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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica
SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA
NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL O hiperespetáculo da dissolução do sujeito
nas redes sociais de relacionamento
Cíntia Dal Bello
Doutorado em Comunicação e Semiótica
São Paulo
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica
SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA
NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL O hiperespetáculo da dissolução do sujeito
nas redes sociais de relacionamento
Cíntia Dal Bello
Doutorado em Comunicação e Semiótica
São Paulo
2013
CÍNTIA DAL BELLO
SUBJETIVIDADE E TELE-EXISTÊNCIA
NA ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL O hiperespetáculo da dissolução do sujeito
nas redes sociais de relacionamento
Tese apresentada à Banca Examinadora em
cumprimento à exigência parcial para obtenção do
título de Doutora em Comunicação e Semiótica pelo
Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semióticada Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PEPGCOS-PUC/SP).
Área de Concentração: Signo e significação nas
mídias
Linha de Pesquisa: Cultura e ambientes mediáticos
Orientação: Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho.
São Paulo
2013
BANCA EXAMINADORA
_______________________
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_______________________
DEDICATÓRIA
À Irinéia, Solina, Antônia e Sancha:
luzes e exemplos em minha vida.
A meus pais, Márcia e Américo,
minha origem, minha fundação,
os quais espero honrar, sempre,
e ser, sempre, digna extensão.
O que seria de mim sem vocês?
A meu amado esposo, Vagner,
por trilhar a meu lado
esse longo e intempestuoso caminho,
suportando-me e, comigo,
minhas dores.
Obrigada, guerreiro!
A meus filhos, Lucas, Matheus e Pedro,
única e exclusivamente
por serem quem são.
Minhas bênçãos.
AGRADECIMENTOS
Há algum tempo, tenho me dedicado à prática meditativa. Nesses momentos de profunda e íntima
comunhão, quando considero tudo o que vivi e aprendi nesses últimos quatro anos, intenso
sentimento de gratidão inunda meu corpo. Agora, chegado o momento de externar meus
agradecimentos, não encontro palavras suficientes para expressar o quanto sou grata à Vida pelas
pessoas que conheci, pelos amigos que fiz, pelos mestres que me instigaram e pelos sucessivos
eventos que marcaram a jornada. Para mim, não se trata de cumprir uma formalidade. Tenho
firme convicção de que jamais chegaria a esse ponto sem o apoio incondicional de alguns e o
reconforto de partilhar a jornada com outros, tão apaixonados pelo exercício da pesquisa quanto eu.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que me orgulho de ter integrado, no Mestrado e no
Doutorado, o Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS/PUC-SP). Espero honrar, como pesquisadora, o
nome dessa instituição que me acolheu tão generosamente e também meu orientador, Professor
Doutor Eugênio Trivinho, a quem prezo por sua inteligência, competência, profissionalismo e,
sobretudo, por sua sensibilidade. Professor, o senhor constitui, para mim, exemplo vivo daquilo
que projeto ser no exercício da docência e da pesquisa. Graças a sua atenciosa orientação, pude
desenvolver autonomia, densidade teórica e criticidade. Obrigada.
A convivência com outros grandes mestres, em sala de aula ou em eventos científicos, constituiu
fator motivacional indispensável. Aos Professores Doutores Christine Greiner, Maria Lucia
Santaella, Norval Baitello Jr. e Oscar Cesarotto – obrigada. Também sou grata aos Professores
Doutores Malena Contrera e Mauro Wilton de Sousa pelas valiosas contribuições que fizeram à
pesquisa durante a Banca de Qualificação.
Agradeço aos amigos e pesquisadores do CENCIB - Centro Interdisciplinar de Pesquisas em
Comunicação e Cibercultura (PUC-SP/COS), do CISC - Centro Interdisciplinar de Semiótica da
Cultura e da Mídia (PUC-SP/COS), do Sociotramas - Grupo de Estudos Multitemático em Redes
Sociais (PUC-SP/TIDD) e do Plurimídia - Perspectivas Plurais das Mídias (Uninove).
Aos alunos e professores do Colégio Argumento/Objetivo, dos cursos de Publicidade e
Propaganda e especialização em Comunicação em Redes Socias da Universidade Nove de Julho,
dos cursos de Comunicação Social e especialização em Gestão Estratégica da Comunicação da
Universidade Braz Cubas, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Paulista – UNIP; e aos queridos Angela Pintor dos Reis, Ariovaldo Folino Jr., Cecília Saito,
Cristina Palhares, Debora Cristine Rocha, Fernanda Rabaglio, Gabriela Pavanato, Gustavo
Cavalheiro, Heloisa Prates Pereira, Jorge Marcelo Nomura, Paulo Alves, Pedro Del Picchia,
Rafael Tosi, Vanderlei de Oliveira, Walmir Rodrigues Bello e Wilson Dourado, agradeço pelas
inúmeras discussões a respeito do tema investigado, nos mais diferentes contextos: aulas,
palestras, encontros, seminários.
Agradeço, com ênfase, à CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior, pelo apoio financeiro que possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa.
Sandra e André Dal Bello, meus irmãos; Jorge Miklos e Patrícia Fanaya, meus amigos: como sou
grata pelos preciosos laços que existem entre nós! Dilva Rosa dos Santos, minha querida: que
maravilha poder caminhar, espaçosa e livre, pelos corredores estreitos!
E, por fim, expresso minha gratidão a todos os homens e mulheres que, ao longo de suas vidas,
deram-se ao trabalho de pensar e depositar suas ideias em registros que encheram minha alma de
perguntas e poesia, ironia e perplexidade, tornando-se, senão corresponsáveis, ao menos
coparticipantes desta obra que, sob a dedicada orientação do Prof. Dr. Eugênio Trivinho,
comprometi-me a tecer.
O único conhecimento válido é o que se
alimenta de incerteza e o único pensamento
que vive é o que se mantém na temperatura de
sua própria destruição.
Edgar Morin
9
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................................... 13
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 19
DE QUE SONHOS E PESADELOS É FEITA A EXPERIÊNCIA DE TELE-EXISTIR? .................................. 21 Sobre a organização dos capítulos ..................................................................................................................... 22 Sobre o percurso................................................................................................................................................. 28
PARTE I: MEDOS E PROMESSAS DO TELE ....................................................................... 31
CAPÍTULO 1 - TELEPRESENÇA E TELE-EXISTÊNCIA: DESDOBRAMENTOS CONCEITUAIS ............. 33 1.1 Tecnologia, comunicação e sentidos de presença ........................................................................................ 34 1.2 Vende-se telepresença, experimenta-se tele-existência ................................................................................ 40 1.3 Tele-existência como redenção: o imaginário pós-humano ......................................................................... 47 1.4 Tele-existência cibermediática ..................................................................................................................... 51
CAPÍTULO 2 – COMUNICAÇÃO, PRESENÇA E AUSÊNCIA ............................................................ 57 2.1 Mídia como re-existência ............................................................................................................................. 58 2.2 Rumo à espectralidade ................................................................................................................................. 60 2.3 Ausência como problema .............................................................................................................................. 66
CAPÍTULO 3 - TELE-EXISTÊNCIA COMO IMPERATIVO DE ÉPOCA ............................................... 73 3.1 Tempo real e vazio pós-histórico .................................................................................................................. 73 3.2 Em busca de onipotência .............................................................................................................................. 77 3.3 Compulsão e violência.................................................................................................................................. 80
PARTE II: ESPECTRALIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA E PROJEÇÃO DO SUJEITO
HIPERESPETACULAR ............................................................................................................. 85
CAPÍTULO 1 - NULODIMENSIONALIDADE CIBERESPACIAL ........................................................ 87 1.1 Novas paragens na paisagem digital ............................................................................................................ 92 1.2 Territorialidades imaginadas ....................................................................................................................... 97
CAPÍTULO 2 - A ESPECTRALIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA .............................................................. 113 2.1 Projeção subjetiva ...................................................................................................................................... 116 2.2 Arranjamentos tecnoimagéticos ................................................................................................................. 119 2.3 Tensões de mimicry .................................................................................................................................... 121 2.4 Facetas e interfaces: a transposição sígnica .............................................................................................. 126 2.5 O bunker ontológico do perfil-sujeito ......................................................................................................... 131
CAPÍTULO 3 - TELE-EXISTÊNCIA GLOCAL............................................................................... 135 3.1 A superação da dicotomia global-local ...................................................................................................... 137 3.2 A experiência antropológica do glocal ....................................................................................................... 139 3.3 O sujeito glocal cibermediático e hiperespetacular ................................................................................... 141
PARTE III: DISSOLUÇÃO HIPERESPETACULAR: JOGOS DE (IN)VISIBILIDADE E
AGONIA ..................................................................................................................................... 145
CAPÍTULO 1 – O IMAGINÁRIO HIPERESPETACULAR E A FENOMENOLOGIA DO ―APARESER‖ .... 147 1.1 Do espetáculo ao hiperespetáculo .............................................................................................................. 150 1.2 Iconofagia, mediosfera e desejo de visibilidade ......................................................................................... 157 1.3 Espelhos e vitrines cibermediáticas ............................................................................................................ 162
10
1.4 Visibilidade/vigilância ................................................................................................................................ 167 CAPÍTULO 2 – A DINÂMICA AGONÍSTICA DOS JOGOS DE PERFORMANCE CIBERMEDIÁTICA ..... 173
2.1 A obscuridade de agon ............................................................................................................................... 176 2.2 O desejo de ser visto e o medo de ser vigiado ............................................................................................ 179 2.3 Privacidade e transparência ...................................................................................................................... 185 2.4 Subjetividade performática ......................................................................................................................... 189 2.5 Estética do desaparecimento e dissolução do sujeito ................................................................................. 193 2.6 A cultura do botão “curtir” e a agonia da inapreensão do agora ............................................................. 198
CAPÍTULO 3 – O NÃO-SER DO SER-PRA-SEMPRE: UMA INTERPRETAÇÃO EXISTENCIALISTA .... 205 3.1 Presença e existência.................................................................................................................................. 205 3.2 Subjetividade como devir ............................................................................................................................ 210 3.3 Ser-na-ausência e ser-pra-sempre .............................................................................................................. 214
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 217
SEM CHÃO: A TENDÊNCIA OBJETIVANTE .................................................................................... 218
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 223
SOBRE A AUTORA .................................................................................................................. 237
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Sistema de telepresença comercializado pela Embratel/Cisco (out. 2007). ................................. 41 Figura 2. Sala de e-learning no Second Life – Curso ―ABC do EaD‖ (2007). ............................................ 42 Figura 3. Primeira transmissão holográfica na televisão (2008). ................................................................ 43 Figura 4. Mutual telexistence: TELESAR II (2005). .................................................................................. 45 Figura 5. Hapitc telexistence: TELESAR V (2011). ................................................................................... 46 Figura 6. TELESAR V e seu teleoperador (jun. 2011). .............................................................................. 46 Figura 7. Exemplo de postagem no ritmo do gerúndio - Facebook (21 fev. 2013)..................................... 55 Figura 8. Brasileiros reinam nas redes sociais digitais (4 fev. 2013). ......................................................... 93 Figura 9. Blog Thata e sua vida. Destaque para o número de membros (fev. 2013). .................................. 94 Figura 10. Blog ―Pensar Enlouquece. Pense Nisso‖. Destaque para o plugin do Facebook (fev. 2013). ... 94 Figura 11. Recurso "compartilhar notícia‖ com destaque para redes sociais (fev. 2013). .......................... 95 Figura 12. Comparação entre o mapa-mundi das redes sociais: 2009-2012. Vincenzo Cosenza (dez. 2012).
..................................................................................................................................................................... 96 Figura 13. Mapa das comunidades online 2007 produzido pelo site de humor XKCD. ............................. 99 Figura 14. Mapa das comunidades online 2010 produzido pelo site de humor XKCD. ........................... 100 Figura 15. Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown (5 ago. 2010). .................................... 101 Figura 16. Página de login do Club Penguin, rede social da Disney (fev. 2013). ..................................... 103 Figura 17. Promoção de lançamento de ―ilhas‖ no Second Life (29 out. 2007). ....................................... 104 Figura 18. Foto de excursão organizada pela Agência Turistas do Second Life. ...................................... 104 Figura 19. Dragon City, social game desenvolvido pela Social Point (fev. 2013). .................................. 106 Figura 20. Farmville 2, social game desenvolvido pela Zynga (fev. 2013). ............................................. 106 Figura 21. Clash of Clans, social game desenvolvido pela Supercell (fev. 2013). ................................... 107 Figura 22. Social Empires, social game pela Social Point (fev. 2013). .................................................... 107 Figura 23. Jurassic Park Builder, social game da Ludia (fev. 2013). ....................................................... 108 Figura 24. Página inicial do Facebook (13 mar. 2013). ............................................................................ 109 Figura 25. Página Inicial do Google+ (13 mar. 2013). ............................................................................. 109 Figura 26. Página incial do Orkut (13 mar. 2013). .................................................................................... 109 Figura 27. Página inicial do Linkedin (13 mar. 2013). .............................................................................. 110 Figura 28. Página inicial do Twitter (13 mar. 2013). ................................................................................ 110 Figura 29. Página de entrada da e-Harmony (13 mar. 2013). ................................................................... 116 Figura 30. Área de perguntas e respostas do site de relacionamento ParPerfeito (13 mar. 2013). ........... 117 Figura 31. Perfil do Orkut com imagem de identificação do Club Penguin (11 abr. 2010). ..................... 120 Figura 32. Perfil de ―Deus‖ no Twitter - @ocriador (15 mar. 2013)......................................................... 123 Figura 33. Várias páginas e perfis de ―Gina Indelicada‖, fake profiles do Facebook. (14 mar. 2013). .... 123 Figura 34. Fake profile de Jorge M. Bergoglio, o Papa Francisco, no Twitter (15 mar. 2013). ............... 124 Figura 35. Um perfil chamado ―eu mesmo‖ – Orkut (jun. 2010). ............................................................. 125 Figura 36. Imagem do filme The so coal network, do Greenpeace (set. 2010)......................................... 128 Figura 37. Imagem retirada do Blog Pérolas do Orkut (2009). ................................................................ 132 Figura 38. Vestido-Facebook, criação da estudante Lana Dumitru. (nov. 2010). ..................................... 132 Figura 39. Usuária do Second Life exibe seu avatar. (9 set. 2007). ........................................................... 133 Figura 40. Exemplo de identidade-perfil no Facebook. (jan. 2013). ......................................................... 133 Figura 41. Cena do videoclipe "Agora eu tenho iPhone" (da TIM). Banda Seminovos (2 jun. 2011). .... 142 Figura 42. Perfil do Orkut (26 ago. 2007). ................................................................................................ 152 Figura 43. Perfil de Orkut Buyukkokten no Orkut (13 jun. 2013). ........................................................... 152 Figura 44. Amigos de Vagner Araújo – Facebook (31 out. 2013). ........................................................... 153 Figura 45. Seguidores de Vander Oliveira – Facebook (13 jun. 2013). .................................................... 154 Figura 46. Página de acesso à rede social Pheed. (21 mar. 2013). ............................................................ 155 Figura 47. Imagem do álbum Instagram do Facebook de Julie Fernanda (16 dez. 2012). ....................... 158 Figura 48. Cartoon ―Cézanne, o tataravô do Instagram‖. Autoria desconhecida. .................................... 159
12
Figura 49. Miniaturas das fotos de perfil de Bruna no Facebook (20 jun. 2013). ..................................... 164 Figura 50. Miniaturas das fotos do álbum ―Eu‖ – perfil de Lucas no Facebook (20 jun. 2013). .............. 164 Figura 51. Página inicial do aplicativo The Museum of Me (27 jun. 2013). .............................................. 166 Figura 52. Cena final do tour pelo museu de Cíntia Dal Bello (27 jun. 2013). ......................................... 166 Figura 53. Recurso ―promover‖ – Facebook. (7 ago. 2013). .................................................................... 178 Figura 54. Configuração de privacidade no Orkut (27 out. 2011). ........................................................... 181 Figura 55. Perfil de Estela Estrela no Orkut (dez. 2006). ......................................................................... 182 Figura 56. Recurso visualizações - publicação no grupo Restaurante do Clube St. Moritz (7 ago.2013). 183 Figura 57. Montagem de usuários ironizando a espionagem digital norte-americana. (2013). ................. 184 Figura 58. QG do Club Penguin (jan. 2011). ............................................................................................ 187 Figura 59. Menu de configuração da opção "Assinado" no Facebook (out. 2011). .................................. 191 Figura 60. Rankings sobre usuários brasileiros no Twitter (12 out. 2011). ............................................... 192 Figura 61. Exemplos de #FF no Twitter (set. 2011). ................................................................................. 192 Figura 62. Multidão na praça São Pedro em 2005 e 2013 (14 mar. 2013). ............................................... 196 Figura 63. Cena da propaganda tailandesa Disconnect to connect, da DTAC (28 set. 2010). .................. 196 Figura 64. Botão "curtir" do Facebook. .................................................................................................... 198 Figura 65. Conjunto de respostas/reações a um tweet no Twitter (jan. 2012) ........................................... 200 Figura 66. Conjunto de respostas/reações a um scrap no Orkut (jan. 2012). ............................................ 200 Figura 67. Tabulação do total de respostas/reações a um scrap no Orkut (jan. 2012). ............................. 200 Figura 68. Conjunto de respostas a um vídeo no Youtube (jan. 2012). ..................................................... 201 Figura 69. Janela que apresenta o fluxo de ações e interações no Facebook (04 abr. 2013). ................... 202 Figura 70. Janela de bate-papo do Facebook (04 abr. 2013). .................................................................... 202 Figura 71. Fotos e notas de Oscar Monteiro Filho. ................................................................................... 218 Figura 72. Tirinha de ―Os malvados‖. ....................................................................................................... 219
13
RESUMO
15
Esta pesquisa tem por objetivo compreender o fenômeno da tele-existência
cibermediática – existência em tempo real facultada por plataformas ciberculturais de
comunicação e relacionamento, em dispositivos tecnológicos fixos ou móveis – para dimensionar
sua repercussão socioantropológica e, a partir da análise da relação entre subjetividade, tele-
existência e visibilidade cibercultural, pensar o estatuto do sujeito na dimensão hiperespetacular.
Seu objeto de estudo é o corpo sígnico, espectral, arranjamento sígnico-imagético que confere
organicidade aparente ao usuário para presentificá-lo nos ambientes comunicacionais. Na
delimitação do corpus, trata-se de observar perfis, avatares e outras interfaces de projeção
subjetiva em redes sociais, metaversos e social games para compreender o processo imperativo
de espectralização live da existência, decorrente da naturalização do desejo de autoexposição. Isto
posto, a principal questão norteadora da pesquisa é: se a projeção da existência no cyberspace
tem por objetivo delinear o sujeito em meio a fluxos informacionais, conferindo-lhe visibilidade
cibermediática, por que o efeito, via de regra, concorre para a sua dissolução ou invisibilidade?
Para tal problemática, acenam-se as hipóteses de que tele-existir, embora percebido como
agradável passatempo, constitui disputa agonística pelo centro da cena mediática, o que leva à
produção desmesurada de informações como estratégia para manter o usuário continuamente em
destaque. Todos querem ――apareSer‖‖ porque temem a insignificância, correlata ao medo de
inexistir. Como doravante a existência só parece adquirir sentido quando passa pela instância
(ciber)mediática, o eixo de constituição do sujeito no cyberspace deslocou-se de ―quem sou eu‖
para ―em que estou pensando/fazendo‖. Entretanto, por efeito de saturação informacional e
excesso de visibilidade, todo ato de projeção é, simultaneamente, dissolução – (in)visibilidade.
Como metodologia, o projeto previu a realização de pesquisa bibliográfica e de estudo
qualitativo de campo, pautado na netnografia (assim traduzida em seus elementos principais:
ingresso não-invasivo nas plataformas citadas, levantamento exploratório de perfis e avatares,
observação participante e realização de entrevistas não-estruturadas com usuários). O quadro
teórico de fundamentação da pesquisa, de base interdisciplinar (filosófica, sociológica,
antropológica e psicanalítica), inclui o pós-modernismo filosófico, o pós-estruturalismo francês, a
semiótica da cultura, a sociodromologia fenomenológica, e deverá fornecer os referenciais
epistemológicos necessários para a análise do objeto de estudo, para a checagem das hipóteses e
para a resolução do problema de pesquisa.
Palavras-chave: Cibercultura, visibilidade mediática, tele-existência, subjetividade,
hiperespetacularização, redes sociais digitais.
17
ABSTRACT
The objective of this research is to understand the phenomenon of cybermediatic tele-existence –
existence in real time enabled by cybercultural communication and relationship platforms in
fixed or mobile devices – to gauge their socio-anthropological impact and, based on an analysis
of the relationship between subjectivity, tele-existence and cybercultural visibility, examine the
individual‟s status in the hyper-spectacular dimension. The object of study is the spectral, signic
corporality, the signic-imagerial arrangement, which gives the user an apparent organicity that
renders him present in communication environments. The delimitation of the corpus involves the
observation of profiles, avatars and other interfaces of subjective projection in social networks,
metaverses and social games to understand the imperative process of continuous spectralization
of existence resulting from the natural desire for self-exposure. Having stated the above, the main
question guiding this research is: If the projection of existence in cyberspace is aimed at
providing a thumbnail sketch of the individual in the midst of information flows, giving him
cybermediatic visibility, why is its effect usually that of contributing to his dissolution or
invisibility? To answer this question, we propose the hypothesis that to tele-exist, albeit
perceived as a pleasant pastime, constitutes an agonistic dispute for the mediatic center stage,
which leads to the excessive production of information as a strategy to keep the user continually
in the limelight. Everyone wants to “appear” because they fear insignificance, which is
associated with the fear of nonexistence. Because existence from now on seems to make sense
only when it passes through cybermediatic hyper-spectacularization, the essence of the
individual‟s composition in cyberspace has shifted from “Who I am” to “What I‟m
thinking/doing.” The effect of the information saturation and excessive visibility resulting from
this shift is that every act of projection simultaneously becomes one of dissolution – (in)visibility.
The methodology for this research consisted of a literature survey and a qualitative field study,
based on netnography (translated into its main elements: noninvasive entry into the
aforementioned platforms, exploratory survey of profiles and avatars, participant observation,
and unstructured interviews with users). The theoretical foundation of this interdisciplinary
research (philosophical, sociological, anthropological and psychoanalytical), which provided the
necessary epistemological frameworks for the analysis of the object of study, for checking
hypotheses, and for solving the research problem, includes philosophical postmodernism, French
post-structuralism, cultural semiotics and phenomenological sociodromology.
Keywords: Cyberculture, mediatic visibility, tele-existence, subjectivity, hyper-
spectacularization, digital social networks.
19
Introdução
21
De que sonhos e pesadelos é feita a experiência de tele-existir?
Em face da adesão, em escala planetária, às plataformas ciberespaciais de
relacionamento e projeção subjetiva – redes sociais digitais, metaversos, aplicativos e social
games –, e do significativo aumento do número de horas dedicadas a elas, em parte graças à
crescente popularização do acesso à Internet e dos dispositivos tecnológicos que providenciam
conexão móvel e contínua – netbooks, smartphones, tablets –, impõe-se a necessidade premente
de investigar o estado always on como nova modalidade de ser, estar, compreender-se e
relacionar-se com a alteridade e com o mundo. Na presente Tese, esse estado, naturalizado pela
prática cotidiana e considerado agradável passatempo, condiciona o usuário de teletecnologias a
existir em tempo real; e tele-existir implica projeção constante e idealmente contínua de si na
espectralidade de alta visibilidade facultada pelas redes. A produção desmesurada de
informações, com o intuito de delinear e projetar significativo sujeito, concorre imediatamente
para a sua dissolução ou invisibilidade: a avalanche informacional que flui pelos estreitos
corredores de visibilidade das plataformas cibermediáticas, provocada por todos os indivíduos
ávidos por ―apareSer‖1, torna cada qual obsoleto desde a origem, em permanente estado de
manutenção ou atualização. Projeção e dissolução do sujeito, portanto, são intrínsecos e
conformam um regime agônico de (in)visibilidade: a disputa pelas áreas de visibilidade
privilegiada nas plataformas ciberculturais (ou centro da cena, metaforicamente) conduz à
projeção hipertrófica, que gera saturação da atenção e dos ambientes virtuais de convivência,
crise que soterra as manifestações subjetivas em paisagens digitais rapidamente tornadas remotas,
requerindo mais informações para voltar ao centro da cena – o que fatalmente redundará em
novas dissoluções e invisibilidades. Tele-existir é ser/estar inevitavelmente always on: em busca
da reconfortante certeza de que são alguém, os sujeitos esmeram-se, como Sísifos absurdos, a
alcançar o topo da visibilidade cibermediática para, terminado o esforço, rolarem novamente para
a invisibilidade, e assim sucessivamente, como se isso fosse, realmente, vida – eis o âmago da
Tese.
1 Veja-se o Capítulo 1 da Parte III – O imaginário hiperespetacular e a fenomenologia do apareSer.
22
Sobre a organização dos capítulos
Para sustentar a Tese, os nove Capítulos foram distribuídos em três Partes. A
primeira, de caráter introdutório, visa a apresentação das imbricações e desdobramentos
conceituais dos termos telepresença e tele-existência desde a década de 1980 para situar, no
âmbito da comunicação virtual, o recorte preciso da pesquisa – a tele-existência em plataformas
ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva, ou tele-existência cibermediática. Parte,
então, do artigo seminal de Eugênio Trivinho sobre existência em tempo real (2007b) para pensar
a dimensão antropológica da angústia que impele o ser humano à superação de seus limites e
recuperar, com base na Teoria das Mídias e na Semiótica da Cultura, os fundamentos dessa
prática comunicativa, inferindo os medos e as promessas que transformam a tele-existência em
compulsão e imperativo característicos da época vigente, em que pós-modernidade,
neonarcisismo e conformação dromocrática da existência comparecem coimplicados.
Como resultado de extensa revisão bibliográfica, observou-se que telepresença
(MINSKY, 1980) e tele-existência (TACHI, 1980) podem ser tomados como sinônimos e
referem-se, geralmente, a experimentos de presença remota que objetivam fazer com que o
teleoperador tenha a impressão de estar no local em que o avatar robótico se encontra. Essa
impressão, gerada pela transmissão de estímulos sonoros, visuais e táteis como temperatura,
pressão e textura, também pode ocorrer em experiências de realidade virtual, em que o
teleoperador imerge em mundos sintéticos que simulam lugares reais ou imaginários, gerados por
computador (SHERIDAN, 1992). Para além da realidade virtual e das tecnologias de simulação
restritas aos laboratórios dos grandes centros científicos, a investigação sobre as sensações de
telepresença geradas pelo uso de mídias cotidianas (BRACKEN; SKALSKI, 2010) abarca
sistemas de videoconferência, computadores, smartphones, home-theater, cinema, rádio e
televisor de alta-definição, entre outros. Neste caso, a sensação de presença ocorre quando a
tecnologia provê a ilusão de que a experiência não é mediada (LOMBARD, DITTON, 1997): o
sujeito pode experimentar a sensação de estar presente em outro lugar ou de que o outro, como
entidade mediática, está diante de si.
A tele-existência cibermediática, ou existência em tempo real (TRIVINHO, 2007b),
difere dos experimentos de presença remota conforme tratam Minsky e Tachi, pois o cibernauta,
23
ao contrário do teleoperador que se maquiniza para poder receber as impressões captadas pelo
sensível avatar robótico, porta dispositivos tecnológicos cada vez mais leves e pequenos, de
rápido acesso ao perfil ou avatar cibermediático que lhe confere corporeidade e identidade.
Difere, também, das experiências de alta imersão em realidades virtuais – a tele-existência, glocal
(TRIVINHO, 2007a) por excelência, põe-se na fissura/urdidura da dimensão do lugar, do corpo, e
da dimensão comunicacional das redes, o que torna cada vez mais complicado manter a oposição
entre atual e virtual. Por fim, ainda que comungue de alguns aspectos característicos da pesquisa
acerca da presença mediática – tal como o engajamento da imaginação (GERRIG, 1993;
BIOCCA; LEVY, 1995) e a compreensão de presença como ―ilusão perceptual de não-mediação‖
(LOMBARD, DITTON, 1997), a tele-existência cibermediática afasta-se dela por não comportar
dicotomias como ―partida‖ e ―chegada‖, ―aqui‖ e ―lá‖. Fenômeno complexo e paradoxal, atinente
às tecnologias do glocal2, a tele-existência investigada requer análise que tensione as cisões de
base dual, recompondo os códigos binários na estranha realidade das experiências híbridas.
Cumpre salientar, entretanto, que o entusiasmo presente no manifesto de Minsky e
nas experiências de Tachi não se reproduz na presente pesquisa. Embora permaneça atenta ao
fato de que o termo fatalmente evoca o imaginário pós-humano de modificação ou superação da
condição humana, não se coaduna com essa perspectiva, interessando-se, antes, por questionar o
prefixo tele para compreender quais são os medos e as promessas que levam a humanidade a
buscar redenção na distância concreta do mundo e da alteridade. Tendo em vista a comutação da
visibilidade em principal valor, considera que é a legitimidade mesma da existência o que está em
cheque, razão pela qual tele-existir não implica apenas registrar e publicizar aquilo que acabou de
ser vivido, mas viver para gerar impressões, conquistar audiência, raiar no horizonte do olhar do
outro. Trata-se, portanto, de uma nova forma de lidar com o medo da morte, da inexistência e da
insignificância, própria do reconhecimento – ou da não-aceitação – da efemeridade humana. Nos
rincões tecnológicos de visibilidade hiperespetacular e cibermediática, emergem as promessas de
superação do corpo, do tempo, do espaço e da morte. Nesse processo, a tele-existência constitui o
ápice de uma ―escalada abstracional‖ (FLUSSER, 2008) que providencia o devido afastamento
do ―perigoso‖ mundo multissensorial do corpo e dos volumes; seus fundamentos situam-se muito
antes do surgimento do glocal: encontram-se desde a invenção e fixação das imagens e da escrita
em suportes que, vencendo distâncias e resistindo à passagem do tempo, possibilitam a
2 Discussão que será aprofundada no Capítulo 3 da Parte II – Tele-existência glocal.
24
presentificação do ausente para audiências longínquas ou futuras (PROSS, 1971; BAITELLO
JR., 2005, 2010). O encantamento exercido pelos media pode ser tributário do fato de que são,
primeiramente, vestígios de presença; então, registros físicos que fazem re-existir, ao menos no
imaginário, aquele que está longe ou não existe mais; agora, veículos de aparição espectral que
anulam o espaço e domesticam o tempo, tornando presente aquele que está efetivamente distante.
Destarte, após delinear a especificidade do objeto de estudo em contraste com outras
linhas de investigação e tecer considerações sobre a relação entre media, presença e ausência
tendo por base a Teoria das Mídias e a Semiótica da Cultura, a primeira parte encerra-se com a
caracterização da tele-existência como violento imperativo de época, modos operandi que
arrebata os nativos de uma sociedade (tempo/espaço/cultura) inundada pela sensação de vazio
(pós-modernidade) e pela ausência de sentido (pós-história), alvo das pressões exercidas pelo
tempo real que a modelizam como dromocracia (TRIVINHO, 2007a). Onisciência panorâmica e
onipresença relativa, propiciadas pelas teletecnologias de comunicação, minam qualquer pleito à
desejada onipotência por escassez de presença e engajamento autênticos: à colonização do tempo
real corresponde o abandono do corpo social; à tele-existência corresponde o abandono da
existência em prol da performance hiperespetacular. O fascínio que exerce, entretanto, não
permite que se considere seriamente a dromoaptidão (TRIVINHO, 2007a) requerida como uma
espécie de servidão, nem que se sinta as dores causadas pela tecnodependência. Compulsão
generalizada, mais ou menos arrefecida pelo egocentramento neonarcisista (LASCH, 1983;
1990), conforma a face obscura do despojado ser/estar nas plataformas ciberculturais de
relacionamento e projeção subjetiva.
A segunda Parte ocupa-se de situar redes sociais, metaversos, aplicativos e social
games em meio à nulodimensionalidade ciberespacial, destacando a importância dessas
territorialidades imaginadas que abrigam a tele-existência. Disseca-se o processo de projeção
subjetiva em arranjamentos tecnoimagéticos que funcionam como corporeidades espectrais
quando o indivíduo está online e fazem surgir um efeito de sujeito. Na espectralização da
existência, a experimentação do eu como persona hiper-real articula parâmetros de representação
e simulação que confundem ainda mais realidade e ficção.
Indissoluvelmente vinculada às tecnologias do glocal, a tele-existência cibermediática
é uma experiência de desdobramento subjetivo por projeção hiperespetacular, no qual se institui
um sujeito que é, antes, efeito efêmero dessa projeção, espectro composto na superfície das telas.
25
Para compreender essa afirmação, a segunda Parte da pesquisa trata da crescente virtualização do
mundo, da liquidação dos referenciais, do apagamento do contexto concreto de existência e da
transformação generalizada de coisas em ―não-coisas‖ (FLUSSER, 2007). Trata, também, do
quanto a concepção de cyberspace como realidade paralela, marginal e subversiva perdeu vigor
na medida em que a rápida alternância entre os estados on e off-line dificulta qualquer tentativa
de separação entre as referências ―aqui‖ e ―lá‖. A conformação de ―territórios digitais
informacionais‖ (LEMOS, 2009), híbridos oriundos da acintosa sobreposição do espaço
eletrônico de fluxos informacionais ao espaço-mundo, atesta a transformação do cyberspace em
universo formal em que todos estão inseridos, matriz cultural que ressignifica o mundo, conforma
subjetividades pré-existentes e gera novas mentalidades e sensibilidades. Nesse sentido, a tele-
existência cibermediática corresponde imediatamente à experiência antropológica de ser/estar
glocal, uma nova forma de ser/estar simultaneamente em vários lugares e, também, não ser e não
estar.
A partir da escalada abstracional notada por Flusser (2007), considera-se o
cyberspace como exemplar sine qua non do último grau de abstração, nulodimensionalidade por
excelência, composta por códigos binários que tudo reduzem a zero e um, pontos intangíveis,
inimagináveis e inconcebíveis, embora constatáveis e computáveis. Caminhar rumo à
nulodimensionalidade parece ter se tornado a única direção possível dado os ocasos do sentido de
história e da fé teleológica que movia e animava os sujeitos modernos. Mediante o vazio (que
importa o passado?) e o abismo (que futuro?), resta à perplexa humanidade criar imagens
técnicas, ontologicamente diferentes das imagens tradicionais uma vez resultantes dos jogos de
cálculos que computam pontos. As imagens técnicas são mosaicos que disfarçam o vazio e
tornam habitável a inabitável nulodimensionalidade ciberespacial. Projetam as plataformas –
comunidades virtuais, redes sociais, metaversos – que abrigam e assentam a tele-existência.
Doravante conquistado, o tempo real transforma-se em espaço ―navegável‖, entremeado por
paragens digitais onde é possível circunscrever-se, manifestar-se, ser alguém. A vitalidade com
que os indivíduos lançam-se à construção e manutenção de perfis e avatares, entes sígnicos que
correspondem a sua corporeidade nas plataformas ciberculturais, denota não apenas a ânsia por
registrar e publicizar o cotidiano, mas também o quanto passaram a viver nas redes sociais
digitais. Nessas territorialidades imaginadas, desgarradas do compromisso de corresponder ao
espaço geofísico, gigantescos assentamentos espectrais de convivência, com fronteiras arredias e
26
ao mesmo tempo muito bem delineadas – haja vista a necessidade de identificação no portal de
entrada de cada rede ou metaverso –, convocam à desmesurada e contínua espectralização da
existência.
Espectralizar-se, portanto, implica manifestar-se como imagem, viver entre imagens,
relacionar-se com imagens, presenciar por meio de imagens e estar presente como imagem.
Significa tornar-se mais real que o real, hiper-real (BAUDRILLARD, 1981). Mesmo quando a
projeção subjetiva pretende ser representativa, engendra simulações e dissimulações que tornam a
dicotomia realidade-ficção impossível de ser mantida. O efeito de sujeito que emerge das
atividades de tele-existir é hiperespetacular e faz jus à subjetividade narcisista que caracteriza a
pós-modernidade. Cumpre observar e analisar o cyberspace como nulodimensionalidade, as
plataformas como superfícies imaginadas (FLUSSER, 2008, p. 38) e os perfis e avatares como
imagens-técnicas que, como véus de maia alegremente tecidos, recobrem a subjetividade na
azáfama de tele-existir. Rasgá-los, desconcertante objetivo da Tese que se apresenta, permite que
se compreenda o processo de virtualização que permeia o ser/estar nas redes digitais de
relacionamento.
Após dimensionar a tele-existência como cibermediática e glocal, a pesquisa, na
terceira Parte, tratará de caracterizá-la como jogo de performance hiperespetacular, cuja
dinâmica, agonística, torna a dissolução do sujeito intrínseca a sua projeção. Para tanto, parte da
lógica espetacular para compreender o imaginário próprio da cultura mediática, cuja promoção,
ao longo do século XX, sedimentou a visibilidade como desejável valor, normalizou o
comportamento autoexpositivo e o discurso autorreferencial vigentes na cibercultura, atinentes ao
―apareSer‖ tele-existencial. À indexação instantânea da existência pelas tecnologias do tempo
real que conformam tempos e espaços de tele-existência segue-se a instalação da lógica da
transparência e da vigilância, facetas indeléveis da visibilidade. Compreendidos os aspectos
inerentes à naturalização do desejo de autoexposição e hiperespetacularização da vida pessoal,
delineia-se a tensão entre o desejo de ser visto e o medo de ser vigiado que tangencia os jogos de
(in)visibilidade travados entre os tele-existentes. Nesse contexto, a fenomenologia do ―apareSer‖,
do qual a tele-existência deriva, implica novo ethos que regula a compreensão de vida e morte,
existência e inexistência, a partir da capacidade de ser ou não ser visível. Constata-se a
supremacia da visibilidade como valor absoluto, preponderante sobre outros possíveis
indicadores de performance (como autoridade, reputação ou poder de influência), e o delírio
27
singular de adentrar e permanecer no imaginário cibermediático [apresentado como dimensão da
Mediosfera (CONTRERA, 2010)] para nele realizar sonhos olimpianos (MORIN, 1969) de fama
e sucesso.
Eis a estética do desaparecimento e sua correlata agonia: toda projeção da
subjetividade na espectralidade cibercultural, embora vise à circunscrição do sujeito, contribui,
simultaneamente, para a dissolução do mesmo por efeito de excesso informacional e saturação da
atenção da audiência. Em meio à eco-logia3 peculiar das plataformas de operação em tempo real,
o indivíduo tele-existente padece de obsolescência imediata graças ao fato de que os tempos e
espaços de alta visibilidade são corroídos por acirrada concorrência. Como todos acedem aos
imperativos da tele-existência, o fluxo de publicações torna-se ininterrupto, quase a seguir o
próprio fluxo da vida, e a imagem publicada há alguns segundos não cumpre mais a tarefa de
presentar o agora, devendo ser compulsoriamente substituída por outra para manter aquele que se
manifesta em permanente projeção, longe do anonimato e da invisibilidade, da periferia ou das
sombras cibermediáticas que, decididamente, decretam a morte simbólica. Tal assédio,
sensivelmente mais agressivo com a popularização dos dispositivos móveis de conexão e
rastreamento contínuos, deslocou os eixos de organização do discurso autorreferencial. Antes, a
manifestação subjetiva nas redes sociais orientava-se pelo eixo ―Quem sou eu‖, norteador de
projeções que primassem por coesão e coerência identitárias. Após a entrada do Twitter no
cenário cibercultural, as plataformas redesenharam seus eixos para questões que assumem a
fugacidade e o devir da existência, solicitando permanentemente satisfações sobre ―o que está
acontecendo‖ ou ―no que estou pensando agora‖. Subjetividade no gerúndio, intermitente, em
tempo real, always on. Assim, a despeito do caráter lúdico que reveste a prática da tele-
existência, é preciso denunciá-la como tecnologia extrema de sistematização do registro da vida
no tempo do eterno presente. Neste sentido, o ―apareSer‖ tele-existencial deixa de ser apenas uma
forma de passar o tempo: na instantânea correnteza do viver, exige o registro e a publicização da
própria vida.
Essa exigência, quando absolutamente tudo parece digno de ser compartilhado em
rede, adquire as cores brandas da celebração, mas nem por isso deixa de ter variantes perversas,
como a sobreescrição da existência pelo seu registro hiperespetacular ou a concorrência entre
3 Eco-logia, ou lógica do eco, é um termo utilizado por Baitello Jr. (2005, p. 52-53) para aludir à capacidade de
rápida reprodução das imagens na era da visualidade.
28
ambos, real e hiper-real, com sequestro de parte do tempo de vida em favor da publicização
simultânea. Fatalmente, surge a supervalorização do online sobre o off-line e, com ela, cruel
inversão: viver nas redes, viver para poder registrar, no lugar de simplesmente viver e,
eventualmente, compartilhar nas redes aquilo que foi naturalmente vivido.
Sobre o percurso
Somos testemunhas, colaboradores e vítimas de revolução cultural cujo âmbito
apenas adivinhamos. (FLUSSER, 2008, p. 15).
Seguir os sonhos que as tecnologias do tele inspiram - transcendência, redenção,
transgressão de limites – implica encontrar os pesadelos. A chama da revolução em curso,
todavia, não dá mostras de que está perto de se apagar. Embora clarifique muitos aspectos da
triste condição humana no contexto pós-moderno e ilumine algumas possibilidades maravilhosas,
contém suas próprias armadilhas ou ―acidentes‖, como diria Virilio (2000).
O percurso de construção lógica da Tese partiu de hipótese cuja inspiração,
primeiramente, foi a experiência própria, como colaboradora e vítima do processo em curso
desde 2006, a partir do Orkut, experiência que encontrou ressonância na observação e no
testemunho da vivência de muitos outros, a saber: pouco mais de mil pré-adolescentes e
adolescentes, alunos do Ensino Fundamental e Médio do Colégio Argumento-Objetivo de
Ermelino Matarazzo – São Paulo, ouvidos presencialmente ao longo da realização da palestra
intitulada Você está no Orkut?; dois mil adultos – alunos de graduação e pós-graduação,
professores, pesquisadores e profissionais da área, participantes de comunidades e fóruns sobre
cibercultura e redes sociais, usuários assíduos de Facebook e Twitter, cujo contato ocorreu, com
raríssimas exceções, exclusivamente pelas redes sociais; e sete crianças entre seis e onze anos
pertencentes ao grupo familiar, cujo comportamento foi observado tanto nas redes quanto in loco.
No processo, diversos pesquisadores engajados em investigações correlatas foram
ouvidos em grupos de trabalho privilegiados onde foi possível apresentar fragmentos da pesquisa
em andamento, como o Simpósio Nacional de Cibercultura – 4ª e 5ª edições (DAL BELLO,
2010; DAL BELLO, 2011), o XXI Encontro Nacional da COMPÓS (DAL BELLO; ROCHA,
2012a), o I CONFIBERCOM – Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americana (DAL
BELLO; NOMURA, 2011), o 10º Congreso de La Asociación Internacional de Semiótica Visual
– AISV 2012 – Buenos Aires (DAL BELLO; FOLINO JR., 2012), o II Seminário Internacional
29
de Pesquisa sobre Consumo (DAL BELLO; ROCHA, 2012b), reuniões e seminários científicos
promovidos pelo CENCIB – Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Comunicação e
Cibercultura nos projetos Glocal (2011 e 2012) e Comunicação e Velocidade (2013), nos
encontros e seminários promovidos pelo Grupo de Estudos Multitemáticos sobre Redes Sociais
SOCIOTRAMAS (2011 e 2012) e ao longo do desenvolvimento da obra Hikikomori: a vida
enclausurada nas redes sociais (SAITO; GREINER, 2013).
Além do mergulho netnográfico nas mais diversas plataformas – redes sociais como
Orkut, Facebook, Twitter, Linkedin, Google Plus, Blogger, Youtube; metaversos como Second
Life e Club Penguin e social games como Mafia Wars e Farmville –, realizou-se, com o apoio
dos alunos de pós-graduação em Comunicação em Redes Sociais da Universidade Nove de Julho,
dois eventos-experimentos sobre Visibilidade Mediática Cibercultural com os objetivos de
discutir a fenomenologia do ―apareSer‖ e, empiricamente, conduzir a hashtag #apareSer ao top
trends do Twitter – resultados alcançados, analisados e apresentados em artigo científico (DAL
BELLO, 2011).
Por fim, encontrar os pesadelos implica assumi-los. Paulatinamente, a hipótese
transformou-se em posicionamento, cuja amplitude crítica afina-se com o pensamento dos vários
pesquisadores elencados ao longo da Tese. Percebeu-se que o sonho encantado da projeção
subjetiva – que o always on torne-se always live – contém, no avesso, o horror de sua imediata
dissolução. Tentar ―ser-pra-sempre‖ na espectralidade do espaço nulo, espaço ciber, como forma
de multiplicar a presença e otimizar o aproveitamento do tempo de vida é, também e
inadvertidamente, forma de retirar-se do mundo, negar o corpo, aniquilar o espaço e o outro.
Intensificação de ausência, cristalização da vida, objetificação de si, interrupção do devir e
sujeição à tecnodependência.
31
PARTE I: Medos e promessas do tele
33
CAPÍTULO 1 - Telepresença e tele-existência: desdobramentos conceituais
Os termos tele-existência e telepresença comparecem em diversas experiências de
telerrobótica e telecomunicação que envolvem desde as ciências da cognição e a psicologia social
até a cibernética, a inteligência artificial e as tecnologias de realidade virtual. Nesse âmbito, são
tomados por sinônimos1 (TACHI et al., 2012) e designam a possibilidade de operação concreta
em localidade remota por meio de um fantoche robótico que, além de movimentar-se, ver, ouvir e
manipular objetos, captura e transmite sensações táteis que dão ao operador a sensação de estar
realmente inserido no contexto físico em que está o robô, com a vantagem de não correr os
mesmos riscos que ele. Dessa forma, as manifestações subjetivas devidamente transmitidas e
reproduzidas impactam a localidade remota enquanto os dados desse ambiente são, igualmente,
levados até o operador, tornando-o presente em outro lugar que não aquele em que está. Pode-se
dizer que a relação que se estabelece, nesse caso, é visceral: luvas, capacete e todo um aparato
teletecnológico recobre o corpo do teleoperador para conectá-lo ao slave-robot que lhe serve de
―corpo‖ a distância. Tais experimentos, que remontam à década de 1950, ganharam, em 1980,
fôlego novo com o manifesto de Minsky e os empreendimentos laboratoriais de Tachi.
Na década de 1990, estudos sobre presença possibilitaram dois interessantes
desdobramentos: (1) o uso do termo telepresença para as experiências de imersão em ambientes
virtuais, em que há conexão tecnológica entre teleoperador e avatar virtual, e (2) para nominar as
sensações provocadas pelo uso de mídias cotidianas como a televisão ou o cinema, em que a
suspensão temporária do sentido de mediação, graças ao envolvimento dos sentidos e o
engajamento da imaginação na narrativa, leva os telespectadores a sentirem-se presentes no
contexto da história que estão assistindo ou, ao contrário, torna presentes aqueles que, fictícios ou
não, aparecem por meio da tela. A emergência de salas de cinema aparelhadas com recursos 3D,
em que a imagem salta da tela, e 4D, com estímulos táteis, visuais e olfativos que complementam
o envolvimento com a história (cadeiras que tremem ou se deslocam conforme os movimentos de
1 Conforme apresentado no Tópico 3.1 do Capítulo 3 da Parte III – Presença e existência, com base em Heidegger
(2011), presença e existência não são sinônimos, embora compareçam imbricados.
34
câmera, emissão de odores, luzes que se acendem na sala simulando, por exemplo, a queda de um
raio), dá mostra do potencial desta linha de estudos.
A partir desse levantamento preliminar, precisa-se o recorte objetal/temático da
pesquisa: a tele-existência cibermediática. Este fenômeno comunicacional extremo, naturalizado
pela prática cotidiana, relaciona-se à disseminação de plataformas ciberespaciais de sociabilidade
espectral – comunidades virtuais, sites de relacionamento, redes sociais digitais, metaversos e
social games. As tecnologias de conexão necessárias são menos viscerais que aquelas que
subsidiam as experiências de presença remota ou de imersão em ambientes de realidade virtual;
entretanto, os pequenos gadgets, indispensáveis, são mantidos sempre próximos, ao alcance dos
olhos e dos dedos, em todas as situações do dia-a-dia. Smartphones, tablets, laptops e netbooks
são tecnologias de projeção subjetiva para manifestação à distância, ubíqua e em tempo real que
gozam, sem dúvida, da ilusão perceptual de não-mediação identificada nos estudos sobre
telepresença e mídia cotidiana, e geram, por meio do engajamento a que os indivíduos se lançam,
interessante efeito de existência.
Ao longo do mapeamento conceitual, é possível perceber aproximações e diferenças
entre as diferentes experiências de presença remota, virtual, mediática e cibermediática; mas, sem
dúvida, todas comparecem banhadas pelo imaginário pós-humano de redenção por meio das
teletecnologias, que ampliam a capacidade de intervenção e experiência para além dos limites do
corpo e da existência concreta, projetando a subjetividade de teleoperadores, gamers,
telespectadores e cibernautas em ambientes inalcançáveis e inabitáveis, campos imaginários ou
subjetivos, campos nulodimensionais.
