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  • Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais 1

    III Srie, n. 24 - 2011

    RevistaInternacional

    em Lngua Portuguesa

    Migraes

  • 2 Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais

    Associao das Universidades de Lngua Portuguesa (AULP)

    RILP Revista Internacional em Lngua PortuguesaIII Srie, n. 24 - 2011

    Publicao Anual da Associao das Universidades de Lngua Portguesa (AULP)

    Referncia solicitada ao catlogo LATINDEX Sistema de Informao Internacional de Revistas Cientficas e ao European Reference Index for the Humanities (ERIH) da European Science Foundation (ESF).

    A Revista Internacional em Lngua Portuguesa, editada desde o ano de 1989, uma publicao interdiscipli-nar da Associao das Universidades de Lngua Portuguesa. Criada para aprofundar o conhecimento sobre o portugus, expressa hoje o conhecimento em portugus, num espao de interveno que em perfeita igualdade participem os membros da comunidade de utilizadores de portugus no mundo, nas suas diversas formas de expresso e difuso, das cincias humanas, sociais e da natureza, com destaque para a ligao entre o espao geogrfico dos que utilizam a lngua portuguesa.

    Fundador: Associao das Universidades de Lngua Portuguesa (AULP)

    Director: Presidente da Associao das Universidades de Lngua Portuguesa (Jorge Ferro)

    Coordenao Cientfica (Nmero Especial): Joo Peixoto (Universidade Tcnica de Lisboa) e Duval Fernan-des (Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais)

    Secretariado Executivo: Teresa Botelheiro

    Conselho Editorial: Joo Peixoto (Universidade Tcnica de Lisboa - UTL), Duval Fernandes (Pontifcia Uni-versidade Catlica de Minas Gerais PUC-Minas), Adriana Freire Nogueira (Universidade do Algarve-UALG)

    Conselho de Acompanhamento Cientfico: Conselho de Administrao da AULP Jorge Ferro (Univer-sidade Lrio-Unilrio), Joo Guerreiro (Universidade do Algarve-UALG), Cllio Diniz (Universidade Federal de Minas Gerais UFMG), Rui Martins (Universidade de Macau-UM), Orlando Mata (Universidade Agostinho Neto - UAN), Paulino Fortes (Universidade de Cabo Verde-UNICV), Loureno do Rosrio (Universidade Politc-nica de Moambique-UPM), Armando Pires (Instituto Politcnico de Setbal-IPS), Carlos Silva (Universidade Independente de Angola (UNIA), Fernando Costa (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP), Aurlio Guterres (Universidade Nacional Timor Lorosae UNTL), Rui Jandi (Universidade Lusfona da Guin ULG), Peregrino Costa (Instituto Superior Politcnico de So Tom e Prncipe ISPSTP), Benedito Guimares Neto (Universidade Presbiteriana Mackenzie UPM)

    Capa/Arranjo Grfico:Helder Rodrigues (Universidade do Algarve)

    Execuo Grfica: Clio Artes Grficas, LDA

    Editor: Associao das Universidades de Lngua Portuguesa (AULP)

    Depsito Legal: 180505/02 ISSN: 2182-4452

    Preo deste nmero: 10,00 Euros

    Assinatura: Correspondncia relativa a colaborao de permutas e oferta de publicaes deve ser dirigida a:

    Associao das Universidades de Lngua Portuguesa (AULP) Avenida Santos Dumont, n. 67, 2, 1050-203 LISBOA

    Telf: 217816360 | Fax: 217816369 | Email: [email protected]

    Para referncia de nmeros anteriores consultar: www.aulp.org

  • Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais 3

    RILPRevista Internacional em Lngua Portuguesa

    Migraes

    Editores

    Joo Peixoto e Duval Fernandes

    Instituto Superior de Economia e Gesto, Universidade Tcnica de Lisboa, PortugalPontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, Brasil

    Associao das Universidades de Lngua Portuguesa

  • 4 Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais

  • Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais 5

    ndice

    APRESENTAO

    MIGRAESJorge Ferro 9

    NOTA DOS EDITORESJoo Peixoto e Duval Fernandes 13

    PASES AFRICANOS DE LNGUA PORTUGUESAMigrao, remessas e desenvolvimento em frica:o caso dos pases de lngua portuguesa Nancy Tolentino, Carlos Rocha, Corsino Tolentino e Joo Peixoto 23

    ANGOLAA noo de subalternidade e a distribuio tnica de Angola Helder Bahu 49

    BRASILBrasil: pas de imigrao?Neide Lopes Patarra e Duval Fernandes 65

    Refugiados africanos em So Paulo, Brasil: espaos da migraoRosana Baeninger e Roberta Guimares Peres 97

    CABO VERDENovas prticas no campo social da dispora cabo-verdiana:as remessas e a mobilidade transnacional de via mltiplaIolanda vora 113

    GUIN-BISSAUMigrao e desenvolvimento na Guin-Bissau: experincias e controvrsias dos actores envolvidos no processoJoo Ribeiro Butiam C 131

    Mobilidade e migraes na Guin-Bissau:dinmicas histricas e determinantes estruturaisAlexandre Abreu 145

    MOAMBIQUEMigrao indocumentada de Moambique para a frica do Sul:impacto socioeconmico nas comunidades de origemManuel G. Mendes de Arajo e Ramos C. Muanamoha 165

    Causas, consequncias e padres da migrao internacionalde Moambique: questes emergentes no espao da lusofoniaIns M. Raimundo 187

  • 6 Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais

    PORTUGALA evoluo do sistema migratrio lusfono.Uma anlise a partir da imigrao e emigrao portuguesaJos Carlos Marques e Pedro Gis 213

    As polticas de imigrao em Portugal. Contextos e protagonistas Ana Paula Beja Horta 233

    SO TOM E PRNCIPEO meio insular, a emigrao e a dispora so-tomensesAugusto Nascimento 257

    ESTUDOS E NOTAS

    MACAU"Breves consideraes sobre as migraes e os trabalhadores no residentes em Macau"Ho Chi Un 283

    TIMOR-LESTEMigrao laboral em Timor-Leste Augusto Soares e Jenice Fernandes 291

  • Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais 7

    APRESENTAO

  • 8 Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais

  • Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais 9

    MigraesJorge FerroPresidente da AULP e Reitor da Universidade Lrio, Moambique

    Os fluxos migratrios tm vindo a aumentar em todo o mundo e no espao da CPLP o fenmeno evidente, sobretudo com o advento da paz nos pases africanos de lngua portuguesa. Esta realidade coloca numerosos desafios e profundas mudanas no contexto regional e nacional que exigem no apenas a uma mudana nas polticas pblicas, mas, e fundamentalmente, respostas coordenadas e adaptadas num contexto de mobilidade regional e internacional.

    Na realidade, a importncia do fenmeno migrao visvel pela sua dimenso e constitui uma das principais causas da modificao dos efectivos e das estruturas da populao em todos os pases da CPLP. A dinmica migratria ocorre devido ao desen-volvimento de novas formas de mobilidade internacional do mercado e aos mltiplos processos de integrao regional e da globalizao. Por outro lado, no menos verda-de que a instabilidade e os conflitos armados que, infelizmente, ainda se verificam em alguns pases no continente africano, contribuem em grande medida para alimentar estes fluxos.

    Actualmente, e segundo dados estatsticos disponveis (ONU e OCDE 2007), aproxi-madamente 200 milhes de homens e mulheres vivem fora dos seus pases de origem, sendo imigrantes legais ou ilegais e refugiados, crescendo estes fluxos a um ritmo mais rpido do que o crescimento da populao mundial. Estas mesmas estatsticas apontam para o facto de 95% dos migrantes serem mulheres, pois 1/3 das migraes internacio-nais so migraes familiares.

    Analogamente, o nmero de estudantes que procuram por instituies de ensino superior tem aumentado, apesar de o espao da lusofonia ter aberto muitas institui-es de ensino superior. Dados da OCDE indicam que mais de 2,7 milhes de pessoas estudam fora do seu pas de origem. Esta tendncia se agrava com a introduo do protocolo de Bolonha e ainda pelo aumento exponencial que se verificou no subsistema secundrio em muitos pases. S em Portugal verificou-se um aumento do nmero de estudantes inscritos de Angola, Cabo Verde, Brasil, Guin-Bissau, Moambique e So Tom. Entre os anos 2000 e 2005 o crescimento foi de 67,5%.

  • 10 Mobilidade e migraes na Guin-Bissau: dinmicas histricas e determinantes estruturais

    Tomando em considerao estes pressupostos, a AULP no pode estar alheia ao fe-nmeno migrao. Assim, decidiu incorpor-lo na sua agenda de trabalho e pesquisa a todos os nveis, bilateral e multilateral, como prioridade. Alis, nem por acaso que o fenmeno migrao, por ser um fenmeno em asceno, tenha at institudo o Dia Internacional dos Migrantes (18 de Dezembro) como data de reflexo.

    Esta revista, a primeira da AULP que aborda a questo da migrao nos nossos pa-ses, foi produzida por especialistas e pesquisadores de nossas universidades e centros de pesquisa que acompanham e monitoram as tendncias nacionais e regionais das mi-graes. Estas reflexes, naturalmente, colocam desafios s sociedades contemporne-as, s diferentes instituies polticas, educacionais, culturais, econmicas e regionais.

    Por conseguinte, necessrio questionar o espao migratrio do ponto de vista da sua mundializao, privilegiando as inter-relaes que se tecem entre as zonas de partida e de chegada e, sobretudo, os retornos possveis. No espao da CPLP, os fluxos migratrios devem continuar ainda com mais intensidade nos prximos anos. Para a AULP, o importante seria avaliar as mutaes espaciais induzidas pela circulao ma-terial e imaterial, o capital humano e financeiro e, fundamentalmente, as interaces entre a lgica dos actores e as recomposioes territoriais. O que agora se apresenta como desafio ter de ser analisado e assumido como uma oportunidade. A migrao foi a base de prosperidade de vrios pases desenvolvidos. Com a CPLP, o percurso a trilhar poder trilhar o mesmo rumo.

