Stephen King - A Balada Do Projétil Flexível

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Stephen King

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A Balada do Projtil Flexvel Stephen KingA Balada do Projtil FlexvelStephen Kingchurrasco havia terminado. Tinha sido excelente; bebidas, a carne mal-passada, tostadanas brasas, uma salada de verduras e o molho especial de Meg. Comeara s cinco datarde, Agora eram oito e meia, j quase crepsculo - a hora em que reuniesmovimentadas comeam a gerar desordem. Contudo, ali no havia uma reuniomovimentada. Os reunidos eram apenas cinco: o agente e sua esposa, o prestigiadojovem escritor e sua esposa, e o editor da revista, de sessenta e poucos anos, pormparecendo ser mais idoso. O editor dedicara-se a beber Fresca. Antes que ele chegasse,o agente havia contado ao jovem escritor que, uma vez, ali houvera um problema debebida. O problema desaparecera, bem como a esposa do editor... motivo pelo qual eleseram cinco, em vez de seis.Ao invs de surgir qualquer desordem, caiu sobre eles um nimo introspectivo, quandocomeou a escurecer no ptio dos fundos do jovem escritor, dando para o lago. Oprimeiro livro do jovem escritor tinha recebido uma crtica excelente e vendera uma boaquantidade de exemplares. Ele era um rapaz de sorte e, para seu crdito, estava a pardisso.Com divertida morbidez, a conversa passara do precoce sucesso do jovem escritor paraoutros escritores tambm prematuramente bem sucedidos e que, ento, se haviamsuicidado. Falou-se em Ross Lockridge, depois em Tom Hagen. A esposa do agentemencionou Sylvia Plath e Anne Sexton. O jovem escritor disse que no achava SylviaPlath qualificada como escritora vitoriosa. Ela no se suicidara por causa do sucesso,disse ele; ela obtivera sucesso por ter-se suicidado. O agente sorriu.- Por favor, no podamos falar de outras coisas? - perguntou a esposa do jovemescritor, um pouco nervosamente.Ignorando-a, o agente disse:A Balada do Projtil Flexvel Stephen King- Tambm h a loucura. Houve os que enlouqueceram devido ao sucesso.O agente falava nos tons brandos, mas gorgeados, de um ator nos bastidores. A esposado escritor ia protestar novamente - ela sabia que o marido, alm de gostar de falarsobre o assunto, tambm pilheriava a respeito, porque pensava demais naquilo -quandoo editor da revista comeou a falar. E ele disse algo to estranho, que ela esqueceu oprotesto.- A loucura um projtil flexvel.A esposa do agente olhou para ele, intrigada. O jovem escritor inclinou-se para diante,com ar inquisitivo.- Isso me soa familiar... - disse ele.- Sem dvida - replicou o editor. - Esse termo, a imagem, "projtil flexvel", deMarianne Moore. Ela a usou para descrever um ou outro tipo de carro.Eu sempre pensei que descrevia perfeitamente a condio da loucura. A loucura umaespcie de suicdio mental. Hoje em dia, os mdicos no afirmam que a nica maneirade realmente medir-se a morte atravs da morte da mente? Pois a loucura umaespcie de projtil flexvel para o crebro.A esposa do jovem escritor procurou mudar de assunto.- Algum quer outra bebida?Ningum se manifestou.- Pois eu quero, j que iremos falar dessas coisas - disse ela, e saiu para preparar seudrinque.- Apresentaram-me uma histria certa vez, quando eu trabalhava em sua seleo, emLogan's. Naturalmente, j encerrou suas atividades, da mesma forma que Collier's eagora The Saturday Evening Post, porm sobrevivemos a ambos. - Ele declarou istocom um toque de orgulho na voz. - Publicvamos trinta e seis contos por ano, talvezmais, e a cada ano, quatro ou cinco deles figuravam na coleo de algum comomelhores do ano. E as pessoas os liam. De qualquer modo, o nome desta histria a queme referi era "A Balada do Projtil Flexvel", tendo sido escrita por um homemchamado Reg Thorpe. Um rapaz da idade deste jovem aqui e tambm um sucesso.- No foi ele que escreveu Underworld Figures? - perguntou a esposa do agente.- Sim, foi ele. Uma ficha espantosa para uma primeira novela... Crticas espetaculares,vendas formidveis em brochura e encadernao, Associao Literria, tudo. Inclusive ofilme foi bom, embora no tanto como o livro. Nem lhe chegou aos ps.- Eu adorei aquele livro -disse a esposado autor, novamente atrada conversa, emboraA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kinga contragosto. Tinha a surpresa e agradvel expresso de quem acaba de recordar algoesquecido por muito tempo. - Ele escreveu mais alguma coisa em seguida? LiUnderworld Figures quando freqentava a faculdade, e isso foi... bem, h muito tempo,para lembrar agora.- Voc no envelheceu um dia desde ento -disse a esposa do agente, em tom simptico,embora achando que a esposa do jovem escritor usava um corpete pequeno demais eshorts muito apertados.- No, ele no tornou a escrever - disse o editor. - Exceto por esta nica histria de quefalei. Ele se matou. Ficou louco e matou-se.- Oh! - exclamou desoladamente a esposa do escritor. Eles voltavam ao tema- E o conto foi publicado? - perguntou o jovem escritor.- No, mas no porque o autor enlouquecesse e se matasse. Ela jamais foi impressa,porque o editor ficou louco e quase se matou.O agente levantou-se de sbito para renovar seu drinque, que dificilmente precisava serrenovado. Ele sabia que o editor tivera um colapso nervoso no vero de 1969, no muitoantes de Logan's ter afundado em um mar de tinta vermelha.- Eu era o editor - informou o editor aos restantes. - Em certo sentido, ficamos loucosjuntos, Reg Thorpe e eu, embora eu estivesse em Nova York, ele em Omaha e nemmesmo nos conhecssemos. Seu livro havia sido publicado seis meses antes, e ele semudara para l, a fim de ' `ordenar as idias", como se dizia ento. S sei este lado dahistria, porque vejo ocasionalmente a esposa dele, quando ela vem a Nova York. pintora e bastante boa nisso. Alis, uma moa de sorte. Ele quase a levou consigo.O agente voltou e sentou-se.- Comeo a me lembrar de algo disso agora - falou. - E no foi apenas a esposa, certo?Ele baleou duas outras pessoas, uma delas uma criana.- Exatamente -confirmou o editor. - E foi a criana que finalmente lhe desencadeou aloucura.- A criana o levou loucura? - perguntou a esposa do agente. - O que quer dizer comisso?O rosto do editor, no entanto, dizia que no ia ser forado; falaria, mas sem que oquestionassem.- Conheo o meu lado da histria, porque o vivi -disse o editor da revista. - Tambm souum sujeito de sorte. Tive uma maldita sorte. uma coisa interessante, sobre aqueles quetentam matar-se apontando uma arma para a cabea e puxando o gatilho. Qualquer umpensaria que um mtodo certeiro, melhor do que plulas ou cortar os pulsos, mas no. Quando uma pessoa d um tiro na cabea, no pode dizer o que vai acontecer. OA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingbalao pode ricochetear no crnio e matar algum mais. Pode seguir a curvaturacraniana inteiramente e sair do outro lado. Pode alojar-se no crebro e cegar a pessoa,sem mat-la. Um homem pode meter na testa uma bala de um 38 e acordar no hospital.Outro pode meter na testa uma bala de um 22 e acordar no inferno... se que existe tallugar. Sou propenso a crer que est aqui mesmo, na terra, possivelmente em NovaJersey.A mulher do escritor riu um tanto agudamente.- O nico mtodo infalvel de suicdio atirar-se de um prdio bem alto, mas esta umasada tomada apenas pelos extraordinariamente dedicados. Causa tanta confuso, no mesmo?"Meu ponto, contudo, simplesmente este: quando a pessoa atira em si mesma com umprojtil flexvel, em realidade ignora qual ser o desfecho. No meu caso, saltei de umaponte e acordei em um aterro entulhado de lixo, com um motorista de caminhoespancando-me as costas e bombeando meus braos, para cima e para baixo, como setivesse apenas vinte e quatro horas para ficarem forma e me tomasse por algum aparelhopara exercitar-se em remadas. Para Reg, o projtil foi letal. Ele... Bem, l estou eucontando uma histria e nem sei se querem ouvi-la.Ele olhou inquisitivamente em torno, penumbra cada vez maior. O agente e sua esposaentreolharam-se, duvidosos. A esposa do escritor ia falar que j haviam tido uma dosesuficiente de assuntos lgubres, quando seu marido disse:- Eu gostaria de ouvi-Ia. Caso no se importe de cont-la, por motivos pessoais, querodizer.- Nunca a contei - disse o editor - porm no por motivos pessoais. Talvez nunca tenhaencontrado os ouvintes certos.- Pois ento, conte! - convidou o escritor.- Paul... - Sua esposa lhe ps a mo no ombro. - No acha que...- Agora, no, Meg.O editor disse:- A histria chegou de bandeja, uma vez que nessa poca, a Logan's h muito deixara deler textos no solicitados. Quando eles chegavam, uma moa se limitava a enfi-los emenvelopes de devoluo, anexando uma nota: " Devido crescente despesa e crescenteimpossibilidade do pessoal editorial em dar conta do nmero crescente de textosrecebidos, Logan's deixou de ter manuscritos no solicitados. Desejamos-lhe sorte e quecoloque sua obra em outra editora. " No um formidvel punhado de conversa fiada?No fcil usar a palavra "crescente" trs vezes em uma s frase, mas elesconseguiram.- E se no houvesse selos para a devoluo, a histria ia para a cesta de papis - disse oA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingescritor. - No ?- Oh, inapelavelmente! No h piedade na cidade nua.Uma estranha expresso de desconcerto pairou no rosto do escritor. Era a expresso dohomem que est em uma cova de tigres, onde dzias de homens melhores j foramrasgados em pedaos. At ento, este homem no viu tigre algum. Contudo, elepressente que os tigres esto l e que suas garras continuam afiadas.- De qualquer modo - disse o editor, pegando sua cigarreira - esta histria chegou e amoa da sala de correspondncia a pegou, grampeou a frmula de rejeio primeirapgina e j ia enfi-la no envelope de devoluo, quando viu o nome do autor. Bem, elatinha lido Undenvorld Figures. Todos a tinham lido naquele outono ou estavam lendo,quando no se encontravam na lista de espera da livraria ou vistoriando as prateleirasdos drugstores pela edio em brochura.A esposa do escritor, que percebera a momentnea inquietude no rosto do marido,tomou-lhe a mo. Ele sorriu para ela. O editor acendeu o cigarro com um isqueiroRonson de ouro e, crescente escurido, todos puderam ver quo desfigurado estavaseu rosto - as bolsas frouxas abaixo dos olhos, com uma pela semelhante doscrocodilos, as faces marcadas por sulcos, a ponta do queixo do velho emergindo daquelerosto de avanada meia-idade, como a proa de um navio. Um navio, pensou o escritor,que se chama velhice. Ningum deseja um cruzeiro nele, porm os camarotes estocheios. Por falar nisso, tambm os pores.O isqueiro apagou-se e o editor, sugou pensativamente o cigarro.- A moa da sala de correspondncia que leu aquela histria e a passou adiante, em vezde devolv-la ao autor, hoje editora-chefe na G. P. Putnam's Sons. Seu nome no vemao caso; importa que, no grande grfico da vida, o vetor dessa jovem se cruzou com ode Reg Thorpe, na sala de correspondncia da revista Logan's. Seu vetor subia, o deledescia. Ela entregou a histria a seu chefe e esse chefe a passou para mim. Eu a li eadorei. Em realidade, era um pouco longa, mas pude ver onde ele cortaria quinhentaspalavras, sem deturpar o sentido.Ento, ficaria tima.- Qual era o tema? - perguntou o escritor.- Voc nem devia perguntar - replicou o editor. - Ele se ajusta maravilhosamente aocontexto total.- sobre enlouquecer?