1.1 Tecnologia, comunicação e sentidos de presença
O termo telepresença foi adotado por Minsky (1980), fundador do Laboratório de
Inteligência Artificial do MIT (Massachusetts Institute of Technology), para enfatizar a
importância do feedback sensorial de alta qualidade e motivar o desenvolvimento de tecnologias
de transmissão da sensação tátil a distância, cujo primeiro experimento remonta à 1954. 2 Sem
restringir-se à teleoperação de objetos, a presença remota combina teorias de controle e feedback,
2 Segundo Minsky (1980), mãos mecânicas controladas remotamente foram construídas pelo Argonne National
Laboratories, em Illinois, em 1947. Mas, apenas em 1954, Ray Goertz, cientista do Argonne, desenvolveu um
sistema de feedback com motores elétricos para que o operador tivesse a sensação, ainda que rudimentar, de pressão,
resistência e textura.
35
pesquisas de simulação física em tempo real, psicologia de percepção espacial e estudos sobre a
inter-relação entre sistemas eletrônicos e organismos humanos (ou interactive computation).
Embora mencione, dentre possíveis explorações, a criação de work clubs e a redução de custos de
tempo e energia na medida em que uma pessoa pode realizar diferentes tarefas em diferentes
lugares, Minsky (1980) destaca com entusiasmo a manutenção preventiva de usinas nucleares e
plataformas terrestres ou marinhas de petróleo, a construção e operação de estações espaciais de
baixo custo, a criação de novas técnicas médico-cirúrgicas e a eliminação de perigos físico-
químicos em diversos setores da indústria. O principal desafio, entretanto, está em reproduzir o
sentido de ―estar lá‖, razão pela qual questiona: ―A telepresença poderá substituir efetivamente
aquilo que é real? Seremos capazes de utilizar com conforto e naturalidade os dispositivos
artificiais, levando-os a trabalhar em conjunto com os mecanismos sensoriais dos organismos
humanos?‖3
Percebe-se que, para Minsky, o que define as experiências de telepresença não é
como tornar o operador presente para outras pessoas em um lugar diferente do qual está, mas
como levá-lo a sentir-se em outro ambiente físico. Trata-se de pensar a telepresença como
transporte (GERRIG, 1993) ou extensão tecnológica da percepção ―de uma situação geográfica e
temporal remota, que envolva a reciprocidade entre observador e observado‖ (ARAÚJO, 2005, p.
24).
Na década de 1990, Sheridan (1992) ampliou a definição para abarcar a experiência
sensorial propiciada pela imersão em ambientes de realidade virtual, preferindo utilizar o termo
―presença‖. Conforme Araújo (2005, p. 26), a partir da publicação, em 1992, do jornal Presence:
Teleoperators & Virtual Environments, vinculado ao MIT, as discussões voltaram-se para a
diferenciação entre presença remota, com o sentido de ação concreta a distância no mundo físico,
e presença virtual, compreendida como imersão em mundos sintéticos, simulados artificialmente.
O debate também tensionou o conceito de presença ―real‖ ao questionar sua circunspecção à
realidade objetiva (MANTOVANI; RIVA, 1999).
Bracken e Skalski (2010), pesquisadores do grupo Presence and Popular Media e
organizadores do livro Telepresence in everyday life, salientam que os estudos sobre telepresença
não devem restringir-se às experiências laboratoriais de alta imersão e dedicam-se a pensá-la no
3 ―Can telepresence be a true substitute for the real thing? Will we be able to couple our artificial dispositivos
tecnológicos naturally and comfortably to work together with the sensory mechanisms of human organisms?‖
(tradução nossa).
36
âmbito do cotidiano, facultada por meios de comunicação familiares. Embora a realidade virtual
não tenha se popularizado como sonhado na década de 1990, os meios de comunicação de massa,
em crescente convergência com redes de informação e plataformas digitais, têm expandido seu
potencial de criar sensações de telepresença, o que requer observar níveis de imersão,
envolvimento, realismo, presença social e espacial. Para eles, o desenvolvimento desse campo de
investigação, com a devida introdução da telepresença à disciplina da Comunicação, deve muito a
Frank Biocca, professor de telecomunicação e diretor do Media Interface and Network Desing
(M.I.N.D.) Laboratory – Michigan State University, coautor do livro Communication in the Age
of Virtual Reality (BIOCCA; LEVY, 1995), e a Matthew Lombard, professor-pesquisador
associado ao Department of Media Studies and Production of Scholl of Media and
Communication – Temple University (Philadelphia), para quem a sensação de presença é
alcançada quando os recursos envolvidos provêm a ilusão de que a experiência mediada é não-
mediada, conforme indicam a seguir.
Tecnologias emergentes como realidade virtual, simuladores de corrida,
videoconferência, home theater e TV de alta definição são desenvolvidas para
conferir aos usuários uma ilusão de que a experiência mediada não é
mediada, uma percepção definida aqui como presença. Mídias tradicionais
como telefone, rádio, televisão e filme, entre tantos outros, oferecem algum grau
de presença também. (LOMBARD; DITTON, 1997; grifo nosso). 4
Desse mapeamento conceitual, verifica-se que os termos telepresença e tele-
existência são aplicados com o sentido de presença remota, presença virtual e presença mediática.
Ainda que tais nomenclaturas possam ser contestadas sob a alegação de que estão coimplicadas –
afinal, todas são ―remotas‖, pois operacionalizam a sensação de estar presente a distância ou
tornam presente algo distante; todas são ―virtuais‖, já que a sensação de estar presente a distância
decorre de simulações que buscam traduzir ou criar esta sensação potencial; e são ―mediáticas‖,
pois dependentes de artefatos tecnológicos que providenciam algum tipo de comunicação entre as
partes, não necessariamente constituindo um consagrado veículo do que se convencionou chamar
de ―mídia‖ –, optou-se por mantê-las por uma questão didática. Assim, tem-se o seguinte
esquema:
4 ―A number of emerging technologies including virtual reality, simulation rides, vídeo conferencing, home theater,
and high definition television are designed to provide media users with an illusion that a mediated experience is not
mediated, a perception defined here as presence. Tradicional media such as the telephone, radio, television, film,
and many other offer a lesser degree of presence as well‖ (tradução nossa).
37
a) Telepresença ou tele-existência como presença remota: quando, por meio de
complexo sistema telerrobótico de comunicação bidirecional, o operador é capaz
de ―sentir-se‖ em outro local – o local em que está o mecanismo de captação de
impressões como temperatura, densidade e textura, além de ―ver‖ e ―ouvir‖ o que
acontece neste ambiente. Neste caso, o avatar é robótico, corporeidade maquínica
que se movimenta em cenário físico e reproduz a vontade de seu mestre;
b) Telepresença ou tele-existência como presença virtual: quando, por meio de
tecnologias imersivas, suspende-se ou minimiza-se as impressões do entorno para
que a atenção do usuário (gamer) seja inundada por dados oriundos de um mundo
sintético, gerado por computador, permitindo a ele caminhar pelo ambiente e
interagir por meio de um avatar digital com os objetos virtuais que lhe são
apresentados;
c) Telepresença ou tele-existência como presença mediática: quando, pelo uso de
meios de comunicação familiares (telefone, cinema, televisão, computador), o
sujeito experimenta a sensação de ser transportado para outro lugar que não
aquele em que está (being there) ou, ao contrário, pode sentir que algo ou alguém
foi trazido para o lugar em que se encontra (it´s here).
Intersecções e diferenças podem ser observadas nas definições: tanto na presença
remota quanto na presença virtual, o corpo do teleoperador ou do gamer é recoberto por
tecnologias de controle remoto e feedback sensorial; a diferença reside no fato de que o
envolvimento das mãos, dos olhos e dos ouvidos, no primeiro caso, objetiva reconstituir as
impressões sensórias de outro lugar, distante porém real; e, no segundo caso, tais impressões são
simuladas para criar um efeito de realidade para os mundos sintéticos. O esforço de imersão, em
ambas, é grande, mas pode-se dizer que, no segundo caso, as tecnologias operam no sentido de
isolar o gamer do local em que está para melhor engajar seus sentidos e sua imaginação no
mundo virtual. Por outro lado, as tecnologias que facultam presença mediática são mais sutis,
menos invasivas, o que requer esforço adicional, por parte do ouvinte ou do telespectador, para
que o envolvimento ocorra. As mídias familiares podem colocar seus usuários em contato, ao
vivo, com realidades remotas, ou levá-los a experimentar contextos fantásticos e obras ficcionais
como se fossem reais – vários sucessos cinematográficos dão testemunho disso. Obviamente, a
experiência pode ser ampliada ou intensificada quando ocorre em ambientes melhor equipados;
38
mas, mesmo nas salas de televisão com home theater e tela grande de alta definição ou nas salas
de cinema com tecnologia 3D e 4D a experiência não é tão visceral quanto na presença remota ou
virtual – o que não implica ser menos significativa ou envolvente. Em todas essas experiências,
verifica-se o uso das tecnologias empregadas como forma de transporte, canais que alongam o
alcance da percepção, projetando a sensação de ―estar lá‖, e/ou trazem para perto aquilo que está
longe, comunicando estímulos imagéticos e sonoros.
Isso posto, advoga-se que o efeito de presença/existência que se obtém com a
utilização cotidiana de dispositivos tecnológicos que providenciam conexão às redes
computacionais de telecomunicação em tempo real exige uma nova definição. Sem dúvida,
constitui um desdobramento refinado das tecnologias de presença mediática que são capazes,
segundo Lombard e Ditton (1997), de produzir o que esses autores chamaram de ―we are
together‖ – a sensação de presença em um ambiente virtual compartilhado que não se traduz nem
como ―aqui‖, nem como ―lá‖. Acredita-se, entretanto, que a experiência propiciada pela
participação em um espaço ciber, nulodimensional5, em que se projeta a si mesmo como
imagem-técnica para encontrar o outro em tempo real, seja bastante diferente das experiências
mediáticas relacionadas a ouvir radionovelas, assistir a filmes ou jogar videogames,
principalmente pelo fato de que, nesta modalidade, é possível espectralizar a própria existência6
no momento mesmo em que ela ocorre e, de forma ainda mais radical, condicionar-se a ―viver‖
nas redes e plataformas ciberespaciais. Por tais razões, optou-se por designar o recorte objetal
desta pesquisa como tele-existência cibermediática.
Cumpre salientar, ainda, que as diversas experiências de presença propiciadas pelas
tecnologias e pelo aparato mediático de comunicação, ainda que definidas precariamente como
remota, virtual, mediática e cibermediática, podem ser consideradas e tensionadas a partir de
outra perspectiva. Dentre os estudos empreendidos por filósofos, psicólogos, teóricos da
comunicação, cientistas da computação, engenheiros, artistas e pesquisadores das ciências
cognitivas, Lombard e Ditton (1997) identificaram seis definições de presença que se inter-
relacionam: (1) presença como rica experiência social, quando o ambiente comunicativo gerado
pelos media é percebido como caloroso, pessoal, intimista e imediato; (2) presença como
realismo, o que envolve a capacidade do media de reproduzir, de forma plausível, pessoas,
5 Veja-se o Capítulo 1 da Parte II – A nulodimensionalidade ciberespacial.
6 Veja-se o Capítulo 2 da Parte II – A espectralização da existência.
39
objetos e eventos reais (social realism) ou fictícios (perceptual realism); (3) presença como
transporte, quando o usuário sente-se em outro lugar, seja um ambiente remoto, um ambiente
virtual ou a cena de um filme – ―You are there”, ou sente que algo se tornou presente em seu
ambiente graças ao médium – “It is here”, ou que acessa um ambiente virtual compartilhado que
não se situa nem ―aqui‖, nem ―lá‖ – ―We are together‖; (4) presença como imersão em mundos
virtuais; (5) presença da entidade mediática como ator social, relativa à sensação, a despeito da
comunicação ser unilateral, de que se pode interagir com a aparição na televisão ou o ator virtual
no computador; (6) presença do meio como ator social, em que o hardware (televisão,
computador) é tratado como se fosse uma entidade sensível e/ou inteligente com o qual se pode
interagir. Após identificar essas seis categorias, os autores destacam que há uma ideia central
compartilhada por todas: a conceituação de presença como ilusão perceptual de não-mediação.
Com base nessa sistematização dos estudos sobre presença, percebe-se que a ideia de
telepresença como transporte, recorrente nas experiências de presença remota, virtual e
mediática, é apenas uma das possibilidades de compreensão do fenômeno. Além disso, o sentido
de ―estar lá‖ não se restringe às tecnologias de imersão em ambientes virtuais ou extensão da
percepção para lugares remotos7: desde as narrativas da tradição oral, verifica-se a possibilidade
de ―transportar‖ alguém para o tempo e o espaço em que os eventos narrados ocorrem (GERRIG,
1993; BIOCCA; LEVY, 1995), o que envolve o engajamento da imaginação. Mais recentemente,
telefone, cinema, televisão e virtual tours também propiciam, ainda que em graus diferentes, a
sensação de ―estar lá‖, evocando respostas que permitem pensar a telepresença como uma forma
de out-of-the-body experience (RHEINGOLD, 1991, p. 256), com pontos de partida do entorno
físico – ―não estar aqui‖ – e chegada ao ambiente mediático – ―estar lá‖. Para Kim e Biocca
(1997), em artigo que reflete sobre telepresença e televisão, a sensação de estar lá (chegada) pode
não ser tão significativa quanto a sensação de partida, mas a sensação de não estar presente no
ambiente físico intensifica-se quando a percepção da mediação desaparece8.
7 No Capítulo 2 – Comunicação e mediatização da presença, a ideia de que a imagem e escrita constituem
estratégias que lidam com a questão da duração da presença no tempo e sua disseminação no espaço será
devidamente apresentada, mas com base na Teoria das Mídias (PROSS, 1971) e na Semiótica da Cultura
(BAITELLO JR., 2001, 2005, 2010). 8 ―[...] the sense of „being there‟ that we call arrival may not be equivalent to or as powerful as the sense of
departure, the sense of „not being here‟ in the physical environment. It is possible that the experience of departure
occurs when the sense of mediation disappears‖ (grifo nosso).
40
Em consonância, Lombard e Ditton (1997) ressalvam que mesmo a relação com o
mundo concreto é, no mínimo, mediada pelo corpo, e a despeito de todas as possíveis
caracterizações do termo, inclusive no sentido religioso, propõem que o conceito de ―presença‖
seja compreendido como ―ilusão perceptual de não-mediação‖, expressão assim justificada:
O termo ―perceptual‖ indica que este fenômeno envolve respostas contínuas, em
tempo real, dos sistemas de processamento sensorial, cognitivo e afetivo que se
relacionam com objetos e entidades do ambiente pessoal. Uma ―ilusão de não-
mediação‖ ocorre quando a pessoa não consegue perceber ou reconhecer a
existência de um médium no ambiente comunicativo e responde como se ele não
estivesse lá. Embora, em certo sentido, todas as nossas experiências sejam
mediadas por sistemas de sensorialidade intrapessoal e perceptual, ―não-
mediado‖, aqui, é definido como experiências que não são produzidas por
tecnologia humana (observe-se que, sob essa definição, até mesmo aparelhos
auditivos e óculos são considerados mídia, colocando-se entre nosso ambiente e
nosso sistema perceptual). 9
Para Kim e Biocca (1997), ―presença‖ deve ser considerada menos uma ontologia
que um estado de consciência, uma percepção ou resposta sensorial a certos estímulos, quer
sejam não-mediados, no caso da presença em ambientes físicos, ou mediados, quando envolve
tecnologias de presença remota, imersão em ambientes virtuais ou recepção de conteúdos
cinematográficos e televisivos. Toda ―presença‖ deve ser entendida como uma construção
psicosociocultural, inclusive quando envolve o mundo imaginário dos sonhos, dos devaneios e
das alucinações. Telepresença é apenas mais uma de suas facetas – uma faceta que tem
encontrado amplo mercado.
1.2 Vende-se telepresença, experimenta-se tele-existência
O termo telepresença, diferentemente de tele-existência10
, comparece bastante
difundido em diversas áreas (indústria, treinamento militar, medicina, entretenimento, educação,
9 ―The term „perceptual‟ indicates that this phenomenon involves continuous (real time) responses of the human
sensory, cognitive, and affective processing systems to objects and entities in a person´s environment. An „illusion of
nonmediation‟ occurs when a person fails to perceive or acknowledge the existence of a medium in his/her
communication environment and responds as he/she would if the medium were not there. Although in one sense all
of our experiences are mediated by our intrapersonal sensory and perceptual systems, „nonmediated‟ here is defined
as experienced without human-made technology (note that under this definition even hearing aids and eyeglasses are
media that „come between‟ our environment and our perceptual system)‖ (tradução nossa). 10
Para o termo telepresence, o Google retorna 45.600.000 resultados, enquanto que, para o termo tele-existence, são
apenas 8.660.000. (Pesquisa realizada em 6 fev. 2013).
41
artes) e sua aplicação comercial, ainda que não seja exatamente aquela sonhada por Minsky
(1980), é oferecida há algum tempo. Anúncios sobre a prestação de serviços de telepresença para
grandes corporações pululam nas redes e apelam, invariavelmente, para a vantagem da redução
dos custos com viagens de negócio – nesse caso, a ideia de telepresença como transporte reitera-
se. Para a superação eficiente da distância geográfica, empresas oferecem plataformas
tecnológicas para a realização de teleconferências em alta resolução e projetos de instalação de
salas que proporcionam uma experiência ―realista‖ graças à projeção da imagem dos
participantes em tamanho real, ocupando pontos de ―presença‖ em uma mesa de reunião
equipada com aplicativos de colaboração que garantem interoperabilidade. Nesse sentido, não se
trata apenas de gerar a sensação de ―estar lá‖, mas de gerar um espaço compartilhado
mutuamente – o que Lombard e Ditton (1997) caracterizaram como ―We are Together‖. No
Brasil, o serviço (figura 1) está disponível desde 2007, oferecido pelos parceiros Embratel e
Cisco (SISTEMA, 2007).
Figura 1. Sistema de telepresença comercializado pela Embratel/Cisco (out. 2007).
No mercado educacional, plataformas de ensino a distância exploram recursos de
comunicação síncrona como chats e tele-conferências para possibilitar a interação em tempo real
42
entre professores-mediadores e alunos 11
. A incorporação de games, metaversos e mundos
virtuais colaborativos como o Second Life 12
instiga a experimentação de novas práticas e
vivências da telepresença em situações de e-learning, conforme inventariado por Mattar Neto
(2009, 2012). Para esse pesquisador, colaboração e encontros síncronos não precisam mais se
limitar à espacialidade das páginas web; nos ambientes virtuais em 3D, as interações são
enriquecidas por memórias espaciais geradas pelo fato do participante estar inserido, por meio de
um avatar digital, em uma sala de aula, sala de reuniões ou qualquer outro ambiente simulado,
como demonstrado na figura 2. Mattar Neto e Valente (2007) consideram que a ―vivência‖ de
aulas e discussões promovidas nesses moldes pode facilitar os processos de retenção e
aprendizagem. Ferramentas diversas possibilitam a realização de projetos colaborativos e
simulações individuais ou em grupos, além de atrelar uma atmosfera de diversão.
Figura 2. Sala de e-learning no Second Life – Curso “ABC do EaD” (2007).
A holografia, correlata ao sentido de presença em que objetos e pessoas distantes são
trazidos de outro lugar para o ambiente do usuário da mídia – “It is here” (LOMBARD;
DITTON, 1997), também tem sido experimentada como recurso telepresencial em performances
artísticas, shows e eventos. No mercado, é oferecida principalmente para a transmissão
11
Almeida (2003) lembra que a educação a distância não é um fenômeno recente. O uso de correspondências e, após,
a incorporação dos meios de comunicação audiovisuais associados a materiais impressos antecedem o
desenvolvimento de recursos multimídia e ambientes virtuais de aprendizagem associados à Internet. 12
Ambiente virtual colaborativo em que os usuários apresentam-se e relacionam-se por meio de avatares.
43
simultânea de palestras, reproduzindo em outro local a presença espectral do palestrante por meio
de áudio e imagem 3D em tempo real13
. Em 2008, a holografia foi integrada ao jornalismo
durante a cobertura das eleições presidenciais norte-americanas. A CNN utilizou 35 câmeras de
alta definição e 20 computadores para ―teleportar‖ a imagem da correspondente Jessica Yellin
(figura 3) do estúdio de Chicago para o estúdio em Nova York (CNN, 2012). A celebração à
―incrível tecnologia‖, com referência à saga Star Wars, de George Lucas, foram inevitáveis
(MOREIRA, 2008).
Figura 3. Primeira transmissão holográfica na televisão (2008).
Embora o termo telepresença esteja mais em evidência, para Tachi, diretor fundador
da Sociedade Robótica do Japão e professor no Departamento de Física da Informação e
Computação da Universidade de Tóquio, telepresença e tele-existência são conceitos com pouca
ou nenhuma diferenciação, propostos independentemente nos Estados Unidos e no Japão,
conforme segue:
O conceito de prover ao operador a sensação natural de existência a fim de
facilitar as tarefas de manipulação robótica remota hábeis foi chamado de
13
A empresa Angraksus oferece o serviço no Brasil. Veja-se http://www.telepresenca.art.br/.
44
"telepresença" por Minsky (1980) e "tele-existência" por Tachi (1980). (TACHI
et.al, 2012, p. 5440).14
Tachi dedica-se, sobretudo, ao desenvolvimento de sistemas robóticos15
, mas admite
que a imersão em ambientes de realidade virtual também pode caracterizar tele-existência. Por
essa razão, divide as experiências em duas categorias: tele-existência no mundo real, em que o
ambiente realmente existe em lugar remoto e é acessado via robô a partir do lugar em que o
teleoperador se encontra (realidade transmitida), e tele-existência em mundo virtual, que não
existe a não ser no computador – realidade sintética que simula um lugar real ou imaginário
(TACHI, 2010, p. 2-3). As duas categorias, entretanto, não excluem a possibilidade de hibridação
– tele-existência em ambientes mistos.
Tele-existência é um conceito fundamental que se refere à tecnologia em geral
que permite que um ser humano experimente uma sensação, em tempo real, de
estar num local que não seja a sua posição real e interaja com o meio remoto,
que pode ser real, virtual ou uma combinação de ambos. Ele também se refere a
um tipo avançado de sistema de teleoperação que permite que um operador
execute, com destreza, tarefas remotas, com a sensação de estar em um robô
substituto trabalhando em um ambiente remoto. Tele-existência no ambiente real
através de um ambiente virtual é também possível. (TACHI et.al, 2012, p. 5440). 16
Tachi (2010) também lembra que, de acordo com o American Heritage Dictionary,
uma das definições possíveis para ―virtual‖ é ―efeito de existência‖. Assim, por meio da realidade
virtual, seres humanos podem experienciar eventos em ambientes digitais, sintetizados por
computador, como se ―lá‖ estivessem de fato. Embora ambos os conceitos – realidade virtual e
tele-existência – expressem a mesma coisa de maneiras diferentes, Tachi observa que o primeiro
é correntemente utilizado para designar metaversos, mundos virtuais ou ambientes digitais
imersivos, enquanto tele-existência refere-se a uma espécie de concretude, corporeidade
14
―The concept of providing an operator with a natural sensation of existence in order to facilitate dexterous remote
robotic manipulation tasks was called "telepresence" by Minsky (1980) and "telexistence" by Tachi (1980)‖
(tradução nossa). 15
Dentre suas realizações científicas constam o Guide Dog Robot (cão guia para cegos) e o desenvolvimento de
sistemas avançados de interação entre humanos e robôs, com a sensação de presença em tempo real (telexistence). 16
―Telexistence is a fundamental concept that refers to the general technology that allows a human being to
experience a real-time sensation of being in a place other than his/her actual location and to interact with the remote
environment, which may be real, virtual, or a combination of both. It also refers to an advanced type of teleoperation
system that allows an operator at the controls to perform remote tasks dexterously with the feeling of being in a
surrogate robot working in a remote environment. Telexistence in the real environment through a virtual
environment is also possible‖ (tradução nossa).
45
maquínica ou robótica que permite não apenas a atuação remota sobre um ambiente físico, mas
também a sensação de ―estar lá‖.
Das pesquisas empreendidas no Tachi Laboratory at the University of Tokyo,
destacam-se os robôs de tele-existência. Em 2005, o TELExistence Surrogate Anthropomorphic
Robot - TELESAR II (figura 4) foi construído para o Aichi World Exposition. Esse sofisticado
sistema master-slave foi munido com recursos para comunicação verbal e não-verbal, além de
tecnologia de projeção retroreflexiva (RPT) que projeta, na cabeça e no tronco do robô, imagens
em tempo real do teleoperador. Assim, ―ações de comunicação-não verbal como gestos e apertos
de mão podem ser aplicadas juntamente com a comunicação verbal convencional porque um robô
de manipulação ‗mestre-escravo‘ está no lugar do ser humano‖ (TACHI et.al, 2012, p. 5440)17
. O
projeto de Mutual telexistence foi aprimorado em 2010, em versão móvel batizada de TELESAR
IV.
Figura 4. Mutual telexistence: TELESAR II (2005).
Em 2011, Tachi apresentou ao mundo o TELESAR V (figura 5). Desenvolvido para
operar na radioativa Fukushima, este robô de tele-existência é capaz de reproduzir fielmente os
movimentos humanos e retransmitir ao teleoperador, por meio de sensores, não apenas o que
―vê‖ e ―ouve‖, mas também o que ―sente‖, pois possui sensibilidade tátil na ponta dos dedos para
temperatura, pressão e textura (AVATAR, 2011). A experiência tem por objetivo fazer com que o
operador sinta seu slave robot como uma expansão de sua consciência corporal (bodily
consciousness).
17
―[…] nonverbal communnication actions such as gestures and handshakes could be performed in addition to
convencional verbal communication because a master-slave manipulation robot was used as the surrogate for a
human‖ (tradução nossa).
46
Figura 5. Hapitc telexistence: TELESAR V (2011).
Para Tachi (2010), o desenvolvimento da tele-existência tem o poder de emancipar os
seres humanos das restrições de tempo e espaço. Tal entusiasmo aproxima suas experiências do
que Di Felicce (2010, p. 78) considera como trespassing do humano, ou seja, ―uma transgressão
ontológica capaz de transpor o intransponível e de pensar o extremo e o ‗não-homem‘‖. Neste
caso, os robôs de tele-existência fazem mais que produzir um ―efeito de existência‖, mas
viabilizam uma nova forma de conceber a presença humana no mundo a partir da violação das
fronteiras hierárquicas entre orgânico e inorgânico, com imbricações, hibridações e relações
simbióticas entre ser humano e coisa ou artefato sintético que superam antigas dicotomias.18
Figura 6. TELESAR V e seu teleoperador (jun. 2011).
18
Além da superação das diferenças entre orgânico e inorgânico, da qual ciborgues e robôs constituem figuras de
síntese, outras formas de trespassing do humano são aventadas por Di Felice (2010, p. 78): humano e divino (a qual
corresponde a figura do anjo como ser ultra-humano, extensão rumo ao divino), homem e animal (do que surge a
figura do minotauro como aberração híbrida que deve ser expurgada por supremo ato heróico), vida e morte (onde
habitam figuras monstruosas como o ser ressuscitado pelo Dr. Frankenstein ou o imortal conde Drácula de Bram
Stoker).
47
Na relação redentora, entretanto, observa-se que o controle da supermáquina (slave
robot) só é possível quando o operador reveste-se de maquinismos de última geração que
sobreescrevem a realidade de seu entorno com os dados da distante realidade. De um lado, a
máquina com finos traços antropomórficos; de outro, o ser humano e sua couraça tecnológica
(figura 6). No sistema master-slave, quem é escravo de quem? Tal composição guarda a ironia
de que a prometida libertação possui novas outras correntes, hi-techs.
1.3 Tele-existência como redenção: o imaginário pós-humano
Dentre as poucas obras que versam sobre tele-existência, o livro Advances in
artificial reality and tele-existence, organizado por Liang et. al (2006), reúne mais de cem artigos
apresentados na 16th Internacional Conference on Artificial Reality and Telexistence – ICAT –
China. Os autores, em sua maior parte cientistas da computação, tratam de ecossistemas,
ambientes e realidades virtuais, sistemas colaborativos digitais, técnicas de navegação em rede,
realidade aumentada e mista, inteligência artificial, interação entre homem e robô, modelos de
percepção virtual para avatares inteligentes, simulação em tempo real, ubiquidade, computação
vestível e pervasiva. Embora o teor seja altamente descritivo, o conjunto da obra sinaliza que o
conceito de tele-existência resvala nas problemáticas inerentes à categoria semântica do pós-
humano.
Pós-humano, como lembra Santaella (2009, p. 101-120), é expressão polissêmica e
controversa frequentemente utilizada por pensadores da ciberarte e da cibercultura. Por pressagiar
―o futuro de outra espécie de corpo, nas interfaces do humano e do maquínico‖ (p. 105), contexto
em que o Manifesto Ciborgue, de Donna Haraway (1985), ficou mundialmente famoso, ora
provoca sentimentos triunfalistas, ora intensifica angústias e inquietações. Sua trama de sentidos,
que envolve palavras como ―pós-orgânico‖ e ―pós-biológico‖, aponta para a obsolescência e a
possibilidade de superação do corpo humano (SIBILIA, 2002, p. 13).
Embora, aparentemente, o super-homem nietzscheniano tenha sido a primeira
elocubração sobre a necessidade de superar, não aperfeiçoar, a espécie humana, foi o triunfo do
pensamento cibernético, durante as Conferências Macy sobre Cibernética (1943-1954), que
preparou o campo para o desenvolvimento das ideias de trans e pós-humano (RÜDIGER, 2011,
48
p. 211-216). Felinto e Santaella (2012) também sinalizam o nascimento do pós-humano na
cibernética de primeira ordem, uma vez que:
[...] a analogia proposta entre o funcionamento do orgânico e do maquínico
arrancou o humano do privilégio de sua irredutibilidade. Surgiu, assim, uma
nova maneira de pensar o humano como um sistema de processamento da
informação que apresenta similaridades com qualquer máquina dotada de certa
inteligência. (FELINTO; SANTAELLA, 2012, p. 27).
De toda forma, como lembra Rüdiger (2009, p. 85), ―desde Nietzsche, o pós-humano
inscreve-se reflexivamente na agenda intelectual da humanidade ocidental‖, o que pode ser
inferido a partir da ideia de que o homem não passa de ―uma corda estendida entre o animal e o
super-homem‖ (NIETZSCHE, 1998, p. 31) ou de assertivas como ―a humanidade não é um fim,
mas meio‖, apenas ―matéria de experimentação, um enorme excedente de fracassos, campo
arruinado‖ (ibid., p. 120).
O paradigma do pós-humano é problemático e provavelmente transitório. Mas, como
apontam Di Felice e Pireddu (2010, p. 29-30), não deixa de ser útil na medida em que recoloca,
sob diferentes perspectivas, a relação entre homem e técnica. Ao arregimentar o debate sobre a
crise do pensamento antropocêntrico e humanista, o pós-humano dilui dicotomias cada vez mais
insustentáveis como natural e artificial, natureza e cultura, material e imaterial, orgânico e
inorgânico, real e ficcional, sujeito e objeto. Tensões que, mediante a humanização da máquina, a
automatização do humano e a emergência da subjetividade-máquina, evocam paradigmas em
crise tais como corpo, identidade, vida, inteligência, consciência e realidade; no horizonte mítico
do pós-humano, simbiontes, cyborgs, robôs, androides, extensões tecnológicas e corpos híbridos
parecem inaugurar novos modos ou modelos de existência em torno dos quais paira uma
deslumbrada expectativa de redenção, antecipada, como lembra Regis (2012, p. 81-131), por
diversas narrativas ficcionais.
A despeito do caráter aparentemente delirante das fantasias que a ideia de pós-
humano inspira, Rüdiger (2011, p. 219) salienta a necessidade de reconhecer-se um coletivo
disposto ―a fazer da natureza humana objeto de experimentação‖, uma vez que se entende
―menos como sujeito do que como projétil lançado contra o humano pela ciência e tecnologia
maquinísticas‖. Assinala, com clareza, que os movimentos pós-humanistas não se limitam ao
campo da especulação futurista ou da pesquisa tecnológica de vanguarda, reverberando
―intelectualmente uma sensibilidade cultural e um projeto tecnológico que podem abalar nosso
mundo histórico rapidamente‖; e reconhece, com base na engenharia genética, na medicina
49
restauradora, na realidade virtual e na exploração de outros mundos, dentre outras façanhas
tecnológicas, que ―já está em curso um processo bastante perturbador e profundo de modificação
da condição humana‖ (ibid., p. 220). O pós-humano, como senha de acesso ao pensamento
tecnológico que subjaz proposições, pesquisas e comportamentos pretensamente universalistas,
emerge como utopia ciborgue que traduz, ao mesmo tempo que organiza e orienta, um tipo de
consciência epocal, relativa ao capitalismo tecnocrático.
Conforme escrevem crítica ou reflexivamente Langdon Wiener, Donna
Haraway, Katherine Hayles e tantos outros, cujo número agora se multiplica,
convém pensar doravante se os seres humanos não estão a ponto de se tornarem,
se não mesmo de se converterem nos organismos cibernéticos de que vez por
outra nos fala a ficção científica do século XX. (RÜDIGER, 2009, p. 91).
Esta pesquisa, atenta ao imaginário19
que a tele-existência engendra, alimenta e
mobiliza, ao passo que resulta dele, mas longe de compartilhar do mesmo entusiasmo que
caracteriza o manifesto de Minsky, as experiências de Tachi e a perspectiva ufanista de grande
parte dos teóricos do pós-humano, alinha-se à abordagem de Paul Virilio, Jean Baudrillard,
Francisco Rüdiger, Ciro Marcondes e Eugênio Trivinho para propor que se observe, criticamente,
como o uso disseminado de redes sociais digitais, metaversos e social games inscreve um novo
sentido para o conceito de tele-existência, no qual o sujeito, em seu desejo por ―apareSer‖20
,
emerge fadado a agônico desaparecimento, o que enceta o comportamento compulsivo e a
dependência tecnológica para os quais não se atenta no cotidiano. A despeito de todas as
vantagens que a propaganda tecnocrática já divulgou, cabe a insistência na perspectiva teórico-
crítica. Afinal,
19
O termo imaginário, nesta pesquisa, é utilizado no sentido de ―além multiforme e multidimensional de nossas
vidas, e no qual se banham igualmente nossas vidas. É o infinito jorro virtual que acompanha o que é atual, isto é,
singular, limitado e finito no tempo e no espaço. É a estrutura antagonista e complementar daquilo que chamamos
real, e sem a qual, sem dúvida, não haveria o real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana‖ (MORIN,
1969, p. 84). Trata-se de um ―sistema projetivo que se constituiu em um universo espectral e que permite a projeção
e a identificação mágica, religiosa ou estética‖ (ibid., p. 85). É, como lembra Machado da Silva (2012, p. 11-12), um
reservatório que ―agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o imaginado,
leituras da vida e, através de um mecanismo individual/grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e
de aspirar ao estar no mundo. O imaginário é uma distorção involuntária do vivido que se cristaliza como marca
individual ou grupal. Diferente do imaginado – projeção irreal que poderá se tornar real –, o imaginário emana do
real, estrutura-se como ideal e retorna ao real como elemento propulsor‖. E é, também, um motor, ―sonho que realiza
a realidade, uma força que impulsiona indivíduos e grupos‖, funcionando como um ―catalisador, estimulador e
estruturador dos limites das práticas‖ (ibid., p. 12). 20
O conceito, proposto e investigado desde 2007 (DAL BELLO, 2011), será tratado no Capítulo 1 da Parte III – O
imaginário hiperespetacular e a fenomenologia do apareSer.
50
[...] cumpre lembrar que se, de um lado, o progresso técnico é um dos eixos
através dos quais aprendemos a buscar alívio para nossos sofrimentos e
condições mais favoráveis de sobrevivência, por outro ele também pode se
tornar, como é fato constatado na história, uma das formas de obtermos poderio
político sobre os outros, impormos privilégios econômicos e praticarmos todo o
tipo de violência contra a natureza e nossa própria espécie. (RÜDIGER, 2011, p.
222).
Se a relação entre tele-existência e imaginário pós-humano fica evidente quando são
considerados as experiências telerrobóticas ou o desenvolvimento de mecanismos geradores de
realidade artificial, transmitida ou híbrida, o mesmo não acontece quando se apresentam os
comportamentos que caracterizam a tele-existência cibermediática. Afinal, o prefixo ―pós‖, de
certo modo, sugere a chegada de um momento que fatalmente rompe e supera o estado atual – e
embora já seja possível ser ubíquo e existir em tempo real, a distância, projetando-se nas redes
telecomunicacionais por meio de imagens-técnicas, torna-se difícil caracterizar tal experiência
como ―pós-humana‖. Isso porque, em primeiro lugar, o uso de comunicadores instantâneos e
plataformas ciberespaciais de comunicação e relacionamento não é comumente apontado como
uma experiência de tele-existência, nem percebido por seus usuários como tal. A tele-existência
cibermediática é vivida com tanta entrega e despojamento que, dada sua disseminação,
normalizou-se, tornou-se atividade diária e banal, aparentemente bastante distante dos enredos
ficcionais que balizam o imaginário pós-humano. Ainda assim, alimenta-se dele e o alimenta.
As tecnologias que sustentam a tele-existência cibermediática, aquelas que viabilizam
o tempo real (VIRILIO, 2000) e o fenômeno glocal (TRIVINHO, 2007a), também irrigam e
derivam deste imaginário particular; sob a chave do pós-humano, do ciborgue ou do híbrido, tal
imaginário, ―rede etérea e movediça de valores e de sensações partilhadas concreta ou
virtualmente‖ (MACHADO DA SILVA, 2012, p. 9), reverbera em todo aparato teletecnológico a
promessa de que distanciar-se de si mesmo, do outro e do mundo é a resposta para a superação
dos medos e a conquista para a redenção da frágil e limitada condição humana. Portanto, mesmo
que não se perceba na tele-existência cibermediática a realização integral das profecias pós-
humanistas, o entusiasmo com que tantos se lançam diariamente às redes sociais digitais e
metaversos demonstra a força invisível e poderosa desse imaginário, para o qual a superação do
humano ou, ao menos, de seus limites, é o eixo articulador de todos os seus possíveis sentidos.
51
1.4 Tele-existência cibermediática
O desenvolvimento das tecnologias do tempo real (VIRILIO 2000) e do glocal
(TRIVINHO, 2007a) introduziu no cotidiano a possibilidade de existir em tempo real, fenômeno
que se disseminou principalmente com a emergência21
de lúdicas plataformas ciberculturais de
relacionamento e projeção subjetiva, mais especificamente as redes sociais digitais ou redes
sociais na Internet (RECUERO, 2009), acomodando-se à rotina de milhares de pessoas. No
âmbito acadêmico, entretanto, a radicalidade do fenômeno tem recebido pouca atenção crítica,
razão pela qual Trivinho (2007b), em artigo seminal22
, propõe-se a compreender o que significa,
social e historicamente, existir em tempo real.
Inicialmente, deve-se levar em consideração o fato de que se trata de um fenômeno
cibercultural, derivado da penetração e da predominância da comunicação eletrônica em tempo
real e dos processos de digitalização ou virtualização da existência em todos os seus aspectos.
Cibercultura, em sua noção ampliada, é um contexto sociotecnocultural que ―abarca tanto o
arranjamento material, simbólico e imaginário contemporâneo, quanto os processos sociais
internos (estruturais e conjunturais) que lhe dão sustentação‖; é, sem dúvida, o ―estágio mais
avançado da dromocracia mediática consolidada ao longo do século XX‖, apropriadamente
denominado por Trivinho de ―dromocracia cibercultural‖ (TRIVINHO, 2007b, p. 4-7).
Correspondente ao capitalismo tardio, a natureza da cibercultura é transpolítica – está ―para além
da capacidade de administração, gerenciamento e controle por parte das instituições políticas
herdadas da modernidade‖ (Ibid., p. 7). Todas as evidências sinalizam que a cibercultura, assim
compreendida, é um advento que se põe como categoria de época, ―conceito nuclear e
articulatório que, abarcando a lógica do movimento do real, nomeia o contemporâneo‖ (ibid., p.
7). Nesse contexto, o fenômeno da existência em tempo real ―constitui o supra-sumo das
modalidades de experiência mediática possíveis e vigentes (vale dizer, de apropriação social dos
media e redes)‖ (TRIVINHO, 2007b, p. 11). Embora tenha se consolidado no âmbito da
21
Embora várias redes sociais na Internet datem da década de 1990, como Classmates.com (1995), SixDegrees
(1997) e Blogger (1999), pode-se pensar em ―emergência‖ a partir de 2006, com a popularização do MySpace (2003)
nos Estados Unidos e do Orkut (2004) nos Estados Unidos e no Brasil. Outras redes significativas podem ser
mencionadas: Linkedin (2003), Hi5 (2003), Delicious (2003), Facebook (2004), Flickr (2004), Vimeo (2004),
Youtube (2005), Twitter (2006), Tumblr (2007), Foursquare (2009), Formspring.me (2009), Instagram (2010). Cabe
lembrar que a troca de mensagens e o compartilhamento de arquivos em comunidades virtuais já eram possíveis
antes das redes sociais, por listas de e-mail, plataformas de fóruns ou comunicadores instantâneos. 22
Versão estendida do artigo consta em obra publicada em 2012 (TRIVINHO, 2012, p. 71-104).
52
comunicação de massa, conforme apresentado no Capítulo 1, é na cibercultura que assume
―silhueta social e tecnocultural mais acabada – como processo condicionado e legitimado pela
experiência coletiva e assim culturalmente sintetizado como um modo de existência” (Ibid., p. 8).
Para desenhar o conceito, Trivinho parte da noção de existência como problematizada
pela filosofia existencialista e fenomenológica23
e a relaciona com as tecnologias do tempo real
sem deixar de caracterizá-lo como um processo comunicacional. Assim, existência em tempo
real:
Nomeia o processo comunicacional pelo qual algo se põe e se expõe, isto é,
existe e se faz visível ou pode ser sentido na luz da velocidade da luz‖ e implica,
por outro lado, ―fazer-se ser no mesmo sentido (como processo, próprio do ―ser‖
como verbo, não, obviamente, como algo dado (e pronto), como ―substância‖,
por assim dizer). (TRIVINHO, 2007b, p. 9).
A operacionalização processual do fenômeno ocorre por meio do espectro
(GUILLAUME, 1989) ou do simulacro (BAUDRILLARD, 1981). Por configurar um ―modo de
exposição ou ‗transparenciação‘ do mundo, de seus entes (sujeitos e coisas), eventos e demais
processos, literalmente a partir e através dessas unidades sígnicas geradas pelos media
eletrônicos‖ (TRIVINHO, 2007b, p. 9), é possível inferir que existir em tempo real relaciona-se
intrinsecamente com a visibilidade mediática, guardando, porém, uma sutileza sui generis que
situa a experiência muito além da definição de ―existir à distância‖:
A existência em tempo real se funda, necessariamente, não na mediatização de
referentes no mundo, mas na própria conversão mediática do real numa profusão
de ‗presentantes‟ sígnicos simulacionais, capazes, como tais, de vigorarem
como realidade primeira, aparo fenomênico absoluto de referência para a relação
com o outro e com o si-próprio, com o social, com a história e com a natureza.
(Ibid., p. 10).
Nesse sentido, pensar a existência em tempo real nas plataformas ciberespaciais – ou
tele-existência cibermediática – implica compreendê-la como narrativa cotidiana que brinca com
as possibilidades de ser e não-ser na superfície agônica do efêmero, sob o auspício das
tecnologias de glocalização. A aura leve e lúdica 24
das projeções subjetivas, ao recobrir a
23
Trivinho (2007b, p. 8-9) toma a noção de existência concebida no exercício de reflexão realizado por pensadores
como Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty e Marcuse sobre ―o que significa algo, ou melhor, a existência de algo (seja
ele o que for), para a percepção e para o pensamento ou, antes, (a indagação sobre) por qual razão existe algo antes
de haver nada (ou por que, antes de haver nada, há a ‗coisa‘)‖. Nesse sentido, toda existência pressupõe percepção de
uma presença, algo que é-sendo, constância. 24
Essa relação, observada a partir das categorias de mimicry e agon (CAILLOIS, 1990), bem como a caracterização
do uso das plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva como ―passatempo‖, serão apresentadas
53
acirrada disputa por atenção e visibilidade, nubla a percepção da compulsividade inerente à tarefa
de tele-existir e como esse comportamento, ao contrário de celebrar a existência por meio de
sucessivos registros, consome-a. Dentro de tal dinâmica, delinear o conceito de tele-existência
cibermediática exige que seja caracterizada como glocal25
e hiperespetacular26
, o que será
providenciado ao longo desta obra.
O contraste entre as experiências de telepresença e tele-existência, mapeadas no
início deste Capítulo, e o que se designa por tele-existência cibermediática pode ser proveitoso
para melhor caracterizar ou precisar o recorte que foi estudado ao longo da pesquisa. Com
relação às experiências de presença remota ou virtual, pode-se dizer que o tipo cibermediático é
mais sutil. Exatamente porque não têm por objetivo provocar o efeito de existência viabilizado
pelo complexo tecnológico de realidade transmitida ou realidade virtual, os aparatos que provém
acesso às redes sociais são mais simples. No lugar do ―espetaculoso‖ teleoperador do robô
TELESAR V, com todos os seus apetrechos maquínicos, o usuário comum das redes sociais
incorporou os gadgets, cada vez menores, mais finos, leves e móveis. São trazidos junto ao corpo
e acessados com agilidade. A distinção entre off-line – e todo o ritual de preparação para uso do
slave robot ou entrada na virtual cave – e online torna-se cada vez mais imprecisa; o usuário das
redes sociais acede com docilidade ao imperativo estado always on – termo utilizado por
Kerckhove (2010, p. 157) para expressar a hipótese de que, no contexto das tecnologias da
eletricidade analógica e digital que estendem o corpo e amplificam os processos mentais,
considerados os ambientes wireless que providenciam acesso irrestrito, permanente e ubíquo às
extensões e ambientes tecnológicos, a mente humana esteja ―sempre ligada e conectada à grande
rede‖. Manter-se always on significa que a dicotomia aqui e lá, em que há um ponto de partida
(not being here) e um ponto de chegada (being there) bem delineados no ato de plugar-se a um
robô, a um ambiente simulado ou mesmo ao elevar o nível de atenção e envolvimento durante o
consumo de produtos mediáticos como filmes ou novelas, está doravante superada pelo híbrido e
paradoxal estado de estar aqui e lá ao mesmo tempo – o glocal.
Além disso, no lugar do avatar robótico das experiências de Tachi, está um
arranjamento dinâmico de dados pessoais que configura uma espécie de organicidade-aparente ou
no Capítulo 2 da Parte III – A dinâmica agonística dos jogos de performance cibermediática. Acerca da disputa por
visibilidade que caracteriza os ambientes de sociabilidade espectral, veja-se Trivinho (2010). 25
O que é providenciado com a devida profundidade no Capítulo 3 da Parte II – Tele-existência glocal. 26
A caracterização da tele-existência cibermediática como hiperespetacular na Parte III – Dissolução
hiperespetacular: jogos de (in)visibilidade e agonia.
54
duplo espectral, corporeidade sígnica que é equivalente à corporeidade nulodimensional,
categoria de Flusser retomada por Baitello Jr. ao tratar da abstração do corpo ou sua
transformação:
[...] em um ponto, em um número, em uma fórmula abstrata qualquer que
considere apenas um aspecto de nosso existir. [...] E, como número, como pura
quantificação, este corpo passou a ser nulodimensional, não ocupando mais
nenhum espaço que não seja o espaço virtual do não-espaço‖ (BAITELLO JR.,
2005, p. 66).
Trata-se de intermitente identidade-perfil que alcança, na tele-existência
cibermediática, o status de perfil-sujeito sempre que deixa de apresentá-lo ou representá-lo para
ser presentação, aparição-presença fantasmagórica que se expõe em ambientes de alta
visibilidade, compartilhados com outros igualmente convertidos em imagem-técnica. Conforme
Trivinho (2007b, p. 10):
No caso de existir em tempo real, que, como ato processual, envolve,
particularmente, o modo mediático pelo qual, por exemplo, um sujeito se põe na
e através da rede, o processo remete à qualidade dinâmica de ser unicamente
quando como espectro representativo-simulacional do referente (o próprio
sujeito) assim ‗presentado‘ em tempo real – estatuto de ser que somente assim
pode subsistir, ao mesmo tempo em que somente assim o sujeito consegue se
constituir, isto é, como ser, em correspondência ao que, em regra, requer o
tempo real como ditame de época.
Tal definição escapa à concepção tecnicista: tele-existência é menos o resultado
determinado pelo uso de tecnologias de transporte que estimulam a percepção de presença do
teleoperador em um ambiente remoto ou simulado que um processo comunicacional em que
existir equipara-se a ser/estar visível para o outro no momento mesmo em que vive (apresentado,
nesta pesquisa, como ―apareSer‖). A experiência encerra ―o significado ontológico e
tecnocultural do que é ‗viver‘ no e como espectro, através e a partir dele‖ (ibid., p. 10).
Além de configurar evidência inconteste do império das tecnologias do imaginário
(MACHADO DA SILVA, 2012) e ensejar uma reflexão crítica sobre o estatuto do sujeito na
dimensão hiperespetacular do glocal, o fenômeno, como significativa experiência sociocultural, é
expressão de época que pode revelar muito sobre a ―civilização mediática avançada‖ vigente – ou
―dromocracia cibercultural‖ (TRIVINHO, 2007), razão pela qual elegeu-se tal objeto. Não
obstante, concorda-se com Trivinho (2007b, p. 3) sobre a premência de compreendê-lo.
