acerto: a alimentao de um indivduo deve ser diretamente proporcional ao trabalho mecnico por ele produzido. E entre ns os operrios seguem esse conselho? No, porque no podem. Porque sejam mnimos os seus salrios, relativamente a vida que carssima, eles sentem-se obrigados a regular as suas despesas pela mais estrita das economias (...) E que os operrios tenham, em breve, como primeiro passo para a sua tardia integrao social, residncias, seno timas, ao menos salubres e decentes, que os sosseguem do espantalho dos atuais cortios lbregos, onde lhes falta o ar, a gua e todos os princpios essenciais da higiene (...) No Brasil, pas grande em todos os sentidos na extenso incalculvel do seu territrio, na opulncia esplendorosa da sua natureza, na inteligncia pujante dos seus filhos parece incrvel mas verdade, os operrios vivem na mais contristadora das misrias famintos, rotos, desabrigados e esfalfados. E nada se tem feito por eles, que coitados! se encontram agora, como sempre, nas mesmas condies lamentabilssimas". Em seu livro sobre o Brasil, registrava o Padre Gaffr, no fim da segunda dcada da Repblica: Todavia, mesmo para estes elementos de consumo da vida material, os preos

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correntes so infinitamente muito elevados relativamente ao ganho do operrio. O quilo de arroz at seiscentos ris (um franco); o quilo do feijo at seiscentos ris. claro que esta contradio entre o salrio do trabalho e o preo dos alimentos mantm um estado de misria fsica indigno de um grande pas que tende para o progresso como o Brasil, e prepara, para dias que no esto talvez muito afastados, como geralmente se acredita, um largo terreno para o socialismo. poca, outro no era o comentrio de Clemenceau, que aqui estivera antes de Gaffr: "Nossas leis francesas de proteo social para os operrios na indstria e na agricultura so inexistentes..." Entre "outros fatos que muito o contristaram", refere expressamente o de "ver mulheres em adiantado estado de gravidez trabalhando horas inteiras de p. No h necessidade de ser mdico para se sentir o sofrimento dessas operrias". Sociedade altamente elitista, acalentada num longo passado de regime monrquico, caricatamente aristocrtico, e na escravido, entregava-se o pas a torneios literrios e polticos, inteiramente indiferente aos novos escravos que lhe proporcionavam o conforto e o gozo dos bens da vida. Quando em 1919, Rui Barbosa em plena campanha presidencial, levado por um grupo de antigos militantes socialistas denunciou a misria e a morbidez do operariado nas grandes cidades brasileiras, foi como se o Brasil tivesse sido descoberto de novo. Consagrou-se Monteiro Lobato, e muitos indiferentes como o prprio Rui, anteriormente lanaram-se com todas as foras no caminho da reforma social. E Rui, talvez, o mais radical dos liberais brasileiros, fortemente atacado pelos anarquistas. Em 1921 escrevia Evaristo de Moraes: De uns e de outros (do mdico e do demografista) se conclui que a tuberculose mora com o pobre, fazendo boa companhia, alis, ao alcoolismo, prostituio, ao abandono da infncia idnticos produtos da penria econmica. Aqui, no Brasil, no escapamos regra geral, porque estamos sujeitos a todas as contingncias do capitalismo e do industrialismo, e, portanto, ao que se pode (falando a linguagem mdica) chamar seus efeitos secundrios. As normas do proceder capitalstico so estas: tirar do capital a maior soma possvel de vantagens para o seu detentor, promovendo a elevao da renda, sem ateno s conseqncias remotas dos seus atos de arrocho tomam em considerao apenas o interesse pessoal e prximo do capitalista, sobrepondo-o aos interesses gerais... No portanto de admirar o que, no seu ltimo relatrio, consignou o Ministro da Justia e Negcios do Interior, observando que, nesta cidade, de 1903 a 1920, algumas molstias infecciosas febre amarela, peste, varola, sarampo, enquanto que a tuberculose, s ela, matou em idntico perodo nada menos de 68.985. O assunto pacfico, no havendo duas opinies a respeito: eram pssimas, e continuam pssimas at hoje, as condies de habitao de milhes de brasileiros, sem um mnimo de conforto e de higiene sem esgotos, aparelhos sanitrios, gua corrente, cmodos separados, nem qualquer privacidade de seus ocupantes. A convivncia suja e promscua. Em discurso proferido na Cmara, em 1917, denunciava o deputado Metelo Junior que Jos Carlos de Macedo Soares, passeando de So Paulo a Santos, encontrou, s 4 horas da manh, a caminho de Guaruj, naquele terrvel frio de So Paulo, naquela temperatura cortante, um bando de seis a oito crianas, que nem sequer tinham tomado caf e que iam em busca da fbrica, tiritantes. Eram crianas de 6 a 7 anos de idade". (Transcrito de O socialismo brasileiro, 2 ed., pgs. 31-33)

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Movimentos reivindicatrios dos trabalhadores Consoante os levantamentos efetuados por Evaristo de Moraes Filho, a primeira iniciativa digna de nota corresponde ao I Congresso Operrio Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, em 1906, oportunidade em que j aparecem duas tendncias: a anarquista e a reformista. Criou-se uma entidade propondo-se congregar o operariado, a partir de 1908 denominada de Confederao Operria Brasileira. Entretanto, essa Confederao somente dar sinal de vida em 1912, quando convoca o II Congresso. Nesse mesmo perodo tambm surgem organizaes operrias em So Paulo. Em resposta a essa movimentao, o governo promulga, em 1907, decreto em que autoriza o funcionamento de sindicatos mistos, de patres e empregados, iniciativa que viria a ser ridicularizada na Cmara. Ainda no mesmo ano, a Cmara dos Deputados aprova uma lei autorizando a expulso do pas de estrangeiros considerados indesejveis, visando evidentemente os emigrantes anarquistas. Nas proximidades da Primeira Guerra aparecem muitos jornais de vida e efmera, em especial de carter anarquista. Os registros das primeiras greves, em So Paulo, so de 1917. Em 1918 chegou-se a alardear quanto possibilidade de uma greve geral. Na dcada de vinte, com o aparecimento do Partido Comunista, observa-se certo arrefecimento na movimentao dos anarquistas. Em contrapartida, as lideranas reformistas mobilizam-se, com sucesso, para obter, do Parlamento, leis protecionistas dos trabalhadores. As iniciativas quanto criao do Partido Socialista so consideradas adiante.

