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UM ESTUDO SOBRE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO Sonia Maria Ribeiro de Souza * [email protected] Sob a égide da Lei 5692/71, que incentivava a formação básica profissionalizante, iniciei minhas atividades docentes em 1972, como substituta de minha professora de filosofia do curso clássico, na ocasião em licença médica. Quando aceitei a substituição, cursava o penúltimo ano da faculdade de Filosofia. No ano seguinte, a referida professora aposentou-se e eu fui convidada a assumir o seu lugar, já que a Delegacia de Ensino Secundário e Normal autorizou-me a lecionar naquele ano, mesmo sem ser formada. Eram os últimos anos de presença “oficial” da filosofia no curso colegial... Pouco tempo depois, a escola abriu o curso de magistério e para eu lecionar as “ias” da educação (filosofia e história da educação, psicologia e sociologia da educação), a supervisora sugeriu que eu fizesse uma complementação pedagógica, uma vez que, como bacharel e licenciada em Filosofia, meu Registro de Professor no MEC, só me permitia ministrar “ias” (filosofia, sociologia e psicologia). Curiosamente, as freiras que tomavam conta do colégio onde eu lecionava eram fãs incondicionais do ensino da filosofia, banido do currículo com a nova Lei 1 , solicitaram que eu ministrasse conteúdos * Mestranda em Educação na Universidade Católica de Santos - UNISANTOS / Santos(SP) e na Universidade Paulista –UNIP / São Paulo (SP) End.: Rua Ministro Gastão Mesquita, 663 Bairro: Perdizes-SãoPaulo-Capital Cep:05012-010 / Fone : (11) 3862-3559 1 O processo de extinção da filosofia dos currículos dos cursos secundários, que teve início com a redução gradativa do número de horas- aula semanais, pós Reforma Gustavo Capanema em 1942, se acentuou a partir do momento em que perdeu seu caráter de obrigatória e passou a ser disciplina complementar (LDB 4024, 20/12/1961), depois optativa (Resolução nº36, 30/12/68), culminou com a reforma de ensino introduzida

Sonia Maria de Souza UNISANTOS

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UM ESTUDO SOBRE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO

Sonia Maria Ribeiro de Souza*

[email protected]

Sob a égide da Lei 5692/71, que incentivava a formação básica

profissionalizante, iniciei minhas atividades docentes em 1972, como

substituta de minha professora de filosofia do curso clássico, na

ocasião em licença médica. Quando aceitei a substituição, cursava o

penúltimo ano da faculdade de Filosofia. No ano seguinte, a referida

professora aposentou-se e eu fui convidada a assumir o seu lugar, já

que a Delegacia de Ensino Secundário e Normal autorizou-me a

lecionar naquele ano, mesmo sem ser formada. Eram os últimos anos

de presença “oficial” da filosofia no curso colegial...

Pouco tempo depois, a escola abriu o curso de magistério e para eu

lecionar as “ias” da educação (filosofia e história da educação,

psicologia e sociologia da educação), a supervisora sugeriu que eu

fizesse uma complementação pedagógica, uma vez que, como

bacharel e licenciada em Filosofia, meu Registro de Professor no MEC,

só me permitia ministrar “ias” (filosofia, sociologia e psicologia).

Curiosamente, as freiras que tomavam conta do colégio onde eu

lecionava eram fãs incondicionais do ensino da filosofia, banido do

currículo com a nova Lei1, solicitaram que eu ministrasse conteúdos

* Mestranda em Educação na Universidade Católica de Santos - UNISANTOS / Santos(SP) e na Universidade Paulista –UNIP / São Paulo (SP) End.: Rua Ministro Gastão Mesquita, 663Bairro: Perdizes-SãoPaulo-Capital Cep:05012-010 / Fone : (11) 3862-3559

1 O processo de extinção da filosofia dos currículos dos cursos secundários, que teve início com a redução gradativa do número de horas-aula semanais, pós Reforma Gustavo Capanema em 1942, se acentuou a partir do momento em que perdeu seu caráter de obrigatória e passou a ser disciplina complementar (LDB 4024, 20/12/1961), depois optativa (Resolução nº36, 30/12/68), culminou com a reforma de ensino introduzida

filosóficos semanalmente na carga horária destinada à Psicologia da

Educação: pouco convencional, porém muito proveitoso para as

alunas2 que se beneficiaram dessas aulas, segundo testemunho das

mesmas sempre que me cruzava com elas anos depois!