- Sim, de fato. Qual a primeira coisa que lhe ensinam, em seu primeiro cursouniversitrio de escrita criativa? Escreve sobre o que voc sabe. Reg Thorpe sabia sobreficar louco, porque estava envolvido nisso. A histria provavelmente me tenhaseduzido, porque eu tambm me achava no mesmo caminho. Agora voc diria - se fosseeditor - que a nica coisa que no precisa ser impingida ao pblico leitor americano, A Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingoutra histria a respeito de Enlouquecer Elegantemente na Amrica, tema secundrio,No Existe mais Dialogo. Um tema popular, na literatura do sculo XX. Todos osgrandes escreveram a respeito e todos os escribas parecem obcecados por isso. Contudo,aquela histria era engraada. Quero dizer, era de fato hilariante."Eu no havia lido nada igual antes e no li at hoje. O mais aproximado seriam algunsdos contos de F. Scott Fitzgerald... e Gatsby. O personagem na histria de Thorpeestava enlouquecendo, mas enlouquecia de maneira muito divertida. A gente ri o tempotodo e havia duas passagens - aquela em que o heri despeja a gelatina de limo nacabea da moa gorda a melhor-em que se dava gargalhadas. S que so gargalhadasnervosas, compreendam. Rimos e depois queremos olhar por cima do ombro, para sabero que ouvimos. As linhas opostas de tenso nessa histria so realmente extraordinrias.Quanto mais se ri, mais nervoso se fica. E quanto mais nervoso, mais se ri... at o pontoem que o heri sai da festa dada em sua homenagem e volta para casa, onde mata aesposa e a filhinha.- Qual a trama? - perguntou o agente.- Ora, isso no vem ao caso - replicou o editor. - Tratava-se apenas de uma histriasobre um rapaz que, aos poucos, ia perdendo o controle para enfrentar o sucesso. melhor que tudo fique vago. Uma sinopse detalhada da trama seria apenas tediosa.Sempre assim."De qualquer modo, escrevi-lhe uma carta. Dizia o seguinte: 'Caro Reg Thorpe, Acabeide ler "A Balada do Projtil Flexvel" e achei excelente. Gostaria de public-la emLogan's, no incio do prximo ano, se lhe convier. Acha que 800 dlares soam bem?Pagamento contra aceitao. Mais ou menos.' Ponto pargrafo.O editor pontilhou o ar noturno com seu cigarro.- 'A histeria est um pouco longa e gostaria que voc a encurtasse em cerca dequinhentas palavras, se for possvel. Eu estabeleceria um corte mnimo de duzentaspalavras. Podemos fazer uma ilustrao.' Ponto pargrafo. 'Telefone, se interessar.'Minha assinatura. E l se foi a carta para Omaha.- E ainda se lembra dela, palavra por palavra, como disse? - perguntou a esposa doescritor.- Mantenho toda a correspondncia em um arquivo especial - disse o editor. - As cartasdele,, as cpias das minhas. No fim, havia uma boa pilha, incluindo-se trs ou quatrocartas de Jane Thorpe, sua esposa. De vez em quando leio tudo aquilo. No muitobom, claro. Querer tentar compreender o projtil flexvel, tentar compreender comouma fita de Mbius s pode ter uma superfcie. assim que so as coisas, neste melhor-de-todos-os-possveis mundos. Sim, sei a carta palavra por palavra ou quase isso.Algumas pessoas sabem a Declarao da Independncia de cor.- Aposto como ele telefonou no dia seguinte -disse o agente, sorrindo. - A cobrar.- No, ele no telefonou. Logo depois de Underworld Figures, Thorpe deixouA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingcompletamente de usar o telefone. Foi sua esposa que me contou. Quando se mudaramde Nova York para Omaha, eles nem mesmo mandaram instalar um aparelho na casanova. Compreendam, ele havia decidido que o sistema telefnico no funcionavarealmente base de eletricidade, mas do rdium. Thorpe achava que este era um dosdois ou trs mais bem guardados segredos do mundo. Afirmou - para sua esposa -queera o radium o nico responsvel pela porcentagem crescente de cncer, no os cigarros,emisses de automveis ou a poluio industrial. Cada telefone tinha um pequenocristal de radium no fone, de modo que, em todas as vezes quando era usado, a pessoainjetava radiao na cabea.- Nossa, o cara era mesmo louco - disse o escritor, e todos eles riram.- Ele escreveu, em vez de telefonar-disse o editor, com um piparote atirando seu cigarrona direo do lago. - Sua carta dizia o seguinte: "Caro Henry Wilson (ou apenas Henry,se possvel), Sua carta foi no apenas excitante, mas tambm gratificante. Minha esposaficou ainda mais satisfeita do que eu. O dinheiro est timo... embora eu deva dizer,com toda sinceridade, que a idia de ver o conto publicado em Logan's me pareceu umacompensao mais do que adequada (contudo, eu o aceito, vou aceit-lo). Estiveexaminando os cortes que indicou e parecem oportunos. Acredito que melhoraro ahistria, alm de deixarem espao para aquelas ilustraes. Atenciosamente, RegThorpe."- Sob sua assinatura havia um pequeno e curioso desenho... mais como um rabisco. Umolho em uma pirmide, como aquele no verso da noita de um dlar. Contudo, em vez deNovus Ordo Secloruin, na faixa abaixo, havia estas palavras: Fornit Some Fornus.- Deve ser latim ou Groucho Marx - disse a esposa do agente.- Era apenas parte da crescente excentricidade de Reg Thorpe - respondeu o editor. -Sua esposa me disse que ele comeara a acreditar nas "pessoas midas", algo assimcomo elfos e fadas. Os Fornits. Eram os elfos da sorte e Reg achava que um delesmorava em sua mquina de escrever.- Oh, meu Deus! - exclamou a esposa do escritor.- Segundo Thorpe, cada Fornit possua um pequeno dispositivo, como um pulverizador,cheio de... p-da-sorte, creio que poderia dizer-se assim. E o pda-sorte...- ... tinha o nome de fornus - completou o escritor, sorrindo amplamente.- Exato. A esposa dele achava isso muito divertido. A princpio. De fato, no incio -Thorpe havia concebido os Fornits dois anos antes, enquanto rascunhava UndenvorldFigures - ela pensava apenas que Reg estivesse lhe fazendo uma brincadeira. Talvez, nocomeo ele estivesse mesmo. A coisa parece ter progredido de fantasia a superstio ede superstio a crena absoluta. Era uma... uma fantasia flexvel. S que rija no fim.Muito rija.Todos ficaram calados. Os sorrisos morreram.A Balada do Projtil Flexvel Stephen King- Os Fomits tinham seu lado engraado - disse o editor. - A mquina de escrever deThorpe comeou a ir regularmente para o conserto, no final da permanncia do casal emNova York, idas que se tornaram ainda mais freqentes quando se mudaram paraOmaha. Thorpe escrevia em uma mquina emprestada, quando a sua foi consertada aprimeira vez, j em Omaha. O gerente da firma ligou dias depois de Reg receber suamquina de volta, para comunicar que lhe mandaria uma conta, pela limpeza no s damquina de emprstimo, como da que pertencia a ele.- Qual era o problema? - quis saber a esposa do agente.- Acho que sei - disse a esposa do escritor.- Ela estava cheia de comida - disse o editor. - Pedacinhos diminutos de bolo e biscoitos.Havia tambm manteiga de amendoim na pea em que so fixados os tipos da mquina.Reg estava alimentando o Fornit que vivia em sua mquinade escrever. Tambmcolocara comida na mquina de emprstimo, na hiptese de que o Fomit se tivessemudado para ela.- Caramba! - exclamou o escritor.- Eu no sabia de nada disso ento, compreendam. Por essa vez, escrevi em resposta,dizendo-lhe o quanto estava satisfeito. Minha secretria datilografou a carta e a trouxepara que eu a assinasse, mas ento precisou sair para fazer qualquer coisa. Assinei, e elaainda no tinha voltado. Foi quando - sem a menor razo para tanto -fiz o mesmodesenho garatujado abaixo de meu nome. Pirmide. Olho. E " Fornit Some Fornus".Loucura. A secretria viu aquilo e perguntou se eu ia mandar a carta assim mesmo. Deide ombros, disse-lhe que a enviasse.- Dois dias mais tarde, Jane Thorpe me telefonou. Disse que minha carta deixara Regmuitssimo excitado. Ele pensava que achara uma alma gmea... outra pessoa quetambm sabia sobre os Fornits. Vem a que situao louca estava chegando a situao?Que me conste, quela altura um Fornit poderia ser qualquer coisa, desde chave-inglesapara canhotos a faca de carne polaca. Idem para fornus. Expliquei a Jane que melimitara a copiar o desenho de Reg. Elaquis saber por qu. Esquivei-me pergunta,embora a resposta pudesse ser que eu estava muito bbado, quando assinei a carta.Ele fez uma pausa, e um silncio incmodo caiu sobre o ptio dos fundos. As pessoasolharam para o cu, para o lago, as rvores, embora no estivessem mais interessantesagora, do que tinham estado um ou dois minutos antes.- Eu tinha estado bebendo durante toda a minha vida adulta, sendo-me impossvel dizerquando a situao me escapou ao controle. No sentido profissional.eu ia do topo da garrafa at quase o prprio final. Comeava a beber no almoo evoltava tocado para o escritrio. Contudo, funcionava perfeitamente bem. Era a bebidadepois do trabalho -primeiro no trem e depois em casa-que me levava para alm doponto funcional."Eu e minha esposa vnhamos tendo problemas no relacionados bebida, mas o fato deA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingbeber piorava ainda mais aqueles problemas. Ela viera se preparando para ir emborahavia muito tempo. Uma semana antes da histria de Reg Thorpe chegar, ela se foi."Eu tentava manejar a situao, quando deparei com a histria dele. Agora bebiapesadamente. E, para cmulo, estava tendo - bem, acho que agora moda dar a isso onome de crise da meia-idade. Na poca, sabia apenas que estava deprimido por causa deminha vida profissional e tambm da vida pessoal. Procurava lutar contra - ou tentava -uma crescente sensao de que editar histrias em massa para o mercado, histrias queterminariam sendo lidas por pacientes nervosos no dentista, donas de casa na hora doalmoo e um ocasional universitrio entediado, no era propriamente uma atividadenobre. Procurava tambm lutar contra a idia - novamente, tentava, alis, era o quetodos fazamos na Logan's, nessa poca - de que em mais seis meses, dez ou quatorze,talvez no houvesse mais nenhuma Logan's."Ento, nessa montona paisagem outonal da meia-idade angustiada, surge uma boahistria, da autoria de um bom escritor - uma energtica e divertida espiada mecnicado enlouquecer. Foi como um raio brilhante de sol. Sei que parece estranho dizer issosobre uma histria que termina com o personagem matando a esposa e a filhapequenina, porm perguntem a qualquer editor o que ele considera uma real alegria, eele lhes dir que a grande novela ou histria inesperadas, caindo em sua mesa detrabalho como um grande presente de Natal. Bem, vocs todos conhecem aquela histriade Shirley Jackson, "A Loteria". Ela termina da maneira mais deprimente que se possaimaginar. Quero dizer, uma bela dama apedrejada at morrer. Seu filho e sua filhaparticipam de seu assassinato, pelo amor de Deus! Contudo, foi uma histria e tanto... eaposto como o editor na New York que primeiro leu a histria, naquela noite voltouassobiando para casa."O que estou tentando dizer que a histria de Thorpe foi a melhor coisa em minhavida, naquele momento. A nica coisa boa. E, segundo o que a esposa dele me disse aotelefone, nesse dia, minha aceitao da histria foi a nica coisa boa que tinhaacontecido a Thorpe ultimamente. O relacionamento escritor-editor sempre de mtuoparasitismo, porm no meu caso e de Reg, esse parasitismo foi elevado a um grauincomum.- Voltemos a Jane Thorpe - pediu a esposa do escritor.