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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES CURSO DE GRADUAÇÃO EM LICENCIATURA EM FILOSOFIA ERIK FERNANDO KIERSKI SPINOZA E A FILOSOFIA DA MENTE

Spinoza e a Filosofia Da Mente

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Trabalho produzido para a disciplina de Problemas Metafísicos

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Page 1: Spinoza e a Filosofia Da Mente

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

CURSO DE GRADUAÇÃO EM LICENCIATURA EM FILOSOFIA

ERIK FERNANDO KIERSKI

SPINOZA E A FILOSOFIA DA MENTE

CURITIBA

2015

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ERIK FERNANDO KIERSKI

SPINOZA E A FILOSOFIA DA MENTE

Trabalho apresentado à disciplina de Problemas Metafísicos, do Curso de Graduação em Licenciatura em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito à obtenção de nota parcial para o quinto período.

Orientador: Prof. Dr. Eládio Craia

CURITIBA

2015

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..................................................................................................03

2. A METAFÍSICA DE SPINOZA.........................................................................04

2.1. O PARALELISMO..................................................................................05

3. A FILOSOFIA DA MENTE...............................................................................06

3.1. O MONISMO MATERIALISTA EM ESPINOSA.....................................07

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................08

REFERÊNCIAS....................................................................................................09

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1. INTRODUÇÃO

 

          A história da filosofia permite uma amplitude de pensamento que ultrapassa

os limites da história. Há variadas filosofias, segundo variados autores e em variadas

épocas, mas sempre há os que mais se destacam, com ideias que acabam

permeando a filosofia posterior, e até mesmo para além de seu tempo.

Um dos pensadores que teve grande destaque foi René Descartes, que

recentemente foi retomado na filosofia da mente. O filósofo resolveu colocar tudo em

dúvida, mas percebeu que, ao extremo, não poderia colocar a própria razão que

duvida em dúvida. Assim, Descartes concebe que o mundo deve existir a partir

dessa razão, e então cunha a famosa frase cogito, ergo sum, ou “penso, logo

existo”. Porém, concebe que há uma razão ou um “eu”, que seria uma “coisa

pensante” (res cogitans) e o mundo extenso ou “coisa extensa” (res extensa); e é

desse dualismo que a filosofia da mente se apropria. Em sua filosofia, a “alma” seria

separada do corpo; ela daria razão ao mundo, enquanto ele seria apenas uma

espécie de máquina, mecânico e posto em movimento pela alma. Atualizando os

termos, a “alma” passa a ser a “mente”, que estaria separada do corpo, ou seja, não

estaria no cérebro. Essas teorias geram discussões acerca do status ontológico da

mente e da relação mente-corpo, concernentes à filosofia da mente. A corrente

descendente das ideias cartesianas passa a ter o nome de dualista.

Essa introdução nos serve apenas para esboçar elementos mais comuns à

filosofia da mente que possuem relação com o pensamento ocidental, no entanto,

nosso objetivo neste trabalho diz respeito às ideias de outro pensador muito

importante da filosofia, bastante influenciado por Descartes, e que também tem suas

ideias participantes na filosofia da mente, chamado Baruch Spinoza. Para cumprir tal

objetivo, nosso trabalho constará de três partes: na primeira, delinearemos

brevemente algumas ideias a respeito de Spinoza e sua metafísica, bem como sua

concepção de mundo; em um segundo momento, é necessário que expliquemos

sobre o dualismo de propriedades em filosofia da mente, para, por fim,

relacionarmos com as ideias do filósofo.

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2. A METAFÍSICA DE SPINOZA

 

          Spinoza escreve, em sua obra Ética, toda sua concepção de mundo, desde

sua gênese até o ser humano. A obra toda é escrita de maneira geométrica, ou seja,

como se fosse um livro de matemática, com definições, axiomas, escólio, e etc. Sua

filosofia tem influência cartesiana, no sentido de ser um racionalista, que concebe o

mundo a partir dos conceitos da razão, e não apenas como partindo da realidade

empírica. Para o filósofo, há uma unidade na gênese de tudo o que existe, mas não

temos percepção dessa unidade pois o que nos aparece é dado a partir de nossa

percepção sensorial, não significando que não haja outros modos de existência.