A decisão de conciliar a formação filosófica com a pedagógica para

atender às exigências legais definiu meu ingresso em um Programa

de Mestrado em Educação, que me oportunizasse essa aliança. Para

tanto, escolhi a FEUSP, que tinha como uma das áreas de

concentração, História e Filosofia da Educação. Como conseqüência

natural da conclusão do mestrado em 1982, iniciei meu doutorado em

1985, optando pela área de concentração, Didática.

Na ocasião, o cenário profissional em consonância com as atividades

acadêmicas propiciou a escolha do tema de minha tese sobre o

ensino da filosofia. Nunca deixei de ministrar filosofia, graças às boas

intenções das religiosas que sempre acreditaram no papel formador

da disciplina, mas a Lei nº 7044/82 que tornou opcional o ensino

profissionalizante, possibilitou a reintrodução da referida disciplina no

currículo do então 2º grau, e eu pude, “a céu aberto”, ser

novamente professora “oficial” de filosofia.

Nada melhor para objeto de estudo de um pesquisador um tema que

lhe é familiar. A filosofia e seu ensino sempre estiveram presentes

em minha vida como o ar que respirava... Incentivada pelo meu

orientador, planejei e executei uma pesquisa de campo junto a alunos

e professores de filosofia de 2º grau, atuantes na cidade de São

Paulo, com os objetivos de descrever e avaliar a realidade

educacional do ensino de filosofia no nível secundário, com vistas à

elaboração de sugestões que otimizassem sua função disciplinar.

pela Lei 5692/71, que estabeleceu a “profissionalização compulsória” como finalidade precípua do então 2º grau e acabou por desintegrar o que ainda restava das classes de filosofia (Cf. SOUZA, 1992, p.82-86).2 O referido colégio foi fundado e era administrado por Congregação de religiosas e durante muito tempo só admitia meninas como alunas.

1. Natureza e objetivos da pesquisa

Utilizei Michel Jean-Marie Thiollent (1984) como referencial teórico de

minha investigação. Segundo esse autor, as pesquisas sociais e

educacionais, de forma geral, podem ser de três tipos, conforme os

objetivos que as norteiam: pesquisa descritiva, pesquisa avaliativa e

pesquisa (re) construtiva.

A descrição, segundo Thiollent, implica fazer um discurso sobre um

assunto dado e, como todo discurso, ele nem sempre é neutro, pois

incorpora o modo de ver de quem faz o discurso. Conceituar,

categorizar e classificar são verbos que expressam as finalidades da

pesquisa descritiva. Os resultados obtidos por meio dela podem servir

para elucidar questões relativas a um determinado assunto ou para

fazer denúncias ou outro tipo de contribuição ao entendimento do

problema pesquisado.

A avaliação, diferentemente da descrição, trata de observar ou de

comparar fatos (situação ou desempenho) com uma norma, um

critério ou, ainda, com um ideal previamente definido e que,

normalmente, apresenta um "quê" de arbitrariedade.

A (re) construção implica ação e, nesse sentido, a pesquisa que se

enquadra neste tipo produz idéias que antecipam o real ou que

delineiam um ideal.

A pesquisa que realizei pode ser classificada, segundo os tipos

categorizados por Thiollent, como predominantemente descritiva,

pois teve como objetivo específico caracterizar a prática do ensino de

filosofia, nas escolas de 2º grau, públicas e privadas, na cidade de

São Paulo, descrevendo-a por meio de fatores como: formação

acadêmica do professor responsável pela disciplina; natureza e

extensão do conteúdo programático da disciplina; metodologia

didática aplicada em sala de aula; recursos instrutivos utilizados;

bibliografia recomendada; receptividade dos alunos ao conteúdo e

metodologia adotados; percepção dos alunos quanto à contribuição

da disciplina à sua formação intelectual e pessoal.

O caráter descritivo da pesquisa foi definido pela necessidade de se

obter informações que fornecessem, de um modo mais qualitativo

que quantitativo, um recenseamento da situação da disciplina

filosofia após todos os esforços empreendidos para sua volta

aos currículos de 2º grau, na ocasião.

O problema que norteou a elaboração dessa pesquisa pode ser

condensado na seguinte pergunta: Que papel o ensino de filosofia

está desempenhando atualmente nos cursos secundários de

formação geral ou de preparação ao ensino superior?

Uma forma de conhecer este papel era conhecer como os agentes

envolvidos no processo de ensino e aprendizagem (professores e

alunos do então 2º grau) se colocavam frente à prática da disciplina,

tanto do ponto de vista cognitivo, isto é, qual a aprendizagem visada

e que conteúdos estavam sendo usados para a sua consecução,

quanto do ponto de vista afetivo-pragmático, ou seja, como

professores e alunos valoravam esse tipo de experiência e como eles

percebiam a sua utilidade para a vida pessoal.

