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Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito. Sociedade e Cultura Inglesas I Apontamentos de: Manuela Baptista E-mail: [email protected] Data: 09/03/2009 Livro: Sociedade e Cultura Inglesas (UAb) Luísa Leal de Faria Nota:

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Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

Sociedade e Cultura Inglesas I Apontamentos de: Manuela Baptista E-mail: [email protected] Data: 09/03/2009 Livro: Sociedade e Cultura Inglesas (UAb) Luísa Leal de Faria Nota:

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TEMA 2 – DO IMPÉRIO ROMANO AO FEUDALISMO

1. Características políticas do Império Romano • Factores genéricos de caracterização do Império O Império não tem semelhanças com o moderno estado-nação: O Império => assenta em estruturas militares e na capacidade de fazer a guerra Estado-Nação => assenta em estruturas administrativas Dois elementos que caracterizam a sociedade do Império Romano: Conceito de família => inclui não só os laços de sangue mas também o pessoal doméstico e todos os dependentes. Este sistema era ainda alargado pelo sistema de clientela que assegurava formas de protecção e de responsabilidade entre grupos mais ou menos poderosos. A uns proporcionava protecção, a outros prestígio pela protecção que exerciam. Reconhecimento público do mérito individual => teve também efeitos culturalmente importantes. Era feito através da escultura e arquitectura para celebrar a excelência nas artes da guerra e nas de paz. Outros factores: Língua comum => latim Única religião => cristianismo 2. A Inglaterra Anglo-Saxónica • Aspectos da organização social Lealdade => é a mais importante forma de relação entre o senhor e os seus companheiros (comites ou gesithas). A contrapartida para esta dedicação seriam: - recompensas em armas - cavalos e terras - lugar de destaque nas comemorações A estabilidade do período anglo-saxónico deve muito às relações de família (kinship) e o comitatus que se mantiveram ao longo de todo o período anglo-saxónico. Dever de vingança => a relação entre o senhor e o seu companheiro envolvia o direito e o dever de vingança pelo sobrevivente (em caso de morte de um deles). O mesmo acontecia no âmbito da família, quando um deles era assassinado – podiam exigir vingança ou compensações designadas por wergild (preço estabelecido consoante a importância da pessoa assassinada). Quer o comitatus, quer as relações de família, proporcionavam a preservação e desenvolvimento de uma sociedade fortemente hierarquizada. A prova disso são os diferentes valores do wergild, consoante os diferentes estatutos sociais. • Hierarquia anglo-saxónica Nobreza => possuem terras e repetem, nas suas residências, os mesmos hábitos da corte, mas em menor escala. Os seus deveres para com o rei são: - prestação de serviço militar - construção de fortificações - reparação de pontes Em contrapartida, podem utilizar as suas terras e doá-las a quem quiserem. Churl => é o homem livre comum. É ainda proprietário, por vezes, substancial, de terras. Com o decorrer do tempo a sua situação social deteriorou-se, acentuando-se a sua dependência relativamente ao senhor. Laet e camponeses => em certas zonas de Inglaterra, estes estratos distinguem-se abaixo dos churl.

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Escravos => são os último na hierarquia anglo-saxónica. Podia ser comprado e vendido não possuindo qualquer propriedade. Como não podia ser condenado ao pagamento de multas por infracções cometidas, era castigado com chicotadas, mutilação ou morte, a menso que os eu proprietário estivesse disposto a pagar as multas ou compensações envolvidas. Não havia legislação para os maus tratos. Os seus donos apenas tinham sanções eclesiásticas. As diferenças sociais eram claramente visíveis nas roupas, jóias e armaduras. A introdução do cristianismo não introduziu alterações no sentido de uma maior igualdade. • Composição étnica A composição étnica não era uniforme. Beda refere que, entre os sécs. V e XI existiam nas Ilhas Britânicas quatro povos que falavam quatro línguas diferentes unificadas por uma quinta, o latim: Bretões => teriam sido os primeiros habitantes que povoaram o Sul de Inglaterra, vindos do Norte de França Pictos => teriam vindo da Escandinávia, para as costas norte da Irlanda. Os Irlandeses terão recomendado que se estabelecessem no Norte da Grã-Bretanha (Escócia), o que seria cumprido. Irlandeses => Teriam, posteriormente, migrado para a mesma região dos Pictos Ingleses => os Anglos ou Saxões teriam vindo para a Bretanha a convite do rei Vortingern. Em troca das terras deviam proteger o reino. Para Beda, a sua verdadeira intenção era a estabelecerem-se em Inglaterra e dominar o povo local, o que acabou por acontecer. A narrativa de Beda acaba com o capítulo da opressãodos Bretões e destruição das suas terras,pleas armas dos Anglos e dos Saxões, no final do séc. V Não existem provas arqueológicas conclusivas neste sentido, mas o estabelecimento dos povos germânicos nas Ilhas Britânicas evidencia a ruptura cultural com a presença romana, tendo contribuído para a descontinuidade na língua e na religião. • A língua e a religião Língua => ruptura com o latim, como língua vernácula, evidenciada na toponímia (são raros os nomes de cidades, vilas ou aldeias, que conservaram a raiz latina). O latim mantém-se como língua de escrita e comunicação oral como na igreja e nas leis, mas começa a surgir uma literatura vernácula. Religião => rupturas importantes no que diz respeito à presença romana. No início do séc. V, o cristianismo romano parece ter uma enorme importância em Inglaterra, principalmente entre os proprietários de terras. Também em meados do séc. V, São Patrício cristianiza a Irlanda,mas vários acontecimentos contribuiram para isolar a Irlanda: a queda do Império Romano no ocidente, a quase extinção de instituições romanas na Grã-Bretanha e a conquista bárbara em França e Itália, terão contribuído certamente para que a Irlanda desenvolvesse uma igreja e civilização próprias, de raiz celta. A cristianização da Inglaterra teria alguns reveses uma vez que o paganismo continuaria a existir e os conflitos entre casas reais mais ou menos favoráveis ao cristianismo, levariam a flutuações na estabilidade dos cristãos. • A cultura cristã A conversão ao cristianismo provocou alterações significativas em todas as áreas culturais: - substituição dos cultos e rituais pagãos pelos cristãos - com a construção de novas igrejas foram introduzidos novos materiais e tecnologias (tratamento da pedra e novos elementos decorativos) - o latim voltou a ser usado nos rituais religiosos e na escrita

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- liturgia envolvia música, canto e representações dramáticas - a preservação e glorificação das relíquias dos santos originou novas necessidades em bordados, ourivesaria, trabalho de metais e pintura. - instrução e técnica de fazer livros foram aspectos fundamentais mas não se generalizaram – raramente saíam dos limites do mosteiro. - intramuros, floresceram bibliotecas importantes que eram constituídas primeiro com livros traduzidos do continente e logo depois com produções próprias, originais e cópias. alguns autores => padres Santo Agostinho de Hipona e Santo Ambrósio, os poetas cristãos Arator, Próspero e Prudêncio e os historiadores Eusébio e Josephus. algumas obras => Lindisfarne Gospels (do bispo Eadfrith); Book of Durrow e Durham Gospels entre outros (p. 54).O livro não teve impacto social de maior. propriedade da terra => a criação de um mosteiro envolvia a doação de terras que não podiam posteriormente ser reclamadas para outras doações. A fundação de mosteiros podia transformar-se numa instituição familiar quando os membros da família assumiam o cargo de abade, preservando, deste modo, as suas terras de geração após geração. Para além da posse de extensas terras lhes garantir um poder temporal, reforçando o espiritual, era fundamental para a economia do mosteiro para as tarefas a que se propunha (havia necessidade de abundantes recursos nos mosteiros para, por exemplo, compor um manuscrito como o Codex Amiatinus que precisou da pele de 515 vitelos). ensino => as matérias leccionadas eram as necessárias ao desempenho do sacerdócio: o latim, as Escrituras, o cômputo das estações do ano e a música para as cerimónias religiosas. A teologia ocupava um lugar central no curriculum e os mosteiros irlandeses continuavam, no séc. VII, a ensinar gramática e retórica. A partir de meados do séc. VII, o cristianismo impõe-se como modelo de pensamento e de vida, substituindo a filosofia. • As invasões viking e as reformas do rei Alfredo A partir de finais do séc. VIII, a costa leste da Inglaterra começou a ser alvo de raids vindos da Escandinávia, provocando a destruição de vários mosteiros. A invasão viking só foi travada, no último quartel do séc. IX pelo rei anglo-saxónico Alfredo, que conseguiu estabilizar a sua zona de influência (Sul) delimitando-a do norte maioritariamente anglo-escandinavo. A presença viking só desapareceu em finais do séc. X. Apesar de se terem convertido rapidamente ao cristianismo, os vikings provocaram estragos irreversíveis nos mosteiros e bibliotecas e na ocupação de terras. O declínio dos mosteiros e da cultura monástica empobreceu também as artes e diminuiu o contacto entre grandes casas de religião que era tão fundamental à inovação e à criatividade. O rei Alfredo parece ter-se apercebido disto e empreendeu uma reforma educativa com os seguintes objectivos principais:

- desenvolvimento da competência de leitura e escrita em vernáculo - fornecimento de livros em inglês

Pode dizer-se que Alfredo foi o grande impulsionador do old english, na sua forma escrita. Podem distinguir-se 3 fases na literatura anglo-saxónica: período de Beda => anglo-latino, em que apareceu os primeiros versos escritos em old english o de Alfredo => surge a prosa vernácula reforma beneditina => em que o old english escrito se desenvolveu e aplicou a uma série de finalidades civis e religiosas

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O rei Alfredo sabia que a sabedoria (wisdom) era indispensável ao cristão, e que ela se adquiria através da aprendizagem (learning). O seu reinado viu ainda nascer a crónica Anglo-Saxónica que continuou a ser compilada até ao séc. XII. • A reforma beneditina A Inglaterra assiste, no séc. X, a um movimento de reforma da vida monástica, inspirado em movimentos semelhantes aos do continente. O rei Edgar (959-975) será o elemento chave para o êxito da reforma da ordem que fora fundada por S. Bento de Núrsia, porque foi ele que garantiu a doação e conservação de terras indispensáveis à sobrevivência das casas monásticas. Em Inglaterra, a reforma beneditina teve 2 aspectos importantes:

- reforma da vida monástica destacando-se o seu carácter litúrgico e o celibato, bem como a abolição da propriedade privada

- tentativa de uniformização das práticas das diferentes casas monásticas Apesar dos esforços do rei, a reforma beneditina não atingiu a totalidade da Inglaterra, mas só o Sul onde o rei tinha terras. Inovações introduzidas pela reforma:

- alterações na arquitectura das igrejas para acomodar procissões, coros e canto em antifonia - a iluminação e a ornamentação das alfaias litúrgicas, sublinhada pela riqueza dos materiais e

a elaboração dos desenhos - a arte deste período ficou conhecida como Winchester art devido à preponderância da

catedral de Winchester no processo da reforma. Segunda vaga de invasões vikings => deu-se no final do séc. X e princípio do séc. XI, que obrigou ao pagamento de pesados tributos. Mas o cristianismo não enfraqueceu e o próprio rei Canuto, dinamarquês e rei de Inglaterra fundou mosteiros e foi patrono das artes. O fim da Inglaterra teria a influência dos franceses e não dos vikings. Enquanto que Eduardo, o Confessor (1042-1066) trouxe para Inglaterra modelos do continente que iriam marcar a vida da corte, Guilherme, o Conquistador, iria promover uma sangria de bens e de riquezas para o continente, bem como, um programa de construção de castelos e igrejas em Inglaterra, que destruiu ou fez desaparecer a maior parte da herança anglo-saxónica.