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TEXTO III AS CONQUISTAS DA LEGISLAO SOCIAL Comisso de Legislao Social da Cmara (1918) e primeiras leis A exemplo do que viria a ocorrer na Europa, a idia socialista no Brasil seria difundida por uma parcela da elite intelectual, partindo abertamente de uma inspirao moral. De incio, essa adeso decorria da circunstncia de que as correntes cientificistas do sculo XIX incorporavam o socialismo como parte do processo de instaurao da sociedade racional. E, embora o cientificismo entre em declnio desde os comeos deste sculo, a denominada questo social adquire autonomia, entre outras coisas graas a altura em que situavam essa bandeira as Igrejas Catlica e Positivista. Se deixarmos de lado as adeses meramente declaratrias, a ao dos socialistas no Brasil somente adquire relevncia quando se direciona no sentido da obteno, no Parlamento, da legislao protecionista do trabalho. Nessa fase, constituem uma espcie de ala esquerda do elemento liberal que, de um modo geral, perde terreno para o autoritarismo em ascenso ao longo de toda a Repblica Velha. Mas precisamente a liderana mais representativa do liberalismo que acoberta, com a sua autoridade, a atuao do reduzido contingente de intelectuais que se revela aberto quela problemtica. Assim, Pedro Lessa, professor famoso da Faculdade de Direito de So Paulo e ministro do Supremo Tribunal, campeo da luta pela consolidao do habeas-corpus e do sistema representativo em sua totalidade, manifesta publicamente a convico de que o socialismo h de impor-se sociedade, em vista de corresponder a profunda aspiraes humanitrias. Em carta a Evaristo de Moraes, Rui Barbosa teria oportunidade de escrever: Nunca fui, nem sou socialista, e ningum est mais longe de o ser. Mas reconheo, como todas as almas justas, que, entre as reivindicaes das classes operrias, muitas h eqitativas, irrecusveis, necessrias boa organizao da sociedade. A principal linha de atuao dos intelectuais socialistas dirigiu-se, portanto, no sentido de obter uma legislao protecionista do trabalho, no que alcanaram notveis progressos. Evaristo de Moraes Filho, que sem favor o mais importante estudioso da questo trabalhista no Brasil, desde que a considera em toda a sua amplitude, entende que h, na mesma fase, um grupo de intelectuais voltado para a organizao do operariado e que insiste na formao de um Partido Socialista. Ainda que no tenham sido bem sucedidos, atribui grande importncia sua atividade. So portanto duas as linhas de atuao do socialismo democrtico neste ciclo inicial. A segunda linha (organizao partidria) abordada no Texto IV, a seguir. Evaristo de Moraes (1871/1939), ao lado de Joaquim Pimenta (1886/1963), sem dvida o mais incansvel organizador da expresso poltica dos assalariados, nas primeiras dcadas deste sculo. Contudo, deve-lhe ser atribuda igualmente a inspirao da simultnea atuao parlamentar, em prol da obteno de leis protecionistas do trabalho. Na srie de artigos publicados no Correio da Manh, a partir de 1903, e que posteriormente reuniria no livro Apontamentos de direito operrio (1905), Evaristo de Moraes teria oportunidade de indicar:

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digno de nota o que se passa, entre ns, com o movimento operrio: fundam-se agremiaes de classe, fazem-se greves, organizam-se festividades, enfim, d-se ao pblico ledor dos noticirios a perfeita iluso da existncia de um partido operrio, com idias assentadas, programa discutido e geralmente aceito, baseado em qualquer doutrina social-econmica e orientado no sentido de uns tantos princpios. Entretanto, em ocasies aproveitveis, como a atual, bem se v que afora uma ou outra idia de velho cunho liberal e republicano; apenas preocupa seriamente o nosso ardente e brioso proletariado a sempre lembrada conquista das famosas oito horas de trabalho; havendo, mesmo, quem se contente com sua decretao para uso e gozo exclusivo dos operrios das oficinas pblica, para os trabalhadores assalariados pelo Governo... At a presente data, bem no se conhece qualquer programa de feio possibilista, com outras exigncias mnimas que, ao menos, servisse para ponto de apoio a algum legislador mais consciencioso e adiantado, quando quisesse, porventura, prestar ateno aos rduos problemas sociais-econmicos. O que, entre ns, mais se aproveita o que se poderia chamar a liturgia do socialismo; tudo se limita a exterioridade brilhantes e a declamaes entusistica, na sua maior parte sinceras mas baldas de significao prtica. De quando em vez, por ocasio das greves, sempre se faz, de momento e com carter provisrio, algum trabalho aproveitvel, conquistando-se para operrios de certas especialidades umas tantas vantagens profissionais. E s... J era tempo, entretanto, de se cuidar, no terreno legislativo, em abrir caminho a alguns institutos jurdicos, especialmente destinados proteo das classes trabalhadoras e modificao das suas condies de existncia. Dada a felicidade social de que nos podemos orgulhar, confrontando nossa situao com a de pases em que a luta das classes muito mais violenta e pronunciada; aproveitadas as condies admirveis do nosso clima; tomada em considerao a relativa harmonizao dos nossos capitalistas com os produtos ningum dir seriamente que, no Brasil, a legislao operria, dentro de certos limites, oferea maiores dificuldades do que na Frana, na Alemanha, na Itlia, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Incontestavelmente, no que dizia respeito a velhas relaes da vida social, a resistncia deveria ter sido, naqueles pases, muito mais tenaz e persistente do que poder ser aqui, onde nem existem partidos organizados, onde os mais radicados interesses cedem a presses mnimas e a entusiasmos de ocasio". Evaristo de Moraes j ento, critica o liberalismo clssico quando classifica como restritivo liberdade o empenho de regulamentar as relaes de trabalho. Aponta para o surgimento do que chamaria de direito privado social tendo em vista que a liberdade, nessa matria, conduz sobretudo a iniqidades. Impe-se a necessidade da regulamentao, no interesse do trabalhador e sem prejuzo do industrial, das condies em que vender a este seu esforo consciente. Urge pois intervir por meios legislativos no sentido de ser efetivamente melhorada a posio econmica do homem assalariado; preciso regular as condies de trabalho, dando satisfao s necessidades humanas do trabalhador. Enumera estes pontos: salrio mnimo; jornada de trabalho e legislao de acidentes. deveras notvel que j nos comeos deste sculo Evaristo de Moraes tivesse esta intuio: A organizao oficial de um tribunal de patres e operrios, destinado a resolver as questes suscitadas a propsito do trabalho assalariado, evitar, at certo ponto, a ecloso de greves, e resolver sem prejuzo das partes, outras questes de somenos importncia, mas dignas de ateno e estudo.

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Em que pese a pregao de Evaristo de Moraes e outros precursores, muitos anos iriam decorrer at que no Parlamento se constitusse uma faco impulsionadora de tais reivindicaes. A legislao da primeira dcada deste sculo imprecisa e no muito claramente direcionada. A esse propsito escreve Evaristo de Moraes Filho na introduo antologia antes mencionada: J a essa altura havia o governo federal promulgado duas leis sobre a sindicalizao, uma de 1903 e outra de 1907, respectivamente, n 979 e 1.637. A primeira somente aplicvel ao campo, era mais de natureza econmica, de organizao rural, do que propriamente social. A segunda, bem mais ampla, abrangia de forma democrtica todas as atividades urbanas, inclusive as profissionais liberais. No art. 8 tentava uma sindicalizao de natureza corporativa, mista de empregados e empregadores, como meio de conciliar os conflitos entre as duas categorias. Na Cmara, Medeiros e Albuquerque ridicularizava o dispositivo, tomando-o como absurdo, porque no se exige que dos sindicatos de patres faam parte os operrios, s dos sindicatos dos operrios se exigem que, para representarem qualquer coisa, deles faam parte os patres. inequvoco o sentido anti-socialista do 1.637, da essa sindicalizao mista. Quando do discurso de apresentao do projeto, dizia o seu autor, deputado Incio Tosta: A minha convico (de converso em lei do projeto) ainda mais se robustece diante dos fatos que ultimamente se passaram na famosa baa de Guanabara e na movimentada cidade de Santos, depois que o ciclone do socialismo, atravessando o oceano at a Repblica Argentina, dali se desencadeou tenebrosamente sobre ns. De 1907 tambm a chamada Lei Adolfo Gordo, autorizando a expulso de estrangeiros indesejveis do territrio nacional. O diploma tinha em vista os imigrantes anarquistas ou agitadores, equiparados, para esses fins, aos proxenetas e aos cftens. A formao da ala trabalhista da Cmara dos Deputados pode ser datada da poca da Primeira Guerra Mundial. Destacando-se nesse grupo: Nicanor Queiroz do Nascimento, cujo primeiro mandato data de 1911; Maurcio de Lacerda, deputado federal a partir de 1912 e Deodato Maia. Integraram a Comisso de Legislao da Cmara, organizada em fins de 1918. So estas as principais conquistas sociais, consignadas em lei graas ao de tais personalidades: 1) Criao, na Cmara dos Deputados, em 1918, da Comisso de Legislao Social; 2) Adeso do Brasil Organizao Internacional do Trabalho, ento criada; 3) Atribuio de competncia privativa Unio para legislar em matria de trabalho, atravs da reforma constitucional de 1926; 4) Consagrao em lei de diversas reivindicaes, tais como: fixao da jornada de trabalho; frias anuais remuneradas; regulamentao dos direitos do assalariado nos casos de acidentes do trabalho etc.; e