Para Spinoza, o mundo se dá a partir de uma única substância, que é Deus, o

ser absolutamente infinito. Por substância, Spinoza entende “o que é em si e se

concebe por si” (SPINOZA, 1965, p. 15), ou seja, é algo que não precisa de qualquer

outra coisa para ser criado; que se cria por si mesmo. A substância é causa de tudo,

sendo que seus efeitos são chamados de atributos, “aquilo que o entendimento

percebe de uma substância como constituindo a essência dela”. Esses atributos, por

possuírem a essência da substância, são infinitos, e também devem ser concebidos

em si mesmos. Afirma Spinoza (1965, p. 23):

[...] cada ser deve ser concebido sob um certo atributo e a realidade ou ser que possui é proporcional ao número de atributos que exprimem a necessidade, ou, por outra, a eternidade e a infinidade; e consequentemente também isto: o ser absolutamente infinito deve ser necessariamente definido o ser que é constituído por uma infinidade de atributos, cada um dos quais exprime uma certa essência eterna e infinita. 

          Assim, o eterno e o infinito são atributos que possuem apenas a essência da

substância, mas não a existência; enquanto toda a existência perceptível por nossos

órgãos sensoriais está relacionada a um outro atributo da substância, incluindo o

tempo e o espaço. Não percebemos o eterno pois estamos inseridos no tempo que

faz parte do atributo da existência, e assim o é também com relação ao infinito no

espaço finito que percebemos. Mas as coisas particulares que percebemos são

apenas modos, i.e., expressões certas e determinadas dos atributos. Deleuze (2002,

p. 23) resume perfeitamente a teoria spinozana, dizendo que “há uma única

substância que possui uma infinidade de atributos, Deus sive natura, sendo todas as

‘criaturas’ apenas modos desses atributos ou modificações dessa substância”.

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2.1. O PARALELISMO

 

          Deleuze afirma, em sua obra Spinoza Filosofia Prática, que Spinoza propõe

um novo modelo aos filósofos, que seria o corpo (DELEUZE, 2002, p. 23). Sabemos

muito sobre consciência, vontade, ação; mas ainda sabemos pouco sobre o corpo.

Porém, seria uma provocação, na medida em que o filósofo não concebe corpo e

alma como algo separado, e sim como atributos diferentes de uma mesma

substância, um paralelismo.

          Em Descartes, a ideia é de que as paixões estão ligadas ao corpo, fazendo a

alma sofrer quando o corpo age. Ou seja, algo como a inveja, por exemplo, está

ligado apenas àquilo que a alma sente no corpo, e então ela padece sem controle

disso, pois alma e corpo são separados. Mas em Spinoza, não é o que ocorre com o

paralelismo, que prevê uma atuação das afecções no corpo e também na alma.

[...] ela [a teoria do paralelismo] não consiste apenas em negar qualquer ligação de causalidade real entre o espírito e o corpo, mas recusa toda eminência de um sobre o outro. Se Spinoza recusa qualquer superioridade da alma sobre o corpo, não é para instaurar uma superioridade do corpo sobre a alma, a qual não seria mais inteligível. (DELEUZE, 2002, p. 24) 

          Ou seja, não há causação entre alma e corpo, pois ambos são atributos

diferentes de uma mesma substância, e nenhum é mais que o outro, ou seja,

trabalham de forma separada, e a interação que possuem se dá através de ideias

das afecções do corpo na alma. O corpo é modelo, na medida em que é necessário

que comparemos aquilo que as afecções causam na alma com as que causam nele,

para então termos uma ideia do que elas são.

Após essa breve introdução ao pensamento spinozano, vamos apresentar

algumas correntes da filosofia da mente, e verificar em qual delas caberia inserir a

filosofia de Spinoza.

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3. A FILOSOFIA DA MENTE

 

          Esta corrente da filosofia surge, segundo Costa (2005, p. 6), a partir da

publicação do livro The Concept of Mind, de 1949, no qual o filósofo Gilbert Ryle

critica a antiga filosofia cartesiana por afirmar um "fantasma na máquina". Como

vimos, na filosofia cartesiana mente e corpo são separados, sendo o corpo apenas

um autômato comandado pela mente; mas Ryle afirma que esse dualismo não

existe, e que o problema está nos erros categoriais ao dizer que há um "eu" que

comanda o corpo, quando na verdade há apenas um corpo, com um cérebro que

causa nossos comportamentos. Assim, o pensador traz questionamentos quanto ao

status ontológico da mente, e juntamente com a evolução da biologia e da

neurociência, acaba trazendo novas questões quanto à natureza da cognição

humana. Afinal, o que é mente? Ela é espiritual ou material? Se é espiritual, como se

dá a relação com o corpo material? Se é material, tudo estaria contido no cérebro ou

há algo que identifique-a com ele? Essas são algumas questões relevantes para o

estudo da filosofia da mente, e para respondê-las, houve várias teorias, divididas

entre as correntes dualistas e monistas.