TEMA 3 – A INGLATERRA MEDIEVAL: SÉCS. XI A XIII • O contexto político No ano 1066 começou a última das invasões nas Ilhas Britânicas - batalha de Hastings ocorreu em 1066. A invasão normanda foi uma conquista aristocrática liderada por um homem (Guilherme) que conquistou um reino e distribuiu terras pelos seus seguidores, formando-se assim uma nova aristocracia que ocupou o lugar da antiga nobreza inglesa. A nível político, dois traços importantes sobressaem:

- formação dos organismos de consulta e decisão no âmbito do poder real - formação, ainda em embrião, do parlamento

casa real => governava ainda directamente o país, no tempo de Guilherme I. A organização central era o Exchequer, que reunia em sessão duas vezes por ano, com a presença de todos os ministros do rei, cujos procedimentos ficavam registados por escrito. Estes registos eram designados por Pipe Rolls e eram enrolados e guardados, lado a lado, adquirindo um aspecto de tubos. A consulta do Pipe Roll indica que o governo da Inglaterra começava a ser centralizado e que já existia uma organização elaborada de controle no reino a nível de finanças e justiça. Outras componentes da casa real:

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- capela: dirigida pelo Chancellor cuja função de extrema importância consistia em guardar o selo real e superintender nas tarefas de administração do reino. - Hall: a sua organização era extremamente complexa envolvendo a administração das comidas e bebidas. - câmara (chamber): a câmara real era objecto de uma administração exigente e cuidada, não apenas por envolver o bem estar do rei mas também porque nela teve origem o Tesouro, porque na altura o lugar mais seguro para guardar as riquezas pessoais, era o quarto de dormir. Funcionário mais importantes da câmara real:

- master chamberlain - tesoureiro

Da casa real faziam ainda parte:

- constable (função de zelar pela segurança dos membros da casa e controlar as forças reais em tempo de guerra)

- marshal (zelar directamente pelo rei, a sua vida diária e rotinas) A casa real iria mudar entre os sécs. XI e XIV. No princípio do séc. XIII já o Exchequer era um departamento do Estado e o tesouro um departamento subordinado, mas ambos separados da casa real. Todavia, o rei continuava no centro da política, bem como os membros da sua casa: - Chancellor: já não tinha a Chancelaria no hall real. - Justiciar: era a pessoa que substituía o rei nas ausências. - Treasurer: era substituído pelo Justiciar e o Chancellor Constata-se, deste modo, que o poder do rei era partilhado com os nobres, sendo o Exchequer uma instituição sem par nos outros países da Europa Ocidental. Magna Carta => salientar a sua importância; era um documento autenticado com o selo real. Neste documento, o rei fez concessões a todos os homens livres que seriam sempre reconfirmados pelos seus sucessores até à tomada de poder por Henrique VII, no séc. XV. A Magna Carta é comumente apontada como a precursora dos grandes estatutos do séc. XIII e simbolicamente considerada o documento fundador da democracia parlamentar britânica. Parece, no entanto, indiscutível que a Magna Carta aponta para uma nova época, em que o poder real será controlado não pelo medo da revolta mas pela aceitação da lei. Simon de Montfort => destacar esta personagem, frequentemente evocado no séc. XIX como o fundador da democracia, que convocou os representantes dos shires e dos boroughs para uma só assembleia. Entretanto, o Great Council, composto por barões, reunia com menor frequência, sendo mais eficazmente substituído por um conselho mais restrito e mais próximo do rei. A s reuniões do Grande Conselho passaram a ser chamadas de Parlamento (do francês) – parler => parlement. • Os laços sociais Os que serviam o rei na casa real eram recompensados em dinheiro, géneros, roupas e terras. Como progressivamente as terras foram escasseando, as doações reais passaram a fazer-se através de pagamento de uma renda anual extraída de um shire, paga pelo sheriff ou directamente pelo Exchequer. Salisbury Oath => No séc. XI (Guilherme I), todos os que possuíam terras com alguma dimensão foram chamados a prestar um juramento de fidelidade (Salisbury Oath). O rei seguiu provavelmente dois critérios, relativamente à distribuição das recompensas em terras:

- segurança dos pontos-chave nas suas fronteiras - garantir a dispersão das terras para não ter recursos concentrados que pudessem pôr em

perigo a soberania real

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A estabilidade e força da nova sociedade ficou a dever-se ao cruzamento de interesses que obrigava os grandes senhores a acompanhar o rei nas suas visitas a todas as regiões do país, por forma a superintenderem nas suas próprias terras. Esse laço que deveria ligar cada pessoa ao rei, funcionava por gradações sucessivas num complexo processo de relações e dependências: Liege homage => os senhores feudais podiam também doar terras, criando um laço especial que vinculava o cavaleiro ao seu senhor. Allegiance =>quando um cavaleiro recebia terras de mais de um senhor deveria allegiance, ou seja, obrigavam o cavaleiro a nunca julgar o seu senhor,e a segui-lo em guerra contra todos, excepto o rei, servindo-lhe o senhor como segurança quando necessário. Scutage => quando um cavaleiro podia receber terras de mais de um senhor, e sendo impossível prestar a todos os serviços devidos, era-lhe permitido trocar os serviços pelo dinheiro. Assim, distinguia-se os cavaleiros que cumpriam serviços militares e os que aceitavam terras com a intenção de não prestar esse serviço e pagá-lo em dinheiro. Esta organização assentava num sistema político de autoridades divididas, onde o poder se fragmentava em pequenas partes autónomas. Não existia uma escala hierárquica linear de senhores, vassalos e camponeses. A hierarquia caracterizava-se frequentemente por uma cadeia de relações e obrigações em que os grandes proprietários «sublocavam» partes das suas terras. Na base da hierarquia estava a população, objecto de governação, não sujeita a uma relação política. • Enquadramento sócio-económico open fields => a população da Inglaterra medieval vivia principalmente da agricultura e uma grande parte do território estava coberto por florestas. Por imperativos de subsistência, a área florestal começou a ser reduzida. As terras aráveis eram normalmente cultivadas em 2, 3 campos abertos (open fields). Este sistema de cultivo em regime de open field, manteve-se praticamente inalterado até à revolução agrária do séc. XVIII. Ovelhas e carneiros => já neste período, em muitas zonas de Inglaterra, o que dominava os interesses económicos era as ovelhas e os carneiros e não a agricultura. Os excrementos serviam de adubo; do leite fabricavam-se queijos, as peles serviam para pergaminho para os livros e registos. A lã era o factor de maior interesse, entrando este mercado em franca expansão no séc. XIII. O povo não era uma massa uniforme de pessoas. A maior parte não tinha liberdade pessoal e era designada ao longo da Idade Média por «vilão». Havia ainda quem tivesse o estatuto inferior de «escravo». Vilão => villanus (habitante de aldeia) é uma designação que abrange a maior partes dos camponenses da Idade Média. O seu grau de liberdade era variável, mas era sempre reduzido devido à dependência quase absoluta relativamente ao senhor. Homens livres => apesar de em menor número do que os vilãos, foi aumentando à medida que a servidão ia desaparecendo. Borough => no período anglo-saxónico existia já uma cidade – borough – em cada shire. Era um lugar onde se podiam realizar mercados e onde a troca de produtos se efectuava sob o olhar de testemunhas. Nestes lugares, podia-se cunhar moeda e servia de refúgio em tempo de guerra. Os dois critérios que parece terem levado à criação de boroughs são:

- comércio - defesa

Entre 1086 e 1286, a economia britânica não sofreu grandes alterações. Há sim um aumento de população. Se as formas de produção não mudaram significativamente, algumas atitudes eram muito diferentes no princípio do séc. XIII. Um aumento acentuado dos preços obrigou os grandes senhores, que viviam de rendas, a tomar directamente conta das terras, originando a literatura sobre

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administração e gestão de propriedades, bem como sobre a agricultura, cuja obra mais famosa é o Tratado de Husbandry de Walter of Henley.

TEMA 4 – A INGLATERRA MEDIEVAL: SÉCS. XIV - XV • O contexto político-social A nível político, o período entre 1290 e 1490, em Inglaterra, é marcado por uma sucessão de guerras e conflitos: Internos => soberanos ingleses procuram o domínio territorial sobre o País de Gales, a Escócia e a Irlanda, ocorrendo terríveis conflitos sucessórios. Eduardo I (1227-1307) procurou afirmar a soberania inglesa sobre o País de Gales e sobre a Escócia, mas relativamente à Escócia a subordinação não foi pacífica. Os conflitos com os escoceses prolongaram-se ao longo do séc. XIV, em simultâneo com problemas de soberania na Irlanda, que devido à hostilidade ao regime inglês (por ter enfraquecido os recursos da região) preferia estar sob a alçada da Escócia. As guerras internas impulsionaram mudanças de tácticas militares e uma relativa «modernização» dos exércitos, levando às vitórias em Crecy e Poitiers. Externos => lutas pela conservação dos seus territórios em França, ameaçados pelos soberanos franceses, gerando-se progressivamente um reforço da identidade nacional. Os problemas geravam em torno do território da Gasconha, onde os reis ingleses (Duques de Aquitânia), deviam vassalagem ao rei de França. Os conflitos iriam sendo agravados pelo facto da França apoiar a Escócia contra a Inglaterra. A guerra começaria em 1137 e por ter durado mais de um século, ficou conhecida como a Guerra dos Cem Anos. Mas os custos de guerra eram extremamente elevados, financeira e socialmente. Porém, o esforço de Guerra em França não gerou instabilidade política ou social dentro de Inglaterra. Aliás, conseguiu simultaneamente defender a fronteira com a Escócia, manter a paz no País de Gales e evitar revoltas na Irlanda. Feito que se ficaram a dever a Eduardo III e ao seu filho, o Príncipe Negro (nunca chegou a governar porque morreu antes de seu pai – sucedeu-lhe o filho, Ricardo II). A nível social, também surgem alterações:

- alargamento da classe dos mercadores e profissionais liberais, e novos proprietários de terras - redistribuição da riqueza e alteração da produção

Novo espírito crítico relativamente à igreja, levando a mudanças:

- aparecimento de heresias - maior sentido de individualismo, expressando-se através do misticismo e de novas

representações estéticas testemunhadas por uma humanização das figuras de culto O rei e a corte e a casa real no centro, continuam a ser o fulcro da política e do governo britânicos. As relações de família ou kinship estruturam ainda a sociedade e os comportamentos individuais e sociais. Mas as guerras internas e externas acabaram por despoletar mudanças sociais. A nível político interno => entre 1290 e 1390, o teor das relações entre o rei e os seus magnatas indicam uma progressiva deterioração das relações pessoais. Assim:

o os nobres recorrem a instrumentos legais e constitucionais para enfrentarem a vontade contrária do rei

o em 1297 e 1300 os nobres invocaram a Magna Carta para se insurgirem contra os impostos levantados sem o consentimento do contribuinte

o em 1308, o novo rei Eduardo II, na sua coroação, foi forçado a um juramento que o obrigava a respeitar as leis e os costumes ingleses

o em 1311, foram proclamadas ordenanças que visavam limitar o poder do rei o em 1326-1327, a deposição do rei constituiu um facto sem precedentes na história da

Inglaterra o o regime de Eduardo III (sucessor de Eduardo II) foi também abalado por crises,

quando, nos anos 70, os Comuns no Parlamento questionaram a honestidade e competência dos conselheiros do rei, levando à deposição de ministros membros do

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clero. No futuro, os detentores de posições de privilégio e responsabilidade podiam ser publicamente responsabilizados pelas suas acções através de um procedimento que passou a designar-se por impeachment

o a menoridade de Ricardo II, filho do Príncipe Negro, pôs problemas de governação que tiveram influência na Revolta dos Camponeses, em 1381. Uma das razões de descontentamento era o lançamento do poll tax destinado a financiar a guerra contra a França.

Revolta dos Camponeses => foi interpretada por muitos historiadores como o movimento precursor de reivindicações posteriores, que contribuiram decisivamente par ao fim do regime de servidão em Inglaterra

o Existem outros factores de ordem religiosa (descontentamento relativamente à Igreja) e ordem social (ressentimento contra a política de repressão seguida pelos proprietários de terras).

o a autoridade do rei começava a ser questionada pelos nobres, num crescendo de conflitos, que culminaria, em 1388, no Meciless Parliament, em que o rei foi forçado a submeter-se a uma facção de Lords, levando o país a uma nova crise política e institucional.

• A Guerra das Rosas Guerra das Rosas => foi o conflito que opôs a casa de Lancaster à casa de York, lutando entre si pela coroa inglesa, continuando a enfrentar a guerra com a França e a instabilidade interna, gerada pela guerra civil e pelas dificuldades em manter as pretensões de governo sobre Gales, Escócia e Irlanda. Bolingbroke (Henrique IV) => a consolidação de Bolingbroke no poder foi conseguida através do esmagamento de revoltas internas, nomeadamente a do País de Gales, que mobilizavam necessariamente os nobres que lhe eram favoráveis contra aqueles que defendiam Ricardo II ou os seus potenciais herdeiros. Porém, ele conseguiu também governar com o apoio do Parlamento, sem abdicar dos seus poderes reais (direito e dever de governar o reino). Casa de Lancaster => os reis desta casa, tendo fundado a sua dinastia num claro acto de usurpação, e sabendo-se permanentemente ameaçados por actos idênticos, necessitavam em absoluto do apoio dos poderes existentes, sobretudo dos grandes magnatas. Estes, por seu lado, consideravam-se os dirigentes naturais da sociedade, e por conseguinte, os conselheiros naturais do rei. Numa hierarquia de barões, viscondes, condes, marqueses e duques, os magnatas britânicos tornaram-se, no séc. XV, num grupo social hereditário e estritamente definido, coincidindo praticamente com o conjunto de pares que tinha assento na Câmara dos Lords. Se os interesses do rei estavam intimamente ligados aos dos nobres, os dos nobres estavam relacionados com os da gentry (gentlemen, esquires e cavaleiros), que desejavam a protecção e senhorio dos magnatas e que, em troca, ofereciam serviços fiéis. Os magnatas davam gratificações, terras e lugares, e a gentry dava conselhos, apoio e ajuda militar. Henrique IV legou ao seu sucessor, Henrique V, um reino pacificado e um trono reconhecido externamente através de alianças estabelecidas com a Alemanha, Escandinávia, Bretanha e a Flandres Borgonhesa. Estas condições permitiram retomar as campanhas em França. Henrique V => conseguiu:

- vitória de Agincourt (1415) - conquista da Normandia - Tratado de Troyes (1420) firmado com Charles VI, que fez dele regente da França e herdeiro

do trono de Valois. A sua morte impediu-o de subir ao trono, em França, herdando o seu filho, Henrique VI, a monarquia dupla.