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5) Criao das primeiras Caixas de Aposentadoria e Penses. s vsperas da Revoluo de 30, encontravam-se no Parlamento grande nmero de projetos de lei relativos questo trabalhista, inclusive um Cdigo do Trabalho. Personalidades destacadas Parlamentares Transcreve-se a seguir as indicaes de carter biogrfico dos parlamentares antes mencionados, coligidos por Evaristo de Moraes Filho, bem como um discurso de Deodato Maia, que exprime com clareza o sentido de sua atuao. Nicanor Queiroz do Nascimento, nascido no Rio de Janeiro, a 24 de agosto de 1871, foi eleito pela primeira vez deputado federal, pela sua cidade, em 3 de maro de 1911. Formado em Direito, por So Paulo, em 1893. Reelegeu-se em 1912, 1915 e 1924. Desde cedo voltou-se para a proteo das classes trabalhadoras, apresentando projetos de leis que lhes regulassem as condies de vida e de prestao de servio. Jamais enganou sobre a sua orientao poltica: social-democrata, intervencionista, nem socialista se considerava, pois no almejava nem pregava o total desaparecimento da estrutura social do seu tempo. Mas estava sempre a postos em defesa das causas populares. Quando da greve paulista de 1917 e das violncias policiais que se praticaram naquele Estado, para l se deslocou, visitando fbricas, percorrendo delegacias e hospitais, vindo mais tarde a prestar contas Cmara do que observou.. Fez parte da Comisso de Legislao Social, instituda em fins de 1918 com o firme propsito e isso o demonstrou de dar cabal desempenho aos seus ideais. Por isso mesmo no teve o seu mandato reconhecido em 1921, e foi degolado. Fez-se mais tarde professor de Direito Pblico Constitucional, na Universidade Livre da Capital Federal, e Professor de Economia Social, na Faculdade de Filosofia. Entre outros, publicou dois livros. depois de 1930, com muita citao e muita confuso tambm, a despeito do segundo apresentar como subttulo anticonfusionismo. Nesse ltimo, no se consegue surpreender qual a doutrina que abarca, tal o seu cuidado em expor o anarquismo, o comunismo e o socialismo. Escreve na Introduo: Todos os intelectuais sinceros de qualquer credo devemos combater esta gente ambidestra, ou lhes seja o defeito congnito ou educao da malcia, jorrando focos de luz clarssima sobre os fatos, em ordem a iluminar todo o campo, separando as doutrinas, mostrando-lhes a essncia diferencial, definindo-as, caracterizando-as. No quero que ningum se faa anarquista, comunista, bolchevista. No estou a fazer proselitismo. Nem estou em prol de nenhum credo. Classifico-os apenas. Taxolgia.

Maurcio Paiva de Lacerda (1888/1959) era natural de Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro, filho de Sebastio de Lacerda, que foi Ministro do Supremo Tribunal Federal. Formado em Direito no ano de 1909, j no ano anterior havia representado os estudantes brasileiros no 1 Congresso Sul-americano de Estudantes. Serviu como oficial de gabinete do Presidente Hermes e 15 de novembro de 1910 a 1 de maio de 1912. Foi eleito deputado pela

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primeira vez, pelo Estado do Rio, a 30 de janeiro de 1912, reeleito em 1915. Como Nicanor, foi degolado em 1921. Mais tarde, foi intendente pelo Distrito Federal (1928). Quando eleito em 1912, rompeu com o Presidente Hermes, passando a lhe fazer oposio. Palavra fcil, brilhante, segundo Dunshee de Abranches, em toda a vida legislativa da Repblica, foi o deputado que maior nmero de discursos pronunciou at a presenta data (1917). Desde cedo colaborou na imprensa operria, como em Na Barricada (1915) O Debate (1917), Voz do Povo (1920) e outros peridicos. Apresentou na Cmara projeto de Cdigo do Trabalho (1917) e do Departamento Nacional do Trabalho (1918), transformado em lei, mas que permaneceu letra morta. Participou ativamente dos trabalhos da Comisso de Legislao Social e fez-se eco na tribuna da Cmara dos protestos operrios da poca (1917/1920). Na dcada de 20 polemizou com os comunistas, foi atacado, revidou, tendo tentado organizar uma coligao de esquerda s vspera da revoluo de 30 para apoi-la. Conspirou largamentemente, viajando para Buenos Aires, procura de Prestes e de outros militares revolucionrios. Preso mais de uma vez, desde os tempos de Bernardes, viveu realmente uma vida agitada, sempre voltada para a classe operria que lhe correspondia, dando-lhe macia votao para os cargos aos quais se candidatou. Ao contrrio do que se pensa, esteve com a revoluo, comparecendo mesmo a Montevidu como seu porta-voz, espcie de representante seu. Somente em 1931 rompeu com o movimento vitorioso, fazendo-lhe oposio, tendo inclusive, a sua casa varejada pela polcia. Mais tarde, porm, bem mais tarde, veio a dizer a Vargas, referindo-se sua plataforma de Aliana Liberal: Essa to eloqente pgina foi a primeira das muitas que devia escrever esse apostolizador dos direitos do trabalho no Brasil, uma vez no governo revolucionrio de 30, em que comeou criando o Ministrio do Trabalho em 1930, para o qual chegou a pensar em levar-me como expus num dos meus livros sobre a 2 Repblica, e que seria, como foi o rgo supremo da sua prtica social, da qual dimanaria toda uma legislao trabalhista, a qual veio a consolidar em 1943, na "maturidade de urna ordem social" corno uma "coordenao sistematizada" da mesma, tendente um dia a "codificar-se". estranho, realmente, estranho, este elogio de Maurcio a essa legislao do trabalho, chegando a analtec-la at em sua forma consolidada de 1943, quando esta significava a consolidao do corporativismo autoritrio e fascitizante, bem oposta a tudo que o antigo deputado pregara. Dele disse seu filho, tambm Maurcio: Conquanto no radical, era um socialista no mais correto e maravilhoso sentido da palavra. Deodato da Silva Maia, natural de Sergipe foi um grande lutador em prol dos direitos do trabalhador na sociedade capitalista e liberal da 1 Repblica. No possua o talento nem os rasgos verbais de Nicanor nem de Maurcio, mas, como a formiga, no se cansava obscuramente de ir carregando o seu gro a favor da reforma. J em 1912 publicara um livro, embora restrito a certos problemas, reunindo artigos aparecidos em O Paz, sobre o trabalho da mulher e do menor, alm de um projeto sobre a matria por ele apresentado ao Instituto dos Advogados Brasileiros, e um anteprojeto de lei instituindo o Departamento Geral do Trabalho. Deputado na legislatura de 1918/1920, fez-se alto funcionrio do Ministrio do Trabalho, vindo a ser Procurador-Geral da Justia do Trabalho, criada em 1941. No se

