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Sua Igreja Pode Transformar o Mundo Um livro escrito pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

sua igreja pode transformar o mundo 1 - Isaltino · Os carismas, que são parte da Igreja, tornam-se a sua essência, a sua própria razão de ser. Toda a vida da Igreja é centrada

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Sua Igreja Pode Transformar o

Mundo

Um livro escrito pelo Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho

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DEDICATÓRIA

Com profundo respeito por suas vidas, dedico este livro aos alunos do Seminário

Teológico Batista de Cuba Oriental, em Santiago, e ao seu Reitor, Pastor Francisco. Durante

as duas semanas que passei entre eles, desenvolvi os esboços que levara, escrevendo e

reescrevendo os capítulos. A comunhão com eles me fortaleceu para pensar sobre a Igreja.

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À GUISA DE PREFÁCIO

“O quê? Outro livro sobre igreja?”, poderá dizer alguém. E, sem nenhum

constrangimento, direi: “Sim, outro livro sobre igreja”.

Mais um livro sobre igreja porque, em parte, como diz o autor sagrado, “de muito

fazer livros não há fim” (Ec 12.12). E em parte também porque o assunto igreja é vastíssimo e

apresenta muitas facetas para discussão e estudo. Numa época tecnológica e cientificista,

quando deveria estar em acuada e em xeque, a igreja de Cristo recupera seu vigor e mostra

sinais de crescimento poucas vezes experimentado ao longo de sua história. É um fenômeno

inexplicável pelas regras humanas de compreensão. Isto a torna fascinante. Particularmente

creio que a reflexão sobre este tema nunca deve cessar. Na sua essência, a Igreja não tem o

que mudar. Mas a complexidade do mundo onde ela está inserida e que espera seu testemunho,

a diversidade de sua atuação e a necessidade de uma constante contextualização demandam

reflexão sempre renovada.

O presente livro não é algo que brotou do nada. Foi produzido a partir de palestras

apresentadas em dois dos seminários da Convenção Batista Brasileira, o Seminário Teológico

Batista Equatorial, em Belém, e o do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro. No primeiro, o convite

partiu da sua administração, para falar sobre este assunto. No segundo, partiu do Centro

Acadêmico, dos alunos, para falar sobre o mesmo assunto. Isto é digno de consideração.

Tanto administradores de seminários como estudantes compreendem ser necessária uma

reflexão constante sobre a Igreja. As palestras, com base nas conversas posteriores, foram

repensadas e postas em forma menos coloquial e mais redatorial. É um material que atendeu a

pedidos, que foi apresentado e discutido com outras pessoas. Isto não o torna acima de críticas

e contestações, não faz dele um oráculo sagrado de Yahweh, mas mostra não ter sido algo

leviano ou fortuito.

Creio que uma das carências não supridas pela Reforma Protestante foi exatamente na

área eclesiológica. A reflexão sobre a Igreja foi curta. A grande preocupação dos reformadores

era fazer a crítica da Igreja de Roma. Isto é perfeitamente compreensível dentro das

circunstâncias em que viveram e refletiram. Mas impediu que tivéssemos uma visão mais

profunda da Igreja.

Em nossos dias a carência continua sem ser suprida. A necessidade de vitalizar a

denominação, entendida por alguns como a estrutura burocrática que se nutre das igrejas

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locais, tem evitado o pensar sobre a Igreja de forma não operacional. Via de regra, nosso

discurso é para mostrar como agir, como viabilizar os planos que pessoas bem intencionadas

elaboram para as igrejas ou para as instituições que as igrejas devem sustentar. Igreja passa a

ser uma instituição com um programa e com responsabilidade de sustento de uma estrutura.

Mas, e o pensar sobre a Igreja como Igreja? No cenário em que o autor deste livro vive, mais

tempo se gasta com juntas e instituições em crises financeiras do que com a vitalidade das

igrejas locais. Mesmo assim, quando se pensa nessas, é pela óptica de algum megaprojeto

pensado pela estrutura. Isto se constitui num perigo. A moderna administração tem mostrado

que enxugamento de máquina, flexibilidade de métodos e adaptação aos novos tempos são

extremamente necessários para a sobrevivência de qualquer empreendimento. Um bom

exemplo é o livro de Schumacher, Small is beautiful, que em português recebeu o título de O

negócio é ser pequeno. E também uma crônica de Rubem Alves, sobre dinossauros e

lagartixas, em que ele fala do parentesco destes dois animais e como os primeiros sucumbiram

a uma crise de energia (comida) por causa de seu tamanho e complexidade, e como as

segundas sobreviveram por serem pequenas e mais ágeis.

Normalmente as estruturas denominacionais se centram na auto-preservação da

situação atual. Desejam fazer uma omelete sem quebrar os ovos. São dinossauros que

pretendem agilidade e economia. Sua reflexão, quase sempre, não é sobre Igreja como Igreja,

mas como sua mantenedora.

Não entendo a Igreja como instituição secular. Reconheço e prego que ela tem

critérios únicos, absolutamente singulares, que a distinguem de qualquer outra instituição

secular. Também reconheço que suas regras de sobrevivência diferem, em muito, das regras

que norteiam organizações meramente humanas. Mas entendo que muito do que sucede no

cenário secular tem aplicação para a vida da Igreja. Principalmente no que diz respeito ao seu

aspecto social, como a sua administração, por exemplo. E devemos reter o que é bom.

Refletir sobre a Igreja é uma tarefa que, para o próprio bem dela, nunca deve se

esgotar. A Igreja não é uma comunidade acabada, perfeita, com perfil definido. Do ponto de

visto teológico, sim, seu perfil pode ser dado como completo. Mas sua teologia se expressa em

atividades, como ética, como comunidade social, como agência de Deus no mundo. Sua

teologia não está abstraída de sua vivencialidade entre os homens. E isto demanda reflexão

incessante.

Pensar a Igreja é tarefa necessária para que ela cumpra cabalmente sua missão. Seu

trabalho não acontece num vácuo, mas num contexto social e histórico que ela precisa

compreender para funcionar bem. Uma Igreja que não entenda seu mundo estará pregando

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irrelevâncias. Aliás, isto sucede, muitas vezes, com os pastores. Alguns têm uma visão fixista,

pautada por um biblicismo acrítico e acontextualizado. A ponto de alguém ter definido um

pastor evangélico como “uma pessoa invisível durante a semana e irrelevante aos domingos”.

Sem apedrejar os pastores, até mesmo porque este autor é pastor, isto sucede por falta de

reflexão e de compreensão de oportunidades. Por falta de reflexão e por pensar que o

ministério pastoral é algo também completo sem necessidade de repensagem e refazimento.

Estamos pensando a Igreja neste livro. Evidentemente que ele não é um tratado

exaustivo de eclesiologia. Seria ridícula esta presunção. O assunto focalizado se subordina a

uma idéia central: a igreja como agência de transformação. Foi o tema das preleções no

seminários, material que embasa esta obra. Bem pode ser que o aqui apresentado já seja de

domínio do leitor e pouco ou nada acrescente à sua visão. Ficarei profundamente feliz por ver

que estes conceitos que julgo válidos (não porque eu os tenha, mas eu os tenho porque os julgo

válidos) já estão com outras pessoas. Pode ser que acrescentem alguma coisa. Neste caso, a

felicidade acontecerá pela possibilidade de ser útil.

Com estas considerações, respeitosamente, ponho em suas mãos mais um livro sobre

Igreja. Sirva-se e faça bom proveito.

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O EMBRIÃO DA IGREJA

A base deste capítulo se encontra no texto de Marcos 3.13-19, cujo registro, para

facilitar a leitura, aqui se faz:

• Depois subiu ao monte, e chamou a si os que ele mesmo queria; e vieram a ele.

Então designou doze para que estivessem com ele, e os mandasse a pregar; e para

que tivessem autoridade de expulsar os demônios. Designou, pois, os doze, a

saber: Simão, a quem pôs o nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu, e João, irmão

de Tiago, aos quais pôs o nome de Boanerges, que significa: Filhos do trovão;

André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o

cananeu, e Judas Iscariotes, aquele que o traiu.

É a partir da análise do que está por trás deste ato de Jesus, em escolher os doze, que

vamos desenvolver nossa linha de pensamento. O texto não é desprovido de conteúdo

teológico. Vem escrito no estilo de Marcos, que é sintético, mas de riqueza singular. O

segundo evangelista nos apresenta verdades profundas, embora semi-ocultas porque alojadas

na estrutura do texto. Só as conseguimos notar quando descobrimos o estilo de pensamento

oriental e, particularmente, o seu plano de trabalho do evangelista. A estrutura do trabalho, por

si só, é tão ensinadora quanto o conteúdo da obra. É possível aprender tanto com o conteúdo

como com a forma. Ou seja, o ensino não está apenas no que Marcos diz, mas está também em

como Marcos diz. Não está apenas no que aparece aos olhos, mas também no que está semi-

oculto para nós, cristãos ocidentais, mas que deveria estar claro para os contemporâneos do

autor, familiarizados com alguns termos, estilos e conceitos que hoje nos estão distantes.

O texto da chamada dos doze não pode ser minimizado em seu valor. Ele não é apenas

o registro de uma ata de fundação de um grupo religioso. Pensar assim é tratar o texto bíblico

levianamente. Podem-se tomar emprestadas as palavras de Paulo, em Romanos 15.4, para este

momento: “Porquanto, tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito”. O relato da

escolha dos doze não é fortuito. Nem foi redigido sem preocupação de mostrar algo. Na

realidade, algumas das atitudes tomadas por Jesus, na ocasião, são planejadas e muito bem

calculadas para transmitir uma verdade. Há um ensino teológico implícito no texto. Ele nos

deixa algumas pistas muito profundas do que seja a Igreja. Ver estas pistas e compreendê-las é

ter os olhos abertos para entender o que seja a Igreja do Senhor Jesus.

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Definamos a questão nos seguintes termos: em termos funcionais, a Igreja surge

embrionariamente, na estrutura de Marcos, bem antes de sua declaração de instituição feita

pelo Senhor Jesus ( “edificarei a minha igreja”) . Quando Marcos registra a chamada dos doze

está nos deixando indicações valiosas do que é a Igreja do Senhor. É por aqui que vamos

andar.

Torna-se necessário começar pelo embasamento bíblico porque o conceito de Igreja

está muito confuso e difuso em nosso meio. Alguns o entendem pela ótica de comportamento,

o que pode tornar o evangelho em um mero behaviorismo espiritual. Não se pode negar que

ser Igreja traga a conseqüência de um comportamento novo e bem distinto do comportamento

do que chamamos de “mundo”. No entanto, isto é conseqüência e não a essência de ser

Igreja. Vem depois e não antes.

Outros mais enxergam o fenômeno muito mais pelo ângulo de curas, dons e bênçãos.

Os carismas, que são parte da Igreja, tornam-se a sua essência, a sua própria razão de ser. Toda

a vida da Igreja é centrada neste aspecto.

Outros mais, ainda, vêem a questão somente pelo ângulo de transformação social.

Novamente não se nega que ser Igreja tenha muito a ver com isto, mas não pode se enfocar o

assunto por este ângulo, tornando-o o princípio hermenêutico para análise da Igreja. Muitas

vezes o exagero desta postura torna a Igreja um mero reboque de partidos políticos. Ela é

reduzida a um apêndice de ideologias humanas, o que é um equívoco mesmo quando tais

ideologias são nobres.

Estes desvios e quaisquer outros que surjam nos colocam diante de uma questão

hermenêutica: é um problema muito sério quando uma faceta do evangelho é mostrada como

sendo todo o evangelho e quando uma parte da missão da Igreja é mostrada como sendo toda a

missão. Perde-se a visão global do fenômeno chamado Igreja, ficando-se com uma visão

fragmentária e, não raro, herética. Aliás, “heresia” nos vem do grego hairesis, que não

significa, como se pensa, “erro”, mas sim “escolha”. O uso inicial da palavra nos tempos

neotestamentários trazia a idéia de facciosidade. Fazia-se uma escolha facciosa. Não de toda

errada, mas de uma facção, de uma parte da verdade, e se a mostrava como sendo toda a

verdade.

Por isto, este capítulo, que é o ponto de partida, tem todo o lastro bíblico que exibe. É

menos conceitual que os demais que, por sua vez, não são menos bíblicos do que este. Mas é

necessário refletir sobre ele para compreender bem os demais.

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Minha linha de pensamento é bem clara e posso defini-la numa sentença, para que

saibamos por onde vamos andar: os doze são o embrião da Igreja. Neles está a semente do que

desabrocharia na magnífica árvore que hoje temos. É daqui que vamos partir.

ONDE SURGE O EMBRIÃO DA IGREJA

Em Marcos, o início da pregação do evangelho se dá no deserto. O ponto de partida

geográfico é o deserto, de onde vem o Batista: “Voz do que clama no deserto” (1.3). O

princípio da pregação está no deserto. Mas não é só isto. Os primeiros batismos também são

efetuados no deserto: “apareceu João, o Batista, no deserto, pregando o batismo de

arrependimento...” (1.4). Por que, exatamente, no deserto? Por que não numa grande vila ou

junto à população mais concentrada, de forma a ter mais popularização?

Porque foi no deserto que Moisés viveu parte de sua vida, ele que foi o fundador da

primeira comunidade povo de Deus, Israel. Foi no deserto, por quarenta anos, que Israel

peregrinou, em busca de sua terra prometida. Elias andou pelo deserto, como lemos em 1 Reis

19.8, por quarenta dias. O convertido Paulo andou pelo deserto. Em Apocalipse 12.6,

perseguida pelo dragão, a mulher foge para o deserto.

Foi no deserto que Deus encontrou Moisés e começou o processo de libertação de

Israel. Foi também no deserto, quando Judá regressou de Babilônia, que Deus começou o

processo de reconstrução do seu povo. O deserto é lugar especial na revelação bíblica. Sem se

forçar a situação, pode-se até mesmo desenvolver uma “teologia do deserto”, nas Escrituras.

Deserto, na Bíblia, é lugar de solidão, de sofrimento e de crise. Mas é também lugar

de encontro com Deus, de viver com ele, de ser seu povo. Foi no deserto que Israel viveu suas

primeiras experiências com seu Deus, recebeu a lei e foi constituído como uma nação,

deixando de ser apenas uma massa de ex-escravos. O evangelho começa no deserto porque é a

mensagem de encontro com Deus e a chamada para ser seu povo. Gênesis começa com “no

princípio”. É a história da criação do início de Israel, em suas raízes mais longínquas.

Principalmente após o capítulo 12 começa a história de Israel. Marcos também começa assim.

“Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (1.1). Ele está escrevendo, também,

uma história do povo de Deus. Não é sem sentido que esta palavra é posta como a primeira no

segundo evangelho. Uma nova revelação está sendo escrita. Um novo povo começa a ser

descrito.

O judaísmo ensinava que Deus estava no templo. Diferentemente, o evangelho chega

ensinando que Deus está no deserto, no sofrimento, na solidão e nas crises dos homens. As

roupas de João, o Batista, são idênticas às de Elias (confira 2Reis 1.8 com Marcos 1.6). Ele é

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o novo Elias. Este recusou a religião estatal, a corrompida e subvencionada por Jezabel. O

Batista também está à margem da religião estatal, agora, em seu contexto, o judaísmo. Mateus

3.7 registra seu pouco apreço por fariseus e saduceus, elementos bem presentes no judaísmo.

Mais tarde, Jesus também entrará em choque com a religião estatal, que tinha como símbolo

maior o templo, cuja destruição ele anunciará, em Marcos 13.2: “não se deixará aqui pedra

sobre pedra que não seja derribada”.

A questão que se delineia em Marcos, desde o início, é esta: “vocês querem Deus?”.

Pois bem, ele não está na pompa do templo, no judaísmo. Está no deserto. É no deserto que o

Batista prega e batiza. E, como diz Marcos 1.14, é do deserto que Jesus vem pregando o

evangelho.

É de bom alvitre, também, observar os dois limites do evangelho de Marcos. Ele

começa no deserto (1.3) e termina no sepulcro (16.8), considerando-se que há uma discussão

sobre o autoria de Marcos nos versículos de 9 a 20. Não vamos entrar em aspectos de crítica

textual, mas parece que a questão de onde Marcos cessou seu escrito está bem está

suficientemente clara hoje. O evangelho não termina no templo. Na realidade, tangencia-o e

anuncia o seu fim. Deus não está no templo, mas no Cristo à margem da pompa, no Cristo que

vem do deserto, e termina ao lado da sepultura vazia. O sentido teológico é mais amplo, mas é

relevante notar, neste contexto, que a cidade santa prometida nas páginas finais da “revelação

de Jesus Cristo” (Ap 1.1) é uma cidade sem templo, como se lê em Apocalipse 21.22.

Voltemos à chamada dos doze. Ela sucede num monte , como lemos em 3.13:

“Depois subiu ao monte, e chamou a si os que ele mesmo queria...”. Saímos do deserto e

estamos num monte. Por que monte, agora? Porque monte é o oposto de deserto. Monte é o

local das grandes revelações de Deus, das quais o Sinai é o exemplo mais forte na vida de

Israel. Os momentos mais solenes da Bíblia estão mostrados nos montes. O Sinai, o Ebal e o

Gerizim, o sermão do monte, a transfiguração, a grande comissão são os maiores exemplos. O

que sucede num monte é algo relevante. É de lá que vem o socorro divino (Sl 121.1).