Assim, a descrição buscada pela pesquisa foi centrada em torno de

duas questões básicas, que definiram a diretriz exploratória da

investigação:

• Que conteúdos, estratégias e técnicas didáticas estão sendo

utilizados nas aulas de filosofia de 2º grau, nas escolas

particulares e nas de rede pública?

• Esses conteúdos e estratégias, no entender dos agentes

envolvidos, satisfazem às necessidades de aprendizagem

estabelecidas para a disciplina?

Embora predominantemente descritiva e exploratória, por buscar

uma familiarização e uma nova compreensão do fenômeno ensino

de filosofia após sua volta ao 2º grau, a partir de 1982, foi

possível identificar na pesquisa realizada, objetivos secundários, de

tipo avaliativo e reconstrutivo:

• avaliar o tratamento didático dispensado ao ministério da

disciplina, em função de uma postura definida como ideal e

adequada à natureza questionadora e reflexiva da filosofia;

• obter subsídios para uma posterior reconstrução do ensino de

filosofia, que otimizasse suas possibilidades de instrumento de

formação crítica e reflexiva.

2. Metodologia utilizada na pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida em dois níveis: a) junto a alunos de 2º

grau de escolas públicas e particulares, cujos currículos indicavam a

presença de disciplina filosofia em alguma de suas séries; b) junto

aos professores que ministravam as aulas de Filosofia nos colégios

onde os alunos haviam sido entrevistados.

Nesse trabalho vou apresentar somente os resultados obtidos junto

aos alunos.

O instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário,

estruturado basicamente por meio de questões abertas.

O conjunto de questões dirigidas aos alunos foi organizado em torno

de cinco temas fundamentais relativos à prática do ensino de

filosofia:

a) circunstâncias de contato do aluno com a matéria Filosofia - A

questão relativa a este tema tinha por objetivo saber se o contato do

aluno com a Filosofia se restringia ou não à respectiva disciplina

constante do seu currículo ou, se por interesse próprio, ele já havia

tido um contato anterior com a matéria;

b) contribuição da disciplina à formação do aluno - A Lei 7.044/82

que resgatou o caráter da formação geral do ensino de 2º grau e teve

como um dos objetivos fundamentais preparar o aluno para o

exercício consciente da cidadania, possibilitou a reintrodução da

filosofia na grade curricular do ensino secundário, com a finalidade

dela ser um importante instrumento na consecução daquele objetivo.

Assim sendo, o segundo grupo de questões foi elaborado para

verificar, em última análise, se a Filosofia tem cumprido o papel que

lhe coube pela referida Lei, isto é, saber se a Filosofia tem sido

considerada importante para a vida do aluno e se ela tem lhe trazido

algum tipo de contribuição;

c) conteúdo programático da disciplina - A finalidade das questões

feitas em torno do conteúdo ensinado foi identificar não apenas os

temas contidos no programa, mas o tipo de aprendizagem que eles

objetivavam e que, de fato, estava sendo efetivado. Procurou-se

também evidenciar se, do ponto de vista da percepção dos alunos,

havia alguma relação entre o conteúdo ensinado e seus interesses

pessoais;

d) estratégias metodológicas de ensino - As questões agrupadas

em torno deste tema foram elaboradas com o intuito de avaliar, em

última análise, se o instrumental metodológico utilizado pelo

professor em sala de aula era adequado tanto ao desenvolvimento

crítico do aluno, objetivado pelo ensino de nível secundário, quanto

às circunstâncias de maturidade intelectual próprias da série em

questão. Assim, foram elaboradas perguntas para identificar a adoção

de textos filosóficos como recurso metodológico; a adoção de algum

livro didático e as facilidades ou dificuldades apresentadas pelos

alunos nos atos de leitura, interpretação e redação de textos

pertinentes à matéria;

e) atitude manifesta do aluno em relação à disciplina - A última

questão do questionário foi elaborada em forma de múltipla escolha

para que o aluno fizesse uma avaliação de sua experiência com o

ensino de filosofia, segundo critérios cognitivos, afetivos ou

pragmáticos presentes nas alternativas previamente construídas.

Os questionários foram aplicados durante o decorrer de 1988, junto a

7 escolas da rede pública e 3 particulares.

Foram entrevistados, no total, 415 alunos, distribuídos da seguinte

forma:

182 alunos da 3ª série do 2º grau da rede pública;

25 alunos da 2ª série do 2º grau da rede pública;

55 alunos da 2ª série do 2º grau da rede particular;

88 alunos da 1ª série do 2º grau da rede pública e

65 alunos da 1ª série do 2º grau da rede particular.

