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1 NOÇÕES DE CIÊNCIAS HUMANAS A SOCIEDADE – CULTURA E TECNOLOGIA Sociedades Complexas: indivíduo, cultura e o individualismo Ricardo Bruno Cunha Campos Introdução Este artigo pretende compreender o processo de mundialização que envolve as sociedades ocidentais, tendo como eixo central de análise o processo de formação do indivíduo, da individualidade e do individualismo. As sociedades ocidentais, estruturadas com base no capitalismo, se desenvolvem em um contexto multicultural, composto de identidades muito diferenciadas, sob o pano de fundo ideológico de uma pretensa homogeneização e universalização. As multiculturas presentes nessas sociedades, fazem parte de uma cultura geral, onde a lógica do capital coloca suas manifestações em uma rede de produção de massa, voltada para o consumo. O que exacerba as inter-relações entre os indivíduos, enquanto produtos e, ao mesmo tempo, produtores da realidade social, magnificando a organização individualista e o individualismo. Considerado como ideologia e base de estruturação moral da sociedade capitalista, o individualismo segue em constante mutação, apresentando forte tendência a radicalização, em meio a uma abundância de recursos humanos que, a rigor, seriam suficientes para propiciar a felicidade humana. Com efeito, em países considerados desenvolvidos, como por exemplo, a Suíça, a Suécia, os EUA, entre outros, as configurações sócio-culturais, apesar de atenderem em grande parte às demandas básicas de necessidades físicas e biológicas dos indivíduos, parecem não satisfazer as necessidades de ordem moral e de coesão social, em um sentido durkheimiano, correspondentes a uma vida social harmônica, e na qual os indivíduos possam estar satisfeitos com o ato de viver. O suicídio, por exemplo, é um fenômeno bastante freqüente naqueles países, demonstrando as mazelas que a objetivação nas relações e a fragmentação do social ao nível individual podem trazer. Apesar das faces negativas, que acompanham o processo de mundialização e a afirmação da cultura individualista, existe a possibilidade de progresso e de uma visão otimista acerca destas formas culturais, que surgem no bojo do desencantamento do mundo, em um sentido Weberiano. A cultura e a configuração do mundo ocidental que invocam a liberdade no individualismo do consumo e do poder monetário, apresentam um quadro de insatisfação e sofrimento social, seja por necessidades econômicas e materiais, ou por necessidades existenciais, mas, em contrapartida, colocam em relações

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NOÇÕES DE CIÊNCIAS HUMANAS

A SOCIEDADE – CULTURA E TECNOLOGIA

Sociedades Complexas: indivíduo, cultura e o individualismo Ricardo Bruno Cunha Campos

Introdução

Este artigo pretende compreender o processo de mundialização que envolve as sociedades

ocidentais, tendo como eixo central de análise o processo de formação do indivíduo, da

individualidade e do individualismo.

As sociedades ocidentais, estruturadas com base no capitalismo, se desenvolvem em um

contexto multicultural, composto de identidades muito diferenciadas, sob o pano de fundo ideológico

de uma pretensa homogeneização e universalização. As multiculturas presentes nessas sociedades,

fazem parte de uma cultura geral, onde a lógica do capital coloca suas manifestações em uma rede de

produção de massa, voltada para o consumo. O que exacerba as inter-relações entre os indivíduos,

enquanto produtos e, ao mesmo tempo, produtores da realidade social, magnificando a organização

individualista e o individualismo. Considerado como ideologia e base de estruturação moral da

sociedade capitalista, o individualismo segue em constante mutação, apresentando forte tendência a

radicalização, em meio a uma abundância de recursos humanos que, a rigor, seriam suficientes para

propiciar a felicidade humana.

Com efeito, em países considerados desenvolvidos, como por exemplo, a Suíça, a Suécia, os

EUA, entre outros, as configurações sócio-culturais, apesar de atenderem em grande parte às

demandas básicas de necessidades físicas e biológicas dos indivíduos, parecem não satisfazer as

necessidades de ordem moral e de coesão social, em um sentido durkheimiano, correspondentes a uma

vida social harmônica, e na qual os indivíduos possam estar satisfeitos com o ato de viver. O suicídio,

por exemplo, é um fenômeno bastante freqüente naqueles países, demonstrando as mazelas que a

objetivação nas relações e a fragmentação do social ao nível individual podem trazer.

Apesar das faces negativas, que acompanham o processo de mundialização e a afirmação da

cultura individualista, existe a possibilidade de progresso e de uma visão otimista acerca destas formas

culturais, que surgem no bojo do desencantamento do mundo, em um sentido Weberiano. A cultura e a

configuração do mundo ocidental que invocam a liberdade no individualismo do consumo e do poder

monetário, apresentam um quadro de insatisfação e sofrimento social, seja por necessidades

econômicas e materiais, ou por necessidades existenciais, mas, em contrapartida, colocam em relações

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mais próximas diversas sociedades e tipos culturais peculiares. Estas aproximações ajudam a entender

o processo cultural e consequentemente apontar caminhos para a resolução de problemas existentes

nas sociedades, em busca de uma melhor qualidade de vida.

As Culturas e a cultura global fragmentada das sociedades complexas

No final do século XX e início do século XXI, surgiram muitas críticas ao conceito de cultura

dentro das Ciências Sociais e, especificamente, da Antropologia. Afirmava-se o fim do conceito de

cultura e sua ineficácia para estudo das sociedades e dos indivíduos diante da vida moderna global.

Alguns autores como Clifford Geertz e Marshall Sahlins, em contrapartida, fizeram a sua defesa.

Neles a cultura apareceu como um conceito fundamental para a reflexão sobre os homens e suas vidas,

principalmente no estudo e pesquisa das sociedades contemporâneas e seus indivíduos.

Clifford Geertz, em sua obra A Interpretação das Culturas (1978) traz uma enorme

contribuição metodológica para pensarmos as culturas relativizando-as e generalizando seus aspectos,

enquanto construções simbólicas do homo racionale. Geertz nos mostra como a cultura é composta

pelo ethos e visão de mundo, que enquanto valores, construções e práticas se sobrepõem

sucessivamente na organização da vida social. Diz ele:

“Como abelhas que voam apesar das teorias da aeronáutica que lhes negam esse direito,

provavelmente a grande maioria da humanidade está retirando continuamente conclusões normativas a

partir de premissas fatuais (e conclusões fatuais a partir de premissas normativas, pois a relação entre

o ethos e a visão de mundo é circular) [...]” (GEERTZ, 1978, p.158).

A fim de desvendar as estruturas de significado dispostas em forma de teia, as quais os

próprios homens criam e nela estão imersos, Geertz procura em suas etnografias ou descrições densas

o que são valores e como eles atuam, sem separar os aspectos objetivos dos

subjetivos da vida. Aborda, desta maneira, a cultura e denota um afastamento da postura positivista

seguida por Durkheim. Neste caminho aponta para as diferença entre suas concepções sobre religião e

cultura, e a durkheimiana.

No tocante a questão da objetividade e subjetividade, Geertz parece mais próximo de clássicos

das Ciências Sociais como Weber e Simmel, que perceberam uma interpenetração destas duas

instâncias da vida. Em contrapartida, ao perceber a religião como agregadora do

ethos e da visão de mundo, aproxima-se de Durkheim, e mais propriamente de Mauss, e sua percepção

de religião como representação e reafirmação da vida social e da sociedade e cultura. Ao falar sobre

tudo isto diz:

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“A necessidade de tal elemento metafísico para os valores parece variar bastante em intensidade de

cultura para cultura e de indivíduo para indivíduo, mas a tendência de desejar alguma espécie de base

fatual para o compromisso de cada um parece praticamente universal – o mero convencionalismo

satisfaz muito poucas pessoas, em qualquer cultura”. (GEERTZ, 1978, 148)

“ [...] a religião fundindo ethos e visão de mundo, dá ao conjunto de valores sociais aquilo que eles

talvez mais precisam para serem coercivos; uma aparência de objetividade”. (GEERTZ, 1978,149)

No estudo da cultura e sociedade se faz importante tratar da questão da linguagem e da

linguística, e das formas de comunicação que permite a interação e a criação dos símbolos norteadores

da vida social, bem como da própria elaboração de conceitos e teorias sociais. João de Pina Cabral em

seu texto, Semelhança e Verossimilhança: horizontes da narrativa etnográfica (2003), traz uma

discussão sobre a questão da linguagem, da comunicação e da transmissão da mensagem. Tendo como

foco a etnografia, o autor afirma que, estando imersos em um mesmo universo simbólico e cultural, os

cientistas sociais, partilham símbolos, conceitos e uma realidade verossímil, que os possibilitam

estudar e pensar sobre as diferenças entre as sociedades complexas ou seus grupos.

Para entender as culturas, inclusive a da sociedade que estão incluídos, Cabral propõe que os

antropólogos contemplem o fenômeno lingüístico de tradução da palavra/mensagem e suas condições

de existência, pensando suas categorias culturais de verossimilhança, que possibilitam o estudo da

pluralidade cultural humana.

Deve-se, assim, pensar, estudar e resgatar as diferenças, refletindo constantemente sobre as

semelhanças. A capacidade humana de comunicação e da tradução oferece a possibilidade da

generalização do estudo da cultura através da categoria de verossimilhança, ao estudar a pluralidade e

as diferenças através da singularidade que une indivíduos, enquanto sujeitos de um social

determinado. A realidade de uma cultura dada encontrar-se-ia, então, ligada e estudada pela abstração

e generalização relativizante. Cabral esclarece esta questão:

“Mais uma vez, não proponho que tal pudesse ser feito por meio de uma qualquer cosmologia

estruturada e finalista. Pelo contrário, a relação da etnografia com o mundo nos casos etnográficos

que mais nos surpreendem é uma parecida com os sistemas de controle conhecidos como fuzzi logic –

uma aproximação progressiva e interativa, aberta à manipulação dos termos.” (CABRAL, 2003, p.