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Carlos VII => a sorte mudaria com a coroação deste rei em Rheims (1429) e com um novo fôlego adquirido pelos exércitos franceses com a inspiração de Joana D’Arc:

- perda da Normandia (1450) - perda da Gasconha (1453) - restava Calais – posteriormente perdido no reinado de Mary Tudor (séc. XVI)

Henrique VI => seria confrontado com estas derrotas pelos nobres descontentes com a perda dos seus territórios em França e pelo povo. Ao descontentamento geral, acresce um problema de governação decorrente de um colapso físico e mental do rei, que abriu novas expectativas às pretensões da casa de York à coroa. As tensões degeneraram nas batalhas de Blore Heath e Ludford Bridge e na condenação do Duque de York no Parlamento de Conventry. Casa de York => finalmente, em 1461, o novo Duque de York, Eduardo, com o auxílio do Duque de Warwick, conquistaria a coroa. Mas o estabelecimento da dinastia de York não foi pacífico. Apesar da deposição de Henrique VI, a rainha e o filho continuavam vivos, polarizando descontentamentos e proporcionando novas alianças. Eduardo IV acabaria por ser deposto e ... Casa de Lancaster => ... Henrique VI reinstaurado. Mas também Eduardo IV continuava vivo e disposto a recuperar a coroa ... Casa de York => ... o que finalmente conseguiu (Eduardo IV) com a vitória em Tewkesbury, em 1471. A mulher de Henrique VI foi feita prisioneira, o filho morto na referida batalha e Henrique VI morreria, na Torre de Londres. Ficava, assim extinta a principal linha de Lancaster. Casa de York => não seria muito duradoura. A sucessão de Eduardo IV, coube novamente a um menor, o seu filho Eduardo V, que não chegaria a ser coroado. O Duque de Goucester encontrou a oportunidade de usurpar a coroa ao seu sobrinho, que terá mandado executar juntamente com o seu irmão e subiu ao trono com o nome de Ricardo III. Guerra das Rosas terminaria => com a vitória de Henrique Tudor sobre Ricardo III na batalha de Bosworth (1485). Henrique VII => tomaria medidas para garantir, não apenas uma sucessão legítima, mas também o fortalecimento de um governo que tenderia já a assumir as características modernas de consolidação do Estado e da Nação. • As relações sociais e a religião A instabilidade política da Inglaterra dos sécs. XIV e XV foi acompanhada por um conjunto de mudanças a nível económico, social, religioso e cultural que tendem para o rompimento das relações feudais do kinship. O governo da Inglaterra adquiriu, progressivamente, as práticas e rotinas administrativas que lhe permitiam acção eficaz no levantamento regular de impostos, cobrança de taxas alfandegárias, nas questões práticas da guerra, manutenção da lei e ordem internas (governo coordenado, concentrado e sedentário). Londres e Westminster transformaram-se nos grandes centros administrativos, comerciais e culturais do reino. O Parlamento começou a reunir com regularidade, com funções próprias, a partir de 1337. Nível económico e social => assistiu-se gradualmente ao desaparecimento do manor feudal, à medida que os serviços eram comutados em dinheiro. A Peste Negra também contribuiu para alterar as relações sociais e para o desaparecimento progressivo da servidão rural, ao dizimar cerca de um terço da população da Inglaterra. A escassez de mão-de-obra terá levado ao recurso do trabalho pago, com o estabelecimento progressivo de uma

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classe intermédia de pequenos proprietários e trabalhadores livres, que começaram a preencher a imensa distância social do feudalismo, entre proprietários e vilões. A gradual libertação dos servos e o crescimento de uma classe intermédia de pequenos proprietários livres, foi acompanhada por um crescente descontentamento com os procedimentos da Igreja e por uma alteração nos comportamentos relacionados com a religião. Individualismo => indicadores como a arte (virgem do Menino ao colo ou de Cristo crucificado em expressão de movimento) apontam para uma importância crescente do individualismo no séx. XIV. • A religião Misticismo => no séc. XIV é outro indicador da tendência que tem em Richard Rolle, Walter Hilton ou Juliana de Norwich uma expressão escrita, apelando e recomendando uma vida contemplativa, a um público cada vez mais letrado. Também surgem entre os leigos, expressões de misticismo, como no Book of Margery Kempe, a autobiografia espiritual de uma burguesa de Lynn, que exemplifica as virtudes que os leigos (homens e mulheres) devem procurar, e as revelações, visões e êxtases através dos quais as alcançarão. Lolardia => o séc. XIV assistiria ao nascimento de um movimento muito mais radical do que as expressões individuais de misticismo – o dos Lollards – inspirados por Wycliffe, que questionaram abertamente a actividade da Igreja e preconizaram a cisão com ela. A Lolardia foi considerada herética e os seguidores de Wycliffe foram perseguidos e condenados. Este foi um movimento tipicamente inglês que inspirou uma série de textos polémicos bem como a primeira tradução completa da Bíblia, em 1396. Wycliffe apelava ao espírito anticlerical da época, criticando a riqueza da Igreja e a mediocridade de muitos dos membros do clero. A extinção da Lolardia, no séc. XIV não aniquilou alguns dos princípios fundamentais que, mais tarde animariam a Reforma e o Puritanismo: hostilidade à autoridade eclesiástica, devoção centrada exclusivamente nas Sagradas Escrituras e a confiança numa Bíblia em inglês. Misticismo e movimento Lollard => já apresentam uma progressiva «nacionalização» da Igreja inglesa. • Indícios da formação da nacionalidade: a língua, a literatura, as artes Existem outros fenómenos sócio-culturais que indicam uma progressiva formação da nacionalidade em termos de hábitos, costumes e práticas sociais. Uso do inglês => em detrimento do francês e do latim, como língua de debate político no Parlamento. O uso do inglês num crescente leques de actividades poderá ter diversos motivos:

- reacção à longa guerra com a França - movimento lollard que se apoia em textos de devoção em inglês - maior participação da sociedade em geral nos assuntos políticos - próprio uso do inglês pelo rei e pela corte

Expansão da instrução básica => observa-se alguma expansão nesta área, entendida como competência de leitura e de escrita. The Canterbury Tales (1386-1400) nunca terminado, revelam já a variadíssima gama de potencialidades do inglês como língua de literatura. Poesia => outras formas de poesia foram também escritas em inglês, gozando de enorme popularidade:

- “Piers Ploughman” de Langland - “Sir Gawain and the Green Knight” de Gower

É especialmente significativo que poetas, como Chaucer, Hoccleve e Lydgate tenham beneficiado do patronato do rei ou dos nobres.

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Embora a protecção tivesse, por vezes, desvantagens, dela dependem, em boa parte, o vigor daquilo que viria a ser a tradição da literatura inglesa. Arquitectura => os desenvolvimentos insulares do gótico deram origem a dois estilos diferentes:

- Decorated: introduzia mudanças na ornamentação e não na arquitectura com inúmeras pinturas e esculturas que enchiam os nichos ou se apoiavam em pedestais. Ex: Catedral de Ely, em madeira, e a sua extraordinária torre lanterna octogonal.

- Perpendicular: é a última fase da arquitectura medieval e é um desenvolvimento de um dos aspectos do Decorated, caracterizado por janelas muito maiores, bases e capitéis facetados, ornamentação em leque, e arcos que se abatem gradualmente até tomarem a forma quadrangular. Ex: Capela do King’s College em Cambridge e a ala este da catedral de Peterborough.

Estes estilos encontram-se nas catedrais inglesas, nas igrejas paroquiais de maiores dimensões e nos colégios das Universidades. Artes => associada à construção de edifícios religiosos, de castelos e fortificações, de residências reais e nobres, encontra-se os desenvolvimento de todas as formas de arte praticadas por pedreiros e carpinteiros, vidraceiros e ourives, tecelões e bordadores. De sublinhar que, na Idade Média, o artista era um artesão anónimo e que muitas vezes as sobras resultavam da colaboração de vários artesãos mas o que ficava registado era o papel do patrono, fosse ele rei, nobre, bispo ou abade.

TEMA 5 – OS TUDORS, O HUMANISMO E A REFORMA • O mito Tudor Figuras de relevo na altura => Henrique VIII, Isabel I, Sir Thomas More, Francis Bacon, Shakespeare, Marlowe e Spencer Acontecimentos da altura => a Reforma, desenvolvimento do Parlamento, a derrota da Armada Invencível, o estilo Tudor

Mito Tudor => forma-se com a vitória, em Bosworth, de Henrique Tudor (Henrique VII) sobre Ricardo III. O casamento a seguir realizado com Elizabeth de York (filha de Eduardo IV) e o nascimento de 4 príncipes veio garantir a pacificação entre as duas Casas (Lancaster e York). Mas o reino precisava de uma estabilidade que só o casamento e a coroação não podiam assegurar. • A acção política de Henrique VII O Rei teria, não apenas que reinar mas também governar. A escolha dos conselheiros foi inovadora e eficaz. Henrique VII começou a recrutar os seus conselheiros segundo o critério da competência, independentemente da origem social. Assim, os grandes senhores sabiam ter sido escolhidos pelas suas qualidades e não pela posição social. Great Council => conselho alargado onde reuniam os conselheiros do rei, e que integrava dignatários da Igreja, juízes, funcionários reais assim como cidadãos proeminentes. Este conselho reuniu poucas vezes. Council => reunia com mais frequência e era um conselho reduzido, por sua vez subdividido em dois: - conselho alargado (que raramente era convocado) - conselho pessoal do rei (mais reduzido e que reunia com frequência) Outro aspecto inovador é o recurso à competência administrativa, independentemente da origem social. Henrique VII reconhecia que a segurança interna e externa dependia do apoio dos grandes do reino pelo que não era possível alienar mas era possível controlar através do estabelecimento de penas, sob a forma de multas, cujo produto revertia a favor do tesouro real. Duas armas jurídicas conhecidas eram:

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Attainder => estatuto parlamentar que proclamava uma condenação por traição Forfeiture => declarava a confiscação pela coroa, das propriedades da vítima Desta forma, Henrique VII controlava a nobreza e equilibrava as finanças do Estado. • Os fundamentos da Reforma Em termos processuais, a Reforma teve início no início da década de 30 do séc. XVI, com a ruptura de Henrique VIII com Roma, e com os ataques do Parlamento aos poderes da Igreja. Durante o reinado de Eduardo VI, a Reforma tomou aspectos mais doutrinais e calvinistas. Mary procurou o regresso ao catolicismo. A Reforma completou-se, a partir de 1558, no reinado de Isabel I, com a implantação da Igreja anglicana. • As teorias de Lutero Estão na origem de todas as Reformas europeias, e derivavam, parcialmente, de um conjunto de tradições do pensamento medieval sobre premissas teológicas e doutrinas políticas. Premissas teológicas => assentam na reflexão sobre as relações entre o homem e Deus, desenvolvidas no quadro da devotio moderna. Devotio moderna => movimento surgido na Alemanha e nos Países Baixos, no final do séc. XIV. Para estes místicos a natureza humana é essencialmente pecadora e a única via de salvação será a redescoberta da fé pessoal na graça redentora de Deus. Tradição escolástica da via moderna => fundamentava, também, o luteranismo e o espírito da Reforma. Esta escola era protagonizada por Duns Scutus e William of Ockham e reagiu contra a doutrina Tomista de que a razão, tal como a fé, tem um papel a desempenhar no entendimento de Deus. Os ataques de Lutero aos abusos da Igreja tinha também antecedentes na Idade Média. Lutero focara as insuficiências do Papado, e insistira na necessidade de regresso à autoridade das Escrituras e no restabelecimento de uma forma de Igreja Apostólica menos mundana. Sebastian Brant (1458-1521) na sua “Nave dos Loucos” (1494), lamentou a decadência da fé de Cristo causada pela riqueza e mundanidade da Igreja e o crescente desprezo pelas Escrituras sagradas. John Skelton (que curiosamente foi tutor do futuro Henrique VIII), tipificou o pensamento anti-clerical num conjunto de sátiras em verso que podem ser entendidas como ataques à hierarquia da Igreja, acusada de ignorância, corrupção, espírito mercenário e luxúria. Erasmo no seu “Elogio da Loucura” (1509) evidencia sinais da influência de Brant. A obra foi dedicada a Sir Thomas More e é uma oração clássica de ataque à «loucura» dos homens em geral, e da Igreja em particular. • O Humanismo O sentido crítico patente no pensamento de Erasmo pode ser considerado um sinal do Humanismo. Estudo das humanidades => teve o seu início em meados do séc. XV, em universidades italianas e na Universidade de Paris. O primeiro exemplo é o de Pietro del Monte, que aconselhou o Duque Humphrey de Gloucester (irmão de Henrique V) a comprar numerosos livros e manuscritos. Ao doar cerca de livros 300 livros à Universidade de Oxford, o Duque Humphrey contribuiu, em muito, para a divulgação do pensamento humanista. Em finais do séc, XV, alguns humanistas italianos começaram a ensinar nas Universidades de Oxford e Cambridge, onde difundiram a cultura do Renascimento italiano. Em breve, começou a