Monte é também o lugar dos atos divinos. A escolha dos doze é feita num monte, não

numa praia nem numa planície. É um ato divino, portanto. A chamada dos doze em um monte

soleniza o evento. Torna-o relevante.

Na sua estrutura, Mateus põe o início da escolha dos doze na ocasião precedente ao

sermão do monte (Mt 4.18-22) embora, num segundo texto, em 10.1-4, narre a concessão de

poder a eles. Sua linha de pensamento é clara: ele associa a escolha dos discípulos com a ética

do reino, que é mostrada no sermão do monte. Marcos não focaliza a ética do reino, neste

contexto, mas a escolha dos doze, em si. Este é o grande valor teológico, em Marcos, da

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chamada do discípulos: Jesus escolhe os doze para que vivam com ele, participem da obra e

ministério dele, sejam suas testemunhas e continuadores do seu trabalho. No v. 15 se lê que

deu “autoridade de expulsar demônios”. Eram estas as suas credenciais. Ele expulsara

demônios, como lemos em 1.26 e 1.32. E, em 1.27, a expulsão de demônios legitima a

doutrina de Jesus, que é chamada de “nova” e “com autoridade”. Os doze recebem as suas

credenciais, que mostravam que ele estava trazendo uma doutrina nova. Com Jesus há algo de

novo entre os homens. E os doze continuarão, como Igreja embrionária, a mostrar que há algo

de novo no mundo. A Igreja é a novidade de Deus para o mundo porque é a encarnação da

verdade de Jesus aos homens. A Igreja, cujo embrião se pode ver nos doze, é a comunidade

que continua o ministério do Salvador. Ela é o seu corpo, ou seja, ela é a sua presença neste

mundo. Ele age e se manifesta ao mundo por meio da Igreja. Aliás, a declaração de Efésios

3.10 é espantosa e, ao mesmo tempo, clara: “para que agora a multiforme sabedoria de Deus

seja manifestada, por meio da igreja, aos principados e potestades nas regiões celestes”.

Principados e potestades celestiais conhecem a sabedoria de Deus pela Igreja. A Igreja deve

ser fonte de sabedoria para o mundo.

QUEM FAZ PARTE DO EMBRIÃO

Vendo os doze como o embrião da Igreja, surge uma pergunta: quem são eles? As

listas, nos evangelhos, trazem algumas variações. Alguns tinham mais de um nome, há nomes

em aramaico e em grego, por exemplo, podem ser as explicações atenuantes. Mas isso é

secundário. Não deve ser nossa preocupação porque é irrelevante. O fundamental é isto: eram

pessoas diferentes. Dois são chamados de “filhos do trovão”, isso porque eram

temperamentais, de gênio explosivo. Infelizmente, ainda há muitos filhos do trovão em nossas

igrejas. Simão é chamado de “cananeu” em 3.18. Alguns interpretam como se fosse um zelote

ou um guerrilheiro. Judas é chamado de Iscariotes. Segundo alguns, “homem de Queriote”.

Seria o único não galileu, do grupo. Oscar Cullmann tem um excelente livrinho chamado Jesus

Cristo e os revolucionários do seu tempo (1) em que acena com a tradução de Iscariotes

como “”homem sicário” ou “homem do punhal”. Seria, também, um guerrilheiro. Ao mesmo

tempo, Mateus é cobrador de impostos, funcionário a serviço da estrutura social dominante.

Em linguagem de hoje (não tão hoje, assim), teríamos um homem de esquerda e outro de

direita. Um homem do poder constituído e outro da contestação a este poder.

É outra lição a aprender sobre a Igreja de Jesus. Queremos uniformidade na Igreja. Ele

quer diversidade. Valha-nos, aqui, o texto de 1Coríntios 12.27-30: Ora, vós sois corpo de

Cristo, e individualmente seus membros. E a uns Deus pôs na igreja, primeiro apóstolos, em

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segundo lugar profetas, em terceiro mestres, depois operadores de milagres, depois dons de

cura, socorros, governos, variedades de línguas. Porventura são todos apóstolos? são todos

profetas? são todos mestres? são todos operadores de milagres? Todos têm dom de curar?

falam todos em línguas? interpretam todos?

Há tempos atrás, este autor foi pregar num congresso de jovens, em um determinado

lugar. Chegou a hora que as pessoas de bom senso e de teologia sadia acabam temendo: a do

louvor. Abrindo parêntesis: sempre pensei que todo o culto fosse um ato de louvor, mas havia

um segmento no culto chamado louvor. Fechados os parêntesis: lá estava o dirigente de

louvor, de bom porte físico e barba (um direito seu, não é nenhum pecado), ensinando “Três

palavrinhas só”. Queria que todos fizessem gestos, também. Ora, sou um coroa, sou lacônico e

seco. Não me sentiria ajustado, de maneira alguma, cantando um corinho para crianças de

cinco anos, fazendo tra la la la la la e encenando gestos. O rapaz queria um “culto

descontraído”. Mas tal atitude me contraía. Fui chamado de carnal e tido como não espiritual

porque não aceitei o padrão, um tanto grotesco, do que seja um cristão espiritual: cantar um

corinho ingênuo e fazer gestos. Fica feio um marmanjo imitar criancinhas, mas a pessoa queria

que todos fizessem a mesma coisa.

Mutatis mutandis, sucede assim, muitas vezes. Temos um estereotipo e queremos que

todos sejam pasteurizados e se conforme a ele. Quando alguém não se encaixa em nosso

modelo, consideramo-lo carnal ou um crente de segunda classe. Igreja é lugar de diversidade.

Não de cópias xerox. Aliás, tenho muito receio do que alguns entendem como “discipulado”:

produzir pessoas idênticas ao discipulador. Já vi jovens do Nordeste, discipulados por

missionários norte-americanos, que se tornaram mais americanos que os missionários. Até

seus maneirismos verbais foram assimilados: “Jesus disse, ahn, ah, que devemos....”.

Evidentemente que não estou apostrofando os missionários nem seu mérito na obra de

evangelização de nossa pátria, mas o conceito de discipulado de alguns que conheci:

reproduzir pessoas à sua própria imagem e semelhança.

Mas há uma coisa mais que merece nossa atenção. Ao lado do nome de Judas vem a

expressão: “aquele que o traiu”. Já na relação dos doze está presente a nota trágica de que a

traição sucederá. E logo depois desta última expressão, encerrada a narrativa da escolha dos

discípulos, vem a questão do pecado imperdoável. Não vamos discutir a questão do que seja o

pecado imperdoável, porque foge ao escopo do presente trabalho. Mas mostramos o seguinte:

a escolha dos doze, Igreja embrionária, mostra que a Igreja não está num contexto róseo, mas

sombrio. A estrutura de Marcos põe os doze num contexto de traição e de blasfêmia. Já no

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relato do surgimento do embrião, a traição, nuvem negra do evangelho, paira como algo

deprimente.

Em Lucas 6.12-16, está a relação lucana dos doze. Ela é precedida pela declaração de

que Jesus passou a noite em oração a Deus, antes da escolha. Em minha Bíblia de estudos,

anotei ao lado a pergunta: “e escolheu Judas?’. Foi a primeira questão que me veio à mente:

passou a noite toda orando e escolheu o traidor? Teria falhado em oração? Orou mal ou o Pai

não o orientou direito? Como sucedeu isto?

João 17.12 me deu a resposta à minha perplexidade: “...e nenhum deles se perdeu,

senão o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura”. Também não vamos discutir a

questão de predestinação em Judas, como alguns gostam de fazer. A questão é outra e é para

ela que devemos atentar: desde seu embrião, a Igreja está sob o signo do mistério do mal. Ela

não é imune a ele. Pelo contrário, ela o sofre. Não está numa redoma de vidro. A denominação

que prega “pare de sofrer” tem uma visão teológica míope e deformada do mundo. A Igreja

tem que conviver com o mal. Ele não a derruba, mas aflige. Ele a rodeia e não poucas vezes a

invade. E muitas vezes a Igreja tem sofrido males terríveis. Mas ela sobrevive ao mal. É

divina em sua origem, por isso imbatível. Mas é sofredora. Não se deve confundir a

imbatibilidade da Igreja enquanto militante com a Igreja Triunfante. Pensemos nesta palavra

de Kierkegaard: “Aqui no mundo não é o lugar da tua igreja triunfante, mas somente da igreja

militante. Mas se esta combater, ninguém a poderá expulsar do mundo, porque tu te fazes dela

fiador. Se, ao contrário, ela cisma dever triunfar neste mundo: ai de mim, ela então é culpada

se lhe subtrais a tua assistência, se ela desaparece, pois que se confundiu com o mundo” (2).

Uma olhada para quem faz parte do embrião da Igreja, nos ajuda a descobrirmos um

pouco mais sobre ela: é uma comunidade com diversidade, onde todos têm espaço e valor,

devem viver em unidade e, ao mesmo tempo, é ela uma comunidade que enfrenta lutas e sofre

o mal. Posta no mundo, enfrenta lutas, mas tem um caráter imbatível

A FINALIDADE DA IGREJA NA CHAMADA DO EMBRIÃO

“Então designou doze”. O texto é bem claro: são doze. Por que não vinte, trinta ou

cinqüenta? Por que doze é um número simbólico que traz consigo a idéia de unidade e

totalidade do povo de Deus. Doze é o número de meses do ano, uma coisa completa. No

peitoral do sacerdote, como se lê em Êxodo 28.21, havia doze pedras, uma para cada tribo de

Israel, designando sua unidade, ao redor do culto. As próprias doze tribos de Israel eram treze,

mas foram arranjadas geograficamente como doze, para atender ao aspecto místico do número.

Em João 6.13, no que é chamado de “O grande discurso do pão”, onde Jesus se apresenta

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como o pão do céu que Moisés não conseguiu dar, o número de cestos de pães que sobra é

doze. Não é acidental. Há doze tribos no Antigo Testamento. Há doze apóstolos no Novo. A

simbologia do doze também está presente no evangelho. A Igreja é a unidade e a totalidade do

povo de Deus.

Não é muito difícil entender o que está sendo mostrado. A Igreja substitui Israel. Ela é

o novo povo de Deus. Ela é a comunidade que traz em si as marcas de unidade e totalidade do

povo de Deus. Também está estruturada sobre doze patriarcas, os discípulos, mais tarde

apóstolos. E quando Judas sai do grupo dos doze, um outro é escolhido para completar o

número. É necessário que haja doze. Não há continuidade apostólica, como não houve

continuidade patriarcal em Israel, mas devem ser doze. Saindo um, escolheu-se outro para que

houvesse este número.

Diz ainda o texto que ele “chamou a si” os doze. E continua: “para que estivessem

com ele”. No embrião da Igreja que são os doze já está presente a definição do propósito da

Igreja: ela é chamada para viver com o seu Senhor, para ser sua possessão. De novo, a

semelhança com Israel é mostrada. Em Êxodo 19.6, Israel é chamado para ser possessão de

Deus. A finalidade maior da Igreja é vida com Deus. O alvo da Igreja não é o mundo, mas o

seu Senhor. Por isto que a missão principal, maior, da Igreja não é a evangelização. É a

adoração. Ela não existe em função do mundo, mas do Senhor Jesus. Não céu não haverá

pecadores perdidos para evangelizar, mas haverá Igreja. Porque haverá Deus. Ele é nosso alvo

primeiro e nossa paixão maior. Voltaremos a tratar desta questão da missão da Igreja, em

capítulo mais à frente.

Marcos ainda enfatiza que ele “chamou a si os que ele mesmo queria”. É um ato

pessoal e soberano do Senhor. E mais uma vez somos lembrados de que o mesmo fora feito

com Israel. Em Deuteronômio 7.6-8, Israel foi tornado povo de Deus não por mérito algum

seu, mas porque o Senhor quis em sua soberania e seu amor eletivo. É a soberania e o amor

eletivo de Deus que estão também na base da chamada dos que viriam a ser a Igreja. O verbo

hebraico para amor eletivo é ‘ahab. É o amor que escolhe um ou mais dentro muitos, sem

levar em conta o valor do escolhido. É porque o escolhedor assim deseja.

Trata-se de uma escolha eletiva para a Igreja vir a ser possessão de Deus. Mas há

coisas mais para ver. Ele os enviou a pregar e lhes deu autoridade para expulsar demônios.

Pregar era sua missão e a expulsão de demônios era a mostra de sua autoridade que

credenciava seu ministério. Ele as transfere à sua Igreja. Em Mateus 12.28, numa polêmica

com os fariseus, a expulsão de demônios é a prova que ele exibe aos seus opositores de que o

reino chegou: “se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, logo é chegado a vós o

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reino de Deus”. Na figura do seu embrião, a Igreja recebe poder sobre os demônios. Ela é a

continuadora da propagação do reino e é ela a parte visível do reino posto entre os homens. E

tem autoridade sobre demônios, sobre o poder das trevas, e precisa exercê-la. Isto não significa

a espetáculo circense que muitas vezes se vê me certos segmentos evangélicos, em que o

demônio aparece como astro central do culto, roubando até mesmo o lugar de Jesus, sendo

suplantado apenas pelo exorcista. Significa, sim, que a Igreja tem poder sobre o mal. “Maior é

o que está em vós do o que está no mundo” (1Jo 4.4). Há um espírito maligno no mundo (1Jo

5.19), mas a Igreja é maior que o mundo. Este nunca acabará com ela.

Todas estas considerações nos fazem enxergar um pouco mais a Igreja, de forma mais

abrangente. Ela não é um mero corpo social, fenômeno sociológico explicado por leis

humanas. Não é um produto de uma filosofia comportamentalista ou política. Ela é uma

proposta da parte de Deus aos homens. Uma proposta que ele apresenta e que ela deve

expressar muito bem em sua pregação e em sua vida. A Igreja deve exibir ao mundo o

propósito divino para a humanidade. Ela deve expressar a misericórdia de Deus aos homens.

Por conseguinte, deve ter uma profunda consciência de sua utilidade para consecução do

propósito divino.

Ser Igreja é algo fantástico. É estar inserido dentro de um plano bem elaborado por

Deus, concatenado antes da fundação do mundo, conforme Efésios 1.4. É ter uma

responsabilidade enorme de representar Deus junto aos homens. Mas é ter uma garantia

fantástica: a Igreja será vencedora. Ela nunca será derrotada.

CONCLUSÃO

O conceito de Igreja tem sido bastante maltratado, hoje. Como dito no início,

enxerga-se Igreja por várias óticas, sendo que duas delas tangenciei neste capítulo:

comportamentalismo e política, por exemplo. Outros mais a vêem por uma ótica hedonista, em

que ela existe para tornar os homens felizes, com suas consciências aplacadas. Sua estrutura

organizacional e até mesmo seus cultos são planejados de tal maneira que as pessoas devem

sair satisfeitas das reuniões. isto é feito para atender a uma classe média que tem uma

filosofia de vida e encontra um eco dela na Igreja. As marcas de uma sociedade hedonista, que

busca o prazer como o bem maior, e de uma sociedade de consumo que adora comprar

novidades e coisas boas, têm tornado muitas igrejas locais em grupos com reuniões sociais

com tintura religiosa. Todos ficam felizes após a reunião. Ouviram coisas boas e tiveram seu

ego massageado. Um supermercado espiritual: “compre o que você quiser. Nossa finalidade é

atender às suas necessidades” (que não são tão necessárias assim). É a igreja local que

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pesquisa junto ao público para saber o que o público espera dela, para então oferecer o

produto. Infelizmente há quem “venda” o evangelho como quem vende creme dental ou

sabonete. Tudo isto é um equívoco lamentável. Uma desfiguração do evangelho e da Igreja de

Jesus.

A Igreja deve ser analisada por uma ótica teológica. Ela é algo solene, de origem

divina. Ela é um grupo que tem uma diversidade que deve ser respeitada e preservada, porque

isto faz parte do propósito do seu fundador. E deve buscar e manter, nesta diversidade, uma

unidade de propósito, porque seu fundador também estabeleceu essa condição como essencial

para o seu trabalho. A Igreja deve ter uma profunda autoconsciência, noção de si mesma, para

não perder seu rumo. Ela vive e floresce no meio das lutas e à sombra do mal que a rodeia.

Não o teme, até mesmo porque os problemas são o seu adubo. E deve nutrir uma consciência

muito profunda de que é propriedade do Senhor Jesus, que foi chamada por ele para viver

com ele, num ato de soberania divina. E tem uma missão: anunciar aos homens que o reino

chegou. Que por ele e nele, Deus está propondo aos homens um novo estilo de vida, que se

reconciliem com ele e também uns com os outros.

Isto pode ser visto no embrião da Igreja. Isto é a Igreja. Isto vale para nós, ainda hoje.

E valerá sempre. São as linhas mestras da essência da Igreja, linhas que ela não pode perder,

sob pena de deixar de ser Igreja.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. CULLMANN, O . Jesus e os Revolucionários de Seu Tempo. Rio de Janeiro, Vozes,

1972, 55 p.