A escolha por esta amostra não-probabilística da população

pesquisada foi feita em função dos seguintes critérios:

• presença da disciplina nos currículos escolares;

• facilidade de acesso para contatar alunos e professores nas

escolas, franqueado pela direção das mesmas;

• localização centralizada das escolas na região metropolitana da

cidade de São Paulo.

Quanto à execução da aplicação dos questionários, pode-se dizer que

houve boa receptividade, tanto por parte dos alunos quanto dos seus

respectivos professores. Os alunos demonstraram interesse e

curiosidade pelo tipo de trabalho que estava sendo feito, procurando

obter informações sobre a finalidade e utilidade da pesquisa. Embora

com receio de identificar-se, os alunos, em sua maioria, acabaram

por fazê-lo, cooperando de forma positiva para o preenchimento

integral do questionário.

3. Resultados obtidos

Os resultados obtidos na pesquisa junto aos alunos podem ser

sintetizados nas seguintes conclusões:

• a inclusão da disciplina filosofia em uma ou outra série do 2º grau

é uma opção de cada estabelecimento de ensino, embora, de

modo geral, tanto nas escolas da rede pública estadual quanto nas

da rede particular, ela seja ministrada em duas horas-aula

semanais, concentradas na 2ª série. O número de horas-aula

semanais (2) reservadas ao ensino de filosofia, bem como o fato

dela não ser ministrada consecutivamente nas três séries do 2º

grau, revelam a existência de pouco tempo disponível para uma

aprendizagem efetiva, abrangente e intensa da mesma. No

entanto, mesmo o tempo sendo limitado e insuficiente para o

adequado ensino da filosofia, é melhor sua presença ser marcada

desta forma do que sua total ausência dos currículos de 2º grau;

• a maioria dos informantes estava tendo contato com a disciplina

filosofia pela primeira vez e este primeiro e breve contato (em

virtude da pouca disponibilidade de tempo) foi

surpreendentemente positivo: a maioria dos alunos entrevistados

afirmaram ser importante aprender filosofia, na medida em que

ela os ajuda a aprender a pensar e pensar melhor por meio do

desenvolvimento de suas habilidades de pensamento, preparando-

os para pensar nas outras disciplinas, bem como habilitando-os a

entender melhor os outros e a si próprios. Também a maioria dos

informantes afirmou ter ela trazido contribuições positivas,

pelas mesmas razões atribuídas à sua importância. Registrou-se

um fato curioso que deve ser mencionado: mesmo aqueles alunos

que não conseguiram identificar ou perceber as possíveis

contribuições trazidas pela referida disciplina, não deixaram de

julgá-la importante. Os alunos, em sua maioria, não só

reconheceram a importância e contribuição da Filosofia, mas

também se mostraram positivamente favoráveis em relação à

manutenção da mesma no currículo do 2º grau. Observou-se

mais um fato curioso: enquanto que a importância e a contribuição

se fundamentam e se justificam, em primeiro lugar, pela aquisição

de conhecimentos facultada pela aprendizagem da filosofia e, em

segundo lugar, pela possibilidade de aplicação dos conhecimentos

adquiridos para uma aprendizagem mais eficiente de outras

disciplinas, bem como para uma compreensão mais acurada de si

mesmo e dos outros (razões de ordem cognitiva e pragmática), a

não dispensa da disciplina se fundamenta, essencialmente, no

conjunto de emoções e sentimentos de prazer, satisfação e agrado

que o ensino da mesma lhes proporciona, além da utilidade destes

conhecimentos para a compreensão do mundo, de si mesmos e

das pessoas que os cercam (razões de ordem afetiva, pragmática

e cognitiva);

• a listagem dos assuntos estudados em sala de aula indicou que

eles se concentram em torno de alguns temas: o homem e a

cultura (ideologia, trabalho e alienação, cultura, linguagem, mito

e definição de Filosofia); introdução à filosofia das ciências

(conhecimento filosófico e conhecimento científico); história da

filosofia antiga (filósofos pré-socráticos e socráticos) e

introdução à metodologia do trabalho científico (métodos

para leitura e análise de textos). Esta mesma listagem de assuntos

pareceu revelar que a organização do conteúdo programático da

disciplina, na maioria das vezes, é feita em função do livro didático

adotado pelo professor, prevalecendo à abordagem histórica

mesclada com tentativas de relacionar o passado com o presente.

Não foi possível identificar qualquer critério mais claro e definido

para organização do conteúdo e escolha de formas de abordagem.