- Certo. Penso que a deixei em um desvio, no? Ela ficou zangada no tocante aosFornits. A princpio. Contei-lhe que apenas garatujara aquele smbolo olhoe-pirmide,sem saber ao certo seu significado, e me desculpei pelo que quer que houvesse feito."Ela dominou sua raiva e soltou tudo para mim. Estivera ficando cada vezmais ansiosa, sem ter com quem desabafar. Seus pais estavam mortos e todos os seusamigos viviam em Nova York. Reg no permitia a presena de ningum em casa, almdeles dois, alegando que os outros eram gente do Imposto de Renda, do FBI ou da CIA.No muito depois de se mudarem para Omaha, uma garotinha chegou porta, vendendobiscoitos para as escoteiras. Reg gritou com ela, disselhe que fosse vender aquilo noinferno, que sabia perfeitamente por que estava ali, e por a adiante. Jane tentouargumentar com ele. Disse que a menina s tinha dez anos. Reg respondeu que a genteA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingdos impostos no tinha almas nem conscincias. Alm do mais, disse ele, a menininhapodia ser algum andride. Andrides no estariam sujeitos s leis trabalhistas paracrianas. Talvez o pessoal dos impostos houvesse mandado uma escoteira andride,cheia de cristais de radium, para descobrir se ele estava guardando segredos... e, nessemeio tempo, para impregna-lo com raios cancerosos.- Santo Deus! - exclamou a esposa do agente.- Ela havia esperado uma voz amistosa e a minha foi a primeira. Fiquei sabendo ahistria da menina escoteira, sobre a preocupao de Reg com os Fornits e suaalimentao, sobre fornus e sobre como ele se recusara a ter um telefone em casa ou ausar um. Ela falava comigo de um telefone pago, em uma cabine de druqstore, cincoquarteires alm de sua casa. Disse recear que Reg no estivesse realmente preocupadocom a gente dos impostos, homens do FBI ou da CIA. Em sua opinio, o que seumarido realmente temia era que Eles - algum macio e annimo grupo que o odiava, queo invejava, que no se deteria diante de nada para apanha-lo - houvessem tomadoconhecimento de seu Fornit e quisessem matar a criatura. Se o Fornit morresse, nohaveria mais novelas, mais contos, nada. Compreendem? A essncia da insanidade. Elesestavam decididos a liquida-lo. Resumindo, nem mesmo o Imposto de Renda, que ofizera passar momentos infernais, no relacionado renda gerada por UnderworldFiqures, serviria como pretexto. No fim, eram apenas Eles. A perfeita fantasiaparanica. Eles queriam matar o seu Fornit.- Cus, e o que voc disse a ela? - perguntou o agente.- Procurei tranqiliza-la - disse o editor. - L estava eu, tendo retornado pouco antes deum almoo regado a cinco martinis, falando com aquela mulher aterrorizada que meligava de uma cabine telefnica em um druqstore de Omaha, procurando convenc-la deque tudo estava bem, de que no devia preocupar-se com o marido que acreditavaestarem os telefones repletos de cristais de radium, imaginando que um bando depessoas annimas enviava escoteiras andrides para liquida-lo. Disse-lhe para noinquietar-se, se seu marido havia desligado seu prprio talento de sua mentalidade, a talponto, que acreditava haver um elto morando em sua mquina de escrever."No acho que tenha sido muito convincente."Ela me pediu - no, suplicou - para trabalhar com Reg em sua histria, paraprovidenciar sua publicao. Aquela mulher fez tudo, exceto dizer que `OProjtil Flexvel' era o ltimo contato do marido com o que, humoristicamente,chamamos de realidade."Perguntei-lhe como agir, caso Reg tornasse a mencionar os Fornits. `Seja indulgentecom ele', disse ela. Foram suas exatas palavras - seja indulgente com ele. E ento,desligou."No dia seguinte, havia uma carta de Reg na correspondncia - cinco pginas,datilografadas, espao um. O primeiro pargrafo era sobre a histria. Ele dizia que osegundo rascunho estava indo bem. Achava-se capaz de cortar setecentas palavras dasA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingoriginais dez mil e quinhentas, reduzindo o conto definitivo a nove mil e oitocentaspalavras."O restante da carta era sobre Fornits e fornus. Suas pprias observaes e perguntas...dzias de perguntas.- Observaes? - o escritor inclinou-se para diante. - Quer dizer que ele os viarealmente?- No - disse o editor. - Reg no os via, em um sentido real, porm, de outra maneira...suponho que sim. Sabem como : os astrnomos supunham - sabiam - que Pluto estaval, muito antes de contarem com um telescpio potente o bastante para v-lo. Sabiamtudo sobre ele, estudando a rbita do planeta Netuno. Era dessa maneira que Regobservava os Fornits. Eles gostavam de comer noite, segundo escreveu. Ser que eu jpercebera isso? Ele os alimentava durante todas as horas do dia, porm havia notadoque a maioria da comida desaparecia aps as oito da noite.- Alucinao? - perguntou o escritor.- No - respondeu o editor. - Sua esposa, simplesmente, limpava o mximo daquelacomida na mquina de escrever, quando Reg saia para sua caminhada noturna. E elesaa todas as noites, s nove horas.- Eu diria que ela teve coragem, ligando para voc - grunhiu o agente, remanejando ocorpo volumoso na cadeira de jardim. - Ela prpria alimentava a fantasia do homem.- Acho que no entendeu por que ela me telefonou e por que estava to perturbada-replicou quietamente o editor. Olhou para a esposa do escritor. - Pois aposto que vocentendeu, Meg.- Talvez-disse Meg, e dirigiu ao marido um desconfortvel olhar de esguelha. - Ela nose irritou por voc incentivar a fantasia do marido. Apenas, tinha medo que voc atranstornasse.- Muito bem! -exclamou o editor, acendendo outro cigarro. - E ela removia o alimentopelo mesmo motivo. Se a comida continuasse a acumular-se na mquina de escrever,Reg faria a deduo lgica, partindo diretamente de sua prpria e decididamente ilgicapremissa. Ou seja, que seu Fornit morrera ou tinha ido embora. Portanto, no haveriamais fornus. Em resultado, no haveria mais escritos. Da...O editor deixou a palavra em suspenso na fumaa do cigarro, depois prosseguiu:- Reg imaginou que os Fornits deviam ser criaturas notvagas. Elas detestavam barulho -ele j percebera que no conseguia escrever pela manh, aps reunies ruidosas -odiavam a televiso, a eletricidade livre e o radium. Reg vendera sua T V para aGoodwill por vinte dlares, segundo afirmava, e h muito se fora o seu relgio de pulsocom mostrador de radium. Depois, as perguntas. Como eu ficara sabendo sobre osFornits? Seria possvel que tivesse um morando comigo? Em caso afirmativo, o que eupensava disto, disto ou daquilo? Acho que no preciso ser mais especfico. Se vocs jA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingpossuram um co de determinada raa e podem recordar as perguntas feitas sobrecuidados com ele e alimentao, percebem a maioria das perguntas que Reg me fez. Umpequeno rabisco abaixo de minha assinatura, foi tudo quanto se precisou, para que seabrisse a caixa de Pandora.- O que escreveu em resposta? - perguntou o agente.- Foi a que realmente comeou o problema - respondeu lentamente o editor. - Para nsdois. Jane havia dito "Seja indulgente com ele" e foi o que fiz. Infelizmente, acho queexagerei. Quando respondi carta, estava em casa e muito bbado. O apartamento meparecia demasiado vazio. Tinha um cheiro ranoso excesso de cigarros fumados e poucaaerao. As coisas tinham piorado muito, sem Sandra por ali. As cobertas em cima dosof estavam amarfanhadas. Havia pratos sujos na pia, esse tipo de situao. Eu era umhomem de meia-idade, despreparado para a domesticidade."Enfiei uma folha de papel de minha correspondncia pessoal na mquina de escrever, epensei: Preciso de um Fornit. De fato, eu precisava de uma dzia deles, para quetirassem o p desta maldita casa solitria com fornus, de ponta a ponta. Naqueleinstante, de fato eu estava bbado o bastante para invejar a fantasia de Reg Thorpe."Naturalmente, escrevi para ele que tinha um Fornit. Disse-lhe que o meV tinhaincrveis caractersticas similares ao dele. Era notvago. Odiava barulho, tuas pareciaapreciar Bach e Brahms... Falei que era comum executar meu melhor trabalho aps umanoite ouvindo-os. Descobrira que meu Fornit mostrava uma decidida predileo porsalsicho Kirschner's... - Reg j fizera essa experincia? Eu simplesmente deixavapequenas migalhas perto do Scrillto que sempre carregava - meu lpis azul editorial,caso no saibam - e, pela manh, estava quase tudo consumido. A menor que, comodizia Reg, tivesse havido barulho na noite anterior. Falei-lhe que ficara satisfeito emsaber do detalhe sobre o radium, embora no possusse um relgio de pulso commostrador fosforescente. Acrescentei que meu Fornit estava comigo desde auniversidade. Fiquei to entusiasmado com minha inveno, que escrevi quase seispginas. No final, acrescentei um pargrafo sobre a histria, algo bastante superficial, eassinei.- E abaixo de sua assinatura...? - perguntou a esposa do agente.- Claro. Fornit Some Fornus. - O editor fez uma pausa. - No podem enxergar noescuro, mas fiquei vermelho. Eu estava to infernalmente bbado, toinfernalmente tocado... possvel que mudasse de idia fria luz do dia, mas ento jera muito tarde.- Colocou a carta no correio noite? - murmurou o escritor.- Exatamente. E ento, por uma semana e meia, contive o flego, enquanto esperava.Certo dia, chegou o manuscrito, endereado a mim, sem nenhuma carta. Os cortesestavam como havamos discutido e pensei que a histria houvesse ficado perfeita, maso manuscrito estava... bem, eu o coloquei em minha pasta, levei-o para casa e oredatilografei pessoalmente. Estava coberto de manchas amarelas e estranhas.A Balada do Projtil Flexvel Stephen KingImaginei...- Urina? - perguntou a esposa do agente.- Sim, foi o que imaginei. Contudo, no era. Quando cheguei em casa, havia uma cartade Reg em minha caixa de correspondncia. Agora, dez pginas. Naturalmente, alivinha a explicao para as manchas amarelas. Ele no conseguira encontrar o salsichoKirschner's, de maneira que tentara o Jordan's."Acrescentou que eles o tinham adorado. Em especial com mostarda."Naquele dia, eu estava absolutamente sbrio. Contudo, sua carta, acrescida daquelaslamentveis manchas de mostarda atravs das pginas de seu manuscrito, fez com queeu caminhasse diretamente para o armrio de bebidas. No apenas passei ao lado doarmrio, no me multei. Fui embriagar-me.- O que mais dizia a carta? - quis saber a esposa do agente.Ela se mostrara cada vez mais fascinada pelo relato e agora, inclinada sobre ventre algoavolumado, exibia uma postura que fazia a esposa do escritor recordar Snoopy, no tentode sua casa de cachorro, fingindo ser um abutre.- Desta vez, continha apenas duas linhas sobre a histria. Todo o crdito era atribudo aoFornit... e a mim. O salsicho tinha sido, de fato, uma idia fantstica. Rackne o adorarae, em decorrncia...- Rackne? - perguntou o escritor.- Era o nome do Fornit -disse o editor. - Rackne. Ento, em decorrncia do salsicho,Rackne que, em realidade, estava por trs do texto reescrito. O restante da carta eraum canto paranico. Nunca vi nada semelhante na vida.- Reg e Rackne... um casamento traado no cu - disse a esposa do escritor, com umarisadinha nervosa.- Oh, de maneira alguma -replicou o editor. - O relacionamento deles era puramente detrabalho. Afinal, Rackne era macho.- Bem, fale-nos sobre a carta.