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O agregador da advocacia 38 Junho de 2011 www.advocatus.pt O actual regime dos recursos favorece a existência de situações em que, por motivos meramente formais, as decisões de mérito proferidas venham a ser prejudicadas pela anulação de todo o processado Na nossa opinião, parece-nos que a última reforma do regi- me dos recursos não constituía uma prioridade, considerando que, na verdade, as modifica- ções introduzidas com a reforma de 1996 já haviam considerado alterações significativas ao nível da simplificação e mesmo da celeridade. Volvidos que estão mais de dois anos após a entrada em vigor do novo regime dos recursos, parece- -nos pertinente a sua análise. Algu- mas questões se levantam, mas op- támos por cingir a nossa apreciação ao chamado “monismo recursório”, a “aplicação da lei no tempoadop- tada pelo mesmo e a chamada “du- pla conforme” e revista excepcional. Relativamente ao “monismo recur- sório”, constitui, de facto, uma das medidas mais visíveis e destacadas por todos do novo regime. Assim, ao nível dos recursos ordiná- rios, foi abolido o tradicional recurso de agravo, que implicava uma inter- posição no curto prazo de 10 dias sob pena de caso julgado formal. Permitia, além disso, um despacho de sustentação ou de reparação do agravo, ou seja, que decisões feri- das de erro pudessem desde logo ser reformadas pelo juiz. Por outro lado, a intervenção do Tribunal Su- perior ficava ainda dependente do resultado final da acção, já que, por norma, caso o agravante fosse a parte vencedora o agravo ficaria prejudicado. Acontece que, actualmente, essas mesmas decisões continuam a ser susceptíveis de recurso através do agora designado recurso das deci- sões interlocutórias ou dos despa- chos de rejeição ou admissão de prova. É fácil ver que o actual regime fa- vorece a existência de situações em que, por motivos meramente for- “Na falta de fundamentos quanto à substância, sempre se poderá ‘deitar a mão’ de um qualquer erro na tramitação processual para que assim se anule todo um processo, normalmente longo” “Não seria mais razoável que o novo regime, na sua tramitação, se aplicasse a todos os processos? Tal permitiria, com certeza, uma mais-valia ao nível da avaliação dos riscos, da eficácia e da simplicidade” Ana Cláudia Rangel Licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade Moderna de Lisboa, em 1998, especializou-se na área do Contencioso e Arbitragem. Desde 2007 que colabora com a Raposo, Bernardo e Associados Soluções discutíveis - Violação de regras de competên- cia, caso julgado ou desrespeito por acórdão de uniformização de juris- prudência; - Quando estejam em causa interes- ses de particular relevância social; - Quando o acórdão proferido esteja em contradição com outro proferido pela Relação ou pelo STJ já transi- tado em julgado. Quanto a esta alteração nada a di- zer, parece-nos uma decisão acer- tada e dotada de bom senso. Valerá esta reforma por isto? mais, as decisões de mérito proferi- das venham a ser prejudicadas pela anulação de todo o processado. Na falta de fundamentos quanto à substância, sempre se poderá “dei- tar a mão” de um qualquer erro na tramitação processual para que assim se anule todo um processo, normalmente longo. Esta é uma questão que não deve, nem pode, ser ignorada. Esta consequência poderia ser anu- lada, ou pelo menos minimizada, se houvesse a possibilidade de vir a ser deduzida pela parte uma re- clamação, permitindo-se assim a imediata correcção desses erros. Ou ainda pela circunscrição mais apertada de decisões interlocutó- rias de natureza formal susceptíveis de recurso. Quanto à aplicação da lei no tempo não podemos deixar de nos mani- festar. O legislador optou por criar dois “mundos”: os processos pen- dentes antes de 31 de Dezembro de 2007 e os instaurados após essa data. Fará isto sentido? Sem prejuízo de se respeitar o re- gime anterior quanto ao direito de interposição de recurso, não seria mais razoável que o novo regime, na sua tramitação, se aplicasse a todos os processos? Tal permitiria, com certeza, uma mais-valia ao ní- vel da avaliação dos riscos, da efi- cácia e da simplicidade. Por último, está agora vedado o re- curso de revista quando o Tribunal da Relação confirme, sem voto ven- cido, a decisão da primeira instân- cia, é a chamada dupla conforme. Note-se que este juízo de confirma- ção basta-se com a conformidade quanto à decisão. Assim sendo, só a existência de um voto vencido poderá justificar o acesso a um 3.º grau de jurisdição através do recur- so de revista, com apenas três ex- cepções muito concretas: Debate