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registar-se o movimento contrário dos interessados nos estudos das humanidades, em direcção a Itália => Thomas Linacre, William Grocyn, William Latimer e John Colet. No centro da cultura humanista => estava a tentativa de aplicar técnicas pormenorizadas de crítica histórica e filológica aos textos do mundo antigo. Assim, começa a surgir uma actividade de edição e tradução de textos clássicos, onde Thomas Linacre se distinguiu, com a sua tradução de Aristóteles. Novos estudos sobre os códigos jurídicos => são os que produzirão efeitos revolucionários e duradoiros. Em vez do método escolástico, que oferecia uma série de comentários aos comentários anteriormente feitos, os juristas do Renascimento consideram os textos antigos como textos apenas, sujeitos a crítica e a análise, e não fontes de princípios incontestáveis e imutáveis. Rapidamente se começa a difundir uma atitude de distanciamento face às fontes analisadas, promovendo um novo pensamento histórico, onde o documento é entendido no seu enquadramento temporal, e não necessariamente com valor para todo o sempre. Novos estudos sobre a Bíblia => o campo mais profícuo no quadro do humanismo inglês foi a aplicação das novas técnicas filológicas ao estudo da Bíblia. O método escolástico ortodoxo consistia num processo de relacionação de diferentes passos. Os humanistas, contrariamente, procuravam recuperar o contexto histórico preciso para cada doutrina ou argumento. Novas técnicas filológicas em novas traduções => são mais rigorosas dos antigos textos em grego e em hebraico Imprensa => recém inventada, iria ter um papel decisivo na divulgação das novas ideias, tal como os humanistas rapidamente perceberam. Actividade pedagógica => os humanistas irão desempenhar esta importante actividade, expressa num grande número de obras para a educação dos jovens, príncipes e magistrados, entre as quais: - “The Education of a Christian Prince” de Erasmo - “The Book Named the Governor” de Sir Thomas Elyot - “The Book of the Courtier” de Castiglione A orientação pedagógica do humanistas também se orientou para os cidadãos de que é exemplo maior “Utopia” (1516) de Thomas More e “Dialogue between Reginald Pole and Thomas Lupset” de Thomas Starkey. As afinidades de Lutero com os Humanistas farão com que estes se sintam fortemente atraídos pelas suas teses. Um exemplo é Thomas Tyndale, em que as suas convicções luteranas ficam claramente expressas no texto “The Obedience of a Christian Man”. O seu contributo mais notável, foi a sua tradução para inglês do Novo Testamento, e a tradução do Pentateuco, directamente do hebraico para inglês. Fundamentos intelectuais da Reforma => situam-se, largamente, na actividade dos scholars da Universidade de Cambridge Movimento Lollard => expressava já um sentimento de autonomia nacional que é reforçado pelo uso do vernáculo. A lolardia foi considerada herética mas apesar dos perigos da perseguição, o movimento não só criou raízes em Inglaterra e na Escócia, como alastrou pela Europa, onde foi entusiasticamente recebido pelos seguidores de Jan Huss, na Boémia. Várias pensadores contestam a monarquia absoluta do papado: William of Ockham, Marsiglio de Pádua, Jean Gersom, John Mair, John Bale e John Foxe no seu “Book of Martyrs”.

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• Thomas More e a Utopia Na opinião de Anthony Kenny, Thomas More merece um lugar na história intelectual da Europa, por três razões:

- por ter escrito um clássico em latim, que ainda continua a ser amplamente lido; - porque na sua vida estabeleceu um padrão de santidade, sabedoria e serviço público, que

contribuiu para a caracterização daquilo a que os ingleses chamam de English Character - os seus textos em inglês ocupam um lugar significativo na história da língua inglesa e na sua

literatura de devoção e controvérsia em que a primeira das razões será a de maior interesse, na opinião do analista acima referido, uma vez que Utopia oferece a possibilidade de um vasto leque de interpretações sobre a época em que o seu autor viveu, bem como as tendências do pensamento ao nível da filosofia, teologia, constituição da sociedade, princípios de economia, fundamentos políticos do Estado, conceitos de ciência e de razão, felicidade e pragmatismo, tais como, a guerra, a educação e a organização da família. Pequena biografia de Thomas More Nasceu cerca de 1477/1478 no reinado de Eduardo IV. A juventude de More foi passada durante o reinado de Henrique VII. A sua formação intelectual era a de um humanista convicto. Conheceu Erasmo de Roterdão em 1499, quando este visitou Inglaterra. More foi eleito membro do Parlamento, caindo no desagrado do rei, Henrique VII, por ter denunciado o que considerou ser um financiamento excessivo pretendido pelo rei. Como consequência da sua intervenção, o Parlamento apenas aprovou metade da soma pretendida, o que lhe provocou o corte de todas as possibilidades de uma carreira pública, enquanto Henrique VII fosse vivo. Já no reinado de Henrique VIII foi nomeado under-sheriff de Londres. Em Agosto de 1517, More aceitou integrar o Conselho do rei. A partir de 1525, More começou a envolver-se mais de perto com os problemas decorrentes das teses luteranas, tornadas públicas em 1517. O Bispo de Londres pediu-lhe que escrevesse contra Lutero e contra o seu principal defensor em Inglaterra, William Tyndale. Assim surgiu “A Dialogue Concerning Heresies”, publicado em 1529. A partir desta data, a vida de More ficou cada vez mais envolvida no processo do divórcio do rei e na série de medidas de política interna e externa dele decorrente, em que More quisera manter-se sempre afastado. Como Chanceler do Reino, cabia-lhe presidir à Câmara dos Pares. Em 1530, Henrique VIII obrigou o clero a reconhecê-lo como Chefe Supremo da Igreja Inglesa. No ano seguinte, coube a More o dever de apresentar ao Parlamento o parecer sobre o divórcio que o rei solicitara às Universidades, e que lhe era favorável. Em 1532, o rei exerceu novas pressões sobre o clero e que após alguma resistência, o clero acabou por aceitar. A 15/05/1532, More entregou ao rei a sua demissão perdendo automaticamente as suas fontes de rendimento. Embora afastado dos centros de decisão, More não deixou de ser pressionado pelo rei, através de Thomas Cromwell, no sentido de aceitar publicamente as medidas que progressivamente iam sendo aprovadas. O processo pessoal de Henrique estava ligado a um complexo político e religioso, em que estava em jogo a autoridade do Papa. Quando em 1534, o Parlamento legislou no sentido de ser reconhecida a sucessão ao trono na descendência de Ana Bolena, e obrigou a que o reconhecimento fosse feito por juramento individual, More recusou. Para More, o casamento com Catarina de Aragão continuava a ser válido e sagrado, já que nenhum Papa o tinha pronunciado nulo. Esta tomada de posição iria custar-lhe a liberdade e posteriormente a vida. A Utopia O texto é composto por dois livros em que o primeiro se desenvolve como um diálogo sobre assuntos da política e da sociedade contemporâneas e o segundo como um relato da organização da sociedade na ilha da Utopia. A palavra Utopia, surge a partir do grego ou (não) e topos (lugar), ou seja, nenhum lugar. Outros termos utilizados em Utopia são cunhados a partir da raiz grega mas só os leitores familiarizados com a língua grega é que verificam que os mesmos têm uma boa dose de ironia, como é o caso de:

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Rio Anidro => sem água Capital Amaurota => tornar escuro Humanista Hitlodeu => hythlos (palavras ocas ou disparates); daios ou daiein (saber ou esperteza e distribuir) O facto de More ter escrito em latim, por forma a limitar o seu público apenas aos mais cultos, poderá indiciar a sua esperança que as ironias do texto fossem percebidas, e que a leitura das propostas nele contidas fosse qualificada, e não aceite literalmente. O texto consiste num diálogo em que no Livro I, Thomas More trava conhecimento com Rafael Hitlodeu, através de Peter Gilles, desenvolvendo-se entre os três uma conversa em que se abordam várias temáticas, tais como, leis injustas, a guerra e exércitos permanentes. O Livro II descreve a visão de uma sociedade utopiana igualitária, os seus costumes, a sua organização política e económica, a sua educação e a sua religião. Relativamente à perspectiva humanista, More distingue-se das posições defendidas pelos autores italianos de Quatrocentos, em vários aspectos: relativamente à guerra => o humanismo considera-a uma actividade nobre enquanto que More refere que os utopianos deviam a todo o custo evitá-la rejeição da razão de Estado => por parte de More, que consiste, basicamente em considerar ser legítimo, em certas situações, um comportamento moralmente repreensível mas que poderá vir a trazer benefícios para a sociedade Em Utopia, o conceito de justiça e de conduta moralmente irrepreensível é central; a virtude é, para More, a única e a verdadeira nobreza. Neste aspecto, as ideias de More convergem com as dos seus contemporâneos humanistas. Utopia => é uma ilha, situada algures, cujo isolamento permite-lhe manter incólumes as qualidades do seu sistema político, económico e social. Livro I => evoca a sociedade da época, e refere situações concretas, relacionadas com a administração da justiça e a natureza das leis, e com casos específicos como a enclosure. Livro II => descreve uma sociedade igualitária, que preza a honra e a virtude, desvalorizando todos os sinais exteriores de nobreza, o que vai totalmente contra o espírito da época, que assentava numa visão hierárquica do mundo e da sociedade. • A literatura utópica em Inglaterra Depois da Utopia, surgiram outras obras influenciadas por ela e como tal, designadas de literatura utópica:

- “New Atlantis” de Francis Bacon - “Oceana” de James Harnington - “Gulliver’s Travels” de Jonathan Swift - “Robinson Crusoe! de Defoe - “The Idea of a Perfect Commonwealth” de David Hume

No séc. XIX surgiram ainda outras obras importantes:

- “News from Nowhere” de William Norris - “Erewhon” de Samuel Butler

No séc. XX, outros autores dedicaram-se a esta temática:

- “Brave New World” de Aldous Huxley - “1984” de George Orwell

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• A reforma Henriquina Henrique VIII subiu ao trono em 1509, decidido a aumentar o poder real através de uma política de conquista, ainda de modelo feudal, e uma política de reforma interna de conotações «imperiais». Mas foi no campo das medidas políticas, relacionadas com a Reforma, que a acção de Henrique VIII foi mais marcante. A Reforma teve o seu início no princípio da década de 30 do séc. XVI com a ruptura de Henrique VIII com Roma, e com os ataques do Parlamento aos poderes da Igreja. A perda da esperança num herdeiro masculino leva Henrique VIII a ansiar pelo casamento com Ana Bolena. Para tal necessitava do consentimento do Papa que lhe foi negado. Em 1529, convocou o Parlamento, encorajando os seus membros a expressar sentimentos anti-clericais. Reformation Act => reuniu com três objectivos:

- reunir os leigos em apoio sólido ao rei - intimidar o clero e levá-lo a ceder às exigências do Parlamento - conseguir a autorização do Papa para a anulação do casameno do rei

O 3º objectivo não foi conseguido. O casamento secreto do rei com Ana Bolena, em 1533, e a nomeação de Thomas Cromwell como Arcebispo de Cantuária precipitaram a crise. Act in Restraint of Appeals => promulgado pelo Parlamento e que transferia para o Arcebispo de Cantuária, o poder de decisão de assuntos do foro espiritual, retirando esse poder a Roma. Relativamente ao rei, o poder residiria na Upper House of Convocation. Foi este dispositivo legal que pronunciou nulo o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, legitimando Ana Bolena como rainha de Inglaterra. Act in Restraint of Appeals to Rome (1533) => assinala nitidamente a transferência de jurisdição da Igreja para a coroa. O rei passa, desta forma, a ser o chefe da Igreja. Act for the Submission of the Clergy (1534) => deixou bem claro que o estatuto da Igreja como um «reino» separado tinha chegado ao fim. O processo político e constitucional da Reforma continuaria com: Act of Sucession (1534) => que se destinava a confirmar a sucessão ao trono de Inglaterra na pessoa da princesa Elizabeth, filha de Ana Bolena. Nos seus aspectos constitucionais, a reforma Henriquina estava concluída. • Resultados sociais da Reforma Teve conseuqências não só a nível de culto, de teologia ou de política mas também a nível social. Extinção dos conventos e das ordens religiosas => transferência de propriedade para outras mãos. O Pilgrimage of Grace => foi a agitação que, no decorrer do processo de expropriação, afectou apenas o Norte, mas acabou por demonstrar que a maior parte da nação estava com o rei, acabando por fornecer a Cromwell o pretexto necessário para a dissolução dos mosteiros e conventos maiores. Em termos culturais => destruição de edifícios, bibliotecas e obras de arte, sendo, porém, a dissolução acompanhada por indemnizações.