119).

Percebe-se que Cabral partilha o ponto central aqui proposto, de que uma teorização científica

e o estudo do social são uma construção. Construção onde o diálogo e a comunicação devem ser

observados constantemente e construídos no interior de um processo aberto. A subjetividade e a

objetividade, neste caso, aparecem interdependentes e em fluxo. Ao partir dessa ótica se faz necessário

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um diálogo permanente com os clássicos. Os mais pertinentes trabalhos enquanto ensaios teóricos

abertos, que observaram a interpenetração dos aspectos objetivo nos subjetivos e vice-versa, surgem a

partir da obra de Georg Simmel, que decifrou eficazmente a cultura moderna, a sociabilidade imanente

a ela, e os indivíduos e suas conformações.

A veia compreensiva e interpretativa de Weber aparece, também tão forte quanto o estilo

ensaístico de Simmel, que propõe um conhecimento científico aberto e em constante tensão e

constituição.

A tradição das Ciências Sociais e os clássicos dão um suporte teórico fundamental ao estudo

da vida social moderna e do individualismo que se intensificam na virada do século XIX par o XX, em

que escrevem. Simmel analisou a vida na cidade e as relações entre seus indivíduos, observando a

divisão do trabalho como fenômeno histórico que contribuiu e acarretou o processo de crescimento das

relações objetivas e impessoais, em detrimento da pessoalidade da cultura subjetiva tradicional e sua

configuração. Simmel afirma que na modernidade as relações entre os homens não só se ampliam,

como as múltiplas e complexas relações de projetos individuais ou coletivos e tensões entre os

mesmos começam a surgir:

“Contribuiu para o encadeamento e para a integração da vida moderna a nossa divisão do trabalho

[...] Conseqüentemente, vemos que o dinheiro instaura incomparavelmente mais laços entre os homens

que nos estágios da associação feudal e da reunião arbitrária [...]” (SIMMEL, 1998, p. 27)

Simmel detecta um crescimento da capacidade das comunicações e relações entre os homens,

abrangendo maiores e mais complexas esferas sociais. Uma cultura de objetivação das inter-relações

entre os indivíduos e grupos surge na modernidade de forma especializada e fragmentada. O

individualismo na cultura moderna traz indiferença e impessoalidade nas inter-relações. A atitude

blasé aparece, e os laços sociais se alargam cada vez mais à medida que a cultura e a mentalidade

moderna abstraem-se e objetivam-se. O homem moderno não está preso a nada, ou quase nada; os

grilhões tradicionais fragmentam-se e o dinheiro aparece como o mecanismo de mediação mais eficaz,

de maior abstração e objetivação para essa liberdade das impessoalidades e indiferenças que geram

novas formas de organização social e de seu ordenamento. Diz ele:

“Nessa função o dinheiro confere, por um lado, um caráter impessoal, anteriormente desconhecido, a

toda atividade econômica, por outro lado, aumenta proporcionalmente, a autonomia e a independência

da pessoa”. (SIMMEL, 1998, p. 25

Simmel percebe então a cultura como construção humana, formada por arranjos simbólicos,

através das ações sociais dos indivíduos em interação. Indivíduos estes que na época que ele estuda se

apresentam através de um ethos e visão de mundo (GEERTZ, 1978) de cunho individualista e de

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relações culturais múltiplas e complexas. Ele estuda e compreende a realidade percebendo a esfera

subjetiva mais e mais desenvolvida nos indivíduos. Onde a cultura configura e é configurada.

O autor aprecia a liberdade individual, por um lado, mas ressalta, por outro, o perigo da perda

da capacidade crítica sobre as condições de vida dos indivíduos e sua cultura. Pode ocorrer a perda da

individuação e da reflexão, emergindo o perigo da insatisfação e infelicidade na vida moderna,

instrumentalizada e objetivada pelo dinheiro. A individualidade se torna o valor existencial dos

homens, podendo gerar a coisificação dos humanos e a perda da percepção do todo social em que

estão inseridos e vivem. Ressalta aqui, que este tipo de comportamento afeta também a ciência e os

cientistas, que hoje em dia, mais ainda, podem cair na armadilha da objetificação e da reificação.

Simmel fala assim sobre a cultura moderna:

“As correntes da cultura moderna deságuam em duas direções aparentemente apostas: por um lado, na

nivelação e compensação, no estabelecimento de círculos sociais cada vez mais abrangentes por meio

de ligações com o mais remoto sob condições iguais; por outro lado, no destaque do mais individual,

na independência da pessoa, na autonomia da formação dela.” (SIMMEL, 1998, p. 28)

Sobre o reflexo futuro desse processo da vida e cultura moderna, e sobre o individualismo e a

objetivação da cultura ocidental, Simmel mostra-se, contudo, esperançoso em meio aos problemas que

surgem e poderão se agravar:

“Prefiro acreditar, no entanto que a idéia da mera personalidade livre e da mera personalidade

singular, não seja ainda as ultimas palavras do individualismo. Ao contrário, a esperança é que o

imprevisível trabalho da humanidade produza sempre mais, e sempre mais variadas formas de

afirmação da personalidade e do valor de existência” (SIMMEL, 1998, p. 117)

O francês Louis Dumont, por sua vez, retorna a discussão sobre o individualismo e a cultura

moderna fragmentada, aparecendo como outro autor de importância fundamental para a compreensão

do fenômeno cultural moderno e do individualismo. De tradição antropológica francesa, herdeiro de

posições durkheiminianas e, principalmente maussianas, Dumont percebe os indivíduos sociais sendo

construídos exteriormente pela sociedade. A pessoa, o indivíduo social, é formado pelo aprendizado e

pela socialização, pela coerção do todo, ou pela consciência coletiva que tem caráter coercivo sobre os

indivíduos.

Diante de uma postura teórica de cunho mais holista, é possível diferenciá-lo de Simmel que

se centra mais em uma micro-sociologia e nos sujeitos. Dumont também coloca a questão simbólica e

da relatividade quando admite que os sujeitos em suas ações recriam e fundam novas configurações da

vida social, mesmo que de uma maneira inconsciente. A subjetividade dos indivíduos seria, então,

entendida como um reflexo da objetividade criada pela sociedade em seu todo, e formada e processada

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pelos mesmos indivíduos em interação e comunicação constantes. A cultura seria, assim, entendida

como um processo que se desenrola no caminhar das civilizações, dentro de interconexões entre os

modos objetivo e subjetivo, mesmo que o subjetivo seja entendido, ainda, de forma inconsciente e de

viés estruturalista.

Verena Stolcke, em seu artigo intitulado Gloria o Maldición Del Iindividualismo Moderno

según Dumont (2001), parte da hipótese de que fica clara a postura estrutural-comparativa de Louis

Dumont ao estudar os problemas da relação entre indivíduo e sociedade. Dumont, em sua obra, parte

de uma perspectiva histórica, estudando e comparando as civilizações através dos sistemas de idéias-

valores ou das formas ideológicas de culturas distintas. Com os conhecimentos adquiridos sobre a

cultura da Índia, ele a compara com a vida e cultura ocidental, retraçando o percurso histórico do

caminhar da civilização ocidental e dos indivíduos que nela emergem.

Estuda, a gênese, o surgimento e o caminhar da ideologia individualista atual, no capítulo, “Do

Indivíduo-no-mundo ao Indivíduo fora-do-mundo”, constante no livro, O Individualismo – Uma

perspectiva antropológica da ideologia moderna (1985, pp. 35 a 71). Neste artigo o autor acredita, e

esta é sua tese, que algo do individualismo moderno e contemporâneo aparece e está presente desde o

início da era cristã e no berço da civilização ocidental, mesmo quando aí o conjunto de idéias-valores

das sociedades situava o indivíduo no extramundano.

Dumont percebe o indivíduo extramundano baseando-se na sociedade indiana, lugar em que

uma sociedade holista se manifesta, e o todo social e não o individuo é o valor supremo e base da

sociabilidade. O que constrange o indivíduo enquanto ser peculiar, sendo esta a base da coesão social,

restando ao indivíduo à única possibilidade de liberdade, e bastando-se a si mesmo somente no

extramundano, fora do mundo social, na figura do renunciante.

Diferente da contemporaneidade, onde o indivíduo busca sua liberdade e basta a si mesmo no

mundo social. Dumont busca caracterizar a origem das concepções sobre indivíduo e as etapas de

transformação que se segue no desenrolar histórico ocidental. O indivíduo é entendido sob uma dupla

perspectiva. Uma exterior objetiva, como algo de fora que une os indivíduos e os fazem seres sociais,

e os toma como universais, e outra de cunho interno, subjetiva, que seriam os valores pessoais como

seres específicos.

Parece claro que para Dumont é possível estudar e trabalhar as sociedades a partir das culturas.