  • Nota dos Editores 11

    NOTA DOS EDITORES

  • 12 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

  • Nota dos Editores 13

    Nota dos EditoresJoo PeixotoInstituto Superior de Economia e Gesto, Universidade Tcnica de Lisboa, PortugalDuval FernandesPontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, Brasil

    O tema das migraes internacionais tem sido alvo de ateno crescente desde as ltimas dcadas do sculo XX. certo que as migraes internacionais sempre exis-tiram: movimentos populacionais unindo vrios territrios, na configurao atual de Estados-nao ou em configuraes anteriores, so to antigos como a humanidade. Mas o incremento absoluto e, muitas vezes, relativo destes movimentos tem sido uma realidade ao longo do tempo. Os factores que esto na base da globalizao explicam o aumento recente dos fluxos e so, por sua vez, potenciados por eles. Todas as regies do mundo esto hoje envolvidas em alguma forma de relao migratria internacional. Em muitos contextos, a mudana social e o desenvolvimento econmico so depen-dentes das migraes. Dependendo do pas, por vezes o estatuto migratrio sobre-tudo o de emissor, enquanto outras vezes predomina o de receptor. Mas so cada vez mais frequentes as combinaes de estatuto (emigrao e imigrao em simultneo) e, tambm, a alternncia entre fluxos dominantes (emigrao seguida de imigrao ou o contrrio).

    Este nmero da Revista Internacional em Lngua Portuguesa incide sobre o tema das migraes internacionais nos vrios pases de lngua portuguesa. A reunio de um con-junto de textos nesta rea , s por si, um empreendimento inovador. Apesar da ateno crescente de que as migraes internacionais tm beneficiado e do aumento dos estudos sobre este tema em cada uma das naes envolvidas, o enfoque comum nos pases que falam portugus muito raro. At data, a primeira e nica iniciativa deste tipo parece ser a publicao de um conjunto de textos na revista International Migration em 2009 (Martin, 2009) curiosamente, uma publicao em lngua inglesa. Esses textos resulta-ram da conferncia Migration and the Lusophone World, que teve lugar a 17-18 de Novembro de 2006, em Washington, EUA, sob a coordenao de Susan Martin. Depois disso, no parecem ter existido novos contributos, pelo que este nmero da Revista Inter-nacional em Lngua Portuguesa o primeiro em que o tema discutido em portugus.

    Notas dos Editores

  • 14 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    A reunio de textos sobre as migraes internacionais nos pases de lngua portu-guesa justifica-se por duas razes. Em primeiro lugar, um pretexto para cruzar conhe-cimentos e experincias entre pases que falam a mesma lngua. Apesar de situados em diferentes regies de mundo e de conhecerem histrias e problemas migratrios muitas vezes diversos, o facto de pensarem e falarem em portugus pode facilitar o intercm-bio de ideias. Em segundo lugar, uma ocasio para refletir nas dinmicas comuns. Como se sabe pela teoria dos sistemas migratrios, a ligao de territrios e pases ao longo da histria permite e reforada com deslocaes migratrias (Kritz e Zlotnik, 1992). No caso dos pases que falam portugus, sculos de histria conjunta incluram deslocaes de pessoas em mltiplos sentidos e com inmeros cambiantes. Ainda na atualidade e no futuro prospectivo, as migraes nestes pases contam e iro contar com muitos intercmbios recprocos.

    Adotando a perspetiva dos sistemas migratrios, um texto publicado no referido vo-lume da International Migration marcou o debate. Maria Ioannis Baganha autora que infelizmente j no est entre ns foi a primeira a refletir de forma sistemtica sobre a realidade do sistema migratrio lusfono (Baganha, 2009). Segundo ela, Portugal comeou por ser o centro do sistema, tendo as primeiras grandes ligaes migratrias ocorrido com o Brasil. A entrada de outros pases de lngua portuguesa no sistema pases africanos, Timor-Leste e Macau permitiu a multiplicao dos contactos. Com o tempo, o sistema tornou-se mais complexo, anunciando as mudanas que, em muitos casos, apenas hoje comeam a tomar forma.

    Para alm do carter inovador, este nmero da Revista Internacional em Lngua Portuguesa apresenta um outro motivo de interesse. Assistimos hoje a uma importante viragem no estatuto e panorama migratrio de muitos pases lusfonos, o que sugere o incio de um novo paradigma. Muitas das mudanas ocorreram na sequncia da crise econmica mundial desencadeada em 2008, enquanto outras estavam latentes ou eram j manifestas, tendo redobrado a sua intensidade nos ltimos anos. Portugal, que durante sculos foi o centro do sistema migratrio lusfono, tendo conhecido, nos finais do sculo XX, entradas numerosas oriundas de quase todos os pases de lngua portuguesa, conhece hoje um lugar menos preponderante; na atualidade, reconverteu-se em emissor, muitas vezes para pases que falam portugus. O Brasil, que alicerou grande parte da sua histria na entrada de imigrantes e que, depois de 1980, se tinha reconvertido em pas de emigrao, tornou-se de novo um magnete para fluxos inter-nacionais. Angola hoje um dos mais importantes recetores de imigrantes em frica, provenientes de muitas partes do mundo. Em menor grau, tambm Moambique e Cabo Verde se deparam com novos fluxos de entrada. Muitos destes assuntos so exa-minados nos artigos que fazem parte desta publicao.

    Os artigos publicados neste nmero da Revista Internacional em Lngua Portuguesa efetuam um levantamento dos problemas migratrios dos pases lusfonos e, em mui-tos casos, focam as mudanas recentes que esto a levar a um novo paradigma. Esto

  • Nota dos Editores 15

    apresentados por ordem alfabtica dos pases, exceo do primeiro contributo, que se dedica anlise conjunta dos pases africanos de lngua portuguesa, e dos ltimos, que constituem breves notas sobre a realidade migratria em Macau e Timor-Leste. Todas as naes que falam portugus e integram a Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP) esto aqui representadas.

    O primeiro texto, da autoria de Nancy Tolentino, Carlos Rocha, Corsino Tolentino e Joo Peixoto, examina a relao entre migraes, remessas e desenvolvimento no con-texto africano, em particular no que respeita ao caso dos pases de lngua portuguesa. So revistos alguns dos principais nmeros sobre os fluxos migratrios que unem, em diferentes direes e sentidos, os pases africanos de lngua portuguesa; discutida a noo de que estes fazem parte de um sistema migratrio comum, unido pela lngua (ao qual pretence tambm o Brasil e, num sentido mais amplo, Timor-Leste); e exami-nada a evoluo das remessas, tanto no sentido dos fluxos recebidos como enviados. Entre outros aspetos, conclui-se pelo carcter muito dinmico da realidade migratria, porque os pases em causa tm assumido posies diversas ao longo do tempo. O caso mais exemplar o de Angola, que atualmente detm uma forte atratividade migratria e se apresenta como um difusor lquido de remessas. Dada esta dinmica, os pases carecem de uma observao continuada.

    O artigo de Helder Bahu o nico que incide sobre o caso especfico de Angola, em-bora numa perspetiva histrica. O texto discute a distribuio dos grupos tnicos neste pas, tendo em conta as suas linhas de identificao, processo de evoluo e relao com fluxos migratrios. So tomados em conta, em primeiro lugar, os mapas tnicos desenhados durante o perodo colonial. Estes so criticados pela sua ligao poltica colonial e com recurso perspetiva dos subaltern studies, que procuram descortinar a identificao tnica de grupos dominados e subordinados sob as linhas de demarca-o tnica oficiais. So ainda discutidas algumas mudanas registadas na poca ps--colonial, tanto no que se refere manuteno de divises tnicas, como ao impacto dos fluxos migratrios contemporneos. O autor argumenta que, apesar da deslocao generalizada para as cidades e dos casamentos intertnicos, que favorecem a diluio das identidades tnicas, importante prosseguir o estudo destas linhas de demarcao em Angola.

    No caso do Brasil, dois textos so apresentados. O primeiro, de autoria de Neide Patarra e Duval Fernandes, traa o perfil da evoluo histrica do processo migrat-rio brasileiro, com especial ateno aos desafios a serem enfrentados pela sociedade no momento atual. Os autores, partindo de uma breve introduo histrica, mostram como evoluiu a situao do pas, que passa de um pas de imigrao, desde o desco-brimento at ao final da 2 Guerra Mundial, para a posio de pas de emigrao, na dcada de 80 do sc. XX e seguintes. A situao poltica internacional aps os eventos de 11 de setembro e a crise econmica do final da primeira dcada do presente sculo, contribuem para alterar o panorama da migrao no Brasil, que volta a ter afluncia

  • 16 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    expressiva de imigrantes, com importante participao de originrios dos pases lus-fonos. Ao mesmo tempo, o pas conta com uma comunidade de brasileiros no exterior que ultrapassa a casa de alguns milhes. Este quadro emoldurado por um arcabouo jurdico ultrapassado, remanescente da poca ditatorial, que desafia as autoridades na busca de solues. Estas devero ser encontradas em um amplo debate com a par-ticipao de todos os segmentos sociais, tendo como marco principal o respeito aos direitos humanos dos imigrantes.

    O segundo texto, de autoria de Rosana Baeninger e Roberta Peres, aporta informa-es sobre a situao dos africanos que buscam refgio no Brasil. Como contingen-te mais expressivo entre os refugiados em solo brasileiros, os angolanos representam, aproximadamente, 35% dos demandantes de refgio. O perfil dos refugiados acolhidos na cidade de So Paulo tratado em detalhe pelas autoras, que descrevem a trajetria destes imigrantes e as suas dificuldades de adaptao no pas de acolhida.

    O caso de Cabo Verde tem sido um dos que maior ateno tem registado por parte dos investigadores na rea das migraes. O carter secular das migraes envolvendo Cabo Verde e a extenso da sua dispora explicam muito do seu interesse. O artigo de Iolanda vora comea por lembrar a origem da dispora cabo-verdiana, referindo a coexistncia dos fluxos e da ligao simblica terra-me, reforada pelo acentuar da adversidade das condies naturais que explicam a partida. Em seguida, discute algu-mas novas prticas da dispora cabo-verdiana, incluindo a importncia das remessas para a economia familiar (o impacto dos ausentes) e a sua possvel viragem para usos produtivos; e as prticas de mobilidade transnacional em via mltipla. Neste ltimo caso, argumenta que as deslocaes dos migrantes cabo-verdianos entre diferentes lugares de destino constituem, actualmente, um processo de circulao migratria e de redefinio da identidade coletiva, ultrapassando a ligao clssica entre um pas de origem e um de destino.

