Soraia Chafic El Kfouri

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  • 7/26/2019 Soraia Chafic El Kfouri

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    GESTO EDUCACIONAL

    A escola como espao de contradio

    EDUCATIONAL MANAGEMENTThe school as a contradiction space

    Salerno, Soraia Chafic El Kfouri Salerno

    Docente e coordenadora do Curso de Pedagogia/ CCH da Universidade

    Presbiteriana Mackenzie, mestre em educao pela UNESP/Marlia e doutora

    em polticas educacionais pela UNICAMP.

    Resumo:

    Este trabalho tem como objetivo discutir o projeto de escola enquanto um reflexo

    do projeto de nao, onde a gesto educacional sofre determinaes do setor

    econmico; a implementao da poltica de identidade desencadeada nos

    sistemas de ensino via discurso neoliberal passando por nfases e variaes em

    suas proposies, apresenta-se num aspecto comum que a focalizao na

    escola, com vistas a responsabiliz-la pelo seu processo, recebendo o julgamentoimediatista de ineficaz, sem considerar que seu contexto fruto de uma trajetria

    histrica marcada por contradies. Destaca-se a redefinio do papel do Estado

    Nacional fruto de uma necessidade histrica, bem como, resultado de influncias e

    (ou) determinaes de polticas externas, oriundas do processo globalizante. A

    escola torna-se alvo de interesses, pelo seu espao privilegiado de coordenao e

    regulao do contexto social, ao ser influenciada pelo paradigma da racionalidade

    cientfica atravs do modelo administrativo gerencial nas unidades de ensino

    mediante orientaes administrativas concernentes ao planejamento na escola. A

    abordagem crtico-dialtica proposta para o alcance de snteses a partir do

    estudo do conflito real de implementaes polticas. O discurso neoliberal,

    promotor de uma cultura organizacional, destacado, com vistas a desvelar suas

    intencionalidades, considerando que expresses so veculos ideolgicos,

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    reconhecendo que enunciados so armas. Para alm do certo e do errado, como

    efeito de uma posio extremista, mas pela tomada de posies que busquem o

    desvelar de polticas desencadeadas, identificando sua lgica, para a

    autoconscincia conscincia coletiva, condio essencial na atuao num

    espao de profunda contradio a escola.

    Abstract:

    The goal of this study is to objectively discuss the project of school as a reflex of a

    nations project where educational management is under the determination of the

    economic sector. The implementation of the identity policy in the educational

    system through the neoliberal speech, with different enphasis and variations ofpropositions, has resulted in a common aspect which is the focus in school as

    responsible for its process, judging it inefficient not considering that school context

    is a result of a historical trajectory marked by contradictions. It is important to point

    out the redefinition of the role of the National State as a result of historical need

    and also as a consequence of external politics infuence through the globalization

    process. School becomes the goal of interests because of its priviledged space of

    coordination and regulation of social context being influenced by the paradigm of

    scientifc rationality through the management model in teaching units under

    administrative guidance concerning school planning. The critical-dialectic aproach

    is proposed to reach synthesis from the study of real conflicts of implemented

    politics. The neoliberal speech, promoter of an organizational culture, is aimed to

    unveil its intentionalities considering that expressions are ideological vehicles,

    recognizing that sentences are weapons. Going beyond right or wrong as an

    effect of an extreme position, but by taking positions that seek the unveiling of

    resulted politics, identifying its logic, from self-conciousness to corporate-conciousness, which is an essential condition for acting in an enviornment of

    contradiction School.

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    Este trabalho parte do princpio de que um projeto de escola no se

    dissocia de um projeto de Estado, por razes que chegam a ser bvias, j que um

    projeto de educao s tem sentido se for parte de um projeto social de Estado,

    de um projeto coletivo. No sentido positivo deste princpio, entende-se que esta

    relao e mesmo correlao de influncias promove a identidade de uma escola,

    que se constri antes dela, em seu cenrio social, pois requer deste projeto uma

    identidade que definida pela luta no seu espao e tempo coletivos, os quais a

    influenciam como uma fora modeladora.

