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WILLIAM SHAKESPEARE: SONNETS SONETO: poema de 14 versos (de 11 sílabas em italiano, 12 em francês, 10 em inglês). SONETO PETRARQUIANO: Petrarca (1304-74), pai do humanismo italiano. Esquema de rimas: oitava: abbaabba; sextilha: cdcdcd; ou: cdecde SONETO INGLÊS (SHAKESPEARIANO): introduzido por Thomas Wyatt (1503? - 42) e Surrey (1517? - 47). Divisão: 3 quartetos (quartrains) e 1 couplet. Esquema de rimas: abab cdcd efef gg Couplet: resume a idéia desenvolvida nos quarteto, ou então, serve de antítese ao restante do soneto. SHAKESPEARE: SONNETS: provavelmente escritos entre 1593-96. Publicados em 1609, por Thomas Thorpe, editor pirata, com uma dedicatória: “to Mr. W. H., the onlie begetter of the ensuing sonnets”. São 154 sonetos e a ordem deles é do editor pirata. Sonetos 1-126: traçam, em sua maior parte, o envolvimento afetivo do poeta com um patrono da nobreza (“fair young man”). Alguns deles aludem a uma a uma amante roubada ao poeta e a um poeta rival. Sonetos 127-54: dedicados a uma “dark lady”, amante do poeta. O soneto 1 O soneto já fora adotado ha muito tempo na Itália como a forma mais adequada para um poema de amor. O poeta medieval 1 BURGUESS, Anthony. A Literatura Inglesa. São Paulo: Ática, 1996, p. 120-121.

Sonetos de Shakespeare

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Page 1: Sonetos de Shakespeare

WILLIAM SHAKESPEARE: SONNETS

SONETO: poema de 14 versos (de 11 sílabas em italiano, 12 em francês, 10 em inglês).

SONETO PETRARQUIANO: Petrarca (1304-74), pai do humanismo italiano.Esquema de rimas: oitava: abbaabba; sextilha: cdcdcd; ou: cdecde

SONETO INGLÊS (SHAKESPEARIANO): introduzido por Thomas Wyatt (1503? - 42) e Surrey (1517? - 47).

Divisão: 3 quartetos (quartrains) e 1 couplet.

Esquema de rimas: ababcdcdefefgg

Couplet: resume a idéia desenvolvida nos quarteto, ou então, serve de antítese ao restante do soneto.

SHAKESPEARE: SONNETS: provavelmente escritos entre 1593-96. Publicados em 1609, por Thomas Thorpe, editor pirata, com uma dedicatória: “to Mr. W. H., the onlie begetter of the ensuing sonnets”. São 154 sonetos e a ordem deles é do editor pirata. Sonetos 1-126: traçam, em sua maior parte, o envolvimento afetivo do poeta com um patrono da nobreza (“fair young man”). Alguns deles aludem a uma a uma amante roubada ao poeta e a um poeta rival.Sonetos 127-54: dedicados a uma “dark lady”, amante do poeta.

O soneto1

O soneto já fora adotado ha muito tempo na Itália como a forma mais adequada para um poema de amor. O poeta medieval Petrarca usa o soneto de modo consistente para se dirigir a sua amada Laura. Com Petrarca, o soneto se compõe de catorze versos e se divide em duas partes - a oitava contendo oito versos; o sexteto contendo seis versos. A oitava expressava a primeira parte de uma idéia; o sexteto a segunda parte; a oitava expressava um tema; o sexteto a contradizia. Com os italianos, o esquema das rimas era rigoroso: oitava - a b b a; a b b a; sexteto - c d e, c d e ou c d c, d c d, ou qualquer outra combinação de duas ou três rimas. Uma forma de verso assim e fácil para ser manejada em italiano, porque o italiano tem muitas rimas. Se escolho a palavra affetto, outras palavras surgem imediatamente em minha cabeça, todas rimas perfeitas: stretto, letto, petto e assim por diante. Mas o inglês é muito mais limitado, tem muito poucas rimas perfeitas. Os poetas ingleses tinham dificuldade em aderir à forma italiana (ou petrarquiana), e por isso inventaram suas próprias combinações de rimas, com a única condição de que existissem catorze versos. Mesmo os sonetos de Shakespeare são escritos em uma forma comparativamente mais simples:

1 BURGUESS, Anthony. A Literatura Inglesa. São Paulo: Ática, 1996, p. 120-121.

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Let me not to the marriage of true minds Admit impediments. Love is not love

Which alters when it alteration findsOr bends with the remover to remover:

O, no! it is an ever-fixed mark,That looks on tempests and is never shaken;

It is the star to every wandering barkWhose worth's unknown, although his height be taken.