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• Oposição à Reforma A oposição à Lei sobre a Submissão do Clero (1532) e o juramento anexado à Lei da Sucessão, custou a vida a:

- Thomas More - John Fisher, Bispo de Rochester • A divulgação da Reforma Se os indícios de oposição foram abafados através da eliminação dos seus opositores, a divulgação da reforma henriquina foi alvo de: Campanha de informação => sem precedentes em Inglaterra, apoiada pela imprensa, mais uma vez orquestrada por Thomas Cromwell, e que adoptou mais duas estratégias importantes:

- promoção da tradução da Bíblia para inglês - mecenato relativamente à elaboração e produçaõ de peças teatrais com fins de propaganda política

Divulgação dos princípios reformadores => justificação pela história de actos que eram inovadores e subversivos da tradição. • A continuação da Reforma O processo da Reforma não terminou no reinado de Henrique VIII. O seu sucessor, Eduardo VI, subiu ao trono ainda menor, sendo a tutela do reino assumida pelos tios do rei, de convicções protestantes. Primeiro Parlamento de Somerset => Somerset aboliu as leis sobre heresia e traição, como forma de moderar os excessos de dureza relativamente às acusações de heresia verificadas nos últimos anos do reinado de Henrique VIII. Medidas tendentes a impor alguma forma de Uniformização => em resultado da diversidade de práticas religiosas. Novo Prayer Book => Cranmer propôs, em 1548, a uma assembleia de Bispos, um novo Prayer Book, que combinava num só volume, três livros litúrgicos (Missal, Breviário e Ritual). Warwick, que sucedeu após a queda de Somerset, agudizou as tensões ao aprovar três leis que determinavam:

- a abolição de todos os livros de religião exceptuando o Prayer Book; - destruição de todas as imagens e pinturas religiosas e; - alteração da hierarquia religiosa

Reforma Eduardiana => culminaria com a revisão do Prayer Book e a aprovação dos Quarenta e Dois Artigos de Religião que acentuariam as diferenças entre as práticas e rituais católicos e os protestantes. Quando Mary subiu ao trono, em 1553, promoveu um desvio súbito e devastador no processo da Reforma => reimposição do Catolicismo Romano. A primeira sessão do Parlamento aboliu toda a legislação sobre religião do reinado anterior. Iniciou-se um processo de afastamento do clero protestante em 1554, e no ano seguinte, Stephen Gardiner, como Chanceler, autorizou o princípio das perseguições que, mais tarde, iria dar a Mary o cognome de Sangrenta (Bloody Mary). O reinado de Mary terminou com a sua morte, em 1558. Quanto ao sistema de governo, os reinados de Eduardo e Mary retrocederam, relativamente Às inovações introduzidas por Thomas Cromwell => elaboração e desenvolvimento de um sistema de administração pública mais burocratizado e menos dependente da interferência do Rei ou do

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Chanceler. A eficácia deste sistema resulta da separação entre a casa real (household) e o governo da nação. As suas inovações, para G. R. Elton, operam a passagem definitiva do household medieval para a corte moderna. • O compromisso isabelino Foi o modelo de Cromwell que Elizabeth optou por seguir. Quando Elizabeth subiu ao trono (1558), o governo de Inglaterra dependia de 3 instituições:

- Parlamento (função de votar legislação financeira) - Privy Council (mais importante politicamente – membros escolhidos pela rainha) - Corte (adquiriu, no reinado de Isabel I, um esplendor sem precedentes, tornando-se num

centro de mecenato e de protecção das artes) Encontrou uma nação dividida entre o protestantismo e o catolicismo. Em 1559, o seu Primeiro Minsitro, William Cecil, apresentou ao Parlamento um «pacote» legislativo que propunha o restabelecimento da supremacia real e do culto protestante, baseado no Prayer Book de 1552. A aprovação destas leis, resultou na nova denominação que Elizabeth passou a ter – Governador Supremo da Igreja de Inglaterra, sendo novamente aprovadas as leis da supremacia e uniformidade. Um outro decreto parlamentar, devolveu à coroa um conjunto de propriedades eclesiásticas que Mary tinha restituído à Igreja Católica. Outro decreto, consolidou as propriedades da coroa em detrimento dos bispos. A Reforma Isabelina (Elizabethan Settlement) ficou completa com a aprovação dos Trinta e Nove Artigos da doutrina da Igreja anglicana, baseados nos 42 Artigos esboçados por Cranmer, no reinado de Eduardo VI. Traços essenciais no período isabelino:

- acentuação da natureza divina do príncipe - Puritanismo en que a sua conduta deveria assentar no estudo das Escrituras Sagradas. A

noção de vocação assumiu uma importância fulcral na conduta do cristão - Acentuação do conceito de um Deus providencial, que interferia permanentemente nos

assuntos dos homens, atribuindo recompensas e castigos à boa e à má conduta. O êxito da Reforma dependeu, em grande parte, da expansão da leitura, ajudada pela invenção e divulgação da imprensa.

TEMA 6 – OS STUARTS. O PENSAMENTO POLÍTICO E SOCIAL NO SÉC. XVII

1. Enquadramento político e religioso Jaime I => a sucessão ao trono de Inglaterra, após a morte de Isabel I fez-se serenamente. Quem lhe sucedeu foi Jaime I, rei da Escócia. O governo continuou a ser assegurado pela Corte ou pelo Privy Council, não se detectando um maior protagonismo do Parlamento. Também não parece ter havido qualquer conflito institucional entre este órgão e o rei. Entre 1610 e 1621, a Inglaterra parece ter sido governada eficazmente, sem qualquer intervenção parlamentar digna de registo. Carlos I => A situação mudou quando Jaime I morreu, em 1625, e lhe sucedeu Carlos I. Entre os novos acontecimentos estão o descontentamento face ao poder do favorito real, duque de Buckingham e o arminianismo (forma de religiosidade máxima da Igreja Católica) e o envolvimento da Inglaterra na Guerra dos Trinta Anos. Os conflitos surgiram do Parlamento em sinal de descontentamento pelo acréscimo de impostos necessários a sustentar o esforço de uma guerra, que pouco tinha a ver com os interesses religiosos. Homens como John Pym, Sir Edward Coke ou Dudley Digges, declararam em voz alta o seu descontentamento.

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Personal Rule => Assim, o rei decidiu governar sem o Parlamento. Entre 1629 e1640, o regime conhecido como Personal Rule (também conhecido por Onze Anos de Tirania), reforçou o poder do rei e do Privy Council, celebrado através de inúmeras manifestações de mecenato aristocrático que fizeram da corte inglesa uma das mais cultas da Europa da altura. Contudo, dois problemas perturbaram o Personal Rule que, apesar de tudo, não era uma forma de governo contestada:

- problema religioso do arminianismo - problema do levantamento de impostos sem autorização parlamentar

William Laud (Arcebispo de Cantuária) => começara a desenvolver medidas destinadas a suprimir o ensino das teorias de predestinação, característica do anglicanismo, e a impor medidas práticas nas igrejas, como o regresso ao modelo do altar separado da nave por uma teia. Estas medidas pareciam ameaçar os princípios unificadores da identidade nacional, presentes no Settlement de 1559. Impostos => as medidas impopulares, tomadas por Carlos I, para contornar o acréscimo de impostos, nomeadamente o ship money (imposto destinado a manter a Marinha Real), levaram a uma forçosa convocatória do Parlamento por parte do rei. Short Parliament => O Parlamento reuniu em Abril (1640) e foi um fracasso. Em Novembro, foi convocado novo Parlamento, conhecido por Long Parliament. Entre 1640 e 1642 ocorreu um conflito que ficou conhecido como Guerras Civis. Long Parliament => Nova convocatória do Parlamento, em Novembro (1640), desta vez apostado em anular as inovações a nível de governo secular e de religião que o governo pessoal do rei tinha acentuado, e também apostado em afastar os conselheiros que tinham contribuido com o seu apoio para essas políticas e substitui-los por pessoas da confiança do Parlamento • As Guerras Civis (1640-1642) Neste período, é cedo falar de partidos políticos, mas apenas de tendências. Pode, porém, falar-se em oposição às políticas do rei e esta era nitidamente protagonizada pela:

- Câmara dos Pares, através do Conde de Bedford, conde Warwick, Essex e Manchester - Câmara dos Comuns (predominantemente gentry), liderada por John Pym e Oliver St. John e que eram a favor da ordem estabelecida.

1641 => o Parlamento parecia ter conseguido os objectivos mas um conjunto de acontecimentos, como por exemplo, uma revolta na Irlanda, precipitou as divergências entre o rei e o Parlamento. Grand Remonstrance => um dos principais eventos que desencadeou a Guerra Civil, onde através de Pym, o rei é acusado de governar com o auxílio dos católicos. Invasão do Parlamento => Carlos I decidiu-se pela invasão do Parlamento para prender os 5 membros mais rebeldes. Como foram avisados antecipadamente, os membros do Parlamento não estavam reunidos e a atitude agressiva do rei motivou um sentido de união parlamentar que até então não se tinha verificado. Os primeiros 6 meses de 1642 mostraram um progressivo acentuar de tensões, expresso nos dois exércitos distintos:

- um mobilizado pelo Parlamento (Militia Ordinance) - um mobilizado pelo Rei (Commission of Array)

Nineteen Propositions => o Parlamento emitiu uma declaração de soberania sob a forma de Dezanove Propostas, a que o rei respondeu com uma afirmação clássica de soberania, acentuando o carácter equilibrado do regime político e constitucional britânico. 1642 => O rei declarou formalmente guerra ao Parlamento – Primeira Guerra Civil

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Seguiu-se uma série de vitória e derrotas para o Parlamento. New Model Army => as forças parlamentares foram reorganizadas num novo exército, liderado por Sir Thomas Fairfax e Oliver Cromwell. Clubmen => apareceu em 1645 e é consistiu na formação de associações locais, que reagiam contra a presença de tropas e o pagamento de impostos destinados a custear a guerra. O desejo de pôr um fim à violência implicava um acordo. Os debates no Parlamento, relativamente à forma desse acordo indicam duas tendências:

- Presbiterianos: mais conservadores - Independentes: mais radicais em questões sociais e religiosas As negociações entre os diversos grupos de opinião parlamentar, bem como representantes dos escoceses foram interrompidas no princípio de 1647, com a interferência da uma nova força – o New Model Army – cujos líderes (Fairfax, Cromwell e Ireton) entendiam dever ser considerado como um grupo com intervenção política. Levellers => sectores do exército parlamentar associados a grupos radicais civis que começavam a contestar a representatividade do Parlamento, considerando-se eles próprios mais representativos do povo da Inglaterra. Os Levellers era um movimento que reclamava:

- uma considerável extensão do sufrágio - a abolição da monarquia e da Câmara dos Pares

As perturbações da ordem pública, a agitação dentro do próprio exército, a necessidade de conter as facções mais radicais do New Model Army, o descontentamento geral contra os soldados e os impostos e as divergências de opinião dentro do Parlamento, contribuíram para dificultar um acordo com o rei e para prolongar uma situação de instabilidade que originou a Segunda Guerra Civil. Esta, seria de curta duração, devido à eficácia com que Cromwell dizimou as tropas reais. Apesar da guerra, a maoir parte dos membros do Parlamento continuavam a querer negociar com o rei, e chegar a um acordo viável. O exército discordava desta estratégia conservadora, prendendo o rei e invadindo o Parlamento e expulsando os membros que desejam prosseguir as negociações. Pride’s Purge => os membros, na maioria Independentes, liderados por Thomas Pride, e que permaneceram depois deste processo. Romperam as negociações com Carlos I, julgaram-no por traição, condenando-o à morte. Sendo executado em 30/01/1649. Daqui resultou a abolição da monarquia e da Câmara dos Pares, passando a Inglaterra a ser uma República. Rump => Parlamento, politicamente constituído pelos membros sobreviventes à «purga de Pride». Produziu legislação e decisões de natureza comercial (Navigation Act, 1653), ou a decisão de declarar guerra à Holanda, rival comercial de Inglaterra. Par ao exército, o Rump não foi suficientemente radical. A 20/04/1653, as forças comandadas por Oliver Cromwell entraram no Parlamento e expulsaram o Rump. Barebone’s Parliament => Assembleia que pretendia avançar o trabalho de reforma que o Rump não tinha feito. Mais uma vez não tardou a haver divergências entre moderados e radicais, que levaram ao fracasso e à entrega do poder a Oliver Cromwell. Instrumento de Governo => compromisso que se traduzia num governo chefiado por Cromwell, em moldes semelhantes aos de monarquia constitucional:

- O Protector governava com um Conselho de Estado - Câmara dos Comuns recuperava as suas funções tradicionais

Lord Protector => e o Conselho adquiriam muito maior capacidade de decisão do que o Parlamento, incluindo levantar impostos para sustentar o exército, a marinha e a administração pública

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Protectorado de O. Cromwell => assegurou a estabilidade dentro do exército e conciliou a maior parte da opinião pública Contudo, o governo de Cromwell não agradou a todas as correntes de opinião: os Pares e boa parte da gentry não viam com bons olhos o que consideravam ser uma usurpação do poder real • A Restauração A morte de Cromwell, em 1658, precipitou uma série de rápidas mudanças na situação política. O conflito entre o exército e o Parlamento acentuou-se perante a incapacidade de Richard Cromwell, que sucedera a seu pai como Lord Protector, de resolver a situação. A intervenção de um exército sob o comando do General George Monk sobre um Parlamento confuso e desunido, conduziu à autodissolução do Parlamento e à convocação de eleições em que os partidários da monarquia poderiam votar. Preparava-se, assim, as condições para a restauração da monarquia. Convention Parliament => reuniu a 25/04/1660 e a 1 de Maio foi lida a ambas as Câmaras a ... Declaração de Breda => ... de Carlos Stuart. Por acordo das partes (2 Câmaras) a Inglaterra seria governada pelo Rei, pelos Lords e Comuns. A 08/05/1660 Carlos II foi proclamado rei. • De 1660 a 168: a Revolução Gloriosa Os anos que se seguiram a 1660 continuaram a ser conturbados:

- questão sensível: a religião já que Carlos II tinha-se comprometido a deixar a iniciativa, nesta matéria, ao Parlamento

- Internamente: a política britânica era claramente conservadora – vários governos se sucederam. continuava o debate sobre os poderes da monarquia, os direitos do Parlamento, a liberdade das eleições, os direitos do poder judicial e a questão da religião.

- Relações exteriores: a política do rei era ambígua: tinha uma simpatia pessoal por Luis XIV mas fazia uma política oficial de aliança entre a Holanda e a Suécia (estados protestantes) unidos contra o catolicismo do monarca francês.