    No sentido negativo, a fora modeladora tambm manipula, legitimando

    as idias dos que controlam o Estado. Para Marx, o Estado visto como reino da

    fora e no da razo1, pois no o reino do bem comum, mas sim do interesse

    parcial, ou seja, de dominao de uma classe sobre as outras, o que se constata

    na histria: uma minoria controlando a maioria.

    A contradio que comporta o princpio no deve desviar o olhar das

    possibilidades nesta correlao, pois o mesmo espao que segrega, manipula,

    pode emancipar, por meio do desvelamento e luta.

    As polticas sociais so ingredientes de um processo de luta e tambm

    de manipulao, que influenciam o projeto de escola. As polticas sociais so

    componentes do modo de produo capitalista, pois o desenvolvimento capitalista,

    ao mesmo tempo em que produz valores, riquezas, produz a pauperizao de

    valores e de condies de vida, porque o capitalismo se sustenta com a

    desigualdade, riqueza e pobreza. As polticas sociais, como estratgia

    governamental, num determinado perodo de Estado, tanto na oferta expansiva,

    quanto no enxugamento e (ou) descentralizao de responsabilidades, expressam

    o esforo de manuteno de poder.

    1Norberto Bobbio (2003), ao tratar as formas de governo, faz referncia abordagem de Marx edos clssicos; dentre elas, situa duas concepes do Estado: o Estado como reino da razo, emque o Estado elevado a ente da razo, o nico no qual o homem realiza plenamente suaprpria natureza como ser racional; e o Estado como reino da fora, que leva Marx a considerarque o Estado no tem como objetivo o bem-estar de todos, mas sim daqueles que detm opoder, embora sejam a minoria.

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    O Papel da Escola

    Para falar sobre o contexto escolar, no que se refere definio de sua

    identidade, necessrio situarmos o atual momento histrico e conceitual, para

    buscar alguns desvelamentos sobre sua manifestao.Do moderno ao ps-moderno, supe-se um movimento histrico, da

    fragmentao pela via da especializao, homogeneizao pela via da

    valorizao das diferenas enquanto defesa da ps-modernidade, essas

    caractersticas mostram-nos somente sua superfcie. Esse movimento no

    representa uma ruptura, pois no rompe com a lgica do capital, que favorece a

    interesses economicistas.

    Habermas, citado por Anderson (1999:46), ao tratar sobre o inconclusoprojeto da modernidade, diz ser um amlgama contraditrio de dois princpios

    opostos: especializao e popularizao.

    O ps-moderno surge anunciando a morte da grande narrativa, como

    direitos universais defendidos pela prpria burguesia, a partir dos anos de 1970,

    quando o comunismo, uma alternativa ao capitalismo (ou um concorrente dele),

    enfraquece.

    O uso da expresso ps-moderno surge para designar um estilo ps-

    moderno, no mundo das artes. A noo de ps-moderno, antes circunstancial

    pelo seu uso de sentidos diversos, segundo Anderson (1999:20), s ganhou

    difuso mais ampla a partir da dcada de 1970, compondo-se como

    caractersticas de um perodo, deixando de ser somente uma tendncia artstica.

    Anos 1970: poca marcada por crises no comunismo, crise no petrleo;

    portanto, crises econmicas, bem como ideolgicas. Para Hobsbawm (2000:10), a

    escolha de uma data especfica no passa de uma conveno, e no algo por

    que os historiadores estejam dispostos a brigar. H apenas um indcio claro do

    trmino do Sculo Breve: sabemos que, desde 1973, a economia mundial entrou

    em nova fase.