    A realidade migratria da Guin-Bissau estudada por dois autores. Num destes contributos, Joo Ribeiro Butiam C rev alguns dos principais eixos de relao entre migrao e desenvolvimento na Guin-Bissau. Ele examina um conjunto de aspetos: a evoluo dos fluxos migratrios oriundos da Guin-Bissau ao longo do tempo, com re-levo para os que ocorreram aps a independncia; a diferente natureza dos fluxos e dos projectos migratrios, em funo dos grupos tnicos de pertena; as suas contribuies para o desenvolvimento do pas, de novo diferenciadas em funo dos grupos tnicos; e as posies assumidas pelo Estado guineense. O autor enfatiza a importncia que, em alguns casos, o associativismo migrante tem tido para aumentar a ligao e promover o desenvolvimento da Guin-Bissau; e a diferena existente entre os grupos profissionais, sendo o caso dos profissionais de sade considerado o mais promissor do ponto de vista das relaes transnacionais.

    De forma complementar, Alexandre Abreu estuda as migraes na Guin-Bissau sob um ponto de vista histrico e estrutural. O objetivo do seu texto duplo: por um

  • Nota dos Editores 17

    lado, pretende apresentar uma descrio sinttica das migraes no interior a e partir da Guin-Bissau ao longo do tempo; por outro, sugere algumas interpretaes tericas mais amplas. No primeiro caso, desenha um retrato de largo alcance temporal da mo-bilidade geogrfica que tem envolvido os guineenses, nas pocas pr-colonial, colonial e ps-colonial. Neste mbito, realiza uma tentativa de quantificao e caracterizao da dispora guineense atual em vrios contextos geogrficos. No segundo caso, argu-menta que uma explicao rigorosa da mobilidade implica a rejeio de pontos de vista e teorias mais simplistas. Segundo o autor, a explicao para as migraes que envolve-ram e envolvem a Guin-Bissau como todas as outras migraes no mundo obriga a uma perspetiva histrica e estruturalista, por contraposio a leituras que destacam apenas o papel da racionalidade econmica dos migrantes com base nos desnveis de rendimento.

    O caso de Moambique examinado em dois artigos. O primeiro, de Manuel G. Mendes de Arajo e Ramos C. Muanamoha, incide sobre a migrao indocumentada de Moambique para a frica do Sul. O texto resulta de uma pesquisa emprica realiza-da pelos autores em algumas regies do Sul de Moambique e na frica do Sul, envol-vendo migrantes moambicanos indocumentados que se deslocam para o seu pas vizi-nho. Essa pesquisa, baseada em inquritos e entrevistas aprofundadas, permitiu apurar vrios elementos acerca das remessas (em dinheiro ou bens) enviadas pelos migrantes, tanto enviadas regularmente, como levadas para casa no final do trajecto migratrio. Os autores destacam o escasso valor das remessas, relacionado com o estatuto indocu-mentado dos migrantes, e os seus usos no consumo corrente e investimento produtivo. Apesar do seu reduzido montante, os autores argumentam que as transferncias se revelam essenciais para assegurar algumas despesas bsicas das famlias e alguns pe-quenos investimentos, incluindo ao nvel do capital humano (educao das crianas).

    Por seu lado, Ins M. Raimundo discute o panorama das migraes internacionais em Moambique, tendo sobretudo em conta o seu posicionamento em relao aos fluxos no interior do espao dos pases de lngua portuguesa. A autora nota que os fluxos dirigidos de Moambique para Portugal so os mais pequenos entre os diferen-tes pases africanos de lngua portuguesa, sendo tambm reduzidos os fluxos entre Moambique e os outros PALOP. Na sua perspetiva, sobretudo a insero, h longa data, de Moambique num espao de fluxos migratrios na frica Austral, sobretudo dirigidos frica do Sul, que explica esta situao particular. Como se pode observar noutros contextos internacionais, nem a distncia nem as polticas restritivas nos pases de destino impedem a existncia de migraes; porm, no caso de Moambique, foi a forte atrao pelo plo sul-africano que tornou pouco relevantes os fluxos dirigidos para a Europa.

    O caso de Portugal examinado, de modo muito amplo, por Jos Carlos Marques e Pedro Gis. Os autores estudam a evoluo recente das migraes internacionais no pas sob um prisma particular: a posio de Portugal no sistema migratrio lusfono, primeiro enquanto principal centro atrativo do sistema e hoje repartindo a centralidade

  • 18 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    com o Brasil e Angola. So revistas, em pormenor, as principais tendncias da imigra-o e emigrao em Portugal: a oscilao de perodos com maior ou menor entrada (ou sada) lquida de migrantes ocorreu em simultneo com o acionamento de sistemas migratrios complementares. Segundo os autores, o que significativo, na atualidade, o renovado envolvimento de Portugal (de novo enquanto emissor) no sistema migra-trio europeu, bem como a nova posio no sistema lusfono (agora enquanto emissor lquido para Angola e Brasil). Do ponto de vista terico, eles ressaltam a importncia da noo dos sistemas migratrios para compreender as dinmicas de mudana dos flu-xos migratrios internacionais, uma vez que combinam a lgica dos constrangimentos estruturais, ao nvel macro, com a ao decisiva das redes migratrias, ao nvel micro.

    Ana Paula Beja Horta observa, por sua vez, as polticas migratrias em Portugal, focando os seus contextos e protagonistas. Comea por realizar uma breve sntese das dinmicas de emigrao e imigrao no pas, explicando de que modo diferentes con-junturas podem apelar a aes polticas diferenciadas. Descreve em seguida, de forma aprofundada, as polticas de imigrao desenhadas pelas autoridades portuguesas, com destaque para as polticas de integrao de imigrantes. Explica de que modo a uma si-tuao inicial de algum laissez faire se segue o desenho de polticas de integrao cada vez mais abrangentes, at se chegar a um modelo de atribuio de mltiplos direitos de cidadania e de promoo da interculturalidade. Neste aspeto, a autora lembra a posio muito destacada que o pas tem conhecido no mbito da comparao de polticas de integrao nos pases europeus e da Amrica do Norte, bem como a importncia de medidas deste tipo numa conjuntura internacional hoje muito marcada por tenses e conflitos entre nativos e estrangeiros.

    A realidade migratria em So Tom e Prncipe estudada por Augusto Nascimento. Neste texto, o autor examina em profundidade os padres da migrao em So Tom e Prncipe, com destaque para os movimentos de emigrao nas ltimas dcadas, bem como a relao que as comunidades emigradas mantm com o pas. Um dos pontos destacados pelo autor que a emigrao relativamente recente no arquiplago, ao contrrio do que se passou noutras ex-colnias portuguesas. Tal parece ter sido conse-quncia de constrangimentos sada e, tambm, de uma imagem negativa das migra-es, uma vez que estas foram durante muito tempo associadas entrada de traba-lhadores para as roas e degredados europeus. Outro ponto examinado pelo autor a difcil vinculao da dispora ao territrio: o facto de as sadas terem sido algumas vezes encaradas como um abandono do projecto nacional, no perodo ps-independncia, tem levado a que as vozes da dispora nem sempre sejam bem acolhidas.

    Finalmente, duas pequenas notas descrevem alguns desenvolvimentos recentes das migraes internacionais em Macau e Timor-Leste. No caso de Macau, Ho Chi Un re-lembra as principais tendncias do crescimento populacional e da imigrao nas ltimas dcadas, examinando ainda os contornos especficos do estatuto dos residentes e dos trabalhadores no residentes nesta Regio Administrativa Especial da Repblica Popu-

  • Nota dos Editores 19

    lar da China. No caso de Timor-Leste, Augusto Soares e Jenice Fernandes apontam os principais desafios migratrios do novo pas, incluindo a tendncia para a emigrao laboral de timorenses na regio asitica e, em simultneo, a entrada de trabalhadores estrangeiros (sobretudo asiticos), qualificados e no qualificados, para participarem no desenvolvimento do pas.

    Ficam evidentes nestes artigos alguns elementos principais: o carter muito dinmico das migraes internacionais nos espaos de lngua portuguesa, a relativa heterogenei-dade entre eles e, tambm, a sua forte interdependncia. Os sculos de histria comum geraram diferentes configuraes dos fluxos migratrios, quer na poca colonial, quer na ps-colonial, e os sculos futuros iro conhecer novos tipos de configuraes, alguns dos quais comeam hoje a emergir. Em alguns casos, os pases lusfonos integraram-se em sistemas migratrios especficos, por vezes baseados na contiguidade geogrfica, o que lhes atribui singularidade, enquanto noutros casos alimentaram numerosos inter-cmbios recprocos, em sentidos e com contedos variados.

    Resta aos organizadores deste nmero da Revista Internacional em Lngua Portu-guesa manifestar o seu reconhecimento aos autores pelo enorme empenho e qualida-de dos textos apresentados, bem como agradecer Associao das Universidades de Lngua Portuguesa (AULP) a ocasio para esta publicao. Durante todo este processo, o apoio prestado por Teresa Botelheiro, da AULP, deve ser enaltecido. Espera-se que esta publicao contribua para um melhor conhecimento das migraes nos pases de lngua portuguesa, reforce as parcerias entre os seus investigadores e incentive o estudo conjunto das realidades migratrias que, por diferentes que sejam, podem ser melhor entendidas quando falamos a nossa lngua.

    Belo Horizonte e Lisboa, abril de 2012

    Referncias bibliogrficas

    Baganha, Maria Ioannis (2009), The Lusophone migratory system: patterns and trends, International Migration, Vol. 47, N 3, pp. 5-20.

    Kritz, Mary M. e Zlotnik, Hania (1992), Global interactions: migration systems, proces-ses, and policies, in Mary M. Kritz, Lin Lean Lim e Hania Zlotnik (eds.), International Migration Systems. A Global Approach, Oxford, Clarendon Press, pp. 1-16.

    Martin, Susan (2009), Introduction to the special issue on migration in the Lusophone world, International Migration, Vol. 47, N 3, pp. 3-4.