Love's not Time's fool, though rosy liPs and cheeksWithin his bending sickle's compass come;Love alters not with his brief hours and weeks, But bears it out even to the edge of doom.

If this be error; and upon me prov'd,I never writ, nor no man ever lov'd.

[Não deixes que ao casamento de mentes verdadeiras/Eu admita impedimento. Amor não é amor/ Se se altera ao encontrar alteração/ Ou se curva com a separação a separar;/ Ó, não! é uma marca fixada para sempre, /Que olha as tempestades e nunca se abala;/ É a estrela para cada barco errante/ Cujo valor é desconhecido, embora se conheça sua altura.// Amor não é o bobo do Tempo, embora lábios e rostos rosados,/ Caibam dentro da foice curva de seu compasso;/ Amor não se altera com suas breves horas e semanas,/Mas tolera-os até o limite da sorte.// Se isto for um erro, e se me provarem,/ Jamais escrevi, nem homem algum amou.]

Shakespeare leva a forma do soneto mais longe do que os italianos: ele a usou não apenas para a descrição da amada, para os protestos de amor e assim por diante, mas também para a expressão de idéias. Seus contemporâneos - Sir Philip Sidney, Samuel Daniel, Spenser e Michael Drayton (cujo belo soneto, que Começa com "Since there's no help, come let us kiss and part" (Como não há ajuda, vamos nos beijar e nos separar), e talvez o maior soneto elisabetano sem considerar Shakespeare) - contentaram-se em lidar com o amor em seus aspectos mais convencionais. Pode-se passar um tempo bastante útil olhando o Livro do verso inglês de Oxford, no qual encontramos espécimes de todos esses escritores e também de outros.

(...)Shakespeare poderia pensar que ele próprio acrescentara bastante as riquezas poéticas

de sua época. Ele escrevera não apenas sonetos, mas dois poderosos poemas narrativos - Venus e Adonis e O rapto de Lucrecia. Vira o florescimento de canções de todos os tipos - a Inglaterra se tornara de fato um ninho de pássaros cantores - e ele contribuiu, em suas peças, com belos poemas líricos - tristes, alegres, amorosos ou de puro nonsense. Por toda parte as pessoas cantavam e as palavras tinham tanta importância para o ouvido quanto as melodias. Ele vira e ouvira o florescimento da palavra na Inglaterra; ele viu a ascensão do inglês da posição de um dialeto camponês menor a de uma linguagem literária maior. E tudo isso em poucos anos.

Page 3: Sonetos de Shakespeare

Sonnet 73That time of year thou mayst in me beholdWhen yellow leaves, or none, or few, do hangUpon those boughs which shake against the coldBare ruined choirs where late the sweet birds sang.In me thou seest the twilight of such dayAs after sunset fadeth in the west,Which by an by black night doth take away,Death’s second self, that seals up all in rest.In me thou seest the glowing of such fireThat on the ashes of his youth doth lie,As the deathbed whereon it must expire,Consumed with that which it was nourished by.

This thou perceiv’st, which makes thy love more strong,To love that well which thou must leave are long.2

Soneto 73Aquela época do ano tu notarás em mimQuando folhas amarelas, ou nenhuma, ou poucas, restamNaqueles galhos tiritantes de frio,Coros nus e arruinados, onde último trinavam doces passarinhosEm mim vê tu o crepúsculo de um tal diaComo quando depois de o sol se pôr no oeste,Ao qual, pouco a pouco, a negra noite vai ganhando terrenoA segunda identidade da morte, que a tudo sela em descanso.Em mim vês o lusco-fusco de uma tal luz,Que nas cinzas de sua juventude repousa,Como no leito de morte onde deve perecer,Consumido com aquilo que o nutria.

Isso percebes que faça o teu amor mais forte,Que ames bem aquilo que logo terás que deixar.

2 v. 4: Choirs: parte da igreja onde o coro canta. /v. 7: by and by: em breve/ v. 7: 3lack night: a noite como imagem da morte./ v. 12: consumido pelas cinzas daquilo que nutria sua chama. / v. 14: ere long: logo, em breve. /Thou: you; fatheth: fade; doth: does; thy: your.