Assim mesmo, os alunos se mostraram interessados em aprender

assuntos que lhes revelaram a evolução e o progresso da

humanidade, diferentes formas de ver e interpretar a origem do

mundo, teorias de diversos filósofos antigos, na medida em que os

mesmos lhes permitem compreender melhor o mundo em que

vivem, bem como ajudá-los a criticar e opinar de forma mais

segura. O desinteresse manifesto por esses assuntos, deveu-se ao

fato deles serem chatos, cansativos e monótonos e referente a

uma situação passada, não vivida e experimentada pelos alunos,

sem muita ligação com o momento presente;

• ficou evidenciado um interesse predominante pela

aprendizagem de assuntos relacionados com a situação

concreta, experienciada e vivida pelo aluno, quando se

examinou a listagem de interesse por outros assuntos que não

aqueles já estudados. Desta forma, foi possível perceber que

assuntos como religiões e seitas, política, problemas da sociedade

e da juventude no mundo de hoje, teoria e doutrina de filósofos

célebres e contemporâneos, temas filosóficos aplicados à vivência

dos jovens nos dias atuais, lhes parecem muito atraentes

incitando-os a buscar uma compreensão e apreensão dos mesmos.

Esses dados confirmam uma postura anterior à realização dessa

pesquisa, de que a aprendizagem da Filosofia, para ser

significativa e motivadora, deve ter como ponto de partida os

problemas presentes no cotidiano de quem a estuda, mas

examinados à luz da postura dos diversos filósofos antigos e

contemporâneos frente a eles. Caso contrário, estas aulas podem

se transformar em um bate-papo agradável e interessante, porém,

fundamentado única e exclusivamente nas opiniões pessoais dos

alunos ("achismo"), sendo muito difícil a passagem do senso

comum para uma situação caracterizada como reflexão filosófica

sobre problemas que inquietam a consciência de quem os percebe

como tais. Notou-se também, uma nítida confusão quanto à

especificidade da disciplina filosofia, na medida em que muitos

alunos sugeriram como assuntos pertinentes a ela, o estudo da

psicologia, sociologia e política e o papel das ciências na sociedade

contemporânea. Isso indica, de certa forma, um perfil ainda não

definido da matéria Filosofia como disciplina do 2º grau.

• os alunos apontaram o uso sistemático de aulas expositivas,

trabalhos em grupo, debates e seminários como estratégias de

ensino escolhidas pelos professores para a aprendizagem da

filosofia. As aulas expositivas são avaliadas positivamente

porque ajudam a compreender melhor o conteúdo ministrado,

principalmente, quando durante as exposições o professor faz

perguntas aos alunos e exemplifica o que foi explicado. São

altamente valorizados os professores que conseguem atrair a

atenção dos alunos e motivá-los a participar das aulas por meio de

exposições claras, objetivas e bem definidas. No entanto, quando

o professor monopoliza a aula com exposições longas e

demoradas, o aluno deixa de prestar atenção, perdendo o

interesse pelo que está sendo apresentado. Os trabalhos em

grupo, embora importantes por permitirem a participação dos

alunos em sala de aula, motivando-os a expressar o que pensam,

mostram-se inconvenientes na medida em que, muitas vezes,

poucos trabalham e muitos não fazem nada. Os debates abrem

espaço para que o aluno manifeste seus pontos de vista em

relação ao tema abordado, mas, muitas vezes, as aulas se tornam

uma "bagunça", sem que os alunos possam chegar a conclusões

fundamentadas. Os seminários apresentam-se como momentos

de constrangimento e insegurança, pois o aluno-expositor ou os

alunos-expositores são compelidos a apresentar oralmente

assuntos que desconhecem em profundidade, obrigando o

professor a reprisá-los por meio de uma aula expositiva. De certo

modo, esses dados confirmam uma suspeita anterior à realização

da pesquisa de que os professores afastados do ensino desta

disciplina, por quase duas décadas, não se encontram

devidamente preparados para ministrá-la de forma adequada.

Revelou-se uma certa inépcia no uso dos métodos didático-

pedagógicos, quando aplicados ao ensino da filosofia no 2º grau.