2. KIERKEGAARD, S. Das Profundezas, S. Paulo, Paulinas, 1990, p. 83.

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A IDENTIDADE DA IGREJA

Há um cunho bastante pessoal neste capítulo. Não é de bom tom, mas começo falando

de mim. E boa parte dele é redigido na primeira pessoa do singular. Não é por vaidade. É um

tom coloquial. Dou graças a Deus porque fui para um seminário no fim dos anos sessentas,

quando estava recém-saído da adolescência. Os evangélicos éramos, na ocasião,

insignificantes e a época em que vivíamos no Brasil era de grande contestação. Grassava nos

meios acadêmicos e intelectuais o existencialismo, que trazia um aspecto secularizante ao

pensamento. Um jovem de 19 anos que fosse para um seminário naqueles dias precisava

possuir uma consciência muito forte de vocação. Após duas décadas de estabilização e

institucionalização, que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o mundo presenciava a

contestação de todas as estruturas existentes. Em Paris, os jovens iram às ruas, numa

revolução estudantil. No Brasil, milhares de jovens protestavam contra o regime militar. Se

havia contestação intelectual, havia também a social. Protestava-se, por vezes, sem saber

porquê, mas protestava-se contra tudo.

Existe um fenômeno chamado de infiltração cultural nas relações sociais. As

estruturas intercambiam atitudes e se influenciam mutuamente, mesmo sem querer e mesmo

sem saber disto. A Igreja, como sub-cultura (não no sentido de ser desprezível, mas no sentido

de ser uma cultura menor dentro de uma maior), recebe influência do pensamento da

sociedade. Isto é inegável. Um exemplo disto podemos ver em nossa história pátria e religiosa:

os anos setentas foram anos de repressão na sociedade, por força do regime militar que tentava

se firmar, e também, como infiltração cultural, o foram na Igreja, que reprimia qualquer

discordância do discurso oficial. Um dos livros de Rubem Alves, Protestantismo e repressão

(1), mostra muito disto que falo apenas de passagem, agora.

Voltemos aos anos sessentas. Eles foram anos de questionamentos e de iconoclastia.

Tudo era submetido a revisão e contestação. Foram anos de análises, de críticas e de

refazimento, expressão bem à gosto de Darci Ribeiro. Minha formação teológica se deu

nesta época. E dou graças a Deus por isto. Ainda hoje, questiono, faço perguntas, quero saber

o porquê, mas não sou incrédulo. Sou um cristão evangélico de formação pietista. Mas sou

filho de uma época. De uma época fascinante, a década dos sessentas.

Os anos noventas, a década presente, são anos de acomodação e de aburguesamento.

A preocupação da sociedade em geral e das pessoas em particular é com riquezas e

estabilidade. Não há muito espaço para crítica. Nem mesmo há interesse. O desmantelamento

do bloco soviético e a emersão dos EUA e seu estilo de vida esbanjador como única

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superpotência causaram uma situação delicada. Há uma idéia de globalização, de

massificação, de homogeneização, no mundo. Os meios de comunicação se prestam a isso

muito bem. Não ligo a mínima para Madona e creio que a maioria esmagadora da população

brasileira também não. Mas todos os jornais televisivos anunciaram, em 16 de abril de 1996,

sua gravidez, com estardalhaço por parte dos locutores. Uma apresentadora, por exemplo,

parecia em estado de êxtase, com esta notícia, absolutamente irrelevante para a vida de

humanidade. Há um acúmulo de informações desnecessárias, alienantes e massificadoras,

procurando generalizar, por baixo, o pensamento mundial. Tudo é direcionado de sentido de

mediocrizar o povo. As pessoas pensam que estão se informando, quando, na realidade, estão

sendo desinformadas. Quando morava em Brasília, um jovem num desses países cobertos de

gelo na Europa, brigou com a namorada. Roubou um trator e saiu esmagando carros pela sua

cidade, cujo nome, impronunciável, não guardei. Os sete canais de televisão da cidade

apresentaram o fato em seus noticiários. No dia seguinte, nas bancas de jornais, no comércio,

na faculdade de teologia onde eu trabalhava, este era o assunto. As pessoas pensavam estar

informadas, mas não estavam sendo esclarecidas no principal: por que tínhamos uma inflação

de um por cento ao dia? Quem estava lucrando com aquilo? Por que as coisas estavam com

estavam? O que sucedia nos bastidores da bonita Brasília?

Numa sociedade massificada por banalidades, não há espaço para discussão e

contestação. As pessoas consomem futilidades e qualquer coisa que demande tempo e esforço

mental é banida. Torna-se cansativa. Isto é típico de uma mentalidade que vende e consome

produtos, idéias e estilos de vida, a mentalidade capitalista/empresarial. Esta mentalidade,

lamentavelmente, se infiltra na Igreja. E cria um estilo de banalidade. Cultos banais,

mensagens banais, publicações banais, produzindo um cristianismo superficial, um evangelho

sintético, de consumo, sem exigências e só oferecimentos. O púlpito que prega

arrependimento, abandono do pecado, ética elevada, corre o risco de perder público. Mas se

pregar coisas boas, se apresentar um evangelho consumível, palatável ao gosto superficial de

hoje, terá sucesso. O pregador que faz pirotecnia no púlpito, que oferece curas, bênçãos,

riquezas, prosperidade, sem dúvida, terá mais sucesso que aquele que usar os termos de Jesus:

arrependimento e fé.

Esta mentalidade surge até na teologia. O pietismo, onde estão as mais sólidas raízes

teológicas das grandes denominações, está fora de moda. O que prevalece é a teologia da

prosperidade. A Igreja Católica apostou suas fichas na teologia da libertação e os

neopentecostais e os baixo-pentecostais, as apostaram na teologia da prosperidade. Como

ninguém está ligando a mínima para os que sofrem e para as injustiças, os pregoeiros da

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riqueza como sinal de fé estão com melhor audiência. Com todos estes fatores, precisamos

parar para pensar seriamente. A Igreja corre o sério risco de descaracterizar-se, de perder sua

identidade, tão peculiar e distinta das demais organizações deste mundo. Está sendo

massificada por esta mentalidade de informações superficiais que alienam, que desinformam,

na realidade, pela idéia de que os bens materiais são o supremo valor. Nada de sério deve ser

passado. Uma sociedade irrelevante deseja uma igreja irrelevante. Nosso risco é fazer o jogo

da mídia. A Igreja precisa pensar seriamente sobre si mesma. Não pode se tornar uma Igreja

fútil e preocupada com bens, com patrimônio, mais que com sua missão. É preciso não perder

a identidade. E não assumir um discurso banal, irrelevante e em resposta à pesquisa de

mercado. Há muitas igrejas que têm feito isto: pesquisam seu ambiente para saber o que as

pessoas estão querendo e do que precisam. Então adaptam sua mensagem às necessidades do

ouvinte. É um evangelho vendido como um novo refrigerante. Sintético, artificial, descartável.

Lembrando o Dr. Schaeffer em Death in the city (2), o que pregam não é Palavra de Deus, mas

apenas eco das palavras humanas. Não se fala o que Deus expressa na Bíblia, mas o que os

homens querem ouvir. Isto é uma tragédia, porque como bem diz Wiersbe, “sermões que

adulam os pecadores jamais os salvam” (3).

O LEVANTAMENTO DO PROBLEMA

Frank Byrnes, um missionário da Missão Canadense, conversando comigo uma vez,

me perguntou: “Na sua opinião, qual é o maior problema da igreja evangélica no Brasil?”.

Respondi sem pestanejar: “crise de identidade”. Esta é, para mim, a questão principal para a

Igreja de Jesus resolver. E procuro explicar.

É preciso começar pelo problema que levanto agora: o que é, exatamente, a Igreja?

Emprego para especialistas ociosos? Um divertimento para a classe média e uma catarse para a

classe pobre? Um reformatório abrandado? Um jeito de manter as pessoas sob controle? O

partido conservador em funcionamento, com outro rótulo, pregando valores de grupo? Uma

sociedade de moralistas de fachada? Um grupo de burgueses espirituais que se julga superior à

plebe, num tipo de arianismo espiritual? Sim, o que é a Igreja? Qual a sua identidade, numa

época de tantas desfigurações?

DEFININDO E CARACTERIZANDO

Antes de buscar responder, outra pergunta deve ser levantada: para que serve uma

igreja local? E explico o porquê de responder uma pergunta com outra. Nossa consciência de

função definirá nossa identidade. Nosso porque responderá ao quem somos. Temos problemas

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extremamente sérios no momento em que vivemos. Que mundo legaremos a nossos netos?

Teremos água e comida para todos? Dizem os especialistas no assunto que a quantidade de

comida produzida no mundo é suficiente para dez bilhões de pessoas, o dobro da população

mundial. A fome, portanto, é questão política e não climática. Temos rios poluídos, fontes

contaminadas, campos dizimados por guerra e comida estragada para se manter preço no

mercado. Sempre houve problemas no mundo, mas pela primeira vez na história da

humanidade temos o poder de destruir todo o mundo, em questão de segundos. O que o futuro

nos reserva? Como olhamos isto tudo?

Atualmente, a Igreja evangélica no Brasil experimenta um crescimento ímpar. Isto nos

traz um quadro de otimismo. A tal ponto de surgirem algumas distorções, exatamente por

causa do triunfalismo infantil. O quadro sombrio do mundo recebe “aleluias” porque alguns o

vêem como sinal da volta de Cristo. Há estudos estatísticos que prevêem que no ano 2010

seremos mais de 51% da população. Seremos o primeiro país maioritariamente evangélico na

América Latina. Mas ouso perguntar, como filho dos anos sessentas: que evangelho é este?

Que tipo de igrejas são estas? Que está sendo pregado? Quem seremos nós? Marcamos a

sociedade? Afetamos o momento? Disse alguém que a igreja dos anos noventas será mais

lembrada pelos escândalos cometidos pelos tele-evangelistas do que por qualquer outra coisa.

Que imagem será a nossa? No passado, o nome “crente” trazia uma carga de respeito. Hoje

não faz diferença. “Pastor”, no passado, era um homem respeitado. Eu tinha 23 anos, era

pastor no interior de S. Paulo, menino ainda. As pessoas me saudavam na rua, tirando o

chapéu e dizendo: “Reverendo, como vai?”. Por ser pastor, comprava a crédito nas lojas sem

necessitar de fiador. As lojas se sentiam orgulhosas de terem o pastor como seu cliente. Era

uma recomendação para elas. Há pouco tempo atrás, um cartão de crédito me foi negado. A

razão apresentada: sou pastor e pastor não merece confiança. Isto me foi dito sem a menor

cerimônia. Não é de se estranhar que assim suceda numa época em que pastores e até igrejas

inteiras freqüentam com razoável assiduidade as páginas policiais.

O MOMENTO PRESENTE DA IGREJA

“Mas a Igreja está bem definida”, poderá dizer alguém. “Basta olhar para uma e saber

o que é”. “E apesar desses problemas, o evangelho está crescendo”. Mas muito do que se ouve

como evangelho, hoje, não tem o menor sentido para o homem que pensa e não está muito

distante da irrealidade. E, para ser honesto, não é o evangelho. Há gente que está pregando

Lair Ribeiro como se fosse Jesus Cristo. Ensinando auto-ajuda como evangelho. Apresentando

um par de muletas como mensagem de Deus.

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Vemos hoje dois blocos bem diferenciados na Igreja Evangélica do Brasil. Um, o

bloco chamado pejorativamente de tradicional, enfatiza o cognitivo, o conhecimento. Outro, o

bloco que parece mais poderoso espiritualmente falando, privilegia o misticismo. A

simplificação é grosseira, mas vai servir para nos ajudar a entender a questão. É difícil

encontrar equilíbrio teológico e vivencial nestes segmentos. Alguns identificam o evangelho

com matéria de conhecimento intelectual. O bom membro de igreja é aquele que conhece as

doutrinas, é aluno da escola dominical, é versado em apologética, lê livros evangélicos, faz

cursinhos e participa de encontros e congressos. Do outro lado, pegando carona no misticismo

que assola o mundo após décadas de secularismo, cientificismo e materialismo, estão os que

enfatizam o sobrenatural, o experiencialismo, feitos portentosos e sinais espetaculares como

evidência da presença de Deus. São os carnais e os espirituais, ou os lúcidos e os fanáticos,

dependendo da ótica de cada um. Temos problemas sérios com isto. De um lado podemos ter a

transformação do evangelho num racionalismo cristão. De outro, esta tendência de ver um

demônio atrás de cada poste. E o que pior: parece que vozes se levantam de um e de outro

segmento e tecem loas ao seu grupo e denigrem o outro. Cada um se considera o portador da

verdade.

A generalização pode prejudicar o pensamento, mas vemos o seguinte: um lado criou

toda uma estrutura de ensino, com institutos, congressos, conferências, seminários, encontros e

escolas teológicas. Mas continua com deficiências bem sérias em seu meio. Outro lado

enfatiza um sobrenaturalismo que irrita os mais pensantes. Mas têm deficiências bem sérias,

também. Um casal de uma igreja carismática me procurou, certa ocasião, pedindo que

exorcizasse o demônio da incompreensão conjugal que pairava sobre eles. Enfrentavam

dificuldades no seu casamento. Perguntei-lhe: “vocês já se sentaram para conversar sobre

porque seu casamento vai mal?”. Disseram que não. Disse-lhes eu: “parem de por a culpa no

demônio e pensem se vocês não são os culpados”. Ficaram zangados: como podiam ter culpa,

se eram crentes? A palavra de vitória já fora liberada para eles (seja lá o que isto signifique).

O culpado era o demônio. E também o incrédulo do pastor tradicional que não via isto. Vai

alguém à igreja, fura o pneu do carro: foi um demônio que fez isso. Assistimos, então, a

situações que não resistem ao bom senso. “Igreja Tal, onde o milagre é uma coisa natural”. A

frase é tão desconexa como água seca e fumaça concreta. Se o milagre é natural não é milagre.

Temos programas de rádio e televisão. Temos emissoras e redes inteiras. Temos

políticos evangélicos. Fazemos promoção para vender o evangelho como se fosse panetone,

seguindo as normas de publicidade moderna. Mas as estruturas do mal permanecem

intocadas. A corrupção parece mais institucionalizada do que nunca. Pesquisa vinda à luz há

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poucos meses atrás mostrou que o Brasil é o 14º país mais corrupto do mundo. A troca de

favores é a moeda corrente na política brasileira. E justificada com uma desfaçatez revoltante.

Um político sem quaisquer traços de caráter usou a frase de Francisco de Assis, para justificar

a troca de favores: “é dando que se recebe”. Cínico! A violência e a imoralidade batem

recordes de ousadia. Onde está a Igreja? Que faz ela? Infelizmente, se deixa macular, muitas

vezes. O mau testemunho dos políticos evangélicos em Brasília tem sido alvo de chacotas por

parte de incrédulos.

O pensamento humano é como um pêndulo. Oscila de um ponto a outro. Saímos de

décadas de secularismo e entramos num tempo de espiritualidade que acabou se transmudando

em misticismo e superstições. Talvez este período dure ainda uns vinte anos, salvo algum

grande evento que tudo transtorne. Quando o pêndulo voltar e ingressarmos novamente numa

fase de materialismo e de rejeição do espiritual, a Igreja de hoje sobreviverá? Temos,

realmente, uma Igreja, como mostrado no capítulo anterior, ou somos apenas um grupo

religioso e cultural com roupagem cristã? Está se pregando o evangelho? O que se prega têm

consistência? Numa madrugada, acordado em um hotel em S. Paulo, ouvia um conhecido

pregador dialogar com um dos pastores do seu grupo. Ouvi com atenção e analisei o conteúdo

da conversa. Disse para mim mesmo: “isto não é Jesus Cristo, isto é Lair Ribeiro!. É auto-

ajuda, é a variação de Norman Vicent Peale”. O que se dizia era: “há poder em você, você

pode ser vitorioso, pode ser rico, basta que você queira, porque Deus já liberou a riqueza para

você. Você só precisa de você”. Tirando-se o nome de Deus do discurso, eis Lair Ribeiro.

Há uma diferença enorme entre o que foi pregado pela igreja primitiva, no livro de

Atos, e o que se vê, hoje, na maioria dos círculos evangélicos. Pode-se ouvir durante semanas

a fio os pregadores tele-evangélicos sem se ouvir uma palavra que é fundamental no

evangelho: arrependimento. A pregação cristã que não exorte à mudança de vida e ao

abandono do pecado traz algo errado em si. Muito do que temos como pregação não é

pregação e muito do que temos como Igreja não é Igreja. O conceito de riquezas materiais

como valor maior infiltrou-se na Igreja. Da mesma forma, o misticismo de um mundo sem o

evangelho. Temos, então, espiritualidade sem Bíblia. Temos espiritualidade sem teologia

correta. Temos igrejas com um evangelho falsificado, mesmo que sem querer e sem refletir

sobre isto. Temos um pensamento secular ensinado como pensamento divino. Isto

descaracteriza a Igreja.

UMA DEFINIÇÃO DE IGREJA

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Mas o que significa tudo isto? Aonde quero chegar? Cheguei: à questão de definição

de termos. “Bem, bem, bem, vamos definir os termos”, dizia meu professor de Filosofia, no

seminário, o Dr. Purim. Vamos definir o que entendo por Igreja. É um grupo de pessoas que

experimentou a graça de Deus na pessoa de Jesus Cristo, creu nele, e se comprometeu com

ele na transformação deste mundo. São pessoas que conheceram Jesus Cristo, tiveram uma

experiência de salvação com ele e assumiram um compromisso. Uma comunidade de salvos

engajados. Não de oportunistas ou de gente imatura que quer sempre benefícios, mas nunca

quer se dar. Quando falo de Igreja, com I, é isto que tenho em mente. Uma comunidade de

regenerados e com consciência de missão a cumprir neste mundo. Uma comunidade que

rejeita ser massificada, que entende que “o mundo jaz no maligno” e que procura ter “a

mente de Cristo”. Isto é ser Igreja: conhecer o propósito de Deus e não cumprir o propósito do

mundo.