Segundo Stolcke (2001), Dumont ao colocar em jogo os próprios valores enquanto antropólogo e

individuo social, dá uma guinada metodológica que ajuda a Antropologia e os estudos sobre o social

avançarem. Ela afirma, também, que Dumont, assim, como nos parece, aqui, em relação à Simmel,

percebe o perigo e os desafios da nova sociabilidade moderna. Segundo Stolcke,

"O Individualismo é o valor cardeal das sociedades modernas. O surgimento do individualismo

significará simultaneamente a cegueira diante do social. A ideologia moderna é individualista na

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medida em que valoriza o indivíduo concebido como sujeito moral, independente e autônomo e ignora

ou subordina a totalidade social. Segundo esta configuração de ideias – valores o indivíduo possui

atributos como a igualdade e a liberdade". (STOLCKE, 2001, P. 13)

Fala, também, da percepção de Dumont sobre o individualismo como ideologia, que separa e

faz a distinção entre sujeito e objeto, cara também à análise de Simmel. Stolcke ressalta, assim, o

mérito de Dumont em expor as várias faces do individualismo e, portanto, da cultura moderna.

Marshall Sahlins, em sua obra e no belíssimo artigo, “O pessimismo sentimental e a

experiência etnográfica: porque a cultura não é um objeto em vias de extinção” (1997, 1997a), faz

uma defesa da cultura enquanto categoria, latente e importantíssima na análise do social e dos

indivíduos.

Sahlins resgata o conceito de cultura desde o seu surgimento e sua gênese, colocando como

central nesta revisão o processo de globalização e mundialização das sociedades. Admite e ressalta a

existência da resistência cultural entre culturas em contexto, e de formas de civilização e sociedades

particulares, que se sentem ou são interpretadas como desfavorecidas dentro desse processo.

Coloca a cultura como sendo um processo de intercâmbio entre indivíduos, grupos e

sociedades. A busca pelo domínio do exterior e da natureza, então, segundo ele, faz parte da própria

cultura e da sua essência enquanto busca pela vida e perpetuação. O domínio do mundo é o domínio

sobre os sujeitos em interação em uma sociabilidade dada, e isso é inerente à reflexão racional do

humano. Em Shalins, então, para se entender e estudar a cultura contemporânea, têm-se que estar

atento a história cultural do capitalismo, e perceber, também, a autonomia cultural dos povos

“primitivos”, no processo de inclusão e interação com a cultura capitalista em uma ideologia

universalista.

A cultura globalizada atual parece trazer, em si, a idéia do homem como ser mundial e

cosmopolita. Esta uniformização cultural ideologizada, aparece em autores pós-modernos e

desconstrucionistas como um dado natural, que os fazem atacar o conceito de cultura e criarem uma

outra ruptura com a tradição antropológica. Sahlins, ao contrário, discute com os pós-modernistas, e

afirma que as culturas e os povos considerados como menores não são passivos no intercâmbio da

cultura global, mas, são sociedades e povos resistentes no interior do processo geral migratório, que

exacerba e se mostra presente na uniformidade capitalista da recriação das formas de vida local. Na

resistência reatualizam a tradição, e recriam a cultura em novas configurações sociais específicas.

A uniformização do espaço gera a diversidade e o multiculturalismo. Os povos colonizados e

absorvidos pelo processo de mundialização não se entregam facilmente à dominação, mas, quando se

integram à lógica capitalista, tentam adaptar o sistema aos valores tradicionais.

Para embasar suas posições, Shalins cita a experiência etnográfica de três antropólogos, Rena

Lederman, Epeli Hau’ofa e Terry Turner, afirmando que “Cada um deles se deparou com uma certa

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indigenização da modernidade que não havia sido antecipada pela antropologia tradicional”

(SAHLINS, 1997, p.58). Entende esta indigenização, como recriação original e resistente das formas

de cultura subjugadas. E afirma categoricamente:

“A ‘cultura’ não tem a menor possibilidade de desaparecer enquanto objeto principal da antropologia

– tampouco, aliás, enquanto preocupação fundamental de todas as ciências humanas.” (SAHLINS,

1997, p. 41)

Diante de todas as dúvidas que atormentam o conceito de cultura, como resultado do turbilhão

de mudanças na estruturação das sociedades em um mundo global, Sahlins invoca, por fim, que o que

nos resta é “(...) explorar toda essa imensa variedade de processos culturais e relações

interessantes.” (SAHLINS, 1997a, p. 149)

Diretrizes e Conclusões

Neste artigo, caminhamos no sentido de enaltecer a análise da cultura e da ideologia, e seus

processos e multiconfigurações, como condição fundamental do estudo da sociedade, não só por parte

da antropologia, mas por parte das Ciências Sociais como um todo. A compreensão dos processos

sociais e da vida humana na atualidade, bem como os seus problemas, só poderá ser processada

quando os cientistas sociais enxergarem a si próprios produzindo e vivendo imersos nas teias de

representação simbólica de uma cultura ocidental, moderna e individualista de que fazem parte.

Podendo, assim, exercitar um distanciamento reflexivo e crítico de si mesmos e da realidade global, ou

participar, nela imersa, tomado como objeto de estudo.

Para decifrar a cultura é necessário, então, dar-se conta das peculiaridades e das diferenças que se

tornam cada vez mais complexas e diversificadas na sociedade humana global contemporânea.

Buscando, deste modo, as particularidades dentro de um mesmo processo cultural, através de

tentativas de uma tradução das mensagens nelas contidas, ampliando as esferas metodológicas e

teóricas para o seu estudo e compreensão como tensão e recriação social e cultural constante.

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O QUE É INVASÃO CULTURAL?

CERCA DE 45º ANOS APÓS A CHEGADA DOS PORTUGUESES, O BRASIL SOFREU OUTRA INVASÃO CULTURAL, DESSA VEZ TELEGUIADA;

A NORTE-AMERICANA, FRUTO DE UM PLANEJAMENTO CUIDADOSO DO GOVERNO DOS USA, QUE PROVOCOU CONSEQÜÊNCIAS SOCIOCULTURAJS EM NOSSO POVO QUASE TÃO

EXPRESSIVAS QUANTO AQUELAS QUE A INVASAO PORTUGUESA PROVOCOU ENTRE OS INDIOS

E OS NEGROS AFRICANOS QUE AQUI VIVIAM.

Beber ou não coca-cola - that is the question!

Todos nós somos ou já fomos, uns mais, outros menos.

O fato de termos consciência da invasão cultural não nos livra absolutamente dela. Aliás,

quando passamos a ter noção de sua existência, nossos hábitos, valores e preferências em geral estão

tão solidificados que, mesmo querendo, custa muito até que nos descartemos deles, se é que nos

descartamos.

Em sua maior parte tais valores nos foram impostos por um sistema ideológico veiculado

pelos meios modernos de comunicação de massa e pelos produtos consumidos após a estimulação

publicitária de algumas necessidades materiais ou psicológicas que não tínhamos e que passam a nos

parecer básicas.

Além disso, se fosse possível nos descartarmos de todos esses elementos importados, isso não

teria significação se o processo ocorresse apenas em escala individual e se não tivéssemos outros

valores e formas alternativas de solução que preenchessem o vazio deixado por eles.

Denunciar a invasão cultural não implica que tenhamos de deixar de beber coca-cola , ouvi

roc'k, apreciar um bom filme norte-americano de ação ou de ficção científica ou trocar nossos jeans

por calça de algodão branco e os tennis por sandália artesanal de couro cru, mesmo porque entre os

produtos importados da cultura americana há coisas excelentes e seria uma pobreza de espírito muito

grande não reconhecermos isso.

Numa época em que os meios de comunicação propiciam cada vez mais o intercâmbio entre os

povos seria impossível preservar uma cultura de influências externas de qualquer espécie. E mesmo

que assim não fosse, para que afastar, como inimigos, produtos finais da criatividade humana

originados exatamente da riqueza das diversidades culturais?

Mas, então, sobre o que falávamos exatamente quando denunciamos o fato de estarmos sendo

"vítimas" de invasão cultural?

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Era uma vez um índio, um negro e um português...

Influências culturais todos os povos recebem e exercem, no decorrer da sua história, conforme o nível

e a natureza de suas relações.

No caso do Brasil, desde o início da sua história isso se verifica com a convivência e

consequentemente a troca de elementos culturais do branco europeu, invasor e colonizador, com o

índio, habitante original desta terra, e depois com o negro, trazido da África como escravo.

A cultura dita brasileira se moldou, portanto, a partir do intercâmbio de três elementos de raças,

continentes e habitats distintos e portadores de técnicas, crenças e formas de expressão diversas.

No entanto, a história de nosso país foi sempre analisada apenas do ponto de vista do

dominador. Por isso, encaramos a chegada, conquista e dominação européia na América como "mais

uma etapa gloriosa de uma civilização superior", cumprindo seu destino inexorável de espalhar pelo

mundo as verdades engendradas durante o seu específico e particular processo de desenvolvimento

histórico.

Usamos expressões como "descobrimento", "europeização do mundo", "transplantação de

cultura"etc., que mal disfarçam a supervalorização do modo de ser e estar no mundo do europeu em

detrimento da cultura daqueles povos que, em nossa História Oficial, acabaram relegados a papéis

secundários, embora nos tivessem legado também maneiras de falar, fazer, se expressar e tantos outros

elementos culturais.

Segundo essa concepção eurocêntrica, é como se a dominação do branco fosse essencialmente

natural e todo o legado indígena ou africano tivesse permanecido entre nós devido a algum processo

de "descuido” da história ou como um “vazamento cultural acidental”. Por isso mesmo, esses legados

têm sido encarados como remanescentes do "exótico" e classificados como folclóricos durante o

processo de "embranquecimento" pelo qual passou o nosso continente.