As tensões entre católicos e protestantes eram agravadas pelos comportamentos do Duque de York (irmão do rei e provável herdeiro). Os últimos anos de reinado de Carlos II => foram os de maior tendência absolutista dos Stuarts. Durante este período, o rei não convocou o Parlamento. Dado que conseguiu uma política equilibrada de impostos legais e não excessivos, criando condições de prosperidade e desenvolvimento comercial que garantiram a satisfação de muitos. A morte de Carlos II, colocou no trono Jaime II, católico convicto, que veio progressivamente a deteriorar uma situação política razoavelmente estável. O acentuar da preferência católica provocou sentimentos desagradáveis no espírito anglicano e à nação de direitos e liberdades britânicos. Em meados de 1688, o descontentamento era visível, agravado pelo nascimento de um filho varão a Jaime II, que poderia garantir uma sucessão católica. Estando ainda presentes os acontecimentos relativamente às 2 Guerras Civis, os descontentes ingleses solicitaram apoio a Guilherme de Orange, genro de Jaime II. Os apoios populares locais, o apoio de alguns Pares e de muita gentry, permitiram a Guilherme e ao seu exército uma rápida penetração em Inglaterra, e uma situação de vencedor com o vazio criado pela fuga de Jaime II para França. Problema constitucional => reconhecer legitimidade a Guilherme sem parecer usurpação. Como monarca provisório, Guilherme convocou eleições parlamentares, de que resultou o Convention Parliament, que reuniu em 1689.

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Estratégia whig => acabou por ser adoptada, e que consistiu na entrega da coroa, conjuntamente a Guilherme e Mary (a sua esposa). Bill of Rights => texto que consagrou os princípios de governo e confirmou a religião protestante, as liberdades dos súbditos e limitava os poderes do rei, consumando, deste modo, o processo constitucional pacífico que ficou conhecido por Glorious Revolution. • A ascensão da facção whig O reinado de William e de Mary não foi unanimemente do agrado dos ingleses: William era tendencialmente autocrático, ou seja, absoluto e independente, rodeando-se de preferência, de conselheiros holandeses e não ingleses, e envolveu a Inglaterra em guerras continentais, com o intuito de derrotar Luis XIV, o que levou ao lançamento de impostos pesados. Ao mesmo tempo, a tendência já observada para a formação de partidos políticos começou a acentuar-se e no decorrer dos anos 90 sendo já claras as formações Whig e Tory. Gradualmente, durante o reinado de Guilherme III: Tories => começaram a identificar-se cada vez mais com as atitudes country, tornando-se hostis:

- ao crescimento do executivo e da burocracia - ao desenvolvimento comercial e financeiro que consideravam corruptível

Whigs => contrariamente, afirmavam-se a favor das liberdades e do protestantismo ingleses, contra o catolicismo e o absolutismo franceses.

- Act of Settlement de 1701 => lei que provocou uma demonstração de crescente descontentamento à política de Guilherme III verificado nos resultados eleitorais de 1698, em que a maior parte dos membros eleitos era claramente desfavorável à política interna e externa do rei, que garantia a sucessão ao trono da casa Hanover, e não à casa Stuart.

Quando Guilherme III morreu, iria suceder-se no trono Anne, a segunda filha de Jaime II. Boa parte do seu reinado foi dominado pela Guerra da Sucessão Espanhola. No reinado de Anne consumou-se a institucionalização do debate político em contexto partidário, o que é próprio das políticas modernas. Religião => o período de Anne foi de aceso debate e conflito entre as perspectivas anglicanas tradicionais e reacções extremistas. Quando a rainha morreu, em 1714, e com a nova dinastia de Hanover, iria assistir-se à ascensão do partido Whig. 2. O pensamento político no séc. XVII Thomas Hobbes (1588-1679) John Locke (1632-1704) Podem ser considerados representantes de todo um conjunto de debates político-filosóficos, influenciados por uma nova atitude relativamente à natureza do conhecimento e à possibilidade de verificação experimental à luz da nova ciência de Francis Bacon (Método Indutivo – Novum Organum) • Thomas Hobbes: a formação do seu pensamento O pensamento de Hobbes baseava-se na melhor forma de evitar a guerra, o que se justifica pelo facto de o pensador ter vivido no ambiente das Guerras Civis, dos meados do séc. XVII. O sistema de política que ele propõe e defende era uma ciência, que percorria os caminhos da nova ciência de Galileu e Bacon, que transformava o entendimento do mundo natural através da experimentação.

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Definição de teoria do poder => é objectivo principal das teorias de Hobbes, que expõe mais sistematicamente do que Maquiavel, levando-o a expor também uma teoria dos direitos iguais dos homens, bem como das suas obrigações. O estudo dos clássicos, preparou-o para o seu primeiro trabalho, uma tradução de Tucídides, que manifesta já a convicção de que a observação e a história são melhores orientadores da conduta política e social do que os princípios abstractos preferidos pela filosofia escolástica. Outro elemento formativo do seu pensamento => foi a sua relação com Bacon, quando Hobbes serviu de amanuense (escriturário, copista) ao primeiro. Existe em ambos uma convergência de atitude quanto à rejeição do pensamento escolástico; a vontade de explorar novos caminhos do saber e o desejo de tornar útil e eficaz esse saber. Atracção de Hobbes pela geometria euclidiana => outro elemento a ter em conta, e que iria orientar as suas reflexões sobre a moral e a política. A geometria, que estabelecia relações entre linhas, pontos e planos indicava já um caminho. Faltava-lhe um princípio dinâmico, que seria dado pelas teorias do movimento de Galileu. Aqui, ele iria encontrar o grande elemento inovador da ciência política. A hipótese inovadora de Hobbes, era a de que tudo, incluindo as sensações humanas, é causado por movimento. Assim, e usando uma metodologia indutiva, Hobbes planeou uma filosofia sistemática, ou uma ciência, em três partes:

- Corpo (explicaria os primeiros princípios do movimento) - Homem (uma espécie de corpo em movimento) - Cidadão (direcção que estes movimentos tomariam)

• O desenvolvimento das suas teorias Em 1640, começaria a circular “Elements of Law, Natural and Politic” que o autor considerava como um texto que constituía a «única fundação verdadeira para a ciência da justiça e da política». Este texto tratava:

- na primeira parte da natureza humana - na segunda parte do corpo político

Auto-exilou-se em Paris, como resultado das suas teorias darem apoio ao rei, contra um Parlamento cada vez mais activo. Este exílio proporcionou-lhe um amadurecimento das teorias sobre o poder e as obrigações políticas que iriam resultar na sua obra mais completa e mais conhecida: Leviathan (1651) => esta obra destaca-se pela modernidade dos temas tratados: a paz, análise sistemática do poder e o tratamento científico destas matérias. O método hobbesiano assenta na geometria euclidiana e na teoria da inércia e do movimento de Galileu. O objectivo de Hobbes era a construção de uma ciência política que mostrasse aos homens a maneira de atingir a paz civil e a prosperidade. A sociedade hobbesiana seria, uma sociedade competitiva, d evalores burgueses, com ricos e pobres, embora todos devessem objecto de justiça social, governada por uma autoridade central, que se deveria auto-perpeutar, quer fosse assembleia ou soberano. • John Locke: a formação do seu pensamento A autoridade é também motivo central do pensamento político de John Locke. Também a época em que viveu é igualmente importante para se compreender as suas teorias. Nos primeiros anos em Oxford, o pensamento político de Locke é, nesta altura, próximo do de Hobbes, provavelmente influenciado pelos temas de Leviathan debatidos na época. Seria muito mais tarde que Locke iria reorientar o seu pensamento, na direcção da tolerância e do liberalismo.

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A sua expulsão da universidade, por ordem do rei (Jaime II) e a protecção de Shaftesbury iriam contribuir para ter contacto com a nata política, social e intelectual de Londres, que influenciariam decisivamente a formação da sua filosofia. • O desenvolvimento das suas teorias O amadurecimento das ideias lockianas está estreitamente associada às circunstâncias específicas da sua vida e da sua época. Assim, a obra de Locke revela, numa época de extremos, atitudes moderadas e de senso comum. Em termos gerais, o seu pensamento é empírico, porque para ele o conhecimento decorre, uma grande parte, de percepções sensoriais e de introspecção. Porém, ele era um filósofo racionalista pois acreditava na necessidade de avaliar racionalmente todas as opiniões e crenças fundamentadas na racionalidade, preterindo as expressões de emoção e sentimento. Não negava, contudo, a existência de uma ordem sobrenatural. Desagradava-lhe o autoritarismo político ou intelectual e foi um dos primeiros a teorizar sobre a tolerância, repugnando-o, todavia, a ideia de anarquia. Era religioso mas não fanático e toda a sua obra é marcada por uma atitude de common sense que significa que Locke tenta reflectir e analisar a experiência comum através da reflexão racional. As ideias, exploradas e difundidas por Locke, sobre a liberdade política e a tolerância religiosa, foram da maior importância para a sua época, já que foram instrumentais para a formação da mentalidade das atitudes whig e para o desenvolvimento da tradição liberal do pensamento político no séc. XVIII, que inspirou as Revoluções Americana e Francesa. As convicções, adoptadas por tantos pensadores do séc. XVIII, sobre os direitos inalienáveis dos indivíduos e sobre as liberdades naturais do ser humano têm na sua origem o pensamento lockiano. Direito à propriedade => direito natural a que Locke prestou mais atenção • Diferença entre Hobbes e Locke Para Hobbes, a passagem do estado natural para o estado social faz-se num só momento em que um conjunto de pessoas entrega a um soberano os seus «direitos», criando uma sociedade política e um governo. Para Locke, é necessário distinguir dois momentos:

- primeiro momento: forma-se a sociedade política através de um contrato (assente no poder legislativo), cujas decisões serão por maioria - segundo momento: a maioria concorda em conduzir o governo entre si

Para Hobbes => a deposição da soberania envolve a dissolução da sociedade Para Locke => a sociedade política só pode ser dissolvida pelos seus próprios membros Mais informação ver manual pp. 228-230.

TEMA 7 – A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA • Uma nova epistemologia A ideia de modernidade está indissociavelmente ligada a uma mudança epistemológica que começou na segunda metade do séc. XVI e que, no decorrer do séc. XVII foi produzindo resultados que alteraram substancialmente e definitivamente as concepções sobre o Universo, a natureza humana e as metodologias da análise dos fenómenos naturais. Este processo designa-se por Revolução Científica: Revolução => porque veio substituir a física aristotélica e a filosofia escolástica herdadas da Antiguidade e da Idade Média

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Científica => porque emerge um novo conceito de ciência, ligado à observação dos fenómenos e à experimentação A divisão da história em períodos – clássico, medieval, moderno – é concebida logo no séc. XVI. É evidente a tomada de consciência de que novos empreendimentos em diferentes áreas (da literatura à filosofia) estão em curso. O renascimento e o humanismo revelam mudanças de atitude face ao tempo, aos testemunhos do passado e ao modo de interpretar o legado clássico. Estão neste caso incluídos os nomes de Paracelso e Jean Bodin. • O Renascimento, época de ambiguidades Esta é uma época de ambiguidades, como lhe chamou Georges Gusdorf, porque a tradição medieval convive com a inovação dos esquemas de pensamento. Ernst Cassierer definiu duas tendências:

- filosofia da natureza, da magia e da alquimia (Pico de la Mirandola, Paracelso, Giordano Bruno, Campanella)

- corrente mais positiva e experimental (Kepler, Leonardo da Vinci e Galileu) Estas tendências são demasiado redutoras, porque, por exemplo, Tycho Brache ou Kepler sustentam as suas teses, quer em elementos míticos, quer em fórmulas matemáticas. Neste caso, são tão astrónomos como astrólogos. • As novas disciplinas do saber Embora a astronomia tivesse sido a área mais significativa, de abertura do conhecimento para novas hipóteses e teorias, outras áreas do saber se desenharam de novo:

- Filologia: talvez a primeira ciência humana que procura recuperar e reinterpretar os textos em línguas mortas. O grego, o latim e o hebraico são estudados por lexicógrafos, gramáticos, tradutores, compiladores e impressores, que procuram simultaneamente uma técnica de compreensão dos textos antigos. Envolvidos: Lorenzo Valla, Pico de la Mirandola, Marsilio Ficino, Erasmo entre outros Relacionado com a filologia surge um interesse pelas línguas modernas: italiano com Dante, Petrarca, da Vinci e Galileu; francês com Rabelais e Montaigne

O estudo das línguas antigas e o uso das modernas permitem, durante o período da Reforma, a divulgação dos textos sagrados a um público mais vasto, gerando maior interesse pela leitura.

A descoberta de novos espaços geográficos contribuiu decisivamente para a abertura de novas áreas do saber. A Utopia de Thomas More revela, um conjunto de reflexões, baseado nos navegadores portugueses e nos inventos científicos que permitem uma maior segurança na navegação e maior ousadia na orientação. O contacto com novos homens e sociedades propicia o surgimento de uma nova disciplina:

- Etnografia: surgem temas a ela relacionados como o bom selvagem e a inocência do homem primitivo.

- Geografia: a divulgação dos mapas dos novos mundos descobertos, através da imprensa, leva à geografia aliada à cartografia. Ex: O Atlas de Mercator (1595)

- Anatomia: Também a pesquisa do corpo humano progride, em direcção à anatomia. Ex: De corporis humani fabrica de André Vesalius

As novas concepções de espaço são acompanhadas de novas concepções de tempo, começando a história a desenhar-se como disciplina que procura entender as relações e desenvolver explicações objectivas para os fenómenos humanos. Ex: o Método de Jean Bodin. O contexto político e religioso de finais dos sécs. XV e XVI levariam a novas reflexões sobre a organização dos Estados. Ex: O Príncipe de Maquiavel esboça uma história natural da vida política definida como uma teoria de poder.