A IGREJA COMO COMUNIDADE

Neste definição caracterizo Igreja como povo, como gente. Povo não é massa. Massa é

amorfa. Povo tem identidade e consciência. A Igreja são pessoas chamadas a viver em

comunidade, em companhia umas das outras. É incompreensível um cristão isolado dos

demais. Da mesma maneira é incompreensível uma igreja local isolada, sem companhia das

demais. No Novo Testamento as igrejas são autônomas e independentes, mas são, ao mesmo

tempo, interdependentes. Uma igreja local sempre deve se ver como parte de um todo. Vemos

igrejas tradicionais fechadas, com medo da liturgia carismática. E vemos igrejas carismáticas e

novas isoladas, com medo do ensino e da visão global das tradicionais. Muitas destas igrejas

novas se isolam e depreciam as demais como mecanismo de defesa. Não são Igreja, mas

guetos religiosos. E por falta de uma estrutura de educação religiosa, porque vivem

dependentes do ensino de um homem, geralmente autocrático, são engolfadas por heresias e

esquisitices.

O problema que vejo aqui é que isto cria uma mentalidade de igrejas olhando o seu

próprio umbigo, sem visão do conjunto, do todo, do reino. E, muitas vezes, vendo uma parte

do evangelho como sendo o evangelho todo. Uma parte, a expulsão de demônios é vista como

sendo a essência do evangelho. Uma parte, a preocupação social, é vista como o evangelho

todo. A visão missionária de alcançar hindus, islamistas e animistas não lhes vêm à mente.

Não podem organizar novas igrejas locais porque vão perder membros. Precisam engordar. O

conceito de crescimento de igreja de alguns pastores é de ter mais gente dentro de um prédio,

ter mais dinheiro, ter um rebanho maior, quantitativamente falando. O conceito é empresarial e

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não teológico: a igreja-empresa precisa crescer, ter mais acionistas, para ter mais capital.

Assim, o executivo terá um salário maior. Grande parte da atividade eclesiástica que se vê

hoje em dia é esta: tira-se alguém de uma igreja, perde-se um para outra, e assim se vai. A

maior parte dos esforços, muitas vezes, é para predar outras denominações, em vez de alcançar

o mundo pagão. Há um grupo enorme de não alcançados, inclusive em nosso próprio contexto

cultural: os secularizados, os céticos, os agnósticos. Mas estes dão trabalho. Tenta-se mudar a

doutrina das pessoas. Prega-se para quem já conhece o evangelho. É mais fácil e traz mais

status: passa-se por mais espiritual porque se presume, num raciocínio primário, que se a

pessoa passou de uma denominação para outra é porque esta outra é superior. Pessoas

conquistadas de outras igrejas são, muitas vezes, exibidas como troféu de superioridade. Mas o

mundo permanece intocado. Crescem a violência, a imoralidade administrativa e falta de

moral em todos os níveis.

A Igreja é uma comunidade. Numa comunidade as pessoas têm propósitos comuns, um

programa comum, uma visão comum, a do todo. Há solidariedade, há força de conjunto e

busca de fortalecimento do grupo. A ênfase correta, dentro desta perspectiva, deve estar em

pessoas e não em prédios, programas e instituições. A preocupação deve ser em formar

pessoas melhores, dia a dia, transformadas à imagem de Cristo, reinseridas na sociedade (às

vezes retiramos as pessoas da sociedade e as guetizamos) para transformar o ambiente. Isto é

uma Igreja. Uma comunidade de transformados, dia a dia, transformando o ambiente em que

vivem. Como Paulo bem fez o cabeçalho de sua carta aos colossenses: “Em Cristo...em

Colossos”. Duas dimensões: viver em Cristo e viver na nossa cidade.

A necessidade da Igreja não é ter poder material ou dominar os meios de

comunicação. É apenas viver o evangelho. E, se formos corretos e leais, se vivermos à altura

do nome de Cristo, com uma ética elevada, o mundo poderá nos detestar, mas terá que

reconhecer nossa qualidade espiritual. É de bom testemunho o que mais precisamos.

CONCLUSÃO

Creio que é possível sintetizar em parágrafos curtos o que pretendi dizer nas linhas

anteriores. Nem sempre sou muito claro, mas quando fico confuso demais, busco clarificar.

1o.) Há uma grave perda de identidade teológica em muitos setores da Igreja. Isto a

descaracteriza e a torna uma instituição sem sentido para o mundo.

2o) Esta perda de identidade se verifica porque temos assimilado muito do estilo do

mundo, de quantificar, de passar rapidamente pelos problemas sérios, de procurar ter mais em

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vez de buscar ser mais. Um mundo banal se infiltra na Igreja e a torna banal. Em vez de ser

original, passamos a ser cópia.

3o) Esta perda de identidade é facilmente observável em posturas nitidamente

seculares, que a Igreja sacraliza e adota. Ela tem santificado o pensamento secular, mudando

sua roupagem e adotando-o . A chamada “geração shopping” acaba produzindo uma “ igreja

shopping”. Com fast food espiritual e tudo mais. O culto passa a ser entretenimento e não

momento de encontro com Deus, confissão, consagração e revisão de valores.

4o) Há necessidade de uma reflexão séria sobre o que seja a Igreja. Um prédio com

gente cantando louvores a Jesus pode estar hospedando pessoas bem distantes do conceito

bíblico de Igreja.

5o) Precisamos redescobrir o sentido da Igreja como comunidade espiritual, de fé,

transformada e buscando transformar a sociedade. Se recebe infiltração, ela age transformando

as estruturas da sociedade onde se insere.

6o) A transformação da sociedade e seus valores pervertidos é missão para a Igreja.

Não é buscar somar pessoas num prédio, mas aperfeiçoá-las para desempenho de sua tarefa. A

verdadeira Igreja é a da diáspora, a do povo na rua, e não a do povo dentro de um prédio,

chamado, pomposa e equivocamente, de “santuário”. Segundo o Novo Testamento, santuário

não é um prédio, mas pessoas. Os crentes nunca vão à igreja. Eles são a Igreja que se reúne em

um local e sai, depois, para o testemunho.

7o) Não podemos trabalhar pensando apenas em quantidade, mas em termos de futuro:

que transformações estamos exercendo e para onde estamos direcionando o mundo? Para isto

precisamos saber muito bem qual é a nossa missão.

8o) Normalmente, a Igreja vai à reboque das transformações, sendo infiltrada e

assimilando conceitos humanos. Ela deve exercer influência e, em vez de sofrer, fazer as

conseqüências. Ela deve ser cabeça e não cauda. E isto é um desafio para todos nós. A cidade

de S. Paulo, a maior e mais rica do Brasil, tem como divisa a expressão latina Non ducor,

duco. Significa “não sou conduzido, conduzo”. Assim se vê a “Paulicéia desvairada”. Assim

deve se ver e ser a Igreja de Cristo: condutora e nunca rebocada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ALVES, RUBEM. Protestantismo e repressão. 2ª impressão. S. Paulo, Editora Ática,

1982, 290 p.

Page 25: sua igreja pode transformar o mundo 1 - Isaltino · Os carismas, que são parte da Igreja, tornam-se a sua essência, a sua própria razão de ser. Toda a vida da Igreja é centrada

2. SCHAEFFER, FRANCIS. Death in te city. 7ª edição, Downers Glove, InterVarsity Press,

1979, 143

3. WIERSBE, WARREN. A crise de identidade. Miami, Vida. 1989, p. 43

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A IGREJA E O PROCESSO DE AUTO-TRANSFORMAÇÃO

E ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e

outros como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do

ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé e do

pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da

plenitude de Cristo; para que não mais sejamos meninos, inconstantes, levados ao redor por

todo vento de doutrina, pela fraudulência dos homens, pela astúcia tendente à maquinação

do erro; antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é cabeça,

Cristo... (Efésios 4.11-15).

A missão da Igreja é muito ampla, tendo diversas variantes. No entanto, sobre todas

elas paira sua dimensão vertical: ela existe para Deus, para adorá-lo e servi-lo. Em sua

dimensão horizontal, o dirigir-se aos homens, a Igreja tem uma missão com múltiplos

aspectos. Ela se dirige ao mundo, o que já lhe traz dificuldades enormes. Mas dirige-se

também a si mesma.

Neste sentido, o de dirigir-se a si mesma, uma das tarefas mais importantes da Igreja é

a auto-transformação. Ela é uma comunidade que, moral e espiritualmente, não está estagnada.

Se, eventualmente, alguma comunidade cristã assim estiver, está perto do fim. A Igreja deve

buscar a perfeição. O texto bíblico que melhor explicita esta missão é Efésios 4.11-16 e que

encima este capítulo. Não faremos aqui um estudo exegético no texto. E tampouco o

utilizaremos como pretexto, o que não é uma prática muito correta. Empregamo-lo como um

parâmetro. Ele nos mostra, mais que qualquer outro, a Igreja como uma comunidade auto-

transformadora. O Senhor a agraciou com uma diversidade de dons, aqui mostrados em termos

de funções, para seu aperfeiçoamento

UM ASPECTO A CONSIDERAR

De início, o primeiro aspecto que devemos considerar é este: a Igreja é a sociedade do

futuro. O homem novo que Mao Tse Tung quis criar, que Huxley procurou mostrar em O

admirável homem novo e que outros ficcionistas como Arthur Clarke, por exemplo,

desenharam, principalmente em O fim da infância, Jesus Cristo fez. “Se alguém está em

Cristo, nova criação é” (2Co 5.17). O futuro por séculos ansiado pela humanidade chegou em

Jesus Cristo e, pelo trabalho da Igreja, que é a sua presença na terra, se vai espraiando.

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O texto de Efésios 2.11-22 é a melhor declaração sobre a Igreja como o povo do

futuro, o novo povo de Deus, em substituição a Israel. Na minha ótica, este (Israel) era o passo

inicial, o rascunho, diga-se assim, do projeto de Deus. A Igreja é a consecução do projeto. No

texto de 1Pedro 2.9-10, o apóstolo aplica à Igreja quatro títulos que eram da nação israelita:

geração eleita, sacerdócio real, nação santa e povo adquirido. Em 1Pedro 1.1, os cristãos são

chamados de “peregrinos da dispersão”, título que fora dado aos israelitas dispersos pelo

mundo em algumas diásporas. Agora estes títulos pertencem à Igreja. Ela é a geração eleita, o

sacerdócio, a nação santo, o povo adquirido e a comunidade peregrina dispersa pelo mundo.

Israel era o rascunho e a Igreja o projeto final. O texto de Efésios 2.11-22 mostra quão

revolucionário foi o conceito de Igreja, na época. Num mundo violentamente marcado pelo

ódio racial, surgiu um novo povo, completamente distinto dos demais: sem etnia, sem

geografia, sem espaço físico limitado, sem uma língua unificadora e característica. As

barreiras caíram e o ódio entre as pessoas deveria ser abolido. O nacionalismo xenófobo cedeu

lugar ao amor como padrão de relacionamento.

Para se compreender o que significou a proposta de Deus mostrada na Igreja nos

tempos apostólicos, lembremos que os judeus possuíam dois provérbios bem racistas sobre os

gentios. Um deles dizia: “maldita seja a parteira judia que ajuda uma gentia a dar à luz.

Maldita seja duas vezes: porque ajudou um gentio e porque pôs um gentio no mundo”. O outro

dizia: “Deus fez os gentios para serem o combustível do fogo do inferno”. Sobre as mulheres

diziam os judeus: “é melhor queimar os livros da lei do que permitir que uma mulher os

aprenda”. No entanto, com o advento da Igreja, lemos em Gálatas 3.28 que “em Cristo não há

judeu nem grego...nem homem nem mulher”. As diferenças sexuais permanecem (felizmente),

mas todos são um em Cristo. Ninguém é superior ao outro por sua raça ou por seu sexo. Nem

por sua posição social. Ao escrever a Filemon a respeito do escravo Onésimo, Paulo trata a

ambos como irmãos em Cristo e propõe ao senhor de escravos a aceitação desta situação.

Entre os gentios, a situação não era melhor. Basta lembrar que um homem do porte de

Platão dava graças por ter nascido grego e não bárbaro, homem e não mulher. Mas Paulo disse

aos gregos que Deus, de um sangue só fez toda a raça humana, como se lê em Atos 17.26. A

Bíblia Reina-Valera, em espanhol, é muito clara ao trazer a palavra “sangre” (sangue): “Y de

una sangre há hecho todo el linaje de los hombres...”. Geneticamente, apesar de alguns

racistas se sentirem superiores aos outros pelo fato de terem nascido em um determinado lugar

ou por terem uma determinada cor de pele, não existem as raças branca, negra e amarela. Só

existe uma raça, a humana.

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Mas do ponto de vista espiritual, só há uma raça também, feita de um só homem, de

um só sangue. Em Romanos 5.12-21, Paulo fala de duas humanidades que presentemente

coexistem no mundo, a humanidade em Adão e a humanidade em Cristo. Esta última é a

humanidade final, a definitiva, a de amanhã. É a Igreja.

Andemos um pouco mais pela Bíblia. Em Mateus 21.43, Jesus diz que o reino será

tirado dos judeus e dado a outro povo: “portanto, eu vos digo que vos será tirado o reino de

Deus, e será dado a um povo que dê os seus frutos”. A Igreja é este povo a quem reino seria

dado. E foi. O livro de Efésios, um excelente tratado de eclesiologia, tem duas divisões bem

claras. A primeira, que vai de 1.3 a 3.21, tem como tema o propósito eterno de Deus de reunir

todas as coisas em Cristo. Em Cristo, uma nova humanidade foi criada. A segunda parte, a

partir de 4.1, trata das relações éticas que devem nortear a vida desta nova sociedade. A Igreja

é uma criação nova, com valores novos.

Com estas passagens se vê que a Igreja é a ponta de lança do propósito de Deus. É ela

a expressão visível da nova raça. Quando falo de Igreja, é isso que tenho em mente.

O PROCESSO DE AUTO-TRANSFORMAÇÃO

Esta nova humanidade, a do homem perfeito, Cristo, não é perfeita, no entanto. Está

implantada, mas não aperfeiçoada. O reino está implantado, mas não aperfeiçoado. Deve sê-lo

até a medida da plenitude de Cristo, como se lê em Efésios 4.13. Enquanto isto, a Igreja vive

numa tensão, a do já e do ainda não. Vejamos a observação de Stott sobre esta questão: “A

tensão faz parte do dilema cristão do ‘já’ e do ‘ainda não’. O reino de Deus foi inaugurado e

está avançando; mas ainda não foi consumado. A nova era (o mundo vindouro) já chegou, de

modo que temos provado ‘os poderes do mundo vindouro’; mas a era antiga ainda não passou

completamente. Já somos filhos de Deus e não mais escravos; mas ainda não entramos ‘na

liberdade da glória dos filhos de Deus’. (1). É um período em que a Igreja sabe o que será,

mais sabe que ainda não é o que será. E caminha para o alvo. Algumas coisas dependem do

tempo de Deus. Outras dependem de seu trabalho e de seu testemunho.

Para cumprir o propósito de firmar o reino, a Igreja precisa cuidar primeiro de si. Há

uma afirmação de Tozer que merece nossa consideração. Diz ele: “A noção popular de que a

primeira obrigação da igreja é disseminar o Evangelho até os confins da terra é falsa. A sua

primeira obrigação é ser espiritualmente digna de disseminá-lo” (2).

Ela, a Igreja, tem uma tarefa, que é a de dizer à humanidade que há uma proposta de

Deus para que este mundo se transforme. Mas antes de fazê-lo, ela mesma precisa ser

transformada. Ela precisa mostrar ao mundo que a mensagem que está pregando ela

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incorporou em sua vida. E se assim não o faz, não tem credibilidade. Esta é uma palavra

chave no processo de relacionamento da Igreja com o mundo, em nosso tempo. Mais que em

qualquer outra época, antes de ouvir o evangelho, o mundo quer vê-lo encarnado na vida do

pregador.

Há pouco tempo, em uma cidade do sul do Brasil, um grupo de pessoas que queria

uma igreja com um modelo eclesiológico alternativo começou a se reunir em busca de uma

nova organização. Depois de efetuadas várias reuniões, surgiu uma pergunta: “que tipo de

igreja vamos ser: carismática, tradicional, neopentecostal, baixo-pentecostal?”. Abrindo

parêntesis: é curioso que o modus vivendi eclesiológico, hoje, se sobreponha ao conteúdo

teológico. Fechando parêntesis: um dos irmãos deu a resposta: “Creio que devemos ser uma

igreja que tenha credibilidade”. Esta é a resposta correta. Se queremos marcar o mundo,

necessitamos de credibilidade.

Creio firmemente que esta palavra é chave: credibilidade. E o conceito de

credibilidade está ligado ao conceito que a Igreja tem de si mesma. Se ela é uma arapuca para

extorquir dinheiro dos incautos e construir um império ou se tem um conceito mais elevado

sobre si mesma. A auto-imagem determina o rumo a seguir. A Igreja deve se ver corretamente.