Afinal tudo foi colocado de tal modo que fomos levados a crer que a cultura européia refletiria

exatamente uma determinada etapa de evolução pela qual necessariamente toda humanidade deveria

passar.O fato, porém, de os europeus terem sido os pioneiros dessa "evolução" os habilitaria a explorar

as áreas que houvessem se "atrasado", justificando-se dessa maneira a substituição de várias culturas

por aquelas do chamado "mundo ocidental cristão", ou seja, o dos conquistadores da América.

Se analisarmos, porém, o processo histórico pelo ângulo dos povos vencidos, poderemos

perceber como foi que ocorreu a destruição física e cultural indígena e africana em favor da

dominação dos povos "vencedores".

Assim, pois, tanto para servir como escravo ao branco como para com ele viver

"harmoniosamente",o índio e o negro tiveram de entender e falar a língua dele, aprender a manejar

seus instrumentos, plantar,criar, produzir o que economicamente lhe era favorável, morar conforme

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suas construções eram arquitetadas,vestir-se, acasalar-se, comer conforme seus padrões e "dançar

conforme sua música".

Segundo a nova ordem estabelecida pela expansão marítima européia nos séculos XV e XVI, só havia

um Deus para toda a humanidade; sistema capitalista, em evolução, refletia a ordem natural das coisas

e era preciso obedecer aos reis, porque, como então se justificava, "seus poderes haviam sido

transmitidos pelo próprio Divino Criador".

É evidente que as primeiras gerações de dominados sentiram com mais força e na própria pele toda

essa dominação cultural. Aos poucos, porém, por falta de uso, devido a proibições ou a

desvalorizações por parte do conquistador, as manifestações culturais não-européias foram esquecidas

pelos negros e índios já nascidos nas colônias daqueles reis que, além da América, "as terras viciosas

da África e da Ásia andaram devastando" (Camões, Os Lusíadas ).

"Só para inglês ver"

Consolidado o domínio de Portugal sobre o Brasil, consolidou-se, conseqüentemente, o

domínio de sua cultura sobre a indígena e a africana. Contudo, no transcorrer do tempo outras

influências culturais, européias também, aqui se exerceram: a holandesa, no século XVII; a francesa,

iniciada, sobretudo, durante o século XVIII; e a inglesa, no século seguinte.

O domínio holandês no nordeste açucareiro (1630-1654) deixou algumas influências que não

chegaram, contudo, a abalar os alicerces portugueses da cultura local, atuando mais nos poucos

centros urbanos existentes, sobretudo em Recife. Como marcas de sua passagem os holandeses

deixaram alguns prédios, pontes e, conforme cita Joel Rufino dos Santos em sua História do Brasil,

"alguns meninos de cabelos ruivos, e o sobrenome Wanderley".

A presença francesa, que se prolongou pelo século XIX até os primeiros anos do século XX,

agiu,porém, sobre uma pequena parcela da também quantitativamente minúscula (mas poderosa)

classe dominante, que enviava seus filhos para estudar na Europa, onde tomavam contato com a

cultura francesa,que, na época, gozava de grande prestígio.

Num país onde a posse de terras e escravos definia o nível de poder, a educação escolar, as

letras e as artes eram consideradas bens de consumo supérfluo e usadas como objetos de ostentação

para obtenção de sucesso nas rodas sociais, conferindo status e garantindo, além disso, poderes

suplementares. Nessas terras onde os mais poderosos eram analfabetos ou semi-alfabetizados, aqueles

que falavam, liam e moldavam suas maneiras tendo como protótipo a cultura francesa eram tão poucos

que não podemos falar em invasão mas apenas em influência cultural francesa.

A influência inglesa, por outro lado, exerceu-se muito mais do ponto de vista político e econômico do

que propriamente intelectual. Embora bens de consumo britânicos fossem adquiridos pelo comércio

direto ou usufruídos graças aos investimentos ingleses no Brasil, a intelectualidade, numericamente

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bastante insignificante naquela época, continuaria ainda a seguir, por mais algum tempo,

principalmente o modelo francês. Muitas palavras até hoje empregadas por nós atestam essas duas

influências: abat-jour, peignoir, baton, rouge, lingerie e outros "francesismos" e as ligadas ao football

(esporte, aliás, introduzido no Brasil pelos ingleses) como team, score, goal, back etc.

No final do século XIX e início do XX entrariam várias levas de imigrantes em nosso país:

italianos, espanhóis, alemães, árabes, eslavos e japoneses. Evidentemente da convivência com eles

alguns elementos novos passaram a ser incorporados à nossa cultura. Mas foram relativamente poucos

e facilmente identificáveis, sentidos e reconhecidos como estrangeiros. Além disso são encontrados

sobretudo nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, mais em algumas cidades ou bairros do que em outros,

e não em todo o país.

Esses elementos culturais estrangeiros não foram, contudo, propositadamente divulgados entre

nós com finalidades políticas ou interesses econômicos por parte das nações de onde vinham os

imigrantes. Sua difusão se deu por causa do contato direto e espontâneo com eles e à observação

pessoal de seus costumes,graças à vizinhança, casamento ou aproximação em ambientes de trabalho.

Tendo sido absorvidos por nós, eles não assumiram, no entanto, qualquer caráter de

dominação. Não se tornaram exclusivistas, substituindo ou eliminando algumas de nossas antigas

práticas culturais, não foram vistos como superiores aos nossos e não veicularam camufladamente

nenhum sistema de valores que pudesse interferir em nossa prática política e social. Devemos

ressaltar, contudo, que foi com os imigrantes italianos e espanhóis que conhecemos a teoria e a prática

anarquistas. Como elas eram condenadas pelos governos de seus países de origem, não estavam,

portanto, a seu serviço.

Podemos ter algumas palavras oriundas dos idiomas dos imigrantes, bem como alguns de seus

pratos compondo nossos cardápios, ou algum modo particular de falar, gesticular, e até algumas

crenças. No entanto, como povo, de norte a sul do país, nós, brasileiros, nos distinguimos

acentuadamente deles.

Por tudo isso não consideramos os imigrantes como nossos invasores culturais, embora

italianos,alemães, japoneses e outros tenham representado esse papel em nações africanas e asiáticas,

sobre as quais seus países exerciam algum tipo de dominação. A segunda onda de invasores culturais

- a primeira foi representada pela colonização portuguesa - estaria ainda para acontecer.

Finalmente, os invasores

Já na década de 1930, mas, sobretudo, a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a

influência política e econômica da Inglaterra na América foi cedendo espaços cada vez maiores à

norte-americana.

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Encontrando no Brasil desse período a política getulista de desenvolvimento industrial, o

capital norte-americano foi se infiltrando em nossa economia sob a forma de empréstimos e

equipamentos,estabelecimento de subsidiárias (filiais), assistência técnica etc.

Abriram-se então nossas portas para as multinacionais, empresas gigantes que, a partir da

empresa matriz, que age como centro decisório no país de origem, atuam em vários países onde

possuem ramificações de seus negócios. As que no Brasil iniciaram suas atividades tinham sede,

sobretudo, nos USA, e foi sob a tutela do capitalismo internacional, sobre tudo yankee, que se

desenvolveu nosso próprio capitalismo industrial.

Coincidindo esse momento com a Segunda Guerra e a Guerra Fria, os USA usaram nossa

dependência econômica para garantir também o alinhamento político do Brasil, primeiramente contra

as potências do Eixo (Alemanha, Japão e Itália) e depois contra a expansão do socialismo e do poder

da então URSS.

Não foram, entretanto, só nossas indústrias de bens de consumo materiais que surgiram

ligadas ao capital norte-americano. Os setores de comunicação de massa se constituíram, da mesma

forma, ou por investimentos diretos de multinacionais ou pela associação de empresários yankees aos

brasileiros, ou, ainda,quando originárias de capital nacional, utilizando tecnologia e modelos de

produção oriundos dos USA. Além disso, a importação de filmes, músicas e quadrinhos dos USA não

parou de crescer desde os anos 1930, sobretudo nas décadas de 1970, 1980 e 1990.

Dessa maneira, sem que os norte-americanos se apropriassem do nosso território, tivessem que

vir pessoalmente até o Brasil ou destruíssem fisicamente seus habitantes, como no passado fizeram os

portugueses, passamos a sofrer quase o mesmo processo de invasão, dominação e colonialismo

cultural experimentado pelos Índios após 1500. Tratava-se agora de uma "invasão teleguiada", sem a

presença do invasor, que, mesmo lá da América do Norte, fazia chegar até nós seus produtos culturais.

Exatamente, porém, como a cultura européia chegara e se impusera aos nossos índios como expressão

de um estágio evolutivo pretensamente mais adiantado e civilização supostamente superior,também

assim nos chegava a cultura norte-americana em meados do século XX. Só que agora com a

conivência da classe dirigente e a aceitação pacífica e quase unânime de toda a população. De fato a

ausência física do novo invasor e a imposição de sua cultura através do consumo, e não da escravidão,

nos dariam a ilusão de estarmos preservando nossa liberdade e exercendo uma autodeterminação.

Além disso, a entrada no país desses novos elementos culturais pareceria a muitos bastante

conveniente e até natural, uma vez que nossos projetos "desenvolvimentistas" tinham como meta levar

o Brasil a atingir, o mais rápido possível, o estágio em que se encontravam os USA.

Tal como antes ocorrera com os nossos índios, que para trabalhar e viver com os portugueses

tiveram de adotar os seus costumes, nós também, agora, como assalariados das multinacionais norte-

americanas ou importadores dos produtos de sua ciência, arte e tecnologia, tivemos de aprender o

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inglês, manejar seus artefatos e nos moldar aos seus padrões, a fim de produzir e consumir, em

primeiro lugar, o que lhes era mais favorável.