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O agregador da advocacia38 Junho de 2011

www.advocatus.pt

O actual regime dos recursos favorece a existência de situações em que, por motivos meramente formais, as decisões de mérito proferidas venham a ser prejudicadas pela anulação de todo o processado

Na nossa opinião, parece-nos que a última reforma do regi-me dos recursos não constituía uma prioridade, considerando que, na verdade, as modifica-ções introduzidas com a reforma de 1996 já haviam considerado alterações significativas ao nível da simplificação e mesmo da celeridade.Volvidos que estão mais de dois anos após a entrada em vigor do novo regime dos recursos, parece--nos pertinente a sua análise. Algu-mas questões se levantam, mas op-támos por cingir a nossa apreciação ao chamado “monismo recursório”, a “aplicação da lei no tempo” adop-tada pelo mesmo e a chamada “du-pla conforme” e revista excepcional.Relativamente ao “monismo recur-sório”, constitui, de facto, uma das medidas mais visíveis e destacadas por todos do novo regime.Assim, ao nível dos recursos ordiná-rios, foi abolido o tradicional recurso de agravo, que implicava uma inter-posição no curto prazo de 10 dias sob pena de caso julgado formal. Permitia, além disso, um despacho de sustentação ou de reparação do agravo, ou seja, que decisões feri-das de erro pudessem desde logo ser reformadas pelo juiz. Por outro lado, a intervenção do Tribunal Su-perior ficava ainda dependente do resultado final da acção, já que, por norma, caso o agravante fosse a parte vencedora o agravo ficaria prejudicado. Acontece que, actualmente, essas mesmas decisões continuam a ser susceptíveis de recurso através do agora designado recurso das deci-sões interlocutórias ou dos despa-chos de rejeição ou admissão de prova.É fácil ver que o actual regime fa-vorece a existência de situações em que, por motivos meramente for-

“na falta de fundamentos quanto à substância, sempre

se poderá ‘deitar a mão’ de um qualquer

erro na tramitação processual para que

assim se anule todo um processo, normalmente

longo”

“não seria mais razoável que o

novo regime, na sua tramitação, se aplicasse a todos os processos? tal

permitiria, com certeza, uma mais-valia ao

nível da avaliação dos riscos, da eficácia e da

simplicidade”

Ana Cláudia Rangel

Licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade Moderna de Lisboa,

em 1998, especializou-se na área do Contencioso e Arbitragem. Desde

2007 que colabora com a Raposo, Bernardo e Associados

Soluções discutíveis

- Violação de regras de competên-cia, caso julgado ou desrespeito por acórdão de uniformização de juris-prudência;- Quando estejam em causa interes-ses de particular relevância social;- Quando o acórdão proferido esteja em contradição com outro proferido pela Relação ou pelo STJ já transi-tado em julgado. Quanto a esta alteração nada a di-zer, parece-nos uma decisão acer-tada e dotada de bom senso. Valerá esta reforma por isto?

mais, as decisões de mérito proferi-das venham a ser prejudicadas pela anulação de todo o processado.Na falta de fundamentos quanto à substância, sempre se poderá “dei-tar a mão” de um qualquer erro na tramitação processual para que assim se anule todo um processo, normalmente longo. Esta é uma questão que não deve, nem pode, ser ignorada. Esta consequência poderia ser anu-lada, ou pelo menos minimizada, se houvesse a possibilidade de vir a ser deduzida pela parte uma re-clamação, permitindo-se assim a imediata correcção desses erros. Ou ainda pela circunscrição mais apertada de decisões interlocutó-rias de natureza formal susceptíveis de recurso.Quanto à aplicação da lei no tempo não podemos deixar de nos mani-festar. O legislador optou por criar dois “mundos”: os processos pen-dentes antes de 31 de Dezembro de 2007 e os instaurados após essa data. Fará isto sentido?Sem prejuízo de se respeitar o re-gime anterior quanto ao direito de interposição de recurso, não seria mais razoável que o novo regime, na sua tramitação, se aplicasse a todos os processos? Tal permitiria, com certeza, uma mais-valia ao ní-vel da avaliação dos riscos, da efi-cácia e da simplicidade. Por último, está agora vedado o re-curso de revista quando o Tribunal da Relação confirme, sem voto ven-cido, a decisão da primeira instân-cia, é a chamada dupla conforme.Note-se que este juízo de confirma-ção basta-se com a conformidade quanto à decisão. Assim sendo, só a existência de um voto vencido poderá justificar o acesso a um 3.º grau de jurisdição através do recur-so de revista, com apenas três ex-cepções muito concretas:

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