Prescindir de apreender esse fenômeno – num tempo em que ele se encontra
banalizado pela absorção das redes digitais no cotidiano –, mais que implicar
renúncia à elaboração reflexiva da lógica da vida humana em condições
55
mediáticas avançadas, põe em risco o próprio fundamento do empreendimento
teórico sobre o processo civilizatório atual.
Nesse sentido, a tele-existência que se deseja investigar não se limita à criação e
manutenção de diários públicos ou à construção de avatares, perfis e identidades virtuais como
interfaces interativas de comunicação e relacionamento, embora envolva esses aspectos; antes,
diz respeito ao quanto grande parte do tempo de existência deixou de ser vivido para ser
publicizado no momento mesmo em que ocorre, pois praticamente já não há distância ou
diferença entre a ocorrência do evento e sua divulgação. Submetida ao valor da visibilidade, a
existência converte-se em tele-existência – é existência em tempo real, experiência de
imediatismo gerada pelo justo acoplamento da vida às plataformas cibermediáticas, ética-estética
reality show em uma sociedade confessional.
A produção ininterrupta de informações sobre si, pautada pelo ritmo do gerúndio –
No que você está pensando? (Facebook); O que está acontecendo? (Twitter) –, parece atender à
necessidade de legitimar recorrentemente a existência nos tempos e espaços ciberculturais de alta
visibilidade, conforme exemplifica a figura 7; mas, sob o assédio da interatividade que requer
conexão contínua, devoção desdobrada e devolutiva veloz, a indexação da existência em tempo
real tem, ao contrário, um caráter devorador, já que invisibilidade corresponde à inexistência e
toda manifestação nas redes torna-se rapidamente obsoleta.
Figura 7. Exemplo de postagem no ritmo do gerúndio - Facebook (21 fev. 2013).
Este caráter devorador que, na Tese, é apresentado como a intrínseca dissolução de
tudo o que é projetado para tele-existir, denota a instabilidade desta solução tecnológica para os
medos ancestrais que assombram e assolam a humanidade: a inexistência e a insignificância ou,
em outros termos, a morte, a solidão, o não-reconhecimento. Por essa razão, ousa propor que os
56
artifícios de comunicação, dentre os quais a existência em tempo real, ou tele-existência
cibermediática, sejam pensados como estratégias de resistência, superação e redenção cujo
desenvolvimento, ao longo do tempo histórico, aporta e aposta, interessantemente, no que Flusser
(2008) irá chamar de nulodimensionalidade – o cúmulo da abstração e do distanciamento
alcançado pelas tecnologias do tele.
57
CAPÍTULO 2 – Comunicação, presença e ausência
Em oposição às concepções tecnicistas, propõe-se pensar a dimensão antropológica
dos termos telepresença e tele-existência a partir da consideração do significado do prefixo grego
tele, que indica distância, afastamento. A rigor, pode-se dizer que todo aquele que está distante,
mas consegue fazer-se presente seja por carta, telefone ou e-mail, torna-se, de certo modo,
presente a distância; também é indiferente se a distância suprimida é acidental ou substancial
(WOLFF, 2005): mostrar a fotografia do filho que, naquele momento, está na escola (ausência
acidental – distância geográfica) ou do avô já falecido (ausência substancial – distância temporal)
produz um efeito de presença na percepção do outro, para o qual aquele que está ausente passa a
existir. Em que pese o sentido etimológico do prefixo tele, é preciso esclarecer que os termos
telepresença e tele-existência são recentes e estão vinculados às tecnologias de comunicação
eletro-mecânicas, eletrônicas e digitais. Por essa razão, para os casos em que a subjetividade
ausente torna-se presente por mídia que não opere em tempo real, será adotada a expressão
―presença do ausente‖. O que se deseja frisar, de toda forma, é que a articulação entre
comunicação, presença e ausência não constitui uma novidade. Se é possível sugerir que as
tecnologias do tele são estratégias humanas para lidar com seus anseios, faz-se necessário dizer
que, antes delas, já estavam em operação outras formas de comunicação para a superação dos
limites espaço-temporais. No fundo, concorda-se com Flusser, para quem:
A comunicação humana é um artifício cuja intenção é nos fazer esquecer a
brutal falta de sentido de uma vida condenada à morte. [...] Sem dúvida não é
possível viver com esse conhecimento da solidão fundamental e sem sentido. A
comunicação humana tece o véu do mundo codificado, o véu da arte, da ciência,
da filosofia e da religião, ao redor de nós, e o tece com pontos cada vez mais
apertados, para que esqueçamos nossa própria solidão e nossa morte, e também a
morte daqueles que amamos. (FLUSSER, 2007, p. 90-91).
Isso posto, investigar os medos e as promessas que o tele das tele-tecnologias de
comunicação arregimenta implica reconhecer o ancestral desejo de superação dos limites
humanos em relação ao tempo, ao espaço e ao próprio corpo. Telepresença e tele-existência
constituem o ápice de uma ―escalada abstracional‖ (FLUSSER, 2008) cujos fundamentos
remontam à fixação da mensagem em suportes físicos, conferindo-lhe durabilidade no tempo e
transportabilidade no espaço ao apartar do sujeito sua manifestação e alongar a extensão de seu
ato comunicativo. Nesse sentido, as categorias da Teoria da Mídia (PROSS, 1971), retomadas
58
recorrentemente nos estudos de Baitello Jr. (2001, 2005, 2010) sobre Semiótica da Cultura,
podem ser bastante elucidativas sobre a relação entre comunicação, presença e ausência.
2.1 Mídia como re-existência
Diferentemente do que ocorre na comunicação presencial, que tem no corpo seu
principal veículo e requer o compartilhamento do mesmo tempo e espaço1 por emissor e receptor,
artefatos como pedra, argila, madeira, pele de animal, cerâmica, tecido, pergaminho, papel
possibilitam a permanência dos sinais de presença humana, a depender exclusivamente da
conservação dos media. Na Teoria da Mídia, tais suportes são tratados como mídias secundárias
que abrigam os vestígios deixados pelo corpo, mídia primária por excelência. Conforme explica
Baitello Jr. (2010, p. 62):
Na comunicação por meios secundários, os corpos deixam marcas sobre outros
suportes, extracorporais, sendo estes suportes os portadores de mensagens até
outros corpos, que então podem estar distantes uns dos outros, separados por
milhas e milhas ou por séculos e séculos. Estas marcas, no princípio muito
simples, vão se transformando em sistemas complexos de sinais, desde
pictogramas a ideogramas ou alfabetos, criando diversas formas de escritas.
Desde a composição de imagens e a invenção da escrita, que nasce como inscrição2 e
guarda ancestral relação com a imagem3, até o desenvolvimento das artes gráficas, da indústria da
impressão e da fotografia, estão em cheque a amplificação e a conservação da presença, o registro
do fugaz. Eis que a mídia secundária confere ao ser humano uma possibilidade de escape, ainda
que imaginário e/ou ilusório, de sua infeliz e fatal condição de mortalidade e impermanência.
Observa-se que toda tecnologia de comunicação é, antes, uma tecnologia de criação e
aperfeiçoamento dos suportes, instituindo condições para que a comunicação humana suporte a
devoração do tempo e sublime as dores do espaço4. Tal drama de superação da mortalidade do
1 Veja-se o Tópico 2.2.1 do Capítulo 2 – Comunicação e presença – o corpo como mídia primária.
2 Acerca dessa afirmação, o levantamento etimológico feito por Flusser (2010, p. 25) pode ser bastante esclarecedor:
―‗Escrever‘ origina-se do latim ‗scribere‟, que significa ‗riscar‘ (ritzen). E a palavra grega ‗graphein‘ significa
‗gravar‘ (graben). Portanto, escrever era originalmente um gesto de fazer uma incisão sobre um objeto, para o qual
se usava uma ferramenta cuneiforme (um ‗estilo‘). Certamente não se escreve mais assim. Hoje, ao escrever, usa-se
normalmente tinta sobre uma superfície. Não há mais inscrições, ao contrário, escreve-se por meio de sobrescrição.
Escreve-se hoje sem estilo‖. 3 Conforme Baitello Jr. (2005, p. 35): ―A imagem é uma forma de escrita. Isso não se questiona, porque a escrita
nasceu da simplificação dos registros iconográficos, dos desenhos e das pinturas. A relação entre as duas é
indissolúvel porque ambas pertencem ao universo da visualidade‖. 4 Inspirado na frase-emblema de Flusser: ―Espaço, aqui estão as minhas dores‖ (BAITELLO JR., 2010, p. 101).
59
corpo por meio da pretensa imortalidade da mídia explicaria, ao menos em parte, a importância e
o encantamento que os meios de comunicação exercem ao longo do tempo. Afinal, na medida em
que torna presente para o receptor o ausente emissor, a mídia secundária trata de fazer reexistir –
ou seja, novamente existente, ao menos na dimensão imaginária, mas, nem por isso, com menor
efeito de presença, o ausente. Em essência, a mídia secundária é um incrível urro de resistência
contra a inexistência, desejo de permanecer existente mesmo após a morte concreta, na lembrança
dos contemporâneos e, para além dela, na própria história da humanidade, graças à durabilidade
dos suportes em que se inscreveu, deixando parte de si. Conforme Pross (1971, p. 126 apud
SANTOS, 2009, p. 14):
Desde os tempos mais remotos o homem ambicionava propagar seu catálogo de
significados para além dos limites de seu grupo primário, ou seja, de sua família,
bando, clã, tribo ou vizinhança. O homem demonstra um impulso irresistível de
se comunicar além do espaço e do tempo, buscando transmitir o seu nome
através de sinais de som, imagem e escrita.
A comunicação em tempo real, entretanto, só se tornou possível com o advento da
eletricidade e a invenção de suportes típicos da mídia terciária, capazes de comunicação
instantânea como o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão e, mais recentemente, o computador
e outros dispositivos tecnológicosde operação em rede. Neste caso, a manifestação subjetiva, para
vencer o espaço entre emissor e receptor requer dispositivos de produção, transmissão,
veiculação, conexão, recepção e decodificação que conformam complexos aparatos, processos e
sistemas comunicativos.
Na espectralidade típica de cada suporte da mídia terciária, surgem formas
radicalmente novas de registrar, conservar, irradiar, distribuir e manifestar a presença humana, ou
melhor, os efeitos dessa presença. Ao diminuir as distâncias até quase anulá-las, o tempo real da
dimensão comunicacional torna possível a tele-audição, a televisão, a telepresença e a
ubiquidade. Doravante, os limites do tempo, do espaço e do corpo são superados em prol de uma
manifestação subjetiva espectral e especular que é da ordem do espetáculo, na cultura de massa, e
do hiperespetáculo, na cibercultura, como será oportunamente aprofundado5.
Interrogar o tele a partir da Teoria da Mídia permite que se perceba que tanto a mídia
secundária quanto a mídia terciária lidam com o medo da inexistência (morte concreta e
esquecimento) e da insignificância (morte simbólica e invisibilidade). Entretanto, a mídia
5 Veja-se Tópico 1.2 do Capítulo 1 da Parte III – Do espetáculo ao hiperespetáculo.
60
secundária prima pela conservação e reprodução da presença – seus suportes facultam re-
existência e exalam uma preocupação com a permanência (produção voltada para o futuro;
recepção respeitosa do passado). A mídia terciária, para lidar com a insignificância, faz mais que
multiplicar a presença – seus suportes facultam onipresença e tele-existência, veiculação
amplificada que brinda ao instante, ao momento, ao agora, radical conversão de produção e
recepção sobre o tempo presente, a despeito do espaço.
2.2 Rumo à espectralidade
É interessante notar que, na passagem da comunicação presencial (mídia primária)
para a comunicação não-presencial (mídia secundária), e desta para a comunicação presencial à
distância (mídia terciária6), há uma escalada sutil rumo à abstração (FLUSSER, 2008), à
espectralidade, ao mundo dos simulacros e das imagens fantasmagóricas – destino contrário ao
desejo primordial de imortalidade. Como lembra Contrera (2002, p. 54), trata-se de uma fuga da
mortalidade, da finitude humana: ―Na carne, morremos. Na imagem, somos, instantaneamente,
ilusoriamente eternos‖.
Tabela 1. Comunicação presencial e comunicação mediatizada
1. Comunicação presencial
2. Comunicação mediatizada
2.1 Não-presencial 2.2 Presencial a distância Correspondência com a Teoria da
Mídia (Pross)
Mídia primária (corpo como suporte).
Mídia secundária (suportes físicos).
Mídia terciária (suportes elétricos, eletrônicos e digitais).
Graus de abstração (Flusser)
Multissensorialidade (mundo da profundidade, das circunstâncias e dos volumes manipuláveis).
Bidimensionalidade da imagem (mundo das superfícies, da imaginação e do pensamento mágico). Unidimensionalidade da escrita (mundo das linhas, da conceituação e do processo).
Zero ou nulodimensionalidade (jogo de mosaicos, mundo do cálculo e das imagens-técnicas).
Relação tempo-espaço
Tempo e espaço compartilhados por emissor e receptor (equivalência).
A mensagem, apartada do emissor, sobrevive ao tempo e desloca-se no espaço, alcançando outras audiências.
Com a anulação do espaço, emissor e receptor voltam a compartilhar o mesmo tempo (comunicação ao vivo ou em tempo real).
Relação presença-existência
A presença e a existência (ente) são coincidentes no ato comunicativo.
A presença evocada pelo suporte comparece apartada do ente (ausente). O ato comunicativo prescinde da presença do emissor – é não-presencial.
A manifestação subjetiva a distância faz voltar a coincidir presença e existência. Prescinde da presença dos corpos no mesmo espaço, mas não no mesmo tempo.
Conceito Presença Presença-ausência Telepresença
6 Cumpre alertar que a mídia terciária também provê comunicação não-presencial, mas sua diferença, em relação à
mídia secundária, está em inaugurar a comunicação mediatizada presencial a distância.
61
A distinção entre comunicação presencial imediata e comunicação mediatizada
(tabela 1), tomando por base a articulação das categorias da Teoria da Mídia [Pross (1971 apud
BAITELLO JR., 2001, p. 231-238)] em relação à temporalidade e à espacialidade, e também o
modelo fenomenológico da história da cultura proposto por Flusser (2008, p. 17-18), composto
por quatro estágios não lineares que indicam alienação ou afastamento do ser humano do mundo
concreto, permitem que sejam delineados e contrastados os conceitos de presença, presença-
ausência e telepresença. Essas relações serão demonstradas nos próximos tópicos.
2.2.1 Comunicação e presença – o corpo como mídia
Só há presença verdadeira no mundo – no mundo que é próprio da experiência
sensível – pela intermediação do ego-centramento de um presente-vivo, ou seja,
através da existência de um corpo próprio vivendo aqui e agora. (VIRILIO,
1993, p. 104).
A comunicação presencial tem no corpo sua mídia primária e requer que emissor e
receptor compartilhem o mesmo tempo e espaço. Para Baitello Jr. (2010, p. 62), esta é a principal
característica da mídia primária, razão pela qual pode ser chamada de presencial. Deve-se
observar, no desdobramento dessa constatação, que a mídia primária relaciona-se a todas as
formas de mediação produzidas a partir do corpo – recurso biológico do indivíduo. Pensar o
corpo como meio de comunicação elementar envolve considerar que postura, gestualidade,
formas de olhar e expressões faciais, odores, sons articulados, inarticulados e oralidade
(linguagem verbal) expressam significados mais ou menos padronizados, sem os quais não seria
possível a socialização dos grupos humanos primevos e o desenvolvimento das culturas –
destarte, a interpretação da comunicação na mídia primária envolve a compreensão ou retomada
do contexto de enunciação (momento, lugar e cultura compartilhados).
Para Pross (1971, p. 129 apud SANTOS, 2009, p. 10-11), o corpo expressa,
consciente ou inconscientemente, o estado de espírito do indivíduo, e essa comunicação produz
uma impressão no outro, que pode reagir à informação recebida também de forma consciente ou
inconsciente. Além disso, a qualidade da comunicação dependerá, em parte, dos conhecimentos e
habilidades presentes nos envolvidos no ato comunicativo:
O emissor deve dominar a gestualidade e a mímica, e o receptor deve entender
os movimentos figurativos realizados pelos grupos de gestos, compreendendo
assim a mensagem. O mensageiro deve saber correr, cavalgar ou dirigir para
62
garantir a transmissão da sua mensagem. (PROSS, 1971, p. 127 apud. SANTOS,
2009, p. 10).
A mídia primária opera de forma imediata, sem mediação de outros recursos ou
aparatos mediáticos que não o corpo físico. E, conforme lembra Pross (1971, p. 128 apud.
SANTOS, 2009, p. 9), é na mídia primária, ou seja, no corpo, que toda comunicação humana
começa e termina. Sobre essa questão, Baitello Jr. (2010, p. 62-63) observa que há
cumulatividade – a mídia terciária contém a secundária e a primária, por exemplo, mas ―isto não
significa que a comunicação presencial seja a mais simples ou a mais fácil, e também não quer
dizer que a comunicação terciária seja mais complexa por requerer maior número de etapas de
mediações‖.
Outro aspecto fundamental relativo à mídia primária é que, pelo fato de emissor e
receptor compartilharem o mesmo tempo e o mesmo espaço, o processo comunicativo dota-se de
complexidade multissensorial. Trata-se do autêntico mundo do tato, do olfato e do paladar,
sentidos que concorrem para a instituição de vínculos afetivos com a localidade e com o outro,
sentidos de proximidade (cf. BAITELLO JR., 2005, p. 38). No hit ec nunc, o ato comunicativo é
ponte que se lança sobre o abismo presencial que margeia cada um, manifestação subjetiva
desejosa de intersubjetividade. Nos primórdios, o nascimento da linguagem e o florescimento da
cultura da oralidade entrelaçam-se silenciosamente com o desenvolvimento da comunicação e a
instituição das comunidades.
No âmbito da comunicação imediata, a presença do ente que se expressa e a presença
daquele para quem se expressa não estão dissociadas da efetiva existência de ambos no mundo
físico, concreto. Assim, tudo o que exala do ser vivo, de forma consciente ou não, é mensagem;
comunicação é sinônimo de vida e somente aquele que não vive mais é incapaz de qualquer
expressão. O reconhecimento do corpo como mídia que possibilita a manifestação da
subjetividade encarnada requer que se eleve ao status de ato comunicativo gestos tão primordiais
quanto respirar. Afinal, o corpo, com seu potencial e suas limitações, suas inscrições culturais e
seu imaginário, configura mediação primordial entre sujeito e entorno. É agente de codificação e
decodificação, consciente e inconscientemente, criando realidades. A referência a que se faz ao
designar tal comunicação como imediata não é, portanto, no sentido de ausência de
intermediação, mas ausência de intervalo de tempo para transmissão da comunicação –
característico da comunicação mediatizada não-presencial. Em consonância com as proposições
de Pross, Baitello Jr. (2010, p. 105) chama atenção para a necessidade de se problematizar a
63
questão do corpo nos estudos relativos à mídia secundária e terciária na medida em que constitui
o ponto de partida e de chegada de toda comunicação, mesmo aquela que se efetua pela via do
não-presencial, o que ―põe em xeque o próprio conceito de comunicação como simples conexão‖.
A dimensão presencial, portanto, pertence ao corpo, tem profundidade, constitui o
campo da manipulação dos volumes e da transformação do mundo em circunstância. Para Flusser
(2008, p. 18), ―a manipulação é o gesto primordial; graças a ele o homem abstrai o tempo do
mundo concreto e transforma a si próprio em ente abstraidor, isto é, em homem propriamente
dito‖.
Na categoria da comunicação presencial, ―presença‖ traduz-se por subjetividade-
corpo manifestante no aqui-agora. É imediata, requer contiguidade entre emissor e receptor, não
admite intervalos ou interrupções temporais no processo de comunicação, tal como é
característico da comunicação mediatizada não-presencial. O imediatismo das comunicações
instantâneas possíveis na mídia terciária é ilusório: ao dispensar a profundidade e a plenitude do
espaço, não proporciona ―presença‖ efetiva, apenas efeito de presença ou telepresença.
2.2.2 Comunicação e presença-ausência – a importância dos suportes
Diferentemente da comunicação presencial, cujo suporte é o corpo, o uso de
representantes mediáticos leva para longe do emissor sua mensagem – e a distância a ser vencida
pode ser a do território, tornando presente em uma localidade aquele que está longe, em outro
lugar; e também a distância no tempo, tornando presente para gerações futuras aquele que
efetivamente existiu e testemunhou uma época passada. Assim, pode-se dizer que a comunicação
não-presencial, aquela possível graças à inscrição da manifestação subjetiva em um suporte físico
qualquer (pedra, cerâmica, papiro, couro, tecido, papel, fotografia), funda com a mediatização da
presença o paradoxo da presença-ausência, o que implica radical rompimento com os limites do
corpo em relação ao tempo e ao espaço.
[...] com a mídia secundária inauguram-se a permanência e a sobrevida
simbólicas após a presença do corpo. Com a escrita e seus precursores (as
imagens gravadas sobre suportes duráveis) impõe-se o homem sobre a morte e
seu tempo irreversível, vencendo simbolicamente seu maior e mais poderoso
adversário. O grande trunfo da escrita não é, portanto, a velocidade, mas a
lentidão que permite cifrar e decifrar enigmas. O tempo lento da escrita e da
leitura permite alongar a percepção do tempo de vida. (BAITELLO JR., 2001, p.
235).
64
A comunicação não-presencial possibilitada pela mídia secundária é aquela que, ao
apartar a mensagem do emissor, confere-lhe longevidade (vitória sobre o tempo) e alcance de
novos horizontes (vitória sobre o espaço), ou seja, as capacidades de permanecer no tempo e de
se deslocar no espaço. Mas, há que se frisar que esse desgarramento é absoluto: a mensagem, na
independência forjada pelos suportes físicos da mídia secundária, sobrevive e circula a despeito
da consciência, da presença ou da existência daquele que foi seu autor. Exige do receptor, quanto
mais afastado no tempo e no espaço encontra-se ele do emissor, mais cuidado no processo de
decifração, com a recuperação de contextos e a verificação de informações; abre-lhe também a
possibilidade de rever, reler, contemplar; acessar a memória física (registro imagético ou
simbólico) para resgatar a presença e conviver, durante a contemplação ou a leitura, com aquele
que se torna novamente presente graças ao duradouro registro.
Cabe salientar que, se à mídia primária corresponde o mundo multissensorial e a
oralidade, a mídia secundária torna preponderante o visual. A comunicação, na mídia primária, se
faz graças à presença do corpo. Na mídia secundária, a presença do corpo deixa sobre os suportes
seus vestígios para, então, ser abolida, tornada desnecessária na medida em que se atribui a outros
corpos, mediáticos, a responsabilidade de representá-la, levá-la adiante no tempo e no espaço.
Imagem e escrita irmanam-se no campo da visualidade. Isso significa que a imagem,
como inscrição, é um tipo de escrita e a escrita, nascida nos pictogramas, um tipo simplificado de
imagem (BAITELLO JR., 2005). Embora relacionadas à categoria da mídia secundária – imagens
e textos necessitam de suportes físicos para existirem –, o surgimento da escrita marca o
surgimento do homem histórico (FLUSSER, 2008, p. 16-17). O processo de abstração segue sua
escalada na passagem da circunstância palpável para a cena imaginada, da tridimensionalidade
dos volumes para a bidimensionalidade das imagens e desta para os textos que alinhavam as
cenas para poder contá-las – terceiro gesto abstraidor, que extrai das imagens a largura e funda a
capacidade de conceituação, de organizar em linhas os elementos arrancados às imagens. Ainda
conforme Flusser: ―A consciência imaginativa não pode conceber desenvolvimento linear, apenas
o retorno eterno. O gesto produtor de imagens tradicionais é gesto pré-histórico, magia a serviço
do mito‖ (ibid., p. 21).
O encantamento que reveste a mídia secundária (tornar presente o ausente) deve-se,
sobretudo, à persistência desta consciência imaginativa que se deixa tomar pelo eterno retorno
propiciado pela contemplação das imagens, próprio do pensamento mágico-mítico, e pela
65
imersão no tempo lento da escrita, cuja decifração faz emergir outra realidade, ―uma
temporalidade distinta, aquela da permanência, da perenidade, da imortalidade‖ (BAITELLO JR.,
2005, p. 33). Tais reflexões permitem pensar que toda discussão acerca da aura das obras de arte
cogita, de certo modo, o reconhecimento do encanto que reveste o suporte da manifestação
humana singular, e que a invenção da prensa de tipos móveis, na aurora da era da
reprodutibilidade técnica, engendrou as revoluções socioeconômicas e culturais de seu tempo ao
multiplicar, com livros, panfletos e jornais, os sujeitos históricos da era moderna.
2.2.3 Comunicação eletrônica e telepresença – imagem-técnica
Embora a mídia terciária possa ser assíncrona e unilateral (portanto, não-presencial,
como ocorre durante a veiculação de gravações sonoras, filmes ou material digital postado na
rede para consulta), desde a invenção do telégrafo apresenta vocação para a interatividade
síncrona e dialógica. A telepresença, portanto, só se torna efetivamente possível com o
surgimento dos suportes elétricos, eletrônicos e digitais capazes de operar no tempo real que
comprime ou suprime o espaço para que emissor e receptor possam compartilhar o mesmo
instante, o mesmo tempo presente que, no final, não é nem o tempo de um, nem o tempo do
outro, mas outro tempo.
Conforme a complexidade tecnológica dos aparatos, o ato comunicativo transfigura-
se em ambiente comunicacional, espaço virtual ou espectralidade que abriga as manifestações
subjetivas e possibilita o encontro com o outro, a despeito da distância geográfica doravante
vencida como indica o sufixo ―tele‖. A problematização sobre a natureza desse ―espaço‖ forjado
pelo tempo-máquina da comunicação instantânea – não-lugares comunicacionais para os quais
marcadores como perto-longe ou dentro-fora não fazem sentido – será aprofundada quando o
conceito de glocal (TRIVINHO, 2007a) for abordado7. Entretanto, é preciso adiantar que os
ambientes comunicacionais da mídia terciária constituem abstração tão radical e inabitável que só
é possível adentrá-los como espectro – ser nulodimensional, imagem técnica. E a imagem-
técnica, em oposição à imagem tradicional, não representa a circunstância palpável. Ela resulta da
computação de dados mínimos, pixels, bits e outros pontos nulodimensionais que, segundo
Flusser (2008, p. 17):
7 Veja-se o Capítulo 3 da Parte II – Tele-existência glocal.
66
[...] não são manipuláveis (não são acessíveis às mãos) nem imagináveis (não
são acessíveis aos olhos) e nem concebíveis (não são acessíveis aos dedos). Mas
são calculáveis (de calculus = pedrinha), portanto tateáveis pelas pontas de
dedos munidas de teclas.
A imagem-técnica que faculta telepresença não é representação; é simulação de
superfície, mosaico, jogo, resultado automatizado e variável de acordo com a manipulação dos
dados disponíveis, projeção espectral.
A imagem tradicional é produzida por gesto que abstrai a profundidade da
circunstância, isto é, gesto que vai do concreto rumo ao abstrato. A
tecnoimagem é produzida por gesto que reagrupa pontos para formarem
superfícies, isto é, por gesto que vai do abstrato rumo ao concreto. (Ibid., p. 19).
Telepresença, portanto, é a capacidade de fazer-se presente mesmo distante; não é
presença, mas projeção de presença. Ao invés de conceber essa categoria como um tipo de
comunicação não-presencial, pois, diferentemente da mídia primária, emissor e receptor não
estão presentes no mesmo espaço, prefere-se pensá-la como presencial a distância, uma vez que a
temporalidade compartilhada entre os pólos é a mesma.
Cumpre frisar que as bases da mídia terciária fundam-se sobre os sentidos de
distância (visão, audição), razão pela qual Baitello Jr. (2005, p. 29) alerta para o fato de que toda
proximidade propiciada pelos suportes é ilusória: ―As imagens que nos cercam restringem nossa
própria capacidade e autonomia de gerar vínculos mais sadios, reais, de carne e osso, que nos
alimentem a necessidade humana de fazer parte de um tempo e um espaço de vida‖.
Providenciam, sem dúvida, uma espécie de retorno à oralidade (com o rádio, o telefone e, depois,
com a comunicação audiovisual) ao acompanhar, registrar e publicizar a velocidade da vida em
movimento (com o registro cinematográfico, televisivo e digital). Mas, exatamente porque falta
profundidade, esta vida, mediatizada no momento em que ocorre e irradiada para muito além do
alcance imediato daquele que se expressa, torna-se encantadoramente mais vívida.
2.3 Ausência como problema
Como apontado em Dal Bello (2009, p. 114-117), a produção de imagens é uma
solução para o problema da ausência, seja ela causada pela distância física ou pelo fim daquele
que um dia existiu. Relaciona-se, portanto, com ―a angústia do aniquilamento de si mesmo‖ e
com o ―horror à decomposição‖ (MORIN, 2005, p. 123), colocando-se no lugar daquilo que não
está ou recompondo aquilo que não mais é. Para Debray (1994, p. 20), as imagens arcaicas que
67
jorram dos túmulos são uma recusa ao nada, uma forma de prolongar a vida. Entretanto, não
podem fazê-lo sem evocar aquilo que pretendem superar. São presenças na ausência, presenças
do ausente. Tal caráter ambivalente explica porque, diante de uma imagem, a saudade pode se
tornar insuportavelmente maior.
Desafiar e negar a morte pressupõe uma convivência com o medo, implica em
viver sob o signo do medo. Assim, imagens são, por natureza, fóbicas. Evocam e
atualizam o medo primordial da morte, uma vez que elas originariamente foram
feitas para vencer a morte. O medo da morte é que nos conduz a emprestar a
vida e a longa vida aos símbolos. Pois é em sua longa vida que prorrogamos e
prolongamos a nossa própria vida, simbolicamente. (BAITELLO JR., 2005, p.
17).
Conservar ou prolongar a vida por meio de imagens é uma estratégia que resvala,
indubitavelmente, na mitologia do duplo. O duplo é uma figura do imaginário, imagem que
corresponde à capacidade humana do indivíduo perceber-se como outro, por vezes irreconhecível
para si próprio. Experiência universal que ―revela essa duplicação espontânea que constitui a
consciência arcaica de si‖ (MORIN, 2005, p. 86), reflete a presença da alteridade na
subjetividade nos diálogos internos que o sujeito trava consigo mesmo. Destarte, ―cada um vive
acompanhado do seu próprio duplo: não tanto uma cópia exata, mas mais, contudo, que um alter
ego: ego alter, um eu-próprio outro‖ (Id., 1997, p. 44).
Materialmente, tal estranhamento pode ocorrer na contemplação da sombra, do
reflexo ou do retrato; quando o indivíduo ouve a gravação da própria voz ou assiste a si mesmo
na tela. O duplo também corresponde à aparição desmaterializada do fantasma e habita, sob as
mais variadas formas, sonhos e pesadelos, lendas, contos e traillers: está na sombra travessa e
fugidia de Peter Pan; no macabro retrato de Dorian Gray; ou como bem lembra Felinto (2008),
está no sósia que William Wilson, personagem de Poe, assassina, decretando sua própria morte, e
também no espectro que se destaca da exibição de um filme para perpetrar horrores (como no
filme O Chamado). Para Morin (1997, p. 44), o duplo é:
[...] efetivamente, essa imagem fundamental do homem, anterior e íntima
consciência de si próprio, imagem reconhecida no reflexo ou na sombra,
projetada no sonho, na alucinação, assim como na representação pintada ou
esculpida, imagem fetichizada e magnificada nas crenças duma outra vida, nos
cultos e nas religiões.
A perturbação comumente associada a este imaginário está ligada ao fato do duplo
ser ―uma imagem que comunica, que anuncia aquilo que desejaríamos manter não dito: nosso
lado negro, nossa condição mortal‖ (FELINTO, 2008, p. 33). O duplo é expressão do desejo de
68
imortalidade, aquilo que, apesar de ser feito à imagem e semelhança de alguém, torna-se
repentinamente dessemelhante. Mesmo como sombra ou reflexo indomável, remete diretamente
àquele do qual é cópia. Por isso, embora o duplo exerça ―um poder dominador sobre os
humanos‖, sua autonomia é dependente ―dos espíritos e das culturas que os alimentam‖
(MORIN, 2005, p. 303): ainda que desprovido de realidade física, assim como os mitos e as
ideias que habitam a Noosfera, é impossível negar-lhe realidade e existência objetivas próprias
(Id., 1998, p. 139).
A mitologia do duplo é vital para a compreensão da instituição da tele-existência na
dimensão da mediosfera, ou esfera do imaginário mediático (CONTRERA, 2010, p. 19) que,
oriunda e participante da noosfera, abarca o imaginário cibermediático8 em que duplos digitais ou
espectros virtuais conformam a organicidade-aparente dos sujeitos telepresentes. Na medida em
que a Noosfera é resultado e matriz geradora das sociedades e das culturas, a Mediosfera
configurará o imaginário característico das sociedades industrial e pós-industrial, da cultura
mediática e da cibercultura; afinal, entre os seres da Mediosfera estão
[...] a visibilidade e a questão da imagem (como forma contemporânea residual
da aparição hierofânica), a eletricidade, o culto à tecologia e à hipertrofia do
símbolo ‗dinheiro‘. Esses são, no sentido moriniano da palavra, demônios que
habitam a esfera mediática, nossa única comum e inequívoca forma de
religiosidade contemporânea. (Ibid., p. 22).
No âmbito da comunicação presencial, o duplo é o gêmeo, a sombra, o reflexo, o eco,
o outro, a alucinação, lugar de inscrição e comunhão, no sujeito, de intimidade e estranhamento,
presença do eu mesmo-outro para si. Mais recentemente, a fantasia do duplo tem dirigido a
humanidade rumo ao clone. Para Baudrillard (1981, p. 123-132), trata-se de sua materialização
por via genética, proliferação do idêntico por metástase da espécie, para além da morte e do sexo,
realizando no plano biológico aquilo que já se opera no simbólico.
A clonagem, a escritura automática ready-made e sua identificação com uma
fórmula minimal (seu código mental e comportamental), já tem sua inscrição
reflexa nas redes operacionais amplamente realizadas. Os clones já estão aí, os
seres virtuais já estão aí – somos todos replicantes! (Id., 1999, p. 172-173).
Todo esforço de duplicação revela empreendimento inaudito de superação do
problema da morte (ausência), contrapondo-lhe uma solução de conservação da presença. Na
8 Os conceitos de noosfera e mediosfera são apresentados em profundidade no Tópico 1.2 do Capítulo 1 da Parte III
– Iconofagia, mediosfera e desejo de visibilidade.
69
(possível) solução final dos clones, a imortalidade é garantida pela replicação do mesmo sempre
que se fizer necessário.
A solução possível pela mídia secundária é tornar simbolicamente presente o ausente.
Tal encantamento subjaz práticas antigas de tanatopraxia, como a mumificação, e está na
invenção das máscaras mortuárias, imagos modeladas diretamente sobre o rosto do morto. Como
lembra Wolff (2005, p. 32):
A necessidade de imagens nasce da preocupação do homem de fazer com que
novamente seja, em simples aparência, aquilo que não pode mais ser, o passado
ou a morte. Mas, assim que ele consegue, assim que o retrato fica semelhante, é
como se o passado ou o morto tivessem eles mesmos o poder de existir em
imagens. [...] Ela tem o poder de representar o ausente. Ela pode também criar a
ilusão de que é o próprio ausente que se apresenta.
A capacidade da imagem de tornar presente, por vezes intensamente presente, aquele
que não está, aquele que já não é e aquele que nunca esteve presente constitui o que Wolff (2005,
p. 31) considera como os três graus de poder da imagem (tabela 2).
Tabela 2. Os três graus de poder da imagem (WOLFF, 2005).
Primeiro grau Segundo grau Terceiro grau
Tipo de ausência
Ausência acidental. Ausência substancial. Ausência absoluta.
Poder da imagem
Presentificar aquele que existe, mas está ausente.
Presentificar aquele que não mais existe.
Presentificar aquele que jamais existiu.
Regime de visibilidade
Torna visível uma ocorrência presente.
Torna visível uma ocorrência passada.
Torna visível uma ocorrência atemporal
(invisível por natureza, da ordem do imaginário, do mítico e do religioso).
No primeiro grau, Wolff trata daquilo que está acidentalmente ausente; neste caso, a
mídia torna presente, por meio de carta, retrato ou fotografia, aquele que não está próximo, mas
ainda existe. Ainda que haja um delay na entrega da mensagem devido à dificuldade de superar a
distância geográfica, esta diz respeito a uma ocorrência presente.
No segundo grau, relativo ao que está substancialmente ausente, a mídia torna
presente aquele ou aquilo que existiu um dia, mas não mais; não há equivalência entre presença e
existência, embora a qualidade do registro possa tornar a presença tão vívida que possa ser
percebida como existência (status de realidade imaginária). Aqui, a questão não é vencer o
70
espaço, mas o tempo diabólico9 e devorador. Cartas, diários, retratos e fotografias, testemunhas
de uma época, tornam visível uma ocorrência passada: a criança que não existe mais, pois
cresceu; a paisagem pacata que urbanizou-se tão rapidamente que tornou-se irreconhecível; o
sorriso ou as angústias daquele que, então, mal podia adivinhar o dia da própria morte.
No terceiro grau, o ausente que se torna presente é aquele que nunca existiu; a
imagem, portanto, não tem a função de representar; mais que isso, ascende à condição de avatar,
corpo material em que ocorre a manifestação do mítico, do divino ou de seres fantásticos,
―metaforização ou tradução de um Ser supremo e etéreo em contato com o real e físico‖
(CAVALHEIRO, 2011, p. 10). Esta presença-ausência transcende as limitações humanas de
tempo e espaço. Em síntese, tem-se que:
No mais baixo grau, a imagem é o representante visível de uma outra coisa
visível, que apenas ocasionalmente é invisível. No mais alto grau, aquele da
representação divina, a imagem visível tem o poder de representar o invisível –
é a maior ambição da imagem (ou sua maior ilusão, conforme o ponto de vista).
Mas, entre os dois, as imagens visíveis têm o poder de representar as coisas
passadas ou os seres defuntos, que não são nem inteiramente visíveis nem
inteiramente invisíveis. (WOLFF, 2005, p. 31).
Mas, como pensar os três graus de poder da imagem quando se trata de imagem
técnica, comunicação ao vivo ou em tempo real?
A comunicação presencial mediatizada opera prioritariamente em tornar visível uma
ocorrência presente, em conferir visibilidade a um acontecimento no mesmo instante em que
ocorre. Com a anulação do espaço entre os pólos da comunicação, o poder de presentificação do
emissor ausente intensifica-se até, praticamente, tornar-se banal. Além disso, toda ocorrência
veiculada por telefone, rádio, televisão ou internet é ou pode ser registrada no ato em que ocorre.
Gravações telefônicas ou backup de chats, adiante, tornam-se registros sobre ocorrências
passadas. Nas redes sociais digitais, diversos perfis correspondem à presentificação de usuários
cuja ausência é substancial: são memoriais daqueles que morreram. Outros, chamados fake
profiles, dão ―corpo‖ a personagens fictícios, tornando visível algo que é invisível por natureza
(terceiro grau de poder da imagem).
A questão da duplicação e conservação da presença, portanto, é inerente às três
categorias de mídia (primária, secundária, terciária) e engendra sonhos de imortalidade que são
capitalizados, também, pelo paradigma do pós-humano. Para Virilio, com o desenvolvimento da
9 Flusser sugere íntima relação entre a queda do diabo e a correnteza do tempo, equivalentes ao ―progressivo afastar-
se do mundo das suas origens‖ (2006, p. 33).
71
tecnologia de retorno do esforço, que possibilita a transmissão de sensações táteis, por ora graças
ao feedback proporcionado por luva de dados e, futuramente, por vestimentas que recobrirão o
corpo inteiro, será possível:
[...] a produção industrial de um desdobramento da personalidade; não a
clonagem do homem vivo, mas sim a criação técnica de um dos mitos mais
antigos: o mito do duplo, de um duplo eletro-ergonômico de presença espectral,
outra denominação do fantasma ou do morto vivo. (VIRILIO, 1993, p. 104-105).
Baudrillard (1981) está certo ao dizer que a clonagem apenas realiza na esfera do
biológico o que já ocorre há muito tempo no simbólico: a mídia espelha a realidade, deforma-a e
conforma-a para torná-la melhor do que é, mais real do que o real, um esforço radical de
superação de todos os seus males, inclusive a morte.
73
CAPÍTULO 3 - Tele-existência como imperativo de época
Para além da simulação de ―efeitos de existência‖, desde aqueles que estão
circunscritos a laboratórios de alta tecnologia e performances artístico-experimentais até os que
são comercializados como produtos corporativos, educacionais ou de entretenimento, tendo em
vista a emergência e conseqüente penetração das plataformas ciberculturais de relacionamento e
projeção subjetiva em diversos espaços e tempos do cotidiano, tele-existir conforma-se não
apenas como modus operandi possível a um número cada vez maior de usuários em todo mundo,
mas também como imperativo de época cujo registro evoca problemáticas relativas ao fenômeno
glocal e à dromocracia cibercultural (TRIVINHO, 2007a), à colonização do tempo real
(VIRILIO, 2000) e à espectralização da existência (DAL BELLO, 2009).
No vácuo da pós-modernidade, em meio ao neo-narcisismo que caracteriza o
retraimento sobre o tempo presente e sobre o sentimento de ―eu‖, tele-existir corresponde à busca
por onipotência, sempre irrealizável. Sua convocação, naturalizada por difuso discurso
publicitário e reiterada nas práticas diárias, invade todos os tempos e espaços, condicionando e
convertendo a multissensorialidade do mundo e da existência em nulodimensionalidade. Dada a
invisibilidade das violências perpetradas pelo tempo real, a tele-existência cibermediática, ou
seja, ser/estar glocal em plataformas ciberculturais de alta visibilidade mediática, é percebida
como passatempo sem graves consequências, a despeito da compulsividade com que tantos se
lançam à tarefa. Observar a relação entre o tempo real e a sensação de vazio e falta de sentido que
caracterizam a pós-modernidade pode revelar-se bastante útil para a compreensão da abrangência
do fenômeno.
3.1 Tempo real e vazio pós-histórico
O tempo real de operação das novas tecnologias não tem relação com o tempo
histórico. O tempo histórico é um tempo local, complexo e múltiplo, carregado de sentido linear
(passado, presente, futuro) que encontra eco na trajetividade em que se inscreve (partida, viagem,
chegada). O tempo real abole o espaço, esvazia-o de sentido e retira do tempo sua profundidade
(passado) e sua perspectiva (futuro), coadunando-se perfeitamente com o neonarcisismo que
matiza a pós-modernidade.
74
A crença de que a sociedade não tem futuro, embora se baseie em certo realismo
sobre os perigos do devir, também incorpora uma incapacidade narcisista de
identificar-se com a posteridade ou de sentir-se parte do fluxo da história.
(LASCH, 1983, p. 77).
Para Virilio (2000, p. 61-62), o tempo real é tempo mundial, único, instauração da
supremacia do presente, do qual emerge ―a possibilidade de uma história ‗presentificada‘ que se
denomina atualidade ou news‖. A espetacularização da história, história que só se faz no presente
e em função da possibilidade de registro mediático, é ―pós-história‖ (FLUSSER, 2008, p. 59) ou
transistória, ―esfera onde os acontecimentos não acontecem realmente, precisamente porque eles
são produzidos e transmitidos ‗em tempo real‘; e onde eles não têm significado, porque podem
ter todos os significados possíveis‖ (BAUDRILLARD, 2001, p. 57-58). A apresentação do
contexto em que a tele-existência se põe como fenômeno epocal é fundamental para a
compreensão dos fatores que a transformam em um imperativo que penetra todos os tempos e
espaços da existência.
Carregado de potencialidades negativas, esse acontecimento ímpar – a criação do
tempo real, um tempo único e positivo, atópico, acrônico e pós-histórico, sob a égide da
velocidade da luz –, representa ―o tempo de uma história sem história e de um planeta sem
planeta, de uma Terra reduzida à imediatidade, à instantaneidade e à ubiqüidade, e de um tempo
reduzido ao tempo, isto é, ao que se passa instantaneamente‖; tal acontecimento é cataclísmico,
pois compreende ―uma liquidação e um extermínio do espaço-mundo – um planeta relativo, local
– e de um tempo – o tempo dos homens – em benefício de um outro espaço e de um outro tempo‖
(VIRILIO, 2000, p. 88). Ou, em outros termos:
Como viver verdadeiramente se o aqui não o é mais e se tudo é agora? Como
sobreviver amanhã à fusão/confusão instantânea de uma realidade que se tornou
ubiquitária se decompondo em dois tempos igualmente reais: o tempo da
presença aqui e agora e aquele de uma telepresença à distância, para além do
horizonte das aparências sensíveis? (Id., 1993, p. 103).
De certo modo, as metáforas epistemológicas do cyberspace como universo paralelo
ou espaço híbrido procuram apreender e traduzir o que é esse outro espaço/tempo que consome a
experiência mundana e implica novas formas de ser/estar (subjetividade) e relacionar-se
(sociabilidade). Ora percebidos como realidade à parte, ora como concomitante à realidade
75
sensível, os ambientes comunicacionais sustentados pelo tempo real conformam eco-logia1
própria, alimentada por processos de espectralização que convertem (reduzem) toda
multissensorialidade em conjuntos de dados (nulodimensionalidade) continuamente rearranjados
que tornam presente via texto, som e/ou imagem – tecnoimagem – aquilo que, de corpo presente,
não poderia manifestar-se.
Assim, a comunicação em tempo real confere uma espécie de onisciência (tudo poder
saber mesmo que não haja tempo para se aprofundar – consciência panorâmica, de superfície, ou
sublimação da inconsciência por excesso de consciência) e onipresença (poder estar em todo
lugar sem estar em lugar algum) que inviabilizam o pleito à onipotência (paralisia de qualquer
projeto político por escassez de presença autêntica e excesso de simulacros). Eis a era espectral
da pós-história, com a instituição de um ―falso presente, um presente in effigie, sem corporeidade,
sem presença, um presente sem vida e sem surpresas‖ (BAITELLO JR., 2005, p. 30).
Tanto o abandono do corpo territorial, do corpo social e do corpo próprio em prol do
corpo espectral (VIRILIO, 2000, p. 53) quanto a sistemática colonização do corpo humano, em
movimento, por tecnologias de rastreamento, indexação e conexão contínua são consequências
retroalimentadoras da iminência do vazio (não há passado!) e do abismo (não há futuro!2),
mensageiros aterradores da desolação pós-histórica que se segue à queda das grandiosas
metanarrativas constitutivas da modernidade e do sentido de história, mito que ―subentendia ao
mesmo tempo a possibilidade de um encadeamento ‗objetivo‘ dos acontecimentos e das causas, e
a possibilidade de um encadeamento narrativo do discurso‖ (BAUDRILLARD, 1981, p. 65).
Mediante o colapso dos sonhos modernos, a desesperança e a crise de confiança, conjugadas com
o clima de catástrofe iminente disseminado pela mídia, levam à retração narcísica sobre o tempo
presente como estratégia de sobrevivência (LASCH, 1983); ou, como explica Lipovestsky (1989,
p. 49):
Quando o futuro se mostra ameaçador e incerto, resta a retração sobre o
presente, que não pára de ser protegido, arranjado e reciclado numa juventude
sem fim. Ao mesmo tempo que põe o futuro entre parêntesis, o sistema procede
à ‗desvalorização do passado‘, impaciente por cortar as amarras das tradições e
1 Conforme Baitello Jr. (2005, p. 52-53), diferentemente da ecologia, a eco-logia diz respeito à lógica do eco que
caracteriza a reprodutibilidade irrefreada e tautológica de imagens (ou era da visibilidade). A repetição das
impressões superficiais incide em lembranças epidérmicas (ausência de memória profunda). 2 Para Lasch (1983, p. 76), ―uma sociedade que teme não ter futuro muito provavelmente dará pouca atenção às
necessidades da geração seguinte, e o sempre presente sentido de descontinuidade histórica – o câncer de nossa
sociedade – cai, com efeito particularmente devastador, sobre a família‖.
76
territorialidades arcaicas e por instituir uma sociedade sem base de ancoragem
nem opacidade; juntamente com esta indiferença pelo tempo histórico, instaura-
se o ‗narcisismo coletivo‘, sintoma social da crise generalizada das sociedades
burguesas, incapazes de enfrentar o futuro sem desespero.
À medida que o processo de abstração avança da unidimensionalidade, dimensão da
historicização do mundo, para a nulodimensionalidade, fase de desintegração dos conceitos em
pontos, rompem-se os fios condutores da mentalidade moderna e emerge, com a consciência pós-
histórica, um problema existencial pós-moderno para o qual, talvez, as imagens técnicas sejam
um tipo de solução.
Não se pode viver em tal universo vazio com consciência destarte desintegrada.
É preciso que obriguemos os pontos a se juntarem, que os integremos, que
tapemos os intervalos, a fim de concretizarmos tal universo e tal consciência
radicalmente abstratos. (FLUSSER, 2008, p. 24).
É entre os pontos múltiplos e caoticamente dispersos dos conceitos desintegrados
que as imagens técnicas se erguem para dissimular o nada, o vazio, a falta de sentido da história e
do projeto moderno; constatações doloridas às quais a pós-modernidade não pode furtar-se a não
ser esgueirando-se, alucinada e delirante, na hiper-realidade de seus simulacros.