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As novas descobertas, no campo da astronomia e das ciências naturais, levaram à criação de lugares próprios para a pesquisa científica, designados por Laboratórios e Observatórios. Estes foram, frequentemente, resultado de mecenato real, atento ao desenvolvimento do saber. Constituem-se também sociedades de sábios e formação de academias, também sob o patronato de um príncipe amigo das artes e das ciências. • Francis Bacon e o método indutivo (Novum Organum) Bacon enumera três vaidades nos estudos:

- rejeita o saber que se preocupa mais com as palavras do que com a substância, o saber dos humanistas, do português Jerónimo Osório e de Erasmo

- rejeita a degenerescência da escolástica e da tradição aristotélica - rejeita a magia natural, a alquimia e a astrologia

Os argumentos de Bacon baseiam-se na constatação do fraco progresso feito nas aplicações práticas das ciências da natureza ao longo dos séculos. Assim, ele observa que nas «artes mecânicas», o conhecimento se desenvolve cumulativamente, ou seja, processos inicialmente toscos, que se foram progressivamente aperfeiçoando, como por exemplo, a artilharia, a navegação ou a imprensa. Ao contrário, as filosofias e ciências têm nos seus autores maior vigor do que nos seus comentadores que não acrescentam nada de novo, sendo incapazes de ultrapassar as primeiras teorias. Na obra “Novum Organum”, Bacon enumera quatro tipos de «ídolos» ou falsas noções que, inevitavelmente, influenciam a mente e dificultam a pesquisa:

- ídolos da tribo (confiar apenas nos sentidos) - ídolos da caverna (erros devido ao temperamento individual) - ídolos do mercado (erros decorrentes da influência da linguagem) - ídolos do teatro (erros decorrentes dos sistemas filosóficos do passado)

Existem dois traços essenciais no pensamento de Bacon:

- divisão e classificação das ciências - método indutivo

O saber humano, segundo Bacon, distingue-se do saber divino. O método indutivo de Bacon, assenta em duas formas de procedimento que partem dos sentidos e da percepção das coisas particulares para a formulação de conclusões gerais. Mas para que o processo não seja precipitadamente aplicado, deve ser usado de forma paciente. Bacon deu grande importância à qualidade da observação e à planificação da experimentação, bem como, à verificação do processo de transformação que não pode ser imediatamente observado, mas tem que ser descoberto. O mérito de Bacon está em separar a ciência da religião e da metafísica e atribui ao cientista da natureza um estatuto digno, que o distinguia dos charlatães e dos mágicos. Bacon contribuiu decisivamente para a formação de uma mentalidade empírica das ciências naturais de onde decorrem a supremacia tecnológica da Europa dos séculos seguintes. As principais críticas => pouca importância dada à formulação de hipóteses, neglicenciando assim o papel da criatividade na pesquisa científica; e a deficiente apreciação do papel da matemática que poderá eventualmente relacionar-se com o facto de Bacon associar a matemática às ciências ocultas.

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• Hermetismo e magia O Neoplatonismo, con traços do hermetismo e depois a cristianização e atracção pela cabala judaica são referências importantes, sobretudo após a divulgação, a partir de 1550, da obra de Cornelis Agrippa “De Occulta Philosophia” A figura-chave do neoplatonismo era “o mago”, aquele que buscava a verdade numa pesquisa ascética e solitária, cujo representante na Inglaterra isabelina foi o Doutor John Dee. A relação entre a ciência e a magia evidencia-se na alquimia, que procura a transmutação da matéria, sobretudo a de metais pobres, em ouro. Mas os métodos alquímicos já continham muito dos métodos das ciências modernas porque baseavam-se na experimentação, na precisão dos pesos e medidas e na observação repetida e cuidadosa da experimentação. Em termos sócio-culturais é importante ponderar a penetração das crenças na magia, na alquimia e na astrologia, quer entre as élites, quer entre as massas populares. A crença e a prática da astrologia constituem uma área em que a cultura erudita e a cultura popular seguramente se cruzavam. Conhecem-se casos de condenação por bruxaria que dão indicações importantes sobre a permanência destas convicções e o modo como, gradualmente, foram sendo abandonadas a favor de visões mais pragmáticas e empíricas da vida humana e do mundo natural, de acordo com o desenvolvimento do pensamento científico. O declínio da crença na bruxaria indica o desenvolvimento de uma atitude de common sense baseada, entre outros factores, no desenvolvimento do pensamento científico. • Newton e a ciência positiva Isaac Newton (1642-1727) veio completar a nova cosmovisão, preparada por Copérnico, Galileu e Kepler e a física newtoniana continuou a dominar o universo da física até às recentes descobertas da física quântica. Newton tem uma grande importância no quadro do pensamento inglês. As teorias de Newton sugerem, de um modo geral, que todos os fenómenos de movimento da natureza podem derivar matematicamente de princípios mecânicos. O método newtoniano analisa primeiro e sintetiza depois. Vistas unicamente sob o ângulo da física, as teorias de Newton propõem uma concepção mecânica do mundo. Era um crente convicto e escreveu um conjunto de tratados teológicos. Não foi, no entanto, a teologia filosófica que distinguiu Newton como pensador. Esta referência é importante na medida em que nos ajuda a perspectivar um quadro cultural onde a ciência moderna começa a ganhar contornos definidos sem se afastar da religião. O processo de secularização iniciado muito mais tarde poderá ter tido a sua origem em Galileu e Descartes e ter sido amadurecido por Newton, através da concepção científica do mundo, a interpretação mecanicista do cosmos, o impulso dado à ciência empírica que constituíram, sem dúvida, os fundamentos da ciência que no futuro se iria desenvolver. A filosofia natural de Newton rompe definitivamente com os princípios aristotélicos, estabelecendo uma nova e decisiva etapa na interpretação do universo que terá incidência no desenvolvimento também dos estudos sobre o próprio homem. A repercussão das teses de Newton é imensa, gerando um enorme entusiasmo em França. Newton não foi um positivista mas um filósofo, para quem a natureza é, ela própria, revelação da existência de Deus. Todavia, depois de Newton, o positivismo iria afirmar-se. O desenvolvimento das ciências do homem, no séc. XVIII, nomeadamente a sociologia, iria assentar em pressupostos científicos próprios da física newtoniana, expressos em teorias de carácter mecânico e positivista, que só em finais do séc. XIX começaram a ser repensados.

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TEMA 8 – A CULTURA POPULAR E A CULTURA ERUDITA

Cultura popular • Problematização A primeira questão prende-se com o facto do termo «popular» sugerir uma homogeneidade que não existe, sendo mais correcto falar-se de «culturas populares» ou «subculturas». Por outro lado, existe um estreitamento de relações entre a cultura popular e a cultura erudita, uma vez que no período early modern britânico, autores como Ben Johnson , Milton ou Marvell, recorrem à cultura popular para fins políticos, nomeadamente no que toca à defesa de festivais populares. No que respeita às festividades públicas é difícil dizer que são manifestações da cultura popular, porque envolvem diferentes grupos sociais. Pode-se sim falar de «aristocratização» ou «popularização» de algumas festividades. Ex: Lord Mayor Show é um exemplo de popularização. A simbologia contida deixou de ser concentrada na figura do rei, adquirindo um carácter único, que mais tarde passou a funcionar como espectáculo, sem conteúdo ou referência simbólica. A cultura popular foi frequentemente associada à cultura de massas ou à produção de objectos de forma padronizada. No período early modern, a análise da cultura popular é dificultada pelo facto de ser predominantemente oral, e por isso de difícil reconstituição. A cultura popular é quase sempre vista como uma categoria residual, como uma cultura não oficial, como os valores, as atitudes e as convicções partilhadas pelos grupos que não pertenciam às elites. • Festas religiosas, rituais de passagem, festas populares Festas da paróquia => (revels, ales ou wakes) estavam associadas quer ao culto do santo padroeiro da paróquia, quer ao ritmo do calendário, podendo ocorrer no final da Primavera, no início do Verão ou do Outono. Festas litúrgicas => eram também galvanizadoras de festividades comunitárias, tal como no período medieval. Ex: o Natal e o Twelve Days of Christmas, a noite de Ano Novo, a Páscoa, o Shrove Tuesday, o May Day, Whitsun e o Midsummer’s Eve. Estas festas ocorriam geralmente numa faixa de tempo relativamente estreita, sugerindo um conceito mal definido de tempo. Além do mais, as celebrações e festas tinham tendência para associar diferentes objectivos e tinham significados a diferentes níveis, havendo também uma tendência para a manipulação das festas populares, por forma a retirar-lhes o seu conteúdo popular e folclórico e emprestar-lhes significados artificiais utilizados como veículo de exploração política ou comercial. Por exemplo, o 1º de Novembro era inicialmente um dia em que os espíritos vagueavam entre os vivos. Em 998, o Abade de Cluny instituiu a Festa de Todos-os-Santos com o intuito de mudar as associações contidas nestas celebrações, passando os fiéis defuntos estarem a caminho do céu em vez de vaguearem entre os vivos, generalizando-se este novo significado por todo o ocidente cristão. Posteriormente, a festa de Fiéis Defuntos foi transferida para de 31/10 para 02/11. Outro claro exemplo é o May Day, séculos mais tarde aproveitado pelos movimentos laborais. Em termos familiares ou particulares, também existiam celebrações: os baptizados, casamentos e mortes que podem ser vistos como rituais iniciáticos, que marcavam a mudança de estatuto. Assim temos: Baptizado => é o momento da entrada da criança na comunidade das almas cristãs Casamento => embora não diga apenas respeito à cultura popular, já que afecta toda a sociedade.

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A única barreira explícita para o casamento era o parentesco, que se estendia ao parentesco espiritual de padrinhos e afilhados. O casamento era um acto público que se desdobrava em dois momentos:

- o noivado - o acto do casamento

Morte => o enterro propriamente dito não era um sacramento. O último sacramento era a extrema unção, que se concluía com o enterro, acompanhado pelas orações aos mortos ou Dirge. O único elemento sacramental no enterro era a missa de requiem, rezada posteriormente e normalmente paga. Os enterro faziam-se, geralmente, em terreno consagrado no cemitério da paróquia, a baixo custo. O enterro dentro da Igreja era mais caro, uma vez que consistia numa fonte de receita paroquial. Outro dos aspectos da cultura popular é dos jogos e passatempos, praticados em comum por toda a aldeia. Ex: football, cricket, boxing sem luvas, luta livre, jogo do pau ou ainda tiro com arco nas épocas Tudor e Stuart. Todo um conjunto de práticas cruéis para com certos animais era vista com naturalidade, como entretenimento. Ex: baiting de cães sobre ursos, touros ou badgers; matar galos com paus no Shrove Tuesday ou lutas de galos. As representações dramáticas incluíam-se na categoria de passatempos e podia não se limitar às classes populares, mas envolver também as élites locais. Entre os divertimentos populares contam-se: Carnaval => como uma enorme representação, em que as ruas principais e os largos das cidades ou aldeias se transformavam em palcos, transformando-se a cidade num teatro sem paredes e os seus habitantes em actores e espectadores. As liberdades de comportamento que o Carnaval proporcionava, serviam de escape às insatisfações contidas durante o resto do ano. O Carnaval era também uma actividade comunitária, que contribuía para a coesão de grupos frequentemente divididos por discórdias e disputas. As comemorações giravam em torno de três temas principais:

- comida - sexo - violência

Quaresma => por oposição ao Carnaval, por ser um período de jejum, expiação e sacrifício. De referir ainda que, o Carnaval é vivido por todas as classes sociais articulando-se simultaneamente com o calendário cristão. Por último, referir um conjunto de práticas e de usos que não coincidindo com datas festivas do calendário, monopolizam a atenção da comunidade e funcionam de forma também ritual, e eram objecto de recuperação do espírito carnavalesco: Eleições parlamentares => sobretudo em Westminster, eram uma ocasião festiva aproveitada para comer, beber, cantar e lutar nas ruas culminando com a entronização (chairing) – tomada de posse – do candidato vencedor. Entradas solenes de reis ou pessoas importantes nas cidades Celebração de vitórias em batalhas Coroações

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Execuções públicas => constituíam uma representação dramática, destinada a mostrar ao povo que o crime não compensa ou que a autoridade é soberana na aplicação da justiça. Outras formas de justiça popular podiam ser usadas, em formas rituais públicas. O charivari, era a mais conhecida na Inglaterra, e consistia numa difamação pública, sob a forma de balada, cantada debaixo das janelas do culpado, acompanhada pelo barulho de potes e panelas. Era assim uma espécie de serenata às avessas. Há que referir que as práticas ritualizadas das festas populares podiam servir de estrutura e código para formas deliberadas de revolta, de que é exemplo a revolta dos counties em 1536 => Pilgrimage of Grace. • Efeitos da Reforma e do Puritanismo sobre a cultura popular Os excessos de comportamento das festas populares eram vistos de forma crítica pelos reformadores, especialmente os puritanos. A Reforma, trouxe 2 elementos que iriam contribuir decisivamente para a extinção de muitas das manifestações populares:

- recurso a uma nova autoridade, a Bíblia, largamente difundida pela imprensa e pelo aumento da literacia

- consequente exigência de conformismo, ou seja, normalização de comportamentos, segundo um modelo único, de santidade

Apesar de terem eliminado muitas das manifestações populares, como as festas carnavalescas, church ales, fogueiras comemorativas ou festas de Maio, os Puritanos não puderam mudar as mentalidades que aderiam e sustentavam estas manifestações devido à vontade de escapar à realidade. A Restauração (1660) leva a um retorno a uma maior liberdade de expressão, a nível ritual, manifestada no gosto pelas mascaradas. Outro plano de actividade em que o espírito da Reforma e Puritano contribuíram decisivamente foi as práticas ligadas à magia e bruxaria. A Revolução Científica iria contribuir para o desaparecimento das atitudes que expressavam convicções de intervenção directa do sobrenatural nos assuntos do homem e da natureza. Com a emergência na nova filosofia orientada para a observação da natureza, a experimentação e o uso da razão. Cultura erudita • A educação Com a crescente complexidade da sociedade, aumentaram os níveis de alfabetização com a consequente alteração na área da educação, que afectou apenas uma pequena parte da população. Um dos indicadores é o aumento da publicação de livros. Pode-se constatar que, durante o período Tudor, o número dos que sabiam ler aumentava e que algumas mudanças introduzidas, quer na organização dos estabelecimentos de ensino, quer nos seus conteúdos curriculares, contribuíram para as transformações sociais e culturais que se observa no período early modern, em Inglaterra. O que significava «educação» no início do séc. XVI? Ela teria, em primeiro lugar, que incutir perspectivas religiosas, uma vez que, a educação formal era, em larga medida, dominada pela Igreja, estando Oxford e Cambridge sob controlo ecelsiástico. Os mestre-escola necessitavam de autorização episcopal para exercer o seu ofício e nas grammar schools fundadas neste período, começou a ser considerada prioritária a boa formação moral e religiosa dos professores. Outro objectivo da educação era a utilidade dos conhecimentos em matéria de transacções comerciais e da administração pública.