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poderia dizer que algum dia chegara a ser socialista, mas no resta dvida de que se constitui como um dos integrantes da "esquerda" parlamentar de antes de 30. Discurso de Deodato Maia (1918) Segue-se a transcrio do discurso pronunciado por Deodato Maia na sesso de 11 de outubro de 1918, da Cmara dos Deputados: A escola de Manchester, todavia vendo-se enfraquecida, procurou justificar a sua ao por meio da doutrina de Darwin. Este, porm, l no fim de sua vida. viu que a teoria, aplicada quela hiptese, no foi das mais felizes, porque nem sempre os homens de dinheiro so os melhores, os mais aptos, os mais capazes. Ento, e apesar dessa campanha formidvel, a legislao operria tomou um grande impulso. Peo permisso Cmara para ler o que em alguns pases se tem feito, se tem produzido sobre o trabalho. Em geral, as leis de proteo mulher e ao menor so as mais antigas de que h notcia. A Frana possui a lei de 2 de dezembro de 1892, a de 30 de maro e a de 29 de dezembro de 1890; a Alemanha a de 1 de junho de 1901 e 14 de agosto de 1903; a Blgica a de 21 de maio de 1884; a Holanda a de 5 de maio de 1889, de 20 de junho de 1895; a Espanha as de 24 de julho de 1893, 13 de maro de 1890 e 8 de janeiro de 1907; o Estado de Nova Iorque as de 10 de abril e 17 de maio de 1906; a Sua a de 23 de maro de 1904, alm de diversas leis cantonais nomeadamente a de Basilia, de 27 de abril de 1905 Existe mais uma infinidade de leis em todos os pases e seria desnecessrio l-las, porque todos conhecem o ponto a que chegou a legislao operria nas naes europias. Eu poderia, Sr. Presidente, demorar-me sobre a anlise das leis estrangeiras, comparando-as ao projeto ora em discusso. Pelo adiantado da hora, porm, restringirei minhas ponderaes, aguardando-me para ampli-las em outra ocasio. O contrato de trabalho, conforme o projeto, no mais do que uma transplantao de doutrinas j consagradas por outros povos. Assemelha-se muito ao contrato de trabalho da Blgica, e ao contrato de trabalho espanhol. s disposies sobre a idade dos menores, j o ilustre representante de So Paulo, Sr. Raul Cardoso, apresentou as necessrias emendas. Como estas, outras foram apresentadas no sentido de que no se ferisse to de perto o nosso sistema de leis. O que dispe o Cdigo Civil no pode se enquadrar na legislao do trabalho, porque so espritos diferentes e diversos os que presidem confeco de um e outro. O nosso Cdigo, tratando da locao de servios, no rege, com este instituto o contrato moderno de trabalho, porque os cdigos civis, em geral, giram em torno da propriedade, esquecendo-se da propriedade mais importante do operrio, que a sua mo-de-obra. O contrato de locao de servios no poder reger relaes do trabalho, porque o trabalho no mercadoria que se possa vender ou alienar. Mercadoria o produto da

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atividade humana, mas separvel do produtor. O trabalho no deixa de ser o resultado dessa mesma atividade, mas inseparvel da personalidade. Como v a Cmara, a locao uma revivescncia do antigo direito, que tinha seu fundamento na conducio locatio operarun dos romanos, isto , os contratos que serviam para os escravos e tambm para pessoas livres, que quisessem contratar seus servios e que ficavam nessas condies na mesma posio de escravo. O operrio hodierno dista destes tempos e no ser na locao de servios que podemos enfeixar suas aspiraes. O mais crculo vicioso, troca de palavras sem efeito prtico. No dia em que tivermos promulgado um Cdigo de Trabalho, todas as relaes jurdicas entre operrios e patres estaro devidamente reguladas. E se necessrio o Cdigo de Trabalho, no estado atual da nossa civilizao, se o operrio nacional precisa de garantias, justo que a Cmara aprove o projeto com as modificaes apresentadas pelo Sr. Raul Cardoso, porque, assim, poder satisfazer todas as suas necessidades. Outro ponto importante do projeto o que se refere reduo das horas de trabalho. A este, como aos demais, j tm sido apresentadas emendas que a Comisso tomar na devida considerao. Quanto aos acidentes de trabalho, o ilustre Deputado por Pernambuco cujo nome peo licena para declinar, o Sr. Andrade Bezerra, j se manifestou de forma e de modo a ilustrar a Casa perfeitamente sobre as origens desse instituto, desde a culpa delituosa at o risco profissional consagrado pelas legislaes adiantas. Se. Presidente, se ns quisermos aprovar este projeto, com as emendas, daremos um bom passo em favor do operrio nacional. Mas, como essas questes so de grande importncia, no seria demais que a Cmara nomeasse uma Comisso Especial para proceder a um inqurito nas fbricas e conhecer as condies do trabalho em todo o pas. O Sr. RAUL CARDOSO: Como fizeram as outras naes. O Sr. DEODATO MAIA: ... , ento, de acordo com a observao e a experincia, se iriam confeccionando leis protetoras do trabalhador. J no novidade em nosso pas a criao de um Departamento de Trabalho. No Estado de So Paulo, que o pioneiro da nossa civilizao, bandeirante que, no cansado de desbravar a terra, vai pelos caminhos da cincia procurando o que h de melhor na legislao dos povos cultos, a fim de transplantar criteriosamente para o nosso pas, existe um Departamento de Trabalho, com servio de estatstica perfeito, sobre todo o movimento operrio e industrial do grande Estado, e naturalmente seria ele um rgo consultivo para a Comisso a que aludi. Sr. Presidente, no querendo tomar mais o tempo precioso da Cmara, visto estar mesmo finda a hora regimental, declaro a V. Exa., no tenho constrangimento em dar meu voto ao projeto, se a medida que tenho a honra de propor, ou seja, a nomeao de uma Comisso Especial para estudar o assunto for julgada em oportunidade. Apresentarei por escrito o meu requerimento nesse sentido. (Transcrito de O socialismo brasileiro (antologia organizada por Evaristo de Moraes Filho, ed. cit.)

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Lderes socialistas No texto seguinte so apresentados dados biogrficos dos principais dentre os lderes socialistas.

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TEXTO IV TENTATIVAS FRUSTRADAS DE ORGANIZAO DO PARTIDO SOCIALISTA As iniciativas mais relevantes Na dcada de noventa so efetivadas tentativas de organizao destes partidos de inspirao socialista: Partido Operrio (1890); Partido Operrio Brasileiro (1893); Partido Operrio Socialista (1895) e Partido Socialista do Rio Grande do Sul (1897). Contudo. as iniciativas mais importantes parecem ter sido as de criao do Partido Socialista em 1902, 1909, 1912 e 1925. Entre as personalidades que se vinculam a tais propsitos destacam-se, entre outros: Evaristo de Moraes, Antonio Piccarolo, Joaquim Pimenta e Agripino Nazar. Os dados biogrficos desses intelectuais, coligidos por Evaristo de Moraes Filho, so transcritos ao fim deste tpico. A respeito destes programas, Evaristo de Moraes Filho manifestou-se, na antologia citada, desta forma: No concordamos com os que enxergam nos programas e manifesto socialistas reivindicaes estranhas realidade brasileira, como se fossem meras tradues ou ecos das exigncias aliengenas. Inspirados, embora, nas doutrinas e nas teorias que se haviam formado nos pases europeus com maior ou menor nfase, jamais deixaram esses partidos de levar em conta as necessidades do trabalhador nacional. Mergulhados at o pescoo no dia a dia da vida miservel que levava o operrio brasileiro, fizeram-se porta-vozes das suas angstias e anseios. Reformistas em sua maioria, esperando que a conquista do poder se viesse a dar indiretamente, pela conquista do Congresso, pelo voto, pelas leis, pelas mudanas institucionais, pela presso popular nem por isso deixaram outros de chegar a apelos revolucionrias ou prpria ao direta, pela greve e demais instrumentos de fatos correlatos. Em que pese o carter precursor de tais iniciativas, o respaldo moral de que se revestiam e as simpatias que sua ao encontrava em setores cada vez mais amplos da elite, cumpre reconhecer que careciam de maior elaborao doutrinria, como se pode ver dos programas transcritos ao fim do tpico. Assim, no programa do Partido Socialista de 1912, aparece esta indicao: Na parte poltica, a proposio principal a realizar seria o estabelecimento de um regime eleitoral novo, fundado na representao proporcional de todas as opinies, idia que no chega a ser desenvolvida. Contudo, esta idia no era de procedncia socialista. No manifesto do Partido Socialista Brasileiro (1925), da autoria de Evaristo de Moraes, j transparece certo desencanto pelas solues liberais, que por essa poca parece apossar-se da elite intelectual. Condena o presidencialismo e, em seu lugar, sugere um governo colegiado, a representao por classes e a extino do Senado. De todos os modos, nenhuma das tentativas descritas chegou a vingar. Acerca dos principais lderes socialistas do perodo, Evaristo de Moraes Filho, coligiu os elementos adiante transcritos: Antonio Evaristo de Moraes (1871/1939), carioca da rua Larga de So Joaquim, lanou-se desde cedo no jornalismo e s campanhas em prol da Abolio e da Repblica. Seu