Tabela 3. Relação imagem, texto, imagem técnica (Flusser, 2002; 2008)
Imagem Texto Imagem-técnica
Período Pré-história História Pós-história
Dimensão Bidimensional Unidimensional Zero ou nulodimensional
Relação Domínio de imagens (ideias), ausência de textos (conceitos)
Tradução de imagens (ideias) em textos (conceitos)
Processo circular que retraduz textos em imagens
Pensamento Circular (eterno-retorno) Linear (histórico) Pontual
Fase Imaginação do mundo e ritualização do ato
Historicização do mundo e autoconsciência do homem
Desintegração do mundo e existencialização da consciência humana
A computação associada à telecomunicação, ao realizar a imagem técnica audiovisual
e digital, possibilita a urbanização do tempo real, a conformação de plataformas colonizáveis
sobre o nada-tecnológico dos fluxos informacionais, o surgimento das infovias, a simulação da
presença à distância e a projeção da subjetividade em tele-existência,―acidentes do tempo real‖
(VIRILIO, 2000) a que todos são compelidos, seduzidos pela propaganda que congraça os novos
dispositivos tecnológicos e conclama, renitente, à espectralização generalizada do mundo e da
existência.
77
3.2 Em busca de onipotência
[...] toda sociedade reproduz sua cultura – suas normas, suas presunções
subjacentes, seus modos de organizar as experiências – no indivíduo, na forma
da personalidade. Como disse Durkheim, a personalidade é o indivíduo
socializado. (LASCH, 1983, p. 58).
A virtualização do mundo, bem como a consequente naturalização da tele-existência
como única via de legitimação ou significação da vida, ocorre como sutil violência porque o
contexto socioeconômico e cultural que as abrigam configura-se de forma a promovê-las e torná-
las desejáveis.
A esse contexto, ele mesmo resultante da convergência entre pós-modernidade,
cultura mediática (de massa e cibercultural) e dromocracia (TRIVINHO, 2007a), somam-se os
sintomas da cultura narcisista que, antes de serem tomados como amor ou encantamento
desmesurado pela própria imagem, revelam medos, ansiedades, frustrações e pulsões mortíferas
que transformam imagens em armaduras ou abrigos3. Lipovetsky (1989, p. 69), sobre a era do
vazio, lembra que ―a sociedade hedonista só em superfície engendra a tolerância e a indulgência;
na realidade, nunca a ansiedade, a incerteza, a frustração conheceram maiores proporções. O
narcisismo nutre-se mais de ódio do que de admiração pelo Eu‖.
Em meados do século XX, a partir do pós-guerra, os estudos psicanalíticos
deslocaram-se do id para o ego, já que, nos consultórios, começaram a aparecer indivíduos com
―insatisfações difusas‖: humor oscilante, sensação de depressivo vazio, auto-estima caótica,
fantasia de onipotência, comportamento sexual promíscuo, envolvimentos emocionais
superficiais, hipocondria. Tal constatação corrobora a ideia de que ―esta patologia representa uma
versão intensificada da normalidade‖ (LASCH, 1983, p. 63); traços do narcisismo patológico são
facilmente reconhecíveis quando considerado o conjunto de traços culturalmente reproduzidos na
atualidade (fenômeno social), o que permite pensar o neo-narcisismo como representativo da
personalidade pós-moderna:
[...] hábil em administrar impressões que transmite aos outros, ávido de
admiração, mas desdenhando daqueles a quem manipula para obtê-la,
insaciavelmente faminto de experiências emocionais com as quais preencher um
vazio interior; aterrorizado com o envelhecimento e com a morte. (Ibid., p. 63).
3 Sobre a configuração da tecnologia como bunker e, mais particularmente, a bunkerização da existência no contexto
glocal, veja-se Trivinho (2007a, p. 306 a 317). O encapsulamento técnico-imagético da subjetividade em perfis de
redes sociais – imagem como bunker – e sua relação com as características da cultura narcisista foram tratados em
Dal Bello (2009, p. 88). Veja-se também análise sobre o processo de bunkerização vivido pelos hikikomoris
japoneses (idem, 2013).
78
O novo desespero, conforme lembra Lipovetsky (1989, p. 71), pode ser traduzido
pela frase ―Se eu ao menos pudesse sentir alguma coisa!‖. Tal insensibilidade, ou ―sensibilização
epidérmica‖, conjugada com profunda apatia, deserção do político, indiferença histórica e
desprendimento emocional, habilitam o indivíduo a sobreviver em meio à instabilidade.
Em nossa época, a sobrevivência, e com ela a realidade do mundo exterior, o
mundo das associações humanas e das memórias coletivas, apresenta-se cada
vez mais problemática. O desvanecimento de um mundo durável, comum e
público – podemos conjeturar – intensifica o medo da separação, ao mesmo
tempo que enfraquece os recursos psicológicos que tornam possível enfrentar tal
medo de forma realista. Esse processo liberou a imaginação dos
constrangimentos externos, mas a expôs mais diretamente que antes à tirania das
compulsões e angústias. (LASCH, 1990, p. 177).
O vazio que se segue ao desmoronamento ou desintegração das metanarrativas que
organizavam e alinhavavam a modernidade passa a ser constitutivo do mundo intrapsíquico; pari
passu a erosão dos grandes sistemas sociais, o hiperinvestimento no eu, bem como a consequente
atomização dos indivíduos, é cúmulo de um crescente processo de personalização que, longe de
valorizar o sujeito, dessubstancializa-o sem necessariamente romper com a mentalidade
dicotômica e cartesiana. Nesse sentido, Lipovetsky alerta para o fato de que a pós-modernidade
não configura um momento absolutamente inédito na história, uma ruptura em relação à
modernidade, definindo-se, antes, ―pelo prolongamento e generalização de uma de suas
tendências constitutivas, o processo de personalização, e correlativamente pela redução
progressiva da sua outra tendência, o processo disciplinar‖ (1989, p. 106). Ainda assim, o
momento guarda alguma originalidade, como a ―predominância do individual sobre o universal,
do psicológico sobre o ideológico, da comunicação sobre a politização, da diversidade sobre a
homogeneidade, do permissivo sobre o coercivo‖ (ibid., p. 107). Como processo, corrói o social e
também o ―eu‖:
O neo-narcisismo não se contentou com neutralizar o universo social,
esvaziando as instituições dos seus investimentos emocionais; também o Eu,
desta feita, se vê corroído, esvaziado da sua identidade, o que paradoxalmente
sucede em virtude do seu hiper-investimento. Como o espaço público se esvazia
emocionalmente por excesso de informações, de solicitações e de animações: o
Eu tornou-se um ‗conjunto frouxo‘. Por toda a parte, eis que o real pesado
desaparece, e é a dessubstancialização, última figura da desterritorialização, que
condena a pós-modernidade. (Ibid., p. 53).
O avançar do processo de abstração que culmina na tele-existência pode ser tomado à
guisa de fuga coletiva realizada de forma caótica e fragmentária para os platôs flutuantes da
visibilidade mediática cibercultural, situados muito além da alienação da sociedade espetacular
79
para fundar outra alienação, hiperespetacular. Destarte, metaversos e redes sociais digitais são,
por enquanto, os melhores modelos de plataformas que providenciam projeção subjetiva e
hospedagem na inóspita nulodimensionalidade ciberespacial. A urbanização do tempo real, cuja
densidade demográfica é passível de verificação, deve muito à promoção da tele-existência.
Produção e consumo desenfreados de imagens, desde a comunicação de massa, e sua
versão up to date,produção e promoção de si como imagem (inconstante, difusa e flutuante;
técnica, virtual e hiper-real; corpo sígnico que realiza, na virtualidade, a tele-existência) para
deleite próprio e apreciação alheia (conforme a dinâmica narcisista) –, põe-se como estratégia de
preencher o vazio interior e entre si e o outro, forma de ―passatempo‖ que afasta velhos
fantasmas produzindo novos. Pois, na medida em que imagens são a presentificação da ausência,
portanto do vazio, sua reprodução, longe de efetivamente diminuir as distâncias, só pode
contribuir para o alargamento dos abismos. A empreitada em que a humanidade tem se lançado,
nos últimos anos, corrobora devastação de proporções titânicas: aceder docilmente à hiper-
realidade, ―titânico já no superlativo que o designa‖, como lembra Contrera (2004, p. 88), é
legitimar a estética da quantidade, do excesso, da velocidade e do caos. Destarte, o titanismo é
um traço cultural humano que abriga a tendência à autodestruição ao conjugar vacuidade e
excesso, expansão ilimitada e ponto de colapso (CONTRERA, 2004, p. 83-87); seus valores
exercem grande fascínio na modernidade e, de certo modo, caracterizam-na.
No universo da comunicação, a hiperexposição e a superinformação configuram
claramente o cenário de saturação no qual submerge todo o aparato midiático e
no qual impera a quantidade e a pseudo-eficiência do mais, do melhor e
especialmente do mais rápido, às custas do sacrifício do sentido, do corpo e dos
vínculos comunicativos, defasando enormemente as conexões sociais. (Ibid., p.
83-84).
A cultura mediática de massa e cibercultural, ao ―romper as distinções entre ilusões e
realidade‖ (LASCH, 1990, p. 170), fomenta a fantasia de onipotência, extrapolação dos limites
do corpo e do território, embora constitua franca impotência na medida em que contribui para a
fragmentação social ou, mais radicalmente, a atomização dos indivíduos. O paradoxo assim se
revela:
O culto das relações pessoais, que se torna cada vez mais intenso à medida que
diminui a esperança de soluções políticas, esconde um profundo desencanto
pelas relações pessoais, assim como o culto da sensualidade implica um repúdio
da sensualidade em todas as suas formas, com exceção das mais primitivas. A
ideologia do crescimento pessoal, superficialmente otimista, irradia um profundo
desespero e resignação. É a fé dos que não têm fé. (Id., 1983, p. 77-18).
80
Tais sinalizações indicam que a celebração reinante nas plataformas ciberculturais de
relacionamento e projeção subjetiva, cujo apelo discursivo recai sobre a possibilidade de
construção de fraternidade universal sem precedentes, é falacioso, e tal fraternidade só pode ser
da ordem dos espectros: fantasmagórica, ilusória, irreal.
3.3 Compulsão e violência
O ideal cínico da cibercultura é o Homo velox com a consciência feliz e
despreocupada do Homo ludens. Dessa maneira, a violência da técnica avançada
adquire, de tão invisível, o ar que lhe talha a sofisticação e a imunidade que
também a redime de todo questionamento público. (TRIVINHO, 2007a, p. 75).
Como imperativo de época, a convocação à tele-existência é enunciação que ecoa por
toda parte: encontra ressonância no imaginário cibercultural, invade o tempo do trabalho e do
lazer, valida-se nas práticas socioculturais e coaduna-se à lógica do capitalismo tardio pós-
industrial. Emerge de capilar estrutura invisível, a dromocracia cibercultural4, e é, sem dúvida,
violência sutil perpetrada pela velocidade tecnológica contra o espaço, o tempo, o corpo, a
subjetividade e a alteridade,―suave estupro do ser pela técnica alçada a fator apolítico
aparentemente inofensivo‖ (ibid., p. 98). Acomoda-se no seio do neo-narcisismo como silencioso
adestramento social por auto-sedução, que sociabiliza dessocializando e viabiliza o processo que
glorifica o indivíduo e pulveriza o social (LIPOVETSKY, 1989, p. 53). Concede aos filhos da
cultura mediática seu rincão de visibilidade e a possibilidade de cavar acesso à mídia tradicional
que, doravante submetida ao ritmo e à pauta das redes digitais, busca sincronizar-se com o que
acontece no cyberspace tanto ou mais do que em relação ao tempo cotidiano das localidades,
reconhecimento que irriga a supremacia da tele-existência sobre a existência, a sedução dos
signos vazios, o fascínio pela falta de profundidade. Em outras palavras:
É essa dimensão a menos que faz o espaço da sedução e torna-se uma fonte de
vertigem. Pois, se todas as coisas têm por vocação divina achar um sentido, uma
estrutura em que embasem seu sentido, sem dúvida tem também uma nostalgia
diabólica de se perder em meio às aparências, na sedução de sua imagem.
(BAUDRILLARD, 1991, p. 77).
4 Segundo Trivinho (2007a, p. 101-102), a dromocracia é ―um regime transpolítico – invisível como a violência da
velocidade – erigido no contexto de um regime político tradicional e visível, a democracia (aqui tomada no sentido
formal e abstrato, em seu modelo tipicamente estatal, herdado do direito burguês). Nessa perspectiva, a dromocracia
cibercultural comparece, em palavras precisas, como um regime eclipsado na dinâmica tecnológica da democracia
contemporânea, ou, vice-versa, essa democracia não é, hoje, senão a forma sintomaticamente protuberante da
dromocracia cibercultural. Esta não se consubstancia em nenhum fator palpável, materialmente identificável e
comprovável. Ela é, ipsis literis, processo‖.
81
De certo modo, a tele-existência é formalização ética-estética da interiorização da
lógica publicitária: discurso transparente e superficial que procura traduzir, atualizar e promover
a subjetividade em suas aparições episódicas, embora estas estejam tornando-se menos esparsas e
mais duradouras com a popularização dos dispositivos de conexão móvel e acesso contínuo,
alçando-a à status de sujeito em ambientes de alta visibilidade mediática para melhor disfarçar o
fato de que o gozo reside em torná-la objeto (de desejo, de consumo, de entretenimento). Para
Baudrillard (1981, p. 113-122), o fascínio outrora concedido à publicidade, ainda imaginário e
especular, por sua capacidade de simplificação absoluta, absorção de todas as linguagens e
operação superficial, em ―grau zero de sentido‖, deslocou-se para as linguagens cibernéticas, a
digitalidade e o microprocesso que radicalizam a destruição de intensidades e aceleram a inércia:
Como os signos na publicidade, desmultiplicamo-nos, fazemo-nos transparentes
ou inúmeros, fazemo-nos diáfanos ou rizoma para escapar ao ponto de inércia –
pomo-nos em órbita, sintonizamo-nos, satelizamo-nos, arquivamo-nos [...].
Saturação superficial e fascínio. (Ibid., p. 118).
Quando as tecnologias do tempo real operam a acronia (intemporalidade) e a atopia
(espaço transformado em fluxo de imagens), colocam em ocaso ―a ordem simbólica da cultura,
pois uma ‗virtualidade real‘ ou uma ‗realidade virtual‘ pressupõem que a distinção entre presença
e ausência se reduza a estar presente ou estar ausente na rede ou no sistema multimídia‖ (CHAUÍ,
2006, p. 72). Nesse sentido, para Baudrillard (1996, p. 56), o virtual ocupa o lugar do real em vez
de ter no real sua destinação.
Diversas violências invisíveis ocorrem simultaneamente: a sublimação da aparência
tecnologicamente cerzida instaura a desvalorização do corpo próprio como lugar de construção
da identidade; a convivência narcísica em ambientes de operação tele-existencial corroboram a
fragmentação ou pulverização do corpo social; a crença, difusa e totalitária, de que a existência só
tem significado ou legitimidade quando devidamente publicizada em esferas de alta visibilidade
mediática viola e altera a percepção do indivíduo sobre si mesmo, levando-o a produzir
acontecimentos para efeito de registro e promoção pessoal,submissão radical da existência ao
imperativo da tele-existência.
Celebrada como passatempo, a atividade de tele-existir sequestra a atenção e aliena
tempo de vida, tornando o indivíduo alheio a tudo o que lhe é próximo e instantaneamente íntimo
82
do que se lhe apresenta, em espectro, na superfície sedutora das telas. Dromoaptidão5 e
tecnodependência6, indiscerníveis, levam ao engajamento compulsivo. A invencível coerção é
provocada pelo fascínio da auto-sedução: ao sinalizar e assegurar sua presença na espectralidade
cibercultural, o indivíduo angaria satisfação intensa, embora fugaz e evasiva,razão do seu eterno
retorno às plataformas. Para Flusser (2008, p. 68-69), a vontade generalizada de distração e
divertimento, típica da cultura de massa, traduz uma espécie de ―consenso em prol da
inconsciência, do desmaio‖. Isolamento e dispersão tornam-se ideais de felicidade possíveis
graças à produção e consumo de imagens-técnicas. Eis que, no horizonte da tele-existência, o
cinismo reside em poder ser e estar entre imagens para sentir-se, de fato, alguém. Divertir-se com
isto é prestar-se à voluntarismo desatento ao fato de que todos se tornaram vítimas e promotores
de um regime dromocrático de (in)visibilidade que tudo virtualiza para melhor indexar.7
Cumpre, ainda, denunciar o caráter agônico da empreitada: apesar do cyberspace
providenciar, com ineditismo, largo acesso à uma espécie de dimensão olimpiana do star sistem
(MORIN, 1969), a satisfação de oferecer-se ao olhar do outro é proporcionalmente maior quando
a atenção é conquistada em esferas mediáticas de visibilidade mais disputadas. Acirra-se, também
no cyberspace, a concorrência por audiência, por feedback, pelos tempos/espaços de projeção
subjetiva com maior abrangência ou densidade espectral,o que torna o centro da cena mediática
ou cibermediática, como lembra Trivinho (2010), cerne de difusa competição.
Entretanto, a atividade de tele-existir também capitaliza, em meio aos jogos de
(in)visibilidade, o aspecto lúdico que Caillois (1990) chamou de mimicry: brincar de ser outro,
ser alguém, mais real do que o real, lança sombras sobre a ansiedade que compele a
transformação das tecnologias de comunicação telepresencial em ambientes comunicacionais de
tele-existência: é preciso ser/estar online, always on, sempre visível, sob pena de desaparecer em
meio ao volumoso devir informacional. Assim, a tele-existência é um fenômeno paradoxal: opera
em plataformas de alta visibilidade mediática para tornar visível (presente) o invisível (ausência
acidental); e quanto mais visibilidade proporciona, mais invisibilidade produz – simultaneamente,
5 O termo, cunhado por Trivinho (2007a), diz respeito à capacidade de operação em meio à velocidade facultada
pelas tecnologias do tempo real, o que exige capital cognitivo conforme e domínio das senhas de acesso. Denota,
portanto, a incorporação da violência da época, traduzida na premente necessidade de corresponder aos imperativos
do ―ser veloz‖. 6 Sobre os fatores que contribuem para a instituição da dependência do glocal e suas tecnologias, veja-se Barbosa
(2008). 7 As ideias serão retomadas e aprofundadas no Capítulo 2 da Parte III – A dinâmica agonística dos jogos de
performance cibermediática.
83
por efeito do excesso informacional que satura a atenção da audiência. O sujeito cibermediático,
glocal e hiperespetacular, em sua intermitente projeção, é (in)visível: sua dissolução lhe é
intrínseca.
85
PARTE II: Espectralização da existência
e projeção do sujeito hiperespetacular
87
CAPÍTULO 1 - Nulodimensionalidade ciberespacial
Comunidades online, sites de relacionamento, canais de compartilhamento, mídias
sociais. Ao longo do tempo, diversos projetos (sites, metaversos, aplicativos) fermentaram sob
esses rótulos, substituindo-os conforme alterava-se a compreensão da natureza dos serviços
disponibilizados aos usuários da Internet. Uma consideração dos aspectos imanentes, entretanto,
permite que sejam pensados basicamente como plataformas ciberculturais de relacionamento e
projeção subjetiva (DAL BELLO, 2009), na medida em que providenciam, na
nulodimensionalidade ciberespacial, o encontro com o outro, ou melhor, com a alteridade
espectral, desde que atendida a contrapartida de construção de um perfil ou avatar que tem por
função identificar o novo membro ou associado.
A crescente virtualização do mundo implica uma nova experiência sensorial do
espaço que conjuga três aspectos: (1) a anulação das distâncias geográficas como efeito da
aceleração dos deslocamentos físicos e simbólicos característicos da transformação da sociedade
em dromocracia; (2) a projeção das localidades, doravante indexadas pela visibilidade
cibercultural das redes e consideradas significativas quando convertidas em contextos de
glocalização; e (3) a consumação de uma espacialidade utópica e rarefeita, mosaico
cadeiloscópico de fluxos e nós, cuja dimensão, planetária, abraça o mundo sem prender-se
efetivamente a ele. Atrela, consequentemente, uma nova consciência temporal, pós-moderna,
desgarrada do tempo histórico-local e desprovida, pela instantânea presentidade que faculta, de
qualquer preocupação ético-política com o futuro. Na esteira das crises que solaparam os sólidos
referenciais em que se moldava a subjetividade e erguia-se o sujeito moderno, vivencia-se a
possibilidade de experimentar outras formas, descompromissadas e neonarcisistas, de ser
alguém.1 Afinal, ―o entorno está se tornando progressivamente mais impalpável, mais nebuloso,
mais fantasmagórico, e aquele que nele quiser se orientar terá de partir desse caráter espectral que
lhe é próprio‖ (FLUSSER, 2007, p. 55).
Trata-se da transformação de coisas em não-coisas (ibid., p. 54), informações
inapreensíveis, embora decodificáveis e passíveis de recombinação no jogo dos cálculos. Mas,
essa transformação não se restringe à invenção de uma nova matriz, ―líquida‖, de representação
do mundo, da subjetividade e da alteridade; ela efetivamente contribui para a ―liquidação‖ dos
1 Conforme apresentado no Capítulo 3 da Parte I: Tele-existência como imperativo de época.
88
referenciais na medida em que desenha, na espectralidade cibercultural, novos modelos
existenciais.
O gradativo apagamento do contexto concreto e do tempo ordinário, ou sua
transformação em não-coisas, pode ser inferido da nuvem de ideias que permeia o imaginário
ciberespacial. Inicialmente compreendido como universo paralelo e subversivo, o cyberspace
comparecia como alternativa marginal ao espaço-mundo. Esse contraste, de certo modo,
preservava as diferenças e reforçava as qualidades inerentes de cada um. Com a popularização
dos dispositivos de acesso móvel e a emergência das mídias locativas, advogou-se que esta chave
de compreensão do fenômeno – o paralelo – não mais convinha e, com ela, o próprio termo –
cyberspace – haveria de tornar-se obsoleto. Afinal, as fronteiras entre on e off-line tornaram-se
indistintas e o que era percebido como vivência alternativa e bem localizada tornou-se
experiência ordinária espraiada pelo cotidiano. Conforme lembra Santaella (2010a, p. 70-71), a
inaquedação da dualidade que contrapõe cyberspace e mundo físico sustenta a argumentação de
autores como Pang (2008) e Hinchcliffe (2005).
Entretanto, se há uma extinção em curso a ser considerada, não é a do cyberspace,
que da condição de cenário marginal cyberpunk ascendeu a lócus prioritário de organização da
existência e articulação de todas as suas dimensões. Sobreposto à concretude mundana, instituiu
indistinto intercâmbio com o espaço-tempo natural e deixou de ser um universo paralelo para
tornar-se aquele em que todos estão mergulhados, tocando suas vidas e vivendo suas paixões.
Se é verdade que o ciberespaço desceu para a terra, não é preciso jogar fora essa
gigantesca criança junto com a água do banho, pois negar o ciberespaço
significa negar um meta-hiperdocumento pervasivo que cresce de modo
interativo e que permeia todas as esferas, camadas e todos os meandros da vida
humana. Os dispositivos móveis não apagaram o ciberespaço. Ao contrário,
tornaram-no ainda mais onipresente. (SANTAELLA, 2010a, p. 71).
Lemos (2009, p. 43-44) considera que as relações entre espaço eletrônico e espaço
urbano criam territórios digitais informacionais, zonas invisíveis de controle total da informação
acessíveis por senhas e ancoradas na infraestrutura física que suporta as redes telemáticas. Para
ele, retomando a polaridade de Castells (1999), esses territórios resultam da fusão entre espaço de
fluxos (o cyberspace) e o espaço de lugar2. Nesta heterotopia do controle e acesso a informações
digitais, processos de desterritorialização e territorialização hibridizam-se.
2 Para Castells (1999, p. 512), um lugar é ―um local cuja forma, função e significado são independentes dentro das
fronteiras da contigüidade física‖. Embora não constitua, necessariamente, uma comunidade, suas características
89
Assim, por exemplo, os meus sites, Blogs, podcasts, minha comunidade, minha
rede de relacionamento, são formas de territorialização no ciberespaço global.
Crio minhas zonas de controle informacional em meio ao fluxo planetário de
possibilidades desterritorializantes. Um processo não existe sem o outro. As
tecnologias informacionais como o telefone celular, palms ou laptops, são
dispositivos pelos quais exercemos controle informacional. Esse lugar de
controle constitui o meu território digital, formado pelo espaço telemático, por
senhas de acesso e lugares físicos de conexão. No entanto, embora
territorializado, posso realizar efetivamente movimentos de fuga, de
desterritorialização. (LEMOS, 2009, p. 44).
Longe de sinalizar a decadência do cyberspace, embora seja essa a perspectiva de
alguns acadêmicos, a metáfora dos espaços híbridos deve ser interpretada como a vitória do on
sobre o off, cujos tentáculos abarcam e fazem soçobrar o espaço-mundo, a alteridade concreta e o
corpo próprio, considerados ―obsoletos‖. Os territórios informacionais, ―constituídos, cada vez
mais, não apenas por ‗pontos de presença‘ (acesso por cabos, preso a um determinado espaço de
lugar), mas por zonas amplas de acesso nas quais é possível acessar informação em mobilidade
na interface entre o espaço eletrônico e o espaço físico das cidades‖ (ibid., p. 44), atestam isso.
Desdobrado em cibercultura, pode-se conceber o cyberspace como matriz de novas mentalidades
e sensibilidades, quer seja pela formação das novas gerações ou pela conformação das
subjetividades pré-existentes, asseguradas pelos rumos coercitivos impostos por transpolíticos
processos globalizantes.3
Ainda que esteja nele toda maquinaria de redes físicas e hardwares geradores da
dimensão comunicacional-telemática, o mundo sensível, pretensamente objetivo, se apequena,
engolido e ressignificado pelo cyberspace. Esse fato confirma-se diariamente na disposição
íntima de suprimir o espaço para superar as distâncias, de deslizar pela vida em alta velocidade,
de louvar o diminuto (miniaturização) e de adequar o corpo à tirania das imagens, o que implica
delineadoras definem ou marcam a experiência das pessoas. O problema reside no fato de que o poder, organizado
nos fluxos globais, impõe sua lógica sobre o espaço de lugar, abstraindo do conhecimento o seu significado. A
―esquizofrenia estrutural‖ entre as duas lógicas espaciais tende para a segmentação e segregação dos lugares, ―cada
vez menos relacionados uns com os outros, cada vez menos capazes de compartilhar códigos culturais‖ (ibid., p.
518). E, a não ser que se instituam ―pontes culturais, políticas e físicas entre essas duas formas de espaço, poderemos
estar rumando para a vida em universos paralelos, cujos tempos não conseguem encontrar-se porque são trabalhados
em diferentes dimensões de um hiperespaço social‖ (ibid., p. 518). O território digital informacional de Lemos
(2009) é, de certo modo, campo nascido da intersecção entre os dois pólos. E essa intersecção geradora de híbridos,
conforme Trivinho (2007a), é o glocal. 3 Rudiger (2011, p. 291) define ciberespaço da seguinte forma: ―Espaço criado artificialmente pelas convergências
entre o mundo online gerado pelas redes telemáticas e as projeções digitais e imaginárias dos sujeitos que, direta ou
indiretamente, interagem por seu intermédio, deve seu nome à obra do escritor William Gibson‖. Para Santaella
(2010a, p. 88), ciberespaço ainda é ―uma metáfora suficientemente sugestiva para abrigar o universo em evidente
evolução das redes e dos usos que podem ser feitos delas‖ e deve ser concebido, antes, como ―um mundo virtual
global, hipercomplexo, mas coerente, independente de como se acede a ele e como se navega nele‖.
90
anulá-lo para que se possa viver entre ―não-coisas‖. Flusser (2008) lembra que, no último estágio
da Idade Moderna, o gigantismo era uma tendência que, possivelmente, buscava negar o seu
oposto, rumo ao encolhimento. No início do século XX:
[...] aparece a suspeita de que o ‗enorme‘ (o que não se enquadra nas medidas
humanas) não é apenas o grande mas igualmente o pequeno, e que o núcleo do
átomo talvez seja mais ‗enorme‘ do que as galáxias. Pois essa outra tendência,
dando as costas ao grande e visando o pequeno, vem emergindo e passa a ser
observável em toda parte. (Ibid., p. 133).
O desprezo pelo tamanho é relativo ao desprezo pelo mundo dos volumes, pelo
próprio corpo e pela alteridade concreta. ―A moral burguesa baseada em coisas – produção,
acumulação, consumo – cede lugar a uma nova moral. A vida nesse ambiente que vem se
tornando imaterial ganha uma nova coloração‖ (id., 2007, p. 55-56). Ruma-se para a
nulodimensionalidade, e o cyberspace é exemplo sine qua non deste ponto máximo da escalada
abstracional flusseriana.
Admite-se, com Flusser (2008, p. 18-19), que o propósito da abstração ―é o de tomar
distância do concreto para poder agarrá-lo melhor‖, o que torna a história da cultura ―não uma
série de progressos, mas dança em torno do concreto‖ que, paradoxalmente, torna cada vez mais
difícil o retorno a ele e sua efetiva apreensão. Nesse sentido, o processo de codificação tornou-se
hipercomplexo, com aumento gradativo de camadas de mediação que providenciam o necessário
afastamento das circunstâncias concretas. Quando a profundidade é abstraída, as circunstâncias
palpáveis são transformadas em cenas, contextos imaginados, superfícies bidimensionais que
providenciam o pensamento mágico-mítico; postas em sequência, as imagens transformam-se em
linhas, processos, textos, conceitos – unidimensionalidade fundante da mentalidade histórica.
Rompidos os fios que alinhavavam a subjetividade moderna e tornavam possível a concepção de
sujeito e identidade como entidades coesas e lineares, chega-se ao último grau de abstração, que
desmancha as linhas em pontos e inaugura a era do vazio e a ética da dispersão, com seus pontos,
instantes, partículas, quanta e bits não-manipuláveis, nem imagináveis ou concebíveis: a
nulodimensionalidade.
A nulodimensionalidade é fruto da desconfiança em relação às linhas e textos a partir
da conscientização de que ―a ordem ‗descoberta‘ no universo pelas ciências da natureza é
projeção da linearidade lógico-matemática dos seus textos‖, ou seja: ―o pensamento científico
concebe conforme a estrutura dos seus textos assim como o pensamento pré-histórico imaginava
conforme a estrutura de suas imagens‖ (ibid., p. 17). Se à modernidade correspondem
91
metanarrativas e processos que se desenrolam com vistas ao futuro, o ocaso do sentido de história
inaugurará, ante a visão aterradora do nada, a consciência pós-história.
Os pontos nos quais tudo se desintegra não têm dimensão, são imensuráveis.
Entre tais pontos, intervalos se abrem. Não se pode viver em tal universo vazio
com consciência destarte desintegrada. É preciso que obriguemos os pontos a se
juntarem, que os integremos, que tapemos os intervalos, a fim de concretizarmos
tal universo e tal consciência radicalmente abstratos. (Ibid., p. 23).
Nessa perspectiva, o cyberspace, como espaço eletrônico ou espaço de fluxos,
universo paralelo ou, em síntese com os espaços urbanos, território digital informacional, é
entendido, nesta Tese, como nulodimensionalidade ciberespacial sobre a qual imagens técnicas
são projetadas na ―tentativa de juntar os elementos pontuais em nosso torno e em nossa
consciência de modo a formarem superfícies e destarte taparem os intervalos‖ (ibid., p. 24). É
assim que as plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva tornam
―habitável‖ o invisível deserto dos códigos binários, constituindo reconfortantes ―lugares‖ para os
quais sempre é possível retornar, apesar do dinamismo das conexões. A despeito das ilusões que
engendram, as plataformas são projetos formais que modelizam, no inóspito e dinâmico
cyberspace, um mundo tecnoimaginário (id., 2007, p. 136). Em essência, também são códigos
tecnológicos, mas dispostos como tecnoimagens que facultam a ilusão de que há algo em vez do
característico nada da dimensão nulodimensional. Sobre a abstração impalpável e o inimaginável
abismo, em meio ao campo do virtual, as imagens técnicas são o resultado sempre provisório da
junção de elementos pontuais, zeros e uns, acidente programado que torna visível as virtualidades
das quais derivam. São miragens.
Nelas, aquilo que é alegremente chamado de ―relacionamento‖ é conjunto, ou
coleção, de relações múltiplas e efêmeras, possibilidades de conexão e desconexão que ensejam a
sociabilidade de superfície. A transitoriedade dos arranjamentos subjetivos que compõem as
apresentações pessoais não é devidamente percebida, razão pela qual os termos identificação e
identidade plural (não necessariamente coesa, coerente e permanente) são mais adequados que
identidade4 para nominar o processo de circunscrição do sujeito e promoção do eu. Ainda assim,
as plataformas ciberculturais obliteram sua própria fluidez, transformando-se em pontos de
4 Embora não sejam responsáveis pelos fenômenos de fragmentação, multiplicação ou implosão do sujeito moderno
e sua indefectível identidade, as plataformas ciberculturais de comunicação, relacionamento e projeção espectral da
subjetividade concorrem para sua potencialização.
92
referência sobre os quais parece possível ―assentar‖ a existência e desfrutar de ilusória
estabilidade.
1.1 Novas paragens na paisagem digital
Não é fácil conceber o cyberspace tal como realmente é por tratar-se de máxima
abstração, produto inimaginável do processamento acelerado de códigos binários. Ainda assim,
abundam metáforas reforçadoras de que se trata de espaço navegável, em cujo fluxo é possível
transitar (infovias), com pontos de entrada (portais), estações de parada – sites, homepages, salas
de bate-papo, fóruns – e endereço para correspondência – e-mails. Nesse sentido, pode-se dizer
que redes sociais digitais conformam novas paragens, sedutores rincões de alta visibilidade
mediática que redesenham a paisagem tecnoimaginária do cyberspace. Antes, porém, de analisá-
las como territorialidades projetadas na espectralidade ciberespacial, ―estáveis‖ redutos sobre o
eletrônico espaço de fluxos, cumpre apresentar e apreender sua emergência como fenômeno
comunicacional de dimensões globais.
O boom das redes sociais em todo mundo pode ser demonstrado no entrecruzamento
de três conjuntos de dados: pela larga adesão de usuários, pelo aumento da frequência de uso e
pela proliferação de novas plataformas, principalmente as chamadas redes sociais de nicho5.
Segundo o relatório Social Media Around the World 2012, da Insight Consults, sete em cada 10
internautas são membros de ao menos uma rede social – uma população estimada em 1,5 bilhão
de pessoas; e, dentre os usuários das redes sociais, 6 em cada 10 acessam seus perfis ao menos
uma vez por dia, frequência de uso que tende a aumentar com a popularização do mobile e de
social apps. 6
Dentre as diversas novas redes que despontaram nos últimos anos, Instagram e
Pinterest parecem ser as mais promissoras, embora o nível de conhecimento ainda seja
relativamente baixo. Além da concorrência, os novos entrantes precisam lidar com a resistência:
embora os usuários (95%) não tenham a intenção de deixar de usar redes sociais, 60% deles não
5 Instagram e Pinterest lideraram a categoria ―redes sociais de nicho‖ em 2012. No início de 2013, a Fortune listou
as sete redes sociais com grande potencial de crescimento: Pheed; Thumb, Medium, Chirpify, Flavyr, Chirp e
Conversations (SEVEN, 2013). 6 A Insight Consults entrevistou, no total, 7.827 pessoas, acima de 15 anos, de 19 países: Estados Unidos, Canadá,
Brasil, Argentina, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Bélgica, República Tcheca, Romênia, Polônia,
Holanda, Rússia, China, Índia, Japão e Austrália (SOCIAL, 2012).
93
desejam associar-se a uma nova rede. Tal comportamento talvez explique o chamado Google
Plus paradoxe: apesar do alto índice de conhecimento, a adoção é baixa.
Para a Nielsen (2012), desde a emergência da primeira rede social, há duas décadas,
as redes sociais não apenas continuam em expansão como se tornaram, verdadeiramente, um
fenômeno global, fazendo parte da vida diária de milhões de pessoas em todo o mundo. No
Brasil, o estudo Net Insight 2013, produzido pelo Ibope Media, aponta a liderança da
subcategoria member communities no quesito ―tempo gasto‖: 10 horas e 26 minutos por pessoa
em janeiro de 2013. Jogos online (3h20min), e-mail (2h18min), comunicadores istantâneos
(2h15min) e vídeos/filmes (1h52min) ocupam as posições seguintes. Em relação a janeiro de
2012, a audiência das redes sociais cresceu 13,5%. De acordo com The Wall Street Journal, a
média de uso das redes sociais pelos brasileiros está bastante acima da média mundial
(BRASILEIROS, 2013), como se pode observar na figura 8.
Figura 8. Brasileiros reinam nas redes sociais digitais (4 fev. 2013).
Pode-se dizer que, de certo modo, essas redes redesenharam a paisagem digital da
web ao apropriar-se de recursos pré-existentes (fotologs, comunicadores instantâneos e
mecanismos de busca, por exemplo) e impor sua lógica de identificação e vinculação a outras
categorias de sites, como provedores de email, blogs (figuras 9 e 10), portais de notícias (figura
11), games, sites corporativos e hotsites, cujas interfaces absorveram recursos como perfil, área
de membros, leitores ou seguidores e plugins para ―curtir‖ ou compartilhar conteúdos. Também
não se pode esquecer que a dinâmica das redes sociais instituiu, senão consolidou, novos
94
comportamentos de caráter sociocultural, conferindo um sentido bastante peculiar às ideias de
curtir, compartilhar, mobilizar e colaborar.
Figura 9. Blog Thata e sua vida. Destaque para o número de membros (fev. 2013).
Figura 10. Blog “Pensar Enlouquece. Pense Nisso”. Destaque para o plugin do Facebook (fev. 2013).
95
Figura 11. Recurso "compartilhar notícia” com destaque para redes sociais (fev. 2013).
Apesar de novas redes e aplicativos sociais surgirem todos os anos, verifica-se uma
tendência à concentração de usuários em poucas grandes redes. De acordo com a Insight Consults
(2012), o usuário médio predispõe-se a utilizar até duas redes, geralmente Facebook e Linked In
ou Facebook e Twitter (SOCIAL, 2012). Nesse sentido, torna-se compreensível porque os mapas
produzidos pelo italiano Vicenzo Cosenza, a partir de dados do Google Trends for Websites e do
Alexa.com, tornaram-se, gradativamente, menos coloridos: ao comparar o panorama mundial de
junho de 2009 com o de dezembro de 2012 (figura 12), verifica-se que, das dezessete redes
sociais inicialmente mapeadas como líderes regionais (Facebook, Orkut, Friendster, V Kontakte,
Nasza-Lasa, Wretch, Odnoklassniki, QZone, Cyworld, Lidè, lwlw, Hyves, Maktoob, Zing, One,
Hi5, Mixi), apenas cinco sobreviveram soberanas ao avançar do Facebook, com destaque para a
V. Kontakte, na Rússia, e a QZone, na China. No Brasil, o Orkut conseguiu manter-se invicto até
setembro de 2011, quando foi ultrapassado pela rede de Mark Zuckeberg. 7
7 O fato do Facebook conseguir ultrapassar o Orkut em número de usuários antes da estimativa mais otimista foi
noticiado por vários veículos (FACEBOOK, 2012a). Entretanto, no final de 2012, apesar da baixa frequência (4,21%
de participação de visitas em dezembro de 2012, segundo a Hitwise), o Orkut ainda compareceu como a terceira rede
preferida dos brasileiros, abaixo do Facebook (com 63,40% de visitas no mesmo período) e do Youtube (18,50%).
96
Figura 12. Comparação entre o mapa-mundi das redes sociais: 2009-2012. Vincenzo Cosenza (dez. 2012).
Cabe lembrar, ainda, que dos vinte sites mais acessados em todo o mundo em 2012, o
primeiro, com 836,7 milhões de visitantes únicos e mais de 1 bilhão de usuários, é uma rede
social: o Facebook, acima do Google (782,8 milhões) e do Youtube (721,9 milhões). Na lista,
Na sequência, constam Ask.fm, com 2,50%, Twitter, com 2,06%, Yahoo! Answers Brasil (1,42%), Badoo (1,08%),
Google+ (0,076%), e Windows Live (0,73%) (FACEBOOK, 2013).
97
também figuram o Blogger (229,9 milhões e o Twitter (189,8 milhões), além de quatro sites
chineses. 8
Todos esses dados, em conjunto, parecem sintomáticos do quanto a experiência
socioantropológica de ser cibermediático é sedutora. Tal condição exige estar em constante
estado de alerta, hiperconectado, disponível, atualizado; viver para administrar impressões e
apresentar-se como colagem dinâmica de vídeos, fotos, letras de música, scraps ou mensagens de
cento e quarenta caracteres; recriar o corpo, transformar-se em imagem, vestir-se de avatar;
desgarrar-se de si, poder ser outro, ser alguém. Colecionar amigos, batalhar seguidores, curtir,
tuitar, compartilhar. Sob o imperioso tele-existir, na azáfama de construir e prestar constante
manutenção a perfis e avatares, os indivíduos fazem mais que publicizar a própria vida. Vivem-
na para que possam ter algo para compartilhar. Ou, mais ainda: passam a ―viver‖ nas redes
sociais, o que é possível quando são compreendidas como ―plataformas‖ sobre o mar
nulodimencional do cyberspace, onde perfis e avatares corporificam a subjetividade,
organicidades aparentes que delineiam identidades e projetam sujeitos em meio aos difusos
fluxos informacionais. Se é nessas paragens da paisagem digital que os usuários investem grande
parte do seu tempo de vida, cumpre compreendê-las.
1.2 Territorialidades imaginadas
Sherry Turkle, em entrevista a Casalegno (1999, p. 117-123), diz interessar-se pelos
lugares online que se caracterizam pela não-transitoriedade, estimulando o sentimento de
pertença, a possibilidade de permanência e de convívio, além de gerar efeitos de identidade.
Embora não se sinta à vontade para chamar tais lugares de ―comunidades‖, Turkle sinaliza que,
neles, ―tecem-se histórias pessoais‖ e obtém-se a gratificação do feedback instantâneo do outro,
com quem pode-se compartilhar memórias e experimentar diferentes aspectos de si mesmo. A
pesquisadora crê que ―enquanto os especialistas continuam a falar do real e do virtual, as pessoas
constroem uma vida na qual as fronteiras são cada vez mais permeáveis‖, razão pela qual aboliu o
termo ―real‖ para referir-se àquilo que as pessoas vivem quando não estão online. Afinal, ―se as
8 Os dados que constituem o ranking são da ComScore (2012). A lista completa, em ordem decrescente, foi assim
divulgada: Facebook.com, Google.com, Youtube.com, Wikipedia.org, Live.com, QQ.com (buscador chinês),
Microsoft.com, Baidu.com (buscador chinês), MSN.com, Blogger.com, Ask.com, Taobao.com (loja online chinesa),
Bing.com, Sohu.com, Apple.com, WorkdPress.com, Sina.com.cn, Amazon.com. (OS 20, 2013).
98
pessoas gastam tanto tempo e energia emocional no virtual, por que falar do material como se
fosse o único real?‖.
Sem dúvida, tais ―colônias‖ estão trespassadas por vinculações múltiplas, com base
em interesses e afinidades não necessariamente fixadas no território geofísico ou em relações de
parentesco, e alimentam a ilusão de constituírem base segura para a instalação da subjetividade e
a promoção de um sujeito sem reservas. Inegavelmente, conformam interessante desdobramento
cultural sobre a realidade físico-biológica, uma dimensão de sobrevivência psíquica
(BYSTRINA, 1995, p. 5) cujos textos mostram a faceta socializante da cibercultura, com novas
formas de sociabilidade, trocas e experiências subjetivas, novas formas de ser, estar e perceber o
outro nas fronteiras cada vez mais indistintas entre mundo concreto e digital. A segunda realidade
vivenciada nos ―espaços‖ virtuais propicia, como todo fenômeno cultural, ―aquele momento em
que a autoconsciência se manifesta, ou seja, quando o homem é objeto do cultivo do próprio
homem‖ (BAITELLO JR., 1999, p. 28) e aprofunda, de maneira ímpar, a problemática da relação
entre subjetividade, representação e simulação, acabando por implodir a dicotomia realidade-
ficção, bem como a conceituação moderna de sujeito e identidade.
Embora seja complicado assumir como ―comunidades‖ ou ―colônias‖ sites como
Facebook, Twitter, Linded In e similares, é possível concebê-los como uma espécie de superfície
demarcada sobre a qual os indivíduos estabelecem enormes assentamentos espectrais. O conjunto
de ideias evocado pelo uso da palavra ―plataforma‖, preferencialmente adotada neste estudo,
remete à sensação corriqueira de que as redes sociais digitais constituem lócus de convivência
onde é possível entrar, estar, participar e compartilhar a vida; são bases de apresentação a partir
das quais pode emergir o sujeito, devidamente enunciado, delineado, projetado e promovido em
meio à indistinção que caracteriza os fluxos informacionais do cyberspace. Trata-se, obviamente,
de uma metáfora que alude à ilusão de que a navegação pela liquidez dos fluxos pode
desembocar em um ―território‖ com fronteiras bem definidas, uma vez que, para adentrá-lo, é
preciso identificar-se. Tais plataformas são territorialidades imaginadas, conforme os exemplos a
seguir podem demonstrar.
Em 2007, o site de humor XKCD produziu um mapa em que comunidades online são
representadas como países ou ilhas (figura 13) e o tamanho dos territórios equivale à quantidade
de membros que cada uma possuía na época. Uma rosa-dos-ventos indica como as comunidades
foram organizadas: ao norte, aquelas com enfoque prático (Yahoo, Windows Live, AOL); ao sul,
99
as dedicadas às atividades intelectuais (Blogs, Wikipedia e as ilhas IRC); a oeste, comunidades
com foco na vida real (My Space, Orkut, Facebook, Friendster, Xanga, LJ) e, ao leste, aquelas
com foco na web (Last.FM, Second Life, WoW, Digg). A área ocupada pelas comunidades com
foco na vida real é bastante vasta, com destaque para o My Space, cujo ―litoral‖ é banhado pelo
―Golfo do Youtube‖.
Figura 13. Mapa das comunidades online 2007 produzido pelo site de humor XKCD.
Uma atualização deste mapa foi lançada em 2010 (figura 14), e o nível de
detalhamento situa as redes sociais entre o território do email e do sms. Nele, Youtube deixa de
ser um golfo para tornar-se uma ilha; Twitter e Skype apresentam expressivo tamanho, embora
100
nada se iguale ao Facebook, com subárea reservada para o social game Farmville, cujo
concorrente, Happy Farm, é vizinho. O mapa aproxima, para melhor visualização dos indivíduos,
as diminutas regiões da Blogosphere, situada no Sea of Opinions, e dos Fóruns. Embora a rede
QQ, chinesa, seja grande, ocupa posição marginal e aparece cercada por uma ―grande muralha‖
(Great Firewall).
Figura 14. Mapa das comunidades online 2010 produzido pelo site de humor XKCD.
101
Figura 15. Mapa das redes sociais 2010 produzido por Flowtown (5 ago. 2010).
102
O mapa do XKCD de 2007 serviu de inspiração para que o Flowtown produzisse em
2010 a sua própria versão (figura 15), com base em dados extraídos de fontes diversas (Usa
Today, Alexa.com, Compete.com, MSNBC.com, Wikipedia.com, About.com, Facebook.com,
Twitter.com, Tech Crunch.com, Sulake.com, The Wall Street Journal). Nele, o Facebook, com
500 milhões de membros, comparece como um dos maiores territórios, abaixo apenas do Google
Empire. Outros aspectos interessantes: as redes sociais são margeadas pelo Sea of Personal
Information; Linked In, Tumblr e Foursquare aparecem mapeados e, ao norte, jazem as redes que
não existem mais (Land of Defunct Social Networks).
Diferentemente das representações de Cosenza, cujo esforço está em demonstrar
quais redes são predominantes em cada país, os mapas da XKCD e da Flowtown resultam de um
exercício imaginativo que procura reproduzir, a partir de dados quantitativos e uma boa dose de
ironia e humor, uma espécie de territorialidade espectral completamente desgarrada do território
geofísico. Obviamente que tal empreitada, ainda que se valha da correspondência entre a
dimensão dos territórios e o número de membros, é impossível: graças à arquitetura e à dinâmica
sociotécnica das redes, cada acesso reconfigura a paisagem digital, atualizando-a, e isso ocorre de
tal forma que um mesmo ambiente, acessado simultaneamente por vários internautas, será
diferente para cada um. A natureza das imagens-técnicas torna-se explícita: como resultado
provisório do jogo computacional de variáveis pontuais, elas projetam um mundo sobre a
nulodimensionalidade ciberespacial, cuja ―estabilidade‖ pode ser imaginada, embora seja apenas
efeito provisório da tecnologia de simulação.