E tanto quanto os índios, que, ao serem catequizados, foram incorporando o modo de ser do

dominador, também nós absorvemos, com os produtos consumidos, a idéia de que "o que é bom para

os USAé bom para o Brasil".

Se os jesuítas usaram, no passado, a música e as representações teatrais para. atrair os

indiozinhos, afim de chegar mais facilmente até seus pais, também dessa vez nossa juventude foi

maciçamente doutrina da pelos enlatados divulgados pelos meios de comunicação e pelos objetos

destinados ao seu lazer.

As primeiras gerações de brasileiros que sofreram essa nova onda invasora ainda puderam

perceber claramente o processo de submissão econômica, política e cultural que estavam vivenciando.

O passado, não tão remoto, ainda estava vivo em suas lembranças, proporcionando-lhes condições de

discernimento e reflexão.

Por isso, até a promulgação do Ato Institucional nº 5, em 1968, que legitimou por decreto a

censura aos veículos de comunicação e as prisões, exílio, cassações de mandatos e de direitos políticos

como forma de acabar com a oposição, algumas resistências importantes se fizeram sentir em' defesa

dos interesses brasileiros.

Depois, pela força da repressão, pelo volume avassalador de material "desinformativo" que

propositadamente a ditadura nos lançava e pela intensa convivência com elementos culturais

"invasores",fomos nos adaptando ao que era estrangeiro e nos esquecendo de nossas próprias raízes c

A invasão cultural da qual trataremos neste livro se refere, portanto, à introdução massiva e maciça de

elementos culturais norte-americanos, tanto materiais quanto imateriais, no dia-a-dia de quase todos

nós,transformando-nos em milhões de brasileiros americanizados, que bebe coca-cola, fuma Marlboro,

pratica Suif curte techno,veste jeans,co me McFish no McDonald's, sonha com uma viagem ao

Hawai,assiste Pânico, luta para adquirir sempre um maior status, acredita que no mundo capitalista há

chances para todos, que dinheiro não traz felicidade (... mas ajuda), garante que o socialismo morreu,

assiste a reality shows,embora não preste muita atenção aos dramas sociais vividos intensamente por

compatriotas brasileiros, bem mais próximos e mais reais, ali mesmo em sua cidade. Ou, se presta,

acha que isso não tem nada a ver com ele.

Enfim, estamos falando da disseminação de elementos produzidos fora do Brasil, muitas vezes

inadequados às nossas reais condições e necessidades sociais, e que não está restrita apenas a alguns

segmentos sociais ou regionais da população, mas à grande maioria de brasileiros, embora seja mais

marcante no eixo Rio-São Paulo, onde se concentram as transnacionais e grandes empresas de

comunicação.

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O brasileiro não tem consciência plena de que essa imposição de hábitos, modas e valores se

realiza por processos artificiais, beneficiando o capitalismo e o imperialismo norte-americanos e

garantindo nosso alinhamento político aos USA.

Trata-se, enfim, de uma penetração cultural, fruto de um planejamento cuidadosamente

elaborado pelo governo dos USA (mas essencialmente pacífica, porque não há utilização de força ou

material bélico),da qual nem sempre nos damos conta, mas que cerra nossos olhos e ouvidos e nos

anestesia a razão e os sentidos para outras formas estrangeiras de arte, literatura, tecnologia, lazer etc.

Trata-se, principalmente, de uma invasão que fecha amplos espaços para a criatividade e produção

cultural mais ligada à nossa brasilidade.

Em outras palavras, é da hegemonia dos padrões e valores da cultura norte-americana em

alguns de nossos setores e da sua influência extremamente marcante em outros que estaremos falando

neste livro.

A hegemonia que transforma atitudes, valores, hábitos estrangeiros em algo tão habitual, tão

aparentemente natural em nosso meio, que às vezes nem mesmo é reconhecido como importado.

A SOCIEDADE TECNOLÓGICA E AS EXIGÊNCIAS EMPREGATÍCIAS

Introdução

O mundo vive um contexto de transformações nas estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais.

O cenário da Globalização, desde o final do século XX, trouxe novos interesses e necessidades para a

sociedade. "As próprias bases do funcionamento social e das atividades cognitivas modificam-se a

uma velocidade que todos podem perceber diretamente". (LÉVY, 1993, p.7)

Na sociedade atual, a mídia e as tecnologias da informação e da comunicação se transformaram em

grandes mediadores sociais. Mas, nem toda a população está plenamente preparada para lidar com a

grande quantidade de informações que circulam na nova realidade.

O domínio das informações assumiu papel estratégico para os indivíduos e a coletividade participarem

ativamente do mundo globalizado. A ordem atual aponta, tanto na esfera econômica, quanto para as

esferas político, social e cultural para a necessidade de trabalhar conjuntamente, em tempo real, on-

line, o que remete a necessidades de incorporação social das tecnologias e de educação dos indivíduos

para o uso eficiente das informações no dia a dia.

Neste cenário novas e antigas tecnologias se aliam a educação como recursos indispensáveis

emergindo a necessidade de incorporação das tecnologias nos processos de ensino-aprendizagem.

Paralelamente, emerge também a necessidade da gestão comunicativa nos espaços de aprendizagem,

como contribuição no planejamento e otimização do uso das informações mediadas pelas tecnologias

na educação.

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Sociedade da Informação e demandas educativas: cenário mundial e o contexto

nacional

Sob o enfoque de uma concepção moderna de sociedade podemos considerar o surgimento da

Sociedade da Informação (SI) como conseqüência direta das novas formas de organização, produção e

circulação de produtos, serviços e bens culturais mundiais que têm se pautado no intenso uso das

novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC), diminuindo as distâncias de tempo e

espaço nos processos comunicativos por elas desencadeados.

Castells (1999), ao analisar as transformações sócio-econômicas e tecnológicas da atualidade, nos

mostra como hoje o homem atua sobre as tecnologias, utilizando-as para transportar o capital e os bens

materiais e simbólicos de um lado para o outro do mundo muito rapidamente. A economia e a cultura

mundial estão interconectadas.

Avanços nos transportes e nas telecomunicações diminuíram em todos os sentidos as distâncias

mundiais. As empresas cresceram, o fluxo de produtos e de capital aumentou, assim como a

necessidade de escoamento dos mesmos, através da ampliação das relações comerciais nas diversas

regiões do planeta.

O processo de Globalização introduziu propostas de reorganização à sociedade mundial, atingindo as

esferas política, econômica, social e cultural, o que redefiniu algumas concepções de espaços públicos

e privados.

Na nova realidade as nações necessitam de um número cada vez maior de pessoas, organizações

preparadas para interagir ativamente nas avançadas redes locais, regionais e mundiais de informação e

comunicação. "Global mesmo é a medida da velocidade de deslocamentos de capitais e informações,

tornados possíveis pelas teletecnologias – globalização é, portanto, um outro nome para a

"teledistribuição" mundial de pessoas e coisas." (SODRÉ, 2002: 11-12)

Dentro de um amplo universo de tecnologias, as tecnologias da informação e da comunicação (TICs)

formam um dos grupos mais dinâmicos e provocam um grande impacto na competitividade dos

setores industriais e comerciais, pois ao encurtarem as distâncias e reformularem as noções de tempo e

espaço sociais, influem na organização do trabalho e nos perfis de capacitação dos

cidadãos/trabalhadores. (SOARES, 1996)

Cébrian (1999), considera que, diante dos novos meios técnicos de informação e comunicação, passa a

existir uma disparidade econômica e social que multiplica as desigualdades entre aqueles que

monopolizam a tecnologia de ponta e as informações e aqueles que não as detém ou os que ainda estão

procurando incorporá-las.

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As acentuadas diferenças de acesso, para Cébrian, colocam as sociedades distantes da socialização e

democratização das informações, pois é uma pequena parcela de cidadãos que tem acesso as

tecnologias e as informações e que sabe utilizá-las na produção de novos conhecimentos.

Hoje, os usos das TICs influem sobre às relações das nações no mercado econômico global e através

de seu ritmo ágil de funcionamento impõem produtividade, qualidade e competitividade, acabando por

redefinir o perfil de competências dos indivíduos que atuam nas organizações sociais.

A tecnologia desempenhou e desempenhará um papel predominante na conformação da sociedade global da informação, só que não é a compreensão técnica do fenômeno, mas sua assimilação às formas de vida do dia-a-dia, o que fará que se desenvolva e progrida. (CÉBRIAN, 1999:17)

Para Cébrian (1999), no século XXI, a sociedade global da informação se caracterizará pela forma

como os novos meios de comunicação mudarão nossas vidas, com novas possibilidades, oportunidades

e desafios.

No novo contexto, os países em desenvolvimento enfrentam diversos desafios relacionados à efetiva

participação no mercado global e na SI mundial. E, preconizando maiores níveis de participação e de

competitividade, articulam, internamente e externamente, estratégias políticas e de mercado para

promoção do desenvolvimento nos setores político, econômico, cultural e social.

Desde o final do século passado, o Brasil tem adotado políticas com iniciativas para estabelecer sua

Sociedade da Informação considerando sua realidade sócio, político, econômica e cultural. De um

modo geral, tem priorizado a questão do planejamento e desenvolvimento de tecnologias nacionais e

projetos de educação permanente dos cidadãos.

No Brasil, o programa Sociedade da Informação está sendo coordenado pelo Ministério da Ciência e

Tecnologia (MCT), devido a sua ativa participação em atividades ligadas a implementação de

atividades ligadas ao desenvolvimento das Telecomunicações e da Internet no país e as políticas de

automação.