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nome vem referido por Silva Jardim em suas memrias. Com dezessete anos editou o jornalzinho A Metralha. Fica com Frana e Silva e funda o Partido Operrio em 1890, do qual foi orador. Mais tarde, colabora com Gustavo de Lacerda. Toma parte nas greves dos sapateiros e em quase todas as que se realizaram na Capital Federal nos primeiros anos do sculo. Faz-se scio da Residncia dos Trabalhadores do Cais do Porto, com carteira e chapa comuns, alm de seu advogado. Publica no Correio da Manh a partir de 1903 numa srie de artigos sobre a questo social e a condio operria, reunindo-os em livro, sob o ttulo de Apontamento de Direito Operrio, 1905. Anticlerical, publica em 1911 A Moral dos jesutas. Dele dizia O Amigo do Povo de 6/9/1902: Em defesa dos marceneiros, auxiliando-os e libertando-os das infames ciladas da burguesia, das autoridades e das leis, novamente na arena das querelas entre a vtima e o algoz, surgiu o grande corao, a grande alma de Evaristo de Moraes. Este homem, excelente advogado, esprito cultivadssimo, um dos mais eruditos na sua classe, talvez, sobre a questo social, e que j tem, por um nmero infinito de vezes, prestado os seus valiosos e desinteressados servios aos operrios em greve, perseguidos desatendidos, um dos rarssimos vitoriosos sobre a torpe abjeo em que se afundam os mais ou menos intelectuais de nossa poca. Colaborador da maioria dos jornais do Rio, advogado gratuito dos trabalhadores em dificuldade, principalmente nos processos de expulso do territrio nacional, conseguindo decretar a inconstitucionalidade da lei de 1913, nunca ocupou funes pblicas quela poca, nem recebeu benesses dos governos. Toda a sua vida e sua obra voltaram-se para o combate s injustias sociais: denunciou os imperialismos dos trusts internacionais (hoje, seriam as multinacionais), o enriquecimento de uma classe de privilegiados, em detrimento da grande maioria entregue a mais abjeta misria. Socialista, Benoit Malon, possibilista, pregava e defendia o direito de greve e a liberdade sindical como instrumentos, que se oferecem ao trabalhador, para a mudana social. Participou de todos os movimentos revolucionrios a partir de 1922. Preso vrias vezes, a partir de 1897, esteve na Deteno em 1924 por quarenta dias, ameaado de ser embarcado para a Clevelndia. Participa da Aliana Liberal, vindo a ser Consultor Jurdico, do Ministrio do Trabalho, de janeiro de 1931 a maro de 1932, pedindo demisso do cargo. Fundou partidos e tomou parte na maioria dos movimentos que significassem o combate misria e ao obscurantismo. Antonio Piccarolo (1863/1947), natural da Itlia, formado pela Universidade de Turim, emigra para o Brasil em 1903. Desde cedo imiscui-se no movimento operrio, participando da revista Avanti!, editada em So Paulo desde 1900 e que defende idias socialistas. Homem inteligente e culto, cedo se assenhoreia do movimento socialista em So Paulo, publicando II Socialismo in Brasile em 1908. Analisou as condies econmicas e sociais do pas, recm-sado da escravido, e concluiu que, tirante algumas poucas manchas de industrializao (So Paulo, Rio) e de forte movimento porturio (Rio e Santos), no se podia ainda admitir o advento de um socialismo, baseado num forte proletariado. Aconselhava, pois, a pregao de uma social democracia, como o melhor caminho a seguir. Nem por isso deixou de tomar parte, ativisticamente, nos protestos operrios e nos comcios de reivindicaes da classe trabalhadora. Com razo, pde escrever Dulles: No obstante as divergncias com os anarquista, o professor socialista Piccarolo freqentemente lutou ao lado deles. Assim que, em 1904 Avanti! e o peridico La Battaglia, de Oreste Ristori, publicaram simultaneamente,

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em italiano e em portugus, o manifesto da Comisso Pr Mrtires da Rssia, denunciando a crueldade da Rssia autocrtica contra seus filhos, culpados de um s crime, o de terem amado a liberdade e o bem dos seus prprios irmos. Depois de reprimida a revoluo russa de 1905, Piccarolo associou-se a Ristori, Neno Vasco e a Ricardo Gonalves, jovem poeta anarquista, na convocao de um comcio de solidariedade aos mrtires russos. Na dcada anterior sua morte, escreveu: "Carlos Marx suscitou de um lado admiradores incondicionais, cegos, fetichistas, que juram por sua palavra e fazem do O Capital um novo evangelho; de outro lado adversrios, detratores furibundos, que negam ao pensador de Trves a mais elementar das compensaes econmicas. Eu penso que uns e outros esto em grande erro, e que s abandonando estes extremismos podemos formar um justo conceito de Marx economista... Marx foi um grande pensador, um grande economista, que dedicou toda a sua atividade no estudo dos interesses e do bem-estar das classes trabalhadoras, e disso devem ser-lhe gratos todos os que vivem do prprio trabalho. Mas foi homem; no Deus, nem semideus ... Marx, numa vida de lutas e de sacrifcios, sobretudo numa vida de purssimo altrusmo, deu cincia, juntamente com erros inevitveis, uma grande soma de verdades, que no podem ser nem esquecidas, nem negadas por quem, acima de toda paixo partidria, se dedique ao estudo da economia poltica. Antifascista ferrenho, discorda do anarquismo, essencialmente abstrato e idealista, aproximando-se mais de uma f religiosa, do que de um sistema social cientfico, e deixa transparecer a sua simpatia por um socialismo sem doutrina, nada dogmtico, simples socialismo de movimento, com olhos fitos na longnqua Canaan da verdade e da justia. Professor de Economia Social, na Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo, veio a ter morta trgica, assaltada sua casa por ladres, em 1947. Conhecendo-o na dcada de 20, Hermes Lima refere-se a ele como um scholar, um socialista a servio dos mais puros ideais. Natural da Itlia, Piccarolo tinha uma riqueza a simpatia humana, o saber amadurecido, a erudio aberta, era bom estar junto ao velho Piccarolo. Joaquim Pimenta (1886/1963), natural do Cear, fez sua carreira universitria em Recife, como aluno e como professor, at vir para o Rio no segundo tero da dcada de 20. Fez concurso para professor da Faculdade local em 1917, escrevendo mais de uma tese em concursos posteriores. J em 1919, o seu nome encontrado como um dos chefes e organizadores da greve na companhia Pernambuco Tramways e na Great Western, ambas inglesas. Apoiada pela Unio Cosmopolita e pela Federao de Resistncia das Classes Trabalhadoras, a greve durou pelo menos quatro dias, paralisando toda a costa pernambucana. Circulava somente o jornal Tribuna do Povo, da Federao, que, com a vitria da greve, se transformou em A Hora Social, mas agora como jornal dirio, talvez o primeiro, com esta natureza, em todo o Norte e Nordeste. Homem culto, inquieto, combativo, lder inconteste dos trabalhadores de Pernambuco, coloca-se contra Bernardes. Pouco depois foi criticado por aceitar cargo no gabinete de Joo Lus Alves. Anticlerical ferrenho, foi um dos fundadores do Grupo Chart em 1921. Colaborou com a Aliana Liberal, da qual fez parte, em 1929/30. Vitoriosa a revoluo passa a fazer parte do staff de Color, vindo a ocupar o cargo de Procurador daquela agncia administrativa. Desde 1932 transferira-se para a Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, ficando no Doutorado, porque a matria de Direito Industrial e Legislao Operria estava a cargo de Irineu Machado, antigo poltico carioca, tambm com larga folha de servios prestados s idias liberais e ao operariado da Capital. Pimenta no chegou a ser um marxista, nem um socialista radical, mas foi um grande