Ainda assim, esses mapas capitalizam o imaginário cibermediático: ―ali‖, no inefável
continente das redes sociais digitais, é possível plantar uma bandeira, estabelecer uma
―comunidade‖ e dizer: ―Eu existo. Eu estou aqui‖. Diferentemente de outros rincões da web, em
que a navegação pelos fluxos informacionais ocorre despida de identificação pessoal e
aparentemente não deixa rastros, as redes sociais conformam ―colônias‖ para as quais sempre é
possível retornar e onde a identificação é condição sine qua non de acesso. Mesmo as redes
sociais voltadas para o público infantil, como o Club Penguin, da Disney (figura 16), não fogem
dessa lógica: para poder brincar, a criança precisa ter uma conta de acesso, o que lhe dá o direito
de criar o seu avatar-pinguim e circular pelos vários ambientes da rede. Trata-se de um mundo de
fantasia recheado de jogos, eventos, narrativas de aventura e personagens próprios, alguns com
status de celebridade; mas, a participação ilimitada nesse mundo só é garantida às crianças
103
associadas, aquelas cujos pais pagam taxas mensais ou anuais de filiação. Neste universo, a
principal vantagem para os assinantes consiste em poder comprar itens diversos, desde roupas e
acessórios para personalizar o avatar, até animais de estimação e artigos de decoração para iglus.
Figura 16. Página de login do Club Penguin, rede social da Disney (fev. 2013).
Metaversos são mundos digitais em que espaços para viver e conviver são
representados em três dimensões. Os cenários-ambientes, gerados por sistema dinâmico que se
atualiza a partir da contribuição, interferência ou interação dos usuários, são povoados por
avatares que abrigam subjetividades humanas e/ou robóticas. No Second Life, os usuários podem
comprar suas próprias ―ilhas‖, como propagado pelo anúncio da figura 17, para desenvolverem
estações turísticas, pontos comerciais, projetos artísticos, teleconferências, instalações
educacionais e de entretenimento, entre outras possibilidades de rentabilizar o investimento. Em
2007, uma ―ilha‖ de 65 mil metros quadrados na Mainland.Brasil (conjunto oficial de ilhas do
território brasileiro no Second Life, mantido, na época, pela desenvolvedora Kaizen Games e pelo
portal iG) custava 4.900 reais, com custo de manutenção mensal de 990 reais. Estima-se que,
desde 2010, quando o Second Life viveu seu melhor momento – 20 milhões de contas abertas,
300 mil acessos diários, 30 mil ilhas/regiões e 60 milhões de dólares por mês em transações
comerciais (SECOND, 2010) –, a Linden Lab deixou de faturar cerca de 1.400.000 dólares
mensais, com o fechamento de 4600 ilhas/regiões (SECOND, 2012).
104
Figura 17. Promoção de lançamento de “ilhas” no Second Life (29 out. 2007).
Figura 18. Foto de excursão organizada pela Agência Turistas do Second Life.
A agência de viagens Turistas do Second Life, criada por um grupo de entusiastas
brasileiros em 2009, é sintomática do nível de complexidade do metaverso. Hacsa Karillion,
105
avatar de Patrícia Rocha9, especializou-se em conduzir grupos de turistas para passear ou
explorar rincões inusitados da plataforma (figura 18). A contratação dos serviços pode ser feita
in-world e parte da experiência consiste em fotografar momentos da vida online. No Blog da
agência10
, os registros dos passeios – fotos e vídeos – ficam disponíveis para consulta. Conforme
Hacsa, o alto custo de manutenção das ilhas, associado à ingerência daqueles que se arriscam a
ingressar na plataforma, levou ao desaparecimento dos lugares. Ainda segundo ela:
As ilhas aparecem e somem com a mesma rapidez e esse foi um dos motivos que
me levaram a criar o Blog Turistas do SL, para ter um acervo de fotos das lands
que já existiram para que gerações futuras possam conhecer um pouco do SL de
2009 até os dias de hoje. (Depoimento de Hacsa Karillion – 24 mar. 2013).
Os usuários do Second Life constumam ser chamados de ―residentes‖, mas fixar
residência não é, exatamente, uma necessidade. Explorar o metaverso, portanto, torna-se um
interessante passatempo. Embora os próprios usuários compartilhem dicas de viagens, não existe
concorrência direta para o tipo de serviço que Hacsa oferece. Segundo ela:
A busca por ambientes diferentes é grande e não existem concorrentes. Na
realidade o que existem são outros Blogs (nacionais e internacionais) onde os
próprios usuários compartilham suas dicas de viagens com quem tenha interesse.
A própria Linden Lab (desenvolvedora do programa) oferece um guia de viagens
super vasto com as lands (lugares) separados por categorias. (Depoimento de
Hacsa Karillion – 24 mar. 2013).
Hacsa Karillion chegou a ser garota-propaganda de campanhas de divulgação de
lugares ―reais‖. Mas, a marcação de fronteira entre os dois mundos é bem forte.
De fato, o Second Life é um outro mundo, uma outra vida. Se bem explorado, ele
pode trazer inúmeros benefícios reais aos seus usuários. O SL é um ambiente
onde todos os sonhos podem ser realizados, não existem limites para a
imaginação e os relacionamentos constituídos ali, sejam de trabalho, parceria,
amizade e etc., ultrapassam as barreiras territoriais da vida real e modificam o
pensamento e visão de mundo dos usuários. (24 mar. 2013).
Territorialidades imaginadas também podem ser pensadas em relação a social games
que seguem a fórmula do Farmville. Dos 25 aplicativos mais populares em 2012, seis apresentam
o mesmo objetivo: construir e gerir um espaço delimitado – fazenda, vila, cidade, império ou
parque temático, desenvolvendo relações com os outros jogadores – desde a comercialização de
itens até o estabelecimento de alianças ou declarações de guerra (FACEBOOK, 2012b). Muros,
9 Patrícia Rocha, relações públicas, é profissional de mídias sociais e vive em Brasília. Concedeu entrevista por e-
mail, dada em 24 de março de 2013, e autorizou o uso das imagens associadas ao Blog Turistas do SL. 10
Disponível em: http://www.turistasdosl.com. Acesso em: 28 mar. 2013.
106
cercas e portais são elementos comuns nesse tipo de social game: indicam a ocupação do espaço
tecnoimaginário e arrefecem o sentimento de propriedade privada: ―minha fazenda‖, ―minha
vila‖, ―minha cidade‖. Colocadas lado a lado, as telas dos jogos apresentam a mesma visão
panorâmica dos pequenos impérios em construção, como pode ser observado nas figuras 19 a 23.
Figura 19. Dragon City, social game desenvolvido pela Social Point (fev. 2013).
Figura 20. Farmville 2, social game desenvolvido pela Zynga (fev. 2013).
107
Figura 21. Clash of Clans, social game desenvolvido pela Supercell (fev. 2013).
Figura 22. Social Empires, social game pela Social Point (fev. 2013).
108
Figura 23. Jurassic Park Builder, social game da Ludia (fev. 2013).
Dentro das redes sociais digitais, os social games constituem redes particulares,
proporcionando novas formas de relacionamento entre ―amigos‖. Antes deles, nos fóruns das
comunidades do Orkut, era comum encontrar jogos de sociabilidade com o objetivo de por em
relação os diferentes membros, solicitando que eles expressassem sua opinião sobre os demais, o
que ocorria a despeito da temática do fórum ou da proposta da comunidade (DAL BELLO,
2009).
Por fim, é preciso lembrar que, em contraposição ao ideário de acesso irrestrito aos
conteúdos e livre circulação da informação pelas infovias da Internet, muitas redes sociais
digitais lançaram-se como clubes fechados, comunidades virtuais cuja entrada só era possível por
meio de convite enviado por aqueles que estavam ―dentro‖. Mesmo após a abertura, quando se
tornou desnecessário conhecer alguém que já pertencesse ao clube para desfrutar das delícias de
ser/estar ―ali‖, a premissa da identificação prevaleceu: não é possível passear pelo Second Life
sem ter/ser um avatar, ou visitar perfis sem converter-se, por sua vez, em perfil passível de
visitação. As senhas de acesso ao centro de operação subjetiva pretensamente inviolável e
instransferível, congruente à identidade informada, são exigidas em todas as redes sociais –
Facebook, Google+, Orkut, Lindekin, Twitter, como pode ser observado nas figuras 24 a 28. A
filiação é sempre custosa: exige investimento de tempo na construção e manutenção da
identidade virtual, avatar ou perfil, além da busca de conhecidos, em atividades de
relacionamento, compartilhamento e consumo de informações variadas.
109
Figura 24. Página inicial do Facebook (13 mar. 2013).
Figura 25. Página Inicial do Google+ (13 mar. 2013).
Figura 26. Página incial do Orkut (13 mar. 2013).
110
Figura 27. Página inicial do Linkedin (13 mar. 2013).
Figura 28. Página inicial do Twitter (13 mar. 2013).
Para Vander Spartan, 36 anos, criador da maior comunidade brasileira de jogadores
de Mafia Wars no Facebook, os games tornaram-se fonte de atração de usuários para o Facebook
na época em que o Orkut ainda era líder. Mas, embora tenha constituído um diferencial até o
lançamento de aplicativos como Buddy Poke e Colheita Feliz, o que impulsionou o ―êxodo‖
Orkut-Facebook foi o desgaste pessoal vivido por muitos usuários em relação às conseqüências
implicadas na participação em uma rede de alta visibilidade e poucos recursos de privacidade. Os
brasileiros ―migraram‖ para o Facebook em busca de uma nova chance; construíram novos perfis
111
e predispuseram-se a não cometer os mesmos erros, dentre eles ligar-se a desconhecidos, ter
muitos ―amigos‖ e expor-se em demasia.
Por outro lado, os brasileiros heavy users do Facebook designaram a chegada de
novos compatriotas como temerável processo de ―Orkutização‖ ou ―favelização do Face‖. Veja-
se, por exemplo, dois virulentos comentários sobre a possibilidade do Facebook superar o Orkut
(O ORKUT, 2010) em número de usuários:
Acredito que se uma migração massiva dos usuários brasileiros do Orkut para o
Facebook ocorresse, simplesmente haveria uma mudança de endereço de
todas as mazelas. Tudo o que se faz de ruim lá seria despejado no Facebook. E
considerando o quanto os usuários do Facebook devem se julgar melhores que
os do Orkut (mais inteligentes, mais educados, mais cultos…), não seria de
espantar que estes fugissem rapidinho pra qualquer outro serviço semelhante,
que seria eleito o novo queridinho dos hypados, só pra manter sua casta
protegida. Afinal, ―eles não se misturam com essa gentalha…‖ (Daniel LC – 12
mai 2010; grifo nosso).
Já pensou essa ―massa‖ no Twitter? Os americanos vão querer matar esses
gafanhotos… (Gerson – 4 mai 2010; grifo nosso).
Cumpre salientar que tais plataformas são da ordem da visibilidade hiperespetacular,
são miragens de uma territorialidade que, no fundo, é pulsão de tempo disfarçado de lugar. Por
meio de refinada espectralização da existência, providenciam a colonização do tempo real; por
essa razão, não abrigam pessoas, mas imagens evanescentes que se pretendem identitárias das
subjetividades que projetam; tampouco propiciam o relacionamento entre pessoas, mas a
mediação entre elas por meio das imagens que escolheram ostentar.
113
CAPÍTULO 2 - A espectralização da existência
Para adentrar o inabitável universo dos códigos binários e existir em tempo real, é
preciso tornar-se uma presença espectral e assumir uma existência fantasmagórica na hiper-
realidade das plataformas ciberespaciais. Tal existência, intangível e inefável, torna-se visível
quando assume, em redes sociais, social games e metaversos, a forma de perfil ou avatar. Ambos
devem ser entendidos como elementos ímpares no processo de espectralização da existência, são
tecnoimagens, no sentido flusseriano, que compõem uma espécie de organicidade sígnica que
reveste e delineia a subjetividade nos tempos e espaços nulodimensionais. São corporeidades que
tornam possível a tele-existência e a colonização das plataformas de relacionamento que também
são, por sua vez, imagens técnicas. Esta afirmação requer a apresentação de alguns conceitos, tais
como espectralidade, simulacro e hiper-real.
Conforme cunhada por Guillaume (1982 apud TRIVINHO, 1998, p. 123-124), a
noção de espectralidade diz respeito ao fato de a telecomunicação refratar os elementos
multissensoriais, fragmentando-os para realizar-se por meio de alguns, ao passo que abole outros.
Intimamente ligada aos sentidos de distância (visão, audição), corrobora o desmantelamento do
mundo da profundidade, dos volumes, dos odores e dos sabores; suprime o território geográfico
e, com ele, distâncias e fronteiras; inscreve as manifestações subjetivas em suportes igualmente
espectrais (elétricos, eletrônicos, digitais) e reduz a complexidade do corpo a simulacro, cuja
completude é operada no plano do imaginário a partir de alguns elementos: a voz, a imagem do
rosto, o conjunto de informações icônicas e textuais que conforma a persona inscrita no perfil ou
avatar cibermediáticos. Destarte:
A existência eletrônica espectral em tempo real, especialmente o seu braço mais
sofisticado e doravante hegemônico, a tele-existência no universo virtual,
processa-se à sombra de um cenário funéreo – sombra cuja representação
conceitual mais apropriada radica no recurso à metáfora, por timbrada que seja:
a tele-existência não se positiva sem, ao mesmo tempo, estruturar,
irrecorrivelmente, de outro lado, o cemitério da materialidade do mundo, assim
como, de resto, de todos os elementos que lhe constituem a forma herdada.
(TRIVINHO, 2007a, p. 341).
A ascensão da manifestação desmaterializada, teoricamente segura por realizar-se a
distância e em tempo real, em detrimento da comunicação presencial, em que o corpo é sentido
como um fardo, implica, fatalmente, a supressão da alteridade concreta relativa ao outro e ao si
mesmo-outro. Afinal, ―o tempo real é um gênero de buraco negro onde nada penetra sem ser
114
esvaziado de sua substância‖ (BAUDRILLARD, 1999, p. 73). De fato, o simulacro desgarra-se
do referente original e desvincula-se do compromisso de representar alguém. Esse rompimento
com uma substância e uma realidade que lhe são anteriores inaugurará, inicialmente, a percepção
da espectralidade cibercultural como dimensão paralela hiper-real e caminhará, gradativamente,
para a substituição da existência pela tele-existência sob os auspícios da metáfora dos espaços
híbridos ou intersticiais1. Todos os referenciais são liquidados em prol de uma ―ressurreição
artificial nos sistemas de signos‖ (id., 1981, p. 9). O sucessivo desdobramento da subjetividade
para além dos contornos do corpo, circunscrita em aparições espectrais audiovisuais ou digitais
múltiplas e ubíquas, não é senão extensão radical da era da reprodutibilidade benjaminiana que
põe em ocaso a aura da unicidade corpórea, ―operação de dissuasão de todo o processo real pelo
seu duplo operatório‖ (ibid., p. 9). Interessantemente, pode-se dizer que a virtualização da
existência, no always on que caracteriza a prática cotidiana de projeção e atualização dos duplos
digitais, visa à afirmação nostálgica da individualidade e à recuperação da aura perdida.
Impelidos irremediavelmente pela melancolia do único (TRIVINHO, 2010), os usuários
devotam-se a definir quem são, ainda que os principais eixos de interpelação dos sujeitos tenham
se deslocado do pontual ―Quem sou eu?‖ para os dinâmicos ―O que está acontecendo?‖ ou ―Em
que estou pensando?‖. Toda atuação nas redes sociais digitais reduz-se à infinita definição do ―si
mesmo‖.
As noções de simulacro e hiper-real são fundamentais para a compreensão dos
espectros virtuais ou duplos digitais que identificam e ―corporificam‖ a subjetividade operante.
Conforme Chauí (2006, p. 82), a raiz etimológica de simulacrum é latina, vem de similis, o
semelhante, de onde deriva o verbo simulare, tomar a aparência, significado que abriga sentidos
opostos: representar exatamente (cópia) e fingir ou simular ser algo que não é. O termo
simulacro, portanto, pode ser compreendido como representação, quando aponta para um
referente que lhe é exterior, ou como simulação quando, autorreferente, rompe com qualquer
realidade fora de si. Para Baudrillard (1981, p. 13), a simulação, ao contrário da representação
fundamentada na equivalência utópica entre signo e real, ―parte do signo como reversão e
aniquilamento de toda a referência‖, o que promove o assassinato do real. Na representação, a
imagem é reflexo de uma realidade profunda, embora também possa deformá-la ou mascarar a
ausência de profundidade; mas, na simulação, a imagem ―não tem relação com qualquer
1 Conforme apresentado no Capítulo 1 da Parte II – A nulodimensionalidade ciberespacial.
115
realidade: ela é o seu próprio simulacro puro‖ (ibid., p. 13). Na representação, a distinção
ontológica entre o que é real e o que não é, na medida em que a imagem ―reproduz certos
aspectos da aparência visível‖ de algo ou alguém (WOLFF, 2005, p. 21), ainda é possível. Mas,
na simulação, com a perda de referências e juízos de valores, não faz sentido separar o verdadeiro
do falso, o real do artificial, o original da cópia. Tampouco faz sentido procurar pelo duplo como
desdobramento artificial ou imaginário umbilicalmente vinculado a um corpo. O universo da
simulação ―não se trata de um universo duplo, ou mesmo de um universo possível, nem possível,
nem impossível, nem real, nem irreal: hiper-real‖ (BAUDRILLARD, 1981, p. 155).
A partir dessas considerações, é possível afirmar que as manifestações subjetivas
espectrais são simulacros, tecnoimagens que se colocam no lugar de alguém não para representá-
lo na espectralidade da dimensão comunicacional do cyberspace, mas para simulá-lo. Esses
duplos que habitam os fluxos cibermediáticos são hiper-reais, simulacros que, por efeito da
simulação, engendram realidade própria, hiper-realidade que parasita o tempo de vida daqueles
que operam as redes a título de passatempo. O vampirismo dos simulacros deixa atrás de si o
desaparecido ―cadáver do Real‖ (id., 2001, p. 68) e engendra o que Baitello Jr. (2005) chamou
apropriadamente de iconofagia2.
Projeções subjetivas implicam a construção de um lugar de fala particular em
plataformas ciberculturais de alta visibilidade mediática, de onde emerge, devidamente
circunscrito, ainda que o delineamento seja provisório e recorrentemente negociado nos jogos de
sociabilidade, um sujeito. O conjunto dinâmico de informações textuais, imagéticas e
multimediáticas, dispostas em perfis ou modeladas como avatares, é tecido para ―materializar‖ ou
―concretizar‖ tal aparição, lençóis sobre o fantasma na máquina que, ao mesmo tempo,
amortalham o cadáver do real. Dado o fato de que a existência, na nulodimensionalidade
ciberespacial, ocorre em tempo real, a aparição-presença que emerge corresponde a um tipo
específico de sujeito, o intermitente e agonizante sujeito glocal, efeito resultante da transposição
sígnica contínua da dimensão do lugar, do corpo, para os ambientes comunicacionais das redes e
metaversos.
2 Veja-se o Tópico 1.2 do Capítulo 1 da Parte III – Iconofagia, mediosfera e desejo de visibilidade.
116
2.1 Projeção subjetiva
Dentre os aspectos imanentes das plataformas ciberculturais, a projeção subjetiva é
tão ou mais importante que o relacionamento, embora o apelo mercadológico centre-se,
invariavelmente, na possibilidade de encontrar o outro. Na página de entrada da eHarmony
(figura 29), por exemplo, salienta-se que ―todos os dias milhares de novas pessoas se cadastram a
procura de um amor verdadeiro‖, mas a rede não se limita a ser um site de encontros, pois presta-
se a indicar ―pessoas compatíveis em dimensões como humor, personalidade e até mesmo planos
futuros‖. O texto é encerrado com uma provocação: ―E então, o que você está esperando? Não
está curioso para saber quem combina com você?‖.
Figura 29. Página de entrada da e-Harmony (13 mar. 2013).
Para descobrir quem combina consigo, o indivíduo precisará preencher de forma
detalhada um perfil que faça jus à ideia de ―si mesmo‖ que deseja veicular. E, provavelmente, o
sucesso da empreitada dependerá de como a subjetividade foi in-formada3 neste artefato
3 Para Flusser (2007), informar é um conceito que ―significa impor forma à matéria‖ (p. 31). Ocorre, entretanto, que
―as informações que hoje invadem nosso mundo e suplantam as coisas são de um tipo que nunca existiu antes: são
informações imateriais‖ (p. 54), impalpáveis e inapreensíveis, embora decodificáveis (daí Flusser chamá-las de
117
identitário, razão pela qual uma usuária da rede ParPerfeito, preocupada com sua performance,
pergunta: ―Meu perfil está ruim?‖ (figura 30).
Figura 30. Área de perguntas e respostas do site de relacionamento ParPerfeito (13 mar. 2013).
Nas redes, pululam conselhos ministrados por especialistas em relacionamentos
virtuais que, invariavelmente, recaem sobre a importância de construir um bom perfil. Fundo,
pose e figurino, bem como a qualidade da imagem da foto de identificação, podem contribuir
para chamar a atenção do outro e despertar seu interesse; o texto descritivo que compõe o perfil
precisa combinar objetividade, criatividade, bom humor e simpatia. Percebe-se que para obter
algum sucesso, medido pela quantidade de ―outros‖ que se aproximam para interagir, é preciso
conjugar espontaneidade e vivacidade com racionais estratégias de marketing pessoal, deve-se
projetar uma imagem de alegria, abertura e positividade. De acordo com Frederico Mattos,
psicólogo especialista em relacionamento amoroso:
Fotos antigas, embaçadas, parciais, com fundo ruim, cores gritantes, poses
estranhas, sorrisos forçados, paisagem, bichinhos, plantas, caras fúnebres e olhos
mal humorados serão usados contra você. Busque tirar uma foto o mais
espontânea possível, de tal forma que a imagem capture sua vivacidade. [...]
Enumere suas características físicas, psicológicas e sociais mais interessantes.
Nada de lamentações, coisas negativas ou restrições, isso será conhecido a
seu tempo, depois que a intimidade der conta de fazer superar um defeito aqui e
outro ali. [...] Esteja de coração aberto para qualquer informação que surgir sem
―não-coisas‖ e chamar atenção para o caráter nebuloso e fantasmagórico do novo ambiente). Nesse sentido, in-
formar-se é por-se na forma desta ―não-coisa‖ espectral, o perfil.
118
rebater, criticar ou lamentar. Tenha um olhar positivo sobre o mundo, seja
inspirador, mas sem ser cafona. (PAQUERA, 2013; grifo nosso).
Cumpre salientar que a projeção subjetiva ocorre em ―plataformas ciberculturais
hiperespetaculares‖ (DAL BELLO, 2009), ou seja, plataformas de alta visibilidade
cibermediática onde o outro é convertido em audiência e existir só faz sentido no exaustivo
exercício de constituir-se como protagonista do próprio show, o ―show do eu‖, como chamou
Sibilia (2008). As doces promessas da visibilidade, inculcadas no imaginário coletivo pela
indústria cultural desde a emergência da sociedade do espetáculo debordiano, fascinam e
encantam; são o canto da sereia que arrasta os indivíduos para o mar nulodimensional dos
códigos binários, onde podem, finalmente, ainda que como espectros fabulosos de si mesmos,
tele-existir. Marcondes Filho (2012, p. 160), atento ao caráter narcísico das redes e a satisfação
que alimenta o eu que se exibe, salienta:
[...] este eu encontra felicidade no ato de ser visto, ser procurado, ser acessado.
Assim ele constrói seu sentido de existência. Por isso, nas narrativas, o que
aparece em primeiro lugar é ele novamente, o autor-narrador contando suas
peripécias inacreditáveis, suas bizarrices, sua imbecilidade, tanto faz, o conteúdo
é o que menos importa, importa atrair, como diz o ethos da televisão comercial.
Não existe o conceito de ‗baixo nível‘ na Net, como não há na TV aberta. Como
diria Niklas Luhmann, o ‗código‘ do sistema cibercultural não é qualidade/não
qualidade (este seria o código da liberatura, da antiga obra de arte etc.), mas o da
visibilidade/não visibilidade, é isso que interessa, apenas isso.
Por projeção subjetiva, portanto, deve-se entender a sobreposição dos seguintes
sentidos: (1) o eu como projeto, idealização ou empreendimento, construção vaidosa e contínua
de si, ainda que por vezes descuidada de certos resguardos, formalizada em identidades-perfis em
permanente estado de manutenção que o apresentam, simulam e representam, constituindo o local
de enunciação do eu como sujeito; (2) o eu como imagem projetada sobre a superfície da pele e
das telas, portanto aparência orientada para a conquista da admiração alheia, produto mediático
que busca ser, ao mesmo tempo, objeto de desejo e de consumo, e (3) o eu como objeto de
promoção, com vistas a alcançar distinção e tornar-se proeminente, reconhecido e legitimado no
olhar do outro, com o qual disputa o centro da cena mediática e alterna os papeis de show e
audiência do show alheio. Essas três concepções estão em consonância com os sentidos do termo
―projeção‖: ato ou efeito de (a) prolongar-se, lançar-se em um ambiente de alta visibilidade; (b)
delinear-se; (c) figurar-se, representar-se; (d) destacar-se, ter importância; (e) exibir-se –, devem
ser compreendidas como sintomáticas da emergência de um novo tipo de subjetividade,
119
alterdirigida e exteriorizada, evadida dos redutos modernos da intimidade, lançada longe de
qualquer sentido de permanência e profundidade, livre de qualquer compromisso com as
categorias da sinceridade ou da autenticidade. 4
Nesse contexto, a projeção subjetiva diz respeito à empiria de construção, atualização
e promoção de perfis e avatares, corporeidade sígnica que delineia os intermitentes sujeitos
cibermediáticos e glocais em um regime (in)visibilidade cuja agonia coloca sob suspeita qualquer
promessa sussurrada.
2.2 Arranjamentos tecnoimagéticos
A navegabilidade em redes sociais e metaversos está condicionada à projeção dos
indivíduos em corpos espectrais: não é possível acessar o conteúdo do Orkut sem ter/ser um
perfil do Orkut; não é possível ―caminhar‖ pelo Club Penguin sem ter/ser um avatar-pinguim.
Ainda que o cyberspace não deva mais ser interpretado como universo paralelo, o acesso a
determinados rincões demanda registro próprio, da identificação à construção de uma espécie de
organicidade-aparente, o espectro virtual.
Assim, os espectros virtuais que viabilizam a tele-existência cibermediática devem
ser entendidos como arranjamentos sígnico-imagéticos, constructos singulares que, por sua
natureza de interface, facultam constituição, projeção, aparição, simulação, representação,
presentificação e permanência dos usuários nas plataformas ciberespaciais de alta visibilidade
mediática. É o que, no cyberspace, conferirá ao usuário um ―corpo‖ ou ―lugar de fala‖ que
circunscreverá sua subjetividade e a partir do qual poderá existir em tempo real, exercendo
efetivamente o status de sujeito cibermediático e glocal.
Os aspectos gráficos que fazem o sujeito ―apareSer‖ na nulodimensionalidade
ciberespacial podem ser de dois tipos: (1) conjunto dinâmico de páginas que abrigam
informações textuais, imagéticas, audiovisuais e hipertextuais – como as identidades-perfis – e
(2) representação gráfica em 3D – como os avatares de metaversos como o Second Life, redes
sociais como o Club Penguin ou social games como o Buddy Poke. A convergência entre os
4 Os principais significados para o termo ―projeção‖ são indicados a seguir: ―1) Ato ou efeito de projetar. 2)
Arremesso, lanço. 3) Ato de projetar uma imagem sobre uma superfície. 4) Imagem assim formada. 5) Exibição de
um filme cinematográfico, projetando as suas imagens sobre uma tela. [...] 9) Saliência, proeminência. 10) fig
Importância, destaque‖ (Dicionário eletrônico Michaelis/UOL).
120
arranjamentos também é possível. Na figura 31, o perfil do Orkut contém como foto de
identificação uma imagem do avatar que o usuário (Lucas XD, 10 anos) utiliza no Club Penguin.
Além disso, sem sair da plataforma, o usuário faz uso do avatar gerado pelo aplicativo
BuddyPoke para manifestar sentimentos e ações relacionadas a seus amigos.
Figura 31. Perfil do Orkut com imagem de identificação do Club Penguin (11 abr. 2010).
Tais arranjamentos podem ser considerados uma espécie de nó de articulação em que
são negociados, dispostos e ordenados os múltiplos fragmentos subjetivos na proposição de uma
silhueta, um atavio, um projeto para exposição pública, ou hiperespetacularização cibercultural.
Por meio dele, o usuário enverga/ostenta sua organicidade aparente, movimenta-se pelas redes
sociais e metaversos, publiciza seus pensamentos, registra e projeta sua presença, comunica-se,
relaciona-se e vincula-se a outras interfaces subjetivas (o outro). Vê-se e dá-se a ver como
―alguém‖, o que confere sentido e legitima a existência.
Perfis e avatares também podem ser compreendidos como interfaces de manifestação
subjetiva, projeções ímpares que circunscrevem seus usuários em meio à miríade de páginas que
formam as plataformas de convívio do cyberspace. Desprovido delas, o indivíduo torna-se
invisível e indiferenciado em sua navegação pelos fluxos informacionais; ainda que continue
passível de rastreamento pelas tecnologias de indexação e hipergerenciamento, não pode ser
visualizado por outros usuários que estejam, simultaneamente, visitando o mesmo site. Eis o que
121
ocorre, por exemplo, nas páginas e-commerce das livrarias virtuais: apesar do acesso simultâneo
ao mesmo conteúdo, um visitante não distingue o outro, guiando-se, no máximo, por marcadores
de presença como contadores, Rankings, comentários ou designações genéricas como ―quem
comprou este livro também comprou...‖.
Perfis e avatares, portanto, revestem as subjetividades operantes e, por suas
características e funções, pode-se dizer que estão diretamente ligados à autoimagem e à
autoestima dos usuários, ainda que sejam fruto de elaborado processo de ficcionalização do eu.
Além disso, a projeção destes constructos constitui boa parte do ―passatempo‖ de tele-existir nas
plataformas de comunicação e relacionamento, atividade compatível com a categoria lúdica do
mimicry (CAILLOIS, 1990), conforme apresentado a seguir.
2.3 Tensões de mimicry
Algo se afrouxa naquela fadiga de ter que ser eu, nessa condenação existencial e
nessa compulsão de ser si mesmo, obedecendo às verdades inscritas na própria
interioridade insondável. (SIBILIA, 2008, p. 111).
Dentre as quatro categorias pensadas por Caillois (1990) em sua reflexão sobre os
jogos – agôn (jogos de competição), mimicry (jogos de representação), inlix (jogos de
velocidade) e alea (jogos de azar) –, verifica-se que o uso das plataformas ciberespaciais de
relacionamento e projeção subjetiva reveste-se das características de mimicry. Sua dinâmica
lúdica distribui papeis e institui um espaço-tempo imaginário, compartilhado por aqueles que
brincarão de ser outro alguém. Corresponde à diversão do ―faz-de-conta‖: ao brincar de
―casinha‖, a menina age como se a comida e a boneca fossem ―de verdade‖; garotos sentem-se
mais motivados para brincar de pega-pega quando cabe a alguns o papel de ―polícia‖ e a outros, o
de ―ladrão‖. A diferença entre os dois exemplos, entretanto, é que no primeiro, a interpretação do
papel de mulher adulta, mãe e dona de casa não ocorre dentro de um cenário de competição; no
segundo, a encenação dos papeis de polícia e ladrão inscreve-se sob os auspícios agôn. A
possibilidade de sobreposição ou combinação de mais de um tipo de jogo já havia sido aventada
por Caillois (1990).
Inúmeros brinquedos, acessórios, fantasias e produtos de entretenimento assediam
mercadologicamente o universo do mimicry. RPGs (rolling play games) e videogames, por
exemplo, solicitam que os jogadores assumam determinados personagens e interajam entre si de
122
acordo com o script que embala o enredo, embora possuam aberturas para acomodar a
criatividade dos jogadores. Mimicry, entretanto, não é engodo, mas suspensão convencionada e
temporária dos referenciais concretos para que se possa desfrutar dos universos da representação
e da simulação.
A imersão em plataformas hiperespetaculares constitui um passatempo e, como tal, é
permeada pela lógica lúdica do mimicry. Nas atividades de projeção subjetiva, pode-se
experimentar o eu como personagem ou criar e interpretar ―sujeitos de ficção‖ (FONSECA
FILHO, 2012), popularmente conhecidos como fake profiles. Em ambos os casos, subjaz o
fascínio da ―dissimulação da realidade e a simulação de uma realidade outra‖ (CAILLOIS, 1990,
p. 43), onde os sujeitos jogam para construir outra realidade, mais real. Está em questão ―jogar a
crer, a fazer crer a si próprio ou a fazer crer os outros que é outra pessoa. Esquece, disfarça,
despoja-se temporariamente da sua personalidade para fingir uma outra‖ (ibid., p. 39-41).
Diversos sujeitos de ficção povoam as redes sociais digitais. Com mais de um milhão
de seguidores, @ocriador, no Twitter, define-se como ―onipresente, onisciente, onipotente e
online‖ (figura 32). No Facebook, Gina Indelicada, em página criada à revelia da empresa de
palitos, promete responder as perguntas dos indivíduos, e o faz de forma ácida e irreverente.
Além de conquistar mais de 2,7 milhões de usuários (RICCK, 2012), gerou moda: outras páginas
e perfis de Gina Indelicada surgiram (figura 33). Os dois casos remetem a personagens que
obviamente são fictícias, mas a designação fake profile não se restringe a essa modalidade. Em
março de 2013, em menos de 24 horas após sua ascenção à Papa, o recém criado perfil de Jorge
M. Bergoglio no Twitter já possuía quase 140 mil seguidores (figura 34). Mas, não são apenas as
celebridades que são alvo desse tipo de ―brincadeira‖, pessoas comuns também podem descobrir
que seus dados pessoais estão duplicados em perfis e páginas que não controlam, ou que
perderam o acesso ao próprio perfil, que passa a ser conduzido por outro a sua revelia. Nesse
último caso, muito comum na época em que o Orkut era líder no Brasil, o autor da invasão
costumava alterar o nome do perfil para ―hackeado‖, designação que indicava que a conta havia
sido ―tomada‖.
123
Figura 32. Perfil de “Deus” no Twitter - @ocriador (15 mar. 2013).
Figura 33. Várias páginas e perfis de “Gina Indelicada”, fake profiles do Facebook. (14 mar. 2013).
124
Figura 34. Fake profile de Jorge M. Bergoglio, o Papa Francisco, no Twitter (15 mar. 2013).
Mesmo quando o indivíduo decide operar a projeção subjetiva a partir do parâmetro
da representação, em que o perfil ou avatar deverá corresponder fidedignamente a si, recai-se
sobre o seguinte problema: a figura do "eu mesmo" não passa de uma ilusão de permanência,
continuidade e coerência sustentada por narrativas e artefatos identitários, ―algo que
habitualmente oferecemos ao mundo social como definidor de nós mesmos" (BARROS FILHO;
LOPES; ISSLER, 2005, p. 16). A despeito do caráter autobiográfico da identidade-perfil e da
―contundente auto-evidência‖ do eu que se exibe, trata-se sempre de uma ―ficção necessária‖,
como lembra Sibilia (2008, p. 31):
Embora se apresente como o mais insubstituível dos seres e a mais real, em
aparência, das realidades, o eu de cada um de nós é uma entidade complexa e
vacilante. Uma unidade ilusória construída na linguagem a partir do fluxo
caótico e múltiplo de cada experiência individual. Mas se o eu é uma ficção
gramatical, um centro de gravidade narrativa, um eixo móvel e instável onde
convergem todos os relatos de si, também é inegável que se trata de um tipo
muito especial de ficção. Pois além de se desprender do magma real da própria
125
existência, acaba provocando um forte efeito no mundo: nada menos que eu, um
efeito-sujeito.
Nesse sentido, soçobram tanto a pretensão das plataformas ciberculturais de fazer
convergir subjetividade e identidade-perfil de tal forma que se possa dizer que cada perfil
corresponde a uma pessoa ―real‖, de ―carne e osso‖, quanto o rótulo fake profile para designar
perfis ―inventados‖, descompromissados de representar alguém de ―verdade‖. Em 2012, o
Facebook identificou que 83 milhões dos 855 milhões de usuários ativos eram perfis duplicados,
falsos ou maliciosos (disseminadores de spam ou malware), uma situação que tensiona sua
premissa básica: ser uma plataforma em que as pessoas usam suas identidades reais (PERFIS,
2012).
Figura 35. Um perfil chamado “eu mesmo” – Orkut (jun. 2010).
A dicotomia realidade-ficção, entretanto, é difícil de ser mantida quando se percebe
que, ao envergar um fake profile (como o da figura 35), o indivíduo sente-se mais à vontade para
ser ele mesmo, dando vazão a facetas de sua personalidade que dificilmente sustentaria se não
fosse o anonimato propiciado pelo pseudônimo, enquanto a construção da identidade-perfil
―pública‖ passa por sanções com vista a providenciar a necessária adequação entre autoimagem e
imagem social. Posta em circulação, a ―narrativa identitária‖ redefine-se incessantemente,
126
resultado sempre provisório dos embates ―entre o social e o sujeito, entre as múltiplas
representações enunciadas sobre esse último – e por ele flagradas - e a forma, sempre criativa e
singular, pela qual as rearticula‖ (BARROS FILHO; LOPES; ISSLER, 2005, p. 19). A motivação
que leva à construção do fake pode ser simples: resguardar, perante alguns públicos,
determinados aspectos da vida pessoal. Deseja-se compartilhar pensamentos, sentimentos e
experiências sem o ônus de assumi-los publicamente.
Neste caso, o eu que emerge nos palcos hiperespetaculares das plataformas
ciberculturais é tão ou mais performático que os sujeitos de ficção circunscritos em fake profiles,
fazendo jus à subjetividade narcisista. No processo de espectralização da existência, o sujeito
cibermediático e glocal combina estratégias de representação e simulação: ao encenar a si
mesmo, reinventa-se. Torna-se mais real que o real, ainda que deseje parecer consigo mesmo.
Neste caso, não apenas o perfil "eu mesmo" (figura 35), fake por princípio, mas todo perfil em
que o usuário imagina reconhecer-se é, de certo modo, ficcional e hiperespetacular, resultado
lúdico das tensões provocadas por mimicry.
2.4 Facetas e interfaces: a transposição sígnica
Conforme explicado anteriormente, as plataformas ciberculturais de relacionamento e
projeção subjetiva constituem territorialidades imaginadas com fronteiras de acesso bem
definidas5. Logo na ―entrada‖, exige-se que o indivíduo identifique-se e, caso não seja membro,
que providencie o devido registro de seus dados pessoais. Afinal, interfaces de exibição da
subjetividade, tais como perfis, avatares e páginas pessoais (Blogs), são uma espécie de centro
egoístico de atuação que aguça a sensação de ser sujeito, um artefato identitário dinâmico que o
―corporifica‖ em meio aos fluxos informacionais. A despeito das trocas intersubjetivas, a
dinâmica que pauta o uso dos instrumentais é egocêntrica, narcisista e autorreferencial –
relacionamento e comunicação prestam-se antes às estratégias de projeção do eu na visibilidade
cibercultural do que propriamente ao desejo de interagir para conhecer pessoas e aprofundar
relações, razão pela qual se afirma que a projeção subjetiva é uma atividade tão ou mais relevante
que desenvolver ou cultivar relacionamentos pela rede. A projeção subjetiva almeja ―cativar‖ o
5 Veja-se o Tópico 1.1. do Capítulo 1 d Parte II – Novas paragens na paisagem digital.
127
outro, no sentido mesmo de torná-lo cativo, presa, troféu de caça, item adicional na coleção
particular de ―amigos‖ ou ―seguidores‖.
Nesse contexto, identificar-se não se limita à entrega de dados pessoais. Significa
construir um perfil e interligá-lo a outros, denominados ―amigos‖, ―seguidores‖ ou ―contatos‖, de
tal forma que cada perfil corresponda a uma pessoa identificável no ―mundo real‖. De certo
modo, os depoimentos trocados entre amigos, no Orkut, têm por função certificar a existência
concreta daquele usuário. Os testemunhos sobre suas qualidades é devidamente incorporados à
composição da identidade-perfil.
As implicações inerentes à convergência entre identidade e perfil foram exploradas
em trabalho anterior (DAL BELLO, 2009), quando a expressão ―identidade-perfil‖ foi proposta
para designar o resultado dos processos de circunscrição do sujeito em plataformas ciberculturais
de alta visibilidade mediática com o objetivo de distingui-lo do entorno nulodimensional. A
transposição sígnica, ou seja, a conversão de si em conjunto de informações decodificáveis pela
linguagem das máquinas, opera sob a lógica da identificação/diferenciação e articula
simultaneamente os parâmetros da representação/simulação (BAUDRILLARD, 1991; SFEZ,
1994; DEBRAY, 1994). Destarte, nas tensões provocadas por mimicry, o eu que se pretende
fidedignamente representado não deixa de possuir traços ficcionais, assim como o fake profile
pode revelar, à sombra ou sob a máscara, aquilo que alguém efetivamente é. Embora os espectros
ou duplos virtuais constituam instrumentos dinâmicos de identificação, podem não corresponder
à identidade publicamente conhecida do indivíduo, ou, quando sim, não revelar em absoluto o
seu ser.
A identidade-perfil abre possibilidades variadas de experiência subjetiva, o que
envolve representação, simulação e dissimulação. De todo modo, há relação direta entre
identidade e indexação: a produção desenfreada de informações pessoais no processo de
virtualizaçao da existência e transposição sígnica da subjetividade para plataformas ciberculturais
alimenta poderosos bancos de dados e dá margem ao hipergerenciamento dos conteúdos
publicados. Assim, o sujeito que emerge também é objeto passível de apropriação para fins de
especulação, entretenimento, vigilância, marketing ou pesquisa, entre outras possibilidades.
Embora alguns níveis de restrição e privacidade possam ser programados pelos usuários, a
identidade-perfil providencia acesso a conteúdos (páginas e perfis corporativos ou de pessoas
128
físicas) que nada mais são que os demais indivíduos, convertidos em objetos e trajetos
hipermediáticos.
O processo de construção do perfil, ou transposição sígnica, envolve,
invariavelmente, as seguintes etapas: anuição aos termos de uso e às políticas de privacidade,
informação de dados pessoais, publicação de uma imagem de identificação, indicação do nome e
sobrenome relacionados a essa imagem, vinculação (envio de pedidos de ―amizade‖ e busca
orientada por conhecidos que já estejam na rede) e produção de conteúdo (compartilhamento de
textos, fotos e vídeos, próprios ou de outrem). Uma cena do filme The so coal network, criado
pelo Greenpeace em sua guerra para que o Facebook adote uma postura ecologicamente correta,
ilustra de forma magnânima tal transposição: inscrever-se nos bancos de perfis das plataformas
corresponde à violenta entrega de si mesmo, a ponto da total despersonalização (figura 36).
Figura 36. Imagem do filme The so coal network, do Greenpeace (set. 2010).
Pensar o significado de identidade em uma cultura de simulação, interface e
superfície, representativa dos valores vigentes na pós-modernidade, implica novas considerações
sobre a subjetividade. Turkle (1997), ao debruçar-se sobre o tema, verificou que a experiência
subjetiva de fragmentação, multiplicidade, descentralização e ubiquidade característica da pós-
modernidade correspondem à possibilidade de operação simultânea em várias janelas
computacionais.
[...] as janelas tornaram-se uma poderosa metáfora para pensar no eu como um
sistema múltiplo e fragmentado. O eu já não se limita a desempenhar diferentes
papeis em cenários e momentos diferentes [...]. A prática vivida nas janelas é a
129
dum eu descentrado que existe em muitos mundos e desempenha muitos papeis
ao mesmo tempo. (Ibid., p. 18).
Para alguns usuários, inclusive, "A vida real é só mais uma janela e normalmente não
é a que mais me agrada" (ibid., p. 18). As vivências do eu como constructo dinâmico e da
identidade como plural tornam-se, graças à experiência cotidiana nas redes, cada vez mais
palpáveis, embora não sejam exatamente uma novidade:
Uma das contribuições mais revolucionárias de Freud foi ter proposto uma visão
radicalmente descentrada do eu, mas a sua mensagem foi várias vezes
obscurecida por alguns de seus seguidores, que insistiam em atribuir ao ego uma
autoridade executiva superior no governo do eu. Todavia, estas tendências
recentralizadoras foram por sua vez questionadas periodicamente por membros
do próprio movimento psicanalítico. As ideias jungianas sublinharam que o eu é
o lugar de encontro de diversos arquétipos. A teoria das relações objectais
referiu o modo como as coisas e as pessoas que povoam o mundo vêm viver
dentro de nós. Mais recentemente, os pensadores pós-estruturalistas tentaram
descentrar o ego duma forma ainda mais radical. Na obra de Jacques Lacan, por
exemplo, os complexos encadeamentos de associações que constituem o
significado para cada indivíduo não conduzem a qualquer instância final ou
nuclear. Sob a bandeira de um regresso a Freud, Lacan insistia que o ego é uma
ilusão. Com isto, ele estabelece a ponte entre a psicanálise e a tentativa pós-
moderna de retratar o eu como um domínio discursivo, e não uma coisa real ou
uma estrutura permanente da mente humana. (Ibid., p. 263).
As múltiplas interfaces de projeção subjetiva (perfis, páginas, avatares e canais de
vídeo e podcasts), relativas a ou operadas por uma mesma pessoa, dão mostras da
impossibilidade de considerar-se seriamente o conceito moderno de identidade. Segundo Turkle
(1997), se antes a rápida alternância entre identidades não era bem vista – bígamos, travestis,
falsários ou pessoas com personalidade desdobrada no pior sentido, como visto em "O médico e o
monstro" eram considerados desviantes –, a manifestação subjetiva por meio de diversas
identidades perdeu seu caráter marginal. A identidade tornou-se fluida; é desejável saber alternar
entre as identidades múltiplas que constituem as diversas facetas do eu e estas diversas facetas
não necessariamente organizam-se ao redor de um eixo ou núcleo "essencial".
Cada era constrói as suas próprias metáforas, tendo em vista o bem-estar
psicológico do indivíduo. Há não muito tempo, a estabilidade era socialmente
valorizada e culturalmente reforçada. Papeis rígidos atribuídos a cada um dos
sexos, trabalho repetitivo, o desejo de ter o mesmo tipo de emprego ou
permanecer na mesma cidade ao longo de toda a vida, tudo isto fazia da
consistência um elemento central nas definições de saúde. No entanto, estes
mundos sociais estáveis entraram em colapso. Nos nossos dias, a saúde é
descrita em termos de fluidez, mais do que estabilidade. O que conta é a
capacidade de mudar e adaptar-se – a novos empregos, novas perspectivas de
130
carreira, novos papeis atribuídos a cada um dos sexos, novas tecnologias. (Ibid.,
p. 381).
Cabe salientar que toda vez que o usuário ―adentra‖ a plataforma com seu login e
senha a identidade-perfil construída o reveste, razão pela qual é possível pensá-la como uma
espécie de corporeidade sígnica ou espectral que lhe dá forma, tornando-o visível. Somente
através dessa organicidade-aparente o usuário pode atuar, quer seja manifestando seus
pensamentos ou sentimentos, quer seja movendo-se entre outros perfis para deixar, neles, seu
rastro. E, toda vez em que ocorre a conversão simultânea da vida em conteúdo mediático, a
identidade-perfil ascende ao status de perfil-sujeito, deixando de apenas apresentá-lo ou
representá-lo para torná-lo presente, processo que Virilio (2005) irá chamar de presentação.
No processo de transposição sígnica e composição de perfis, corrompem-se as
categorias estanques do modelo matemático da comunicação: ao in-formar-se, o sujeito-objeto
também torna-se parte do trajeto, é emissor-mensagem-canal que não se limita a participar da
rede-sistema, mas a integra como possibilidade de navegação. Quando, ao circular pelos perfis
alheios, deixa comentários ou registra suas impressões, não pode fazê-lo sem derramar nós de
retorno a si. De certo modo, quanto mais interage, mais visibilidade obtém.
O corpo físico deixa de ser o centro de gravidade, interesse ou organização da
subjetividade, que se desloca para as múltiplas contas de acesso às redes. É a partir delas que a
subjetividade adquire a capacidade de tornar-se presente a distância, ubíqua e tele-existente.
Exprime-se como ―eu‖ e, na prática da autoexposição, realiza contínuo exercício identitário que
rostifica a identidade-perfil, confere sentido à vida e garante a necessária sensação de
―mesmidade‖. Ainda que este ―eu‖ seja insuspeita aventura da linguagem, instituição de nó
articulatório de pensamentos, sentimentos e percepções em meio à subjetividade atravessada
pelos vários discursos que permeiam seu vir-a-ser, é ele quem aponta irremediavelmente para
aquilo que qualifica a experiência pessoal como intransferível.
Se a subjetividade diz respeito à sensação de ser alguém, ser sujeito é um efeito que
está condicionado às circunstâncias de expressão dessa subjetividade na construção, manutenção
e atualização de suas formas espectrais.
131
2.5 O bunker ontológico do perfil-sujeito
As identidades-perfis introduzem o indivíduo nas plataformas e o apresentam. De
certo modo, também o representam quando não estão online. Isso significa que é possível visitar
perfis mesmo que seus ―donos‖ não estejam presentes, quer seja para consultar os conteúdos ali
disponíveis ou deixar mensagens. Nesse caso, os perfis são artefatos de representação, põe-se no
lugar de alguém em sua ausência; e por ausência, entenda-se alguém sem capacidade ou
possibilidade de interagir em tempo real por dromoinaptidão momentânea (ausência acidental) ou
definitiva (ausência substancial), status off-line. São objetos passíveis de apropriação e, também,
parte do trajeto de navegação.