Deve ter uma visão bem clara a seu próprio respeito e, a partir daí, traçar seus alvos.

O mundo, a primeira humanidade, não tem credibilidade. A Igreja, segunda

humanidade, saiu do meio da primeira e precisa construir sua credibilidade. Esta é a sua

imagem externa, que dependerá, em muito, de sua auto-imagem. Porque é esta que determina

seu rumo. E se for uma auto-imagem coincidente com a do Novo Testamento, necessitará de

aperfeiçoamento. Porque sabemos que estamos no ainda não e que nos falta muito para a

perfeição. E a busca da perfeição, alvo que todo cristão deve traçar para si, não vem por ritos,

liturgia ou êxtases. É uma longa luta, é um processo. É o processo de auto-transformação que

é orientado pelo Espírito Santo. Para que ele suceda, há alguns passos que julgo necessário

apontar.

PASSOS IMPORTANTES NO PROCESSO DE AUTO-TRANSFORMAÇÃO

Alisto três pontos importantes para o processo de auto-transformação. São eles a base

do processo. Pelo menos dois já ficaram delineados no arrazoado feito até agora, de modo que

não será difícil caminhar por aqui.

O primeiro é um conceito correto do evangelho. Ele não é apenas uma mensagem,

entre muitas outras existentes. É a única mensagem válida. Sua proposta abrange muito mais

que salvação pessoal. Ele é a proposta de Deus para colocar o mundo em ordem. Seus valores

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e seus padrões são a proposta divina que põe ordem no caos criado pelo pecado. O evangelho

tem sido rebaixado, hoje, com uma superespiritualização. As pessoas são chamadas para

deixar o mundo e se refugir num prédio chamado de “igreja”, para correntes de bênção, de

prosperidade, do cajado de Moisés, da espada de Josué, dos setenta pastores, para receberem

um vidrinho de óleo trazido do Monte das Oliveiras, e até (prática assumida do baixo-

espiritismo) para receberem um saquinho de sal grosso, alegadamente vindo do mar Morto,

para “descarrego”. O evangelho deixa de ser um chamado à luta, para transformar o mundo, e

se torna uma ideologia hedonista. Passa a ser como enriquecer, como ter coisas, como ser

feliz, como se apossar das riquezas do ímpio, etc. É uma concepção utilitária, e não serviçal da

vida cristã. O evangelho não é isso. É a proposta de Deus para que os homens se reconciliem

com ele e uns com os outros. É a única saída que resta aos homens para viverem bem. É uma

mensagem global, que envolve toda a vida e não o que alguns chamam de “alma”. Envolve o

caráter e não apenas os bens. Tem efeitos micros e efeitos macros. Age no indivíduo e age na

sociedade. É para a pessoa e para o mundo.

O segundo é um conceito correto de si. Igreja não é um lugar de reunião. Ela é gente.

E não é gente exótica, mas gente comum, como as demais, embora com uma compreensão

diferente do mundo. Deve ter consciência de que é a segunda criação de 2Coríntios 5.17.

Convive com a raça adâmica, mas é a raça crística, tomando emprestada a palavra de Teilhard

de Chardin e dando-lhe esta conotação. E procura marcar a humanidade caída com os valores

da humanidade redimida.

A questão é mais delicada do que parece porque há igrejas locais que são

simplesmente exóticas. Algumas comunidades evangélicas têm surgido ao redor de pessoas

pouco preparadas ou, até mesmo, pouco equilibradas, de práticas litúrgicas, de “rachas”

pouco éticos, e até, por incrível que pareça, ao redor de livros evangélicos que podemos

chamar de “sabrinas evangélicas”. Por exemplo: um grupo estava se preparando para

organizar uma comunidade ao redor do livro Este mundo tenebroso, uma obra de ficção

escatológica. O grupo já estava orando aos anjos, como intercessores (o que o livro não

ensina, diga-se). Há muita confusão, muita visão fragmentária do reino, porque há igrejas ao

redor de um aspecto do evangelho, como cura, pré-milenismo, Israel, dons, etc., sem nutrir

uma visão global da mensagem cristã. Uma visão global, holística, do evangelho é

fundamental que a Igreja encete o processo de auto-transformação. Assim, ela sabe seu rumo e

caminha segura para ele.

O terceiro é o conhecimento correto dos meios para consecução do propósito. Não

somos jesuítas, para quem os fins justificam os meios. Há igrejas que estão apresentando o

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evangelho como quem vende creme dental. Técnicas de publicidade são empregadas como

substitutas da autoridade espiritual e do poder do Espírito Santo. Aliás, fala-se mais de

qualidade total, em nosso cenário denominacional, do que de lisura e ética nas relações. Em

muitas ocasiões, os bastidores das denominações nada devem aos bastidores da política

rasteira do mundo. Esquecemos que acima de técnicas, o trabalho da Igreja sobressai pelo seu

caráter. E que nós devemos viver o que pregamos.

Um exemplo desta falta de lisura: numa campanha de evangelização, os conselheiros

foram orientados para irem à frente quando o pregador começasse o apelo, como se fossem

convertidos e não como se fossem conselheiros. Assim, os ouvintes que estivessem indecisos

acabariam se decidindo, vendo tanta gente ir à frente. Isto é manipulação. Uma outra igreja

colocou uma faixa, em sua frente: “Aqui, o seu dízimo é apenas 7%” (sim, não é mentira,

aconteceu mesmo!) Em outra, ainda, os pastores estavam ensaiando expulsão de demônios,

com os mais experientes ensinando aos novos como empurrar, como cair, o que dizer, etc. Os

“endemoninhados” eram obreiros da própria igreja! Quanta baixaria!

Confunde-se a Igreja de Cristo com a estrutura denominacional, com a igreja

institucionalizada e com programas de líderes personalistas. Talvez este seja um dos maiores

motivos pelo qual estamos caminhando para uma época pós-denominacional: boa parte dos

pastores jovens está querendo trabalhar no reino, na igreja, e não em atividades burocráticas

nem sempre bafejadas pela ética. Aliás, sobre personalismo é necessário dizer algo: o culto à

personalidade é umas maiores aberrações no cenário evangélico hoje. Há líderes que se

promovem tão grotescamente como o pitoresco Paiva Neto, da LBV. Considero-o como o

maior auto-promotor de nosso cenário presente. Mas parece que alguns líderes evangélicos

querem copiá-lo. Vemos, então, uma variação de uma antiga oração feita pelos crentes do

passado, quando intercediam pelo pregador: “esconde o teu servo atrás da cruz de Cristo”.

Hoje parece ser “esconde a cruz de Cristo atrás do teu servo”. Por tudo isso, o caminho para a

auto-transformação da Igreja passa por alguns meios que apresento aqui.

OS MEIOS PARA CONSECUÇÃO DO PROPÓSITO DE AUTO-TRANSFORMAÇÃO

Aponto cinco meios. Mas observem que os cinco se resumem a uma só palavra, na

realidade: mutualidade. O egoísmo da antiga humanidade, bem manifesto na atitude de Adão,

em salvar a sua pele e jogar Eva às feras, diante de Deus na célebre frase ”a mulher que tu me

deste”, não deveria existir na nova humanidade. A Igreja precisa viver em unanimidade.

Quando ensinou aos discípulos a oração modelo, Jesus a iniciou com “pai-nosso” e não com

“meu pai”. Nesta oração, não há a primeira pessoa do singular e se usa a primeira do plural.

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Diferentemente de Jesus, o louco da história de Lucas 12.13-21, em seu discurso, só

fala “eu, meu, minha”. No discurso do insensato não se reserva espaço para a primeira pessoa

do plural. Só para a primeira do singular. É típico do homem mesquinho.

O primeiro meio é um ambiente sadio. Há igrejas histéricas que atraem

desequilibrados, mas que não os transformam nem mexem nas estruturas do mundo. Há igrejas

neuróticas, onde se caçam demônios do início ao fim do culto. Há igrejas que criam ansiedade

em vez de ensinar a pessoa a descansar nas promessas de Deus. Usando uma consideração de

Caio Fábio (3), pode-se dizer que “há igrejas que são usinas de neuroses”. Uma coisa curiosa

que bem exemplifica isto: o líder de uma dessas missões que, orgulhosamente, proclama viver

pela fé, contraiu uma úlcera nervosa. Pus-me a pensar: a missão vive pela fé, mas o seu

executivo, pela angústia. A Igreja precisa ser sadia, equilibrada, não neurotizando as pessoas

nem se neurotizando. O evangelho é graça e não desespero.

O segundo meio é confiança mútua. Em Tiago 5.16 há uma recomendação para que

confessemos nossos pecados uns aos outros. A Igreja deveria ser uma comunidade em que

houvesse tanta confiança uns nos outros que uma pessoa poderia abrir o coração para outra e

contar suas fraquezas, seus pecados, para ser ajudada. Mas o legalismo triunfou sobre a

misericórdia e a delação sobre a compreensão. Confesse seus pecados a um irmão e logo

depois uma comissão de disciplina virá visitá-lo. É como nos filmes policiais norte-

americanos: “tudo o que você disser poderá ser usado contra você”. E digo isto sem mágoa e

sem ressentimento contra qualquer colega, mas tão somente como fruto de observação: no

ministério pastoral, infelizmente, isso é muito mais forte. Ai do pastor que confiar num colega!

Corre riscos bem sérios. O ambiente ministerial é mais de competição que de solidariedade.

Mas o princípio de vida deve ser de confiança e não de intolerância ou desconfiança. Deveria

haver ajuda e não hostilidade.

O terceiro meio é a visão do todo. Havia uma pessoa, em uma determinada

comunidade cristã, cujo trabalho estava sendo muito problemático em sua igreja. Era gente de

bom relacionamento, mas sua maneira de agir estava criando divisões na igreja. Era o tipo de

jogador de futebol que joga para a platéia e deixa os colegas na mão, tendo eles que dividir

todas na “zona do agrião”. Trabalhava com os adolescentes a quem chamava de “meus

meninos”, “minhas meninas” e usava a expressão, para eles, nos seguintes termos: “Vocês

sabem, eu penso assim como vocês, mas a igreja tem uma visão muito bitolada”. E vivia se

queixando de que a igreja não o apoiava, o pastor não lhe dava apoio, aquela choradeira que

muitos de nós já conhecemos. Até que um dia o pastor o chamou e lhe disse: “Irmão, a igreja

não tem que apoiar o seu trabalho. É o irmão que tem que apoiar o trabalho da igreja. Seu

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trabalho não é uma coisa à parte. Está inserido num todo. E não são os seus meninos nem as

suas meninas. São os meninos e as meninas da igreja. A igreja tem uma visão, uma linha de

ensino e de conduta e o seu trabalho é educar nossos meninos dentro desta visão”. Afastado o

irmão, os adolescentes se reintegraram na igreja. Mas dezenas se perderam, no mundo, com a

postura tomada anteriormente. O problema não era a igreja, mas o personalismo do líder, que

não via o todo, mas só seu trabalho. Punha sua visão pessoal como a correta e a sobrepunha à

dos outros. Pensamos muito em democracia como o direito de dizer e de se fazer o que se

quer. Na realidade, isto é anarquia. Na democracia há consulta a todos, mas prevalece a

vontade da maioria. Democrata não é o que esperneia, mas o que sabe ser vencido e, mesmo

assim, colabora com o projeto. É necessário esta visão de que as partes devem se subordinar

ao todo. É necessário ter uma visão mais global e menos personalista do ministério da Igreja

no mundo.

O quarto meio é o auto-serviço. Eis o texto de 1Coríntios 12.25-27: para que não haja

divisão no corpo, mas que os membros tenham igual cuidado uns dos outros. De maneira que,

se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado,

todos os membros se regozijam com ele. Ora, vós sois corpos de Cristo, e individualmente

seus membros. Chamo a atenção para a expressão “todos se preocupem uns com os outros”.

O texto está no trecho que trata dos dons (1Co 12 a 14). Logo no início fica claro que os dons

são para proveito comum (1Co 12.7). No dizer do texto de Efésios, “para que todos

cheguemos a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus” (4.13) e para que

“cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo” (4.15). A Igreja não pode ser um

trampolim para catapultar egos carentes e personalidades doentias, mas sim um lugar de

serviço mútuo, para ajuda aos outros, com uma visão dadivosa da vida.

O quinto meio é a unanimidade. Em Atos, uma das palavras que mais caracterizam o

relacionamento na Igreja é “unânimes” e seus equivalentes e sinônimos como “todos”, “como

um só homem”, “uma só voz”. A Igreja tinha diversidade cultural, mas era homogênea em

propósito e em visão. O bem-estar da Igreja passa, necessariamente, por um espírito de

unanimidade. Não é que tudo seja decidido por aclamação, mas sim que todos aprendam a

ceder. Numa igreja onde fui pastor, uma irmã que fora voto vencido num assunto, bradou no

culto administrativo: “Vocês todos estão errados. E vão ver só. Ainda vou chegar aqui e dizer:

eu não disse?”. Sim, isso aconteceu. E não foi numa reunião de sindicato ou de condomínio,

mas numa igreja. O tempo, depois, mostrou que a igreja estava certa, e o irmão errado. Em

contrapartida, ouvi um diácono da PIB de Manaus dizer o seguinte: “eu pensava de outra

maneira, mas já que a igreja decidiu assim, agora eu penso como a igreja”. Isso é unanimidade,

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produto de madureza espiritual. É oportuno registrar que o clima de unanimidade na Igreja foi

quebrado por Ananias e Safira. A dupla quis ser mais que os outros. Sua punição foi a morte.

Reclamará alguém que os cinco meios, na realidade aspectos da mutualidade,

deixaram de lado a questão do poder espiritual, da comunhão com Deus. Não se pense assim.

Na realidade, a comunhão com Deus e a espiritualidade são a força motriz da mutualidade

cristã. Somente pessoas que têm uma vivência real com Deus podem abrir o coração e a vida

para os outros. Porque, como bem definia o teólogo Manson, “a essência do pecado é o

egoísmo”. E, na continuação de seu arrazoado, explicava ele que o pecado é abolição dos dez

mandamentos e a instituição do décimo primeiro: “tu te amarás a ti mesmo sobre todas as

coisas” (4). Somente uma pessoa que viva com Deus terá prazer em ser serva, ser amiga,

mostrar amor e dar de si aos outros. A mutualidade pressupõe e não elimina a espiritualidade.

CONCLUSÃO

Sintetizemos tudo até agora. A Igreja é a face visível da nova criação, a expressão da

nova sociedade que Deus estabeleceu entre os homens, em Cristo. Ela tem um desafio: a busca

da perfeição. Esta é uma das facetas da sua vocação. Para isto ela necessita de uma visão

correta do evangelho, uma visão correta de si mesmo e dos meios à sua disposição para

alcançar o fim pretendido.

Esses meios são a criação e a manutenção de um ambiente sadio, o espírito de

confiança mútua, a visão do todo ao qual as partes devem estar subordinadas, o auto-serviço

que mostra desprendimento, e a unanimidade que produz a paz.

Todos esses meios se resumem a uma palavra: mutualidade. É neste espírito que a

Igreja deve viver para que a sua auto-transformação em uma comunidade madura e exemplar

venha a acontecer. Para a glória de Deus. Para nosso bem-estar e para nossa realização como

povo de Deus.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. STOTT, JOHN. A cruz de Cristo, Miami, Editora Vida, 1991, p. 216

2. TOZER, A . W. De Deus e o homem, S. Paulo, Mundo Cristão, 1981, p. 29

3. Este conceito aparece no livro de Caio Fábio, Novos ministros para uma nova realidade, à

página 38. Não está registrado nesta forma, mas em outras palavras No entanto, por uma

questão de honestidade intelectual, registre-se que a idéia é do Pr. Caio Fábio.

4. MANSON, O ensino de Jesus, S. Paulo, ASTE, 1965, p. 301

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A IGREJA COMO AGÊNCIA DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Creio que nosso assunto está com bases razoavelmente assentadas até agora. Vimos,

primeiramente, a fundamentação bíblica de nosso tema, vendo a igreja, embrionariamente, na

chamada dos doze. Depois, o processo de auto-transformação a que a Igreja precisa submeter-

se, como povo de Deus que é e para cumprimento de sua missão. Depois, vimos a questão da

Igreja trabalhando na área de saúde mental e emocional, ou seja, como ela pode exercer um

papel transformador em nível micro. Pretendo mostrar, agora, ao falar da Igreja como agência

de transformação social, o seu papel em nível macro.

Creio que estamos com um conceito devidamente assentado de que a Igreja é o povo

de Deus, a presença de Cristo neste mundo, a nova sociedade de Deus, a raça crística. Ela está

enraizada numa sociedade que é a raça adâmica, que, como diz 1João 5.19, está debaixo do

poder do Maligno, conforme a Linguagem de Hoje. É neste ambiente que a Igreja existe e se

move. É aqui que ela desenvolve seu testemunho. Por isso, agora, o assunto é como pode ela

exercer transformação social.

UM PREÂMBULO NECESSÁRIO

Quero deixar bem claro que creio na evangelização como tarefa maior da Igreja, em

termos de sua missão horizontal. Sua missão maior, primeira, é vertical: ela existe para adorar

a Deus. Ela existe por causa dele e não por causa do mundo. Deus é o supremo alvo da Igreja e

não os pecadores. Eles são importantes, mas Deus é muito mais.