O Livro Verde (2000), descreve à inserção do país no novo paradigma técnico-econômico (a

Sociedade da Informação) como um meio de mudança da organização social da nação, pois seria

capaz de impulsionar a competitividade do país no mercado mundial, sem prejuízo a preservação da

identidade nacional, gerando o crescimento interno e a melhoria das condições sociais, econômicas e

culturais.

O objetivo do Programa Sociedade da Informação é integrar, coordenar e fomentar ações para a utilização de tecnologias de informação e comunicação, de forma a contribuir para a inclusão social de todos os brasileiros na nova sociedade e, ao mesmo tempo, contribuir para a economia do País tenha condições de competir no mercado global. (TAKAHASHI, 2000:10)

Embora a SI seja muitas vezes encarada por setores governamentais e empresariais em relação direta

com a economia, ela configura também um novo modelo de ação social, onde o tratamento da

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informação e o acesso deve ser garantido a todos através de investimentos na disponibilização de

infra-estrutura tecnológica e de programas de inclusão da população.

O atual cenário denota a necessidade de adoção de novas posturas para a formação rápida e

permanente dos cidadãos, pois é preciso prepará-los para atuar em todos os setores sociais, seja como

trabalhadores ou consumidores.

O analfabetismo e o analfabetismo funcional são os principais entraves sociais para inserção dos

indivíduos na sociedade moderna, pois retiram praticamente todas as possibilidades de participação e

transformação social. O acesso a educação formal possibilitaria que uma formação ampla, baseada em

valores humanos, na visão crítica do mundo e do seu papel enquanto cidadão.

Exige-se dos indivíduos novas competências para seleção e administração das informações, tendo em

vista a produção de novos conhecimentos e o relacionamento coletivo. O uso intelectual autônomo,

crítico e criativo das informações mediadas pelas TICs se torna uma das principais exigências do novo

perfil de competências do cidadão. (BEHRENS, 2000)

O Brasil, procurando ter um número cada vez maior de pessoas, organizações e regiões preparadas

para usar ativamente as redes avançadas de informação e comunicação busca, entre outras alternativas,

investir em programas educacionais formais e informais para promoção da participação social de todos

cidadãos.

Nas diretrizes sobre a educação da população para consolidação da SI nacional, o Livro Verde (2000),

no capítulo IV, identifica a educação como um fator primordial, pois seria a base de sustentação do

novo modelo social, contribuindo para que se eliminem os desníveis socioculturais entre indivíduos,

organizações, regiões e países, o que traria paralelas mudanças na qualidade de vida.

Educar, segundo o Livro Verde, abrange muito mais do que oferecer condições de acesso às novas

tecnologias:

Na nova economia, não basta dispor de uma infra-estrutura moderna de comunicação; é preciso competência para transformar informação em conhecimento. É a educação elemento-chave para a construção de uma sociedade da informação e condição essencial para que pessoas e organizações estejam aptas a lidar com o novo, a criar, e assim, a garantir seu espaço de liberdade e autonomia. (TAKAHASHI, 2000:7).

A educação da população se converte num diferencial competitivo para nações que almejam

desenvolver-se internamente e externamente.

A capacidade de gerar, tratar e transmitir informação é a primeira etapa de uma cadeia de produção que se completa com sua aplicação no processo de agregação de valor a produtos e serviços. Nesse contexto, impõe-se, para empresas e trabalhadores, o desafio de adquirir a competência necessária para transformar informação em um recurso econômico estratégico, ou seja, o conhecimento. (TAKAHASHI, 2000:17)

O mercado de trabalho modifica-se vertiginosamente em virtude da globalização e da revolução informatizada. Antigas profissões desaparecem e as que permanecem, mesmo

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aquelas mais tradicionais e conhecidas, têm seu perfil modificado, exigindo novas habilidades e conhecimentos. A revolução tecnológica torna as tarefas cada vez mais abstratas, obrigando o jovem trabalhador a utilizar cada vez mais o raciocínio e criatividade em vez de atitudes convencionais e retóricas. (...) (COSTA, 2003: 48-49)

Para Frigotto (2001), as empresas querem um trabalhador com uma nova qualificação que contribua

para torná-las competitivas. De acordo com o autor, os empresários já perceberam que o baixo nível de

escolaridade caracteriza um obstáculo para as empresas, pois influi no modo como o trabalhador se

apropria das informações, constrói seus conhecimentos e os aplica em suas atividades.

Encontramos um pensamento compatível nas primeiras páginas do Livro Verde (2000):

A mão-de-obra qualificada, capaz de atender às exigências do novo paradigma técnico-econômico, é, assim, fundamental para assegurar ganhos de produtividade às empresas brasileiras e melhorias da competitividade, permitindo-lhes ampliar a oferta de empregos e trabalho dignos e adequadamente remunerados.(TAKAHASHI, 2000:7)

Na sociedade brasileira, no entanto, existe uma grande demanda de cidadãos/trabalhadores, que não

concluíram os níveis básicos de ensino e que, agora, buscam concluir por exigência do universo do

trabalho ou por vontade própria. E, por isso, o governo, a iniciativa privada, as organizações não-

governamentais, entre outras instituições passam a investir em programas de educação básica para

jovens e adultos trabalhadores.

"... a Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea." (SE/CENP, 2001: 649)

No cenário global da Sociedade da Informação, oferecer a oportunidade de educação aos

cidadãos/trabalhadores dentro das necessidades da nova realidade e respeitando também seus

interesses, possibilidades e disponibilidade de tempo tornou-se mais um dos desafios para o poder

público e para a sociedade como um todo.

Comunicação midiática e Tecnologias: uma alternativa para atender jovens e

adultos trabalhadores

No século passado, os problemas educacionais estiveram em pauta em discussões nacionais e

internacionais entre educadores, governantes, empresários e outros setores da sociedade, pois acredita-

se que uma sociedade melhor educada possa se desenvolver socialmente e conquistar melhor posição

no cenário de competitividade mundial.

Nas últimas décadas do século, no entanto, foi ampliado o debate sobre as questões das novas

demandas educativas e da educação permanente dos cidadãos. Na década de 90, o Brasil passou por

uma reestruturação da política educacional. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

n.º 9.394/96, (LDBEN, conhecida como LDB), propôs a reestruturação da educação básica (ensinos

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fundamental e médio), suscitando melhorias para a qualidade de ensino e da formação profissional dos

cidadãos.

O ensino básico foi "universalizado" para crianças e adolescentes em idade escolar. Mas, atender as

demandas educativas de cidadãos, acima de 15 anos, que estão fora do sistema de ensino é uma meta

que vem recebendo, além das iniciativas governamentais, iniciativas de "responsabilidade social" de

diversos setores (empresarial, financeiro, midiático, organizações de classe, etc.) no desenvolvimento

de programas de educação.

Mesmo com a ampliação da oferta educativa, jovens e adultos têm ainda certa dificuldade para se

manterem estudando em sistemas regulares de ensino, onde a presença diária é imprescindível. Muitas

vezes, a dificuldade se encontra na conciliação trabalho e estudos, devido a falta de tempo, o cansaço,

as responsabilidades familiares que encontram fora dos horários de trabalho, entre outros motivos.

Para que os jovens e adultos excluídos da educação básica retomem os estudos e mantenham-se

estudando, o Poder Público tem incentivado a criação de cursos supletivos semipresenciais e a

distância, via TICs. Esses cursos vem sendo desenvolvidos tanto dentro dos locais de trabalho como

fora deles.

Os investimentos estão tendo um retorno positivo dos cidadãos/trabalhadores, em especial dos adultos.

O senso escolar de 2003, constatou que a população adulta com 25 anos ou mais está retornando às

salas de aula. A educação básica tem cerca de 3,7 milhões de alunos com mais de 25 anos

matriculados nos ensinos fundamental e médios regulares e na educação de jovens e adultos, em

cursos supletivos presenciais e semipresenciais.

Um dos passos fundamentais para ampliar a oferta e o acesso a educação aos jovens e adultos foi dado

em 1995, quando o governo brasileiro criou a Secretaria de Educação a Distância (SEED) com o

propósito de valorizar a educação a distância como uma nova cultura educacional.

A Secretaria de Educação a Distância tem entre suas metas levar para a escola pública todas as

contribuições de métodos, técnicas e tecnologias de educação a distância que possam contribuir na

construção de um novo paradigma para a educação brasileira. Para isso, articula com os demais órgãos

do Ministério da Educação e em conjunto com as Secretarias de Educação dos estados, municípios e

Distrito Federal, com universidades, centros de pesquisas, televisões e rádios educativas e outras

instituições que utilizam a metodologia de educação a distância um programa de desenvolvimento de

projetos estratégicos para institucionalização da educação a distância no país.

A educação a distância (EAD), destina-se a formar o educando em múltiplas linguagens, ampliando os

espaços educacionais, incentivando as práticas autônomas de aprendizagem e o desenvolvimento

permanente do ser humano.

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Esta modalidade de educação é vista como uma alternativa para atender tanto aqueles com maior renda

e oportunidades de acesso aos recursos tecnológicos modernos quanto os que vivem em condições

menos favoráveis, ou ainda, os que vivem em grupos dispersos geograficamente.

A EAD, graças as dinâmicas proporcionadas pelo uso das mídias e das novas tecnologias, pode

garantir um ensino mais flexível e a formação básica de qualidade, num menor espaço de tempo

atendendo uma ampla demanda de cidadãos trabalhadores. E, paralelamente, pode-se ser incorporada

como modelo educativo para a formação em outros níveis e modalidades de ensino, promovendo a

educação permanente dos cidadãos.