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Sonnet 30When to the sessions of sweet silent thoughtI summon up remembrance of things past,I sigh the lack of many a thing I sought,And with old woes new wait my dear time’s waste;Then can I drown an eye, unus’d to flow,For precious friends hid in death’s dateless night,And weep afresh love’s long since cancell’d woe,And moan the expense of many a vanish’d sight;Then can I grieve at grievances foregone,And heavily from woe to woe tell o’erThe sad account of fore-bemoaned moan,Which I new pay, as if not paid before.

But if the while I think on thee, dear friend,All losses are restor’d , and sorrows end.

Soneto 30Quando para as sessões do quieto pensamentoDoces lembranças eu convosco do passado,Não vendo o que buscava eu outra vez lamentoCom velhas mágoas o meu raro tempo escoado.O olhar desabituado ao pranto afogo, então,Por amigos que em noite infinda oculta a morte,E choro, reaberta, a dor de uma afeição,E quanta velha cena esvaeceu a sorte.Posso afligir-me, assim, com penas já perdidas,E faço gravemente, unindo dor a dor,A conta de aflições já uma vez sentidas,Que outra vez pago, qual se ainda devedor.

Porém se penso, amigo, em ti nesse momento,Repara-se o perdido e cessa o meu tormento

Page 5: Sonetos de Shakespeare

Sonnet 105

Let not my love be call’d idolatry,Nor my beloved as an idol show,Since all alike my songs and praises beTo one, of one, still such, and ever so.Kind is my love to-day, to-morrow kind,Still constant in a wondrous excellence;Therefore my verse, to constancy confin’d,One thing expressing, leaves out difference.“Fair, kind, and true”, is all my argument,‘Fair, kind, and true,’ varying to other words;And in this change is my invention spent,Three themes in one, which wondrous scope affords.

‘Fair, kind, and true,’ have often liv’d alone,which three till now never kept seat in one.

Soneto 105

Oh! Ninguém chame idolatria o meu amor,Nem dê por ídolo quem alvo é desse preito,Porque todo o meu canto e todo o meu louvorSão para alguém, de alguém, e sempre, e de um só jeito.Meu amor hoje é afável, amanhã afável,Sempre constante numa esplêndida excelência;Logo meu verso, limitado ao invariável,Exprime uma só coisa, e exclui a impermanência.“Bom, belo e verdadeiro” – é um só meu argumento,“Bom, belo e verdadeiro” – em vária locução;Nessa mudança absorto tudo quanto invento,Três temas postos num, de amplíssima extensão.

“Bom, belo e verdadeiro” alheios têm vivido;Num ser ainda não se haviam reunido.

Page 6: Sonetos de Shakespeare

Sonnet 130

My mistress’ eyes are nothing like the sun;Coral is far more red then her lips’ red;If snow be white, why then her breasts are dun;If hairs be wires, black wires grow on her head.I have seen roses damasked, red and white,But no such roses see I in her cheeks,And in some perfumes is there more delightThan in the breath that from my mistress reeks.I love to hear her speak, yet well I knowThat music hath a far more pleasing sound.A grant I never say a goddess go;My mistress when she walks treads on the ground.And yet, by heaven, I think my love as rareAs any she belied with false compare.3

Soneto 130O olhar da minha amada sol não é, pois brilha menos;Mais rubro que sua boca é o rubro do coral;A neve é branca, mas seus seios são morenos,E seus cabelos, fios de algum negro metal;Rosas que juntam branco e rubro eu as conheço,Mas no seu rosto eu não distingo cores tais;O odor de sua pele eu nunca desmereço,Porém perfumes há que me transportam muito mais.Embora a sua fala eu goste de escutar,Com a música, bem sei, não tem comparação;Jamais eu vi – concebo – alguma deusa andar,Porém, quando caminha, a amada pisa o chão.

No entanto, pelos céus! tão rara a consideroComo as belas que exalta um símile insincero.

3 v. 1: mistress: dama/ v. 3: dun: cinza amarronzado, sem brilho/ v. 5: damasked: mesclada de vermelho e branco. Rosa de damasco: originária de Damasco, Síria/ v. 8: reeks: emana; v. 11: go: caminhar, andar / v. 14: she: mulher; v. 14: belie: dar uma idéia falsa de; v. 14: compare: comparação.

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