Em termos de sua missão horizontal, de dirigir-se ao mundo, creio que a tarefa

primordial da Igreja é o anúncio da salvação que há em Jesus Cristo. A evangelização é o que

a Igreja pode fazer de mais importante neste mundo. Pressão social para ajudar os carentes,

ajuda educacional, apoio material, engajamento em campanhas morais, tudo isto é bom e

muito necessário. Mas há várias organizações humanas, filantrópicas e sociais, como as ONG,

que podem fazê-lo. Algumas delas, sejamos realistas, até melhor do que nós. O espiritismo

brasileiro, e veja-se o caso da LBV (Legião da Boa Vontade) como exemplo maior, tem muito

mais atividade na área assistencial do que nós. Há que se ser honesto e reconhecer isto. Em

parte, porque o próprio mundo contribui para organizações assim e lhe abre espaços generosos

na mídia, até mesmo por desencargo de consciência. Mas dizer que em Cristo há perdão, que

nele Deus chama os homens para serem seus filhos, só a Igreja pode fazê-lo. O espiritismo não

pode. A mídia não pode. Ninguém mais pode. Só nós.

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Que fique bem claro, e não vejo como e nem porquê negociar isto, que considero a

proclamação da graça de Deus que perdoa e salva em Cristo como a maior tarefa que a Igreja

tem para realizar junto aos homens. Alguém definiu, de bom humor, a Igreja como sendo um

grupo de mendigos que encontrou pão dizendo a outros mendigos aonde encontrá-lo. É uma

comunidade que testemunha ao mundo dizendo “achamos o messias” e que, diante das dúvidas

que o mundo levanta, diz “vem e vê”. Desta maneira, a palavra, agora, sobre transformação

social não relega a evangelização e muito menos a obra missionária a um plano secundário.

Proclamação é a tarefa mais importante da Igreja junto ao mundo.

UMA CONCEITUAÇÃO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Lembrando novamente o Dr. Reynaldo Purim, vamos definir os termos. Duas coisas

que transformação não significa, em meu pensamento, e três que significam. Desta maneira,

quando empregar o termo, já se saberá o que desejo dizer.

Primeiramente, transformação social não significa uma opção partidária por parte da

Igreja. Alguns têm confundido as coisas. Pode até ser que, em alguns momentos, a Igreja e

algum grupo político estejam raciocinando iguais e caminhando na mesma direção. Usando a

palavra de Francis Schaeffer, seremos co-beligerantes, mas nunca parceiros. Creio que a Igreja

não deve ser parceira de ninguém. Ela é única, absolutamente singular, e não deve se associar

a nenhum grupo social. Isto seria perder sua identidade. A Igreja paira acima dos partidos

políticos.

Em segundo lugar, transformação social não significa agitação social. Creio que por

vezes as pessoas também confundem os dois termos. Pode até suceder que, em algum

momento, alguma posição da Igreja crie agitação. Por exemplo, se a Igreja brasileira se

posicionar contra a cassinização do país, isso criará alguma agitação. Mas não é padrão usual

de procedimento da Igreja. Dizia um jovem, inflamado, que o evangelho é subversivo por

índole. Equívoco. Subversivo é o pecado. Ele subverteu a ordem de Deus. O evangelho é

restaurador de uma situação que foi rejeitada por homens pecadores. Deve-se ter muito

cuidado com a retórica inflamada. Ela pode desfigurar verdades teológicas. E teologia, embora

mexa profundamente com emoções, não é um sentir sobre Deus, mas um falar sobre Deus. E

falar pressupõe certa dose de racionalidade. Que não deve ser confundida com o racionalismo

ateu, mas com logicidade.

Em termos do que significa, transformação social, em primeiro lugar, quer dizer uma

profunda consciência do bem e do mal, do certo e do errado. A linha divisória moral deve estar

muito bem delineada para a Igreja. Há igrejas que não sabem ou não têm autoridade para fazê-

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lo. Contava-me, pesaroso, um líder de uma denominação no Brasil, do procedimento de uma

instituição de seu grupo. Registrava um salário aos funcionários em carteira e pagava outro por

fora, para evitar a tributação social, burlando as leis do país. Eis um grupo sem autoridade

moral para exigir correção.

Uma determinada igreja local falseava dados, dando informações erradas a órgãos

públicos para obter doações maiores do que tinha direito como instituição beneficente, sem

fim lucrativo. Os funcionários, crentes, que não concordassem com a prática, eram despedidos.

Seu crime: ser honesto. O que deveria ser virtude era mal visto por aquela igreja.

Ora, a Igreja precisa ser íntegra, ter moralidade que a ponha acima de qualquer

suspeita. Se não tiver esta credencial, deve, primeiro, consertar a sua vida antes de tentar

consertar qualquer coisa no mundo. Os valores morais devem estar bem delineados na

consciência da Igreja.

Em termos do que significa transformação social, em segundo lugar, está a voz

profética. A Igreja vem de Deus, tem origem divina e traz uma palavra da parte de Deus ao

mundo e deve dá-la. Ela não é uma agência promotora de eventos festivos. É a portadora de

um ultimato de Deus aos homens: “deponham as armas, rendam-se, ofereço-lhes perdão”. Não

pode transigir com valores. Contaram-me os pastores de Cuba de um diálogo de um grupo

deles com Fidel Castro. O “general jefe” lhes pediu apoio num determinado momento difícil.

Perguntaram-lhe os pastores em que o regime poderia ceder. A resposta foi: “Em nada. Nós

somos revolucionários de Baraguá”. Baraguá é a cidade símbolo de luta e de resistência, onde

José Martí iniciou a luta pela derrota do domínio espanhol. Ser de Baraguá significa não fazer

concessões. A Igreja é que deveria fazê-las porque o regime não podia ceder. Os pastores lhe

disseram: “Pois nós somos cristãos de Baraguá. Em nada cedemos”. Encerrou-se o diálogo. A

Igreja não pode temer nem ser condescendente.

Em termos de significado, em terceiro lugar, transformação social quer dizer o

exercício de uma influência correta no mundo para melhorá-lo. A Igreja tem valores eternos,

não apenas por sua origem, mas pela durabilidade desses mesmos valores. Tem os valores

corretos que são pertinentes para todas as épocas e para todas as culturas. A cosmovisão do

evangelho é a única válida. A Igreja precisa se aferrar a eles e procurar espargi-los na

sociedade onde está inserida. Ela salga o mundo, distribui sua influência, marca o ambiente.

O EXEMPLO DA ESCRAVIDÃO

Raciocinemos um pouco com um exemplo histórico. No tempo do Novo Testamento,

época do surgimento da Igreja, havia escravidão. É um crime hediondo contra a raça humana.

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A Igreja não se posicionou contra ela. Segundo Gibbon, em Roma havia 600.000 homens

livres e 600.000 escravos. Como a Igreja ignorou esta mancha na história da humanidade?

Não assumo como meus os conceitos a seguir. Recebi de outros. Ouvi um líder do

movimento negro, no Brasil, se posicionar de forma muito crítica contra a lei áurea. Dizia ele

que foi um tiro que saiu pela culatra. A lei do ventre livre e a do sexagenário acabariam com a

escravidão no Brasil, pelas duas pontas. Não entravam mais escravos no país, os nascidos

eram livres e os velhos eram alforriados. A economia, braçal, encontraria um ponto de

equilíbrio. Segundo o mesmo líder, sem nenhuma estrutura prévia, os negros foram alforriados

e lançados livres, mas sem qualquer pecúlio e capital. Sem preparo para a vida. Até aí a

palavra desta pessoa. Sobre ela ajunto algumas considerações.

É fato histórico que as primeiras favelas no Rio de Janeiro nasceram após a libertação

dos escravos. E foi também quando surgiu o que se chama de “biscate”, o trabalho sem

vínculo empregatício, que era prestado em troca de comida, na época pós-escravidão. Como no

Brasil as pessoas são muito passionais e o patrulhamento ideológico é enorme, deixem-me

dizer que sou contra a escravidão, que acho abominável o domínio de alguém sobre outros.

Mas a palavra deste líder me fez pensar: houve libertação ou mudou-se a forma de escravidão,

da senzala, para a dominação social? Bastou declará-la encerrada, sem um trabalho prévio?

Os negros não sofrem até hoje a exploração social? Não sofrem uma escravidão abrandada?

Pois bem, o evangelho não declarou a escravidão encerrada mas, na expressão de

Stott, “armou bombas de tempo” que detonaram no momento correto. O fim da escravidão nos

tempos neotestamentários traria fome, caos social e morte para milhões de pessoas. Mas ela

foi minada pelo evangelho, com seus preceitos. “Escravos, não se rebelem, sirvam ao senhor

como ao Senhor. Senhores, sejam misericordiosos, tratem o escravo como irmão em Cristo.

Ambos tendes um Senhor”. A chamada ao igualitarismo está bem presente nos escritos

paulinos e só a má-fé não a enxerga.

Dirá alguém que foi um processo lento, que isso é conformismo, e outras coisas mais.

Não estou dizendo que é um padrão. É difícil enquadrar Deus em padrões. O fato é que deu

certo. E, na realidade, o que desejo mostrar é um exemplo de influência da Igreja com seu

ensino, com seu processo de educar as pessoas. Pode ser que em muitos momentos haja

necessidade de choques e até de mobilização. Estou chamando a atenção para um fato de onde

se pode extrair lições, não como regra, mas onde há lições.

UMA QUESTÃO DE ÓTICA

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Uma questão muito séria a considerar é que nós, por questão de estilo, pregamos para

indivíduos. Fui criado numa teologia pietista que diz: “mude-se as pessoas e as pessoas

mudadas mudarão as estruturas”. Acreditei nisso até mesmo durante boa parte do meu

ministério pastoral, mas hoje tenho algumas dúvidas. Creio que não há um bairro na cidade do

Rio de Janeiro sem uma igreja batista. E são igrejas de tal porte que uma que tenha 250

membros é considerada como igreja pequena no Rio. A Grande S. Paulo tem mais de 3.000

templos evangélicos. E são, Rio e S. Paulo, dois dos piores lugares do mundo em segurança e

qualidade de vida. As pessoas não estão mudando as estruturas. Estas permanecem intocáveis.

O evangelho cresce de forma impressionante no Brasil, mas somos hoje o 14o. país mais

corrupto do mundo.

O pecado tem uma dimensão individual. Está no indivíduo: “eis que eu nasci em

iniqüidade...”(Sl 51.5). Mas tem uma dimensão social. Está nas estruturas. Babilônia, nos

escritos apocalípticos, deixa de ser uma cidade específica para designar um sistema de valores

pervertidos e orientados contra Deus, como “mundo”, nos escritos joaninos. O pecado tem

uma dimensão macro, estrutural, e não apenas uma dimensão micro, individual.

Mas nós não pregamos contra as estruturas e deixamos as pessoas com a noção de que

as coisas são assim mesmo, que não mudarão nunca, que só quando Cristo vier é que esses

problemas vão ser resolvidos. O descaso com a vida humana, como se vê nos hospitais do

Brasil, nada tem a ver com a volta de Cristo. É questão de pouco respeito pela vida, de

cinismo, de absoluta insensibilidade de uma classe política baixa e vulgar, que vive

nababescamente às custas dos cofres públicos. Uma classe iníqua, contra a qual Amós disse:

“...dormem em camas de marfim, e se estendem sobre seus leitos, e comem os cordeiros

tirados do rebanho, e os bezerros do meio do curral; que garganteiam ao som da lira, e

inventam para si instrumentos músicos, assim como Davi; que bebem vinho em taças, e se

ungem com o mais excelente óleo; mas não se afligem com a ruína de José” (Am 6.4-6). Uma

classe que vive muito bem, mas não se aflige com a ruína dos zés da vida. Um salário mínimo

de R$ 112,00 (quando deste escrito), enquanto a classe política vive como nababos, nada tem a

ver com a volta de Cristo. É questão de falta de sensibilidade. Não estamos mostrando os

pecados da estrutura social brasileira.

Pregamos que o jogo do bicho é pecado. É provável que as nossas igrejas excluam

quem jogue no bicho. Mas o que dizemos de um governo está promovendo a cassinização do

país? O maior banqueiro de jogo no Brasil é o Estado, com loto, sena, quina, raspadinha e

outros. O jogo é imoral e caminha de braços dados com corrupção, indolência, prostituição,

violência e outras coisas mais. O governo é um bicheiro elegante e respaldado pela lei, mas é

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iníquo também. O governo é corruptor de costumes e de moral. E que, muitas vezes, é

bajulado por igrejas e denominações, que com ele se conluiam em projetos políticos, sob

pretexto de exercerem ação saneadora. Na realidade, muitas delas estão se locupletando.

Pregamos contra o traficante que vende drogas. Mas silenciamos diante de um sistema

que promove bebidas que destroem o caráter, mostrando-as como sinal de elegância e

sofisticação. Não somos coerentes. Temos que pregar contra os dois.

É necessário ter uma ótica correta: as estruturas sociais estão corrompidas e é preciso

denunciá-las como pecaminosas. Não basta pregar para indivíduos. É necessário pregar contra

as estruturas dominadas pelo Maligno, estruturas que a Bíblia chama de “mundo” e que são

mais que pessoas. São um sistema de valores pervertidos e voltados contra Deus, que se

infiltram na sociedade e que mantêm as pessoas escravas do mal e infelizes em sua vida,

embora com momentos de prazer sensual.

UMA QUESTÃO DE POSTURA

Nossa postura deve ser a seguinte: como cristãos não aceitamos injustiças. Tenho

ouvido muitas vezes que o maior problema do Brasil é educação. Quando educarmos as

pessoas, como os “tigres orientais” fizeram, nossa situação mudará. Isto me soa como uma

balela. É uma forma de jogar fumaça nos olhos do povo. O maior problema do Brasil não é

educação. É a injustiça de suas estruturas. Num país onde professor é bóia-fria de guarda-pó,

ganhando pouco mais de um salário mínimo, a questão não é educação. É injustiça. Há

bacharéis em direito trabalhando como atendentes em bancos. Há professoras primárias

trabalhando como frentistas de postos de gasolinas e psicólogos vendendo sanduíches naturais

na praia. São pessoas educadas. Um cientista brasileiro ganha pouco mais de R$ 1.500,00. O

estabelecimento de um salário mínimo de R$ 112,00 ou é gozação ou uma terrível

perversidade. A questão, aqui, não é de educação. É de sobrevivência.

O que temos é uma estrutura social corrupta, injusta, massacrante e desumana. Isto é

pecado. Enquanto isso, uma classe política, que muitos bajulamos, se locupleta. Há estados

brasileiros que, há anos, vêm sendo governados por dinastias que se revezam no poder.

Encontramos cidades miseráveis de pobre, sujas, com esgotos a céu aberto, cheias de favelas,

com hospitais sem gazes e ataduras e escolas caindo aos pedaços. Temos estádios de futebol

moderno, e gastamos fábulas com verbas para seleções de futebol, mas vemos professores,

médicos e agentes sociais mal remunerados. Uma absurda inversão de valores. Por vezes, uma

absoluta falta de valores.

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Que fazer? Primeiro, não podemos ser cúmplices. Não podemos compactuar com isso.

Já nos acostumamos com este tipo de cenário, mas favela não é lugar para gente. Esgoto a céu

aberto é uma aberração. Precisamos ter uma visão crítica da administração pública. Os

governantes devem buscar o bem comum e não seu enriquecimento pessoal ou a construção de

uma estrutura de poder que lhes dê, a eles e a seus familiares, domínio sobre uma região. Não

aplaudimos nem queremos ser cortejados. Queremos administrações decentes. Queremos

transparência nos negócios. Isto é ser cristão: querer que as coisas sejam feitas de forma

correta. Pedir que assim seja e denunciar quando não o seja. Em vez de partidarismos, os

cristãos deveriam se posicionar politicamente por critérios objetivos de probidade

administrativa e de visão social dos governantes.

Segundo: precisamos entender que a Igreja não é de direita nem de esquerda nem do

centro. Ela é de cima. Seus valores pairam acima dos valores políticos. Ela não se enclausura

no programa político de ninguém. Não pode ser base de apoio de qualquer projeto político.

Sua origem e sua essência não lhe permitem isso. Ela deve ter independência, não se

comprometendo com ninguém. Ela é juíza e não sócia do mundo.

UMA QUESTÃO PRÁTICA

Como proceder, de forma prática, para exercer influência saneadora na estrutura

social? Quero apontar alguns rumos por onde caminhar.

Primeiro: devemos ensinar os crentes a ser bons cidadãos. Ronaldo Caiado, líder

ruralista, vendo o procedimento da bancada evangélica em Brasília, disse o seguinte, batendo

no bolso: “os evangélicos estão todos aqui”. Em artigo no jornal O Estado de S. Paulo,

Márcio Moreira Alves disse que “a bancada evangélica não exala odor de santidade”. É

lastimável que uma classe política sem nenhum escrúpulo e caráter nenhum tenha jogado o

nome dos evangélicos na lama. Precisamos ensinar nosso povo a ser honesto, a viver de forma

correta e a não se deixar vencer pelo mal. Precisamos disciplinar essas pessoas sem caráter que

enxovalham o nome de Cristo. A voracidade por dinheiro e por poder que se nota em alguns

círculos evangélicos deve ser repensado. Não é assim que a Igreja de Jesus procede. Ela deve

ser santa e não rica. Os dois termos não são, necessariamente, opostos. Mas a busca de riqueza

leva à queda, como se lê em 1Timóteo 6.9-10.