Os modernos recursos tecnológico-informacionais, como o computador e a Internet, hoje, figuram

como os principais recursos de informação e comunicação. Valoriza-se muito as novas tecnologias

mas, na realidade brasileira, o acesso a elas ainda não abrange toda sociedade. No Brasil, as antigas

mídias, como o rádio e a televisão, são as tecnologias que estão presentes em praticamente todas as

camadas sociais.

Na educação pública a realidade de acesso e de uso das NTICs não é diferente da realidade da

sociedade de modo geral. Ainda, são as "antigas" mídias e tecnologias que tem maior penetrabilidade

nos programas de educação básica (ensinos fundamental e médio), sejam de educação presencial, a

distância ou semipresencial.

Cada vez mais as relações interpessoais são intermediadas por relações simbólicas midiatizadas e tanto

antigas como novas tecnologias estão sendo utilizadas para transmissão de informações em programas

educacionais que atendem as grandes demandas educativas.

Na sala de aula, as mídias e as tecnologias são usadas para informar, sensibilizar, motivar, ilustrar,

apoiar o conteúdo, etc., servindo para aproximar os educandos das informações no tempo e no espaço

ampliando a visão pessoal, local e global da realidade, gerando reflexão e discussão. Estes recursos

constituem, portanto, alternativas para educar dentro e fora dos espaços escolares.

Educação de Jovens e Adultos via oferta televisiva: Telessalas 2000

A comunicação midiática desponta como uma aliada para os processos de ensino-aprendizagem de

jovens e adultos trabalhadores. As mídias e NTICs possibilitaram tornar mais flexível e acessível à

oferta educativa, a socialização de informações e conhecimentos, trazendo benefícios àqueles que

necessitam combinar trabalho e estudos no decorrer de suas vidas. Favorecendo, também, uma

aproximação dos conteúdos com as práticas da realidade sócio, histórica e cultural.

A televisão (TV) é o meio de comunicação mais presente em toda sociedade brasileira. E, na educação

a distância, o maior programa do Brasil voltado a formação de jovens e adultos no ensino básico (nível

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fundamental e médio), é o Telecurso 2000 (TC 2000), transmitido por canais de sinal aberto e a cabo

de emissoras de TV comercial e emissoras de TV educativa.

O Telecurso 2000 é uma ação educacional supletiva que faz uso de tecnologias avançadas e do trabalho coletivo face a face, mais o estudo individual, na busca de uma educação voltada para a perspectiva profissional, integrada ao processo de desenvolvimento da cidadania. ( FRM/FIESP,1995: 6)

Originado dos Telecursos, de 1º e 2º graus, das décadas de 70 e 80, o Telecurso 2000, nasceu de uma

parceria entre a Fundação Roberto Marinho (FRM), ligada a Rede Globo de Televisão, e a Federação

das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).

O Telecurso é um método de transmissão dos conteúdos curriculares de ensino fundamental e médio,

via oferta televisiva, por meio de teleaulas que ditam o ritmo do curso, com programas sistematizados,

onde os conteúdos estão organizados em etapas dentro de um processo pedagógico pré-definido.

Além de oferecer as aulas via canais de televisão aberta e a cabo, o TC 2000, também oferece os

programas em fitas VHS de vídeo, que são veiculadas em centros de recepção, denominados

Telessalas, que são organizados por empresas, entidades sindicais, associações, escolas, etc.

Este projeto de educação a distância dá ao estudante certa comodidade por não exigir que ele se

desloque diariamente a um local fixo de estudo para receber informações e orientações. O estudante

pode acompanhar o curso de modo autônomo pela televisão em casa, ou pode acompanhá-lo em grupo

no local de trabalho, na escola, entre outros locais de recepção da oferta televisiva.

Os alunos do TC 2000 são caracterizados como jovens e adultos já alfabetizados, portadores de um

saber anterior, mas com escolaridade de nível fundamental ou médio incompleta ou deficiente, tendo

necessidade de uma aprendizagem mais pragmática, isto é, ligada ao cotidiano, devido ao pouco

tempo para dedicarem-se aos estudos e até mesmo a posição cética em relação as experiências

anteriores que tiveram na escola. Em suma, são cidadãos que por diversos motivos não concluíram os

estudos no tempo regular e precisam retomá-los seja para ingressar ou permanecer no mercado de

trabalho.

A base pedagógica do TC 2000 direciona-se para o mundo do trabalho, procurando ligar a teoria a

prática pela teledramaturgia. Por isso, os conteúdos são apresentados em situações da vida cotidiana e

do universo do trabalho.

De acordo com os Fundamentos e Diretrizes do TC 2000 (1994), os dois eixos principais do TC 2000

são a contextualização do currículo no mundo do trabalho e o desenvolvimento de um conjunto de

habilidades básicas de leitura, escrita, cálculo, concentração e interpretação, que consistem

principalmente no desenvolvimento de competências com aprender a buscar informações,

compreendê-las e saber utilizá-las para resolução de problemas.

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No programa Sociedade da Informação brasileiro, o TC 2000 através do projeto Telessalas 2000 têm

um papel estratégico. O projeto Telessalas 2000 foi lançado em 1998 e inicialmente dirigiu-se a cerca

de 75 mil trabalhadores que tiveram os estudos interrompidos por algum motivo. Em sua primeira fase

implantou 200 Telessalas no Rio de Janeiro, 108 no Amazonas, 200 em São Paulo e 92 na Amazônia

Legal. Um programa de educação de jovens e adultos que tende a ser ampliando. (TAKAHASHI, 2000: 52)

A princípio, este modelo educativo atendia programas de educação de empresas e entidades a elas

ligadas. Mas, na década de 90 do século passado as propostas de apoio ao uso das tecnologias na

educação continuada e a distância da nova LDBN (1996) e do programa de desenvolvimento da

Sociedade da Informação brasileira, Livro Verde (2000), abriram espaço para a incorporação do TC

2000 na rede de ensino pública. Atualmente, as Telessalas funcionam por todo país, graças a uma

parceria da FRM e da FIESP com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A Telessala é um espaço destinado a recepção das teleaulas e nele, além dos multimeios, é oferecido

ao estudante o auxílio de um Orientador de Aprendizagem, que exerce o papel de mediador entre a

produção videográfica, alunos e conteúdos. O Orientador é o responsável por preencher possíveis

lacunas da oferta televisiva e estabelecer dinâmicas comunicativas que promovam a interação e a

produção de sentidos, ele cria condições de diálogo e reflexão para desencadear a aprendizagem.

A metodologia de ensino a distância adotada pelo Telecurso 2000 utiliza os multimeios (TV, vídeo,

material impresso) e, no caso do ensino semipresencial da Telessala, inclui a ação do Orientador de

Aprendizagem.

Na escola pública, a Telessala é configurada como um espaço de recepção organizada, onde os alunos

se reúnem de segunda a sexta-feira, para assistir a Teleaula e receber orientações do Orientador de

Aprendizagem.

No espaço de recepção da Telessala, além de assistir a Teleaula de 15 minutos, o aluno tem

oportunidade de interagir com colegas e professor Orientador, expondo idéias, dúvidas, trazendo

outras informações, recebendo orientações e avaliando seu desempenho. É um espaço onde a

mediação midiática das informações encontra a mediação humana de professor e alunos, negociando e

produzindo sentidos e conhecimentos.

Na nova realidade, no entanto, redes tecnológicas complexas promovem a transição do modelo

comunicativo massivo para um modelo interativo. O avanço tecnológico está transformando o modelo

comunicacional que privilegiava a distribuição de informações num novo modelo que privilegia a

idéia da comunicação dialógica, da interatividade, onde emissores e receptores trocam constantemente

de papel. (SILVA, 2002)

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A televisão é um meio "antigo", linear e unidirecional na difusão de informações. Mas, no cenário de

transição para um modelo comunicacional interativo, não é somente o tipo de tecnologia que

determina o diálogo e a interatividade.

É necessário estarmos atentos para a questão dos usos das tecnologias e das informações, ou seja, mais

do que ter acesso ao recurso tecnológico e as informações, a maneira como se articula o diálogo e

como se interage com as informações é primordial, um processo ligado a gestão da comunicação e da

informação, aos processos de mediação e negociação de sentidos, indo além da incorporação de novas

tecnologias.

Gestão da Comunicação e Educação: a tecnologia e a questão das mediações

De acordo com Lévy (1993), as TICs são tecnologias intelectuais que nos proporcionam novas formas

de armazenamento, processamento e redistribuição das representações culturais, gerando novos

valores, novas formas culturais que conduzem a um novo perfil de humanidade. Essas tecnologias

influem nos processos de subjetivação individuais e coletivos, mas para ele não são determinantes do

pensamento.

Comunicação, tecnologias e educação compõem um tripé fundamental para a formação do homem do

século XXI. (CORTELAZZO, 1998) A tecnologia cria as condições para que a Comunicação Social se

insira cada vez mais nos espaços de aprendizagem, pois favorece a socialização do saber, através de

suas dinâmicas de distribuição de informações.

No cenário atual, Educação e Comunicação, são áreas de conhecimento independentes que se

complementam à medida que participam simultaneamente dos processos de socialização e formação

dos indivíduos. Áreas que articulam-se num novo espaço de conhecimento, a Educomunicação.