  • 20 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 21

    PASES AFRICANOS DELNGUA PORTUGUESA

  • 22 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 23

    Migrao, remessas e desenvolvimento em frica:o caso dos pases de lngua portuguesa 1

    Nancy Tolentino 2 Carlos Rocha 3 Corsino Tolentino 4 Joo Peixoto 5

    Resumo

    O objeto deste artigo um grupo de pases africanos unidos por uma histria parti-lhada ao longo de sculos e pertena Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa: Angola, Cabo Verde, Guin-Bissau, Moambique e So Tom e Prncipe. Na primeira seco, feita uma descrio geral das tendncias atuais da migrao internacional africana e das remessas. Na segunda, cuidamos do caso dos pases africanos de lngua portuguesa, comparando alguns indicadores de desenvolvimento, tendncias migrat-rias e remessas.

    Palavras-chave: Migraes, Remessas, PALOP, frica

    Os africanos migram sobretudo na regio e constituem apenas 9% da migrao internacional (UNDESA, 2009). Trata-se de um movimento migratrio predominante-mente intrarregional e instvel, fomentado por fatores relacionados com a posse da terra frtil, conflitos religiosos, instabilidade poltica e pobreza. tambm uma migra-o sazonal e cada vez mais feminina. Algumas destas caractersticas explicam porque os pases africanos recebem fluxos financeiros modestos em comparao com outras regies beneficirias.

    1 Uma primeira verso deste texto foi publicada pelo Observatrio das Migraes ACP (Nancy Tolentino e Joo Peixoto, Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases lusfonos, Nota de Informao, n 3, Observatrio das Migraes ACP, Agosto de 2011).

    2 SOCIUS, Instituto Superior de Economia e Gesto, Universidade Tcnica de Lisboa, Portugal. Email: [email protected].

    3 Cabo Verde Investimentos. Email: [email protected] Co-fundador da AULP em 26 de novembro de 1986, na Cidade da Praia, Cabo Verde. Email: tolentino.

    [email protected] SOCIUS, Instituto Superior de Economia e Gesto, Universidade Tcnica de Lisboa, Portugal. Email: jpei-

    [email protected].

  • 24 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    O objeto deste artigo a situao de um grupo de pases africanos unidos por uma

    histria partilhada ao longo de sculos e pertena Comunidade dos Pases de Lngua

    Portuguesa (CPLP), a qual tem a singularidade de combinar a descontinuidade geo-

    grfica com o uso comum de uma lngua e a ambio de cooperar para o crescimento

    econmico e o desenvolvimento humano. Esses pases africanos de lngua portuguesa,

    simultaneamente muito diferentes e muito prximos entre si, so Angola, Cabo Verde,

    Guin-Bissau, Moambique e So Tom e Prncipe.

    Na primeira seco, feita uma descrio geral das tendncias atuais da migrao

    internacional africana e das remessas. Na segunda, cuidamos do caso dos pases africa-

    nos de lngua portuguesa, comparando alguns indicadores de desenvolvimento e ten-

    dncias migratrias e das remessas. Observaes finais laia de concluses transitrias

    constituem a terceira seco. As concluses so transitrias porque outras caractersti-

    cas comuns ao grupo de pases aqui analisados so a insuficincia de estudos sistem-

    ticos dos movimentos migratrios e a consequente ausncia de estratgias e polticas

    eficazes. Acreditamos que o aumento de capacidade humana instalada nesses pases e

    a crescente interveno das respetivas disporas viabilizaro a passagem a um estdio

    mais avanado de investigao, dilogo e participao na anlise de situao, definio

    de polticas migratrias, acompanhamento e avaliao.

    1. Padres e evoluo da migrao africana

    frica tem uma longa tradio de migraes. No passado, os movimentos migrat-

    rios eram provocados pela busca de segurana, de terra para a agricultura e a criao

    de gado ou pela relao comercial entre a costa Oriental e a costa Ocidental atravs do

    deserto do Sara. Mais tarde, o sistema colonial introduziu novas causas e motivaes

    dos fluxos migratrios, por meio, designadamente, da alterao das fronteiras e da in-

    troduo do trabalho forado na construo das infraestruturas necessrias ao sucesso

    imperial.

    Hoje em dia, semelhana do que se passa noutras regies do mundo, os migrantes

    africanos no so um grupo facilmente identificvel pela semelhana da origem, natu-

    reza e destino. Como refere Jonsson (2009: 6):

    Enquanto os investigadores acumulam conhecimento emprico sobre as migraes na

    regio africana, o cenrio torna-se mais complexo. Este facto pode afectar a nossa percepo

    dos padres histricos que podem parecer mais simples e lineares em contraste com a actual

    complexidade. Assim, pode dar-se o caso aparentemente paradoxal de a complexidade cres-

    cente observada derivar do facto de termos mais informao do que no passado.

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 25

    1.1 Padres de migrao internacional a) Migrao intrarregional. Atualmente, os migrantes africanos deslocam-se no

    respetivo pas e, quando atravessam as fronteiras, dirigem-se tendencialmente para os pases vizinhos (Grfico 1). Antes dos conflitos violentos de 2011, as sub-regies do Ocidente, Sul e Norte de frica destacaram-se pela elevada intensidade dos movimentos de populao na direo dos plos de desenvolvimento constitudos por Costa do Marfim, Lbia, Gana e frica do Sul. Tambm, proporcionalmente populao residente, alguns Estados de pequena envergadura como os arquiplagos de Cabo Verde, Comores e Seicheles tendem a ser simultaneamente pases de emigrao e de imigrao.

    Grfico 1 Principais destinos dos emigrantes africanos subsarianos, 2005

    Fonte: Banco Mundial

    b) Instabilidade da migrao. Outros fatores a ter em conta, particularmente

    relevantes a sul do Sara, so a irregularidade dos fluxos migratrios (Grfico 2) e o seu peso na evoluo demogrfica dos respetivos pases. De acordo com um estudo conduzido pela Diviso da Populao do Departamento de Assuntos Econmicos e Sociais das Naes Unidas (UNDESA), entre 1975 e 2010, a sub-regio que mostrou maior instabilidade migratria foi a frica Central, com uma enorme variao das taxas de crescimento populacional de cinco em cinco anos durante esse perodo: 1,6 % (1975-80), -4,4 (1980-85), -0,6 (1985-90), 12 (1990-95), -12,9 (1995-2000), 2,4 (2000-2005) e 0,6 (2005-2010).

    A frica Ocidental foi a sub-regio menos voltil e com taxas de crescimento da populao positivas. Pases como a Costa do Marfim antes da ltima crise ps-eleitoral, a Gmbia e o Burkina Faso distinguiram-se por acolherem altas taxas de imigrantes relativamente s respetivas populaes residentes.

  • 26 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    Grfico 2 Evoluo da populao migrante internacional nas sub-regies africanas (1975- 2010)

    (cinco anos, %) 6

    Fonte: Banco Mundial

    Os motivos da irregularidade dos fluxos entre 1975 e 1985 so principalmente de natureza poltica (as independncias) e econmica (programas de ajustamento estrutural e consequentes custos sociais). As dcadas de instabilidade explicam-se, em grande medida, pelos conflitos violentos e os tumultos sociais com origem nas sequelas do colonialismo, baixos nveis de educao, pobreza e m governao.

    c) Conflitos. A histria demonstrou que, em geral, os conflitos no se limitam a um pas. A rplica nos pases vizinhos praticamente certa e frequentemente clere. Um caso paradigmtico a guerra civil na Libria (1989), que se estendeu Serra Leoa (1991), seguida do golpe militar e da guerra civil na Costa do Marfim (1999 e 2002), a qual agravou, por sua vez, o ambiente poltico e de segurana na Guin, Guin-Bissau e Burkina Faso.

    d) As taxas positivas da imigrao na frica Ocidental, ilustradas pelo Grfico 2, significam que se verifica mais imigrao do que emigrao, fenmeno que parece um paradoxo, tendo em conta o nmero de conflitos referidos. No entanto, este fenmeno explicado pelo facto de a populao que foge desses conflitos migrar para outros pases da mesma sub-regio, o que manteve as taxas de imigrao sub-regional elevadas. Esta situao no se verificou na frica Oriental, onde o genocdio no Ruanda (1994) e a instabilidade permanente no Corno de frica empurraram as pessoas para a sub-regio Centro (facto que explica os saldos negativos das duas ltimas dcadas). A instabilidade parcialmente explicada pelos efeitos dos conflitos no Sudo e a sua influncia direta no Chade e na Repblica Centro-Africana.

    e) As taxas negativas da imigrao na sub-regio Norte ou do Magrebe explicam-se pelo facto de os fluxos de sada ocorrerem sobretudo para a Europa e os principais focos de violncia no Sudo se manterem inalterados. Por outro lado, os tumultos sociais e as mudanas polticas em Marrocos, Arglia, Lbia e Egito ainda no afetaram

    6 Neste trabalho, umas vezes utilizamos a diviso de frica da UNDESA (2009), sendo excees a incluso do Egito e a excluso das ilhas de Reunio e Santa Helena (dependncias de Frana e do Reino Unido, respetivamente), outras vezes as cinco comunidades econmicas sub-regionais da Unio Africana.

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 27

    significativamente a direo dos fluxos. Situao diferente a da cintura do Sahel,

    a tradicional zona de choque entre cristos e muulmanos, onde as populaes

    da Mauritnia, do Mali, Nger, Chade, Sudo Sul, Etipia e Somlia viram a crise

    agravada pela ao sistemtica do terrorismo internacional.

    f) O crescimento negativo da populao de imigrantes na frica Austral, entre a

    dcada de 1980 e a primeira dcada do sculo XXI, pode ter resultado do domnio

    do apartheid at 1990, quando a Nambia conquistou a independncia. Recorde-se

    igualmente que as primeiras eleies livres na frica do Sul ocorreram em 1994,

    quatro anos depois da independncia da Nambia. De todo o modo, como mostram

    o Grfico 2 e as atuais tendncias, a frica Austral uma zona de migrao circular

    relativamente estvel.

    g) Neste princpio de milnio, observa-se um crescimento lento mas positivo da

    populao imigrante na maioria das sub-regies e pases, fenmeno que reflete a

    crescente atratividade da regio africana como provvel consequncia dos lentos

    progressos da paz social que alguns governos promoveram, de algum crescimento

    econmico contra as previses mais pessimistas e da decrescente instabilidade pol-

    tica baseada nos pequenos ganhos da democracia.