Segundo: precisamos ensinar ética cristã em nossas igrejas. Pregamos uma

microética: não beber, não fumar, não jogar, não dizer palavrões, etc. Mas o que temos

ensinado em termos de macroética, como pagar impostos, exercer cidadania, desejar clareza

nos negócios públicos? Não estou defendo o cigarro, até mesmo porque tenho nojo de fumo,

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mas por que excluímos gente que fuma e não excluímos gente que explora a mão de obra

assalariada, empresários que pagam salários de fome e tripudiam sobre os empregados? Estão

transgredindo, acintosamente, dezenas de passagens bíblicas encontradas nos profetas! O que é

pior: um copo de cerveja ou saber que milhares de pessoas reviram latas de lixo em busca de

comida? O segundo quadro é muito mais chocante. Há uma postura cristã diante da miséria,

que devemos ensinar aos nossos crentes. O hino 552, do Hinário Para o Culto Cristão, diz em

uma de suas estrofes, que “a vil miséria insulta os céus”. É verdade.

Terceiro: a Igreja não pode se vender. Há igrejas que trocam votos por tijolos. A

Igreja de Cristo precisa ter padrões muito bem definidos e uma postura muito bem assumida.

Ela vive em termos de princípios e de valores e não em termos de “quanto que eu ganho

nisso?”. Ela não pode se comprometer com ninguém, a não ser com Deus. Ela não pode se

enamorar de líderes humanos porque está casada com o Senhor e lhe deve fidelidade. Ele é um

marido amoroso e fiel. Ela deve corresponder a esse amor e à essa fidelidade com dedicação

exclusiva. Nossa lealdade maior é para com Deus e seu reino.

Quarto: a Igreja não pode aceitar injustiças. Não pode aceitar a exploração, a fome, o

abandono de crianças e velhos. Na sua edição 1.472, de 27.11.96, a revista Veja trouxe um

artigo intitulado “Tiro ao Pobre”. Nele aparece uma coluna sob título “Matando em dúzias”

que mostra o descaso pela saúde pública, no Brasil: em março, 60 mortos no Instituto de

Doenças Renais, em Caruaru, Pernambuco. Em maio, 99 idosos mortos na Clínica Santa

Genoveva, no Rio de Janeiro. Em julho, 30 bebês mortos no hospital universitário Materno-

Infantil, em S. Luís, Maranhão. Em outubro, 11 bebês mortos no hospital universitário

Antonio Pedro, em Niterói, Rio de Janeiro. Em outubro, 36 bebês mortos no Hospital Nossa

Senhora do Nazaré, em Boa Vista, Roraima. E 51 mortos, até o dia 21.11.96, numa

maternidade modelo de Fortaleza, Ceará. No dia 27 de novembro, o jornal O Globo informava

que já eram 60 os bebês mortos em Fortaleza. Um quadro trágico. Nenhuma voz de qualquer

organismo evangélico se levantou contra o morticínio causado pelo caos da saúde pública. Os

evangélicos continuam expulsando demônios pelo rádio e televisão. Crianças e velhos

continuam morrendo pela incúria administrativa, mas isto nos é secundário.

Enquanto isso, a preocupação de denominações evangélicas possuidoras de meios de

comunicação é consigo mesmo e não com a conscientização do povo ou sua defesa. Lê-se no

Estado de S. Paulo, de 7.8.96, que ao justificar o apoio da Igreja Universal do Reino de Deus

(citada aqui por ser o agrupamento evangélico com mais poder de fogo na mídia) a José Serra,

candidato à prefeitura de S. Paulo, o bispo Carlos Rodrigues declarou: “quem quiser nosso

apoio amanhã tem que nos apoiar hoje”. A frase, profundamente infeliz, soa como troca de

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favores. Depois, o apoio da Universal passou para outro candidato, Celso Pitta. Foi uma

enorme coincidência (?) que o apoio tenha surgido depois que o patrono deste candidato

liberou R$ 800.000,00 para instituições ligadas à citada denominação. Isto soa como venda de

influência. É exatamente o que mundo faz: o senador José Sarney acenou ao Presidente

Fernando Henrique com a aprovação da emenda que permitiria sua reeleição se este desistisse

da privatização da Vale do Rio Doce (Veja, no. 1472, p. 32). Não há diferença de método:

uma denominação e o mundo agindo da mesma maneira. Vendem apoio em troca de interesses

pessoais.

As autoridades encaram as mortes dos pobres, mesmo que em grande número, com

muita naturalidade. No caso do barco Bateau Mouche, em que morreu gente de dinheiro,

houve uma comoção. É preciso pedir que haja dignidade no trato com os pobres e justiça para

incompetentes e criminosos. A classe artística está em polvorosa com o julgamento dos

assassinos da atriz Daniela Peres. Mas todos os dias morrem centenas de joões e marias, e

ninguém fala nada. Artista é como aquele deputado do programa “A Praça é Nossa” : foge de

pobre. Pobre também é gente. A Igreja precisa defender quem não pode se defender. E não

preocupar-se em ter mais espaço e mais poder.

Quinto: a Igreja não pode perder a capacidade de se indignar. Preguei numa formatura

de uma turma de Ciências Médicas, em Manaus. Disse aos formandos que nunca perdessem a

capacidade de se indignar diante de um sistema que constrói estádios de futebol inúteis, com

placar eletrônico importado, mas que não punha esparadrapo em hospitais. É preciso sentir

indignação contra uma situação dessas. Às vezes nos acostumamos e escatologizamos tudo: “é

a coisa tá feia, Jesus tá voltando”. Não é assim. É “a coisa tá feia, é hora de agir”. E em muitas

vezes silenciamos porque tal prática é do político que apreciamos. Raciocinamos em termos de

simpatias e preferências pessoais, e não em termos de princípios e valores espirituais e éticos.

Uma santa indignação deve tomar conta da Igreja, diante das barbaridades deste mundo.

Quinto: é preciso pedir mudanças. Não podemos nos acomodar e permitir que a

situação permaneça tal e qual. Pedir punição para corruptos, como a nação pediu o

afastamento de um Presidente que, desvestido da dignidade de sua função, mostrou que era

chefe de quadrilha. Pedir mudanças estruturais, o fim de privilégios odiosos, e mais respeito

aos carentes.

Veja-se que estabeleço uma situação muito clara. Igreja, para mim, não é instituição,

mas é gente. Já imaginaram dez, vinte milhões de evangélicos escrevendo ao poder público

pedindo determinadas ações? Temos uma mídia pervertida que só conhece o poder da coação.

O ouvidor do jornal A Folha de S. Paulo criticou o próprio jornal que noticiou, durante uma

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semana, com generosos espaços, uma passeata gay no Rio de Janeiro, e que não contou com

mais de cem pessoas. O jornal, no entanto, ignorou solenemente uma marcha evangélica, na

mesma cidade, com dezenas de milhares de pessoas. Mas se todos falássemos, se todos

protestássemos, se todos manifestássemos nosso desagrado, a situação mudaria. Um milhão de

pessoas escrevendo a uma empresa que patrocina um programa que deprecia o evangelho e

dizendo: “Estou deixando de comprar seu produto por causa disto” faria com o que o

programa fosse tirado do ar. É a linguagem que eles entendem: perder dinheiro. Mas nós

consumimos o mal e nos regozijamos com as baixarias de um Faustão e de um Gugu! A maior

parte dos crentes vibra mais com eles, aos domingos, do que com o culto dominical de sua

igreja local.

Minha proposta é pelo engajamento de gente e não de uma igreja local. Porque gente é

que compra. Instituição é logo descartada. Mas uma enxurrada de cartas, de telefonemas, de

telegramas, de manifestações de desagrado e de reprovação, tem efeito. Precisamos cobrar

mudanças. E fazer as que estiverem ao nosso alcance.

CONCLUSÃO

Talvez alguém diga que esta é uma palavra banal. Outros talvez digam: “duro é este

discurso, quem o pode engolir?”. Não quero ser banal nem escandaloso. Quero que a Igreja de

Jesus ensine ao mundo como viver e como fazer. Que ela esteja ao lado dos espoliados e que

nunca se aburguese. Que seja militante por Deus e seu reino, e nunca triunfante, com os

valores mundanos. Neste sentido, a Igreja Evangélica no Brasil precisa ter consciência de que

é uma força fantástica e que pode mudar a situação. Chega de complexo de inferioridade e de

gueto. Podemos mudar muitas coisas. Basta querer. E assumir a postura de santidade e

independência. Lemos em Marcos 6.20 que “Herodes temia a João”. O poderoso Herodes

tinha medo de um pregador itinerante, sem respaldo militar. Mas João tinha autoridade e dizia

o que devia dizer: “não te é lícito ter a mulher de teu irmão” (Mc 6.18). O mundo só respeita

uma Igreja que não se acomoda aos seus padrões. Que sejamos, no Brasil, uma Igreja reta,

decente, íntegra, com autoridade para poder exercer um papel transformador.

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A IGREJA COMO PROMOTORA DA SAÚDE EMOCIONAL E ESPIRITUAL

Deus faz que o solitário viva em família... (Salmo 68.6).

Para início de nosso assunto é necessário dizer de início que não advogo a idéia de

que a Igreja seja um hospital psiquiátrico. Porque não o é. A Igreja é a agência que proclama

os atos de Deus em Cristo e que chama os homens ao arrependimento e à fé. Mas podemos

fazer, este contexto de saúde mental e emocional, uma conexão entre o Salmo 14.1 e

Provérbios 1.7.

O Salmo 14.1 deixa claro que há uma ligação entre a falta de bom senso e o ateísmo. E

Provérbios 1.7, que o temor do Senhor é a fonte de sabedoria. Na poesia hebraica, sabedoria

tem a ver com a arte de viver bem, de maneira equilibrada e coerente, e não com erudição

acadêmica, capacidade intelectual ou esperteza. É a arte de viver bem. A fé cristã deve

produzir bom senso, equilíbrio e vida ajustada. Um cristão desequilibrado é algo muito

estranho. Por isso que a Igreja deve ser um instrumento que capacite as pessoas a viverem de

maneira tal que suas emoções e sua espiritualidade sejam equilibradas, mostrando assim uma

pessoa madura. É disto que tratamos neste capítulo.

UMA COMPREENSÃO DE SAÚDE EMOCIONAL E ESPIRITUAL

Talvez a melhor definição do que seja saúde emocional e espiritual esteja dentro da

abrangência da palavra hebraica xalom (como a Bíblia de Jerusalém gosta de transliterar e nos

parece o mais certo, pois em português o x faz o som de sh). É bem mais amplo que nosso

conceito ocidental de paz. Este se liga a ausência de conflitos. Se alguém não está em conflito,

então está em paz. Xalom é um bem-estar tridimensional: paz com Deus, com o próximo e

consigo mesmo. Uma sensação de algo completo. Fazendo um neologismo, uma

“completude”.

Isto não depende de circunstâncias externas. Pode haver um conflito e a pessoa estar

em xalom, tranqüila, confiante e sem culpa. Parte do erro da teologia da prosperidade consiste

nisto: em ser materialista, hedonista, presumindo que bens materiais, riquezas e até saúde

física consistem nas maiores necessidades humanas. E em não entender que o sofrimento pode

ser pedagógico e forjador de um caráter rijo. Fanny Crosby e Jony Ereckson são provas de que

força interior significa muito mais que coisas externas.

Uma propaganda de natal e ano novo de uma empresa comercial brasileira dizia o

seguinte: “muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”. É o receituário da teologia da

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prosperidade. A ênfase é em força exterior, a das circunstâncias. A teologia histórica tem

enfatizado a vida interior, como os puritanos e os reformados tão bem o souberam fazer.

Citei Fanny Crosby e Jony Ereckson. Cito, em contraste, o famoso menino do Rio,

surfista, alto, loiro e de olhos verdes. Caetano Veloso se apaixonou por seu tipo físico e lhe

compôs a canção com o título “Menino do Rio”. Sofreu um acidente e ficou paralítico. Acabou

suicidando-se. Faltava-lhe, mais que saúde física, saúde emocional e espiritual para enfrentar

um transe como o que enfrentou. Faltava-lhe xalom. Tinha externalidade, mas não tinha

conteúdo.

Outro exemplo: estava realizando palestras num retiro dos pastores do Estado do Rio.

Foi na época em que minha sogra precisou amputar uma das pernas. Pedi aos pastores que

orassem por ela. Um deles me procurou depois. Queria saber em que hospital ela estava pois ia

visitá-la. Seu ministério era com deficientes físicos. Perdera as duas pernas em um acidente.

No início, sentiu-se revoltado com o fato, mas depois entendeu que tinha algo a fazer neste

mundo. Foi trabalhar com deficientes. Usava duas próteses no lugar das pernas.

Foi a um hospital, evangelizar um jovem que perdera uma perna. E este explodiu,

enraivecido: “Para o senhor é muito fácil falar do amor de Deus. O senhor está com as duas

pernas. Eu perdi uma”. Calmamente, o pastor puxou as pernas das calças, mostrou-lhe as

próteses, e lhe disse: “Eu perdi as duas. Posso lhe falar agora do amor de Deus?”.

Isto é saúde emocional e espiritual. Em vez de chorar misérias, de auto-compaixão, de

lamber as feridas ou entregar os pontos, encontrar forças para viver, para servir a Deus e ao

próximo. Encontrar seu espaço para viver e ser útil. E isto não é ser um super-homem. É ter

xalom, ter equilíbrio. É papel da Igreja formar pessoas assim.

A COMPREENSÃO DO PAPEL DA IGREJA

É preciso compreender bem o papel da Igreja, neste aspecto. Relembrando o conceito

de Caio Fábio, pode-se afirmar que “há púlpitos que são usinas de neuroses”. Mas pode-se

fazer, também, a transposição: “há igrejas neuróticas e neurotizantes”. Pode-se ouvir dos

púlpitos evangélicos as coisas mais esdrúxulas possíveis. E pode se saber das práticas mais

absurdas possíveis. Há episódios como os de Jim Jones e David Koresh, conselhos grotescos,

declarações doutrinárias escabrosas, revelações e profecias banais ou acintosas e a tão comum

auto-glorificação. Há evangélicos que, num cenário desses, se tornam autênticos zumbis.

Mortos vivos. Vivos no corpo, mortos no raciocínio. Em meu livro À igreja, com carinho, falo

dos diversos tipos de igrejas. Entre elas, a que chamo de “clube dos desajustados”, ou seja,

“nós contra todo o mundo”. Como isso é comum!

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Declarei, num capítulo anterior, que a Igreja é um grupo em busca de

aperfeiçoamento. Faz parte de sua tarefa ajudar as pessoas a viverem bem. Isto deve ser

encarado por nós como um desafio.

Deus me permitiu fazer algumas viagens a Cuba. Numa delas, lecionei num seminário

e preguei em algumas igrejas. Impressionou-me ver numa sociedade economicamente

destroçada e emocionalmente triturada, o papel da Igreja como elemento estabilizador. Cuba

tem dez milhões e meio de habitantes. E há dois milhões de cubanos fora do país. Nesta

proporção, quase todas as famílias têm uma pessoa fora do país. O número de lares

incompletos é enorme. Muitos jovens cubanos morreram em guerras em Moçambique e

Angola. Há fome, muita fome no país. Numa coisa o regime teve sucesso: socializou a miséria.

É de todos, agora. O ódio reprimido é muito grande e o maior medo dos pastores é quando o

fidelismo cair, o que sucederá. A Igreja prega o desarmamento de espírito e o não cultivo de

ódio. Tem profunda noção de seu papel como elemento estabilizador numa sociedade sofrida.

Uma questão que aflige os jovens em Cuba: o que fazer? Os cinemas, escassos,

exibem filmes ideológicos, de um sistema com o qual o povo não simpatiza e só tolera pela

força das armas. As praças das cidades oferecem atrativos e riscos. Então, os jovens vão para a

igreja, para se encontrar. Até os jovens não crentes. Quando querem um ambiente sadio, vão

para uma igreja. Os pastores têm que ser pais substitutos de dezenas de adolescentes e jovens

cujos pais estão em Miami, Porto Rico ou presos. Ou seja, a fonte de estabilidade emocional,

em Cuba, tem sido a Igreja. Por isso é procurada e as conversões se multiplicam. Para efeitos

estatísticos, há 30.000 batistas em Cuba, sendo a maior denominação evangélica. Mas ficou-

me a nítida impressão de haver mais que isto, na verdade. Preguei numa igreja recém-

organizada que tinha 17 membros, mas, em seu culto de oração (numa terça-feira) havia mais

de oitenta pessoas com Bíblia na mão e ajoelhando-se para orar. Pareceu-me que os dados são

omitidos por questão de segurança. Pois bem, lá a Igreja Evangélica é respeitada pelo seu

equilíbrio.

É disto que estou falando: a Igreja precisa ser um referencial para os desajustados,

para os sofridos e machucados da alma e do coração.

AS ÁREAS MAIS CARENTES PARA A ATUAÇÃO DA IGREJA

Nossa argumentação vai dar um salto, agora. Aparentemente teremos um hiato. Depois

ajuntaremos as pontas e as coisas terminarão de forma correta. Vou apontar as áreas mais

carentes onde a Igreja pode atuar, para o desempenho de um trabalho de saúde emocional e

espiritual.