A gestão da comunicação na educação é uma área de estudos e pesquisas da Educomunicação que está

relacionada ao uso do recurso midiático em sala de aula, tendo em vista ampliar o coeficiente

comunicativo das ações humanas mediadas pelas tecnologias. O objetivo da gestão da comunicação na

educação seria criar e desenvolver ecossistemas comunicativos mediados por processos de

comunicação humana intermediados por tecnologias. (SOARES, 2003)

Um dos grandes desafios para o educador é ajudar a tornar a informação significativa, a escolher as informações verdadeiramente importantes entre tantas possibilidades, a compreendê-las de forma cada vez mais abrangente e profunda e a torná-las parte do nosso referencial. (MORAN, 2000, p.23)

Na educação formal, como em qualquer outra situação social, percebemos que ao utilizarmos as TICs

pensamos mais depressa e muitas vezes não pensamos melhor, pois somos pressionados pela

velocidade das informações. O fato de recebermos grandes quantidades de informações, portanto, não

nos permite afirmar que estamos mais bem informados ou que estejamos construindo conhecimento.

(CÉBRIAN, 1999)

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Isso, no entanto, não quer dizer que as pessoas permaneçam passivas diante das informações e das

tecnologias que as mediam. As pessoas interagem de diversos modos a partir de diferentes

referenciais, mas nem sempre conseguem lidar com a grande quantidade de dados. Por isso, cresce a

valorização dos processos de educação básica e de educação permanente dos cidadãos destinados a

desenvolver ou ampliar as competências dos indivíduos para lidarem de modo seletivo, crítico e

criativo com as informações.

No intuito de melhor aproveitar e articular as informações midiatizadas, a gestão da comunicação pode

ser identificada como um eixo importante dos processos educativos. Podemos entender que no

processo de gestão da comunicação e da informação efetiva o processo de educação, pois "(...)

educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um

encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados" (FREIRE, 1977, p.69).

Freire (1977) nos lembra que a educação não é transferência de conhecimentos e que o educando não é

um ser passivo. Figueiredo (1999), destaca que é necessário conciliar a preparação adequada do

homem para o trabalho sem perder de vista o ideal de ampliação de sua capacidade de reflexão crítica.

É preciso, portanto, humanizar a tecnologia, tendo o homem como centro do processo de ensino.

Sugere-se educar num processo de trocas e diálogo entre sujeitos. E, esse processo pode ser

estimulado por uma gestão comunicativa planejada que diversifique as estratégias de uso das

informações mediadas pelas mídias e TICs articulando-as de modo a promover a construção de

conhecimentos.

Somente incorporar mídias e tecnologias no processo educacional, não garante o aproveitamento

adequado das informações, por isso, a presença dos meios técnicos no ensino-aprendizagem é

amplamente discutida, principalmente em relação as interações que possibilitam ou não com os

usuários.

Refletem-se questões sobre a mediação tecnológica contribuir ou não para a aprendizagem. Procura-se

desvendar como o processo comunicativo gerado pela mediação de informações articula a negociação

e produção de sentidos, verificando o papel e a necessidade do diálogo entre homem-homem e

homem-máquina.

"Enfatiza-se, assim, o fato de que a aprendizagem não é jamais pura transmissão, e sim a socialização de um saber, portanto, experiência de uma relação de indivíduos concretos." (SODRÉ, 2002, p. 99)

Na relação tecnologias e educação, o educador passa a ser um gestor de informações e conhecimentos,

uma pessoa que deve atrair não só por suas idéias mas por sua capacidade comunicativa no contato,

um indivíduo entusiasmado, curioso, aberto ao diálogo e capaz de motivá-lo.

O educador tem a tarefa de problematizar os conteúdos que a mídia e as tecnologias trazem para o

processo de ensino-aprendizagem. "Pela comunicação aberta e confiante desenvolvemos contínuos e

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inesgotáveis processos de aprofundamento dos níveis de conhecimento pessoal, comunitário e social."

(MORAN, 2000, p.25). Para Moran, o processo de interação, de comunicação tem papel fundamental na

construção do conhecimento.

Na Telessala, a tecnologia que media as informações é a televisão, um meio de comunicação

unidirecional, como já mencionamos anteriormente. Na TV, predomina a lógica da distribuição de

informações, um processo não interativo entre emissor e receptor. No entanto, o contexto de

veiculação da oferta televisiva na sala de aula envolve outras relações comunicativas e interações

humanas, que através do diálogo permitem ultrapassar a lógica da distribuição de informações, devido

ao processo de negociação de sentidos que parte tanto das informações veiculadas quanto das

experiências culturais dos sujeitos.

É no contexto de veiculação das informações da oferta televisiva que se quebra a unilateralidade da

informação, através de mediações humanas que estabelecem o diálogo entre a produção videográfica,

os conteúdos curriculares, professor e alunos, criando um ambiente interativo onde os sujeitos

interpretam as informações a partir de suas experiências culturais, agregando novos valores e

reinterpretando.

O espaço de recepção, centra a comunicação nas mediações humanas e não somente na mediação da

tecnologia. A Teleaula é um auxiliar no processo de produção de conhecimentos e no espaço da

Telessala pode servir para criar um movimento que favoreça o ensino ativo, participativo e centrado na

cultura, nos interesses e nas necessidades dos educandos na realidade da Sociedade da Informação e

do mundo globalizado.

Algumas considerações:

A Sociedade da Informação caminha para a Sociedade do Conhecimento, onde o novo foco de

desenvolvimento social sai do desenvolvimento de tecnologias e vai para a gestão humana das

informações, tendo em vista o domínio de conhecimentos pelos indivíduos.

(...) a nova economia é uma economia do conhecimento, a aprendizagem faz parte da atividade econômica cotidiana e da vida, e tanto as empresas quanto os indivíduos descobriram que têm de assumir a responsabilidade de aprender, se querem realmente funcionar. (CÉBRIAN, 1999: 17)

Hoje, os indivíduos necessitam de várias alfabetizações, já que a formação educacional não se limita

ao domínio da leitura e da escrita, abrangendo um diversidade de códigos da cultura, da sociedade, das

relações econômicas e produtivas, o que inclui a alfabetização pelas antigas e novas tecnologias e a

capacitação para lidar com elas em diferentes situações do dia-a-dia.

Passamos por diversas mutações pedagógicas e, hoje, o modelo educativo adotado destaca a relação

entre ciências e tecnologias e procura por fim na dicotomia entre a formação escolar e a vida ativa,

dando destaque para a formação polivalente dos indivíduos, devido à porosidade das ocupações.

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A crescente demanda por educação inicial e permanente, desafia as sociedades a oferecer a todos os

cidadãos uma educação coerente com as exigências do novo contexto e nem sempre é possível contar

com as novas tecnologias para intermediar este processo. Deve-se criar oportunidades para que os

indivíduos adquiram as informações de modo autônomo e seletivo e produzam conhecimentos nos

espaços formais e informais de ensino-aprendizagem, nesse aspecto tecnologias como a televisão são

as mais acessíveis.

As TICs trazem contribuições aos contextos educacionais, devido a introdução de novas práticas

comunicativas e como mediadoras de informações oferecem mudanças para as abordagens tradicionais

de ensino-aprendizagem. No entanto, estas mudanças dependem muito mais dos usos que se faz das

tecnologias e das informações do que da incorporação de antigas e modernas tecnologias nos sistemas

de ensino.

Muito mais do que analisar a necessidade de incorporação das mídias e das TICs na educação,

precisamos entender e avaliar o papel das mediações tecnológicas dentro do processo de ensino-

aprendizagem, analisando seus usos e novas possibilidades de aproveitamento para a produção de

conhecimentos.

A Telessala, enquanto ambiente de mediação da oferta televisiva no ensino-aprendizagem, através dos

processos de gestão da comunicação e da informação entre Orientador e educandos pode resgatar a

aprendizagem como um espaço de negociação e produção de sentidos, contribuindo para que se

ultrapasse a comunicação linear da oferta televisiva.

A interação educandos – professor – conteúdos – oferta televisiva, configura a potencializa a

dialogicidade no espaço da Telessala, na medida em que o processo de comunicação está planejado

nas necessidades e interesses, histórias e experiências culturais dos indivíduos, ampliando a proposta

inicial do TC 2000.

São importantíssimos os estudos sobre a qualidade de produção e da técnica empregados nos

multimeios do TC 2000, de sua proposta pedagógica e metodológica enquanto produtos midiático-

educativos industrializados. Mas, também, são relevantes os estudos que foquem o processo de gestão

da comunicação determina o uso desta oferta televisiva no ensino-aprendizagem, atentando para as

diversas possibilidades de uso de antigas e novas tecnologias que surgem na prática de ensino, pois,

este projeto de educação via TV atende um número significativo de cidadãos.

Somente classificar programas de educação via tecnologias e seus conteúdos como bons ou ruins,

massivos, ideológicos, criativos, inovadores, não basta. É importante analisar o modo como programas

de alta penetrabilidade são utilizados nos contextos educativos, verificando quais as suas contribuições

e as novas possibilidades de uso, não somente suas deficiências. Na prática da sala de aula, o processo

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de comunicação introduz o diálogo entre a as informações mediadas pela tecnologia e pela atuação de

professor e alunos surgem inovações no uso da oferta midiática.

A relação comunicação e educação enriquece ambas as áreas e os estudos da comunicação voltados a

educação podem contribuir para que as metas atuais de formação dos cidadãos sejam atingidas. Os

estudos da comunicação oferecem possibilidades de otimização dos usos das tecnologias e das

informações no ambiente de aprendizagem, tendo o homem como o centro do processo de ensino e

valorizando sua capacidade de coletivamente negociar e produzir novos sentidos para o conteúdo

informativo que lhe é ofertado.