Entretanto, quando o indivíduo está online, a identidade-perfil passa a presentá-lo,
torna-o presente a distância. Conforma uma espécie de corpo-sígnico tecnológico que possibilita
existência em tempo real: é subjetividade conformada em aparição-presença. Por isso, não se
trata apenas de ter um perfil, mas de sê-lo. Tal convergência fica patente em expressões populares
como ―Te encontrei no Orkut!‖ ou ―Me acha lá no Facebook‖, confusão absoluta entre
subjetividade e artefato de identificação.
Ser um perfil subverte a lógica da representação. Para envergá-lo como corpo
tecnoimaginário, é preciso construí-lo de tal forma que se assemelhe à autoimagem ou à imagem
que se deseja promover. E o processo de espectralização que, em tese, é simples transposição de
si da dimensão dos lugares sensíveis para a dimensão comunicacional das redes de alcance
global, não consegue fazê-lo sem assujeitar a existência ao regime de visibilidade do ―apareSer‖.
Nesse sentido, não é o perfil que ―espelha‖, bem ou mal, a realidade do sujeito, mas o sujeito que
passa a viver sua existência na expectativa de veiculá-la em um ambiente de alta visibilidade
mediática. Em face da perspectiva de obter sempre mais audiência, o sujeito investe tempo de
vida em tele-existir. Digitaliza-se. Publiciza seu cotidiano. Habita os ambientes virtuais. E, de
certo modo, passa a viver em função da possibilidade de ser visto, uma vez que o olhar de
aprovação do distante outro atesta e valida sua existência. Por essa razão, quando o indivíduo
passa a ser um perfil, pode-se dizer que é o perfil que passa a abrigar (ter) um sujeito, revestindo-
o. Tal ideia é bem demonstrada nas duas imagens a seguir. A primeira, retirada do Blog Pérolas
do Orkut, foi escolhida por retratar a identidade-perfil como fantasia (figura 37). Para além do
sentido literal, as identidades-perfis são aparições fantásticas que se alinham, graças à raiz
132
etimológica, à falage dos fantasmas, dos espectros, das visões e manifestações imaginárias.
Pertencem ao reino da fantasia. Além disso, aponta o poder de assujeitamento exercido pelas
identidades-perfis, que indexam a vida, arrolam a alteridade, suprimem o corpo e condenam os
sujeitos à contínua ostentação de si mesmos, para o quê devem sustentar a fantasia que envergam.
Supremacia do perfil-sujeito.
Figura 37. Imagem retirada do Blog Pérolas do Orkut (2009).
Figura 38. Vestido-Facebook, criação da estudante Lana Dumitru. (nov. 2010).
Na figura 38, a identidade-perfil, transformada em vestido, objeto de moda, recobre o
corpo feminino com os dados de identificação pessoal. Não há, na performance, qualquer traço de
133
crítica sobre a inversão: o sujeito transforma-se no suporte de veiculação da imagem que deveria
exibi-lo. Em ambas as figuras, os corpos espectrais ganham tangibilidade. Fugidos da dimensão
tecnoimaginária, reproduzem sobre a substância corpórea, como fantasia ou veste inusitada,
aquilo que fazem em relação à subjetividade nos ambientes digitais.
Figura 39. Usuária do Second Life exibe seu avatar. (9 set. 2007).
Figura 40. Exemplo de identidade-perfil no Facebook. (jan. 2013).
134
Pode ser difícil conceber a identidade-perfil como ―corpo‖, uma vez que a
subjetividade jaz esparramada em conteúdos múltiplos. Com os avatares6, entretanto, é diferente:
a representação/simulação da subjetividade toma forma que se destaca do cenário digital,
percorrendo-o sem confundir-se com ele. Ainda que, no Second Life, seja possível ter/ser um
avatar com chifres e asas ou no Club Penguin o usuário apresentar-se como um avatar-pinguim, a
subjetividade manifesta-se como corpo gráfico e suas possibilidades de interação dependem dos
recursos disponíveis em cada plataforma. O toque em botões de ação, no Second Life, por
exemplo, torna possível ao avatar sentar-se, dormir, dançar, voar, correr e fazer sexo (figura 39).
Por fim, cumpre salientar que é justamente a intangibilidade do corpo-sígnico o que
aguça a sensação de segurança ontológica. A identidade-perfil (figura 40) ―encapsula‖ a
subjetividade, confere-lhe status de sujeito e, a partir desse bunker ontológico, ele pode atuar.
Nesse sentido, é janela de visibilidade cibermediática que confere acesso direto à autoestima e
palco que possibilita o exercício da mitologização do sujeito. A fantasia de que não pode ser
tocado insufla o senso comum de que as atividades no cyberspace constituem passatempos
inconseqüentes, como se a atuação na rede e a experimentação da tele-existência não
reverberassem na realidade sensível, físico-corpórea.
6 Para aprofundamento no tema, veja-se Cavalheiro (2011).
135
CAPÍTULO 3 - Tele-existência glocal
Tele-existir, compreendido como existir em tempo real, não seria possível sem as
tecnologias que tornam o glocal possível. Sensível desde o advento do telégrafo e da telefonia,
este fenômeno comunicacional foi delineado como conceito apenas recentemente, quando
percebido como ―produto sociocultural do desenvolvimento dos vetores de aceleração técnica e
tecnológica da vida humana‖ (TRIVINHO, 2007a, p. 324). Trata-se de um conceito seminal para
o quadro teórico-epistemológico concernente à dromocracia cibercultural1 e seu desenho
conceitual, de partida, acentua a natureza complexa e paradoxal que lhe é própria:
Glocal não prevê o isolamento da dimensão do global em relação à dimensão do
local, e vice-versa; não pressupõe, portanto, nem globalização ou globalismo,
nem localização ou localismo, desatados. A aglutinação significante e a mescla
de sentidos que marcam o glocal fazem dele invenção tecnológica de imbricação
de processos contrastantes, sem que, no entanto, se desfigure a sua condição de
terceira natureza, de terceira via, não redutível nem a um nem a outro processo
implicado. (Ibid., p. 242).
Embora observe-se o uso corrente do termo para traduzir a adaptação de estratégias
globais, de caráter econômico, mercadológico ou comunicacional, às especificidades de cada
localidade, o glocal, tal como proposto por Trivinho (2007a), é uma categoria crítica que não
celebra o positivismo dos discursos hegemônicos de conformação tecnológica de uma aldeia
global; antes, denuncia-o sem, tampouco, comungar com a ideia estanque de apropriação local
dos conteúdos globais que circulam tautológicos pelas redes como discurso cultural de
resistência.
O conceito é imprescindível para a compreensão da tele-existência porque delineia a
relação espaço/tempo característica da fissura/urdidura entre a dimensão física dos lugares e o
tempo real da comunicação, pondo-se como ―laço sociotécnico invisível e irreversível entre o
contexto concreto da existência (...) e o universo áudio/visual da rede global‖ (ibid., p. 284) que
projeta o local na rede global e especifica o global no local simultaneamente. Esse laço traduz a
naturalização da violência empreendida pela técnica e pela velocidade; providencia o
agenciamento dos tempos locais2, o enredamento dos contextos concretos da experiência humana
e a conversão/redução de subjetividades em espectros, cujo processo foi apresentado nesse
1 Conforme Trivinho (2007a), a expressão diz respeito à organização sociotranspolítica e antropológica da vida
contemporânea, calcada na violência da técnica e da velocidade em sua fase tardia, a cibercultural. 2 Trivinho assevera que ―o glocal é, do ponto de vista social-histórico, menos um indexador do global que do local‖
(2007a, p. 259).
136
capítulo. Por propiciar a simultaneidade entre aqui e lá, dentro e fora, mundo sensível e dimensão
comunicacional, existência e tele-existência, o fenômeno glocal é mais que simples justaposição
entre termos. Os conteúdos em circulação pelas redes, embora percebidos como locais ou globais
do ponto de vista do polo de produção/emissão ou por suas características estético-culturais –
distinções qualitativas de segunda ordem –, são, igualmente e sobretudo, glocais. Por essa razão,
o efeito de sujeito que emerge do processo de espectralização da subjetividade nas redes e
metaversos investigados é do tipo glocal cibermediático.
Como desdobramento inexorável deste fenômeno em sua versão ciberespacial, a
glocalização da existência legitima a virtualização das práticas sociais e contribui para a
reprodução social-histórica da civilização mediática, através do que ―se aprofunda e se sofistica
cada vez mais o modelo comunicacional-publicitário de mundo, de vida e de ser‖ (ibid., p. 274).
O conceito, portanto, compreende o grampo técnico invisível que, posto entre as
realidades física e digital, torna-as indistintas em sua conjunção; mas, não se contenta em
descrevê-lo, nem a nomear a relação espaço/tempo a partir do advento das tecnologias do tempo
real. Antes, reitera e convoca à releitura crítica do processo civilizatório empreendido pela
dromocratização da sensibilidade humana ao longo do desenvolvimento da cultura mediática no
século XX e seu aprofundamento no início do século XXI. Refletir criticamente sobre a
emergência do sujeito glocal como efeito da tele-existência implica, sob tal prisma conceitual, a
consideração das diversas cofusões, inversões e hibridismos que, embora próprios da pós-
modernidade (TRIVINHO, 2001, p. 44), potencializam-se com o glocal: próximo-distante,
interior-exterior, sedentário-nômade, uno-múltiplo, realidade-ficção, permanência-fugacidade,
excesso-escassez. A respeito dos paradoxos gerados pelas redes, Sfez (1994, p. 270) salienta:
Aqui não é o princípio da linearidade e da causalidade que é prejudicado; é o da
não-contradição que sofre importantes modificações. Um objeto que pode ser
isso e aquilo, que eu esteja aqui e lá, dentro e fora – e eis-me diante de um
estranho mecanismo!
No que tange à Tese, interessará, particularmente, o fato de que o par de opostos
visibilidade-invisibilidade, doravante (in)visibilidade, é responsável por diluir ou decompor o
sujeito glocal no ato mesmo de sua projeção na paragem digital das redes sociais. Para tanto,
busca-se comprender na sociossemiótica os processos simbólicos de superação das dicotomias e
como o glocal naturaliza paradoxos e articula hibridismos.
137
3.1 A superação da dicotomia global-local
A compreensão do cyberspace como universo paralelo, conforme apresentado
anteriormente3, baseia-se na oposição binária entre local e global. O desenvolvimento da
condição glocal erradica tal dicotomia na medida em que as fronteiras entre próximo e distante
deixam de existir e os pólos de partida e chegada, graças à intermitente velocidade que faz
circular a comunicação em rede, jazem indiferenciados. O glocal inaugura e institui uma nova
possibilidade de ser/estar – aqui e lá ao mesmo tempo.
Apesar da tendência pós-moderna de eliminar fronteiras até então ―declaradamente
sagradas‖, reconhecendo a diversidade e a complexidade do mundo, a demarcação de áreas
opostas permitiu ao ser humano entender ―o que é o sagrado e o profano, o público e o privado,
as classes sociais, os povos, os diversos segmentos da sociedade etc.‖ (BYSTRINA, 1995, p. 11).
Diversos pares de opostos referenciam a experiência e orientam a percepção humana. Dia e noite,
céu e terra, vida e morte, jovem e velho, masculino e feminino, entre outros, são códigos culturais
que demarcam a alteridade. Dicotomias têm raízes arcaicas, provavelmente ditadas pela
percepção da diferença entre os gêneros (masculino e feminino) e pela consciência da
bifacialidade da aparência corpórea em lados opostos (esquerdo e direito). Excludentes,
organizam-se em pólos sob a regência assimétrica de outras dicotomias: bem e mal, positivo e
negativo, força e fragilidade. Para exemplificar, no par vida-morte, conforme Bystrina (1995, p.
8), a morte é considerada um mal, pólo negativo por vezes mais forte que a vida – razão pela qual
―em todas as culturas o homem aspira sempre a uma imortalidade, ou seja, à vida após a morte‖.
Os códigos culturais binários são, portanto, antitéticos e assimétricos. A superação
das fronteiras que instituem podem ser superadas por diversas estratégias simbólicas. Dentre elas,
Bystrina (ibid., p. 8-9) menciona (1) a identificação entre os pólos que elimina a oposição
(seguindo o exemplo, a morte torna-se uma espécie de vida e a vida uma espécie de morte); (2) a
inversão radical dos valores (frente à dor insuportável da perda, a morte pode ser encarada como
passagem para uma vida melhor, tornando-se um pólo mais positivo que o da vida); (3) a
supressão da negação por meio de composições triádicas (a terra, em relação ao céu, é marcada
como pólo negativo; entretanto, quando comparada ao inferno, torna-se positiva) e (4) a
mediação da polaridade por elementos intermediários (a partir da composição triádica anterior, a
terra providencia a mediação entre céu e inferno). Como lembra Landowski (2002, p. 3):
3 Retome-se o Capítulo 1 da Parte II – A nulodimensionalidade ciberespacial.
138
[...] é o princípio do primado epistemológico da relação sobre os termos que
está na base do procedimento semiótico, tanto como projeto de construção de
uma teoria geral da significação quanto como método de análise dos discursos e
das práticas significantes. Porque, para que o mundo faça sentido e seja
analisável enquanto tal, é preciso que ele nos apareça como um universo
articulado – como um sistema de relações no qual, por exemplo, o ‗dia‘ não é a
‗noite‘, no qual a ‗vida‘ se opõe à ‗morte‘, no qual ‗cultura‘ se diferencia da
‗natureza‘, no qual o ‗aqui‘ contrasta com um ‗acolá‘ etc.
A relação entre local e global também apresenta assimetrias. Verifica-se uma
tendência socioeconômica e cultural de sobrevalorização de tudo o que se apresenta sob o rótulo
de ―global‖. Subjugado pelo ―sistema ideológico que justifica o processo de globalização‖,
enaltecendo-o e considerando-o como único caminho histórico possível (SANTOS, 2000, p. 36),
o ―cidadão do lugar‖ é levado inevitavelmente a almejar a condição de ―cidadão do mundo‖. A
instituição do nomadismo característico de época que arrasta as populações para a ―aldeia global‖
pode revelar-se como escape, evasão ou fuga de lugares condenados à mediocridade periférica, à
marginalidade, à guerra, à fome e à morte. Por essa razão, Bauman (1999, p. 95-96) considera o
―acesso à mobilidade global‖ como o mais elevado fator de estratificação social. Nesse sentido,
Sousa Santos (2010) tece considerações interessantes sobre linhas abissais visíveis e invisíveis
que vigoram, ainda hoje, na mentalidade e paisagem ocidentais, repartindo o mundo em dois
lados: metrópole e colônia. No contexto contemporâneo, refugiados, terroristas e imigrantes
indocumentados, de formas distintas, trazem consigo ―a linha abissal global que define a exclusão
radical e a inexistência jurídica‖ (SOUSA SANTOS, 2010, p. 42). Sem a pretensão de esgotar
todas as ilustrações possíveis, cabe mencionar também a fascinação com a alteridade e a
politização de identidades locais como contraposição às pressões do discurso hegemônico
totalitarista, embora as dinâmicas de identificação no contexto da globalização operem, ao
mesmo tempo, recrudescimento e diluição (HALL, 2004). Nesse sentido, a assimetria entre os
termos se inverte com o destaque da importância ou revitalização do local em relação ao global.
Na fenomenologia do glocal, a superação da dicotomia local-global põe-se para além
da ritualização da passagem entre aqui e acolá. Ao retomar as estratégias simbólicas mapeadas
por Bystrina (1995), é possível perceber que há identificação entre os pólos e a projeção dos
valores de um sobre o outro: o glocal comparece à percepção como mediador, já que é por meio
da condição glocal que o local pode projetar-se globalmente e o global manifestar-se localmente.
Além disso, na composição triádica que estabelece com os pólos originários, a assimetria é
suprimida. A homogeneização dos locais sob as diretrizes socioeconômicas e culturais do ―ser
139
global‖ ocorre pari passu à revitalização do local, que passa a ser tão importante ou interessante
quanto os coteúdos de caráter global.
Entretanto, o glocal não se limita a zona fronteiriça que promove o trânsito entre o
próximo e o distante, pois ao fundi-los e torná-los indistintos, alavanca-se como novíssimo
campo de ação e tempo de vivência, onde é possível ser e estar sem ser e sem estar – tele-existir.
3.2 A experiência antropológica do glocal
Todos os hibridismos 4 que caracterizam a experiência antropológica do glocal
nascem da transformação de antíteses demarcadoras da alteridade, constituintes dos códigos
universais de base dual, em paradoxos.
Princípio original de fusão compulsória, que representa a indexação tecnológica
do local em prol do global, o glocal é a fonte de todas as mesclas ulteriores, a
saber, entre o imaginário e o real, entre o público e o privado, entre o próximo e
o distante, entre o centro e a periferia, entre o interior e o exterior, entre o
movimento e a paralise, até entre a guerra e a paz, e assim por diante – mesclas
características de uma cultura que sabidamente não corresponde à lógica da
modernidade. (TRIVINHO, 2007a, p. 325).
O híbrido surge quando o paradoxo deixa de ser um procedimento de construção
textual que agrupa significados contrários ou contraditórios em uma mesma unidade de sentido
(figura da linguagem e do pensamento) para constituir-se em realidade lógica tecnologicamente
possível. Para Sfez, o paradoxo pode ser considerado sintoma e símbolo de uma era de fronteiras
frágeis e confusas, povoada por simulacros5 que obliteram ―a distinção verdadeiro/falso,
real/imaginário, verdade/mentira‖ (1994, p. 274).
É assim que, no território/momento glocal, a distância que separa corpos não impede
a comunicação em tempo real com o outro, desde que ambos estejam devidamente convertidos
em espectros, embora o investimento na teleinteração possa implicar, por seu turno, o isolamento,
como distanciamento cognitivo e até afetivo, daqueles que estão fisicamente presentes,
obedecendo a uma nova economia de atenção 6; neste caso, os distantes tornam-se mais próximos
4 O termo é empregado no sentido de ―mistura entre elementos diversos para a formação de novo elemento
composto‖, ―reunião íntima de coisas diversas e/ou opostas‖ (SANTAELLA, 2010, p. 82). 5 Sfez (1994) faz distinção entre os simulacros platônicos (considerados inferiores ou paradigmáticos em relação
àquilo que representam) e os epicurianos (que não referenciam nada fora de si mesmos). O termo é empregado no
segundo sentido e está em consonância com a proposição de Baudrillard (1981) sobre a era da simulação. 6 A inflação da visibilidade, conforme Baitello (2005, p. 14), provoca a rarefação da capacidade de apelo das
imagens, uma espécie de fadiga do olhar. ―Quando o apelo entra em crise, são necessárias mais e mais imagens para
140
do que os próximos/distantes. Seria injusto, entretanto, não aludir ao fato de que as relações
locais ganharam novos contornos com a popularização das redes sociais digitais; nestas
plataformas, embora o desconhecido ainda seja interessante e abrigado sob a designação de
―amigo‖, há um retraimento generalizado sobre contextos familiares, razão pela qual os
conteúdos de interesse local ou pessoal parecem ter primazia sobre a pauta global. A esse
respeito, Turkle, em entrevista concedida à Casalegno (1999), sinalizou a mesma percepção:
[...] dizia-se que o fabuloso no Web era a possibilidade de conversar com
alguém, na Austrália, que tinha uma coleção de selos igual a nossa. O
sentimento atual tende a ressaltar que o Web enriquece as relações de quem
também se encontra face a face. O movimento passou do global ao local. Creio
que continuará nesse sentido. Então, o Web será apreciado por permitir, ao
mesmo tempo, o desenvolvimento dos nossos vínculos nos níveis planetário e
local.
Além disso, a projeção hiper-real (BAUDRILLARD, 1981) da subjetividade em
ambientes virtuais pode transbordar e afetar as relações presenciais. O caso da garota que pensa
confirmar, no conjunto de comunidades do Orkut do novo namorado, tudo o que ele falou sobre
si mesmo, ou o caso do rapaz que considera enfadonho falar sobre si mesmo no contexto
presencial compartilhado com uma pretendente porque, afinal, já está tudo na rede, são bastante
sintomáticos.
Tais contaminações corroboram a compreensão do glocal como contexto paradoxal
que articula hibridismos muitas vezes inomináveis. Também sinalizam a sobrevalorização do
simulacro como estratégia de projeção da subjetividade e delineamento do sujeito na visibilidade
mediática ciberespacial, o que incorre, fatalmente e ao mesmo tempo, em sua dissolução em meio
ao excesso informacional que engendra. Por essa razão, não é possível pensar os pares de opostos
visibilidade-invisibilidade separadamente: ambos, dada a natureza do glocal, tornam-se
indiscerníveis e compõem um regime de (in)visibilidade.
se alcançar os mesmos efeitos. O que se tem então é uma descontrolada reprodutibilidade‖, o que resulta em mais
distração. Nessa nova economia da atenção, a comunicação interpessoal presencial e cotidiana, desnuda de
audiovisuais, aplicativos, advergames e hiperlinks, ainda guarda a vantagem da proximidade – responsável pela
criação de ―vínculos mais sadios, reais, de carne e osso, que nos alimentem a necessidade humana de fazer parte de
um tempo e um espaço de vida‖ (ibid., p. 29).
141
3.3 O sujeito glocal cibermediático e hiperespetacular
A disposição íntima para a espectralização da existência e a dócil realização das
atividades concernentes à transposição sígnica – registro, seleção, tratamento e composição das
informações no arranjamento dinâmico que se caracterizará como identidade-perfil ou perfil-
sujeito, obra sempre em processo – podem ser consideradas uma tendência irreversível e
crescente de glocalização da experiência subjetiva. Na medida em que as tecnologias de acesso às
redes, sobretudo móveis e portáteis, popularizam-se, o glocal se espraia pelo tempo de vida e
pelos espaços de convivência. Ser cibermediático e ascender ao status de sujeito hiperespetacular
exige ―dromoaptidão‖ específica, propriamente cibercultural, com o necessário desenvolvimento
de competências cognitivas, pragmáticas e econômicas que garantam as operações de projeção,
comunicação, relacionamento, deslocamento, permanência, acesso, de acordo com os ditames do
tempo real (TRIVINHO, 2007a, p. 72). Trata-se não apenas de portar os equipamentos, possuir as
senhas de conexão e saber lidar com as linguagens de acesso às plataformas em rede, mas
também de acompanhar a lógica de mercado que rege, sob pena de exclusão e estigmatização
social, contínua reciclagem – morte simbólica com reverberações muito significativas no
contexto concreto da existência, haja vista que o crescente processo de virtualização do mundo só
faz alargar a dependência das tecnologias ciberculturais. Ser dromoapto, portanto, é aderir, ainda
que involuntária ou inconscientemente, à invisível violência perpetrada pelo regime de
velocidade que instaura o modelo de vida dromocrático. É preciso ser dromoapto para não
soçobrar às sucessivas ondas de renovação de hardwares, softwares, linguagens, modos de
conexão e de disponibilidade interativa. A atuação no glocal cibercultural assim o exige.
[...] aos privilegiados dromoaptos, a rede, o real virtualizado, o ultranovo; aos
novos miseráveis, o território geográfico, o real convencional, o desterro num
cenário tão antigo e démodé quanto a história da humanidade. Na cibercultura, a
regra – ao contrário do que comumente se pensa – não é a inclusão, mas a
exclusão. (Ibid., p. 109).
A partir dessas considerações, é possível entender o senso de oportunidade da Tim:
quatro meses após o lançamento da música ―Eu não tenho iPhone‖7, dedicada a ―todos os
excluídos do mundo Mac‖, os Seminovos foram convidados a gravar uma nova versão, ―Agora
eu tenho iPhone (da TIM)‖ (figura 41). No vídeo, os novos usuários de iPhone 3GS, agradecidos
7 O vídeo está disponível em http://www.Youtube.com/watch?v=iroerRXfWfk. (02 fev. 2011). Acesso em: 04 abr.
2013.
142
ao plano promocional da teleoperadora, pulam felizes diante da câmera, beijando o dispositivo
tecnológico recém-conquistado e cantando: ―Mesmo com o que eu ganho / Na Tim eu me dei
bem / Olha aqui o meu neném‖.
Figura 41. Cena do videoclipe "Agora eu tenho iPhone" (da TIM). Banda Seminovos (2 jun. 2011).
Pode-se dizer que a dromoaptidão requerida pelo processo de espectralização da
existência, ou pela manutenção do estado always on, implica promiscuidade
corpo/máquina/mente/rede sem precedentes. E não se trata apenas de pensar a tecnologia como
edulcorada extensão de algumas faculdades humanas, da qual pode apartar-se com facilidade,
mas como vitalidade, coração pulsante que irriga toda condição de ser/estar glocal. De certo
modo, o contexto induz à tecnodependência, normalizando-a, e as conseqüências de tal simbiose,
embora aventadas pelo imaginário pós-humano, ainda estão longe de serem devidamente
alcançadas.
Ao simbolizar a indexação do campo próprio pelas tecnologias do tempo real, o
glocal leva a efeito, de maneira severamente ‗afável‘, o agenciamento não só do
corpo e do psiquismo, mas também da existência como um todo. É através da
condição glocal que doravante se desenrola, estrutural e prioritariamente, a
mistura homogênea reificada entre ser, técnica e o social. (TRIVINHO, 2007a,
p. 362).
143
Cumpre frisar que se trata de crescente círculo vicioso: quanto mais dromoaptos
tornam-se os sujeitos, maior o alcance da glocalização; quanto mais o glocal penetra as dobras da
existência, mais dromoaptos precisam ser os sujeitos. E, na medida em que as diferenças entre
existir e tele-existir tornam-se indistintas, palavras como ―imersão‖ ou ―acesso‖ perdem o
sentido; o território informacional digital oriundo do acoplamento entre espaço urbano e espaço
de fluxos (LEMOS, 2009) corresponde à homogênea realidade em que tudo e todos, o tempo
todo, são e podem ser indexados. Neste horizonte extremo, referências dicotômicas como partida
e chegada, interior e exterior, online e off-line, utilizadas para pensar ou traduzir as experiências
telepresenciais mais ou menos imersivas, interativas ou não, não sobreviverão. Ser always on
requer manutenção constante da veloz alternância entre a dimensão dos lugares e das redes
ciberespaciais, de forma que ambas comparecem sempre cofusas. É ser/estar glocal o tempo todo.
Nesse sentido, ser cibermediático implica permanecer em estado de hiperconexão
para responder com agilidade às demandas em rede, mover-se no ―território informacional
digital‖ (LEMOS, 2009) e dar satisfação constante de sua atual localização. Assediado
incessantemente por questões orientadoras, o sujeito cibermediático atua no gerúndio e publiciza
o que está ―pensando‖, ―sentindo‖, ―fazendo‖. A dromoaptidão é competência fundamental à
atividade de existir em tempo real; mas, devido ao potencial de visibilidade mediática que
facultam, as redes sociais digitais fazem surgir um tipo específico de sujeito: o sujeito
hiperespetacular, correlato à subjetividade pós-moderna e narcisista, desdobrada para além dos
contornos do corpo graças às tecnologias de conexão e interatividade, arredia às concepções de
interioridade, intimidade, privacidade, profundidade, identidade, sinceridade ou autenticidade, ao
menos como compreendidas na sociedade moderna e disciplinar. Este sujeito, efeito de presença
na tele-existência das plataformas ciberespaciais, produto dinâmico das manifestações subjetivas
que excessivamente frisam e projetam um eu, é aparição sempre provisória e negociada, espectro
fabuloso que aponta um alguém, dourando-o de visibilidade, ao passo em que dele escapa, pois
os processos de espectralização da existência e de transposição sígnica tendem a torná-lo, sempre,
mais real que o real. Nesse sentido, é performático, hiper-real e hiperespetacular: no horizonte
inatingível das telas, no palco provisório das redes, o sujeito raia intermitente, existe enquanto
visível, e a disputa por visibilidade implica que assuma, always on, o papel de protagonista no
eterno presente do tempo real que habita. Para tanto, precisa ser imagem, adentrar o fluxo de
imagens e viver para as imagens. Deve ―apareSer‖.
145
PARTE III: Dissolução hiperespetacular:
jogos de (in)visibilidade e agonia
147
CAPÍTULO 1 – O imaginário hiperespetacular e a fenomenologia do “apareSer”
Quanto mais vemos, menos vivemos, quanto menos vivemos, mais necessitamos
de visibilidade. E quanto mais visibilidade, tanto mais invisibilidade e tanto
menos capacidade de olhar. (BAITELLO JR., 2005, p. 86).
No âmbito da reflexão crítica sobre cibercultura, subjetividade e identidade (DAL
BELLO, 2007, 2009), forjou-se o neologismo ―apareSer‖ com o objetivo de nominar a natureza
híbrida e complexa do ser/estar glocal em ambientes de alta visibilidade mediática. A fusão dos
termos aparecer e ser pretende superar a dicotomia aparência-essência para focar o fenômeno em
sua fluidez, em sua dinâmica de mostrar-se e ocultar-se no jogo infindável e angustiante do vir-a-
ser1. Desde as incursões netnográficas no Orkut, em 2007, constituintes da investigação de campo
que resultou na Dissertação (DAL BELLO, 2009) que precede a atual pesquisa, a separação
dessas dimensões mostrou-se insustentável, bem como qualquer tentativa de assegurar seriamente
um lugar indefectível para o sujeito do cogito.
O rompimento com a perspectiva metafísica funda-se no reconhecimento de que as
representações ou conceitos que se possa erigir a respeito dos entes devidamente reduzidos a
objetos empíricos não dão conta da totalidade dos modos de ser destes mesmos entes, pois o
sentido de ser, longe de estar encrustado no ente como substância oculta revelada parcial ou
totalmente pelo rigor científico, é aquilo que emerge/submerge na trama de significados que
tecem o mundo fenomênico em que os seres humanos são/estão.
Na tradição metafísica, a instabilidade da aparência, nas inúmeras possibilidades de
ser, deve ser superada em prol de uma formalização que providencie um conhecimento estável e
controlável acerca do que o mundo é. Conforme lembra Critelli (2006, p. 21-22):
Por obra do cogito o mundo pode vir a ser representado. Isto é, reapresentado
através de ideias claras e distintas, portanto precisas e imutáveis. Na
representação do mundo, o mundo renasce estável e seguro, e é assim que sua
realidade é constituída e controlável.
Ocorre, entretanto, que é próprio da ontologia do ser não deixar-se capturar ou
cristalizar-se, ainda que o ente o seja. Mediante a liberdade da existência e a angústia do nada do
1 Cumpre ressaltar, antecipando considerações apresentadas no Capítulo 3 da Parte III – O não-ser do ser pra
sempre: uma interpretação existencialista, que há uma grande diferença entre aparecer como ser-no-mundo, fluxo e
devir, e o ―apareSer‖ tele-existencial, que diz respeito a ser-imagem técnica na nulodimensionalidade ciberespacial.
148
qual surgem e no qual desaparecem os homens, a questão do sentido de ser permanece em aberto
e qualquer resposta, conforme admite a fenomenologia, sempre será relativa e provisória. Ainda
assim, é uma alternativa de compreensão mais interessante que a episteme metafísica, pois não
ignora a fluidez da vida, do mundo, do existir.
Investigar o fenômeno da tele-existência como aquilo que se dá em função da
(in)visibilidade cibermediática exige que se observem e interpelem os modos de ―apareSer‖ como
agônico jogo de projeção e dissolução; exige que se assumam a impermanência do aparecer e,
consequentemente, do próprio ser como dinâmica fenomênica, ou seja, ocorrência,
acontecimento, movimento, devir; mas nunca como essência ou substância ―legítima‖ que está
por trás da ―enganosa‖ aparência, como supõe a metafísica, ainda que muitos indivíduos
dediquem-se a erigir uma representação/simulação ideal de si mesmos, projeto que os consome,
pois dado o fato de que é impossível finalizar-se a contento, está sempre ―em construção‖. Tal
edificação, no fundo, é uma entificação.
Apreendido no modo de um constructo ideal – o conceito -, o ser patencia-se,
então na ideia ou representação. E estas, por sua vez, pelo seu poder de
manifestação, isto é, de se exporem de modo patente e permanente, têm também,
o caráter de entes. (Ibid., p. 42).
Aparecer, ser e existir são coincidentes na fenomenologia e implicam a apreensão dos
entes não como coisas em si, mas presenças-no-mundo, conjunto de manifestações que,
provisórias, relativas e contextuais, desvelam seu ser, ser que aparece e desaparece no palco do
mundo mediante o testemunho da alteridade humana. Assim, existir é sempre coexistir e ser é
necessariamente ser percebido por alguém. O que não se manifesta, uma vez que não é percebido,
não existe. O significado de algo ou alguém, portanto, não é atributo da ―substância‖ que a
aparência bem ou mal revela, mas constituído na relação com um olhar. Esse olhar, longe de
corresponder ao sujeito do conhecimento ou a uma consciência dada a priori, é aquilo que
acontece no momento mesmo em que se depara com o manifestar-se do ser de outrem. Não há
precedência de um sobre o outro. Daí Sartre (2011) referir-se à consciência como ato de
conhecer, de lançar-se, movimento que, sempre exterior a si, torna-se consciente de si, para-si, no
confronto relacional. De pronto, a fenomenologia existencialista admite a impossibilidade de
conhecer algo em sua totalidade, como verdade definitiva, pois ―a coisa se mostra, sempre, para
um certo olhar” e ―todo olhar vê somente aquilo que está exposto à luz, e não vê aquilo que o
ente apresenta de si sob o escuro, ocultado. É a isto que se refere a intencionalidade da
149
consciência‖ (CRITELLI, 2006, p. 67-68). Para cada olhar, para cada perspectiva, uma forma de
ser, aparecer, manifestar-se.
Mas a lógica do ―apareSer‖ tele-existencial difere da dinâmica fenomenológica
aparecer/ser/existir. Em primeiro lugar porque não trata de presença-no-mundo, mas telepresença,
presença despida de corpo/sujeito, embora seja deste uma reverberação, uma emanação, uma
manifestação. Mas, esta presença não deseja ser apenas vestígio, pleiteia o status de sujeito e, no
lugar do corpo, propõe sua corporeidade espectral. Na coexistência a distância, busca o outro que
lhe dará significado e sentido existencial; mas, no processo, abdica de ser ocorrência, evento e
devir para emoldurar-se, circunscrever-se, dar-se como imagem, representação. Por outro lado,
também retira do olhar do outro o fato de ser um acontecimento qualitativo, um ―durante‖ que
não perdura, mas se modifica. O olhar só interessa na medida em que pode ser apreendido como
―par de olhos‖, substância classificável, passível de arquivo e rastreamento, contagem e
inventariado como bens autorreferentes. ―Tenho tantos amigos‖ diz mais sobre si mesmo do que
sobre todos os outros. Congela um conceito, uma ideia, uma aura sobre aquele que se põe a
―apareSer‖. Ainda que se proponha a observação do ―apareSer‖ a partir da perspectiva
fenomenológica, é preciso apontar que sua dinâmica nutre-se da mentalidade metafísica.
―apareSer‖ é esparramar uma sequência de incontáveis petrificações de si, da vida, do mundo:
imagens técnicas que ousam reter o fluxo, o devir, até que outra imagem seja necessária para
represá-los em novas cristalizações. Nesse sentido, sob sua lógica:
[...] a subjetividade torna-se identidade, o conteúdo é forma, o interior está no
exterior, a essência na aparência, a realidade na representação, a imagem vira
corpo, a visibilidade confere invisibilidade (em meio ao excesso), o privado
torna-se público, a multiplicidade reune-se sob a unidade de uma identidade e a
universalidade do ser humano esparrama-se na pluralidade de formas de vir a ser
e publicizar-se. O sujeito busca seus contornos, mas confunde-se com a rede na
qual é produzido. (DAL BELLO, 2011, p. 11).
Inquirir sobre o ―apareSer‖ tele-existencial implica pensar sobre a natureza do olhar
que a manifestação cibermediática busca e do olhar que se forma diante das telas, a partir do
reconhecimento da lógica coercitiva que impera nas redes hiperespetaculares e do fato
insofismável de que para ser, ser reconhecidamente alguém, torna-se cada vez mais
imprescindível estar nos media.
150
1.1 Do espetáculo ao hiperespetáculo
O termo ―apareSer‖ apresenta vocação para abarcar todos os regimes de visibilidade e
produtos da indústria cultural, das revistas de celebridades a programas de auditório e reality
shows. Salienta-se, entretanto, que o advento do cyberspace tornou mais fácil ser mediaticamente
visível, pois a exposição de si na Internet não depende, conforme Bruno e Pedro (2004), de
instâncias decisórias centralizadoras que julgam quem é digno ou não de visibilidade. Destarte,
nas plataformas ciberculturais, todos podem ―apareSer‖, podem ter o seu rincão performático, a
sua oportunidade de brilhar e chamar a atenção da grande mídia. Não à toa, utiliza-se a expressão
―fenômeno mediático‖ para qualificar aquele que alcança expressivo destaque nos meios de
comunicação.
Como saldo dos esforços empreendidos no cyberspace, aparições em programas de
televisão ou capas de revista e oportunidades no mercado fonográfico, cinematográfico e editorial
consagram as personalidades do momento. Absolutamente adequadas à lógica de mercado,
alçadas ao status de celebridades, tais pessoas gozam da aura dos olimpianos de Morin (1969) e
das vedetes de Debord (1967), ainda que não consigam mantê-la sem o apoio tácito e interessado
dos media, dada a aceleração dos processos de reciclagem de novas estrelas. Nesse sentido,
Primo (2009) lembra que o uso de webcams, Blogs e videologs pode contribuir para a construção
de significativa audiência, mas a elevação de alguém à celebridade mediática depende de sua
conversão em produto da indústria cultural com larga exposição nos meios de comunicação de
massa. Como exemplo, retoma o caso da blogueira Raquel Pacheco, que se tornou famosa por
contar na rede as aventuras que viveu como a garota de programa Bruna Surfistinha: ―a
reformatação de seus posts no formato livro e a massiva exposição na mídia foram fundamentais
para seu amplo reconhecimento como uma celebridade. Para a massa, o blog tornou-se conhecido
apenas em um segundo estágio‖ (PRIMO, 2009, p. 12).
Nem todos fazem uso das redes sociais para alcançar o estrelato mediático, assim
como nem todos que têm esse objetivo obtém sucesso ou o tipo de visibilidade idealizada. Mas,
há um aspecto imanente que caracteriza fundamentalmente a fenomenologia do ―apareSer‖ tele-
existencial e perpassa todas as projeções subjetivas nas plataformas ciberculturais: o imaginário
hiperespetacular partilhado no contexto neonarcisista da pós-modernidade.
Assim como a pós-modernidade corresponde a uma intensificação de vários aspectos
da modernidade, não necessariamente rompendo com eles, o hiperespetáculo deve muito ao
151
imaginário espetacular gestado no escuro das salas de cinema, parido em pôsteres e capas de
revista, alimentado pelo discurso autorreferente dos programas de televisão e, hodiernamente,
pelo hiperjornalismo dos paparazzi. Machado da Silva insiste: ―O hiperespetáculo não é a
eliminação do espetáculo‖ (2007, p. 34). Sem dúvida, o imaginário hiperespetacular, ao qual
estão intimamente ligadas as tecnologias do tempo real, deve ao imaginário espetacular instituído
pelos meios de comunicação de massa e pela indústria cultural a serviço do capitalismo moderno
uma de suas principais características: o estabelecimento da visibilidade mediática de larga escala
como critério de legitimação ou valorização de algo ou alguém.
A partir desse critério, torna-se compreensível porque o hiperespetáculo constitui um
salto entre assistir e existir, ser audiência e ter existência. Levando-se em conta a coincidência
fenomenológica entre ser, aparecer e existir, a condição de espectador, na invisibilidade das salas
de televisão ou cinema, não é mais suficiente. Após aprender a admirar astros e estrelas, aqueles
que aparecem e são vistos por todos, almeja-se a visibilidade máxima para máximo
reconhecimento da existência. Como lembra Morin (1969, p. 75), as membranas translúcidas das
telas de cinema ou de televisão que isolam o espectador também facultam a ele a possibilidade de
ver melhor ou sonhar mais:
Assim, o espetáculo moderno é ao mesmo tempo a maior presença e a maior
ausência. É insuficiência, passividade, errância televisual e, ao mesmo tempo,
participação na multiplicidade do real e do imaginário.
O hiperespetáculo não rompe com a lógica espetacular, mas a entroniza e maximiza.
É ela que organizará o desabrochar cotidiano de si nas redes telecomunicacionais e ditará as
dinâmicas de relacionamento com o outro, aquele que interessa na medida em que compõe cativa
audiência. Nas plataformas ciberculturais hiperespetaculares, trata-se de deixar de ser espectador
para ser o próprio espetáculo e conquistar uma legião de fãs. Nesse sentido, é bastante
sintomático que o ícone ―fãs‖ exista no Orkut desde seu lançamento, em 2004, sobrevivendo às
contínuas alterações no layout do perfil, o que não se pode dizer de os indicadores ―confiável‖,
―legal‖ e ―sexy‖. A estrela perdeu a cor e a posição de destaque, mas ainda está ―lá‖, como pode
ser visto comparando-se as figuras 42 e 43.
152
Figura 42. Perfil do Orkut (26 ago. 2007).
Figura 43. Perfil de Orkut Buyukkokten no Orkut (13 jun. 2013).
153
Sem ferramentas adequadas para mensurar o ―sucesso‖ do espetáculo próprio, os
usuários do Orkut rapidamente apropriaram-se da quantidade de amigos como referencial de
popularidade (DAL BELLO, 2009, p. 47-48). Adicionar amigos tornou-se uma ―febre‖ e como o
Orkut não permitia mais de mil amigos por perfil, os indivíduos passaram a abrir novos perfis
toda vez que o último havia alcançado o seu limite. No Facebook, como pode ser observado na
figura 44, a informação sobre a quantidade de amigos ainda é relevante, apresentando-se com os
outros dois principais elementos de identificação: foto e nome.
Figura 44. Amigos de Vagner Araújo – Facebook (31 out. 2013).
Após a ascensão do Twitter em 2009, uma nova dinâmica, mais complexa, foi
incorporada ao jogo hiperespetacular: conquistar seguidores tornou-se mais significativo que
adicionar amigos, pois não exige reciprocidade e cria assimetria entre os usuários. Ou seja: o
usuário não precisa seguir as pessoas que são seus followers, diferentemente do que ocorre na
154
relação amigo-amigo, em que o envio de um convite de amizade, uma vez aceito, pontua
igualmente os dois lados envolvidos. Nesse sentido, ter muitos seguidores é mais interessante ou
significativo que ter muitos amigos, razão pela qual vários usuários do Twitter valem-se do #FF
(Friday Following) para divulgarem a si mesmos e recomendarem outros perfis que consideram
merecedores de serem seguidos.
Figura 45. Seguidores de Vander Oliveira – Facebook (13 jun. 2013).
Pode-se dizer que a lógica de follower introduzida pelo Twitter e adotada pelo
Facebook (figura 45) aprimora o que, inicialmente, foi chamado de fãs pelo Orkut. ―Fã‖, do
inglês fan, oriundo de fanatic, implica fervor excessivo ou persistente por algo ou alguém que
goza de alguma fama. O termo comparece associado à ideia de culto e assim como o termo
―seguidor‖, sinônimo de adepto, relaciona-se com o imaginário religioso. Ter fãs ou seguidores
significa ser alvo de admiração irrestrita, ser ouvido e observado por muitos, ser objeto de culto, a
ponto do follower virar um stalker, um ―perseguidor‖2. Stalking, entretanto, não é um termo
novo: é utilizado desde o final da década de 1980 para apontar a perseguição insistente a
celebridades (AMOROSO, 2010). Thompson (2012, p. 266), em seus estudos sobre mídia e
modernidade, lembra que o tipo de intimidade possível a partir dos meios de ―quase interação
2
155
mediada‖ – televisão, cinema – pode tornar o ídolo um objeto de veneração dada sua ausência e
inacessibilidade. Dentro dessa lógica, a capacidade de arregimentar seguidores em torno de si, ou
melhor, no rastro de suas manifestações, está diretamente ligada à capacidade de distinguir-se e
impor-se, de disputar a atenção alheia e angariar algum reconhecimento. A temática do
espetáculo retorna: cada plataforma ciberespacial é o grande palco em que cada um pode
―apareSer‖.
Após os fãs do Orkut, os amigos do Orkut, do Facebook e os seguidores do Twitter, a
promissora plataforma Pheed, lançada no final de 2012, propõe que os indivíduos tenham
assinantes, usuários dispostos a pagar para ter acesso ao conteúdo de um determinado perfil. O
convite é sedutor: Express yourself (figura 46).
Figura 46. Página de acesso à rede social Pheed. (21 mar. 2013).
No Pheed, por meio de contas pagas, os usuários podem cobrar pela visualização de
os conteúdos que publicam, compostos por mensagens de texto de até 420 caracteres, arquivos de
imagem, áudio e vídeo. Além disso, podem usar o aplicativo para alimentar perfis no Twitter e no
Facebook, otimizando tempo e recursos na tarefa de multiplicar-se pelas várias redes. Leva ao
extremo, portanto, a possibilidade de converter-se em conteúdo hiperespetacular dado
deliberadamente ao consumo de seus assinantes, com vistas a angariar projeção mediática. Em
156
meio à gratuidade que marca a abordagem mercadológica de diversas plataformas ciberculturais,
a possibilidade de obter seguidores dispostos a pagar pelo acesso ao conteúdo pessoal só faz
reforçar o jogo hiperespetacular: tornar-se uma celebridade no Pheed é mais significativo ou
relevante que no Twitter, já que os followers devem pagar para poder ―seguir‖.
É preciso lembrar, entretanto, que o ―apareSer‖ tele-existencial ocorre em ambiente
de alta visibilidade mediática e implica, necessariamente, superexposição de si. Diferentemente
do espetáculo, o hiperespetáculo ciberespacial não tem script, é a própria vida que se desenrola
diante de ululante plateia; também não tem bastidores – em tempos de tele-existência, a
privacidade perdeu sua aura, seu valor. O sujeito espetacular, apagado e invisível na sua condição
de espectador, enlevado pelo que vê e o faz sonhar, deseja abandonar sua realidade cotidiana, já
que apenas o que os media mostram parece existir realmente.
O espetáculo pressupunha um outro mundo invisível, um antiespetáculo, a
transparência absoluta. O hiperespetáculo entroniza a visibilidade. Tudo é
simbólico. Tudo é imaginário. Nada há por detrás da imagem, nenhum truque a
desvendar, nenhuma missão a cumprir. Nada há para ser demonstrado. Somente
para ser mostrado. O hiperespetáculo não é o fim da história, mas somente uma
história sem fim ou o fim de uma novela, que terá continuação no dia seguinte.
Logo vem a próxima, sempre igual e diferente, eterno retorno da imagem como
cola social e como simulacro de interação delegada. É a radicalidade que se
esfacela. (MACHADO DA SILVA, 2007, p. 34).
No fundo, a visibilidade hiperespetacular não ocorre em um palco único e grandioso,
capaz de captar absolutamente todos os olhares em sua direção; ocorre em vitrines múltiplas,
janelas simultâneas e telas de formatos variados espalhadas como pontos pela rede, donde
emergem e desaparecem sujeitos hiperespetaculares. Por isso, todo aquele que se pretende
protagonista da própria história é, no máximo, conteúdo hipermediático oferecido para consumo
imediato. Por excesso de difusão, o sujeito torna-se difuso. Seu ―estado de dependência pelo
reconhecimento público e mediático (...) levou à total desrealização do próprio sujeito (...), que se
converte em matéria-prima do aparato de visibilidade mediática‖ (CONTRERA, 2010, p. 51).
Por essa razão, pode-se dizer que hiperespetáculo é um termo que alude e ao mesmo
tempo extrapola a proposição debordiana. Diz respeito à subversão da lógica da representação na
medida em que a imagem arrebenta o limite entre palco e plateia para tornar-se a ambiência que
envolve a todos (DEBRAY, 1994). Para Couchot (1993), no virtual, sujeito, objeto e imagem
desalinham-se.
157
Em outras palavras, aquilo que, na Teoria da Comunicação, é chamado
genericamente de mensagem é, no cyberspace, susceptível de acolher em seu
interior os próprios usuários, por meio de seus espectros verbo-imagético-
virtuais. Tal mistura virtual-heterogênea entre sujeito e objeto jamais foi ou será
possível no processo de comunicação interpessoal e de massa. (TRIVINHO,
2001, p. 126).
No hiperespetáculo, os antigos e invisíveis telespectadores transformam-se em
coparticipantes das narrativas imagéticas que irrompem nas telas, tornando-se mais que
receptores interativos. Machado (2007, p. 216) usa o termo ―teleator‖ para aludir à participação
ativa e engajada nos meios digitais e lembra que esse agenciamento incorre em ―hipérbole do
sujeito‖, ―uma espécie de narcisismo radical e autorreferenciado, em que a única identificação
possível é a do sujeito com ele mesmo‖. Trivinho (2001, p. 125-126) considera os cibernautas
―indivíduos teleinteragentes ciberespaciais‖ que adentram o ―infouniverso‖.
A compreensão do caráter compulsivo do tele-existir cibermediático implica a
premissa de que os novos processos de subjetivação no contexto neonarcisista da pós-
modernidade3 devem muito à inseminação do imaginário pela lógica da sociedade do espetáculo.
O desejo de visibilidade que impera na prática da tele-existência deve ser considerado na relação
entre hiperespetáculo, iconofagia e mediosfera.
1.2 Iconofagia, mediosfera e desejo de visibilidade
Quando tudo é tela, a imagem torna-se a única realidade visível. (MACHADO
DA SILVA, 2007, p. 33).