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A educação proporcionava também, o acesso a um conjunto de actividades úteis e agradáveis, traduzindo-se num aumento do número de, por exemplo, almanaques, panfletos baladas e livros humorísticos. • O «ensino superior»: as Universidades Cerca de 1550, o número de admissões era ainda baixo. Porém, a partir dessa data o número começou a subir, atingindo valores muito mais elevados nos anos oitenta de quinhentos. Na década de noventa, regista-se um decréscimo de admissões, provavelmente devido às condições económicas adversas e posteriormente assiste-se a um aumento progressivo nas primeiras décadas do séc. XVII. As guerras civis provocariam nova diminuição para em seguida se registar um aumento a que se seguiria um gradual declínio, durante o séc. XVIII. A origem social dos estudantes era designada por «plebeus» e representava mais de metade dos estudantes da Universidade de Oxford. Um número escasso provinha de famílias camponesas, mas a maior parte era constituída por filhos de husbandmen ou de pequenos artesãos. Progressivamente começa a ser maior o número de filhos da gentry, de acordo com o conceito renascentista de gentleman, que valorizava a educação, especialmente os saberes clássicos. Por volta de 1600, formou-se dois grupos de estudantes => os plebeus, destinados à carreira eclesiástica e os filhos da gentry que não pretendiam, de uma maneira geral, uma qualificação profissional, apenas a aquisição de conhecimentos interessantes e um polimento cultural. No final do séc. XVII, começa a diminuir o número de estudantes das classes mais desfavoráveis. A origem social dos estudantes está intrinsecamente ligada ao conteúdo das matérias leccionadas e à própria organização das universidades. O Colégio de Magdalen, em Oxford, foi o primeiro a introduzir modificações de que é exemplo a introdução do sistema de ensino tutorial e o sistema de residência dentro do colégio. A nível de currículos, era dada muita importância à gramática e à filosofia moral, áreas relacionadas com o humanismo. Outra inovação => foi a provisão de lugares para undergraduate commoners, i.e., para os filhos da gentry que, para residirem e estudarem no colégio, pagavam as suas despesas. Os novos Colégios tornaram-se rapidamente centros de inovação e excelência, à medida que a importância dos antigos Halls ia diminuindo. Personagens de grande importância, como Thomas More ou o Bispo Foxe, sublinharam a importância da formação obtida nos Colégios para o desempenho de funções públicas. De um modo geral, e apesar de alguma abertura, os currículos universitários continuavam conservadores e não utilitários. Ainda se estudava o trivium (gramática, retórica e dialéctica) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). O aumento do número de estudantes do meio gentry, que pagavam os custos da sua estada na universidade, permitiu o aparecimento de outras disciplinas extra-curriculares, pagas pelos que pudessem pagar. Assim, surge a química, a física, a anatomia, a botânica e a matemática, entre outras. Este regime chamava-se tutorial e constituiu uma das grandes inovações, duradouras e eficazes.

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O regime tutorial implantou-se em simultâneo com o desenvolvimento dos Colégios. Com a generalização do regime tutorial, os métodos tradicionais de ensino (a lição magistral e a disputa), caíram em desuso. O facto de disciplinas como a química, a astronomia e a botânica, introduzidas no início do séc. XVIII ter tido efeitos sobre uma muito pequena parte dos estudantes, levou à interpretação de que a Revolução Científica se fez à margem das Universidades. Estas instituições eram vistas como opositores ferozes às mudanças de atitude. De salientar o carácter cosmopolita das Universidades, dada a grande mobilidade da comunidade científica. Nos sécs. XVI e XVII, verifica-se a fundação de academias científicas que constituíam uma alternativa ao sistema universitário considerado demasiado conservador e apegado a uma filosofia escolástica que rejeitava a inovação. A principal diferença reconhecida entre as Universidades e as Academias estava na missão:

- Universidades: cabia a actividade pedagógica - Academias: cabia a investigação científica

Assim, a relação entre estes dois tipos de instituição era de complementaridade. No séc. XVIII, as Universidades entraram em declínio, enquanto as Academias floresciam. Em meados do séc. XIX, todo um conjunto de mudanças devolveu às Universidades a missão de serem também instituições de investigação, para além de serem também instituições de ensino. • O «ensino superior»: os Inns of Court Inns of Court => eram, em princípio, estabelecimentos vocacionados para a formação em Direito, mas funcionavam mais do que as Universidades, como escolas de eleição para os estratos sociais mais favorecidos. Tal como as Universidades, estas instituições também viram aumentar o número dos seus estudantes a partir de meados do séc. XVI. Estes estudantes não beneficiavam de bolsas nem podiam sustentar a sua estada nos Inns com actividades serviçais como nas Universidades, pelo que, apenas alguns pares do reino, aristocratas e gentry podiam proporcionar esta formação profissional. Esta formação era considerada uma preparação para a vida social. A frequência dos Inns começou a decair na segunda metade do séc. XVII e os filhos da gentry começam a ser substituídos por filhos de comerciantes e profissionais mais orientados para a profissionalização. Na segunda metade do séc. XVIII, os aristocratas e gentry que desejassem completar a formação social dos seus filhos, enviavam-nos para fazer o Grand Tour, acompanhados por um tutor. Grand Tour => consistia numa viagem pelas grandes cidades e paisagens da Europa continental. Os conteúdos curriculares e métodos de ensino nos Inns eram muito diferentes das Universidades. As únicas disciplinas académicas eram as Leis. O período de estudos era longo – 10 a 12 anos – até à obtenção da profissionalização. Conclusão: o período entre meados do séc. XVI e meados do séc. XVII caracteriza-se como sendo um período revolucionário, a nível do ensino superior:

- aumento do número de estudantes - introdução de novas disciplinas curriculares - alteração de métodos de ensino - transformação do sistema de acolhimento

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Oxford, Cambridge e os Inns of Court, reflectem essa mudança. • O ensino não superior: As Grammar Schools e outras instituições As circunstâncias que levaram à expansão das Universidades foram as mesmas que levaram ao desenvolvimento das escolas secundárias, ou seja, a valorização de alguma instrução na condução dos negócios públicos, a preferência por novos atributos sociais e o novo prestígio do saber clássico. A difusão de livros impressos também contribuiu para uma melhor preparação dos professores das escolas das zonas rurais. Existem vários modelos de instrução não superior no período early modern:

- grammar schools: eram as escolas principais, quer pela quantidade de alunos, quer pela natureza dos seus currículos e métodos de ensino

- existiam ainda outras escolas que ensinavam latim e instrução elementar em inglês - as famílias economicamente dasafogadas, recorriam a um tutor privado que seria o

encarregado de educação. A figura do tutor constituía um ensino alternativo ao das public schools

As grammar schools eram geralmente financiadas por fundadores privados, interessados em contribuir para a boa formação moral e cívica e para promover os novos princípios da religião protestante contra os riscos do catolicismo. Algumas dessas escolas desviaram-se dos seus objectivos e começaram a praticar um certo grau de exclusividade como é o caso de Eton e Westminster. A expansão da rede de escolas acentua-se no reinado de Isabel I. Os conteúdos do ensino nas Grammar Schools eram idênticos aos das Universidades, i.e., clássicos e não utilitários. O ensino do latim constituía a base fundamental para aceder à Universidade. Com o declínio dos ideais renascentistas, a educação das grammar schools e das Universidades também entraram em declínio, causado por um desfasamento da educação relativamente a um mundo em mudança. Surgiram, também, outras alternativas, nomeadamente as academias privadas, onde eram ensinadas disciplinas mais úteis: esgrima, equitação e dança. A expansão das escolas não significa um aumento significativo da qualidade do ensino. Independentemente dos vários graus de avanço no estudo, a sala de aula era uma só, com apenas um professor e um contínuo. O ensino era feito em grupos, o que deveria ser difícil na hora de impor silêncio. O horário era extenso. A disciplina incluía castigos corporais (chibatadas) e a sua violêcia levara por vezes muitos alunos à fuga. Um certo número de costumes, ou «praxes» diminuíam a hostilidade que poderia surgir entre o professor e os alunos. Exemplos desses costumes é: - o barring out, shutting out, openning out ou simplesmente the exclusion, que consistia num número de alunos fecharem-se na sala de aula, sem o professor, combinando entre si um conjunto de reivindicações sobre o funcionamento da escola e sobre as férias, dando-as depois a conhecer ao professor. As condições de ensino e as práticas escolares da grammar school manter-se-iam por, pelo menos, dois séculos. Em meados do séc. XIX, os objectivos da educação eram utilitaristas, ou seja, a educação era entendida como preparação para o desempenho de uma actividade profissional ou, por parte dos fundadores das escolas, como um dever social.

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• A corte e a cultura das élites Há que falar na cultura da corte, já que a corte renascentista era um mundo onde a representação e o ritual, marcavam os comportamentos individuais e a produção literária e estética. Constatou-se atrás que os gentlemen commoners (estudantes de nível social superior) residiam na Universidade durante 2 ou 3 anos, não para obter um grau académico com vista ao exercício de uma profissão mas com vista a um melhor desempenho na corte. Este desempenho tinha como objectivo, obter uma posição de aconselhamento do rei ou do príncipe e que constituía o debate político dos humanistas. Para estes, a educação era mais do que um simples termo profissional; ela devia envolver a totalidade da personalidade e desenvolver uma variedade de aptidões para tocar instrumentos musicais, pintura e escultura que ajudavam a desenvolver a inteligência crítica. As formas de conduta, tornavam-se cada vez mais importantes, à medida que a corte ia desempenhando um papel progressivamente mais importante no governo do Estado. Cada vez mais era importante corresponder ao modelo desejado e que oferecia garantias de obtenção de um posto na corte. Assim, na segunda metado do séc. XVI, o gentleman tinha que saber combater e o serviço militar prestado à rainha ou à causa protestante era considerada uma actividade nobre. Devia também saber discutir latim, conhecer a forma do soneto, saber um pouco de teologia, dançar e ter boas maneiras à mesa. Até ao final do séc. XVII, a corte era um foco de atracção para o que desejavam promoção. A visibilidade das qualidades individuais era garantida através de formas de exteriorização. Assim:

- Henrique VIII assistiu a uma rentabilização do torneio medieval, agora com funções meramente simbólicas e de representação

- O mesmo significado simbólico era atribuído à obtenção de uma distinção de cavalaria como, por exemplo, a obtenção da ordem da Jarreteira, no reinado de Isabel I

Havia todo um registo de patronato ou mecenato que proporcionava a aquisição de estatuto social a famílias que desejavam adquirir maior proeminência. As representações tinham um carácter efémero, mas foi registado em peças de tapeçaria e pinturas. O retrato foi a forma de arte que mais protecção recebeu da corte de Tudor, sendo alguns dos principais artistas Hans Holbein, Nicholas Hilliard e Isaac Oliver. Na música, a criatividade é maior com vários compositores em destaque: Thomas Tallis, William Byrd e Orlando Gibbons. O drama teve também alguns representantes de destaque como Shakespeare, Christopher Marlowe e Ben Johnson.

TEMA 9 – DO PRÉ-INDUSTRIAL À INDUSTRIALIZAÇÃO: SISTEMATIZAÇÃO E TEORIZAÇÃO

A análise da sociedade e cultura do período early modern não pode omitir a primeira referência à teoria de Max Weber sobre a relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo. Weber na sua “Ética Protestante” tenta interpretar as divergências no desempenho sócio-económico. Para o autor, o estudo comparado das grandes religiões, permite-lhe associar a actividade capitalista à organização formalmente racional de trabalho livre como um fenómeno específico do ocidente que não ocorre noutras religiões. A teoria de Weber procura explicar o carácter específico do capitalismo ocidental que o distingue da simples procura de enriquecimento. Para Weber, a resposta às suas questões reside no espírito puritano, que acentua a noção de vocação. A vocação passa a ser entendida como a forma mais elevada de obrigação moral individual, que consiste em cumprir os seus deveres no plano da actividade do «mundo». Esta forma de actividade e de cumprimento do dever é chamada por Weber de This wordly ascetism, e é própria do puritanismo. O puritanismo distingue-se do católico porque projecta o seu comportamento religioso na vida e na actividade do dia-a-dia, enquanto o católico cumpre a sua religiosidade num ciclo de pecado, arrependimento e perdão. Mais informação ver pp. 318-324.