    1.2 Olhando mais de perto alguns nmeros e tendncias em 2005.Cerca de 63 % do fluxo migratrio (Grfico 1) circulava no espao regional. Isto

    significa que frica o maior destino dos seus prprios migrantes. Todavia, parece

    pertinente perguntar o que este fenmeno significa:

    - Dificuldades de entrada na Europa, EUA, Canad e outros pases desenvolvidos?

    - Crescente atratividade da vizinhana territorial?

    - Efeitos de polticas de integrao regional promovidas pelas Comunidades Econ-

    micas?

    A anlise corrobora todas as hipteses, mas a pergunta sobre a importncia relativa

    de cada uma continua sem resposta. Vejamos:

    a) Dificuldades de entrada na Europa, EUA, Canad e outros pases desenvolvidos.

    sabido que as polticas de imigrao restritivas contrariam as promessas da globaliza-

    o e livre circulao de capitais, mercadorias e pessoas. Apesar do envelhecimento

    da mo de obra no velho continente e dos consequentes riscos de rutura dos sistemas

    de segurana social, a Europa tem tentado fechar as suas fronteiras aos imigrantes.

    O tratamento diferenciado que os pases desenvolvidos e as suas principais organi-zaes intergovernamentais promovem em relao ao capital, s mercadorias e

  • 28 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    mo de obra fazem desconfiar do altrusmo que todos apresentam como motor das relaes internacionais, da liberdade e da democracia. Na verdade, temos por um lado as polticas restritivas da migrao ao lado da grande abertura em relao s trocas comerciais (OMC) e circulao dos capitais (FMI). E pergunta-se: por que que dos tradicionais fatores de produo (matrias-primas, capital e trabalho), s o ltimo objeto de restries cada vez mais drsticas e generalizadas?

    Alguns dos pases desenvolvidos optaram por polticas seletivas de imigrao, atrain-do as pessoas com mais formao e mais capazes de acrescentar valor de modo eficiente em sectores especficos da economia, tais como as tecnologias, a sade e a inovao. medida que as economias avanam na escala tecnolgica (substituio de indstrias por servios) verifica-se a substituio da imigrao de massa por imi-grao seletiva baseada no conhecimento, o que favorece a fuga de talentos e do capital investido na sua formao. A Alemanha e o Canad so exemplos de naes que optaram pela imigrao seletiva.

    b) A crescente atratividade da vizinhana territorial outro aspeto fundamental em frica. A histria mostra que desde o passado longnquo os africanos migraram para as zonas vizinhas, embora as razes tenham sido diferentes, consoante a regio e a poca, indo do comrcio (travessia do Sara por mercadores), aos motivos religiosos e polticos, procura do trabalho na Costa de Marfim, Burkina Faso, Mali, Marro-cos, Arglia e frica do Sul. As catstrofes naturais, a m governao e os conflitos violentos tambm contam como determinantes de fluxos migratrios (Dumont et al., 2010).

    c) Efeitos de polticas de integrao regional promovidas pelas Comunidades Eco-nmicas. Apesar da integrao regional preconizar primeiramente a circulao de mercadorias, a experincia mostra que ela potencia as migraes, quanto mais no seja atravs da reduo ou eliminao dos excessos de procedimentos burocrticos para a obteno de vistos de entrada e autorizao de estabelecimento. Segundo Adepoju (2001), a integrao regional proporciona o aumento dos movimentos mi-gratrios em frica.

    1.3 Diferenas sub-regionaisOs padres de migrao so diferentes entre uma sub-regio e outra. Inscreve-

    mos aqui algumas diferenas, eventualmente relevantes para indagaes futuras.

    a) A Comunidade Econmica dos Estados da frica Ocidental (CEDEAO) tem sido caracterizada por migraes, trnsito e deslocamento de populaes, com diversas causas. Dados da ACP (2010) mostram que se esperava que em 2010 a sub-regio acolhesse cerca de 8,4 milhes de migrantes, ou seja, um aumento de 1,2 milhes relativamente dcada anterior.

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 29

    A regio da Nigria e do Nger (Hausa Land), assim como do Gana e da Costa de Marfim, foi um dos maiores centros de migraes (Akinrinade, 2005). As popula-es Fulani eram pastores nmadas que se deslocaram do Sul para o Norte do Gana em consequncia da degradao das terras agrcolas.

    Em 2005 cerca de 90 % dos migrantes no Nger, 80 % no Senegal e 75 % no Mali eram originrios de outros pases da sub-regio. Da mesma forma, no Gana e no Nger, as migraes internas atingiram cerca de 20 % entre 1990 e 2005. (ACP, 2010).

    b) J na frica Austral os padres de migrao eram diferentes e relacionados com a oferta de trabalho nas minas e plantaes da frica do Sul, Nambia, Tanznia e Mau-rcias (Akinrinade, 2005). As migraes na frica Austral so, como j referimos, do tipo circular, caracterizadas por ir trabalhar num pas determinado durante uns anos, ganhar dinheiro, poupar e regressar terra de origem (De Vletter, 2000).

    Outra caracterstica esses migrantes mostrarem ligaes fortes com o pas de origem. Mas tal como no Ocidente, a migrao do trabalho de suma importncia. A economia da frica Austral se transformou num plo atrativo de imigrantes sub--regionais altamente qualificados.

    c) Na dcada de 90, como consequncia direta do fim dos conflitos tnicos ar-mados, a sub-regio Leste evoluiu de zona de emigrao para zona de imigrao. Recorde-se que, de 1960 a 1980, os principais pases de emigrao tinham sido Ruanda, Burundi, Moambique, Zmbia e Tanznia para as plantaes de caf, ch e sisal no Qunia e Uganda (Spann e Moppes, 2006).

    1.4 As remessas financeiras a) As remessas so a ligao mais forte entre a migrao e o desenvolvimento,

    distinguindo-se dos outros fluxos de financiamento externo pela estabilidade, pre-visibilidade e benefcio direto das famlias. Melde e Schicklinski (2011) sintetizaram recentemente os principais desafios relacionados com os conceitos, as principais tendncias, os impactos sobre a reduo da pobreza e o desenvolvimento, assim como a recolha de informao, particularmente relevantes em frica, tendo em conta o peso dos canais informais utilizados pelos migrantes.

    b) A importncia das remessas informais. Para alguns pases em desenvolvimento, as remessas constituem o fluxo de financiamento externo de maior dimenso, esta-bilidade e previsibilidade. Como pode ver-se no Grfico 3, as remessas representam 9 a 35 % do PIB em nove pases ACP, incluindo quatro africanos: Lesoto, Togo, Cabo Verde e Senegal. O facto de a frica ao sul do Sara poder ser a rea com o maior fluxo de entrada de remessas no registado tambm deve ser considerado. Segundo algumas estimativas, o fluxo informal chega a ser, em certos pases, superior a 50 % do fluxo registado.

  • 30 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    Grfico 3 Os 25 maiores recetores mundiais de remessas, em percentagem do PIB, 2008

    Fonte: Banco Mundial, 2010. Os pases africanos foram sinalizados pelos autores.

    c) Servios financeiros. Os principais problemas a este respeito so a falta de acesso a servios financeiros, os elevados custos de transferncia e o ambiente institucional deficiente em termos de regulamentao, concorrncia e inovao.

    d) Utilizao e distribuio. Ao nvel macroeconmico, as remessas so uma impor-tante fonte de moeda estrangeira, poupana, financiamento e reduo de desequi-lbrios da balana de pagamentos. Ao nvel domstico, as remessas so sobretudo utilizadas nas despesas quotidianas com alimentos, educao e sade.

    1.5 DisporasA primeira seco, que trata das tendncias das migraes e das remessas finan-

    ceiras africanas, pode ser fechada com um resumo do potencial das disporas afri-canas nos pases desenvolvidos. Fazemo-lo com a ajuda de Semhar Araia, diretora executiva de DAWN, Diaspora African Womens Network (AllAfrica Global Media, allAfrica.com, 2012).

    Na verdade, mau grado a crise mundial desencadeada em 2008, pode ser admitido que o avano acelerado das tecnologias de informao, das redes sociais e da inter-ao transnacional, que caracterizou as duas ltimas dcadas, intensifica a relao entre a migrao e o desenvolvimento no mdio e longo prazo. Em seguida, espe-cificamos alguns argumentos que, alm das remessas financeiras, do turismo e da questo da fuga ou circulao dos talentos, apoiam esta afirmao:

    a) Empresariado e desenvolvimento. As disporas tendem a promover o desenvolvi-mento nos respetivos pases de origem, atravs das remessas sociais (conhecimento, valores e atitude), do apoio educao, inovao, interao e negcios;

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 31

    b) Ajuda humanitria. O altrusmo que caracteriza a relao entre o emigrante e a terra natal revela-se mais intensa nos momentos crticos. A anlise de casos de desastre na-tural e humano (secas, conflitos tnicos e violncia poltica) mostra uma relao positiva entre a necessidade no pas de origem e a intensidade de resposta dos emigrantes;

    c) Pontes entre frica e outras regies. So vrios os casos de comunidades africanas que impulsionaram as relaes entre os respetivos pases de acolhimento e de origem. A elevao do nvel da educao e o crescimento das redes de imigrantes tendem a transcender as fronteiras dos pases de origem e destino, colocando a sua ao no plano inter-regional;

    d) Redefinio da narrativa africana. As mltiplas organizaes e atividades de origin-rios de frica redescobrem as razes e do novas formas sua Histria, conciliando as crenas especficas com os valores universais;

    e) Relaes internacionais. Os imigrantes contam cada vez mais na redefinio das relaes internacionais, no sentido de mais verdade, eficcia e justia;

    f) Remessas financeiras, turismo nacional e circulao de talentos africanos. O trata-mento destes temas cada vez mais articulado com os itens anteriores em perspetivas holsticas, participadas e de longo prazo.