No hiperespetáculo, os indivíduos não se limitam a produzir e consumir imagens. O
processo de espectralização, sem o qual não é possível adentrar a inabitável
nulodimensionalidade ciberespacial, tem por consequência a redução/abstração da complexidade
multissensorial do ser. Diferentemente do aparecer como ser/existir no mundo para um olhar,
―apareSer‖ é ser imagem-técnica. Os indivíduos são imagens, habitam-nas, vivem por elas.
Diagnóstico semelhante foi feito por Trivinho (2007b, p. 10) ao tratar do fenômeno da existência
em tempo real: ―Essa experiência encerra, grosso modo, o significado ontológico e tecnocultural
do que é ‗viver‘ no e como espectro, através e a partir dele‖.
3 Veja-se o Capítulo 3 da Parte I – Tele-existência como imperativo de época.
158
Tal promiscuidade permite que se diga, sem exageros, que os indivíduos se
alimentam de imagens, ao passo que, por sua vez, são por elas devorados, tal é a proposição de
Baitello Jr. (2005) ao tratar da era da iconofagia. Nesse sentido, observa-se um interessante
exemplo ligado às redes sociais digitais: antes de realizar as refeições, tornou-se comum
fotografar e publicizar o prato (figura 47), preferencialmente em tempo real.
O "crime" parece irresistível: você está em um restaurante fino, o prato chega
bonito e apetitoso e, mesmo com água na boca, você para tudo para tirar uma
foto da comida e postar no seu Instagram, Facebook ou Twitter. A prática é tão
disseminada no mundo – e desagradável – que alguns estabelecimentos já
proíbem clientes de fotografar os pratos. (IKEDA, 2013).
A produção incessante e desmesurada de imagens parece não aplacar a insaciável e
irascível fome de imagens. Aliás, conforme Baitello Jr. (2005, p. 54), ―cada vez menos se comem
alimentos, cada vez mais se comem imagens de alimentos (embalagens, cores, formatos,
tamanhos, padrões etc.)‖.
Figura 47. Imagem do álbum Instagram do Facebook de Julie Fernanda (16 dez. 2012).
Aplicativos de fotos como o Instagram4, no vácuo da popularização do acesso à
Internet por meio de dispositivos tecnológicos de conexão móvel e contínua, associada à
integração de câmeras digitais a smartphones, tablets e netbooks, contribuiram para a
4 O Instagram foi lançado em outubro de 2010 e comprado pelo Facebook em abril de 2012.
159
intensificação das práticas autoexpositivas e autorreferenciais nas redes sociais. Além de
facilitarem a publicação imediata das cenas capturadas, esses aplicativos possibilitam a aplicação
de filtros pré-configurados que hiper-realizam-nas. Graças a eles, os cibernautas não precisam
mais escrever onde estão ou com quem estão. Podem, simplesmente, postar uma foto.
Espectralização instantânea.
Em consonância, o irônico cartoon ―Cézanne, o tataravô do Instagram‖ revela o
sentido implícito na prática autoexpositiva de publicar imagens de refeições: a pressuposição de
que o outro precisa saber, no instante mesmo em que acontecem, coisas tão banais quanto ―o que
vou comer agora‖ (figura 48).
Figura 48. Cartoon “Cézanne, o tataravô do Instagram”. Autoria desconhecida.
O traço neonarcisista da indiscriminada publicização de si não pode ser
desconsiderado. Tele-existir é uma estratégia de afastamento do outro que implica, ao mesmo
tempo, uma espécie de intimidade voyeur. Convocado a assumir o papel de audiência, o outro
observa, tudo sabe, mas não pode aproximar-se, não pode tocar aquilo que vê. Como apresentado
anteriormente5, tal comportamento é fruto da cultura narcisista que caracteriza a pós-
5 Tópico 3.2 do Capítulo 3 da Parte I – Em busca de Onipotência.
160
modernidade, mas há outro aspecto subjacente ao desejo de visibilidade que precisa ser
considerado: o fato da subjetividade alterdirigida, comumente contraposta ao sujeito introspectivo
da modernidade disciplinar, ter emergido sob a vigorosa mediosfera desenvolvida ao longo do
século XX.
De acordo com Contrera (2010, p. 56-57), a mediosfera não é uma esfera à parte da
noosfera, mas pode ser entendida como o imaginário próprio da sociedade mediática. Noosfera é
um neologismo introduzido por Teilhard de Chardin em O Fenômeno Humano que conjuga noûs
(em grego, espírito, psique) e sphaíra, do latim sphaera (esfera) para designar a ―‗camada
pensante‘ que, após ter germinado nos fins do Terciário, se expande desde então por cima do
mundo das Plantas e dos Animais: fora e acima da Biosfera, uma Noosfera‖ (1994, p. 197). Essa
realidade hiperfísica de dimensões planetárias ―tem na Humanidade sua base física‖ (ibid., p.
120). Morin (1998, p. 140) retoma o termo para designar, em consonância com Chardin e o
conceito de ―mundo três‖ de Popper, o universo de signos, símbolos, imagens e ideias no qual a
humanidade vive imersa. Nesse sentido:
[...] a noosfera está presente em toda visão, concepção, transação entre cada
sujeito humano com o mundo exterior, com os outros sujeitos humanos e, enfim,
consigo mesmo. A noosfera tem certamente uma entrada subjetiva, uma função
intersubjetiva, uma missão transubjetiva, mas é um elemento objetivo da
realidade humana. (Ibid., p. 146).
Para Morin, é impossível negar existência e realidade próprias aos mitos e ideias que
habitam a noosfera. São seres do espírito (ibid., p. 139). Trata-se do ―mundo das ideias, dos
espíritos/mentes, dos deuses, entidades produzidas e alimentadas pelos espíritos humanos na
cultura‖ (id., 2005, p. 303).
Pode-se dizer, conforme Contrera (2010), que conteúdos arquetípicos, míticos e
milenares, devidamente tratados por meios de comunicação de massa e pelas tecnologias digitais,
objetos de recontextualizações que invariavelmente os afasta de suas raízes originais e os
transforma em estereótipos pela redução simbólica que sofrem, são ―seres do espírito‖
pertencentes a um universo próprio, a mediosfera. Não por acaso, concorda-se com Morin (1969,
p. 83) que o culto às estrelas, a despeito da cultura de massa ser ―fundamentalmente estética e
profana‖, secreta uma mitologia própria.
Se, como lembra Machado da Silva (2012, p. 51), ―a noosfera é feita de imaginários‖,
é preciso considerar o quanto os media, como dispositivos suaves e difusos, inoculam o
imaginário, provocando, pela produção excessiva de sentidos, uma crise de sentido sem
161
precedentes. São, sem dúvida, poderosas ―tecnologias do imaginário‖ que, na sociedade do
espetáculo, ―trabalham pela povoação do universo mental como sendo um território de sensações
fundamentais‖. Eis o alinhamento entre mediosfera, iconofagia e hiperespetáculo: as imagens
mediáticas em circulação alimentam as almas, levando-as a crer que não existe sentido fora do
mundo das imagens; por isso, todos querem participar do ―show da vida‖, viver seu próprio
espetáculo. Tele-existir é ―apareSer‖. E ―apareSer‖ é ser hiperespetacular, por-se como imagem
entre imagens e continuamente renovar sua própria aparição, consumindo-as, consumindo-se e
pondo-se como objeto de desejo e de consumo. A esse respeito, Baitello Jr. (2012, p. 124-125)
assevera:
A iconofagia também ocorre quando pautamos nossa vida pelas imagens,
desejamos ser como as imagens (dos corpos esculturais, dos ídolos, dos rostos
perfeitos, das peles sem rugas nem cicatrizes do tempo, dos cabelos sedosos e
sempre lisos e esvoaçantes, dos narizes de padrão Barbie e tantos outros
modelos desejados), queremos ser como as imagens ideais. Perdemos o contato
com o nosso corpo real, com o mundo das diversidades infinitas de corpos, de
rostos, de narizes, de cabelos e peles. Alimentamo-nos com imagens e nos
transformamos em imagens. Os exemplos dramáticos de enfermidades como
anorexia, bulimia e obesidade mórbida nos desafiam a pensar sobre os efeitos
danosos de uma sociedade da imagem sobre os corpos reais.
Torna-se compreensível a vivacidade do desejo de visibilidade que consome tantos
nas práticas tele-existenciais de autoexposição: o imaginário, devidamente semeado pelas
narrativas mediáticas que viscejam nos mais diversos meios e formatos, tomado pelas figuras e
pelos valores da mediosfera, assume o ―apareSer‖ como prioridade vital. Apoiadas em Debord
(1967) e Fridman (2000), Bruno e Pedro (2004, p. 4) tecem a seguinte consideração:
Num mundo que se apresenta sob a forma de imagem espetacular, a vida real é
experimentada como pobre e fragmentária, movendo os indivíduos a contemplar
e a consumir passivamente tudo o que lhes falta em sua existência real. O
espetáculo é, assim, o sequestro da vida e a cisão do mundo em realidade e
imagem.
Espectralização da existência e hiperespetacularização nas plataformas ciberculturais
são intrínsecas: a projeção de si visa à conquista da visibilidade mediática para, nela, o sujeito
autoafirmar-se. Ressalte-se, inclusive, o fato de que espectro e espetáculo comungam a mesma
raiz latina, specto, e são da ordem da visualidade. Nos termos de Chauí (2006, p. 81-82),
pertencem ―ao campo da visão‖.
162
1.3 Espelhos e vitrines cibermediáticas
As práticas autoexpositivas que caracterizam o ―apareSer‖ tele-existencial guiam-se,
invariavelmente, pelas referências sancionadas no e pelo universo mediático. A sedimentação da
mediosfera, graças à lógica espetacular, torna-se patente em análises robustas como a realizada
por Almeida (2013): considerando o universo das adolescentes na web, a pesquisadora percebeu
que a postagem de autorretratos tem por finalidade angariar a aprovação dos ―amigos‖, expressa
em comentários positivos ou número de likes. As imagens especulares têm por objetivo compor
uma corporeidade espetacular6 pronta para consumo: ―as intencionalidades e lapidações dos atos
de edição não tem outra função predominante senão a produção visual de sujeitos objetificados
para o olhar do outro‖ (ibid., p. 207). Essa corporeidade espetacular raramente desvia-se dos
modelos mediáticos, o que requer a consideração das questões éticas que rondam os corpos fake
que aparecem em anúncios publicitários e revistas femininas de grande circulação. No processo
de autoestilização, as jovens cibernautas aplicam vários tipos de ―efeitos-cosméticos‖ às imagens.
Por isso, Almeida (2013, p. 67) considera que ―as fotos do Facebook são publicitárias, encenação
estratégica do sujeito‖. Nas redes, busca-se projetar a mesma aura que irradia das imagens das
estrelas, a qualidade de Visus (CANEVACCI, 1990, p. 71).
Visus é o visível, é o que faz com que astros e estrelas tornem-se adorados e
desejados pelas multidões, um visus imortal e divino, que subtrai a fluidez
diacrônica transformando seus detentores em entidades sincrônicas, intatas,
visíveis, inatingíveis e sagradas. [...] Celebridades que intensificam seu Visus
idilicamente carregam consigo o peso mortífero, sempre à beira do
desaparecimento pessoal. Marilyn Monroe, James Dean, Elvis Presley, John
Lennon, entre outros fazem parte do rol de visus fortes e vidas fragilizadas.
(ALMEIDA, 2013, p. 190).
Em consonância com tais considerações, apresentou-se em 2012 (cf. DAL BELLO;
ROCHA, 2012b) o caso de Bruna Grilá para apontar o caráter narcisista do excesso de imagens
de si em circulação nas redes sociais e exemplificar o processo de conversão do sujeito em objeto
6 Almeida (2013, p. 186) emprega a expressão para ―delinear o escopo da utilização de conceitos já arraigados em
diversos campos do conhecimento com algumas particularidades, que não abarcam a literalidade do tom marxista de
Debord, nem a plenitude da fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty, tampouco dá conta de envolver todas as
complexidades psicanalíticas instauradas no Estádio do Espelho de Lacan, mas ao mesmo tempo empresta dos três
algumas contribuições. Em poucas palavras-chave designamos: imagem corpo + figura exposta + trabalhada +
normativizada + visualizável + intencionalizada para a aceitação = corporeidade espetacular‖. Explica, também, que
a corporeidade espetacular pode ser primária, envolvendo toda uma disciplina anatomofisiológica, portanto
tridimensional, e secundária, bidimensional, relativa aos autorrepresentações. Sua pesquisa dedica-se sobretudo ao
segundo tipo.
163
de desejo e de consumo, além de contribuir para a desmistificação do consenso de que as
plataformas ciberculturais são sites de relacionamento quando, no fundo, o outro é convertido em
―status de bens‖ (TEIXEIRA, 2005, p. 160), satélite marginal indispensável na composição do
star sistem pessoal. Embora as diversas imagens que compõem os álbuns Eu, Grilá II e Grilá III,
disponíveis no perfil do Orkut da usuária, aparentem abertura de sua intimidade, providenciam e
aprofundam o afastamento. As poses que faz diante da câmera, em frente ao espelho ou sob a
lente que ela mesma opera para garantir a qualidade da versão de si que apresentará, sequestram
sua humanidade e posicionam–na entre as intocáveis estrelas.
Fotografias que preconizam a paralisação do sujeito, retirado do curso de suas
ações eventuais necessariamente é uma fotografia posada. E toda pose é uma
fabricação despida de qualquer espontaneidade. (ALMEIDA, 2013, p. 153).
Por meio de seu ensaio fotográfico caseiro, Bruna goza da aura das modelos. Dá-se
ao mundo em uma projeção imaginária e hiper-real, sem permitir a quem quer que seja que a
toque. O fato da capacidade de experimentar ter se desligado do necessário encontro foi
diagnostica por Thompson (2012, p. 266) e, antes deste, por Morin (1969, p. 74), quando lembra
que o espectador ―puro‖, embora possa ―ver‖ em toda parte, não tem condições de ―aderir
corporalmente àquilo que contempla‖. Nesse sentido, as imagens são armaduras, bunkers,
fechamento sobre si como estratégia de sobrevivência, no sentido conferido por Lasch (1990). Eis
porque tal prática de autoexposição é narcisista. É cativa do olhar do outro, que só interessa como
cativa audiência. Por temer a dependência emocional, superficializa as relações, o que contribui
para que se tornem insatisfatórias.
Permanece o vazio e o medo que podem, por sua vez, estar na raiz do excesso
informacional sobre si predominante em tais plataformas. Neste caso, o excesso
corresponderia à busca por algo que preencha a sensação de vazio e as imagens,
a necessária proteção que assegura ao eu um espaço/tempo de articulação com o
temido outro. São sua armadura. Por meio delas, pode expor-se com o
sentimento de não correr tantos riscos assim. (DAL BELLO; ROCHA, 2012a, p.
3).
A criação de álbuns autorreferentes são uma prática comum, inclusive entre meninos.
Uma rápida comparação entre as imagens do álbum ―Fotos do perfil‖, de Bruna (figura 49), e as
imagens do álbum ―Eu‖, de Lucas (figura 50), ambos disponíveis no Facebook, revelará os
mesmos elementos: imagens produzidas, posadas em frente a espelhos, com presença da câmera
fotográfica, quase sempre operada pelo(a) próprio(a) ―modelo(a)‖.
164
Figura 49. Miniaturas das fotos de perfil de Bruna no Facebook (20 jun. 2013).
Figura 50. Miniaturas das fotos do álbum “Eu” – perfil de Lucas no Facebook (20 jun. 2013).
165
Sem dúvida, o excesso de imagens de si evidencia, em primeiro lugar, a necessidade
de apreender o ser-sendo que cada um é. Barros Filho (2005, p. 17) lembra que ―representações e
relatos sobre si estão sempre atrasados‖, daí a necessidade de renovação constante das imagens
do perfil. Entretanto, cada nova imagem, embora pretenda romper a cristalização da vida contida
na anterior, não providencia mais que nova cristalização. Em segundo lugar, a repetição temática,
a começar pelos títulos de álbuns autorreferentes como ―Eu‖ ou ―Eu mesmo‖, parece reafirmar
aquilo que se pretende apreender: ―Quem eu sou‖.
Para Baitello Jr. (2005, p. 55-56), as imagens, em sua proliferação autônoma, bastam-
se a si mesmas, deixando de ser janelas para o mundo para tornarem-se janelas para si próprias.
―Tal fenômeno de autorreferência implica em supressão do mundo em favor das representações
bidimensionais em circuito fechado, ou seja, as imagens se referem sempre e apenas a imagens‖.
Na passagem da função-espelho para a função-vitrine, as imagens tornam-se soberbas ovelhas
desgarradas. Elementos caóticos e fragmentários que constituem prosaica narrativa sobre o eu e
contribuem diretamente para sua representação-simulação: apontam para alguém ao mesmo
tempo em que o hiper-realizam, tornando-o outro..
São semblantes performáticos, a sua melhor tradução, o melhor enquadramento,
que parte da referência do corpo carnal e metamorfoseia-se nas intervenções
corrigíveis uma, duas, três vezes ou mais. Tornar-se "bela" como as atrizes e
celebridades não é mais um luxo permitido para poucos ou um sonho
inalcançável [...]. É o sonho de todos se tornarem objeto midiático. As
fotografias se tornam os novos espelhos, de bidimensionalidades longânimas,
mais condescendentes com nossas aspirações do que o reflexo duro do espectro.
Fitamos o resultado, envolto em uma atmosfera sublime como se fosse a
realidade. (ALMEIDA, 2013, p. 71).
Os perfis, parte daquilo que habitualmente é oferecido ―ao mundo social como
definidor de nós mesmos‖ (BARROS Filho, 2005, p. 16), são espaços de construção identitária
que se revelam como espelhos, evidenciando e circunscrevendo o eu em meio à miríade de
páginas e fluxos informacionais do cyberspace. Cada perfil totaliza o universo de informações
esparramadas por/sobre o cibernauta, e tal conjunto totalizador o ―corporifica‖ como alguém,
tema que se aproxima bastante da proposição de Almeida (2013) sobre ―corporeidade
espetacular‖. Mas, justamente por ser uma projeção subjetiva, a atuação nas plataformas
ciberculturais nunca perde de vista a função-vitrine.
Como vitrines, implicam que o usuário maneje todos os artifícios na composição
de um duplo encantador, projetado como sujeito-objeto que desperte o interesse
do outro, que suscite comentários, que alcance audiência – celebração sem a
166
qual o usuário sentir-se-á, paradoxalmente, menos ele próprio. Afinal, outros
imaginários se cruzarão com o que o eu julga ser. (DAL BELLO; ROCHA,
2012a, p. 6-7).
Nesse sentido, o aplicativo The Museum of Me, desenvolvido pela Intel em 2011, é
exemplar. A partir dos diversos dados disponibilizados no perfil do indivíduo, o aplicativo cria
um ambiente 3D futurista para exibir uma síntese sobre quem ele é. Os ―melhores amigos‖, as
principais ―fotos‖, os mapas de ―localização‖, as ―palavras‖ que aparecem com mais frequência
nas postagens e, por fim, fotos e vídeos que o indivíduo ―curtiu‖ são agenciados no processo. O
ambiente assume a aura suntuosa das galerias de arte (figura 51), mas, no fundo, é mais triste e
solitário que um museu, assumindo ares de mausoléu.
Figura 51. Página inicial do aplicativo The Museum of Me (27 jun. 2013).
Figura 52. Cena final do tour pelo museu de Cíntia Dal Bello (27 jun. 2013).
Após permitir que o aplicativo rastreie e filtre suas informações, o indivíduo é levado
a um vídeo em que passeia pelo próprio museu. O tour termina em uma sala onde braços
167
robóticos selecionam imagens aleatórias, não pertencentes aos álbuns do indivíduo, para montar
um mosaico de seu rosto e mostrá-lo interligado a diversos outros, formando uma galáxia de
conexões (figura 52). Após a exibição do filme, o usuário retorna ao seu perfil do Facebook, onde
um álbum com cinco imagens registra os melhores momentos da visitação.
É importante frisar que a seleção feita pelo aplicativo não necessariamente reflete a
ideia que o indivíduo tem de si mesmo. Por outro lado, os algoritmos que balizam a escolha dão
conta de quem o indivíduo é no instante em que é avaliado: pela quantidade de interações que
mantém com esta ou aquela pessoa, deduzem quem são seus melhores amigos; pela repercussão
que certas fotos causam no ambiente, determinam quais são as mais importantes. O sistema,
obviamente, não consegue apreender entrelinhas ou distinguir ironias. Por isso, dá como certo
que a palavra mais utilizada pelo indivíduo e, portanto, aquela que deve servir para expressar algo
absolutamente relevante sobre ele, é a palavra ―que‖.
Função-espelho e função-vitrine se imbricam aqui. O ―arquivo visual de sua vida
social‖, como o aplicativo é publicitariamente definido em sua página, parece celebrar a vida,
mas aproxima-se muito das homenagens póstumas. O sentido que se deseja imprimir quando,
nesta Tese, os termos ―cristalização‖ e ―petrificação‖ são empregados para caracterizar as
imagens-técnicas, torna-se literalmente visível. No ambiente futurista, não há vida. Neste cenário
pós-humano, post-mortem, após singularizar o sujeito, o tour caminha para a sua dissolução.
Quem é este que se apresenta no museu? Um mosaico de tantos outros. Mais um dentre tantos
outros. Projeção-dissolução. Memorial de memórias efêmeras, mausoléu virtual que não abriga
nem o cadáver, nem suas cinzas, apenas bits e bytes imortais.
1.4 Visibilidade/vigilância
O ―apareSer‖ tele-existencial abarca o uso confessional da Internet (BAUMAN,
2008) e o comportamento generalizado de evasão de privacidade e de exposição da intimidade
(SIBILIA, 2008) que transforma as redes sociais digitais em ―palcos hiperespetaculares de
publicação de sujeitos‖ (DAL BELLO, 2008). O termo denomina o fruto do processo de
naturalização do desejo de autoexposição que desenvolveu-se, paulatinamente, ao longo do
século XX graças à colonização do imaginário popular pelas indústrias cultural, da moda e da
publicidade, dada a larga penetração dos meios de comunicação de massa instituintes de uma
168
sociedade espetacular e, correlatamente, um imaginário próprio – a mediosfera (CONTRERA,
2010). Nesse sentido, ―apareSer‖ denomina o conjunto de práticas socioculturais de
autoexposição com vistas à legitimação da existência. E, dentre elas, a tele-existência
cibermediática e glocal comparece como novo modus vivendi, epocal, cujo sentido nutre-se
diretamente dos conteúdos inoculados pelos meios de comunicação, poderosas tecnologias do
imaginário ou ―dispositivos de cristalização de um patrimônio afetivo, imagético, simbólico,
individual ou grupal‖ que mobilizam e estimulam indivíduos e coletividades (MACHADO DA
SILVA, 2012, p. 47).
Olimpianos e vedetes são referências importantes na consideração dos conteúdos
mobilizadores que habitam a mediosfera. Para Morin (1969), a promoção de indivíduos à
condição de heróis mediáticos pelos meios de comunicação de massa confere-lhes uma aura
―olimpiana‖; a dimensão divina que envergam seduz, fascina e induz à adoção de estilos de vida,
modelos de comportamento e consumo em larga escala como formas de acesso a uma vida de
luxo, amor e felicidade ideais. Entretanto, a condição humana e mortal dos novos deuses, exposta
e explorada pelos mesmos meios, é o que provocará a identificação dos demais.
A imprensa, o rádio, a televisão, nos informam sem cessar sobre sua vida
privada, verídica ou fictícia. Eles vivem de amores, de festivais, de viagens. Sua
existência está livre da necessidade. Ela se efetua no prazer e no jogo. Sua
personalidade desabrocha sobre a dupla face do sonho e do imaginário. Até
mesmo seu trabalho é uma espécie de grande divertimento, votado à glorificação
de sua própria imagem, ao culto de seu próprio ―Double‖ (duplo). (Ibid., p. 79).
Para Debord, as vedetes espetaculares concentram em si a condição superficial do
―viver aparente‖. Ao figurar ou encarnar estilos de vida e de compreensão da sociedade, são
menos indivíduos com qualidades autônomas que modelos de identificação: ―As pessoas
admiráveis nas quais o sistema se personifica são bem conhecidas por não serem aquilo que são‖
(DEBORD, 1967, §61).
Pari passu a exposição massiva a tais modelos, a reflexão sobre o processo de
naturalização do desejo de exposição mediática não pode ignorar o fato de que, na cultura
ocidental, o desenvolvimento de técnicas de visualização com os mais variados fins responde a –
e também fomenta – um sistema social em que a imagem é absolutamente relevante. Conforme
Almeida (2013, p. 184), a importância que a imagem ultrassonográfica assumiu, sobrepondo-se,
muitas vezes, ao contato proprioceptivo/tátil, corresponde a toda uma geração de adolescentes
que ―já nasceram sob a égide da observação, sendo vistos como imagens desde o ventre de suas
169
mães‖. A intimidade com as tecnoimagens e seus aparelhos é tão ―natural‖ que crianças muito
pequenas, além de posar para foto, já sabem pedir para ver como ficaram na tela de preview da
câmera. Nas redes, é comum encontrar perfis de crianças, algumas ainda nem nascidas, que são
carinhosamente cuidados por seus pais até que possam assumi-los quando tiverem ―idade‖. Outro
sintoma interessante é o fato de que, nas plataformas ciberculturais como o Facebook, mensagens
textuais só reverberam quando são editadas como imagem.
Somos procurados muito mais por nossas fotografias e vídeos do que por nossas
opiniões, ressaltando especialmente as fotografias postadas nos álbuns e perfis,
plasmando a aparência corporal em seus atos mais triviais e incentivando a
construção imagética da vivência no cotidiano. E quanto mais imagens postadas,
mais interessante é a performance na rede, sendo digna de ser
acompanhada/seguida pelos olhos alheios. (Ibid., p. 43).
Ascender ao panteão dos olimpianos, entretanto, tem seu preço. Afinal, todo regime
de visibilidade institui, por lhe ser intrínseco, uma instância de vigilância. Esta, na sociedade
espetacular instaurada pelas tecnologias do imaginário, será diferente do modelo precedente
preponderante – o panóptico.
Conforme Foucault (1979, 2010), no registro panóptico, a exposição é um fator
coercitivo, dado em função da disciplina e do controle para a conformação de corpos dóceis, bem
adaptados à ordem das instituições normativas. A instituição da visibilidade é estratégica: deve
prevenir fugas, revoltas e traições, deve garantir o exercício do poder de poucos sobre muitos.
Na sociedade espetacular, observa-se o oposto: por meio das telas de cinema e
televisão, muitos passam a observar poucos, os ―eleitos‖, aqueles que congraçam do privilégio de
serem conhecidos. Bauman (1999, p. 60), retomando expressão cunhada por Mathiesen (1997),
lembrará que o regime sinóptico de visibilidade ―seduz as pessoas à vigilância‖. Diferentemente
do panóptico, em que a visibilidade/vigilância ocorre em sistema de enclausuramento, portanto,
local, no sinóptico, os indivíduos não são arrancados de suas localidades: podem acessar a rede
extraterritorial a partir de suas próprias residências para aceder ao encanto de ver/vigiar, é global.
Para ele:
Os poucos que são observados são as celebridades. Podem ser do mundo da
política, do esporte, da ciência, do espetáculo ou apenas especialistas em
informação famosos. De onde quer que venham, no entanto, todas as
celebridades exibidas colocam em exibição o mundo das celebridades – um
mundo cuja principal característica é precisamente a condição de ser observado.
(Ibid., p. 61).
170
Se, entretanto, pode-se levantar a hipótese de que o registro sinóptico, relativo à
sociedade do espetáculo e aos meios de comunicação de massa, sobretudo à televisão, é
responsável em grande parte pela instituição do desejo de ser visto, estar na mídia, participar do
universo dos notáveis mediáticos7, é preciso lembrar que o modelo de visibilidade/vigilância que
vigora no hiperespetáculo cibercultural imiscui as tecnologias precedentes e implica, ainda, as
possibilidades de indexação, rastreamento e arquivamento, conferindo visibilidade aos
deslocamentos no tempo de uso das redes e no espaço físico-geográfico (BRUNO, 2008a). Mas,
sem dúvida, as tecnologias do imaginário não apenas facultaram referências para os processos de
projeção e identificação como evocaram e consolidaram uma espécie de subjetividade
alterdirigida, ávida, por um lado, em consumir a diversidade de materiais simbólicos com os
quais ―vai tecendo uma narrativa coerente da própria identidade‖ (THOMPSON, 2012, p. 268) e,
por outro, em por-se ou expor-se também como referência válida. Nem por isso o caráter ativo,
criativo ou engajado de tal empreitada deixa de ser condicionado. Deve ser considerado o fato,
tratado por Bruno (2008b, p. 49), de que a publicação de fotos e vídeos caseiros no cyberspace
transporta a relação visibilidade-vigilância da dimensão do controle para a dimensão do
entretenimento. Imagens que fomentam uma ―estética do flagrante‖ são:
[...] muito similares àquelas que os paparazzi, as câmeras escondidas, os reality-
shows, as pegadinhas e as videocassetadas nos habituaram a ver. Eis porque
essas imagens de vigilância são também imagens do espetáculo. Imagens que
divertem, entretêm, dão prazer, convidam ao voyeurismo e promovem uma
reversibilidade jocosa entre o anônimo e o célebre, o público e o privado, pois
aplicam à vida corrente e às pessoas comuns o mesmo procedimento escópico e
atencional outrora reservado às celebridades da grande mídia ou ao interesse do
grande público.
Thompson (2012, p. 270-271) admite que, ao incorporar as referências mediáticas,
cada vez mais o self organiza-se como um projeto reflexivo, cuja narrativa é constantemente
retomada, renovada, revisada. Em contraste com as narrativas olimpianas, cada um pode tomar a
si mesmo sob outra luz, uma nova luz. Mas, o autor sublinha que tal promiscuidade com os media
não comparece despida de aspectos negativos.
Desejo de ser visto, autoexposição e superexposição mediática retroalimentam-se em
um movimento circular acelerado. A superexposição institucionalizada e sancionada pelos media
fomenta o desejo de ser visto tal qual o outro; o desejo de ser visto leva à prática da
7 Diversos programas de auditório, no lastro de Gongo Show, e mais recentemente os reality shows, exploram este
desejo para constituir suas atrações.
171
autoexposição, e a superexposição, uma vez que incorre em excesso informacional, institui novos
parâmetros e critérios que pautam o ambiente concorrencial. Nas plataformas ciberculturais pode
haver espaço para todos, mas o tempo, ainda que as operações ocorram em tempo real, ainda é
escasso. O tempo de ocupação de um espaço privilegiado no feed de notícias do Facebook, por
exemplo, dura apenas até o depósito de novos conteúdos que fatalmente soterram as publicações
anteriores. Ainda que sejam recuperáveis por meio de mecanismos internos de busca, perderam o
brilho da ―atualidade‖. Por isso diz-se que o excesso informacional provocado pela
superexposição renova e aguça o desejo de ser visto.
A explosão demográfica das redes sociais digitais, que possibilitam a
manifestação subjetiva e a promoção do ―eu‖ para uma audiência cativa formada
por amigos ou seguidores, assinala o quanto tais plataformas parecem
corresponder à necessidade de ser reconhecidamente alguém, democratizando o
acesso à realização do sonho de ser star em um star system particular. Por
confundir-se tão intimamente com o imaginário do espetáculo, a visibilidade
facultada pelos meios de comunicação torna-se imprescindível e desejável –
ainda que traga consigo, pois lhe é intrínseca, a faceta da vigilância. (DAL
BELLO; ROCHA, 2012a, p. 15).
Assim, pode-se dizer que as subjetividades que colonizam a nulodimensionalidade
ciberespacial, projetadas e reprojetadas nos mais variados artefatos sígnicos de identidade, estão,
antes e ao mesmo tempo, colonizadas pelo imaginário de sucesso, fama e realização que
conforma a mediosfera. Fruto da confluência das culturas mediática, narcisista e pós-moderna
que regeram o século XX e consolidam, no século XXI, a era da visibilidade mediática e da
dromocracia cibercultural (TRIVINHO, 2007a), a subjetividade alterdirigida nutre-se do vazio
que lhe permitirá desenvolver sua corporeidade espetacular, sua dimensão tele-existencial.
Afinal, como lembra Machado da Silva (2007, p. 32): ―O espetáculo era uma imagem do mundo.
O hiperespetáculo é uma imagem de si mesmo‖.
173
CAPÍTULO 2 – A dinâmica agonística dos jogos de performance cibermediática
A passagem do regime panóptico de visibilidade/vigilância (FOUCAULT, 1979,
2010) para o regime sinóptico (MATHIESEN, 1997 apud BAUMAN, 1999), em que a imagem
aprisiona por seu apelo sedutor, exige que se façam mais algumas considerações a respeito da
cultura de massa, especificamente sobre seu caráter lúdico e sua vocação para o lazer para, então,
compreender por que a tele-existência cibermediática é vivenciada como uma forma de
passatempo.
O lazer moderno, resultado da efervescência entre as pressões sindicais e a
organização burocrática do trabalho, não se reduz ao tempo de repouso ou recuperação das forças
para início de nova jornada. Também difere radicalmente do tempo orgânico das festas e dos ritos
religiosos que colocavam em comunhão as coletividades tradicionais; este último, corroído pela
fragmentação em fins de semana, feriados e férias, retraiu-se mediante a administração
disciplinar da vida. Para Morin (1969, p. 72-73), a cultura de massa instala-se exatamente neste
tempo livre conquistado do tempo de trabalho e instituído a despeito das relações comunitárias e
familiares, tempo em que o indivíduo, além de desempenhar o papel de consumidor, pode
exercitar sua individualidade em hobbies e outras atividades que devolvam, após a
despersonalização sofrida no âmbito do trabalho, a sensação de ser alguém. E, brincando com o
termo inglês para ―férias‖, Morin (ibid., p. 80) dispara: ―Da vacância dos grandes valores nasce o
valor das grandes vacances‖.
Estandarte máximo da ética do lazer, a cultura de massa recrudesce proposições
adjacentes como ―vida pessoal‖, ―indivíduo privado‖ e lazer como estilo de vida; exacerba as
necessidades de consumo, bem-estar e lazer como formas de autoafirmação; afasta-se de qualquer
temática que não conduza a uma concepção lúdica da vida e alimenta ininterruptamente o fluxo
de passatempos que cumprem, antes mesmo de divertir, a prodigiosa tarefa de matar o tempo e
afastar a angústia existencial. Apenas a busca pela autorrealização, pelo prazer e pela felicidade
ideais dos olimpianos imprime sentido ao presente e justifica o indivíduo. Destituído dos valores
do passado e das grandes visões transcendentes do futuro, resta ao indivíduo desfrutar a própria
vida, consumindo-a.
O consumo dos produtos se torna, ao mesmo tempo, o autoconsumo da vida
individual. Cada um tende, não mais a sobreviver na luta contra a necessidade,
174
não mais a se enroscar no lar familiar, não inversamente, a consumir sua vida na
exaltação, mas a consumir sua própria existência. (Ibid., p. 73).
Jogo e espetáculo, no diagnóstico acurado de Morin sobre o Zeitgeist do século XX,
são elementos centrais; embora presentes nas festas e atividades antigas de lazer, amplificam-se
graças às tecnologias de difusão da cultura de massa e instalam-se como perspectivas,
expectativas e valores de vida. Em várias atividades lúdicas ambos os termos comparecem
implicados de forma complementar, desde a estadia em estações de férias, com rotina planificada
de passeios, jogos e festas que simula o estilo de vida despreocupado e glamouroso de astros e
estrelas de cinema, até a visitação turística guiada que transforma a viagem em fluxo ininterrupto
de imagens para registro fotográfico e posterior utilização em rituais de exibição/narração do que
foi ―vivido‖, o que aproxima de forma imprevisível turismo e cinema. Também lembra o quanto,
apesar do isolamento que as membranas de vidro das telas proporcionam, algum ―suco‖ vem
irrigar o cotidiano, fomentando e nutrindo de referências mediáticas as relações interpessoais; de
certo modo, comentar o que foi visto na televisão também constitui uma forma de passar o
tempo.
Assim, simultaneamente com o espetáculo, a cultura do lazer desenvolve o jogo.
Dualidade ao mesmo tempo antagonista – uma vez que o espetáculo é passivo, o
jogo ativo e complementar, que não apenas se registra no lazer, mas também o
estrutura em parte. Efetivamente, uma parte do lazer tem tendência a tomar a
forma de um grande jogo-espetáculo. (Ibid., p. 76).
Na esteira das proposições de Morin, pode-se dizer que o ―apareSer‖ tele-existencial
nas plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva radicaliza a relação entre
jogo e espetáculo, confirmando a tendência aventada na década de 1960. Reconhecer, entretanto,
que ser/estar, ou ―apareSer‖, nas plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção
subjetiva possui uma dimensão lúdica não significa congraçar com sua dinâmica. Muito pelo
contrário: chamar a atenção para o fato de que redes sociais e metaversos são vivenciados como
entretenimento tem por objetivo demonstrar que, apesar da tônica, essa concepção guarda
conseqüências bastante graves.
Alguns de nós sentem-se tentados a encarar a vida no ciberespaço como algo de
insignificante, uma fuga à realidade ou uma diversão sem grandes implicações.
Estão enganados. As nossas experiências no reino do virtual são uma coisa séria.
Submestimá-las é correr sérios riscos. Devemos compreender a dinâmica das
experiências virtuais para antever quem poderá estar em perigo, bem como para
utilizar essas experiências de forma mais útil. (TURKLE, 1997, p. 402).
175
Entreter-se significa por-se em suspensão entre dois pólos, tempo-durante cuja
importância está justamente em não ser tão importante quanto aquele que passou e aquele que
virá. Relaxamento, distração, diversão. Talvez seja interessante inquirir sobre a razão das
imagens-técnicas adquirirem tal relevância no âmbito da diversão. O consumo de filmes e
programas de televisão, somado ao consumo dos conteúdos hipermediáticos, dá margem a que se
pense no tipo de empreitada a qual a humanidade tem-se lançado. Tais formas de passar o tempo
são escolhas sobre como preencher o vazio que a passagem do tempo produz, como distrair-se da
angústia que a percepção do avançar do tempo causa no ser que é, sem dúvida, um ser-para-a-
morte, e para o qual a passagem do tempo é, sempre, aproximar-se da verdade final. Viver é
aquilo que se faz entre os pólos do nascimento e do desaparecimento; é, de certo modo, entreter-
se. A tendência à ludicidade, desde a manipulação das estruturas fundamentais até a interpretação
do ambiente como contexto de jogos, não passou despercebida à Flusser (2011, p. 129-136); sua
arguta compreensão do consentimento generalizado à dispersão que marca a busca pela felicidade
em meio às imagens-técnicas merece ser apresentada.
Para Flusser (2008, p. 68-69), há vontade e consenso de diversão; uma espécie de
ética dispersiva, contra qualquer tentativa de concentração, reunião ou recolhimento, coloca-se
como forma de sossegar a ―consciência infeliz‖, expressão hegeliana que se refere ao
desdobramento da consciência como consciência de si mesma. Assim, o indivíduo dispersado não
vive o impasse de sair para conquistar o mundo, correndo o risco de perder-se nele, ou, recolhido
para encontrar-se, perder o mundo; para ele, ―não há distinção entre ‗dentro‘ e ‗fora‘, porque é
precisamente no canto mais íntimo que o mundo me encontra‖ (ibid., p. 68). Mas se, conforme
algumas teses, a ―consciência infeliz‖ é a única possível, a felicidade só poderá ocorrer como
inconsciência ou desmaio.
O indivíduo dispersado e distraído, o indivíduo inconsciente, passa a ser
elemento de massa, do ‗coletivo inconsciente‘, e as imagens que o divertem
passam a ser os sonhos do coletivo. Sonhos de massa. Vista assim, a atual
dispersão da sociedade se afigura tendência rumo à cultura de massa, à
inconsciência geral, à felicidade. (Ibid., p. 69).
Pode-se objetar, obviamente, que o jogo de performance cibermediática a que se
assiste todos os dias nos perfis e outros espaços projeção subjetiva e de sociabilidade digital está
bastante longe desse mórbido cenário, tal a vivacidade tenaz com que os indivíduos fazem
questão de afirmar suas posições de sujeito, reforçando diariamente diferenças e semelhanças
justamente para destacarem-se da ―massa‖. Ainda assim, a dispersão permanece como elemento
176
central e não está, apenas, no fato de que cada um pode distrair-se brincando de ser alguém,
alguém que conhece muita gente e é conhecido por muitos. O reluzente isolamento do ―eu‖, a
despeito dos perfis constituírem interfaces relacionais, não ocorre apenas na instância simbólica,
mas invade a concretude da vida: é corriqueiro encontrar indivíduos absolutamente distraídos,
concentrados em seus gadgets, quer seja em tempos de deslocamento e espera, quer seja em
espaços nos quais ocorre o desconfortável encontro com o outro (elevadores, filas, pontos de
ônibus, corredores de shopping, salas de aula, praças de alimentação).
Ser/estar em plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva
constitui a principal atividade daqueles que estão conectados, atividade a que subordinam a maior
parte do tempo que passam na Internet. O caráter lúdico reside, em primeiro lugar, na dinâmica
do mimicry, que envolve, de acordo com Caillois (1990, p. 39 - 43), o prazer de brincar de ser
outro, de engendrar uma ilusão, de suspender a realidade por um dado tempo em prol da invenção
de um real mais real do que o real, em conformidade com a noção de hiper-real
(BAUDRILLARD, 1981). É graças ao mimicry que as plataformas podem ser experimentadas
como parte do reino da mímica e das máscaras, dos disfarces e dos artifícios, sem regras precisas
a não ser o imperativo de fascinar, não necessariamente ludibriar, o espectador1. Ou seja: a
encenação do si-próprio e a (re)presentação da vida por meio de artefatos sígnicos (perfis,
avatares, nicknames) na paisagem digital comparece como estratégia primordial no jogo da
performance cibermediática, um jogo espetacular (mimicry) que, por reiterar o mérito pessoal e
basear-se no desejo por reconhecimento em difusa disputa, torna-se agonístico. Eis a segunda
dinâmica, menos óbvia apesar de intensa: agon. A conjunção de mimicry e agon permite que se
observe, nos jogos que se instauram nas redes, o regime de (in)visibilidade que, fatalmente,
incidirá na estética do desaparecimento.
2.1 A obscuridade de agon
No fundo, o que está em questão no ―apareSer‖ tele-existencial é competir pelo
estreito foco de visibilidade, travando com o outro silenciosa batalha cujo objetivo é submetê-lo à
condição de observador-admirador, aquele que irá compor a massa de testemunhas que ratifica o
status do indivíduo como protagonista-mor de sua própria história. Todo instrumental de
1 Veja-se o Tópico 2.3 do Capítulo 2 da Parte II – Tensões de mimicry.
177
comunicação e relacionamento disponibilizados nas plataformas é arregimentado na batalha
(DAL BELLO, 2009). Portanto, parte do passatempo reside em projetar-se (mimicry) para ganhar
visibilidade, evidência (agon). Trata-se de conquistar o olhar, a atenção e a admiração do outro:
mais do que querer ser visto, deseja-se ser efetivamente existente e significativo para a alteridade.
Apresentar-se como arranjamento textual-imagético ―apropriável unicamente pelo
olhar‖, sob os imperativos narcísicos da época, tem seu significado alargado para ―existir de
alguma forma (como simulacro) perante o conjunto dos sentidos percepcionais da alteridade‖
(TRIVINHO, 2010, p. 3). Eis o que rege todas as estratégias de espectralização tecnologicamente
possíveis: a sedução do ―apareSer‖, em que ―olhar passa a significar apropriar-se. E deixar-se
olhar significa deixar-se apropriar‖ (BAITELLO JR., 2005, p. 20).
O contexto, sem dúvida, é agonístico. A busca por reconhecimento perante o outro
redunda em obscurecê-lo, relegando-o à sombra ou à margem da cena, reduzido ―à condição de
instrumento de autoconfirmação pessoal‖ (BAUMAN, 2008, p. 148). A concorrência pelo centro
cibermediático das atenções envolve violência sutil, invisível, de ordem simbólica e natureza
relacional, em decorrência de estar vinculada umbilicalmente ao desejo do único:
[...] um desejo historicamente residual de glória, substrato pulsional-imaginário
da vontade de potência [para evocar Nietzsche (1947)] na modalidade específica
de uma vontade orientada (de maneira reducionista e instrumental) ao
reconhecimento ou prestígio, à reputação ou fama. (TRIVINHO, 2010, p. 5).
Portanto, pode-se dizer, com segurança, que o regime de visibilidade que se instaura
nas plataformas ciberculturais de relacionamento e projeção subjetiva é, também, de
invisibilidade, pois a disputa pelos espaços e tempos visíveis, os mais visíveis, implica fatalmente
o seu oposto para alguém. O Facebook, sensível a essa problemática, percebeu uma nova forma
de rentabilizar sua plataforma vendendo posição de destaque, no feed de notícias dos usuários,
para publicações pagas que são devidamente sinalizadas como patrocinadas (figura 53).
178
Figura 53. Recurso “promover” – Facebook. (7 ago. 2013).
Além de promover o olvido da alteridade, o regime de (in)visibilidade facultado pelo
glocal ciberespacial também opera a desvalorização da privacidade em prol de um mundo mais
transparente, aberto e conectado2. O discurso publicitário corrente, amparado por pesquisadores e
profissionais de tecnologia, não apenas reconhece como fato a crescente diluição das fronteiras
entre público e privado como estimula a evasão de privacidade, ao menosprezá-la, afinal, o
rentável modelo de negócio das plataformas ciberculturais baseia-se em conferir visibilidade e
identidade para melhor indexar e dispor dos perfis (DAL BELLO, 2010, p. 11). Reitera-se
incansavelmente o senso comum de que é desejável ser visível porque ser visível é ser desejável.
E ambos, ser visível e ser desejável, impelem à tele-existência e conferem um sentido à
existência.
Além de sonhar com a fama, outro sonho, o de não mais se dissolver e
permanecer dissolvido na massa cinzenta, sem face e insípida das mercadorias,
de se tornar uma mercadoria notável, notada e cobiçada, uma mercadoria
comentada, que se destaca da massa de mercadorias, impossível de ser ignorada,
ridicularizada ou rejeitada. Numa sociedade de consumidores, tornar-se uma
mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os
contos de fada. (BAUMAN, 2008, p. 22).
A dinâmica é sempre agônica, pois o resultado da empreitada de adentrar e habitar a
nulodimensionalidade ciberespacial é, também, sempre provisório. Tal empreitada, conforme
visto, requer que a complexidade dos corpos e da existência seja abstraída e a subjetividade seja
codificada. Como imagem-técnica, não-coisa, translada-se para uma forma exotópica e
2 As políticas de privacidade, desenvolvimento de recursos e comercialização de espaços publicitários no Facebook
seguem tais diretrizes. Veja-se a reportagem Cada vez mais exposição no Facebook, de Sbarai (2010).
179
transorgânica (VILLAÇA, 2007, p. 38) de existir, é in-formada nos parâmetros dados pelas
plataformas ciberespaciais, preenchendo formas atemporais (FLUSSER, 2007, p. 27) que
conferem uma ―corporeidade espectral‖, uma ―identidade temporária‖ e/ou um ―lugar transitório‖
a partir do qual se delineia um efêmero efeito de sujeito, correlato à supremacia da subjetividade
neonarcisista e performática.
Converter-se em conjunto de informações para assumir o status de sujeito implica
aceder à condição de objeto. Objeto desejante do desejo do outro, sujeito consumado para ser
veiculado, circulado, multiplicado, consumido. De saída, todo sujeito glocal, cibermediático e
hiperespetacular é objeto em agonia: só consegue ser emissor quando se põe como mensagem, só
existe quando é decodificado por alguém.
2.2 O desejo de ser visto e o medo de ser vigiado
Os jogos de (in)visibilidade e performance hiperespetacular que regem a tele-
existência cibermediática guardam outro aspecto inquietante: exatamente porque todo regime de
visibilidade implica um tipo ou possibilidade de vigilância, o desejo de ser visto não ocorre sem o
receio de ser objeto de indesejável perscrutínio. Uma reflexão a respeito, com o objetivo de
compreender sua dinâmica, requer a formulação da seguinte pergunta: O que busca aquele que
tele-existe, que quer ―apareSer‖?
Eis a hipótese que se levanta, presumida a partir em outros estudos já encetados
(DAL BELLO, 2009, 2011): quem quer ―apareSer‖ busca, na instância da visibilidade mediática,
legitimar a própria existência mediante a sinalização de reconhecimento daqueles que
compõem sua rede de contatos, sua audiência potencial. Assim o faz impelido por todas as
referências do imaginário mediático que foram destiladas pelas tecnologias do imaginário
instituintes de significativa mediosfera. A preponderância da visibilidade como valor exponencial
relega à margem outros valores ainda significativos, como autoridade e reputação. Em outras
palavras: para tornar-se visível e alcançar a ―fama‖, muitas pessoas abrem mão de sua
privacidade para expor a vida em minúcias; algumas sacrificam sua imagem pessoal como
estratégia para ―apareSer‖. É possível que muitas, fascinadas com os números dos contadores de
acessos, amigos, seguidores ou assinantes, não percebam o que essas ações, a longo prazo,
podem acarretar. Afinal, visibilidade não corresponde, necessariamente, à autoridade ou
180
reputação, podendo inclusive produzir o efeito contrário do pretendido. A mensuração desses
valores constituintes do capital social3 digital perpassa aspectos absolutamente relativos e
subjetivos, difíceis de serem auferidos no "piloto automático" de softwares experimentais que
pretendem traduzir em números o grau de influência ou indicar, como um termômetro, se a
reputação está mais ou menos positiva.