- Essa uma que no sei de cor. Tanto melhor para vocs. Mesmo anormalidades, apsalgum tempo tornam-se tediosas. O carteiro era da CIA. O entregador de jornais era doFBI; Reg tinha visto um revlver provido de silencioso, no saco de jornais que omenino carregava. Os vizinhos eram espies de alguma espcie; possuam umequipamento de vigilncia em seu furgo. Ele no ousava mais ir mercearia da esquinapara comprar mantimentos, porque o proprietrio era um andride. Disse que jdesconfiava disso antes, porm que agora tinha certeza. Ele vira os fios que seentrecruzavam sob o couro cabeludo do homem, nasA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingpartes que comeavam a ficar calvas. Alm do mais, estava alta a contagem do radiumem sua casa; noite, podia ver uma mortia claridade esverdeada nos aposentos."A carta terminava assim: `Espero que responda a esta e me ponha ao corrente de suasituao (e do seu Fornit), com referncia a inimigos, Henry. Acredito que este nossorelacionamento tenha sido uma ocorrncia que transcende coincidncia. Poderamosdar a ele o nome de alerta-vital (de Deus? Da Providncia? Do Destino? Inclua o termoque desejar) no ltimo instante possvel."`No crvel que um homem fique sozinho por tanto tempo, contra mil inimigos. Equando, afinal, descobrir que no se encontra s... seria exagero dizer que acomunalidade de nossa experincia se levanta entre a minha pessoa e a destruio total?Talvez no. Eu preciso saber: os inimigos esto atrs de seu Fornit, como esto deRackne? Em caso afirmativo, como voc maneja a situao? Em caso negativo, temalguma idia de por que no esto' Repito, eu preciso saber.'"A carta continha o desenho do Fornit Some Fornus abaixo da assinatura e, em seguida,vinha um P.S., constando de apenas uma frase. Contudo, uma frase letal. O P.S. dizia:`s vezes, desconfio de minha esposa.'"Li a carta do comeo ao fim trs vezes. No processo, dei cabo de uma garrafa inteira deBlack Velvet. Comecei a considerar opes sobre como responder quela carta. Era umgrito de socorro de um homem afogando-se, sem qualquer dvida. A histria omantivera lcido por algum tempo, mas agora ela ficara pronta. E agora ele dependia demim para continuar lcido. Era algo perfeitamente racionai, desde que eu acarretaratudo aquilo."Andei de um lado para outro dentro de casa, por todos os aposentos vazios. Ento,comecei a desligar coisas. Estava muito bbado, lembrem-se, e uma forte bebedeira abrevias inesperadas de sugestibilidade. Da o motivo de editores e advogados optarem portrs drinques, antes de falarem sobre contratos, hora do almoo.O agente deu uma risada ruidosa, mas os nimos permaneceram rgidos, tensos eincmodos.- Por favor, tenham em mente que Reg Thorpe era um senhor escritor. Estavaabsolutamente convicto do que dizia. FBI. CIA. IR. Eles. Os inimigos. Certos escritorespossuem o dom muito raro de refrigerar sua prosa, quanto mais apaixonadamentesentem o seu tema. Steinkeck fazia isso e tambm Hemingway. Reg Thorpe tinha omesmo talento. Quando algum penetrava em seu mundo, tudo comeava a parecermuito lgico. Achava-se muito provvel, uma vez aceita a premissa bsica do Fornit,que o menino entregador de jornais tivesse um 38 com silenciador em sua saca dejornais. Que os universitrios da casa ao lado, donos do furgo, poderiam realmente seragentes da KGB, com cpsulas mortferas em molares de cera, empenhados em umamisso faa-ou-morra, para matar ou capturar Rackne."Naturalmente, no aceitei a premissa bsica. Contudo, eu sentia grande dificuldade emraciocinar. E desligava coisas. Primeiro foi a televiso colorida, por-A Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingque todos sabem que realmente emitem grande radiao. Na Logan's, publicamos certavez um artigo da autoria de um cientista de reputao inatacvel, sugerindo que aradiao emitida pela TV em cores domstica estava interrompendo as ondas cerebraishumanas o suficiente para alter-las, minuciosa, mas permanentemente. Esse cientistasugeria que talvez fosse este o motivo do declnio das notas em geral dos estudantes,dos testes literrios e do desenvolvimento de especializao matemtica na escolaprimria. Afinal, quem fica mais sentado diante de um aparelho de T V do que umacriana?"Assim, desliguei a televiso, e isso pareceu realmente arejar meus pensamentos. Defato, senti-me to melhor, que desliguei o rdio, a tostadeira, a mquina de lavar e asecadora de roupas. Lembrei-me ento do forno de microondas e o desliguei da parede.Senti um verdadeiro alvio, quando os dentes da maldita coisa forram arrancados. Eraum dos primeiros modelos no mercado, mais ou menos do tamanho de uma casa e, semdvida, realmente perigoso. Hoje em dia, consegue-se faz-los mais protegidos."Ocorreu-me quantas coisas possumos em uma residncia comum da classe mdia,ligadas parede. Veio-me uma imagem sobre esses srios octpodes eltricos, seustentculos consistindo de fios eltricos, todos serpenteando pelas paredes, todos ligadosa cabos externos, e todos os cabos seguindo para estaes de energia eltrica, dirigidaspelo governo."Quando fiz aquelas coisas, havia uma curiosa duplicidade em minha mente -prosseguiu o editor, aps uma pausa para um gole de Fresca. - Essencialmente, eureagia a impulsos supersticiosos. H muitas pessoas que no passam debaixo de escadasou abrem um guarda-chuva dentro de casa. H jogadores de basquete que se benzemantes de uma jogada decisiva e jogadores de beisebol que trocam as meias quando estoinferiorizados. Creio que seja a mente racional tocando um acompanhamento em mauestreo com o subconsciente irracional. Eu diria que se trata de um pequeno aposentoacolchoado, dentro de todos ns, onde o nico mobilirio uma pequena mesa dobrvelde jogo, sendo a nica coisa sobre a mesa um revlver carregado com projteisflexveis."Quando trocamos de calada para fugir escada ou samos do apartamento para achuva com um guarda-chuva fechado, parte de nosso eu integral se despe e penetranaquele aposento, onde pega a arma em cima da mesa. Talvez estejamos cnscios dedois pensamentos conflitantes: passar debaixo da escad inofensivo e no passardebaixo de uma escada tambm inofensivo. Contudo, assim que a escada est atrs dens - ou assim que o guarda-chuva aberto - voltamos ao ponto de partida.- Isso muito interessante - disse o escritor. - Avance um pouco mais para mim, casono se importe. Quando que a parte irracional pra realmente de brincar com a arma ea aponta para a tmpora?O editor respondeu:- Quando a pessoa em questo comea a escrever para a seo de leitoresdos jornais, exigindo que todas as escadas sejam retiradas, porque passar debaixo delasA Balada do Projtil Flexvel Stephen King perigoso.Houve risos.- J que fomos to longe, creio que devemos terminar. O eu irracional disparourealmente o projtil flexvel no crebro, quando a pessoa comea a mover-seviolentamente pela cidade, derrubando escadas e talvez machucando os que nelastrabalham. Dar a volta em torno de escadas ou passar debaixo delas no , certamente,um comportamento interditvel. Tampouco comportamento interditvel algumescrever cartas ao jornal, dizendo que a Cidade de Nova York entrou em colapso,porque todos passam atrevidamente debaixo das escadas usadas por operrios. Contudo, interditvel comear a derrubar escadas.- Porque premeditado - murmurou o escritor.O agente disse:- Voc acertou o alvo a, Henry. Pessoalmente, sou contra acender trs cigarros com ums fsforo. No sei como adquiri a mania, mas assim que ajo. Alis, li em algum lugar,que isso comeou nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Parece que os atiradoresalemes esperavam que os Tommies comeassem a acender os cigarros uns dos outros.No primeiro claro, consegue-se o alcance de tiro. No segundo, avalia-se o desvio dabala. E, no terceiro, estoura-se a cabea do sujeito. Contudo, mesmo saber disso no fezqualquer diferena. Ainda continuo sem acender trs cigarros com um fsforo. Umaparte de mim diz que pouco importa se acendo uma dzia de cigarros com um fsforo.A outra, no entanto - esta, uma voz lgubre e soturna, como um Boris Karloff interior -diz, Ohhhh, se voc .f zer ifsso...'- Entretanto, nem toda a loucura supersticiosa, certo? - perguntou timidamente aesposa do escritor.- Ser? - replicou o editor. - Joana d'Arc ouvia vozes do cu. Algumas pessoas julgam-se possudas por demnios. Outras vem gremlins... ou diabos... ou Fornits. Os termosque usamos para a loucura, sugerem superstio, em uma ou outra forma. Mania...anormalidade... irracionalidade... demncia... insanidade... Para a pessoa louca, arealidade entortou-se. Como um todo, a criatura comea a reintegrar-se naquelequartinho onde est a pistola."Contudo, a minha parte racional ainda estava bem presente. Ensangentada, esfolada,indignada e talvez amedrontada, mas ainda funcionando. Dizendo: `Oh, est tudo bem.Amanh, quando voc ficar sbrio, poder ligar tudo outra vez, graas a Deus. Faa asbrincadeirinhas que quiser, mas no passe da. No v alm disso.'"Aquela voz racional tinha o direito de estar amedrontada. Em ns, existe algo que muito atrado para a loucura. Todos que olham pela borda de um edificio alto, jsentiram pelo menos uma fraca, mrbida vontade de saltar. E quem quer que j tenhaencostado uma arma carregada cabea...- Ai, pare! - disse a esposa do escritor. - Por favor!A Balada do Projtil Flexvel Stephen King- Est bem -respondeu o editor. - Meu ponto apenas este: mesmo a pes-soa mais bem ajustada, tem sua lucidez pendendo de uma corda ensebada. Acreditorealmente nisso. Os circuitos da racionalidade so fracamente construdos dentro doanimal humano."Com as tomadas desligadas, fui para meu estdio, escrever uma carta para Reg Thorpe.Depois a coloquei em um envelope, selei-a, sa e a postei. Alis, no me recordo de terfeito nada disso. Estava bbado demais para lembrar. No entanto, deduzi que fiz, porquequando me levantei, na manh seguinte, o carbono ainda estava sobre minha mquinade escrever, juntamente com os selos e a caixa de envelopes. A carta dizia o que se podeesperar de um bbado. Seu contedo explicava mais ou menos isto: os inimigos eramatrados pela eletricidade, assim como os prprios Fornits. Livre-se da eletricidade eestar livre dos inimigos. No fim, eu tinha escrito: `A eletricidade est transtornandosuas idias sobre estas coisas, Reg. Interferncia com ondas cerebrais. Sua esposa temum liquidificador?'- Com efeito, voc comeava a escrever cartas para o jornal -comentou o escritor.- Sem dvida. Escrevi aquela carta em uma noite de sexta-feira. Na manh de sbado,levantei por volta das onze horas, com ressaca e apenas vagamente cnscio datraquinada cometida na vspera. Senti ondas de vergonha, quando comecei a religar osaparelhos eltricos. A vergonha maior - e medo - foi quando vi o que tinha escrito aReg. Revisei toda a casa em busca do original daquela carta, rezando para no a terenviado. Contudo, ela j estava a caminho de Omaha. E s consegui passar aquele dia,tomando a deciso de carregar minha cruz como homem e seguir em frente. Foi o quefiz."Na quarta-feira seguinte, recebi carta de Reg. Uma pgina, manuscrita. Todadesenhada com Fornit Some Fornus. No meio, apenas isto: 'Voc tinha razo. Obrigado,obrigado, obrigado. Reg. Voc tinha razo. Tudo est timo agora. Reg. Muitssimoobrigado. Reg. O Fornit est timo. Reg. Obrigado. Reg.'- Oh, meu Deus! - exclamou a esposa do escritor.- Aposto como a mulher dele ficou louca - disse a esposa do agente.- Nada disso. Porque a coisa funcionou.- Funcionou? - perguntou o agente.