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    Hobsbawm identifica o colapso da Unio Sovitica coincidindo com uma

    srie crise de depresso na economia dos pases ocidentais. No que outras

    crises no tenham surgido, pois a economia sofre oscilaes relativamente

    pequenas, ao passo que de 1970 para c, presenciamos um perodo de fortes

    crises.

    No entanto, Hobsbawm (2000:69), ao ser indagado sobre finalizao de

    um processo globalizante, responde que no acredita que chegamos ao fim de um

    processo e que o resultado esteja posto, pois no se encontra encerrado, mas em

    mudana.

    Estar numa nova fase no significa a concluso de um processo. A ps-

    modernidade, ento no deve ser entendida como a superao da modernidade.

    Tem-se, ento, com a expresso ps-modernidade, uma disperso da

    modernidade, no o seu fim; presencia-se uma crise persistente num perodo

    duradouro, apresentando-se comumabase material: a globalizao econmica,

    que a superao do local, na conquista de novos espaos a serem explorados;

    uma base ideolgica: o neoliberalismo, calcado na lgica de mercado,

    defendendo um estado mnimo em detrimento de um estado benfeitor, e uma

    base poltica: a planetarizao, difuso de estilos de administrao gerencial com

    foco nos resultados, respaldada na base ideolgica, manifesta-se pela

    desconstruo dos Estados nacionais perifricos, pela demonstrao de sua

    incompetncia, numa interveno que os sujeita aos pases centrais. Esses

    aspectos se entrelaam, gerando um contexto de fortes influncias para as

    polticas educacionais considerando que um projeto de escola no se dissocia

    de um projeto de nao.

    Vieira (2001:22), ao analisar o Estado e as polticas sociais, identifica a

    dissociao de poltica social de poltica econmica, considerando esta dicotomia

    sustentvel somente do ponto de vista didtico, porque no existe nada mais

    econmico que o social e nada mais social do que o econmico. Rosar (2001:62)2

    2 In: LOMBARDI, J. C. (Org.). Globalizao, ps-modernidade e educao histria, filosofia etemas transversais.

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    refere que o Estado assume um papel mais tecnocrtico, afastando-se das

    responsabilidades sociais consideradas no rentveis.

    O Estado de Bem-Estar Social, uma criao do capitalismo, como nos

    lembra Vieira, foi necessrio para sua manuteno em determinado momento

    mesmo este perfil de Estado, manifestado com pouca expresso no Brasil, bem

    como nos demais pases da Amrica do Sul.

    A expresso de um neoliberalismo tardio no Brasil apontada por

    Vieira com a elaborao do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em

    1995, elaborado pelo ento ministro do Ministrio da Administrao e Reforma do

    Estado (extinto MARE), Luiz Carlos Bresser-Pereira.

    Esse documento aponta a necessidade de redefinio do papel doEstado, pondo em cheque as polticas sociais, que lhe davam, at ento, o sentido

    de seu papel. Castanho (2001:24)3nos diz [...] que o Estado nacional se encontra

    em crise de identidade, o que condiz mais com a retrica oficial, que prope sua

    redefinio.

    Considerar, porm, o momento atual4como um processo de diluio do

    Estado nacional ainda tratar superficialmente, pois um movimento contrrio se

    estabelece, e se presencia um Estado mnimo para benefcios sociais e umEstado interventor para a concretizao de interesses de corporaes

    internacionais.

    Para Hobsbawm (2000:89), [...] houve um momento em que parecia

    que os Estados poderiam ser seriamente debilitados ou mesmo eliminados por

    serem obstculos para a economia transnacional. Portanto, no se considera que

    os Estados nacionais estejam falidos, pois os Estados centrais tm um forte papel

    de executar uma poltica protecionista, e os Estados perifricos tornam-se

    necessrios para a economia enquanto mediadores de interesses de organismos

    intervencionistas.

    3Id., ibid.4Final do sculo XX a comeo do sculo XXI.