Os professores, entusiasmados com a possibilidade de retomar

suas aulas de filosofia, ampliando, desta forma, seu campo de

ação e mercado de trabalho, e motivados pela necessidade de

tornar essas aulas agradáveis, interessantes, fáceis e úteis para

seus alunos, lançaram-se "aventureiramente" no processo de

ensino e aprendizagem da referida disciplina, sem que houvessem

se submetido a cursos de reciclagem para preparação e

atualização de professores com a finalidade de reestudar e

redefinir uma postura atual frente à disciplina. De certo modo,

pode-se perceber uma atuação polarizada entre dois aspectos

conflitantes: de um lado, a tendência para retomar uma

abordagem histórica da Filosofia, nos velhos moldes inspirados

numa educação clássica, humanística e retórica, que marcaram o

ensino dessa disciplina desde que ela surgiu nos currículos dos

cursos secundários brasileiros; de outro lado, necessidade de fazê-

la atual por meio de ligações, às vezes, pouco claras e definidas,

desse conteúdo com questões pertinentes à situação existencial e

concreta dos jovens de hoje. Essa ambivalência de posturas frente

à disciplina, aliada à falta de domínio para usar de forma correta

os métodos didático-pedagógicos, de certo modo, favorecem uma

percepção distorcida dos alunos quanto à especificidade da

filosofia no ensino de 2º grau: corre-se o risco de apresentá-la

como uma aula onde tudo é permitido, onde tudo é debatido, sem

rigor de pensamento, desde que os jovens tenham a sensação

confortadora de que estão aprendendo a pensar melhor, a

filosofar, num ambiente descontraído e informal;

• a maior parte dos alunos confirmou o uso de textos como

recurso metodológico. No entanto, foi possível verificar que,

salvo em poucas salas de aula, a leitura e análise de textos são

efetivadas sem o uso de um roteiro prévio, e, pior ainda, com o

desconhecimento por parte dos alunos de técnicas elementares de

leitura de textos. Tal fato permite afirmar que os professores além

da pouca disponibilidade de tempo para ensinar o aluno a filosofar,

têm que abdicar de parte desse tempo em favor do preparo do

aluno para otimizar a leitura de textos filosóficos, o que talvez

devesse ser objeto de estudo de outras disciplinas, tais como,

língua portuguesa, ou introdução à metodologia do trabalho

científico, a ser incluída nos currículos de 2º grau. Cabe fazer uma

observação muito importante: o exame da listagem de textos

utilizados pelos alunos demonstrou que a maior parte dos mesmos

foi extraída de livros didáticos e nem sempre podem ser

caracterizados como textos filosóficos, no sentido literal desta

expressão, isto é, textos extraídos das obras dos filósofos. Na

maioria das vezes, são textos que se prestam para uma análise

filosófica e não produtos do processo de reflexão filosófica de um

pensador à luz dos quais é possível dar início ao processo de

próprio filosofar;

• dificuldades para entendimento de textos lidos e analisados, bem

como para expressão oral e escrita daquilo que foi apreendido,

estão presentes no ensino de qualquer disciplina do 2º grau. No

entanto, elas se tornam mais perceptíveis e freqüentes nas aulas

de filosofia, já que os alunos têm dificuldade de entender a

linguagem dos textos, muitas vezes expressa em vocábulos

difíceis e estranhos ao cotidiano do aluno, e, em alguns

momentos, grafada em latim e/ou grego, bem como dificuldade

para interpretar textos complexos que exijam concentração,

capacidade de abstração e reflexão. Os alunos, acostumados com

a recepção de informações breves e previamente digeridos pela

mídia, talvez se sintam pouco confortáveis quando têm diante de

si um texto que lhes exige o uso de suas habilidades de

pensamento de forma mais prolongada, sistemática e intensa. Não

se encontram preparados, nem sequer foram educados para

manter a atenção dirigida em um único assunto por mais de três

minutos consecutivos. A habilidade retórica e discursiva, presente

enfaticamente nos alunos de filosofia ao longo do tempo em que a

disciplina foi ministrada nos cursos secundários brasileiros, foi se

perdendo aos poucos, evidenciada sua ausência, quando o aluno

hoje deve escrever ou falar sobre o que aprendeu nas aulas de

filosofia. Influenciados mais uma vez pela mídia e acostumados a

se comunicarem por meio do emprego de meia dúzia de palavras

ou expressões retiradas da gíria própria dos adolescentes, os

alunos têm algumas dificuldades para falar ou escrever sobre

aquilo que não foi compreendido e assimilado, por se tratarem,

segundo eles, de assuntos complexos, abstratos, extensos e

desvinculados do cotidiano. Estas dificuldades também resultam

da falta de participação e atenção nas aulas, ausência de

comportamentos habituais de estudo e pesquisa e uma afetividade

negativa apontada em direção destes mesmos comportamentos.