- Ele recebeu minha carta na correspondncia da manh de segunda-feira. Na tardedesse dia, Reg foi ao escritrio local da companhiade eletricidade e disse a eles quecortassem a energia de sua casa. Jane Thorpe, naturalmente, ficou histrica. Seu fogoera eltrico e, de fato, ela possua um liquidificador, mquina de costura, umacombinao de lavadora-secadora de roupas... bem, vocs entendem. Na noite desegunda-feira, tenho certeza de que ela estava pronta para ter minha cabea em umabandeja.A Balada do Projtil Flexvel Stephen King"Contudo, foi o comportamento de Reg que a levou a considerar-me um fazedor demilagres, em vez de luntico. Ele a fez sentar-se na sala de estar e conversou com ela,demonstrando a maior racionalidade. Disse saber que estivera agindo de maneira muitosingular. Sabia-a preocupada com isso. Disse-lhe que sesentia bastante melhor com a eletricidade cortada e que ficaria satisfeito em ajud-la,ante qualquer inconvenincia produzida por aquele corte de energia. Depois sugeriu quefossem at a casa vizinha, dizer ol.- No era a residncia dos agentes da KGB. com radium em seu furgo? perguntou oescritor.- Exatamente. Jane no teve sada. Concordou em ir l com ele, segundo me disse, masj preparada para uma cena desagradvel. Acusaes, ameaas, histeria. Comeara apensar em abandonar Reg, se ele no acedesse em obter ajuda para seu problema.Contou-me que, naquela manh de quarta-feira ao telefone, fizera a si mesma umapromessa: a questo da eletricidade era a gota que fazia o copo transbordar. Ele queaprontasse mais uma, e ela partiria para Nova York. Estava ficando amedrontada,entendam. A situao havia piorado aos poucos, em graus quase imperceptveis, e ela oamava, mas j fora to longe at onde podia ir. Decidira que, se Reg dissesse uma spalavra estranha aos estudantes vizinhos, sairia de casa. Muito mais tarde, fiqueisabendo que ela j tomara algumas discretas informaes sobre o procedimento emNebraska para internao involuntria de um doente mental.- Pobre mulher! - murmurou a esposa do escritor.- A noite, contudo, foi um estrondoso sucesso-disse o editor. - Reg no podia estar maisfascinante... e, segundo Jane, ele foi extraordinariamente fascinante. Nunca o vira assim,nos ltimos trs anos. A casmurrice, o retraimento, tudo desaparecera. Os tiquesnervosos. O salto involuntrio e o olhar por sobre o ombro, sempre que uma porta eraaberta. Ele tomou uma cerveja e discorreu sobre todos os sombrios tpicos da atualidadenaquela poca: a guerra, as possibilidades de um exrcito de voluntrios, as desordensnas cidades, as leis decadentes."O fato dele haver escrito Undenvorld Figures veio tona, e eles ficaram...'impressionados pelo escritor', foi como disse Jane. Trs deles j o tinham lido, mas fora de dvida que o outro no perderia muito tempo, antes de correr para a biblioteca.O escritor riu e assentiu. J passara por isso tambm.- Assim - prosseguiu o editor - deixaremos Reg Thorpe e sua esposa apenas por ummomento, sem energia eltrica, porm mais felizes do que nunca...- Ainda bem que ele no possua uma mquina de escrever IBM -disse o agente.e voltaremos ao Senhor Editor. Duas semanas passaram. O vero chegava ao fim. OSenhor Editor tinha, claro, recado na bebedeira vrias vezes, mas em geral conseguiapermanecer bastante respeitvel. Os dias sucederam-se. Em Cabo Kennedy, estavamA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingprontos para colocar um homem na Lua. O novo exemplar de Logan's, com JohnLindsay na capa, j estava venda. mas vendendo miseravelmente, como de costume.Eu havia apresentado um pedido para compra de um conto chamado "A Balada doProjtil Flexvel", da autoria de Reg Thorpe, direitos para a primeira srie, publicaoproposta para janeiro de 1970 epreo proposto de compra 800 dlares, que era o padro, para uma histria principal naLogan's."Recebi uma chamada de meu superior, Jim Dohegan. Eu poderia subir para falar comele? Trotei at seu gabinete s dez da manh, com minha melhor aparncia e sentido-metimo. S mais tarde, ocorreu-me que Janey Morrison, secretria dele, parecia com carade velrio."Sentei-me e perguntei a Jim o que podia fazer por ele ou vice-versa. Evidentemente,estava com o nome de Reg Thorpe na cabea; ter sua histria era um tremendo sucessopara Logan's e desconfiei que havia algumas felicitaes a caminho. Assim, podemimaginar qual o meu aturdimento, quando ele empurrou duas ordens de compra sobre amesa, em minha direo. A histria de Thorpe e uma novela de John Updike, quehavamos programado como a fico principal para fevereiro. A palavra DEVOLUOtinha sido carimbada em ambas."Olhei para as ordens de compra revogadas. Olhei para Jimmy. No conseguia entendernada. De fato, no conseguia pr meu crebro em funcionamento para desvendar aquilo.Havia um bloqueio interno. Olhei em torno e vi sua placa eltrica. Janey a levava todasas manhs, quando vinha trabalhar, e ento ligava a placa, a fim de que Jimmy tivessecaf fresco, sempre que quisesse. Aquele tinha sido um rigoroso costume na Logan's,durante trs anos ou mais. E, naquela manh, eu s conseguia pensar era, se aquelacoisa estivesse desligada, eu poderia raciocinar. Sei que, se aquela coisa estivessedesligada, eu compreenderia esta questo."Perguntei, 'O que significa isto, Jim?'"`Lamento como o diabo ter que dizer-lhe isto, Henry', respondeu ele, 'mas Logan's noestar mais publicando trabalhos de fico em janeiro de 1970.'O editor fez uma pausa para acender um cigarro, mas seu mao estava vazio.- Algum tem um cigarro? - perguntou.A esposa do escritor passou-lhe um mao de Salem.- Obrigado, Meg.Ele acendeu o cigarro, jogou fora o fsforo e aspirou profundamente. A brasa brilhoumaciamente no escuro.- Bem - disse ele -Jim deve ter pensado que eu estava doido. Perguntei a ele, 'Voc seimporta?' e ento, inclinando-me, puxei fora a tom4da de aquecimento de sua placaA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingeltrica."Ele ficou boquiaberto. 'Diabo, o que h, Henry?' perguntou."`Sinto dificuldades em pensar com uma coisas dessas ligada', respondi. ' Dinterferncia.' E parecia ser isso mesmo, porque sem a tomada na parede, eu conseguiaencarar a situao com muito maior clareza. 'Quer dizer que me mandam embora?'perguntei a ele."' No sei', respondeu ele. 'Isso com San e a diretoria. Sinceramente, no sei de nada,Henry.'"Havia muitas coisas que eu podia ter dito. Acho que Jimmy esperava uma splicaardente por meu emprego. Sabem aquele dito, 'Ele estava no mato semcachorro"?... Pois eu digo que s compreendero o sentido desta frase, quando foremchefes de um departamento subitamente no-existente.' `Contudo, no supliquei por minha causa ou pela causa da fico na Logan's. Minhasplica foi pela histria de Reg Thorpe. Primeiro, falei que poderamos dar-lhe outraprogramao - coloc-la no nmero de dezembro."' Ora, vamos, Henry', disse Jimmy. ' O nmero de dezembro j est fechado e vocsabe. Alm do mais, aqui estamos lidando com dez mil palavras!'"'Nove mil e oitocentas', falei."'Mais uma pgina inteira com ilustrao', disse ele. 'Esquea.'"'Bem, tiramos a ilustrao', argumentei. 'Oua, Jimmy, esta uma grande histria,talvez a melhor fico que j tivemos, nos ltimos cinco anos.'"'Eu a li, Henry', disse Jimmy. 'Sei que uma grande histria. Contudo, no podemospublic-la. No em dezembro. o ms do Natal, pelo amor de Deus! Voc quer inseriruma histria sobre um sujeito que mata a esposa e a filha, debaixo das rvores de Natalda Amrica? Ora, voc deve estar...' Ele se interrompeu, mas vi o olhar que lanou parasua placa eltrica. Era o mesmo que ter dito em voz alta, entendem?O escritor assentiu lentamente, seus olhos nunca se afastando da sombra escura que erao rosto do editor."Comecei a ficar com dor de cabea. Primeiro, apenas uma dorzinha. Foi ficando maisdifcil concentrar as idias. Recordei que Janey Morrison tinha um apontador eltricopara lpis em sua mesa. Havia todas aquelas lmpadas fluorescentes no gabinete deJim... Os aquecedores... As mquinas de venda automticas na concesso, no final docorredor... Se parasse para pensar nisso, concluiria que todo o maldito edifciofuncionava base de eletricidade; era um milagre que algum conseguisse fazerqualquer coisa. Foi quando a idia comeou a imiscuirse, imagino. A idia de que aLogan's ia quebrar, porque ningum podia pensar direito. E o`tnotivo de no se poderA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingpensar direito, era porque estvamos todos trabalhando juntos naquele arranha-cufuncionando eletricamente. Nossas ondas cerebrais estavam em total confuso..Lembro-me de haver pensado que se um mdico aparecesse l com um desses aparelhosEE G, obteria alguns grficos incrivelmente estranhos. Repletos daquelas enormes eagudas ondas alfa, que caracterizam tumores malignos no crebro anterior."S pensar nessas coias, aumentava minha dor de cabea. Contudo, fiz mais umatentativa. Perguntei-lhe se, pelo menos, falaria com Sam Vadar, o editorchefe, paradeixar a histria sair no nmero de janeiro. Como a fico de encerramento na revista,se preciso fosse. O ltimo conto a ser publicado na Logan's."Jimmy brincava com um lpis e assentiu. Disse, 'Tratarei do assunto, mas nada possogarantir. Temos a histria de um novelista de um s livro e a histria de John Updike,tambm muito boa... talvez at melhor... e...'"'A histria de Updike no melhor!' exclamei."'Ora, Henry, por favor, no precisa gritar...'"'Eu no estou gritando!' gritei."Ele ficou um tempo olhando para mim. Minha dor de cabea estava lancinante, quelemomento. Eu podia ouvir o zumbido das lmpadas fluorescentes. Eram como umpunhado de moscas, capturadas em uma garrafa. Um som francamente odioso. Penseiento que podia ouvir Janey usando seu apontador eltrico. Esto,azendo isso depropsito, imaginei. Querem confcndir-me. Sabem que no posso concatenar as idiase falar com clareza, enquanto essas coisas estiverem funcionando, e assim... e assim..."Jim falava algo sobre levar o assunto prxima reunio editorial, sugerindo que, emvez de uma data arbitrria para a excluso de fico na revista, eles poderiam publicartodas as histrias com que eu j me comprometera verbalmente... embora..."Levantei-me, cruzei a sala e apaguei as luzes"'Por que fez isso?' perguntou Jimmy."' Voc sabe porqu' respondi. ' Devia sairdaqui, Jimmy, antes que nada mais reste devoc!'"Ele se levantou e caminhou para mim. 'Acho que devia tirar uma folga pelo resto dodia, Henry', disse. ' V para casa. Descanse. Sei que tem vivido sob tenso ultimamente.Fique sabendo que farei o melhor ao meu alcance quanto a este assunto. Lamento tantoquanto voc... bem, quase tanto quanto voc. Contudo, devia ir para casa, pr os pspara o alto e ver um pouco de televiso.'"'Televiso!' repeti, e dei uma risada. Era a coisa mais engraada que j ouvira. 'OuaJimmy, quero que diga algo mais a Sam Vadar em meu nome.'"`O que , Henry?'A Balada do Projtil Flexvel Stephen King"' Diga a ele que est precisando de um Fornit. Ele e toda a equipe. Um Fornit? No.Uma dzia deles.'"'Um Fornit', assentiu Jimmy. 'Est bem, Henry. Fique certo de que direi isso a ele.'"Minha dor de cabea era terrvel. Eu mal conseguia enxergar. Em alguma parte, nofundo de minha mente, eu j me perguntava como dar a notcia a Reg e gostaria de sabercomo ele aceitaria isso."`Eu mesmo providenciarei o pedido de compra, se descobrir a quem envilo', falei. 'Reg talvez tenha algumas idias. Uma dzia de Fornits. Seriam postos limpando estelugar, com fornus, de ponta a ponta. A maldita energia eltrica seria desligada, toda ela.'Eu caminhava pelo gabinete de Jimmy e ele olhava para mim, boquiaberto. 