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    [...] o argumento de que os recursos so distribudos de uma maneira tima

    pelo mximo crescimento capitalista nunca foram convincentes. Mesmo Adam

    Smith acreditava que havia coisas que o mercado no poderia ou no deveria

    regular. Assim, os governos que adotam a ideologia neoliberal no esto

    dizendo o mesmo que aqueles, nos quais me incluo, que reconhecem a

    irreversibilidade da globalizao. H muitos outros modos pelos quais pode

    avanar a globalizao; no preciso que ela se restrinja eliminao dos

    obstculos aos lucros (p. 79).

    Para Hobsbawm, uma evoluo equilibrada, numa anlise histrica, no

    se respaldou na liberdade de comrcio, mas sim do protecionismo, a exemplo dos

    pases de maior poder econmico que insistiram em proteger suas indstrias, at

    que elas tivessem condies de competir economicamente.

    Esse perfil de Estado mediador de interesses hegemnicos expresso

    num movimento no eixo centralismodescentralismo, que podemos identificar

    como um recentralismo moderno.

    Casassus (citado por BORGES, 2002:47),

    lembra as recomendaes do Fundo Monetrio Internacional, que, aorenegociar as dvidas dos pases, sugere a diminuio dos gastos pblicos,

    para tanto motivando tais pases j endividados, sem distino ideolgica, a

    levarem adiante processos de descentralizao educativa.

    Neste contexto, Borges aponta que a descentralizao, por sua lgica e

    seu significado, conduz individualizao e privatizao. Descentralizao essa

    manifesta pela desconcentrao, que traz um movimento diretivo de cima para

    baixo, e no como conquista de espaos de deciso.

    A desconcentrao est mais prxima ao centralismo, pois traz a idia

    da diviso, fragmentao para o exerccio de melhor regulao.

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    Essa lgica de descentralizao reflexo de um novo modelo

    administrativo, a administrao gerencial, que difere da administrao burocrtica

    no que se refere ao alcance de objetivos, enfatizando o controle dos resultados,

    defendendo uma autonomia processual, segundo Moraes (2002:19)5. Nessa

    lgica, uma proposta de reforma do Estado est longe de desorganizao ou no-

    clareza de sua intencionalidade, mas so formas

    [...] por intermdio das quais suas agncias so supostamente

    profissionalizadas e despolitizadas por meio de um enfoque gerencial,

    voltado para o cliente, para os resultados, para a qualidade do output e no

    para a fidelidade a normas.

    O curioso, lembra-nos Moraes, que no se trata apenas de uma

    reforma administrativa, mas de um novo modelo civilizatrio, j que idias centrais

    e novos modelos de polticas precisam encarnar em agncias do Estado.

    Poderamos chamar, talvez, de uma nova cultura organizacional.

    A escola determinada por esse movimento histrico, porque reflete as

    contradies dos dispositivos polticos desencadeados pelas atuaes

    governamentais, e estas, determinadas, quando no amarradas, pelo contexto

    normativo legal condicionado por corporaes internacionais.

    A partir da dcada de 1960, o sistema escolar se expande, o efeito

    entusiasmo pela educao traz o tema escolarizao a uma pauta internacional

    o que alguns autores denominam, como lembra Braslavsky e Gvirtz (2000:42),

    de internacionalizao da educao ; a escola passa a ser uma instituio

    conhecida por todos, num cenrio de expanso para toda a Amrica Latina, com

    caractersticas semelhantes.

    Mas, medida que a escola se expande, como conseqncia de

    implementaes polticas, os recursos encolhem, no acompanhando a real

    necessidade; o dualismo se intensifica, dissociando-se o poltico do econmico,

    5In: Revista de Cincia da Educao / Campinas CEDES. Vol. 23 n. 80, set/ 2002.

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    esvaziando a declarao de universalizao de direitos. O reconhecimento da

    necessria unidade do poltico, ao intencional voltada para a plis, para o bem

    comum, com a consistncia de condies para tal, questo sine qua non.