          As teorias dualistas concebem uma separação entre mente e corpo, tendo ou

não primazia de um sobre o outro. A filosofia cartesiana se enquadra como um

dualismo de substâncias, na medida em que concebe mente e corpo como duas

substâncias separadas, sendo o corpo apenas mecânico e a mente concebida por

Deus. Porém, há um problema em definir como os dois interagem, que Descartes

tentou resolver admitindo haver um órgão, que é ao mesmo tempo material e

imaterial, e liga os dois: a glândula pineal.

Há também uma outra teoria dualista parecida com a teoria spinozana, que é

o dualismo de propriedades. Nessa teoria, mente e corpo têm origem em uma única

substância, mas são separados por conta de suas propriedades, tendo o corpo uma

propriedade física e a mente uma propriedade não-física. No entanto, essa teoria

ainda concebe a substância causadora como fora do mundo.

A corrente monista divide-se em espiritualistas, que afirmam tudo estar ligado

apenas à mente, sendo o corpo uma representação; e os materialistas, admitindo

um corpo que possui um cérebro e “causa” a mente. E aqui, entre os materialistas,

podemos enquadrar a filosofia Spinozana.

 

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3.1. O MONISMO MATERIALISTA EM SPINOZA

 

          Como vimos, Spinoza concebe uma única substância que se divide,

causando, infinitos atributos, entre eles os corpos e o pensamento. Os seres

humanos, nesse sentido, seriam uma expressão da atividade dos atributos dessa

substância primordial: o corpo seria um modo do atributo extensão, enquanto a

mente seria um modo do atributo pensamento. Mas, segundo Vicente (2000, p. 62),

nesse sistema monista “a mente está condicionada à existência do corpo, pois a

mente é apenas a ideia das afecções do corpo. Portanto, a mente não pode

conservar-se uma vez que o corpo for destruído”.

          Para o cientista Antônio Damásio, que escreveu a obra Em Busca de Spinoza,

em que relaciona a filosofia Spinozana às suas teorias da filosofia da mente, quando

nosso corpo reage às sensações, a mente cria representações, como um “mapa

neural”, que passar a ser um sentimento quando se acumula. Assim, um sentimento

possui sua gênese da acumulação de reações sensoriais do corpo em

representações mentais (VICENTE, 2000, p. 64).

 

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

          Através deste breve trabalho, foi possível verificar, ainda que de maneira

superficial, as relações que podemos fazer entre a filosofia de Spinoza e a recente

Filosofia da Mente. Mesmo sendo recente, essa corrente filosófica continua em

crescente expansão, e alguns até dizem que ela já produziu mais filosofia desde os

anos sessenta do que toda a tradição filosófica ocidental de dois mil e quinhentos

anos. Interessante é observar como essa filosofia renova a tradição, resgatando a

antiguidade para fundamentar suas teorias. Spinoza, em sua brilhante dedução da

gênese e do funcionamento do mundo, das coisas e dos corpos humanos e não

humanos, pode não ter imaginado que um dia seria revisitado como fundamentação

teórica para a neurociência, algo que teria aprovado com total certeza, pois criou sua

teoria com desejo pelo desenvolvimento científico.

 

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REFERÊNCIAS

 

COSTA, Cláudio F. Filosofia da Mente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 67 p. DELEUZE, Gilles. Espinosa: Filosofia Prática. Trad. Daniel Lins e Fábio Pascal Lins. São Paulo: Escuta, 2002. 144 p. MELO FILHO, Vicente Gomes de; BASTOS, Cleverson Leite. Afecções: uma releitura, a partir de António Damásio, das emoções em Espinosa. 2010. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2010. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1842>. Acesso em: 22-jun-2015. 111 f. SPINOZA, Benedictus de. Ética. Trad. Lívio Xavier. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1965. 341 p. TEIXEIRA, João F. Mente, Cérebro e Cognição. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. 200 p. 

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