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Vejo quatro áreas. Deve haver muitas mais, mas estas me parecem as mais

abrangentes. Depois de muito pensar, creio que são as básicas e que as outras porventura

existentes saiam delas ou, pelo menos, nelas se encaixem. São as áreas de crises vocacionais,

crises conjugais, a crise existencial e a crise de relacionamentos interrompidos, seja por

falecimento, divórcios, etc.

A crise vocacional é uma área bastante delicada e está ligada às perguntas: “o que vou

fazer de minha vida?” e “como vou ganhar o meu sustento?”. São perguntas fundamentais dos

seres pensantes. No projeto de ensino da Igreja deve ficar bem claro como um cristão deve

administrar suas habilidades e como ganhar sua vida. É um ensino de mordomia da vida.

Trata-se da mordomia da vida profissional. Mordomia é mais do que dar dinheiro (e às vezes

só enfocamos este aspecto). É saber administrar toda a vida. Quando uma pessoa erra sua

vocação, não desenvolve todo o seu potencial e se frustra. No planejamento de pregação e

ensino da Igreja deve haver espaço para este tópico. A Igreja precisa ensinar sobre a vida

terrena, como vivê-la e como desfrutá-la de forma sadia.

As crises conjugais têm o poder de desestruturar mais de uma pessoa. Geralmente a

família toda. Sofre o casal. Sofrem os filhos. Quando o divórcio estava para ser implantado no

Brasil, um líder batista disse, triunfalmente: “Deixa o divórcio vir. Não vai nos afetar em nada.

Os crentes casam no Senhor”. E, sem maldade, pode-se dizer que hoje se divorciam no Senhor.

Crentes têm problemas conjugais e, muitas vezes, exatamente porque a Igreja não os preparou

adequadamente. Expressões que me soam piegas como “os casamentos são feitos no céu,

quando uma pessoa nasce, Deus lhe preparou seu cônjuge” criam uma visão errada da vida

matrimonial. Os solteirões foram injustiçados por Deus? Os viúvos que casam uma segunda

vez foram agraciados com duas preparações de cônjuges, quando do seu nascimento? Quem

casa com um viúvo está se casando porque Deus levou a parte falecida para lhe dar uma

oportunidade ?

Casamentos são feitos aqui na terra. E um matrimônio nunca é uma árvore robusta. É

uma plantinha tenra, que se rega, que se aduba a vida toda e mais seis meses. Rega-se e

aduba-se com amor, com ternura, com respeito, com romance, todos os dias. É estar

continuamente enamorado do cônjuge e saber criar um clima para que o romance perdure.

Viver uma vida conjugal equilibrada e acertada, feliz, é uma coisa que se constrói no dia a dia,

no dar-se à pessoa amada. Não é pacote celestial. A Igreja precisa ensinar os casais a viver

bem. A visão demasiado mística pode ser uma fuga para não se educar a família. E isso traz

problemas.

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A crise existencial é própria do homem moderno. E das pessoas mais reflexivas.

Eclesiastes 3.11 diz que Deus pôs na mente do homem a idéia de eternidade. O homem que

pensa tem noção de sua insignificância diante do tempo e do espaço. É o único que tem aquilo

que o poeta Cruz e Souza chama de “tristeza do infinito”. São as perguntas “quem sou eu? que

faço aqui? para onde vou?”. A perplexidade diante da morte, por exemplo. Disse um filósofo

(estou em dúvida se foi Aristóteles) que não devemos nos preocupar com a morte. Quando

somos, ela não é. E quando ela é, nós não somos. Isso é ,jogo de palavras, tão ao gosto de

filósofos. O problema não é a morte. É exatamente este: não ser. Como não ser? Eu só sei o

que é ser. Como pensar em não ser? Não ser é absurdo! É este o peso sobre o homem

moderno: o significado e a relevância da vida. O espectro da morte, da eternidade, a angústia

do não ser. Quem melhor do que a Igreja para falar desses temas? Só ela tem autoridade para

fazê-lo. A tragédia é que há igrejas com discursos sociais e políticos, que qualquer agência

secular pode fazer, mas sem o discurso existencial, o ensino sobre o sentido da vida, o que só

ela pode fazer. Outras têm um discurso apenas denominacional ou de apologia própria. E

deixa o debate sobre a vida para programas de televisão tipo Sílvia Popovic, de uma indigência

mental lastimável.

A crise de relacionamentos interrompidos deixa seqüelas muito grandes. Meus sogros

foram casados por cinqüenta e um anos. Meu sogro, todas as vezes que saía de casa, beijava

minha sogra. E também quando voltava. Estava sempre saindo (era um pretexto para beijar a

esposa). Quando ele faleceu, minha sogra perdeu o interesse pela vida. Morreu não muito

tempo depois. Desistiu de viver. Assim sucede com divorciados, órfãos, desfilhados: sofrem a

separação. Um outro aspecto é a interrupção do relacionamento profissional: uma aposentaria

compulsória que relega a pessoa à inatividade e despreza seu cabedal de experiência e a faz

sentir-se inútil, por exemplo. Mudanças, formaturas, todas essas coisas trazem insegurança e,

às vezes, aflição. Vivemos numa sociedade que privilegia o sexo ocasional, as emoções de

fundo físico e efêmeras. Mas lá no fundo fica a inquietação: “a vida é mais que isso!”. Este é

um campo de atividade para a Igreja. A vida tem mais consistência, deve a Igreja ensinar ao

mundo.

Talvez, como disse, haja mais áreas. Mas o passo a seguir, que é como a Igreja pode

ajudar essas pessoas, cobre áreas porventura não tocadas.

COMO A IGREJA PODE PROMOVER A SAÚDE EMOCIONAL E ESPIRITUAL

Esta questão é a mais importante. Como a Igreja pode agir? Apontar áreas carentes é

necessário, mas é incompleto. Como pode ela agir?

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Em primeiro lugar, criando um ambiente propício à saúde emocional e espiritual. Em

minha experiência pessoal, eu me converti primeiro à Igreja e depois a Cristo. E explico. Era

adolescente, em profunda crise emocional. Perdera minha mãe, nova, com trinta e três anos de

vida. Mudara-me de colégio e de bairro. Não tinha mais amigos. Minha irmã fora morar com

minha avó, porque meu pai não sabia criar uma adolescente. E estava ele noivo de uma moça

de dezessete anos, dois anos a mais do que eu. Todo o meu mundo desabara. Era um peso

muito grande para um garoto de quinze anos. Hoje é algo que, como adulto, posso assimilar.

Mas na época, foi terrível. Quando entrei numa Igreja pela primeira vez, vi a forma como as

pessoas se tratavam, vi também a forma como me trataram, vi como os adolescentes me

receberam, como se eu fosse da turma há anos. Então pensei comigo: “É este lugar que eu

ando procurando”. Voltei nos domingo posteriores, e só depois é que entendi o evangelho. A

vida da Igreja me cativou, primeiro. Fui aceito, foi bem tratado. Por isso sou apaixonado pela

Igreja.

Nossas igrejas precisam aprender a tratar bem os visitantes. Precisam ter um clima

agradável e acolhedor. Há igrejas que “espancam” os visitantes. O sermão é grosso, o

tratamento é impessoal, as pessoas são indiferentes. Este é um dos problemas com que os

pastores mais lutam em suas igrejas, principalmente as mais tradicionais e de classe média: os

decididos podem freqüentá-la por semanas a fio sem que os membros os procurem. Há igrejas

que são guetos fechados, com grupos formados, onde dificilmente pessoas de fora entram. A

cultura da sociedade, porque a igreja sofre a influência da cultura onde está inserida, prevalece

sobre a cultura cristã: são os nobres que rejeitam os plebeus. Uma senhora se queixou, certa

vez, porque sua igreja estava sendo freqüentada por pessoas da periferia, pessoas estas

alcançadas por uma congregação: “esta igreja está se tornando uma igreja de gentinha”. Não

pode ser assim. A Igreja precisa ser acolhedora. E não há gentinha aos olhos de Deus. Todas

as pessoas lhe são valiosas.

Em segundo lugar é necessário um púlpito contemporâneo. Ninguém está interessado

em saduceus, fariseus, heteus, girgaseus, cananeus e heteus. Nem em dicotomia ou tricotomia.

E muito menos, ainda, em pré, pós e amilenismo. O mundo não se liga nas idiossincrasias da

Igreja. Para o mundo isso é tecnicismo oco. Os problemas do mundo são problemas reais:

comida, emprego, relações domésticas tumultuadas, ansiedade. O que pregamos: as

banalidades tão à gosto em nosso meio ou o que as pessoas precisam? Discordo amplamente

da teologia (se é que se pode se chamar sua pregação assim) da Igreja Universal do Reino de

Deus. Sua voracidade por dinheiro e seus escrúpulos escassos para consegui-lo me são

chocantes. Mas seus pastores, no meio de tantos erros de português e de exegese bíblica,

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fazem o que os históricos não fazemos: falam da vida real, das coisas que afligem as pessoas:

doença, desemprego, traição, insegurança. A Igreja necessita, com urgência, refazer seu

discurso, por vezes demasiado teórico, trocando-o por um existencial, não no sentido

filosófico, mas no sentido de dizer respeito à vida real das pessoas. O púlpito ainda é a maior

fonte de transmissão de conhecimento sobre a vida cristã. Uma pesquisa feita em S. Paulo,

sobre como as pessoas se converteram, mostrou que 58% o fizeram através do púlpito. Quando

o púlpito é banal, irrelevante ou relaxado, a maior fonte de comunicação da Igreja se perde. Os

pastores, por vezes, deixam de ser gente. Não andam de ônibus cheio nem dependurados em

trens. Não comem de marmita, não trabalham o dia inteiro em ambiente secular, por vezes

hostil. Lêem livros e revistas que pessoas comuns não lêem. Vivem num mundo de conceitos,

por vezes irrelevantes, enquanto suas ovelhas vivem num mundo real. E uma boa parte dos

pastores vive mais em função de política de bastidores em vida denominacional, coisa pela

qual os crentes não têm o menor interesse. É necessário que a pregação seja relevante, que

tenha a ver com a vidas das pessoas. A Bíblia é um livro altamente atual, contemporâneo e

relevante. O problema não está com ela, mas com os pregadores. O pastor necessita saber das

necessidades do povo, ter noção da vida real, ser povo, também. E compreender um fenômeno

aterrador: aquelas pessoas que chegam para ouvi-lo não estão interessadas em discursos

políticos, operacionais e apologéticos. São pessoas que têm problemas, que têm necessidades e

estão depositando trinta minutos de sua vida nas mãos do pregador. Minutos que podem fazer

uma diferença enorme para toda a vida. Fiquei aterrado quando uma senhora, uma advogada,

me procurou num domingo de manhã e me disse, após o culto: “Passei a semana toda

pensando em me matar. Vim hoje à igreja por insistência de uma colega minha. Vim porque

tanto fazia vir aqui ou ir a outro lugar. Seria meu último dia. Mas o que eu ouvi mudou a

minha vida”. Fiquei assustado: e se eu não tivesse dado conta do recado? Dar conta do recado,

pregar coisas de que as pessoas necessitam e não nossas esquisitices pessoais, é fundamental

para tornar a Igreja funcional em termos de saúde emocional e espiritual. Ela tem que dar

respostas aos problemas reais das pessoas.

Em terceiro lugar está o estabelecimento de um programa sério de educação religiosa

na igreja local. Este aspecto tem sido negligenciado em nosso meio. Com todo respeito e

desculpando-me pela a rudeza: muito de nossa educação religiosa é embromação pura. A coisa

está emperrada, não anda, mas mantemo-la como está. Mas os crentes, salvo desonrosas

exceções, estão mesmo desejosos de crescer. Falta despertar neles o interesse pelo método

correto. Promovemos em nossa igreja o que chamo de “livro do mês”. Cada mês indico um

livro à congregação. As pessoas vão comprando e formando sua biblioteca pessoal. Já tivemos

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livros com mais de quarenta exemplares vendidos. Recordo-me de um livro sobre família, que

vendeu mais de quarenta exemplares. É uma forma de educar a Igreja com material sólido.

Palestras sobre assuntos necessários à maturidade e o programa de organizações ajuda muito.

Há uma organização em nossa igreja que me agrada muito: o Grupo de Casais. Presentemente

está parada. Mas algumas vezes estive lá falando sobre família. Em alguns casos de problemas

de casais mais jovens, impressionou-me bastante como os casais mais experientes os

ajudaram, em assistência pessoal, em questão de relacionamentos. Lamento a interrupção das

atividades desta organização, mas me parecia muito útil, principalmente porque fazia seu

temário de discussões à luz de suas necessidades.

Creio muito no valor da educação religiosa. Mas creio também que está faltando uma

diretriz mais objetiva em seu conteúdo. Podemos estar tratando de assuntos já rotineiros e

olvidando assuntos reais, que as pessoas estão enfrentando. Repensar o conteúdo, mais que a

forma, de nossa educação religiosa é uma necessidade enorme. Para mim, a questão não é

tanto com métodos, mas está no conteúdo do que está sendo passado. Reconheço que estamos

preocupados em perpetuar formas e esquemas e não com pessoas. Temos estruturas que não

funcionam, com organizações que as pessoas não freqüentam e não querem, mas que são

mantidas. Não invalidam a educação religiosa, embora a prejudiquem. Mas esta deve ser mais

explorada.

Em quarto lugar está a postura do líder. Com o tempo, a Igreja assimila o jeito de ser

de seu líder. Um líder equilibrado produz uma igreja equilibrada. Um líder histérico e

desequilibrado produzirá uma igreja também assim. Tenho observado que nos momentos de

crise, a igreja, antes de tomar uma decisão, observa a postura dos líderes mais influentes para

saber como se posicionar. O pastor é o líder maior e deve se ver como médico e não como

infligidor de doenças e neuroses. Um homem que ame seu rebanho, que seja confiável, que

crie uma atmosfera de compreensão e que as ovelhas vejam que tem equilíbrio, ajuda muito.

Pode parecer banal, mas julgo esta a questão mais importante. O pastor dita o rumo e a

mentalidade. Se tiver equilíbrio e for uma pessoa saudável que ajude a curar os outros, cria

líderes à sua imagem. O pastor pode não ser um mestre em psicologia, mas se for uma pessoa

compreensiva e amorosa, cria um ambiente sadio ao seu redor. Ele é o homem chave. Ouço

muitas queixas de pastores contra suas igrejas e de igrejas contra seus pastores. Sinto-me

muito inclinado a pensar que na maioria das vezes os culpados são os pastores. Podem até

estar sofrendo conseqüência de posturas e ensinos errados de seus antecessores, mas a culpa

está com eles, em boa parte.

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Em quinto e último lugar está a compreensão de Igreja como comunidade terapêutica

e profilática. Ela ajuda a curar e a prevenir problemas emocionais e espirituais. Quando Davi

se escondeu na caverna de Adulão, todos os desajustados da região vieram a ele. Nossas

igrejas precisam ser caverna de Adulão: receber os desajustados, aceitá-los, e depois torná-los

pessoas equilibradas. O problema é que queremos gente boa. Fechamos a porta aos

problemáticos, porque já temos bastante. Não damos conta dos nossos e ainda vamos trazer

mais? Mas a Igreja deve atrair essas pessoas pelo seu ambiente em que os carentes emocionais

encontrem guarida. Sentimo-nos orgulhosos em dizer que há doutores, juízes, universitários

em nossas igrejas. Parecemos, em muitas ocasiões, um clube que se orgulha da situação social

de seus sócios. Deveríamos sentir satisfação de dizer que há, entre nós, ex-drogados, ex-

prostitutas, ex-neuróticos, que foram recuperados. Seria a prova de que estamos funcionando

bem como comunidade que transmite saúde.

Perguntará alguém: como operacionalizar essas coisas? Minha resposta é simples, mas

não evasiva, embora possa parecer que o seja: é tarefa de cada comunidade local encontrar seu

caminho. Não se pode generalizar e dar regras gerais. A peculiaridade de cada igreja local

invalida um pacote. Pode-se, como tento fazer aqui, apontar caminhos, mostrar o referencial

teórico. Mas o campo vivencial é experiência de cada comunidade. É caso de pensar e

trabalhar, iluminados pelo Espírito Santo. Afinal, ele habita em nós e está em nós (Jo 14.17).

Um alcoólatra me perguntou, certa vez, na entrada de uma igreja que eu pastoreava,

no interior de S. Paulo: “Isso aqui é casa de Deus?” e ante a resposta afirmativa, me disse:

“Então vou embora porque não sou digno de entrar na casa de Deus”. Não sei quem lhe

ensinara isso, mas saí com ele e me sentei nos degraus da igreja para lhe mostrar que aquela

era exatamente a casa onde ele deveria entrar, que Deus o aceitava.

É nossa tarefa exercer a misericórdia e o papel terapêutico a um mundo miserável.

Isso demanda uma atitude, fruto da compreensão de nosso papel de agente promotor de saúde.

A atitude de querer ajudar, de aceitar essas pessoas e trabalhar com elas. Nunca de rejeitá-las

porque se vestem mal ou porque estão abaixo do nosso nível.

Abra Deus nossos olhos e nos torne igrejas menos burguesas, menos preocupadas com

números e resultados quantitativos, e mais preocupadas com gente que sofre, e a quem

somente nós podemos ajudar.