    Braslavsky e Gvirtz (p. 49) afirmam que

    [...] muitos pedagogos e quadros mdios da gesto educativa hoje resistem a

    introduzir a perspectiva econmica e financeira na elaborao de suas

    propostas, o certo que a agenda das polticas educativas latino-americana

    dos anos 90 a incorpora decididamente.

    Outra leitura pode ser feita, ao considerarmos que a resistncia refere-se lgica economicista de conteno para polticas sociais, como um processo

    de desresponsabilizao estatal, focalizando o local como o responsvel coletivo

    pelos resultados apresentados, sem considerar a falta de condies para a

    concretizao de um projeto educativo. H resistncia, sim, viso economicista e

    no necessria unidade poltica e econmica.

    A escola, ao se expandir, absorve as diferenas sociais, constitudas

    numa sociedade de classes, diferenas antes excludas desde seu acesso escolarizao, agora excludas no processo de parcos recursos no contexto da

    escolarizao. De uma excluso do processo de escolarizao participao num

    processo de escolarizao excludente.

    Nesta ltima dcada - anos 1990-, de maneira mais intensa, assistimos

    a dispositivos legais que conduzem os sistemas educativos definio de sua

    identidade pela via da elaborao de seu projeto pedaggico.

    Vale lembrar que a expresso poltico, do projeto pedaggico, foiexcluda do contexto normativo da Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional (LDB 9394/96), Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCNs), embora se mantenha na literatura e por algumas

    unidades escolares, talvez como resistncia. No podemos desconsiderar que a

    linguagem, idias e valores exercem certo grau de direcionamento; segundo

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    Moraes (2002:14)6[...] dizer que algo apenas discurso ou mero reflexo pode

    ser perigoso, porque arrisca ignorar que enunciados so armas.

    A elaborao do projeto pedaggico da escola atenderia, ento,

    poltica da identidade, considerando o atendimento s diferenas regionais e

    locais, ou seja, seria a focalizao na escola.

    Ao voltarmos o olhar para os dispositivos no nvel macro, identificamos

    um caminho normativo conflituoso, como a elaborao dos PCN para o ensino

    fundamental elaborado pelo Ministrio da Educao e Cultura, anterior

    elaborao da LDB (1996), bem como a elaborao das DCN para o ensino

    fundamental (1998), elaboradas pelo Conselho Nacional de Educao (CNE), que,

    supe-se, deveria dar o norte para a elaborao dos PCN (1997). Como se isto

    no bastasse, presencia-se, no contexto desses documentos, PCN e DCN,

    omisses e desentendimentos entre o MEC e CNE, como aponta Bonamino e

    Martinez (2002:376)7, j que expresses tratadas num contexto so omitidas em

    outro, como temas transversais (PCN) para vida cidad (DCN), e um documento

    (DCN) desobriga a adoo do outro (PCN). Observamos, ento, ausncia de

    colaborao e falta de dilogo por duas instncias responsveis pela

    implementao da reforma curricular nos sistemas educativos. Num contexto

    desagregador como este, a escola orientada a construir sua identidade, a rever

    sua funo social, a ser competente, sem que se considerem as condies para

    tal.

    O contexto escolar, fruto desta contradio, apresenta-se como

    partcipe de uma estrutura excludente, pois o Estado, esvaziado de seu sentido 8,

    6In: Revista de Cincia da Educao / Campinas CEDES. Vol. 23 n. 80, set/ 2002.7Id., ibid.8Ao reportar para o sentido do Estado, toma-se como ponto de partida A Teoria Geral Moderna,

    que reconhece que seu sentido se constitui, sobretudo do Direito Pblico e se expande para oDireito Administrativo, Direito Internacional (Pblico e Privado) etc., como desenvolvimento daidia da sociedade poltica que se constitui principalmente com a institucionalizao do poder Estado na Antiguidade Clssica o poder que era manifestadamente personalizado(FILOMENO, 1997). O sentido que aqui se vale do Estado enquanto meio para o fim bemcomum. No entanto, um meio que no deveria prescindir da referenciao do bem comum,embora possa apresentar-se com facetas de controle, dominao, libertao, domesticao,democratizao, potencializao etc.: faces de exerccios governamentais, portanto, uma esferade correlao de foras em que ora empodera, ora domina.