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conhecedor das suas doutrinas, militando sempre a favor de um mundo melhor e de uma sociedade brasileira mais justa. Caritativo e bom o foi at o instante final de vida, dividindo com os pobres grande parte do que recebia do seu trabalho. Agripino Nazar, natural da Bahia, jornalista militante desde moo, tambm formado em direito, fez a sua vida de agitador social no Rio de Janeiro e na sua terra natal. Seu nome veio a pblico, com muito escndalo, com processo criminal e priso, na conspirao da projetada revolta dos sargentos, para instituir uma repblica parlamentar, sob a chefia do General Emdio Dantas Barreto. Da mesma acusao como lderes civis, constavam ainda Barbosa Lima e Maurcio de Medeiros. Em fins de 1917 colaborava em O Debate, divulgando a Revoluo Russa. Participou no movimento de novembro de 1918, juntamente com Oiticica, Astrojildo, para derrubar o governo, com conspirao nos quartis em meio a uma possvel greve geral. Fracassado o movimento, embarcava para a Bahia. Chefiou a a maior greve que Salvador jamais assistira, em 1919. Por vrios dias, a vida da cidade parou, com os operrios exigindo vrias melhorias das condies de trabalho, entre as quais, 8 horas de jornada, no que foram atendidos pelo Governador Antnio Moniz. Em 1920 lana Germinal, peridico socialista e se candidata pelo recm fundado Partido Socialista Baiano a deputado federal, sem lograr xito. Em princpio de 1920 1idera nova greve na Bahia, em solidariedade com a greve da Leopoldina do Rio. expulso da Bahia como anarquista, passando a morar definitivamente no Rio de Janeiro, vindo a colaborar em A Ptria, A poca, A Vanguarda e o Imperial, entre outros jornais. Os Programas partidrios Programa do Partido Socialista (1902) Programa Mximo Considerando: Que os graves males e as grandes injustias da presente organizao social derivam do fato de serem os homens divididos em duas distintas classes capitalista e trabalhadores ou assalariados, ou proletrios; que a classe dos capitalistas, com o monoplio dos meios de produo e da troca, e com o exerccio do inadmissvel domnio e do aproveitamento do produto do trabalho alheio, leva conseqncia lgica da degenerao fsica e moral da classe dos trabalhadores, bem como da escravido econmica, e da opresso poltica; que de fato hoje o capitalista quem dispe da vida do trabalhador e da de sua famlia, quando determina por si: quer sobre o salrio do operrio, quer sobre a durao do seu trabalho; se o filho ter que fazer concorrncia ao ordenado do pai, e a mulher ao do marido; se as oficinas so ou no salubres; se as crianas devem arruinar o seu corpo nas fbricas desprovidas de higiene, quando todos os homens tm o direito comum de fruir os benefcios da vida social, desde que para cri-la e mant-la concorram segundo as prprias foras; que a luta universal para conquistar o progressivo melhoramento do proletariado, ou classes assalariadas em geral, comea a manifestar-se tambm no continente sul-americano, e de modo especial no Brasil, onde a crise agrcola e industrial est

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evidenciando, cada dia mais, os problemas sociais, que at agora no apareciam por causa da existncia do trabalho servil ou escravo, que foi substitudo pelo trabalho assalariado; que tempo dos proletrios dessa terra, seja qual for a sua nacionalidade, cor e sexo, unirem-se ao grande partido internacional, que em todo o mundo se bate pela conquista do direito do proletrio, pois que as necessidades do operrio e a explorao do capitalista no distinguem os acidentes de ptria, cor ou sexo, e tambm assim deve ser a resistncia e a luta dos trabalhadores conscientes. Reconhecendo, por outro lado, que no se poder alcanar a emancipao da classe sujeita, e, logo, a instalao do direito comum, seno quando todos os meios de produo, de transporte, de distribuio e de troca (terras, minas, fbricas, estradas de ferro, navios, mquinas, enfim todos os instrumentos de trabalho) dos quais, como do ar, depende a vida de todos, deixarem de ser propriedade individual, tornando-se propriedade Social; Considerando ainda: Que para chegar a esse fim necessria e indispensvel, antes de tudo, a organizao do proletariado em partido de classe, devendo os trabalhadores do Brasil, sem distino de nacionalidade, cor, sexo ou categoria, e que se proponham a emancipao da prpria classe, constituir-se em partido, conforme os princpios acima expostos e com os fins mais imediatos, como sejam: propaganda ativa, tenaz, por meio da imprensa e da palavra entre os operrios, para que fiquem cnscios dos prprios direitos e convencidos da urgente necessidade de se organizarem em partido, aconselhando-os simultaneamente sobriedade, combatendo o alcoolismo e a ociosidade; empregar esforo constante para mover e aviventar o sentimento e a razo de cada um, e para atrair causa socialista os inteligentes e operosos da classe privilegiada; promover e propugnar a constituio das cmaras de trabalho, das associaes de artes e profisses e de resistncia para os melhoramentos imediatos da vida operria; estimular a opinio pblica para obter uma sria legislao em defesa do trabalho, especialmente dos camponeses, de modo a tutelar a vida e a sade dos operrios e, particularmente, da mulher e da criana; exercer presso constante do trabalho sobre o capital para que se consiga a limitao das horas de trabalho, e que as greves dos operrios venham a ser as reguladoras dos aumentos dos seus ordenados, e da conquista dos seus direitos sociais; tornar assdua, a participao dos operrios na vida pblica, para a fiscalizao das rendas pblicas e do modo porque so elas empregadas na satisfao das necessidades mais comuns dos menos protegidos da fortuna; Em resumo: lutar pela conquista dos poderes pblicos, na Federao, no Estado e no Municpio, para os transformar de instrumentos, que so hoje, de explorao capitalista e de opresso da massa popular em instrumento para anular o monoplio econmico e poltico da classe dominante. Programa Mnimo

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1 - Imposto direto e proporcional sobre a renda. 2 - Abolio dos impostos indiretos, e especialmente os de consumo e alfndega. 3 - Trabalho permanente de qualificao eleitoral, e demais reformas que facilitem a ao eleitoral. Seja o dia de eleio marcado para o domingo. 4 - Horrio mximo de 8 horas de trabalho para os adultos, de 6 para os menores de 14 a 18, e proibio do trabalho dos menores de 14 anos. Descanso obrigatrio de 36 horas contnuas, ou dia e meio, por semana. 5 - Responsabilidade penal e civil dos patres nos acidentes do trabalho nas oficinas. 6 - Supresso do exrcito permanente a armamento geral do povo. 7 - Extino gradual e, em geral, de todas as medidas tendentes a valoriz-lo. 8 - Reconhecimento do direito de cidados brasileiros a todos os estrangeiros que tenham um ano de residncia no pas. 9 - Instruo gratuita e obrigatria para todos os menores at 14 unos, ficando a cargo do Estado ou das municipal idades, nos casos em que seja necessrio, a manuteno dos educandos. 10 - Revogabilidade dos representantes eleitos, no caso de no cumprirem o mandato popular. 11 - Regulamento higinico do trabalho industrial e limitao do trabalho noturno aos casos indispensveis; proibio do trabalho das mulheres quando haja perigo para a maternidade e inconvenientes para a moralidade. 12 - Criao de comisses inspetoras das fbricas, oficinas e fazendas, eleitas pelos operrios e retribudas pelo Estado. 13 - Criao de tribunais arbitrais, nomeados dois teros pelo operrios e um tero pelo patres, para resolverem sobre as divergncias que entre as duas classes se produzem.. 14 - Igualdade de retribuio, desde que haja igualdade de produo para ambos os sexos.. 15 - Separao efetiva da igreja e do Estado. 16 - Jurados eleitos pelo povo para toda a classe de delitos, como tambm eleitos todos os membros dos tribunais julgadores, sendo os jurados retribudos pelo Estado. 17 - Supresso de todo o fomento artificial da imigrao. 18 - Adoo de uma lei de divrcio, com a dissoluo de todos os vnculos.