De certo modo, esses resultados parecem confirmar o

sucateamento cada vez mais evidente do ensino secundário

brasileiro;

• o uso de livro didático também foi demonstrado pela maior

parte dos alunos entrevistados, embora restrito a poucas

publicações recentes, destinadas exclusivamente ao ensino de

filosofia no 2º grau. É interessante notar que o uso de livros

didáticos, bem como de textos filosóficos é mais freqüente entre

os alunos que estudam em colégios particulares, talvez em função

de maior poder aquisitivo desses alunos para comprar livros e

cópias de textos. O maior contato com este material didático

também favorece a facilidade evidenciada para interpretar textos e

para se expressar de forma oral e escrita, o que talvez implique

uma postura diferenciada destes alunos em relação ao processo de

ensino e aprendizagem de filosofia no 2º grau;

• apesar de um certo "amadorismo" implícito na condução das aulas

de filosofia, revelado de forma tênue pela análise dos dados dessa

pesquisa, não impediu uma atitude manifesta extremamente

positiva e favorável em relação a estas aulas: a maioria

absoluta dos alunos afirmou que elas são úteis e agradáveis,

confirmando a evidência de que é importante aprender filosofia, de

que a disciplina lhes traz algum tipo de contribuição e, portanto,

não deve ser dispensada do currículo do 2º grau. Justifica-se,

desta forma, todos os esforços daqueles que

empreenderam movimentos com a finalidade de trazer a

filosofia de volta para o ensino secundário, bem como

daqueles que se empenham até hoje para mantê-la viva e

atuante junto aos alunos.

Considerações finais

Realizei essa pesquisa em 1988. Coincidentemente, foi o último ano

em que ministrei aulas de filosofia para alunos do ensino médio. No

entanto, não deixei de acompanhar o debate e os esforços para

reintroduzir a filosofia como disciplina obrigatória no currículo da

escola média.

Mantive-me atualizada participando de encontros e eventos da área,

quer como ouvinte, quer como palestrante, como autora de livro

didático3 para o ensino da referida disciplina.

A participação em bancas examinadoras de dissertações e teses

sobre o ensino de filosofia e a leitura das publicações sobre o tema

têm sido fontes preciosas de informação e formação.

O registro e divulgação de um recenseamento sobre o ensino de

filosofia na escola média realizado há quase duas décadas é

importante para iluminar a compreensão do presente e a construção

do futuro: “voltar os olhos para um passado tortuoso, examinar um

presente incerto e indefinido e buscar um futuro promissor”

(SOUZA,1992) foi o que me levou a escrever esse trabalho.

Tenho conhecimento do passado como docente e pesquisadora, o

mapeamento do presente como estudiosa, penso colaborar na

construção do futuro com alguns questionamentos a partir do que

acabei de expor.

Em 2005, a Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo

(USP) criou um Grupo de Trabalho (GT) para discutir o processo de

seleção de alunos (Vestibular) e temas afins. Para conhecer melhor

os anseios e expectativas dos alunos oriundos do ensino médio, foi

elaborado um questionário com 35 questões objetivas, encaminhado

para aproximadamente 3 mil escolas públicas e 1800 escolas

particulares do Estado de São Paulo para ser respondido pelos

diretores ou funcionários da equipe pedagógica por eles designados.

As respostas foram enviadas por meio eletrônico para o Núcleo de

Apoio aos Estudos da Graduação (NAEG), responsável pela criação de

senhas individuais por escola, recebimento das respostas e

processamento dos dados.

3 SOUZA, Sonia Maria Ribeiro de. Um outro olhar: filosofia. São Paulo:FTD, 1995.

Algumas universidades públicas bem como algumas particulares

adotam a Filosofia no vestibular. Relatos positivos dessa experiência

deram início, no âmbito do GT, ao processo de discussão sobre

eventual possibilidade de inclusão de questões de Filosofia no

vestibular da USP. Nesse sentido, foram elaboradas questões para

mapear a situação do ensino de Filosofia no curso médio.

O envolvimento com o tema me fez aceitar o convite para elaborar as

questões sobre a docência dessa disciplina no ensino médio no

referido questionário destinado a colher dados sobre processo

seletivo da Universidade de São Paulo (USP) e inclusão da Filosofia no

vestibular.

Seguem as questões tal como foram enviadas às escolas e os gráficos

com respostas a essas questões.

Questão 28 : Na sua escola, a disciplina Filosofia é ministrada:

130 146

3798

250

54 38 27

103 99

050

100150200250300

Na 1. série Na 2.série Na 3. série Não estásendo

ministrada

Nas trêsséries

PúblicasParticulares

Questão 29 - Assinale a área da Filosofia mais ensinada em sua escola

299

156

12 2794

146

447 16 31

050

100150200250300350

Étic

a

His

tória

da

Filo

sofia

Lógi

ca

Pol

ítica

Teor

ia d

oC

onhe

cim

ento

PúblicasParticulares

Fonte das tabelas:

NAEG

Questão 30 - Indique o assunto mais abordado nas aulas de Filosofia

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PúblicasParticulares

Os gráficos expressam valores em números absolutos e não em

porcentagem. Passo a usar algumas siglas, tais como, PU=escolas

públicas, PA=escolas particulares.