    2. Migraes dos pases africanos de lngua portuguesa

    2.1 Angola, Cabo Verde, Guin-Bissau, Moambique e So Tom e Prncipe. Estes pases partilham a histria comum de colnias portuguesas e de resistncia

    durante sculos. A relao colonial terminou apenas em meados da dcada de 70 do sculo XX, aps a transio de Portugal para a democracia em 1974 e as independncias nacionais entre 1973 e 1975. Estes pases formam o ncleo PALOP (Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa), que inspirou a Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP) e tende a diluir-se nela. A CPLP uma organizao intergovernamental formada em 1996 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guin-Bissau, Moambique, Portugal, So Tom e Prncipe e Timor-Leste, este ltimo desde 2002.

    2.2 Geografia, estatuto poltico-social e desenvolvimento.Apesar das semelhanas resultantes do percurso histrico, os pases africanos

    de lngua portuguesa constituem um grupo heterogneo. Esto distribudos por frica Ocidental (Cabo Verde e Guin-Bissau), frica Central (Angola e So Tom e Prncipe) e frica Oriental (Moambique). Incluem dois arquiplagos de pequena envergadura (Cabo Verde e So Tom e Prncipe), um pas de dimenses mdias (Guin-Bissau) e dois pases de grandes dimenses (Angola e Moambique). Esto afiliados em cinco blocos sub-regionais: Comunidade de Desenvolvimento da frica Austral (SADC), Comunidade Econmica dos Estados da frica Ocidental (CEDEAO), Comunidade dos Estados do Sahel e do Sara (CEN-SAD) e Comunidade Econmica

  • 32 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    dos Estados da frica Central (CEEAC). A dimenso populacional, o PIB per capita, o ndice de desenvolvimento humano e o ambiente poltico-social so muito diferentes (Tabela 1). Porm, alm da Histria, da lngua portuguesa e dos laos afetivos e de cooperao, os membros da CPLP tm os oceanos a uni-los.

    Tabela 1 Pases africanos de lngua portuguesa

    rea

    (km2)

    Populao

    (2011)

    PIB per capita

    (USD)

    ndice de de-senvolvimento humano (Ordem 2011)

    Ambiente

    poltico-social

    Angola 1 247 000 13 000 000 4.874 148 Praticamente estvel

    Cabo Verde 4000 492 000 3.402 133 Estvel

    Guin-Bissau 36 000 1 500 000 994 176 Instvel

    Moambique 802 000 23 000 000 898 184 Praticamente estvel

    So Tom e Prncipe 960 207 000 1.792 144 Praticamente estvel

    Fonte: Banco Mundial e PNUD 2011

    2.3 Padres de migrao internacional Os padres de migrao internacional nos pases africanos de lngua portuguesa

    so diferentes em dimenso, origem, destino e proporo de migrantes qualificados (Tabela 2). Apesar da credibilidade limitada das fontes, apontam-se como principais caractersticas dos movimentos migratrios nesse grupo descontnuo de pases:

    Angola. Com exceo do perodo ps-independncia, Angola caracterizada por uma emigrao reduzida, estando a transformar-se paulatinamente numa regio atrativa, recebendo imigrantes africanos e de outras regies. O fim da guerra e a pujana da economia angolana confirmam a tendncia.

    Cabo Verde. Tem uma longa tradio de emigrao e uma dispora considervel, sobretudo na Europa e nos EUA, mas tambm em todos os pases membros do gru-po e em vrios outros do Sul. Recentemente registou fluxos de imigrao crescentes da frica Ocidental. Mantm o estatuto de pas de forte emigrao e transforma-se em pas de imigrao.

    Guin-Bissau. Desde a dcada de 80 do sculo XX, apresenta um aumento conside-rvel de emigrao, uma consequncia directa da instabilidade poltica. As migra-es internas e internacionais so negativamente influenciadas pela instabilidade poltica e o fraco ndice de desenvolvimento humano.

    Moambique. Com um nvel reduzido de emigrao tpica da frica Austral, circu-lando em torno da frica do Sul, tende a estabilizar.

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 33

    So Tom e Prncipe. Os fluxos migratrios so muito irregulares e relativamente elevados.

    Tabela 2 Pases africanos de lngua portuguesa: diferenas nos padres de migrao

    Stock de emigrantes

    (% da populao, 2005)

    3 destinos

    principais

    Emigrao

    qualificada

    (% ensino supe-rior, 2000)

    Stock de imigrantes

    (% da populao, 2005)

    3 origens

    principais

    Saldo migratrio internacional (%, 2005-2010)

    Angola 3,3Portugal, Zmbia,

    Nambia25,6 0,4 -- 0,1

    Cabo Verde 35,8Portugal, Estados Unidos da Amrica, Frana

    69,1 2,2So Tom e Prncipe, Angola, Portugal

    -0,5

    Guin-Bissau 7,3Senegal, Portugal, Gmbia

    29,4 1,2Senegal, Guin,

    Gmbia-0,2

    Moambique 4,1frica do Sul,

    Tanznia, Malawi42,0 2,1

    frica do Sul,

    Portugal, Zimbabwe0,0

    So Tom e Prncipe

    13,6Portugal, Cabo Verde,

    Frana35,6 4,8

    Angola, Cabo Verde, Portugal

    -0,9

    Fonte: Banco Mundial e PNUD 2009

    Tal como se verifica no contexto africano, os fluxos de emigrantes foram instveis e fre-quentemente relacionados com conflitos violentos. Isto aconteceu com particular in-tensidade em Angola, Guin-Bissau, e Moambique. Alguns fluxos de refugiados e de emigrantes dirigiram-se a pases vizinhos, em conformidade com as tendncias migra-trias intrarregionais africanas, ao passo que outros foram para a Europa. Nas ltimas dcadas, as migraes foradas tiveram motivaes, estratgias e destinos variveis.

    2.4 Sistema migratrio de lngua portuguesa Apesar das respetivas especificidades, pode considerar-se que os pases africanos de

    lngua portuguesa fazem parte de um sistema migratrio internacional comum, o siste-ma migratrio lusfono (Baganha, 2009) ou sistema migratrio de lngua portuguesa. De um modo geral, vrios elementos da abordagem dos sistemas migratrios (Kritz et al., 1992), aplicados a cenrios coloniais e ps-coloniais, contribuem para a compreen-so da migrao nestes pases. Os principais fatores incluem um conjunto de relaes mtuas (polticas, administrativas, comerciais e culturais) que facilitam e permitem a migrao. A principal direo geogrfica dos fluxos migratrios pode variar com o tem-po, o que representa uma perspetiva dinmica dos fluxos migratrios internacionais.

    O sistema migratrio lusfono foi inicialmente concebido para a melhor compreenso do caso portugus, uma vez que muitas das suas ligaes migratrias, tanto de sada como de entrada, envolveram outros pases de lngua portuguesa. Segundo Baganha (2009), o sistema foi primeiro composto por Portugal e Brasil e posteriormente alarga-do aos pases africanos de lngua portuguesa, sobretudo aps as independncias con-quistadas em meados da dcada de 70 do sculo XX. Pode considerar-se que o sistema adquiriu maior complexidade com o tempo, explicando atualmente os movimentos de e para Portugal, mas tambm vrios fluxos que envolvem os restantes pases.

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    Neste trabalho, preferimos a expresso pases africanos de lngua portuguesa e sistema migratrio de lngua portuguesa e abstemo-nos de adotar os termos pases africanos lusfonos e sistema migratrio lusfono. Os nossos principais argumentos so: (a) esses pases tm o patrimnio da lngua portuguesa comum, mas fora do ambiente lusfono, o qual tipicamente portugus; (b) a CPLP um grupo de pases iguais que decidiram cooperar e valorizar a diversidade; (c) na anli-se histrica dos fluxos migratrios seria difcil escolher entre Angola, Brasil e Portugal como eventual centro do atual sistema migratrio; (d) num sistema multipolar, assim como neste trabalho, a expresso pases africanos de lngua portuguesa mais am-pla do que o termo pases africanos lusfonos.

    Na verdade, os maiores fluxos do passado entre Portugal e Brasil so explicados por uma intensa relao colonial entre os dois pases. No contexto africano, os primeiros movimentos significativos levaram numerosos colonos portugueses aos territrios ultramarinos a partir da segunda metade do sc. XX, a que se seguiu uma corrente sustentada de Cabo Verde para Portugal, iniciada no final da dcada de 60. Os fluxos migratrios em massa para Portugal aconteceram com a descolonizao em meados da dcada de 70, primeiro como movimento politicamente induzido (com o auge na altura dos retornados, provenientes principalmente de Angola e Moambi-que) e depois sobretudo como migrao econmica, com os motivos polticos e os conflitos a desempenharem papel relevante.

    Ao longo do tempo, apesar de os fluxos dos PALOP para Portugal nunca terem cessado, diminuem gradualmente. Hoje em dia, como consequncia dos fluxos do passado, Portugal um dos trs principais destinos de todos os pases africanos de lngua portuguesa, exceto Moambique, e uma das trs principais origens, excepto para a Guin-Bissau (Tabela 2). Para alm disso, Angola, Cabo Verde e So Tom e Prncipe mantm estreitas relaes migratrias entre si, na sequncia das ligaes iniciadas durante o perodo colonial (Tabela 2).

    Porm, esta espcie de estrutura comum no impede a integrao noutros sistemas migratrios. Isto ocorre com Portugal (Baganha, 2009) e com outros pases de lngua portuguesa, que enviam e recebem migrantes para e de outras partes do mundo. Em alguns casos, como Moambique, as ligaes com outros sistemas migratrios (frica do Sul) explicam a maioria dos fluxos.

    As perspetivas para o sc. XXI afastam-se bastante do passado. A par da reduo dos fluxos para Portugal, um exemplo de mudana substancial o caso de Angola. A re-cente prosperidade econmica deste pas alterou o seu estatuto. A corrente migratria com Portugal foi invertida: enquanto os fluxos de Angola para Portugal desvaneceram gradualmente, o nmero de portugueses que foram viver em Angola disparou na lti-ma dcada, alterando substancialmente a relao entre os dois pases.7 Angola est a atrair cada vez mais migrantes de outros pases africanos e de outras partes do mundo.