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    passa a reforar a diferenciao pela focalizao na escola, gerando a

    desagregao.

    O que se perde por ver o mundo plural? Segundo Wood (2003:221),

    no se permite a viso do todo, pela nfase na poltica da identidade, pois se d

    relevo s diferenas de cor, religio, sexo, sem analisar as diferenas de classe,

    que, na sociedade capitalista, so geradas anteriormente escolarizao.

    O velho conceito liberal de igualdade poltica, legal e formal, ou uma

    noo do que se convencionou chamar de igualdade de oportunidades, capaz de

    acomodar as desigualdades de classe, no apresentou desafio fundamental ao

    sistema de relaes de classe. Num modelo atualizado, a agenda se renova, com

    a expresso oportunidades equivalentes, com a defesa de que, segundo

    Braslavky e Gvirtz (2000:48), [...] levam a processos diferentes em instituies

    tambm diferentes..

    As autoras, ao tratar dessa nova agenda, apresentam a mudana na

    regulao do Estado, antes centrada nos processos; agora, uma regulao

    centrada nos resultados.

    A focalizao das diferenas para o local traz uma lgica perversa de

    fragmentao, um discurso esvaziado pela garantia de direitos localizados, taiscomo direitos de pequenos grupos, pois gera uma emancipao limitada,

    anulando o espao para uma ampla luta poltica, no esbarrando na diferenciao

    proveniente do sistema de classe. como, num problema, atacar a manifestao

    em detrimento de suas causas. Como garantir direitos especficos, sem a garantia

    de direitos universais? Como garantir oportunidades equivalentes, sem igualdade

    de condies?

    Ao se tolerar a focalizao, como resultado do esvaziamento do Estado,

    pela responsabilizao local, estaramos em defesa de polticas compensatrias,

    ou seja, pela implementao de mecanismos compensatrios, temporrios.

    Precisa-se de uma poltica ativa, cujas causas, pela identificao do problema,

    sejam levantadas, para que aes conscientes sejam implementadas, de maneira

    duradoura.

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    Para alm do certo e do errado, nem buscando ser otimista ou

    pessimista, como efeito de uma posio extremista, mas pela tomada de uma

    posio que busque o desvelar das polticas desencadeadas, identificando sua

    lgica, tanto para a autoconscincia como para a conscincia coletiva, torna-se

    essencial a atuao num espao de profunda contradio: a escola.

    O imobilismo tanto quanto a subordinao deliberada, por se considerar

    impotente, diante deste quadro, devem ser rejeitados. Pois a recuperao do local

    passa pela valorizao do local de trabalho, como um processo rico de relaes.

    Deve-se considerar a valorizao do local de trabalho como garantia de direitos

    universais. A base geogrfica dessa construo ser o lugar, considerado como

    um espao de exerccio da existncia plena. Essas relaes oportunizam novas

    racionalidades e contra-racionalidades, ou seja, a resistncia a um pensamento

    hegemnico e (ou) irracionalidades.

    Os conflitos existentes nos possibilitam uma nova conscincia, pois o

    momento histrico exigente de uma mais elaborada interpretao. O momento

    no para nostalgias romnticas, o desejo do retorno, mas para a proposio, a

    definio esclarecida de intencionalidade e o exerccio de uma nova poltica, para

    garantir, no de maneira compensatria, o direito a um bem universal: o saber

    produzido historicamente pelas geraes passadas, como suporte para a

    produo de novos saberes, que a funo social da escola a efetiva

    socializao do saber, sua real identidade.

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