'Devemcortar toda a energia eltrica, Jimmy, diga a eles que faam isso. Diga isso a Sam.Ningum consegue pensar direito, com toda essa interferncia eltrica, estou certo?'"' Voc est certo, Henry, cem por cento certo. Agora, v para casa e descanse umpouco, est bem? Tire uma soneca ou coisa assim.'"' Ah, os Fomits, sabe? Eles no gostam de toda essa interferncia. Radium,eletricidade, tudo a mesma coisa. Alimente-os com salsicho. Bolo. Manteiga deamendoim. Podemos conseguir requisies para essa compra?' Minha dor de cabea eracomo uma bola negra de dor, por trs dos olhos. Eu via dois Jimmy,tudo em duplicata. Ento, de repente, senti necessidade de um drinque. Se no haviafornus e se o lado racional de minha mente afirmava que no havia, ento um drinqueera a nica coisa no mundo que me deixaria bem."'Claro, podemos conseguir as requisies', disse ele."'No acredita em nada disto, no , Jimmy?' perguntei."' claro que acredito. Est tudo bem. Agora,. v para casa e procure descansar umpouco.'"'Voc no est acreditando', insisti, 'mas talvez passe a acreditar, quando este circo for falncia. Como, em nome de Deus, julga que est tomando decises racionais, se ficasentado a menos de quinze metros de um punhado de mquinas de Coca, mquinas dedoces e mquinas de sanduches' Foi quando tive um pensamento realmente terrvel. 'Eum.forno de microondas!' gritei para ele. 'Elas tem rim,fi)rno de microondas embutido,para esquentar os sanduches!'"Ele comeou a dizer qualquer coisa, mas no lhe prestei muita ateno. Corri para fora.A idia daquele forno de microondas explicava tudo. Eu tinha que ir embora dali. Eraisso que tornava a minha dor de cabea to terrvel. Recordo que vi Janey e KateYounger, do departamento de anncios, bem como Mert Strong, da publicidade, nogabinete externo, todas me fitando de olhos esbugalhados. Deviam ter-me ouvido gritar.A Balada do Projtil Flexvel Stephen King"Meu gabinete ficava logo no andar debaixo. Fui pela escada. Entrei em minha sala,apaguei todas as luzes e peguei minha pasta. Fui de elevador at o saguo do prdio,coloquei a pasta entre meus ps e enfiei os dedos nos ouvidos. Tambm recordo que asoutras trs ou quatro pessoas que estavam no elevador, olhavam para mim comestranheza." - O editor deu uma risadinha seca. "Estavam com medo. Por assim dizer.Se estivessem confinados em uma pequena caixa mvel, em companhia de um loucobvio, vocs tambm teriam medo.- Oh, sem dvida! Esta foi um pouco forte -comentou a esposa do agente.- Nem tanto. A loucura tem que comearem algum lugar. Se esta uma histria sobrequalquer coisa - se os eventos na vida de uma pessoa podem ser considerados comosendo sobre qualquer coisa - ento esta uma histria sobre a gnese da insanidade. Aloucura tem que comearem algum lugar e tambm tem que ir para algum lugar. Comouma estrada. Ou um projtil, do cano de uma arma. Eu ainda estava quilmetros atrs deReg Thorpe, mas me encontrava a caminho. Podem apostar."Eu tinha que ir para algum lugar, portanto, dirigi-me ao Four Fathers, um bar na Rua49. Recordo ter escolhido especificamente esse bar, porque l no havia vitrolaautomtica, televiso a cores ou luzes em demasia. Lembro-me de ter pedido o primeirodrinque. Depois disso, no consigo recordar mais nada, at acordar no dia seguinte, emcasa, na minha cama. Havia vmito no cho e uma enorme queimadura de cigarro nolenol que me cobria. Em meu estupor, aparentemente eu escapara da morte por doismeios extremamente desagradveis - asfixiado ou queimado. Alis, acho que nochegaria a sentir nenhum dos dois.- Cus! - exclamou o agente, quase com respeito.- Foi um blackout - disse o editor. - O primeiro real e legtimo blackout de minha vida -mas eles so sempre um sinal do fim e a gente nunca passa por muitos. De um modo oude outro, nunca h muitos. Contudo, um alcolatra lhes dir que um blackout no omesmo que ficar inconsciente. Se fosse, muitos problemas seriam evitados. Quando umalcolatra entra em blackout, ele continua fazendo coisas. Um alcolatra em blackout um demoninho em atividade. Uma espcie de Fornit maligno. Ele liga para a ex-esposae diz-lhe horrores ao telefone, quando no dirige seu carro pelo lado errado no pedgio,acabando por arrasar outro carro, lotado de garotada. Ele abandona o emprego, roubaum supermercado, desfaz-se da aliana de casamento. So demoninhos ativos."Aparentemente, o que eu fiz, foi ir para casa e escrever uma carta. S que no eradirigida a Reg. Era para mim mesmo. E eu no a escrevi - pelo menos, segundo a carta,no fui eu.- Quem a escreveu? - perguntou a esposa do escritor.- Bellis.- E quem Bellis?- O Fornit dele - respondeu o escritor, quase alheadamente, com olhar sombrio eA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingdistante.- Exato - disse o editor.No parecia nem um pouco surpreso. A seguir, repetiu a carta para seus ouvintes,novamente ao doce ar da noite, acentuando com o dedo os pontos adequados.- `Ol, da parte de Bellis. Sinto muito por seus problemas, meu amigo, porm gostariade indicar, desde o princpio, que voc no o nico a t-los. Esta no uma tarefa fcilpara mim. Posso limpar sua mquina com fornus, de agora at a eternidade, pormsupe-se que movimentaras TECLAS seja responsabilidade sua. PARA isso que Deusfez as pessoas em tamanho grande. Assim, solidarizo-me com voc, mas tudo queposso fazer."'Compreendo sua preocupao com respeito a Reg Thorpe. Eu no me preocuparia comele, as com Rackne, meu irmo. Thorpe fica preocupado com o que lhe acontecer, seRackne for embora, mas somente por ser egosta. A maldio de servir-se a escritores, serem todos eles egostas. Ele no se preocupa com o que acontecer a Rackne, seTHORPE for embora. Ou se for el bonzo seco. Parece que tais coisas jamais cruzaramsua mente, oh, to sensvel. Contudo, felizmente para ns, todos os nossos infortunadosproblemas tm a mesma soluo a curto prazo, de modo que estendo meus braos e meudiminuto corpo para d-los a voc, meu embriagado amigo. VOC pode querer sabersobre solues a longo prazo; eu lhe garanto que no existem. Todos os ferimentos somortais. Aceite o que lhe dado. Por vezes, voc fica um pouco bambo na corda, pormela sempre tem um fim. Abenoe a corda bamba e no desperdice respirao, xingandoa queda. Um corao agradecido sabe que, no fim, todos balanamos."` Voc deve pagar-lhe a histria, de seu bolso, mas no com um cheque pes-soa]. Os problemas mentais de Thorpe so srios, talvez perigosos, porem isto, demaneira alguma, indica borrice.Neste ponto, o editor soletrou a palavra: b-u-r-r-i-c-e. Ento, prosseguiu:- `Se voc enviar-lhe um cheque personalizado, a loucura dele explodir, em uns novesegundos."`Saque oitocentos e poucos dlares de sua conta bancria e faa seu banco abrir umanova conta para voc, em nome de Arvin Publishing, Inc. Faa-os compreender queprecisa de cheques com aparncia comercial - nada de ces de luxo ou vistas de canyonsneles. Encontre um amigo, algum de sua confiana, e o coloque como co-sacador.Assim que estiver de posse do talonrio, preencha um cheque com oitocentos dlares epea a essa outra pessoa que o assine. Ento, envie o cheque a Reg Thorpe. Isso deixarvoc a coberto, futuramente."`Encerro e desligo.' Estava assinado 'Bellis'. No em holograma. Datilografado.- Minha nossa! - exclamou o escritor.A Balada do Projtil Flexvel Stephen King- Quando levantei, a primeira coisa que notei foi a mquina de escrever. Parecia quealgum a caracterizara, como mquina de escrever-fantasma, em algum filme barato. Navspera, ela havia sido uma Underwood negro-escritrio. Ao levantar-me - com umacabea que parecia do tamanho de Dakota do Norte ela estava de um tom acinzentado.As ltimas frases da carta estavam atropeladas e desbotadas. Dei uma espiada eimaginei que minha fiel e antiga Underwood chegara ao fim da linha, com toda acerteza. Provei algo na boca e fui at a cozinha. Havia um saco de acar de confeiteiroaberto, em cima do balco, com uma concha em seu interior. Tambm havia acar deconfeiteiro espalhado por todo canto, entre a cozinha e o pequeno aposento onde eutrabalhava, naquela poca.- Voc alimentava seu Fornit -disse o escritor. - Bellis gostava de coisas doces. Pelomenos, voc assim pensou.- Sem dvida. No entanto, embora indisposto e de ressaca como me encontrava, eusabia perfeitamente quem era o Fornit.O editor enumerou nos dedos.- Primeiro, Bellis era o sobrenove de solteira de minha me."Segundo, aquela frase, el bonzo seco. Era uma frase particular que eu e meu irmocostumvamos usar, com o significado de loucura. Quando ramos crianas."Terceiro, e mais execrvel, foi a escrita da palavra'burrice'. Trata-se de uma palavraque geralmente escrevo errada. Certa vez, tive um escritor gritantemente letrado, quecostumava escrever 'refridgerador', com um d - em vez de 'refrigerador' - poucoimportando quantas vezes os revisores o corrigissem. Esse mesmo sujeito, diplomadoem Princeton, sempre escrevia `sombrancelha', em vez de `sobrancelha'.A esposa do escritor deu uma risada sbita- tanto embaraada, como alegre.- Eu fao isso - disse ela.- Tudo quanto quero dizer que os erros ortogrficos de um homem -ou deuma mulher - so suas impresses digitais literrias. Perguntem a qualquer copydeskque tenha revisado algumas vezes trabalhos do mesmo escritor."No, Bellis era eu e eu era Bellis. No entanto, seu conselho era infernalmente bom. Defato, achei-o um grande conselho. Contudo, aqui vai algo mais o subconsciente deixasuas impresses digitais, mas l embaixo tambm existe um ser estranho. Um diabo desujeito esquisito, que entende um diabo de coisas. Eu jamais vira aquele termo `co-sacador', apesarde todo o meu conhecimento... mas l estava ele, era muito bom e,tempos depois, fiquei sabendo que realmente os bancos o usam."Peguei o fone, a fim de ligar para um amigo, e ento senti aquela pontada de dor -incrvel! - varando-me a cabea. Pensei em Red Thorpe, em seu radium e tornei acolocar precipitadamente o fone no gancho. Procurei esse amigo pessoalmente, apsA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingtomar uma ducha, fazer a barba e examinar-me umas nove vezes ao espelho, para tercerteza de que minha aparncia correspondia aproximadamente de um ser humanoracional, como se presume que seja. Ainda assim, fiz-me um monte de perguntas evigiei-me intimamente. Creio serem bem poucos os indcios que uma ducha, barba feitae uma boa dose de Listerine no consigam esconder. Esse amigo no era do meu ramo,o que j significava algo. As notcias costumam voar, como sabem. Nos negcios. Porassim dizer. Alis, se ele fosse do ramo, saberia que Arvin Publishing, Inc., eraresponsvel pelaLogan's e gostaria de saber que tipo de tramia eu estava querendoarmar. Comi) era alheio atividade, nada perguntou e pude falar-lhe de umempreendimento de auto-editorao em que estava interessado, uma vez que,aparentemente, aLogan's decidira eliminar o departamento de fico.- Ele perguntou por que lhe dava o nome de Arvin Publishing? -quis saber o escritor.- Perguntou.- E o que voc respondeu?- Respondi - disse o editor, com um sorriso frio - que Arvin era o sobrenome de solteirade minha me.Houve uma breve pausa e depois o editor recomeou a falar. Ento, falou at o fim,quase sem ser interrompido.