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19 - Referendum econmico, por voto direto, de iniciativa popular. 20 - Justia gratuita para todos, ficando as partes isentas de toda e qualquer retribuio. 21 - Imposto progressivo sobre heranas, at sua completa extino. 22 - Igualdade poltica para os dois sexos. 23 - Voto poltico para todos os cidados, maiores de 18 anos, inclusive as mulheres. 24 - Neutralidade absoluta do Estado nos conflitos entre o capital e o trabalho, e reconhecimento do direito da maioria nas greves. 25 - Abolio dos artigos 204 e 207 do Cdigo Penal, limitando a liberdade de greve. 26 - Reforma penitenciria, sendo abolidas as segregaes e as penas que destroem a personalidade moral do sentenciado, e tambm a deteno dos menores de 18 anos; aplicao do princpio da liberdade condicional. 27 - Tornar privilegiados, em primeiro lugar, todos os crditos dos operrios nos casos de falncias, e quaisquer execues de dvidas e liquidaes foradas. 28 - Absoluta proibio do pagamento de salrios em gneros de consumo. 29 - Penso aos invlidos e a todos os operrios com mais de 60 anos de idade. 30 - As obras pblicas confiadas a sociedades cooperativas de trabalhadores. 31 - Revogao dos artigos do Cdigo Civil; que atacam a personalidade humana, e, entre eles, o que restringe a liberdade de testar. 32 - Reconhecimento da liberdade profissional. 33 - Substituio dos presidentes polticos efetivos por comisses executivas; votos dos jurados a descoberto. 34 - Proibio da explorao de qualquer jogo, inclusive as loterias. 35 - Finalmente, mdico, farmcia, luz e guas, gratuitamente para o povo, por conta dos municpios. (Transcrito de O Estado de S. Paulo, 28/8/1902) Partido Operrio Socialista (1909) O Partido Operrio, que ora surge, mais do que uma necessidade, uma contingncia; abrange no s os interesses econmicos, como as relaes polticas; aqueles

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representam o acmulo das riquezas dos que exploram as geraes trabalhadoras, estas a premncia dos que auferem as posies de mando e poder. Destarte, o Partido tem de compreender os ncleos polticos propriamente ditos, conjuntamente com as classes formadas em sindicatos, contrabalanando aos sindicatos capitalistas de que os partidos burgueses tiram preponderncia. Assim a organizao do Partido, supondo como primeira das suas conquistas a do municpio ou comuna, faz constituir a sua organizao no seguinte programa: 1 - Conquista do poder municipal para transformao gradual do municpio burgus em comuna socialista. 2 - Estabelecimento do tempo mximo de trabalho, de cada ofcio, em cada dia til; mnimo e mximo das idades do trabalhador; mnimo dos salrios regulados pelos preos correntes das aquisies indispensveis subsistncia. 3 - Assistncia obrigatria aos trabalhadores pelos empresrios e patres, em casos de acidente e de invalidez no trabalho. 4 - Assistncia oficial aos velhos e invlidos, desprovidos no direito assistncia do artigo anterior; fiscalizao da assistncia particular, higiene pblica e privada. 5 - Difuso do ensino pela difuso das escolas comuns de aprendizado terico e prtico. 6 - Tributao dos bens acumulados, da propriedade territorial, e da explorao de prdios. 7 - Garantia das colocaes por meio de indenizaes por perdas e danos, aos despedidos sem causas razoveis, comprovadas. 8 - Remodelao do regime de vitaliciedade dos funcionrios pblicos. 9 - Reconsiderao do direito constitudo em face do direito lgico, da boa razo, tendo em vista o legtimo interesse dos indivduos na comunho. 10 - Reivindicao do carter autnomo do Municpio, em suas relaes para com o Estado. 11 - Reconsiderao das velhas frmulas oriundas da superstio tradicional do direito e da justia. 12 - Limite mximo da tributao individual, direta ou indireta, em relao com as economias do indivduo no Municpio. 13 - Termo de moralidade para o nmero e as vantagens dos indivduos, por qualquer modo intrometidos nas funes administrativas ou de eleio para os cargos representativos. 14 - Sano plebiscitria do povo no caso de prestao do chamado tributo de guerra Este o programa mnimo ou de iniciao comunista, propriamente dito, supondo que o programa mdio, compreender maior amplitude para a representao das comunas no Estado.

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Claro fica, que, com esta orientao, que tende a espancar o parasitismo, os cargos de representao no devem ser exercidos por perodos sucessivos, porque no devem constituir nem patrimnio, nem modo de vida, que seria a afirmao de uma imoralidade consagrada pela burguesia. preciso ter a certeza de que para lutar contra os interesses usurpadores da burguesia organizada, s capaz o proletariado fortalecido pela organizao e a disciplina. Nestas condies, companheiros, formemos as nossas legies, que facilitem a vitria no nico terreno em que nos podemos medir com vantagem, com os detentores do poder as urnas! Ns somos os nmeros e a razo, eles so a minoria, a intriga e a iniqidade: eles tm as armas, que so a sua fora, ns temos o trabalho, que a nossa superioridade! Viva o Partido Operrio Socialista. (Transcrito de O Operrio, Rio, 3/2/1909) Fundao de um Partido Socialista No Rio de Janeiro (1912) uma idia que entre ns no aparece pela primeira vez, essa da fundao de um partido socialista. J vrias tentativas foram feitas nesse sentido e todas, por diferentes motivos, falharam completamente. Mas a de agora dizem os seus iniciadores, promete vingar, a exemplo da vitria que, na Inglaterra, acaba de conquistar Robert Smillie, por assim dizer a alma e o chefe da descomunal greve das ndias Negras. Vinha, pois, a propsito, falarmos ao Sr. Melchior Pereira Cardoso e dele colhermos as suas impresses sobre o movimento que ora se pretende levantar. Foi nessas condies que ontem o procuramos, na sede da Sociedade de Resistncia dos Cocheiros, Carroceiros e Classes Anexas. O Sr. Melchior? perguntamos. Um seu criado. E entramos a dialogar. a primeira sociedade socialista de que vai fazer parte? No. Fui um dos fundadores, em 1908, do Partido Operrio Socialista, que ainda hoje existe, e que s no foi adiante por no contar nessa poca com elementos seguros. precisamente o que se no d agora. Tanto assim que, desta vez, garanto o sucesso do meu empreendimento. a primeira sociedade de que fundador?