De modo geral, a Filosofia é ministrada nas três séries do ensino

médio (250PU/99PA), prioritariamente, das duas primeiras séries (1ª

130PU/54PA; 2ª 146PU/38PA). Poucas escolas ensinam Filosofia na

3ª série (37PU/27PA). Curiosamente, o número de escolas

particulares nas quais a disciplina “Não está sendo ministrada”

(103PA) é superior ao total de escolas em que ela está presente

(soma das três séries=119 PA).

São três as áreas da Filosofia mais ensinadas nas escolas

pesquisadas: Ética (299PU/146PA), História da Filosofia

(156PU/44PA) e Teoria do Conhecimento(94PU/31). Embora em

número reduzido, a Lógica se faz presente em 12 escolas públicas e

em 07 particulares.

“Valores” foi o assunto mais abordado nas aulas de Filosofia. A

resposta foi assinalada por 354 escolas públicas e por 34

particulares. Na seqüência, “Filósofos” (82PU/34PA) e “Teoria do

Conhecimento” (81PU/26PA) foram os assuntos indicados. “Cultura”

aparece como o quarto tema eleito pelas escolas, num total de 22

escolas públicas e 20 particulares. “Verdade” (13PU/04PA) e

“Liberdade” (13PU/03PA) aparecem em quinto lugar, quase que em

números idênticos. “Trabalho” (04PU/05PA), “Sexualidade”

(04PU/04PA), e Meios de Comunicação (04PU/01PA) foram

igualmente os assuntos menos sinalizados pelas escolas.

Há correspondência e coerência de respostas, se comparar os dados

das questões 29 e 30: as áreas mais ensinadas foram Ética, História

da Filosofia e Teoria do Conhecimento e os assuntos mais abordados,

Valores, Filósofos e Tipos de Conhecimento.

Curiosamente, os dados obtidos em 2006 não são tão diversos

daqueles angariados na pesquisa empírica realizada em 1988, como

requisito para obtenção do doutorado (SOUZA, 1992, p. 117-175). As

aulas de filosofia eram ministradas, predominantemente, na 2ª série,

tanto nas escolas públicas como nas particulares. A História da

Filosofia, especialmente a Filosofia Antiga, e Teoria do Conhecimento,

ênfase nos temas conhecimento científico e conhecimento filosófico,

foram as áreas do conhecimento mais ensinadas e os assuntos mais

abordados nas aulas.

A filosofia tornou-se disciplina obrigatória no ensino médio. Há

professores preparados e vocacionados em número suficiente para

atender a esses jovens? Será que os jovens de hoje reconhecem a

importância e a contribuição da filosofia em sua formação e

endossam sua presença e/ou manutenção na grade curricular tal qual

aqueles que entrevistei no passado? Frente ao apelo irresistível das

mídias e das novas tecnologias da informação, as aulas de filosofia

serão percebidas como “úteis e agradáveis” e importantes para o

conhecimento e compreensão do mundo, de si mesmo e das demais

pessoas com as quais convivem, bem como uma disciplina capaz de

auxiliar o processo de aprendizagem das demais disciplinas do

currículo, como atestaram os jovens pesquisados? Os alunos de hoje

estão mais preparados para superar as dificuldades de entendimento

dos textos filosóficos e mais habilitados para a expressão oral e

escrita do que foi apreendido, do que aqueles que foram sujeitos de

minha pesquisa?

Tais perguntas podem ser condensadas em uma questão mais ampla

a ser investigada sobre o próprio “sentido educacional da filosofia”

(KOHAN, 2002, p.8-9): Qual o sentido educacional da filosofia

como disciplina obrigatória do ensino médio?

Fica o registro de um passado e o convite para um diagnóstico

acurado do presente com vistas a um prognóstico promissor do

ensino da filosofia no curso médio.

Referências bibliográficas

KOHAN, Walter. Apresentação. In: ________ (org.). Ensino de filosofia - perspectivas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. NAEG: banco de dados. Disponível em:<http://naeg.prg.usp.br/gt/respostas/>. Acesso em 01 jul.2006.SOUZA, Sonia Maria Ribeiro de. Por que filosofia? Uma abordagem histórico-didática do ensino da Filosofia no 2º Grau. 1992, 225 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.THIOLLENT, Michel Jean-Marie. Aspectos qualitativos da metodologia de pesquisa com objetivos de descrição, avaliação e reconstrução. Cadernos de Pesquisa . São Paulo: Fundação Carlos Chagas, v.9, n.49, p. 45-50, maio. 1984.