    7 Consultar o Observatrio da Emigrao (http://www.observatorioemigracao.secomunidades.pt/np4/home.html).

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 35

    2.5 Anlise de fluxos de entrada e sada de remessas: caractersticas dos emigrantes e pases de destino.

    Como consequncia de diferentes padres de migrao, as remessas variam, tendo em conta o respetivo volume, impacto e pases envolvidos (Tabela 3 e Grficos 4 a 7). Por causa das insuficincias da informao, especialmente relevantes quando se estudam as remessas no contexto africano (Melde e Schicklinski, 2011), os valores disponveis so meramente indicativos.

    a) Fluxos de entrada: verifica-se que os fluxos per capita (Tabela 3) so maiores em Cabo Verde (Costa Ocidental), quer devido ao nmero reduzido da populao residente, quer devido elevada taxa de emigrantes, maioritariamente, nos pases desenvolvidos (emigrao tipicamente sul/norte). Nos prximos pargrafos iremos tentar identificar possveis pistas para essa diferena regional nos fluxos per capita de remessas, que po-dero estar i) no grau de qualificao do emigrante ou ii) no pas destino do emigrante.

    b) O Banco Mundial aponta Cabo Verde como um dos pases com mais alta taxa de emigrantes qualificados, cerca de 67,5 % (ver Ozden e Schiff, 2006).8 Esse dado importante por permitir colocar a hiptese do contributo da emigrao nos fluxos financeiros e, de certa forma, minimizar o efeito da fuga de crebros. Dumont et al. (2010) identificam a frica do Sul e a Tanznia como os maiores destinos dos moambicanos. Na frica do Sul a percentagem de moambicanos qualificados de 0,4 %, contra 10 % para os zimbabueanos. Na Tanznia existem 0,2 % de mo-ambicanos qualificados, contra 2,6 % de quenianos. Para Cabo Verde, a taxa de emigrao qualificada, computada pelos autores com base em dados da OCDE e do INE de Cabo Verde, se cifra atualmente em 20 %, significativamente abaixo, por exemplo, da taxa de indianos no Reino Unido (33 %, segundo a OCDE). Barbados, Guiana, Maurcias, Tonga e Belize apresentam percentagens superiores a 50.A informao para Cabo Verde (2009) foi obtida atravs da frmula seguinte, na qual M a percentagem de emigrantes qualificados:

    Os nacionais qualificados foram obtidos do Censo realizado pelo Instituto Nacional de Estatstica (INE, 2011). A taxa de emigrao de Cabo Verde apresentada pela OCDE de 26 %, enquanto ns partimos do estudo de Francisco Carvalho (2009) para che-garmos ao resultado de 20 %.Moambique (frica Austral) apresenta o fluxo total de entrada per capita mais baixo do grupo. Em 2000, a frica do Sul era o maior destino dos emigrantes moambica-

    8 As taxas de emigrao so mais elevadas para pases menos populosos e insulares (ver tambm Dumont et al., 2010).

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    nos, seguida da Tanznia, com 254 e 38 mil entradas, respetivamente. A taxa de educao superior baixa: 0,4 % para a frica do Sul e 0,2 % para a Tanznia. A hiptese mais provvel o nvel de remessas per capita se relacionar diretamente com a escolaridade dos emigrantes, que ocuparo os postos de trabalho menos qualificados e mal remunerados.

    Tenha-se no entanto em conta que nem sempre as elevadas qualificaes so re-conhecidas nos pases de destino. Outra particularidade a registar a juventude de novas vagas de emigrantes africanos, pessoas mais educadas que agravam as consequncias da fuga de crebros (Dumont et al., 2010) e da migrao seletiva.

    Outra diferena: os emigrantes de Cabo Verde esto, maioritariamente, nos pases da OCDE e os de Moambique em pases no OCDE: frica do Sul e Tanznia. Note-se que a taxa de emigrantes qualificados da CEDEAO para os pases da OCDE de cerca de 14,8 %, enquanto a taxa dos no qualificados de 1 % (ACP, 2010).

    c) Fluxos de sada: do lado dos fluxos de sada de remessas, a anlise mais simples. Destaca-se claramente o caso dos trabalhadores estrangeiros qualificados nas inds-trias extrativas de Angola (hidrocarbonetos e minrios). Nenhum outro PALOP pode proporcionar rendimentos semelhantes aos imigrantes. So pouco atrativos.

    Tabela 3 Pases africanos de lngua portuguesa: remessas

    Fluxos de entrada, 2007 Fluxos de sada, 2007

    Milhes de USD

    Per capita, USD

    Principal origem (%)

    Milhes de USD

    Por migrante, USD

    Angola -- -- -- 603 10,695

    Cabo Verde 139 262 Europa (62) 6 537

    Guin-Bissau 29 17 Europa (80,5) 5 280

    Moambique 99 5 Europa (34) 45 111

    So Tom ePrncipe 2 13 Europa (90,5) 1 92

    Fonte: Banco Mundial e PNUD 2009

    Quer sejam medidos por volume total ou per capita, os fluxos de entrada, sada e os saldos lquidos de remessas so diferentes. Considerando o volume total (Grficos 4 a 6), os fluxos lquidos so positivos e, de modo geral, esto a aumentar em todos os pases, exceto Angola, onde os fluxos esto a mostrar-se cada vez mais negativos.9 Apesar de a maior parte dos pases se destacar como recetores de remessas, sendo Cabo Verde o caso mais paradigmtico, o papel de Angola como pas de envio de remessas est a afirmar-se.

    9 Tendo em conta a falta de dados do Banco Mundial (2010) relativamente aos fluxos de entrada de remessas para Angola, apenas disponveis para 1996 e 2008 (Grfico 4), as estimativas de fluxos de remessas lquidos neste pas so calculadas para os dois anos referidos (Grficos 6 e 8). de referir que as estimativas dos fluxos de entrada de remessas em Angola so problemticas, uma vez que os valores indicados pelo Banco Mundial so muito inferiores aos indicados pelo Fundo Internacional de Desenvol-vimento Agrcola (Alvarez Tinajero, 2010: 78): o Banco Mundial indica um valor de 82 milhes de USD, representando 0,1 % do PIB, em 2008, ao passo que o FIDA indica um valor geral de 969 milhes de USD, representando 2 % do PIB em 2007.

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 37

    Grfico 4 Fluxos de entrada de remessas (milhes de USD), 1975-200

    Fonte: Banco Mundial, 2010

    Grfico 5 Fluxos de sada de remessas (milhes de USD), 1975-2008

    Fonte: Banco Mundial, 2010

    Grfico 6 Fluxos lquidos de remessas (milhes de USD), 1975-2008

    Fonte: Banco Mundial, 2010

  • 38 RILP Revista Internacional em Lngua Portuguesa - n. 24 - 2011

    No que diz respeito principal origem das remessas (Tabela 3), a Europa a mais relevante, representando 62 % dos fluxos em Cabo Verde, 80 % na Guin-Bissau, 34 % em Moambique e 90 % em So Tom e Prncipe (Banco Mundial e PNUD 2009). A origem das remessas para Angola no est disponvel. No geral, Portugal destaca-se como o principal pas europeu de origem dos fluxos financeiros para os PALOP. Contudo, os imigrantes africanos esto longe de ser quem mais envia remessas a partir de Portugal. Esta posio pertence ao Brasil, que conta com mais de metade das remessas enviadas daquele pas. A menor representatividade das remessas dos africanos, comparada com a sua proporo na populao imigrante total (existem mais africanos do que brasileiros em Portugal), sugere uma propenso menor para o envio de remessas ou, mais provavelmente, uma utilizao limitada dos canais formais, tendo em conta a escassez e os custos associados (Tolentino et al., 2008; Alvarez Tinajero, 2010). Do grupo de pases em estudo, Moambique o mais envolvido na migrao Sul-Sul, vindo grande parte das remessas da frica do Sul.

    d) Importncia macroeconmica das remessas: em proporo do PIB, as remessas representam mais de 9 % em Cabo Verde e apenas 0,1 % em Angola (Grfico 7). Outro aspeto a considerar no que diz respeito aos diferentes montantes das re-messas a taxa de cmbio relao entre o USD e cada moeda nacional (cuanza, escudo cabo-verdiano, franco CFA, metical e dobra). Os clculos so mais ou menos complicados em funo da estabilidade ou instabilidade da relao cambial.

    Grfico 7 Remessas em proporo do PIB, 2008 (%)

    Fonte: Banco Mundial, 2010

    e) A situao de Angola merece ateno especial, uma vez que o pas est a tornar-se num importante destino ao lado da frica do Sul. Este novo estatuto migratrio reflete-se na evoluo dos fluxos de sada e nos fluxos lquidos de remessas em am-bos os pases (Grfico 8).

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 39

    Grfico 8 Fluxos de sada e fluxos lquidos de remessas (milhes de USD), 1975-2008 Angola

    e frica do Sul

    Fonte: Banco Mundial, 2010

    O dinmico caso de Angola merece, assim, investigao, nomeadamente sobre o impacto das recentes mudanas econmicas, sociais e polticas, com destaque para a possvel relao entre a elevada taxa de crescimento econmico, a migrao e as remessas. Os fluxos de entrada de remessas foram recentemente estudados por Alvarez Tinajero (2010), mas no se sabe muito dos fluxos de sada (quem envia dinheiro, para onde, para quem e porqu). Trabalhos anteriores colocaram a hip-tese de o volume substancial de remessas para o exterior poder resultar, em parte, dos lucros elevados da indstria da explorao mineira (Melde e Schicklinski, 2011). Outra parte dos fluxos de sada pode ter origem na recente migrao para Angola de trabalhadores e quadros qualificados, principalmente de pases europeus. A in-formao disponvel no Observatrio da Emigrao de Portugal10 diz que, em 2009, a quantia em dinheiro enviada pelos imigrantes angolanos em Portugal era 8,4 vezes inferior quantia enviada pelos portugueses em Angola (103,5 milhes versus 12,3 milhes de Euros.

    f) Remessas e desenvolvimento: para concluir, a investigao relativa ao impacto das remessas sobre o desenvolvimento dos pases africanos de lngua portuguesa ainda escassa. Alguns dos estudos disponveis so sobre Cabo Verde (Tolentino et al., 2008), Guin-Bissau (C, 2004; Carreiro, 2007; Quintino, 2010) e Angola (Alvarez Tinajero, 2010). No caso de Cabo Verde e Angola, as principais concluses coincidem com as de outros pases africanos: as remessas so uma das ligaes transnacionais mais importantes entre as disporas e o pas de origem, ocorrendo sobretudo no mbito familiar; constituem um importante suporte financeiro para as famlias, sendo utilizadas sobretudo nas despesas quotidianas, educao e sade; a sua utilizao na estrutura produtiva continua limitada; e o recurso aos canais infor-mais considervel, ocorrendo segundo certos estudiosos com mais de metade dos

    10 http://www.observatorioemigracao.secomunidades.pt/np4/home.html

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    valores transferidos atravs dos canais oficiais. O caso da Guin-Bissau destaca-se pelo papel mais importante dos agentes coletivos, uma vez que uma frao signifi-cativa das remessas canalizada por associaes de imigrantes (hometown associa-tions), geralmente ligadas a grupos tnicos especficos e com impacto positivo no desenvolvimento local.