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No. Entre muitas outras, fundei tambm a Sociedade de Resistncia dos Cocheiros, Carroceiros e Classes Anexas. Foi bem recebida a idia da fundao do novo partido? Muito bem. Temos recebido, eu e os meus companheiros, adeses de todos os pontos de todos os Estados e muito principalmente de So Paulo. Ainda hoje recebi dessa capital uma carta concebida nestes expressivos termos, do dr. Alberico Miguel Roth: A fundao do Partido Socialista Brasileiro, nessa deslumbrante metrpole, mais uma prova de que a sociedade evolui quotidianamente para o progresso e d cabal testemunho de que verdadeiros paladinos do socialismo no cessam de trabalhar para a reivindicao dos direitos das classes laboriosas e oprimidas. Congratulo-me com o Partido Socialista Brasileiro e desejo-lhe uma longa existncia, sempre na vanguarda dos desprotegidos e fracos. Desejando ser til a esse partido, desde j podem dispor os seus organizadores do meu pequeno auxlio intelectual. J foi eleita a diretoria? Por enquanto, apenas a diretoria provisria; 1 secretrio, o sr. Antonio Alves Coelho; tesoureiro, o sr. Rafael Serrato Munhoz, e eu, que sou o presidente. De que constar a solenidade de amanh? De dois discursos proferidos pelos Drs. Irineu Machado e Caio Monteiro de Barros e da festiva comemorao da data de 1 de maio. Esto j assentadas as bases do partido? J. E o programa a seguir? Est no prprio socialismo. Queremos, acima de tudo, a transformao do municpio burgus em socialista. Conseguido esse desideratum, bater-nos-emos pela regulamentao do trabalho das mulheres e das crianas, a fim de proteg-las das classes que as exploram. Outro ponto que discutiremos o salrio mnimo. Quanto aos casos de acidentes, faremos questo da indenizao obrigatria dos respectivos trabalhadores. E que mais? Poderei enumerar outros pontos, como seja: a) A assistncia oficial aos velhos, invlidos e enfermos. b) A fiscalizao da assistncia particular, higiene pblica privada das oficinas e das fbricas. c) Promover a realizao de conferncias e congressos socialistas, bem como a fundao de escolas para a difuso do ensino geral.

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d) A garantia das colocaes e a indenizao por perdas e danos dos despedidos sem causas razoveis. e) Promover uma legislao tendente a regularizar os conflitos entre operrios e patres pelo sistema da arbitragem, no sentido de organizar uma jurisdio especial do trabalho, para garantir o pagamento dos salrios e os direitos do trabalhador. f) A organizao de um grande rgo de publicidade, destinado a defender os interesses do partido e a desenvolver a propaganda do mesmo. g) Espalhar pelos Estados o socialismo. h) Comemorar condignamente a data de 1 de maio. *** Depois de ouvirmos o sr. Melchior Pereira Cardoso, procuramos o dr. Caio Monteiro de Barros, que nos disse: A tentativa de agora j a terceira que entre ns se realiza, posto que datam a primeira de 1908 e a segunda do ano passado. Ambas no progrediram. A de agora, entretanto, estou que triunfar, dada a coeso dos elementos que se uniram para tal fim. Antes de mais nada, devo dizer-lhe que nem eu, nem o Dr. Irineu Machado temos participao direta nesse tentamen. Fomos convidados e nesse carter que nos associamos ao partido que se acaba de fundar. E acha vivel essa idia? Perfeitamente vivel. Enrico Ferri, quando aqui esteve, achou que no tnhamos uma questo social a resolver. Penso que tal afirmao um absurdo, por isso que vivemos sob o regime do capitalismo. Logo, a questo social existe e devemos abra-la. absolutamente racional. E em seguida, o dr. Caio Monteiro de Barros nos exps as suas idias, que ele frisou serem unicamente suas, e so as seguintes: I) A supresso de todas as despesas sem utilidade social de que est onerado o tesouro pblico. II) O imposto direto e progressivo sobre a renda, estabelecendo-se uma iseno mnima. III) A abolio dos impostos que encarecem a vida do povo e a aplicao do imposto direto e progressivo sobre o capital, nas sucesses, doaes, terras e propriedades urbanas. IV) A regularizao do trabalho fixando-se um salrio mnimo e um horrio mximo.

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V) A criao de estatstica, da inspeo e das bolsas de trabalho. As bolsas seriam subvencionadas pela caixa do partido ou pelas municipalidades e tero por fim a resistncia, a propaganda, o ensino, a mutualidade, o socorro e o viaticum. VI) A proibio do trabalho s crianas menores de 14 anos e diminuio progressiva du jornada, considerando-se como mxima a de quatro horas para os trabalhadores de 14 a 20 anos; a de seis para as mulheres e de oito para os homens. VII) A proibio do trabalho prejudicial mulher no perodo de gravidez e do aleitamento e do trabalho noturno, que no seja rigorosamente indispensvel. VIII) Um programa mnimo, constando de uma parte poltica e uma parte econmica. Na parle poltica, a proposio principal a realizar seria o estabelecimento de um regime eleitoral novo, fundado na representao proporcional de todas as opinies, na perpetuidade do eleitor e no reconhecimento du sua capacidade pela magistratura. Garantir-se-ia o sufrgio dos dois sexos e municipalizar-se-iam os servios de utilidade pblica. IX) A reforma da legislao civil e penal, a reforma do ensino com o mtodo nacionalista, o ensino obrigatrio aos menores de 14 anos, a supresso do exrcito permanente e da poltica militar e a extino imediata dos tribunais militares. X) A abolio das subvenes e prerrogativas de que gozam os institutos religiosos e a extino das congregaes religiosas, com reverso de seus bens Fazenda Pblica. XI) A revogao da lei de expulso de estrangeiros e a concesso da cidadania aos mesmos, com mais de dois anos de residncia, no Brasil, bastando para isso a simples inscrio no alistamento eleitoral. XII) Regularizar o trabalho comercial, rural, a domiclio e o servio domstico. XIII) Estatuir o descanso semanal de 36 horas seguidas. XIV) Abolir o regime dos certificados ou cadernetas para os operrios e as cooperativas ou armazns patronais. XV) Estabelecer a responsabilidade dos patres, sob a garantia do Estado, nos acidentes do trabalho e conceder a penso para os trabalhadores, invalidados por acidentes, doena ou velhice, contribuindo para a mesma o Estado e os patres. (Transcrito do Correio da Manh, 1/5/1912) O manifesto do Partido Socialista Brasileiro (1925) Rio, 30 Ser distribudo amanh em todo o pas um manifesto do Partido Socialista do Brasil.

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A publicao condena o presidencialismo, por favorecer o poder pessoal, mostrando-se simptico criao de uma nova forma de governo que a colegiada pequeno grupo de administradores. Igualmente responsveis e investidos da autoridade coletiva sem distino de hierarquia, apenas, at certo ponto, especializado em determinadas funes. Prope a reforma do sistema eleitoral consignando neste captulo, como pontos de seu programa, a representao por classe e o voto obrigatrio e secreto. Faculta os direitos eleitorais mulher, aos marinheiros e aos soldados, e o voto aos estrangeiros residentes no pas. Condena a existncia do Senado, que considera intil, como uma concepo que j no tem razo de ser. Promete combater, por todas as formas, o armamentismo, promovendo a sincera unio de todos os povos, principalmente os das repblicas sul-americanas que deseja ver ligadas por uma Confederao. Promete ainda propugnar pelo reconhecimento da Repblica dos Sovietes e pela liberdade dos cultos, sem nenhum privilgio de religio. Pleiteia a supresso da Embaixada junto ao Vaticano e promete promover a instruo primria e profissional, ambas gratuitas, como tambm a superior. Prossegue o manifesto dos socialistas: O partido cuidar ativamente da regulamentao higinica do trabalho, da instituio dos salrios mnimos, de acordo com o custo da subsistncia e igualdade do salrio para ambos os sexos. Sustentar o princpio da obrigatoriedade do trabalho civil, provendo o Estado os meios de cada um poder empregar a sua atividade segundo as respectivas aptides para supresso da vagabundagem e da mendicidade. Oficializar e desenvolver assistncia a todos os necessitados convencido dos estragos do alcoolismo e da precariedade dos paliativos que contra ele tm sido utilizados; incluir pois, no programa, a supresso do comrcio do lcool, associando a animao compensadora do emprego do lcool nas indstrias. Tambm se bater o partido pela supresso das loterias cuja existncia legitima o jogo em todas as suas modalidades. Bater-se- pela instituio do imposto nico e pela limitao da propriedade territorial; pela oficializao das indstrias e pela limitao dos lucros; pela entrega