- Assim, comecei a esperar pelos cheques impressos, dos quais desejava exatamente um.Para passar o tempo, eu me exercitava. Sabem como -levantar o copo, flexionar ocotovelo, esvaziar o copo, flexionar o cotovelo novamente. At que, por fim, o exerccionos cansa e acabamos caindo para diante, com a cabea em cima da mesa. Aconteceramoutras coisas, mas estas eram as nicas que realmente me ocupavam a mente - a esperae o flexionamento. Que me recorde, alis. Devo acentuar isto, porque eu estava bbadoa maior parte do tempo e ento, para cada uma coisa que recorde, devem existir talvezcinqenta ou sessenta que nem me passam pela cabea." Deixei o emprego - o que provocou um suspiro de alvio geral, disto estou certo. Umsuspiro deles, porque no precisaram executar a tarefa existencial deme demitirem por loucura, de um departamento no mais em existncia; um suspiromeu, porque eu achava que no conseguiria enfrentar novamente aquele edifcio -oelevador, as lmpadas fluorescentes, os telefones, a idia de tudo quanto recebiaeletricidade."Escrevi a Reg Thorpe e sua esposa duas cartas, uma a cada um, durante aquele perodode trs semanas. Lembro-me de ter escrito a dela, mas no a dele - como aconteceu coma carta de Bellis, escrevi aquelas em momentos de blackocct. Contudo, eu revertia ameus velhos hbitos de trabalho quando estava alto, assim como persistia em minhavelha ortografia errada. Nunca deixava de usar um carbono... e quando chegava amanh seguinte, as cpias a carbono estavam por ali. Era como ler cartas de umestranho.A Balada do Projtil Flexvel Stephen King"No que as cartas fossem loucas. De maneira alguma. Aquela que terminei com o P.S.sobre o liquidificador, foi muito pior. Aquelas cartas pareciam... quase racionais.Ele parou e meneou a cabea, lenta e cansadamente.- Pobre Jane Thorpe! No que as coisas parecessem to ruins no final. Ela deve terachado que o editor de seu marido estava fazendo um altamente especializado - ehumano - trabalho, ao ser indulgente com ele, arrancando-o de uma depresso cada vezmais funda. Provavelmente j tivesse ocorrido a ela a questo de ser ou no uma boaidia algum mostrar-se indulgente com uma pessoa que est acalentando todo o tipo defantasias paranicas -fantasias que, em um caso, quase levaram ao real assalto contrauma menininha. Se ocorreu, ento ela preferiu ignorar os aspectos negativos, uma vezque tambm estava sendo indulgente com o marido. Jamais a censurei por isso - Thorpeno era apenas um ticket para refeio, alguma mula velha que precisava ser trabalhadae paparicada, trabalhada e paparicada, at estar pronta para o matadouro; acontece queela amava o cara. sua maneira, Jane Thorpe era uma grande dama. Assim, aps tervivido com Reg desde os Primeiros Tempos aos Altos Tempos e finalmente aos LoucosTempos, creio que ela concordaria com Bellis, ao abenoar a corda bamba, semdesperdiar a respirao xingando a queda. Naturalmente, quanto mais bambos nossentimos, mais difcil se torna equilibrar-nos, quando afinal chega o fim... mas mesmoaquele rpido equilbrio pode ser uma bno, admito - pois quem prefere cair?"Naquele curto perodo, recebi respostas de ambos -cartas extraordinariamenteotimistas... embora houvesse uma qualidade estranha e quase final naquele otimismo.Era como se... bem, esqueamos a filosofia barata. Se eu conseguir atinar com osignificado, falarei. Deixemos isso por ora." Reg passou a jogar cartas com os rapazes vizinhos, todas as noites. Quando as folhascomearam a cair, eles achavam que Reg Thorpe era o prprio Deus, baixado terra. Seno jogavam cartas ou disputavam uma partida de Frisbee, discutiam literatura, comReg animando-os delicadamente em seus passos futuros. Ele arranjara um cachorrinhono abrigo de animais local e passeava com ele, de manh e noite, enquanto issoconhecendo outros moradores do quarteiro,como acontece conosco, se levamos nosso co a passeio. Quem decidira que os Thorpeeram pessoas peculiares, agora comeava a pensar diferente. Quando Jane sugeriu que,sem aparelhagem eltrica ela poderia usar os servios de uma faxineira, Reg concordouimediatamente. Ela ficou pasma ante o jovial assentimento dele. No se tratava de umaquesto de dinheiro -aps Undenvorld Figures, eles nadavam no ouro - tratava-se deles,deduziu Jane. Eles estavam em toda parte, tal era o decreto de Reg, e que melhor agentepara eles do que uma faxineira, que andava por todos os cantos da casa, espiava debaixodas camas e armrios, talvez at dentro das gavetas tambm, caso elas no estivessemtrancadas e depois fixadas com pregos, por medida de segurana?"Contudo, ele lhe disse que contratasse a mulher, acrescentou que se sentia um sujeitoinsensvel, por no haver pensado nisso mais cedo, mesmo embora ela insistiu emcontar-me o detalhe - Reg estivesse fazendo a maioria dos servios pesados, como alavagem de roupa, por exemplo. Reg s impunha uma pequena condio: que afaxineira no tivesse permisso de entrarem seu estdio.A Balada do Projtil Flexvel Stephen King"O melhor de tudo, o mais encorajador, na opinio de Jane, era o fato de que seu maridovoltara a trabalhar, agora em um novo romance. Ela lera os trs primeiros captulos e osconsiderara maravilhosos. Tudo isto, segundo me escreveu, comeara quando eu haviaaceito "A Balada do Projtil Flexvel" para a Logan's -o perodo anterior, que havia sidode mar muito baixa. E ela me abenoava por isso."Estou certo de que o agradecimento de Jane era sincero, embora sua gratido noparecesse conter muito calor e o otimismo de sua carta se mostrasse algo turvo - pronto,voltamos novamente a isso. Naquela carta, seu otimismo assemelhava-se a um diaensolarado, mas com aquelas nuvens de bordas carregadas, prenunciando um temporalpara breve."Todas essas boas notcias -jogos de cartas, o cachorro e a faxineira, alm do novoromance - e, no entanto, ela era inteligente demais para acreditar que o marido estivesseficando bom novamente... ou assim acreditei. apesar de em meu prprio fog. Reg vieraexibindo sintomas de psicose. A psicose como cncer pulmonar, em um sentido -nenhum dos dois se cura espontaneamente, embora tanto os pacientes de cncer comoos lunticos possam ter seus bons dias."Pode me dar outro cigarro, querida?A esposa do escritor deu-lhe o cigarro.- Afinal de contas - prosseguiu o editor, puxando seu isqueiro Ronson os sinais daide_fixe do marido estavam por toda parte, em volta dela. Nada de telefone; nada deeletricidade. Ele afixara plstico de embalarem todas as placas de interruptores.Continuava colocando comida na mquina de escrever, to regularmente, como a punhano prato de seu novo cozinho. Os universitrios que moravam ao lado o julgavam umgrande sujeito, mas no o viam calar luvas de borracha para recolher o jornal noalpendre pela manh, devido a seus temores sobre a radiao. Eles no o ouviam gemerenquanto dormia e nem tinham que consol-lo, quando ele acordava gritando, com terrveis pesadelos que no conseguia recordar."Voc, minha querida - disse ele, virando-se para a esposa do escritor deve estar-seperguntando por que Jane continuou em companhia do marido. Embora no tenha ditoem palavras, a idias est em sua mente, no?Ela assentiu.- Exato. E no pretendo oferecer uma longa tese motivacional - a coisa convenientesobre histrias reais, que s precisamos dizerfoi assim que aconteceu, deixando que osoutros se preocupem sobre o motivo. Em geral, ningum jamais sabe por que coisasacontecem... em particular as pessoas que dizem saber.' `Em termos de Jane Thorpe, no entanto, relativamente sua percepo seletiva, tinhamacontecido coisas que eram um bocado boas. Contratou uma mulher negra de meia-idade para fazer a faxina e se disps a explicar-lhe francamente as idiosincrasias doA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingmarido. A mulher, de nome Gertrude Rulin, riu e disse que estava acostumada a pessoasde hbitos bastante estranhos: Jane passou a primeira semana do servio de Gertrudemais ou menos como se sentiu durante aquela primeira visita aos vizinhos jovens dolado - esperando alguma exploso de loucura. Contudo, Reg encantou a faxineira tocompletamente como encantara os rapazes, conversando sobre o trabalho dela na igreja,seu marido e o filho caula, Jimmy que, segundo Gertrude, fazia Dennis o Terrvel,parecer o prprio tdio no primeiro grau escolar. Gertrude tinha onze filhos ao todo,mas havia um espao de nove anos entre Jimmy e o anterior. Esse filho temporo lhetornava a vida dura."Reg parecia estar indo bem... pelo menos, olhando-se as coisas de uma certa forma.Contudo, estava to louco como sempre, claro, o que tambm acontecia comigo. Aloucura bem pode ser uma espcie de projtil flexvel, mas qualquer perito em balsticaque entenda do ofcio, dir que duas balas jamais so iguais. A carta de Reg para mimfalava ligeiramente sobre seu novo romance, para ento passar de imediato para osFornits. Os Fornits em geral, Rackne em particular. Ele especulava sobre se elesrealmente queriam matar Fornits ou -achava mais provvel -captur-los vivos e estud-los. Fechava a carta, dizendo, `Tanto meu apetite como minha viso de vida melhoraramimensuravelmente depois que comeamos nossa correspondncia, Henry. Fico-lhemuito grato. Afetuosamente, Reg' Um P.S. mais abaixo, perguntava casualmente se foradesignado algum ilustrador para sua histria. Aquilo me provocou uma ou duaspontadas de culpa, bem como uma rpida viagem ao armrio de bebidas."Reg envolvia-se com os Fornits; eu com o lcool."Minha carta de resposta mencionava os Fornits apenas de passagem-a esta altura, euestava realmente paparicando o homem, pelo menos nessa questo; um elfo com osobrenome de solteira de minha me e meus hbitos pessoais de errar na ortografiaestavam pouco me importando."O que passara a interessar-me, cada vez mais e mais, era o tema da eletricidade,microondas, ondas radiofnicas e interferncia do rdio irradiando-se de pequenosaparelhos eletrodomsticos, bem como um baixo nvel de radiao e sDeus sabe o que mais. Fui biblioteca e apanhei livros sobre o assunto; comprei livrosque falavam nisso tambm. Neles, havia muita coisa assustadora... e. naturalmente, bemaquilo que eu procurava.Tomei providncias para que meu telefone fosse desligado e a eletricidade cortada. Issoajudou durante algum tempo, mas certa noite, quando eu cambaleava na porta, bbado,com uma garrafa de Balck Velvet em uma das mos, a outra mo enfiada no bolso dosobretudo, vi aquele olhinho vermelho no teto, espiando para mim. Cus, por umminuto, pensei que ia ter um ataque cardaco. A princpio, ele parecia um besouro... umgrande besouro escuro, com um olho cintilante."Eu tinha uma lanterna Coleman, a gs, e a acendi. Imediatamente vi o que era. S que,em vez de ficar aliviado, aquilo me deixou pior. Assim que dei uma boa espiada nacoisa, tive a impresso de que podia sentir vastos e ntidos acessos de dor varando-me acabea - como ondas de rdio. Por um momento, foi como se meus olhos houvessemA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kinggirado nas rbitas, de maneira a permitirem que eu olhasse meu prprio crebro e, ldentro, visse clulas soltando fumaa, ficando negras, morrendo. Era um detector defumaa - um dispositivo ainda mais recente do que os fornos de microondas, em 1969."Sa precipitadamente do apartamento e fui at o trreo - eu morava no quinto andar,mas ento estava sempre usando as escadas - e martelei a porta do zelador. Disse-lheque queria aquela coisa fora de minha casa, queria-a fora de l em seguida, queria-a forade l ainda aquela noite, queria-a fora de l dentro de uma hora. Ele me fitou como seme julgasse absolutamente pirado-perdoem-me a expresso -bonzo seco, e hoje possocompreender aquilo. Aquele detector de fumaa deveria fazer com que me sentisse bem,presumia-se que me daria segurana. Hoje, claro, eles so previstos em lei, mas entoconstituam um Grande Avano, pago pela associao de moradores do prdio."O zelador o removeu - no demorou muito - mas no me perdia de vista e, em certaforma limitada, eu podia entender o que sentia. Eu precisava barbearme, fedia a usque,tinha os cabelos grudados cabea e meu sobretudo estava sujo. Ele certamente sabiaque eu no estava mais trabalhando; que minha televiso fora levada embora; que meutelefone e a energia eltrica haviam sido voluntariamente cortados. O zelador meconsiderava louco."Posso ter estado louco mas - como Reg - no era burro. Apelei para o charme. Editoresprecisam ter uma certa dose de charme, compreendam. Ento, azeitei a situao queparecia lamentvel, com uma nota de dez dlares. Por fim, fui capaz de ajeitar as coisas,mas da maneira como todos olhavam para mim, nas duas semanas seguintes - minhasduas ltimas semanas no prdio - a histria sem dvida viajou. O fato de nenhummembro da associao dos moradores procurar-me, desgostoso com minha atitudeingrata, era particularmente revelador. Talvez pensassem que eu poderia atac-los comuma faca de carne." De qualquer modo, naquela noite tudo isso era de somenos em meus pensamentos.Sentei-me luz da lanterna Coleman, a nica luz nos trs aposentos, excetuando-setodaa eletricidade que, em Manhattan, passava pelas janelas. Eutinha uma garrafa na mo e um cigarro na outra. Fiquei olhando para a chapa no teto,onde estivera o detector de fumaa com seu nico olho vermelho - um olho toimperceptvel luz do dia, que eu nem o notara. Considerei o fato inegvel de que,embora estivesse com toda a energia eltrica desligada em meu apartamento. existiraaquele item isolado e vivo... e onde havia um, poderia haver outros."Mesmo no havendo, todo o edifcio pululava de fios - tinha tantos fios, como asclulas malignas e os rgos deteriorados enchendo o organismo de um moribundo decncer. Fechando os olhos, eu podia ver todos eles na escurido de seus condutos,cintilando com uma espcie de luz verde inferior. E, mais alm, a cidade inteira. Um fio,quase inofensivo em si, ligado a um interruptor... o fio alm do interruptor, um poucomais grosso, levando ao poro, atravs de um conduto, onde se unia a outro fio aindamais grosso... este internando-se debaixo da rua, at um volumoso punhado de fios,estes ltimos to grossos, que em realidade eram cabos."Quando recebi a carta de Jane Thope, falando no plstico de embalar, parte de minhaA Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingmente reconhecia que ela encarava isso como um sinal da loucura de Reg - e essa partesabia que eu teria de reagir como se toda a minha mente a julgasse com razo. A outraparte de minha mente -de longe agora a preponderante -pensou: "Que idiamaravilhosa!" e ento cobri todas as chapas de interruptores do apartamento da mesmaforma que Reg havia feito, j no dia seguinte. Lembre-se, eu era o homem que,supostamente ;estava ajudando Reg Thorpe. De um modo um tanto desesperador, chegaa ser muito engraado."Naquela noite, decidi ir embora de Manhattan. Havia uma velha casa da famlia, nasAdirondacks, para onde eu poderia ir. A idia pareceu excelente. A nica coisa que memantinha na cidade, era a histria de Reg Thorpe. Se "A Balada do Projtil Flexvel" erao salva-vidas de Reg em um marde loucura, tambm era o meu - eu queria inserir aquelahistria em uma boa revista. Feito isto, que tudo se danasse."Foi onde parou a no-to-famosa correspondncia Wilson-Thorpe, pouco antes de tudoir por gua abaixo. ramos como dois agonizantes viciados em drogas, comparando osmritos relativos da herona e das anfetaminas. Reg tinha Fornits em sua mquina deescrever. Eu tinha Fornits nas paredes e ambos tnhamos Fornits em nossas cabeas."Ainda haviaeles. No esqueam: eles. No fazia muito tempo que eu andavaoferecendo a histria, quando decidi que eles incluam todos os editores de fico dasrevistas em Nova York - embora no existissem muitos, no outono de 1969. Se fossemtodos reunidos, poderiam ser mortos com um s cartucho de espingarda, algo que, nodemorou muito, comecei a achar uma idia infernalmente boa."Foram precisos cinco anos, antes que eu pudesse ver a situao pela perspectiva deles.Eu me indispusera com o zelador, um sujeito que s me via quando o calor era infernale quando era poca de sua gratificao natalina. Quanto aos outros sujeitos... bem,ironicamente, muitos deles eram realmente meus amigos. Na poca, Jared Baker era oeditor-assistente de fico na Esquire e ambos ha-vamos estado na mesma companhia de fuzileiros, na Segunda Guerra Mundial, porexemplo. Tais sujeitos no ficavam apenas inquietos, aps verem o novo e melhoradoHenry Wilson. Ficavam abismados. Se eu apenas enviasse a histria aos possveisinteressados, com uma carta agradvel de apresentao, explicando a situao -dequalquer modo, a verso que eu tinha dela-eu talvez houvesse vendido a histria deThorpe quase em seguida. Contudo, oh, de maneira alguma, isso no era o suficiente.No para aquela histria. Eu precisava cuidar para que ela recebesse o tratamentopessoal. Assim, andei de porta em porta com ela, um fedorento e grisalho ex-editor, demos trmulas, olhos vermelhos e uma grande equimose na face esquerda, produto deum choque contra a porta do banheiro, quando ele se encaminhara para o vaso, noescuro, duas noites antes. Eu bem podia estar usando um letreiro com a inscrioFUGITIVO DO HOSPCIO."Eu tampouco queria falar com eles em seus escritrios. De fato, era-me impossvel. Hmuito se fora o tempo em que podia entrar em um elevador e subir quarenta andares.Assim, eu os encontrava como os traficantes encontram os viciados - em parques,escadas ou, no caso de Jared Baker, em uma casa de hamburgers, na Rua 49. Jared, pelomenos, ficaria satisfeito em pagar-me uma refeio decente, mas j se fora o tempo,A Balada do Projtil Flexvel Stephen Kingvocs compreendem, em que qualquer maitre cioso do nome permitiria minha entradaem um restaurante freqentado por pessoas do mundo dos negcios.O agente pestanejou.- Recebi promessas negligentes de que a histria seria lida, depois perguntas sobre comoeu estava, quanto andava bebendo. Recordo - vagamente - haver tentado dizer a uns doisdeles que vazamentos de eletricidade e radiao estavam deteriorando o pensamento detodo mundo. Lembro-me tambm de que quando Andy Rivers, que editava fico paraAmerican Crossings, aconselhou-me a procurar ajuda profissional para meu estado,respondi que era ele quem precisava dessa ajuda.' - V aquelas pessoas na rua?' perguntei-lhe. Estvamos no Parque Washington Square.`Metade delas, talvez at mesmo trs quartos delas, tm tumores cerebrais. Eu no lhevenderia a histria de Thorpe por nada, Andy. Diabo, voc no a entenderia, nestacidade. Seu crebro est na cadeira eltrica e voc nem sabe disso.'"Eu tinha uma cpia da histria em minha mo, enrolada comd um jornal. Sacudi-adiante do nariz dele, da maneira como se faz com um co, para que fique ereto em umcanto. Depois fui embora. Lembro-me dele gritando para que eu voltasse, qualquercoisa sobre uma xcara de caf e conversarmos mais um pouco, mas ento passei poruma loja vendendo discos com desconto, seus alto-falantes estrondeando heavy metalpara a calada, e filas de luzes fluorescentes, frias como gelo, brilhando no interior.Perdi a voz dele, em uma espcie de profundo zumbido dentro de minha cabea.Recordo haver pensado duas coisas - eu precisava sair logo da cidade, o mais depressapossvel, ou estaria acalentando meu prprio tumor cerebral - e era imperioso tomar umdrinque, imediatamente."Naquela noite, voltando ao meu apartamento, encontrei uma nota debaixo da porta.Dizia'Queremos voc,fru daqui, seu biruta.' Joguei-a fora, sem lhe dar a menorimportncia. Ns, veteranos em birutice, temos coisas mais importantes a preocupar-nos, do que notas annimas de inquilinos vizinhos."Eu refletia no que havia dito a Andy Rivers sobre a histria de Reg. Quanto maispensava nisso - e mais drinques tomava - mais sentido fazia. O 'Projtil Flexvel' eracurioso e, superficialmente, fcil de ser seguido... mas abaixo da superfcie erasurpreendentemente completo. Estaria eu imaginando que outro editor na cidadeconseguiria apreender a histria em todos os seus nveis? Talvez outrora, mas eu aindaacharia isso, agora que meus olhos se tinham aberto? Teria eu realmente pensado quehavia espao para apreciao e compreenso, em um local entupido de fios como umabomba de terrorista? Cus, havia voltagem vazando por todos os lados!"Li o jornal, enquanto ainda havia luz do dia suficiente para isto, procurando esquecertodo o maldito negcio por um momento e, ali, na pgina um do Times, havia um artigosobre como o material radiativo de usinas de fora nuclear permanece desaparecendo - oartigo prosseguia, teorizando que se houvesse nas mos certas uma quantidadesuficiente desse material, ele podia ser facilmente usado para uma arma nuclear muitosuja.A Balada do Projtil Flexvel Stephen King"Permaneci sentado mesa da cozinha enquanto o sol se punha e, em minha mente,podia v-los batendo p de plutnio, como os mineiros de 1849 bateavam ouro. Apenas,eles no queriam explodir a cidade com aquilo, oh, no! Eles o queriam apenas parasalpic-lo por a e liquidar a mente de todos. Eles eram os maus Fornits, e toda aquelapoeira radiativa era fornus de m-sorte. Os piores fornus de m-sorte de todos ostempos." Decidi que, afinal de contas, no queria vender a histria de Reg -pelo menos, no emNova York. Sa da cidade, assim que chegaram os cheques que eu pedira. Quandoestivesse no interior do estado, poderia comear a envi-la para as revistas literrias defora da cidade. SeH,anee Review seria um bom lugar para comear, admiti, ou talvezlowa Review. Eu poderia explicar a Reg mais tarde. Ele compreenderia. Aquilo pareciaresolver todo o problema, de modo que tomei um drinque. E o drinque tomou o homem.Por assim dizer. Entrei em blackout. Conforme resultou, s me restava mais umblackout."No dia seguinte, chegaram os tales de cheques de minha Companhia Arvin. Preenchium deles a mquina e fui ver meu amigo, o "co-sacador". Houve outro daquelesaborrecidos interrogatrios, mas desta vez, mantive a calma. Eu queria aquelaassinatura. Conseguia-a, finalmente. Fui a um estabelecimento que fornecia materialimpresso e providenciei para que me fizessem papel de correspondncia com o timbreda Companhia Arvin, comigo esperando. Carimbei um endereo de retorno em umenvelope comercial, datilografei o endereo de Reg (o acar de confeiteiro j foraremovido de minha mquina de escrever, porm as teclas ainda tinham uma tendncia acolar-se umas nas outras) e acrescentei uma breve nota pessoal, dizendo que nenhumcheque a um escritor j me dera maisprazer pessoal... e estava sendo sincero. Isso ainda verdade. Passou-se quase umahora, antes que eu me decidisse a p-lo no correio - simplesmente, no conseguia saberat que ponto ele parecia oficial. Era muito difcil, para um fedorento bbado, que emcerca de dez dias no trocara a roupa debaixo, chegar a essa vital concluso.O editor fez uma pausa, esmagou o cigarro no cinzeiro e olhou para seu relgio. Ento,curiosamente, como o chefe do trem anunciando que a composio chegou a algumacidade importante, falou:- Chegamos ao inexplicvel."Este o ponto de minha histria qu