    De um modo geral, o debate relativo ao impacto mtuo entre a migrao e o de-senvolvimento recente na maior parte destes pases (Forum Gulbenkian Imigrao, 2007). A situao em Cabo Verde parece ser a melhor documentada, uma vez que existe uma longa tradio de prticas transnacionais e polticas relacionadas com a migrao (Gis, 2008). Todavia, existe pouco aproveitamento de um nmero consi-dervel de estudos realizados por especialistas nacionais e estrangeiros sobre a pro-blemtica das migraes. Espera-se que o aumento da capacidade tcnica e cvica dos emigrantes, associada aos movimentos dos imigrantes, contribua eficazmente para maior dilogo entre os investigadores e os atores polticos, econmicos e so-ciais, em benefcio de polticas de mdio e longo prazo mais coerentes e mais justas.

    3. Concluses transitrias

    3.1 frica vive entre a tradio da liberdade e a necessidade de regulamentar os movimentos de pessoas, bens e capitais, tanto para fora, porque as polticas restritivas de imigrao nos pases de acolhimento a tal obrigam, como no interior da regio, uma vez que os governos nacionais e as autoridades sub-regionais mostram conscincia coletiva dessa importncia e possuir instrumentos polticos, jurdicos e tcnicos de ao.

    A heterogeneidade prevalece. O estatuto migratrio dos pases, a motivao e os fluxos de remessas so variveis e certo que estas tiveram um impacto no desen-volvimento da regio aparentemente mais limitado do que o esperado. Este argu-mento apoiado pelo volume relativamente modesto das transferncias efetuadas por canais oficiais e a escassa aplicao na produo de bens e servios. Contudo, a perceo que temos melhora quando tomamos nota da importncia dos fluxos informais, que se estimam muito significativos, e dos efeitos microeconmicos das remessas, que chegam a ser decisivas para o bem-estar de muitas famlias, em par-ticular atravs da sade e da educao.

    Entendemos que frica, em geral, e os pases de lngua portuguesa, em particular, precisam de centrar o debate sobre as migraes nos seguintes aspetos: -como melhorar e harmonizar os sistemas de informao?-quais so a situao e o papel das disporas em frica? -como integrar a migrao nas estratgias e polticas de mdio e longo prazo, nos Objectivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) e nos Documentos de Estratgia de Reduo da Pobreza (DECRP)?

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 41

    -como coordenar as polticas de migrao no mbito dos PALOP, da CPLP e da Regio?-como intensificar o dilogo entre os atores polticos e os investigadores sobre as migraes em frica?

    3.2 Marcas da migrao nos pases africanos de lngua portuguesaNos pases africanos de lngua portuguesa existem vrias diferenas nas ten-

    dncias da migrao internacional e das remessas, apesar das semelhanas com o contexto geral africano e a integrao comum no sistema de migrao de lngua portuguesa. Apesar das limitaes desta caracterizao sumria, tentamos identifi-car marcas da migrao nos cinco pases em anlise:

    Angola tem uma emigrao tradicionalmente circular e transforma-se num dos mais importantes plos de imigrao da regio.

    Cabo Verde tem uma longa tradio de emigrao e j possui um nmero significa-tivo de estudos realizados por nacionais e estrangeiros sobre o seu caso. Na ltima dcada, manteve o estatuto de pas de emigrao e evoluiu para pas tambm de imigrao.

    Guin-Bissau tem uma emigrao cada vez mais importante para os pases vizinhos, Frana e Portugal. Os fluxos so muito influenciados pela instabilidade poltica e fraco desempenho econmico e social.

    Moambique est inserido nos fluxos de migrao intrarregionais africanos, com carter acentuadamente circular.

    Em So Tom e Prncipe, apesar de arquipelgico, os emigrantes preferem os desti-nos de Angola, Gabo e Guin Equatorial, alm de Portugal.

    3.3 Interrogaes em ambiente de crise globalParece oportuno suscitar algumas questes sobre o futuro prximo das migra-

    es, como parte irrecusvel das polticas e estratgias de crescimento econmico e desenvolvimento humano nesta dcada.

    Qual poder ser a evoluo das remessas e do seu papel nas balanas de pagamento dos pases fortemente dependentes da emigrao para a OCDE, num contexto de crise agravada na Unio Europeia e nos EUA?

    Num tal cenrio, uma previso quase certa a reduo da Ajuda Pblica. Esta possibilidade arrasta consigo o desafio de encontrar espaos alternativos mais din-micos como a prpria frica e os atores emergentes na arena internacional, como o Brasil, a China e a ndia, com crescente peso econmico e poltico. Neste quadro, ser bom lembrar que, em geral, os emigrantes atuam aos nveis micro da famlia e

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    da empresa, enquanto as grandes alteraes se esto a verificar ao nvel macro da diplomacia econmica, poltica, movimentos de populao e segurana. Queremos dizer que as novas ancoragens tero de integrar a anlise das migraes numa viso holstica integradora dos fluxos de todos os fatores de produo.

    Qual ser o papel de frica? Transforma-se numa das regies economicamente mais pujantes e politicamente mais poderosas ou continuar a automutilar-se e a ver passar o poder para Leste? Na procura de resposta a estas perguntas teremos de ter em conta trs factos: (a) apesar da instabilidade poltica e da deficiente governao, frica atualmente a regio que tem a mais alta taxa de crescimento econmico, depois da China e da ndia; (b) a China foi quem mais investiu em frica na primeira dcada deste milnio, tendo ultrapassado o Banco Mundial, a Unio Europeia e os EUA; (c) frica sobretudo um fornecedor de matrias-primas e um mercado con-sumidor.

    Se frica ganhar a batalha da democratizao, poder continuar a crescer econo-micamente e a investir na indstria transformadora e nos servios para acrescentar valor s matrias-primas e criar as condies institucionais mais favorveis classe mdia emergente. Estas mudanas podero colocar a regio num dos centros de poder de um mundo multipolar, mais justo e mais seguro.

    Nessas circunstncias, depois da vaga de deslocalizao de empresas para a Chi-na, a tendncia parece reverter a favor de frica. Milhares de empresas da prpria China, acompanhadas de trabalhadores e de capital, deslocalizam-se para frica, onde os custos da mo-de-obra e a existncia de matrias-primas, designadamente fontes energticas, parecem favorveis. Neste quadro, os fluxos migratrios seriam afetados de duas maneiras: diminuio das sadas, como resultado dos efeitos con-jugados do aumento da oferta de emprego na regio e das polticas restritivas da Europa; e mesmo o regresso de parte significativa de trabalhadores africanos jovens, em situao de precariedade nos pases membros da OCDE.

    A recomposio econmica e poltica do mundo, com as economias ditas emergen-tes a terem um papel cada vez mais importante, permite preconizar alteraes signi-ficativas nos atuais padres migratrios. As universidades, os centros de estudos, os atores polticos, econmicos e sociais, assim como as organizaes da sociedade civil devero tratar com crescente profissionalismo e comprometimento cvico a questo das migraes. Ficaremos felizes se este escrito contribuir para a tomada de consci-ncia da importncia poltica, econmica, social e cultural das migraes nos pases africanos de lngua portuguesa.

  • Migrao, remessas e desenvolvimento em frica: o caso dos pases de lngua portuguesa 43

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    ANGOLA

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    A noo de subalternidade e a distribuiotnica de AngolaHelder Bahu1

    Resumo

    Este artigo analisa o mapa etnogrfico angolano tendo em conta os diversos focos de influncia e a reconfigurao actual. O processo colonial, a guerra civil e as migra-es internas e externas constituem um factor determinante para a compreenso da sociedade angolana actual. Contrariamente existncia de uma etnicidade forte, o hibridismo passa a ser uma categoria a considerar, pois a reclamao de uma identidade tnica observvel em crculos bastante reduzidos, geralmente em sociedades rurais.

    Palavras-chave: Mapa etnogrfico, migraes, hibridismo, subalternidade

    Introduo

    A problemtica do mapa etnogrfico de Angola tem sido discutida com algum rigor em muitos crculos da sociedade angolana. Trata-se de uma discusso que, em certos casos, ope cientistas sociais e alguns sectores da vida poltica. Estes acreditam que um estudo dos grupos tnicos em separado constitui uma espcie de agitao diviso entre grupos tnicos.

    Todavia, a inteno dos investigadores tentar praticar uma viso emic2 e reflectir sobre os grupos em funo daquilo que eles pensam no que tange sua perspectiva identitria.

    1 Instituto Superior de Cincias da Educao da Hula ISCED-HULA, Rua Sarmento Rodrigues, Bairro Comandante Cow Boy, Lubango, Angola , E-mail: [email protected]

    2 A viso emic versus etic surge como prolongamento das mudanas registadas na Antropologia, fun-damentalmente com a revitalizao da observao participante como mtodo de recolha etnogrfica. Este processo atinge o seu ponto mais alto com Bronislaw Malinowski no incio do sculo XX. A nova perspectiva (emic) apregoa a recolha partindo do interior do sujeito a ser investigado, fazendo com que seja ele a traduzir os processos evolutivos do seu meio; contrariamente, a viso etic, que ficou conhecida por Antropologia de Gabinete (Antropologia Colonial), baseada numa observao por fora ( distncia). Essas mudanas revolucionaram a Antropologia, porque permitiram uma recolha e discusso mais prxima dos processos sociais emergentes em cada sujeito.

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    Podemos constatar que a maior parte dos grupos tnicos de Angola no se rev no quadro da classificao elaborada no perodo colonial, baseada essencialmente em critrios lingusticos e proximidade cultural.

    A questo do mapa etnogrfico de Ango