O desejo de ser visto é sintomático da cultura narcisista que toma vulto em meio à
incerteza, à efemeridade, ao medo e ao vazio pós-modernos. A visibilidade oferecida pelas redes
sociais digitais cumpre, sem dúvida, o papel de reiterar a presentidade de cada existência, já que
ser reconhecido e admirado pelo outro é imprescindível para a manutenção da identidade, com a
vantagem adicional de não expor o indivíduo aos constrangimentos ou perigos imediatos da
interação face-a-face; mas requer, a medida em que os conteúdos se tornam cada vez mais
efêmeros, as competências de operar na velocidade do tempo real e manter-se always on para não
sucumbir à invisibilidade causada pela avalanche contínua de novas postagens em timelines ou
feeds de notícias. Jogos de (in)visibilidade implicam saber e poder ser glocal e hiperespetacular.
Saber e poder tele-existir. Ser dromoapto (TRIVINHO, 2007a), ou seja, possuir capital cognitivo
para dominar as senhas de acesso às plataformas em rede e ter condições econômicas de arcar
com a renovação constante de hardwares e softwares.
A despeito da rapidez com que os conteúdos substituem-se uns aos outros e dos
novos valores que delineiam a época e modelizam as subjetividades, tudo o que tenha se tornado
visível na rede é integralmente recuperável ou indexável (BRUNO, 2012). A experiência
brasileira com as redes sociais registra, desde o Orkut, a tensão entre o desejo de ser visto,
reconhecido, admirado, e o medo de ter a privacidade invadida, ser ostensivamente vigiado. É
preciso lembrar que, em 2004 o acesso ao Orkut era restrito aos internautas convidados por
membros. Teoricamente, essa estratégia deveria assegurar que apenas pessoas confiáveis
frequentassem o ambiente virtual, facultando aos usuários a oportunidade de encontrar velhos
amigos e fazer novas amizades baseadas em interesses comuns, razão pela qual tantas
comunidades virtuais foram criadas; nesse sentido, tornar privadas as informações do perfil seria
um contrasenso.
3 A respeito de capital social, recomenda-se a leitura introdutória de Recuero (2009).
181
Entretanto, em abril de 2006, a plataforma implementou o registro dos últimos
visitantes do perfil4. O problema é que o Orkut não avisou previamente que ativaria a ferramenta
e, da noite para o dia, muitos internautas insuspeitos foram flagrados visitando os perfis de ex-
companheiros, desconhecidos e desafetos. Após inúmeras reclamações, o Orkut tornou o recurso
opcional (figura 54). Em outros termos, para resguardar a privacidade de sua navegação, os
usuários são obrigados a abrir mão de saber quem são seus visitantes.
Figura 54. Configuração de privacidade no Orkut (27 out. 2011).
Criar um fake profile foi a solução encontrada por muitos: sob a máscara, age-se no
anonimato sem deixar de conhecer e acompanhar os dados de visita do perfil oficial. A figura 55
4 Em consulta realizada em novembro de 2011, o recurso ainda estava ativo.
182
retrata um caso, no mínimo, paradoxal: Estela Estrela, fake profile criado para hostilizar outros
usuários regularmente identificados, utiliza o espaço ―Quem sou eu‖ para deixar uma zangada
mensagem a um deles, que visita seu perfil sem deixar ―nome‖ (figura 55). Isso é possível
porque, sendo fake, ela não se incomoda em deixar rastros digitais nos perfis alheios, razão pela
qual deixa o recurso ativado em seu perfil; entretanto, não obtém o registro dos visitantes que
desativaram o recurso em seus próprios perfis.
Figura 55. Perfil de Estela Estrela no Orkut (dez. 2006).
Saber quem acessa o perfil, apesar da precariedade do registro (apenas dados
recentes), é uma forma de mensurar ou apreender algo sobre a audiência, o que é desejável no
contexto de autoexposição voluntária. O texto de apresentação da comunidade virtual Eu sei q vc
visita o meu perfil 5, inaugurada em 26 abr. 2006, capta bem o ―clima‖ da época:
Finalmente temos aquilo que faltava ao Orkut! Um viva à ferramenta que mostra
quem XERETOU em nosso perfil... Qts vezes vcs ñ se perguntaram: quem será
q fuça no meu perfil? Pois bem, agora temos como saciar a nossa curiosidade,
ainda q muitas pessoas desativaram essa maravilha de ferramenta chamada
'visualizador de perfil', ainda tem muitos, e acredito q seja a maioria q ainda
usa... [...] Se vc tb viu alguém nas suas visualizações e ela não deveria estar lá,
este é o seu lugar... (26 abr. 2006).
5 Disponível em: http://www.Orkut.com/Community?cmm=12211497&hl=pt-BR. 1804 membros. Acesso em: 27
out. 2011.
183
Com a epidemia de fake profiles que se seguiu, novos recursos foram implementados,
conforme inventariado a seguir: restrição de quem pode enviar scraps (set. 2007), proteção de
conteúdos (foto e vídeo) sob ―cadeados‖ e registro dos dez últimos visitantes (nov. 2007); acesso
ao scrapbook restrito a amigos (dez. 2007). Em 2010, foi introduzida a possibilidade de manter
uma conversa privada via scrapbook; a opção de segmentar os amigos em ―grupos‖ e comunicar-
se com eles isoladamente só surgiu em agosto e, no mesmo ano, antes de anunciar que
implementaria recurso semelhante, o Facebook viu-se alvo de uma série de ações civis em prol
de ferramentas mais simples de configuração da privacidade, na contramão do discurso corrente,
até então, de que a privacidade não tinha mais valor; foi, inclusive, capa da Times (FLETCHER,
2010), mote de reportagem crítica sobre a forma como estava se apropriando dos dados de seus
usuários.
Apesar de todas as configurações extras, várias delas disponíveis nas demais
plataformas, o recurso de registro dos visitantes do perfil só existe no Orkut e perdeu, em meio a
outras opções, a força ou a importância que teve à época de seu lançamento. No Facebook,
entretanto, ferramentas que revelam a quantidade de visualizações por conteúdo publicado,
indicando inclusive quem o acessou, estão disponíveis para os administradores de grupos e
páginas, como pode ser observado na figura a seguir (figura 56).
Figura 56. Recurso visualizações - publicação no grupo Restaurante do Clube St. Moritz (7 ago.2013).
184
A disseminação da tele-existência cibermediática e da visibilidade como valor
exponencial incita os indivíduos aos jogos de performance hiperespetacular. Os cibernautas
ignoram ou minimizam os possíveis riscos ou consequências indesejáveis da super autoexposição
no âmbito de suas vidas. E, mesmo aqueles que configuram as diversas opções de controle de
privacidade, não escapam das varreduras automáticas que permitem a inserção dirigida de
publicidade nos perfis. Dada a dificuldade de excluir com eficiência as informações que,
descontextualizadas, tornaram-se inconvenientes nas redes, uma nova área de atuação
profissional passou a viscejar: empresas especializadas no apagamento de arquivos.
Interessantemente, insucessos subsequentes na lúdica atividade de ―apareSer‖ ou tele-existir
levam alguns a desejar o anonimato, a indiferença, a obscuridade. Querer ―desaparecer‖ pode,
inclusive, chegar ao extremo do suicídio, assertiva que, infelizmente, pode ser exemplificada pelo
caso de Amanda Todd, vítima de intensa perseguição virtual e até agressões físicas após praticar
sexting com um desconhecido (SUICÍDIO, 2012).
Ocorre, entretanto, que os jogos de (in)visibilidade não se restringem à esfera do
indivíduo e sua privacidade; a promoção da transparência tem se objetificado em políticas
comerciais, publicitárias e políticas de exploração dos dados, para os mais variados fins, daqueles
que se fazem visíveis. O tema da espionagem digital empreendida pelos Estados Unidos, por
exemplo, não passa ao largo e reacende antigos temores.
Figura 57. Montagem de usuários ironizando a espionagem digital norte-americana. (2013).
Em reação às declarações de Barack Obama sobre o fato da Agência Nacional de
Segurança dos EUA recolher e analisar dados oriundos de operadoras de telefonia e plataformas
ciberculturais (OBAMA, 2013), a série de imagens ―Obama is checking your email‖ (TUMBLR,
185
2013) e outras charges, como demonstra a figura 57, que foram publicadas e compartilhadas em
redes como Tumbrl, Twitter e Facebook sintetizam a insatisfação que toda possibilidade de
monitoramento causa. Mesmo após o presidente norte-americano ter assegurado que o objetivo é
identificar terroristas e que os conteúdos telefônicos e digitais não são ouvidos/lidos sem ordem
judicial, reacende-se o debate em torno do direito à privacidade. Conclui-se, portanto, que o
medo de ser vigiado, subjascente, ainda que tímido, ao desejo de ser visto, não é de todo
infundado, embora seja recorrentemente menosprezado.
2.3 Privacidade e transparência
―Abrir mão da privacidade‖ porque a ―privacidade não tem valor‖ são ideias que
permeiam o retumbante discurso mediático de que é preciso tornar o mundo ―mais aberto‖ e
―conectado‖, capitaneado principalmente por Mark Zuckerberg, fundador do Facebook.
Interessantemente, as políticas de privacidade não deixaram de existir; antes, tornaram-se mais
complexas para garantir a exploração comercial dos dados pessoais depositados nas plataformas
(DAL BELLO, 2010).
A despeito das preocupações que cercam o debate, mais e mais pessoas têm
compartilhado dados particulares cotidianamente por meio das redes. Neste novo contexto
cultural, a autoexposição nos meios de comunicação é exercida compulsivamente – visibilidade e
subjetividade jazem intrínsecas, validando o trocadilho “Apareço, logo existo”. Ou seja: só existe
aquele que alcança a dimensão hiperespetacular, expondo-se massivamente nas telas da televisão
ou nas interfaces das redes; aquele que e é visto/reconhecido pelo outro, tomando-lhe a atenção.
O preço inconteste da desejada visibilidade, entretanto, é a possibilidade de ficar à mercê da
vigilância alheia. Afinal, para viver nesse mundo ―mais aberto‖ e ―conectado‖ é preciso tornar
transparentes espaços e momentos privados para que a desejada visibilidade possa finalmente
raiar.
As tensões entre privacidade e transparência não são novas e relacionam-se
intimamente com questões de poder. Cabe lembrar que a arquitetura do panopticon de Benthan
tem por objetivo principal transformar o olhar em exercício do poder. A invenção do panóptico,
aplicável a internatos, hospitais, fábricas, prisões e escolas, instituições circunscritas ou
ambientes fechados que zelam pelo aspecto disciplinar e uniformizador dos comportamentos
186
(SANTAELLA, 2010, p. 155), correspondeu à premente necessidade de controle de poucos sobre
muitos na incessante inflação das cidades, ao cabo das Revoluções Francesa e Industrial,
materializando, na prática, a visibilidade como estratégia de submissão e dissuasão. Obviamente,
a crescente complexização da sociedade tornou o modelo insuficiente para o exercício da
vigilância contínua, embora ele ainda vigore, isoladamente ou em conjunto com outras
tecnologias de visibilidade e vigilância mais eficientes.
Para Foucault (1979, p. 216-217), a fórmula disciplinar moderna considera a
privacidade um rincão de obscuridade e articulação de interesses particulares, razão pela qual
tudo deve estar visível para que possa ser melhor vigiado. Foucault faz notar que, sob o termo
―escuridão‖, subentende-se tudo aquilo que impede a ―visibilidade das coisas, das pessoas, das
verdades‖. Para os revolucionários do século XVIII, não se trata apenas de demolir câmaras
escuras em que se articula a arbitrariedade política, mas também ―os caprichos da monarquia, as
superstições religiosas, os complôs dos tiranos e dos padres, as ilusões da ignorância, as
epidemias‖ (ibid., p. 216). A sociedade transparente ideal, nesse sentido, é aquela em que cada
um, tendo interiorizado o olhar do vigia, exerce uma vigilância contínua sobre e contra si mesmo.
Sua estratégia central, conforme Bauman (1999, p. 56), ―era fazer os súditos acreditarem que em
nenhum momento poderiam se esconder do olhar onipresente de seus superiores, de modo que
nenhum desvio de comportamento, por mais secreto, poderia ficar sem punição‖.
A transposição do modelo panóptico para a leitura da dinâmica visibilidade-vigilância
nos meios de comunicação da cultura mediática e na cibercultura apresenta uma série de
limitações, afinal, foi concebido para a manutenção da rotina e da ordem em locais físicos
fechados e populosos, cujos integrantes não estão ali presentes necessariamente por livre e
espontânea vontade (ibid., p. 58-59). Entretanto, pode-se dizer que, nas plataformas ciberculturais
de relacionamento e projeção subjetiva, é possível encontrar resquícios da ideologia disciplinar:
para controlar o conteúdo publicado pelos usuários, as redes conferem a seus membros a
possibilidade de denunciar comportamentos inadequados. Do ponto de vista da arquitetura, o
modelo de vigilância centralizadora e omnividente do panóptico não pode ser imediatamente
aplicável à nuvem difusa de informações que trafegam pelas redes; mas, ao trocar a palavra
―camarada‖ para ―amigo‖, verifica-se a atualidade da proposição moderna: “cada camarada
torna-se um vigia”.
187
A disseminação da cultura da delação pode ser observada, também, no Club Penguin,
rede social da Disney em que as crianças interagem entre si por meio de avatares. No metaverso,
cada ―pinguim‖ tem seu iglu e pode percorrer vários ambientes participando de jogos, festas e
outras atividades. Acessórios para o avatar só podem ser comprados por usuários assinantes,
embora todos os ―pinguins‖ recebam moedas como remuneração pelo desempenho nos jogos
disponíveis. No âmbito da preocupação com a segurança dos participantes, está a estratégia de
convidar os próprios ―pinguins‖, assinantes ou não, a trabalharem como ―espiões‖, sendo a
principal tarefa reportar os mal-educados. No QG, cujo acesso só é permitido aos espiões,
observa-se a proliferação de monitores, como se houvesse uma rede de câmeras filmando cada
―lugar‖ do metaverso (figura 58), simulando ampla cobertura escópica, cujo caráter tecnológico
é, sem dúvida, mais sofisticado. Mas, de fato, a atuação dos pinguins-espiões inscreve-se na
matriz da vigilância panóptica, pois depende do que cada um testemunha por si.
Figura 58. QG do Club Penguin (jan. 2011).
A questão da segurança não apenas justifica a delação como inteligente recurso
contra abusos de várias espécies como reforça o discurso mediático de desvalorização da
188
privacidade, em ressonância com as constatações da academia. Sua crescente obsolescência
aproxima-se do sonho revolucionário que ansiava por uma sociedade transparente, em que tudo
pudesse estar à vista, à luz, embora o caráter da transformação em curso seja transpolítico e
obedeça à lógica do capitalismo tardio.
Ao longo do século XX, outros regimes de vigilância surgiram e foram sobrepostos
ao modelo panóptico, compondo a complexa malha na qual visibilidade, vigilância, identidade e
indexação se mostram quase indiferenciadas. São eles: o escópico, relativo à proliferação de
“câmeras de registro e visualização de imagens, em lugares estratégicos de ambientes abertos e
fechados” (SANTAELLA, 2010, p. 155), que podem registrar a ação transgressora ou coibi-la
por efeito de sua presença, tal como nos cartazes “Sorria, você está sendo filmado”; e o digital,
que opera por rastreamento das informações inseridas nos diversos bancos de dados mediáticos e
ciberculturais. Segundo Santaella (ibid., p. 157), ambos os regimes são indiciais, mas o caráter
icônico do modelo escópico de vigilância (que leva a ver) não permite a mesma velocidade de
monitoramento e cruzamento de informações do modelo digital, simbólico (que permite ver
através).
Os processos de indexação sígnica de lugares e pessoas devem ser alavancados com a
popularização dos dispositivos móveis de conexão contínua e plataformas ciberculturais de
geolocalização integradas a redes sociais digitais, como é o caso do Facebook e sua parceria com
o Foursquare. As condições de vigilância por rastreamento têm se tornado cada vez mais sutis,
difusas em ambientes inteligentes que operam silenciosa extração de dados graças à computação
ubíqua e pervasiva. Nesse contexto, quase não há onde se esconder.
Na era da mobilidade, lugares são antes pontos de um fluxo contínuo de
vigilância e cada um deles está conectado aos outros, fornecendo ―a mais
completa rendição da textura da vida cotidiana‖. Todos os nossos passos são
submetidos ao escrutínio e os objetos de que fazemos uso (carros, fones,
computadores, eletricidade) tornaram-se ferramentas para a vigilância. O
movimento não é um meio para se evadir da vigilância, bem ao contrário,
tornou-se o próprio meio de vigilância (Bennet e Regan, 2004, p. 453). Tudo
isso com a facilidade jamais sonhada por Max Weber, Franz Kafka ou George
Orwell. (Ibid., p. 159-160).
Mas haverá quem não queira ser visto? Bauman (1999, p. 58-59) assevera que a
participação nos bancos de dados ciberculturais é percebida como fator de inclusão, mobilidade e
distinção, razão pela qual é voluntária e desejável.
189
O discurso pela composição de um mundo mais aberto e transparente incorre,
necessariamente, na inscrição generalizada de tudo e todos nos bancos de dados ciberculturais. A
transparência, neste caso, aplica-se contra a opacidade de muros, paredes, cofres, baús e diários,
mantenedores modernos da privacidade, da intimidade e dos segredos individuais, na medida em
que são devidamente duplicados (ou simulados) e abertos à visitação fantasmática. Mas a
mudança significativa, entretanto, não está nas novas tecnologias empregadas para tornar público
o privado e garantir a visibilidade de tudo e todos, mas na aceitação social indiscriminada de que
é preciso ser/estar visível para ser reconhecidamente alguém.
As tecnologias do imaginário [...] inserem-se na (des)ordem do ‗panórgico‘: a
vivência como imersão total na caogênese cotidiana. No panóptico, o Big
Brother tudo espiona. No panórgico, reality shows, por exemplo, cada um se
exibe para o Grande Olho. No panóptico, o Grande Irmão invade a privacidade
de todos. No panórgico, a privacidade invade o espaço público por conta
própria. O panóptico era, paradoxalmente, voyeur e inercial. O panórgico é
exibicionista e contemplativo. (MACHADO DA SILVA, 2012, p. 59).
Se antes os mecanismos de identificação feriam a privacidade do sujeito moderno,
romântico e introspectivo e eram sentidos como uma verdadeira invasão, a larga adesão às redes
sociais digitais parece testemunhar, na modernidade tardia, o arrefecimento do sentimento de
―eu‖ em perfis e avatares publicizados nas instâncias mediáticas da visibilidade ciberespacial
(DAL BELLO, 2010). À tele-existência cibermediática corresponde, de certo modo, uma espécie
de subjetividade alterdirigida, fabulosa e performática.
2.4 Subjetividade performática
Os jogos de (in)visibilidade ocorrem no limite entre o significativo e a
insignificância, na tensão entre o desejo de apareSer e o medo de expor-se em demasia. Não têm
outra finalidade senão o regozijo fugidio de ter mensagens retuitadas (Twitter), curtidas,
compartilhadas e comentadas (Facebook), ou sentir-se admirado pelo tamanho da carteira de
seguidores, amigos e assinantes, importante componente para a mensuração da performance
subjetiva. Na medida em que o cyberspace é experienciado, sobretudo, como ―território digital
informacional‖ (LEMOS, 2009) e o exercício da ―fabulação/mitologização do real‖ (MACHADO
DA SILVA, 2012, p. 77) por meio das teletecnologias concorre para a indistinção entre real e
190
imaginário, depreende-se que o capital social digital oriundo do comportamento nas redes é
indissociável do capital social total.
Doravante, nas civilizações mediadas pela teletécnica, as tecnologias do
imaginário serão, cada vez mais, responsáveis pela fabulação/mitologização do
real, a ponto de que real e imaginário atingirão formas praticamente indistintas.
(MACHADO DA SILVA, 2012, p. 77).
Dentre os valores que concorrem para a composição do capital social digital, ser/estar
visível na esfera cibermediática parece ter preponderância sobre os demais, pois possibilita a
vivência de ―ser popular‖ ou o exercício de ―ser uma autoridade reconhecida‖. Ou seja: é preciso
―ser visível‖ para ―ter audiência‖ e ―ter influência‖. Entretanto, o caráter lúdico que permeia os
ambientes virtuais de relacionamento tolhe, muitas vezes, a compreensão de que os jogos de
(in)visibilidade lidam tanto com o efêmero quanto com o perene, o que complica os processos de
construção da reputação online e de manutenção do capital social digital. Ambos envolvem
cuidado contínuo tanto com a identidade online quanto com o conjunto vivo de interações com
amigos, seguidores e contatos nas plataformas ciberculturais.
Para mensurar o capital social de um indivíduo nesse contexto não basta observar o
tamanho ou a estrutura da rede pessoal. Esses dados são importantes, mas dizem respeito apenas
à quantidade e distribuição de pontos potenciais de audiência e visibilidade de cada ator, como
lembra Recuero (2009). Potenciais porque não há como garantir que todos os amigos ou
seguidores serão efetivamente atingidos pelas mensagens publicadas; basta lembrar que o
Facebook, dentre as alterações que promoveu em reação ao lançamento do Google Plus,
introduziu o botão assinar. Equivalente ao follow do Twitter, o usuário do Facebook realiza uma
assinatura para receber as atualizações de alguém, amigo ou não. Conforme mostra a figura 59, é
possível configurar a assinatura e inclusive cancelá-la, o que seria o mesmo que dizer ―Não tenho
interesse em receber notícias desse usuário, embora ele seja meu ‗amigo‘‖. Fica patente a
instituição de um novo indicador: angariar um grande número de assinantes, de preferência entre
não-amigos, constitui significativa medida de popularidade. A mesma lógica tangencia a rede
Pheed, com o plus de que as assinaturas para seguir determinados perfis são pagas.
191
Figura 59. Menu de configuração da opção "Assinado" no Facebook (out. 2011).
Dentre os indicadores de performance, a quantidade de contatos (amigos, seguidores,
fãs, leitores, membros, assinantes) aponta o dimensionamento da popularidade. Aliás, o
imaginário coletivo contemporâneo6 tende a interpretar o grande número de amigos como
sinônimo de ―ser popular‖ e a traduzir a quantidade de seguidores ou leitores como ―ser
influente‖. Em ambos os casos, está manifesto o desejo de ser conhecido, reconhecido, querido e
diferido – o desejo do único, como apresentado por Trivinho (2010), que justifica a ―corrida‖
pelo agenciamento de mais e mais contatos que inflam a rede pessoal sem contribuir para torná-la
efetivamente valorosa para o usuário. Mas, a aferição do grau de influência do usuário sobre sua
rede e, consequentemente, de sua reputação online, não é tão simples quanto alguns softwares ou
sites especializados levam a crer, pois depende da análise qualitativa dos aspectos quantitativos, o
que relativiza os valores preponderantes e reconsidera aspectos comumente negligenciados nos
jogos de (in)visibilidade de acordo com o contexto de vida e construção identitária de cada
usuário.
6 No processo de desenvolvimento desta pesquisa, durante o 1º semestre de 2010, foi realizada a palestra ―Você está
no Orkut? Pelo uso consciente e moderado das redes sociais‖ para cerca de mil alunos do Ensino Fundamental e
Médio, distribuídos em sessões de 50 minutos. Nessa circunstância, foi possível verificar, in loco, a reação geral
quando era apresentado um perfil com poucos ―amigos‖, invariavelmente negativa.
192
Figura 60. Rankings sobre usuários brasileiros no Twitter (12 out. 2011).
A nota geral dada pelo TwitRank aos usuários do Twitter (figura 60), por exemplo,
baseia-se na combinação de dois fatores: influência e popularidade. A influência é mensurada a
partir das interações dos seguidores com o perfil. Influente, portanto, é aquele constantemente
mencionado ou cujas mensagens recebem muitos retweets. Para o cálculo da popularidade, o
número de seguidores é considerado, mas não só. Conforme texto disponibilizado pelo site, ―uma
pessoa popular é aquela que é muito seguida, que possui prestígio e influência. Ter milhares de
seguidores nem sempre é uma referência para popularidade‖. O envolvimento do usuário com o
Twitter, demonstrado pela frequência de atualizações e postagens, também contribui para a
consolidação da nota. Tem-se, ao término dos processamentos, a publicação de rankings
diversos, tais como ―os mais seguidos‖, ―quem mais segue‖, ―quem mais tuíta‖ e ―os mais
listados‖.
Figura 61. Exemplos de #FF no Twitter (set. 2011).
A conversão do outro em número, de acordo com esta prática, contribui para a
composição do discurso autorreferente baseado na quantidade. A preponderância da quantidade
de conexões sobre a qualidade dos relacionamentos viceja em estratégias como dar #FF (Follow
193
Friday) no Twitter (figura 61) ou encaminhar convites de amizade para pessoas desconhecidas.
Aliás, as plataformas incentivam essa prática ao indicar possíveis novos contatos a partir das
pessoas que já estão ―adicionadas‖. Registre-se, também, que lotes de amigos e seguidores
podem ser adquiridos de forma ilegal como estratégia de angariar expressividade nas redes.
A despeito dos indicadores serem frágeis ou questionáveis, é interessante notar que a
abordagem da performance dos usuários nas redes sociais digitais revela as dimensões de agon e
mimicry (CAILLOIS, 1990) inerentes aos jogos de (in)visibilidade, desdobrando o conceito de
performance em duas faces indissociáveis: como ato de superação de si e dos demais, rendimento
espetacular que implica destaque, sucesso e singularização (EHRENBERG, 2010) - agon; e como
comportamento restaurado, codificado e socialmente compartilhado (SCHCHNER, 2003), entre o
ritual e o happening, com abertura para a encenação de si e controle mais preciso das máscaras
ou papeis sociais - mimicry.
A dinâmica dos jogos de (in)visibilidade envolve, portanto, dois modos
concomitantes e performáticas de produção subjetiva. Um é de teor agonístico, competitivo, uma
vez que as redes sociais digitais proporcionam projeção nos tempos e espaços de visibilidade
mediática ciberespacial mas não pode por todos, ao mesmo tempo, no desejado e disputado
centro da cena. A essa ideia, apresentada por Trivinho (2010), deve-se acrescentar que a
competitividade, embora acirrada e presente, não é sentida como tal devido ao segundo modo de
performance subjetiva, permeada pela lúdica do mimicry, relativa aos jogos de representação.
Para vencer a disputa e apareSer, ganhar o centro da cena e chamar a atenção para si
sobrepujando todos os demais, parece que vale inclusive sacrificar a própria reputação.
Obviamente que, em tempos pós-modernos, da superfície e do simulacro (TURKLE, 1997), cabe
lembrar que "reputação", como todos os demais constructos modernos, está se liquefazendo.
2.5 Estética do desaparecimento e dissolução do sujeito
O hiperespetáculo é contínuo aparecer-desaparecer de imagens no horizonte estreito
das telas de laptops, smartphones, tablets e outros dispositivos tecnológicosmunidos de telas, e
tal dinâmica só faz aumentar uma crise de visibilidade sem precedentes. Nele, produção
excessiva e super-exposição esvaziam as imagens de valor e sentido. Transitórias e efêmeras, são
rapidamente substituídas por outras na disputa por atenção, disputa que hiperestimula e fadiga o
194
olhar, que deixa de ver ou não apreende por muito tempo aquilo que viu. Pode-se dizer que, se a
ideologia da transparência instituiu com sucesso o desejo por visibilidade, criou também o seu
oposto: a invisibilidade. É esse monstro, a invisibilidade, correlato às ideias de inexistência e
insignificância, que faz com que o jogo da (in)visibilidade jamais cesse.
A crise é um paradoxo que se funda no excesso informacional e desdobra-se em
vários tipos de invisibilidade ou ―estética do desaparecimento‖ (VIRILIO, 2000, p. 23-24), desde
aquilo que não é visto dado o grande número de estímulos visuais que solicitam a atenção e
fadigam os olhos, tornando-os incapazes de enxergar, até a invisibilidade do corpo próprio, do
outro e do entorno sempre que os olhos, fascinados diante da encantadora tela, não conseguem
desviar-se para o aqui-agora. O outro, comutado em número – mais um amigo, mais um
compartilhamento, mais um comentário, mais uma ―curtida‖ –, também se torna invisível. E o eu,
em sua pretensão de posicionar-se como sujeito, dada à rotina agônica de permanecer sempre
visível, precisa manter-se always on para não soçobrar à dissolução que é intrínseca ao ato de sua
projeção. Assim, ―quanto mais se quer expor, mostrar, tornar visível, tanto mais se consegue
apenas aparentar, esconder, simular ou ofuscar‖ (BAITELLO JR., 2005, p. 21); trata-se da crise
da capacidade de apelo das imagens: ―Quando o apelo entra em crise, são necessárias mais e mais
imagens para se alcançar os mesmos efeitos. O que se tem então é uma descontrolada
reprodutibilidade‖ (ibid., p. 14).
Para Kamper (1994 apud BAITELLO JR., 2005, p. 18), a hipertrofia invasiva e
descontrolada das imagens provoca a fadiga do olhar. A solicitação recorrente e extrema do
sentido de visão provoca uma espécie de insensibilidade ou cegueira por falta de interesse,
recurso de sobrevivência mediante a sobrecarga de estímulos em uma era de reprodutibilidade.
No hiperespetáculo cibercultural, é comum observar o excesso de fotos sobre um mesmo evento
ou pessoa, e tal abundância é sintomática da escassez de sentido que assola uma época em que
todos os símbolos diretores da modernidade jazem esvaziados. Neste caso, o olhar deixa de ver
não porque a imagem-objeto está ausente, mas porque está em demasia.
Vários fatores contribuem para a profusão de imagens nas redes. A passagem do
sistema analógico para o digital e a gradativa popularização das câmeras digitais, seguida de sua
inserção como recurso em outros dispositivos, como o telefone celular, simplificaram o ato de
fotografar. A exibição das imagens em suportes que não dependem do custoso processo de
revelação ou impressão tornou possível o agradável exercício de registrar o desenrolar da vida em
195
seus detalhes mais banais. Assim como a introdução da fotografia assumiu o lugar da produção
do retrato, tornando mais acessível o registro de eventos importantes como nascimentos,
batizados, aniversários, casamentos e, inclusive, velórios, as imagens digitais sinalizam que tudo
tornou-se digno de nota e publicização. Conforme avançam as tecnologias de rede e conexão
disponíveis, percebe-se um novo salto: além de ser profusamente registrada, as cenas da vida
merecem ser compartilhadas em tempo real, simultaneamente ao momento em que ocorrem.
Ser/estar glocal, entretanto, exige o desenvolvimento da capacidade de, ao mesmo tempo, viver o
aqui/agora e publicizá-lo imediatamente, o que não é fácil e exige rápida tomada de decisão entre
as opções; invariavelmente, decide-se pelo registro, como lembra Almeida (2013, p. 46):
As pessoas corporificadas nos locais assistem a tudo pelas telinhas dos celulares
e câmeras. Este é o paradoxo de estar presente e transformar o instante para ser
visto na ausência. Não se vive a presentidade, senão quando esta for observada
na sua qualidade de ausência espaço-temporal.
A profusão de imagens aumenta em conformidade com o número de dispositivos em
circulação e a disposição de portá-los e utilizá-los. Desde reuniões familiares e intimistas até a
realização de eventos mais sofisticados, multiplica-se a presença das câmeras e do desejo de
registrar o momento a partir do ponto de vista próprio, ainda que o equipamento ou o
posicionamento não sejam os mais apropriados; mesmo que as redes sejam utilizadas para a troca
de imagens, todos querem garantir o seu registro. Uma comparação7 entre dois momentos vividos
na Praça São Pedro, por ocasião da morte do Papa João Paulo II, em 2005, e a sucessão do Papa
Bento em 2013, ilustra o ponto.
O aumento exponencial de imagens em circulação incide em excesso informacional
que, ao competir por atenção, contribui para inviabilizar a concentração. Por outro lado, a adesão
generalizada à espectralização simultânea da vida e do mundo, ilustrada pela figura 62, permite
que se pense sobre outro tipo de invisibilidade: aquela em que o entorno desaparece, uma vez que
os olhos estão absortos em enxergar o ao vivo por meio das telas.
Uma interessante propaganda tailandesa, intitulada Disconnect to connect (figura 63),
toca um aspecto nevrálgico: a sofreguidão por tele-existir leva o sujeito glocal e hiperespetacular
a ignorar aqueles que compartilham consigo o tempo-espaço vicário, de forma que possa manter-
se disponível para a existência nas redes. Na ânsia por tornar-se visível, sua atenção, dirigida para
7 Comparação postada por Tom MacIsaac do portal Verve Mobile.
196
a tela do smartphone, do tablet ou do laptop, torna invisível quem está ao seu redor. É nesses
termos que se compreende o extermínio sistemático da alteridade, do espaço e do corpo próprio.
Figura 62. Multidão na praça São Pedro em 2005 e 2013 (14 mar. 2013).
Figura 63. Cena da propaganda tailandesa Disconnect to connect, da DTAC (28 set. 2010).
197
Mas, dentre todas as invisibilidades possíveis, existe aquela que ocorre por
soterramento informacional, causa principal da dissolução do sujeito. Nesse sentido, conforme
Baitello Jr. (2005, p. 53), ―a lógica da sociedade imagética pensa a curto e curtíssimo prazo, o
prazo da última repetição, da última reprodução, que já estará obsoleta antes mesmo do término
de sua curta vigência‖.
A busca por visibilidade e reconhecimento neste regime de ―transparência das
aparências transmitidas imediatamente a distância‖ (VIRILIO, 1999, p. 116) gera excesso,
expresso pela quantidade de perfis e avatares administrados concomitantemente (atividade que
exige disponibilidade ou mesmo uso de aplicativos que reproduzem informações em plataformas
diferentes) e pela quantidade de mensagens (scraps, tweets, imagens e links) publicados nos
diversos ambientes. A batalha pelo domínio da cena mediática passa necessariamente pela
presentação contínua – always on, sem o que não é possível marcar e manter posição privilegiada
no feed de notícias do Facebook ou na timeline do Twitter, espaços de visibilidade pública em
que diferentes manifestações subjetivas entrelaçam-se. O convite à telexistência é expresso pelas
perguntas ―No que você está pensando agora?‖ e ―What´s hapening?”, indicativas da pressão
sobre o ―agora‖, a modalidade temporal por excelência da tele-existência.
A obsolescência das mensagens passa a ser computada a partir do momento da
publicação; pela lógica do jogo da performance mediática, não é interessante comentar, retuitar
ou ―curtir‖ mensagens ―antigas‖, pois elas perdem posição de visibilidade pública para as novas
informações postadas a não ser que sejam republicadas, passando-se por ―novas‖. Considerando-
se a grande quantidade de amigos e seguidores às quais os indivíduos estão vinculados e a grande
quantidade de mensagens que circulam nos corredores ciberculturais comuns, entrecortando-se e
apagando-se mutuamente, é possível afirmar que essas plataformas, exatamente pela alta
visibilidade que proporcionam, corroboram para a invisibilidade e a dissolução, efeitos diretos da
obscenidade e da obesidade informacionais (BAUDRILLARD, 1996, p. 23-31): transparência
dos segredos, redundância e saturação dos sistemas. Nesse sentido:
Obesidade e obscenidade formam a figura contrapontual de todos os nossos
sistemas [...]. Assim a esfera social, à medida que se expande, absorve
inteiramente a esfera política. Mas a própria esfera política é obesa e obscena – e
no entanto, ao mesmo tempo, ela está se tornando cada vez mais transparente.
Quanto mais ela se distende, mais ela virtualmente cessa de existir. (Id., 2001, p.
51).
198
A impermanência do suporte em que a subjetividade se inscreve, típica da ―estética
do desaparecimento‖ vigente (VIRILIO, 2000, p. 23-24), conduz fatalmente ao esgarçamento por
fragmentação ou multiplicação das manifestações que se apresentam no ―horizonte trans-
aparente‖ (Idem, 2005, p. 104) das redes sociais digitais. Na miríade complexa, paradoxal e
híbrida dos cenários de visibilidade mediática ciberespacial, o sujeito cibermediático, glocal e
hiperespetacular jaz (in)visível, diluído por excesso de projeção, perdido no obeso desdobrar de
corpos-sígnicos, duplos espectrais e simulacros, ofuscado pela luz obscena que quer por tudo à
mostra, agora e sempre, para que alguém possa, por compaixão ou ligeira simpatia, registrar seu
olhar sobre ele com singelo ―curtir‖.
2.6 A cultura do botão “curtir” e a agonia da inapreensão do agora
O botão ―curtir‖ (figura 64), lançado pelo Facebook em abril de 2010, é um recurso
bastante representativo do quanto são lúdicas as dinâmicas que tecem a tele-existência nas
plataformas ciberculturais, além de configurar um sintoma do macro-contexto no qual
convergem as culturas dromocrática (TRIVINHO, 2007a), pós-moderna (TURKLE, 1999) e
narcisista (LASCH, 1983; LIPOVETSKY, 1989).
Figura 64. Botão "curtir" do Facebook.
Suprasumo da velocidade, o botão ―curtir‖ equivale à rápida devolutiva. É, sem
dúvida, valioso recurso de interatividade, com o qual sinaliza-se de forma econômica que um
dado conteúdo foi observado. Ao clicar em ―curtir‖, o outro não permanece no vácuo, no silêncio
ou na incerteza sobre o quanto sua mensagem reverberou. Trata-se de instrumento pragmático,
sem grandes exigências para cumprir sua função. O feedback ocorre na velocidade de um clique,
processo tão mais simples e rápido que digitar um comentário, texto que, em comparação, seria
revelador da capacidade (ou incapacidade) de articular, verbalmente, pensamentos e sentimentos
despertados pela publicação. Não se trata apenas de demonstrar o nível de interesse pelo assunto,
199
mas a própria boa vontade para com o outro. Em plataformas allways on, um botão como esse é
essencial: misto de feedback veloz e bastião diplomático.
À medida que a vida e a subjetividade transferem-se para a superfície das telas por
meio dos processos de espectralização, imbricando-se no emaranhado das redes tecnológicas e
ensejando formas de sociabilidade sempre mais complexas, características pós-modernas
transformam-se em valores cada vez mais celebrados. No final das contas, em meio à enxurrada
de informações que chegam a todo instante, o botão ―curtir‖ oferece a possibilidade de reação
instantânea em face daquilo que aparece e será rapidamente substituído por outro conteúdo no
estreito e concorrido espaço de visibilidade hiperespetacular de cada plataforma, seja o feed de
notícias ou a timeline. Ode à impermanência, à fluidez, à fragmentação, à superficialidade, o
botão ―curtir‖ é invenção que saúda a pós-modernidade.
Por comungar e representar os valores pós-modernos, refletindo a falta de
compromisso com o outro, a falta de tempo para abordar com profundidade os assuntos
propostos, o botão ―curtir‖ também é indicativo de uma cultura cada vez mais narcisista,
conforme acepção de Lasch (1983). Precisa-se do outro como audiência para o show do eu
(SIBILIA, 2008). Nesse caso, o botão ―curtir‖ não colabora para a instituição ou manutenção de
relacionamentos (vínculos) entre pessoas, mas construção de relações (conexões) baseadas em
um comportamento reativo. Por um lado, reflete a busca por feedback quantificável, afinal, o
número de pessoas que curtem determinada mensagem se torna parâmetro de medição da
performance individual nas plataformas – e, por outro, configura estratégia de multiplicação dos
pontos de visibilidade: ao clicar em ―curtir‖, o indivíduo deixa na mensagem do outro a sua
bandeira, o seu nome, o seu "Eu estive aqui"; um nó hipertextual de retorno a si mesmo.
É impressionante o quanto a cultura do botão ―curtir‖ introjetou-se e resplandesce na
forma como os indivíduos interagem e navegam. Mesmo fora do Facebook, busca-se
automaticamente o botão, que pode ser adicionado a blogs, sites ou portais de notícias por meio
da instalação de um pluggin. Quando o site não faz uso desse recurso, surge uma espécie de
desapontamento, fruto do quanto sua lógica foi incorporada ao comportamento reativo de
navegação pelos conteúdos. Do ponto de vista dos publicadores, mesmo que o ―curtir‖ não seja
um parâmetro confiável sobre o quanto, de fato, alguém está envolvido ou engajado com o grupo
ou a página, o número de pessoas que ―curtiram‖ o conteúdo confere grata satisfação.
200
Embora outras plataformas não possuam recurso idêntico, observa-se que, no Twitter,
dar RT (retweet) é uma forma de demonstrar que o conteúdo agradou e tem alguma relevância
(figura 65). Nesse caso, tem mais relação com a lógica do botão ―Curtir‖ do que propriamente
com a opção ―Compartilhar‖.
Figura 65. Conjunto de respostas/reações a um tweet no Twitter (jan. 2012)
No Orkut, também é possível expressar de forma rápida a impressão que alguma
publicação (scrap) causou. À pergunta ―Gostou?‖, entretanto, existem 11 possibilidades de
resposta via emoticom, inclusive algumas que indicam desagrado (figura 66). Essas informações
são computadas e a tabulação das respostas apresentada ao final do scrap (figura 67). No
Youtube, além do ―Like”, há o ―unlike‖ (figura 68), conferindo visibilidade à contabilidade dos
insatisfeitos.
Figura 66. Conjunto de respostas/reações a um scrap no Orkut (jan. 2012).
Figura 67. Tabulação do total de respostas/reações a um scrap no Orkut (jan. 2012).
201
Figura 68. Conjunto de respostas a um vídeo no Youtube (jan. 2012).
O apelo dromológico das plataformas não se revela apenas no botão ―curtir‖. No
Facebook, os indivíduos podem acompanhar em tempo real a atuação dos demais: uma janela
(figura 69) reproduz, instantaneamente, o que os outros usuários acabaram de fazer na
plataforma, quer tenham curtido, comentado, compartilhado um conteúdo (foto, texto, vídeo,
link) ou atualizado suas informações (foto de identificação, foto de capa, alteração de dados na
timeline, criação de álbuns de fotos). O fluxo de documentação da vida e das interações é
contínuo, mais ou menos veloz a depender da quantidade de amigos online. O status on,
indicador da transformação da identidade-perfil em perfil-sujeito, também pode ser visualizado:
na janela do bate-papo (figura 70), o círculo verde indica quem está conectado naquele exato
momento, tecnicamente disponível para conversar. Além disso, é possível classificar as
mensagens que aparecem no feed de notícias em ―mais recentes‖ ou ―principais histórias‖, tudo
para que o sujeito cibermediático, glocal e hiperespetacular não perca, em meio ao grande
volume de informações gerado pelos demais tele-existentes, o que acabou de acontecer e aquilo
que ganhou sobrevida por ser considerado relevante graças ao número de pessoas que curtiram,
comentaram ou compartilharam. Da mesma forma que recebe todo esse pacote para consumo, sua
presença e ações são devidamente indexadas, compondo o fluxo de tantas outras janelas e
interfaces.
202
Figura 69. Janela que apresenta o fluxo de ações e interações no Facebook (04 abr. 2013).
Figura 70. Janela de bate-papo do Facebook (04 abr. 2013).
Considerando-se o regime de (in)visibilidade, não é possível tratar da estética do
desaparecimento sem abordar os eixos de organização do discurso de autoapresentação e
manifestação nas plataformas ciberculturais, ou seja, a estética do aparecimento.
Observa-se que o deslocamento do eixo de organização do discurso de
autoapresentação migrou do ―Who?‖, que se aproximava de um projeto reflexivo sobre o eu, para
203
o ―Where? What?‖. É importante lembrar que os usuários brasileiros do Orkut, desde 2004,
alteravam constantemente as informações contidas no campo ―Quem sou eu‖, o que
possivelmente motivou a plataforma a introduzir o campo ―Status‖; no Facebook, o campo
―Quem sou eu‖ não ocupa espaço privilegiado no perfil e calca-se em informações estáveis como
local de nascimento ou empresa em que trabalha. Em 2009, o crescimento do Twitter, com o
convite ―What´s happening?‖ como mote para a postagem de mensagens de 140 caracteres, levou
outras redes sociais a redesenharem o layout de suas interfaces, incorporando questões como ―No
que você está pensando agora?‖ (Facebook) ou o campo para compartilhamento rápido de
mensagens, fotos, vídeos e links (Orkut e Facebook). Quer seja por pressão da prática cotidiana
ou pela popularização de novos formatos e dinâmicas comunicacionais, o fato é que a ênfase que
rege o ―apareSer‖ está posta na documentação em tempo real da vida em movimento,
geolocalizável, o que é facilitado pelos diversos dispositivos móveis de acesso à Internet. A
agonia da inapreensão do agora deriva da instituição de um novo tempo, o tempo real, e
relaciona-se com uma nova forma de viver, viver para administrar impressões.
205
CAPÍTULO 3 – O não-ser do ser-pra-sempre: uma interpretação existencialista
Nada mais ilusório do que a verdade sobre o homem. Nunca saberemos por que
estamos aqui. A grande pergunta da filosofia – por que existe algo em vez de
nada? – foi respondida com uma ironia: porque sim. (MACHADO DA SILVA,
2012, p. 73).
A compreensão das experiências relativas à tele-existência cibermediática exige que
se pense a relação entre presença e existência. Na perspectiva heideggeriana, presença e
existência estão imbricadas na questão do ser (o Dasein 1); são conceitos que não são sinônimos,
mas se complementam em uma relação estrutural que alude ao ser humano. Constituinte do ser-
aí, essa relação implica a participação concreta em um espaço (o mundo) e um tempo (o contexto
histórico), a partir dos quais ser é necessariamente estar (presença) e, também, vir-a-ser, ser devir
(eksistere). Embora Heidegger não se assuma como um existencialista – para ele, a existência é
um dos aspectos ligados à compreensão do que é o ser, sua questão maior –, sua ontologia rompe
com a metafísica clássica (considerada, por ele, uma onto-teologia, na medida em que, de Platão
e Aristóteles até os filósofos modernos, a tradição filosófica ocidental esqueceu a questão do ser
para situar-se no horizonte do ente) para pensar o ser como aquele que não pode ser concebido
fora do mundo; ele está presente no mundo e se faz no mundo. Este capítulo propõe uma
interpretação existencialista da tele-existência cibermediática, fundamentalmente glocal e
hiperespetacular, partindo da compreensão da relação entre presença, existência e subjetividade
como devir.
3.1 Presença e existência
Para Heidegger (2011, p. 102-103), a presença ―tem seu próprio ‗ser no espaço‘‖; ser-
no-mundo é uma propriedade indispensável para a compreensão da espacialidade existencial da
presença. E, embora não seja sinônima ―nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade‖, a presença evoca o ―processo de constituição ontológica de homem, ser humano e
humanidade‖2. Para levantar a questão do sentido do ser, é preciso assumir que ser-no-mundo é
1 Cf. nota explicativa (N1) do tradutor, ―a palavra Dasein passa a ser usada na língua filosófica alemã no século
XVIII como tradução da palavra latina praesentia. Logo em seguida passa também a traduzir o termo existentia,
sendo por isso comumente usada no aleão moderno na acepção de existência. Em Ser e tempo, traduz-se, em geral,
para as línguas neolatinas pela expressão ―ser-aí‖, être-là, esser-ci etc.‖ (HEIDEGGER, 2011, p. 561). 2 Cf. nota explicativa (N1) do tradutor (HEIDEGGER, 2011, p. 561).
206
participar da temporalidade, perceber-se como existente em um ambiente histórico, material e
espiritual particular. E, como ser finito, fadado à morte, o homem só pode apreender a dimensão
fundamental (ou significado profundo) da existência e viver de forma autêntica quando alcança a
consciência desse limite extremo. ―O esclarecimento do ser-no-mundo mostrou que, de início, um
mero sujeito não ‗é‘ e nunca é dado sem mundo. Da mesma maneira, também, de início, não é
dado um eu isolado sem os outros‖ (ibid., p. 172). Ser-aí é ser-com; presença é sempre presença
compartilhada, copresença; o mundo é sempre mundo compartilhado e o viver é sempre
convivência3. Eis a dinâmica difusiva do ser.
Heidegger (2011, p. 85) também diferencia existência de ser simplesmente dado (que,
na ontologia tradicional, é compreendido como existentia – ou o ser em-si de Sartre). Indica que
―o ser simplesmente dado é o modo de ser de um ente que não possui o caráter de presença‖
(ibid., p. 170). Desta concepção resulta que, embora outros entes sejam, só o homem existe.
Existir é uma qualidade ou capacidade que singulariza o ente humano e diz respeito à ―riqueza
das relações recíprocas entre presença e ser, entre presença e todas as entificações, através de
uma entificação privilegiada, o homem‖4. Presença, portanto, não é sinônimo de existência. Mas
―é na presença que o homem constrói o seu modo de ser, a sua existência, a sua história etc.‖5.
É na presença que se há de encontrar o horizonte para a compreensão e possível
interpretação do ser. Em si mesma, porém, a presença é ―histórica‖, de maneira
que o esclarecimento ontológico próprio deste ente torna-se sempre e
necessariamente uma interpretação ―referida a fatos históricos‖ (Ibid., p. 79).
De acordo com o existencialismo6, reconhecer-se um ser-para-a-morte em meio à
azáfama cotidiana tornam patentes o absurdo do mundo e a falta de sentido da vida. Essa
corrente filosófica considera que nada é dado à priori (Deus está morto7) e, portanto, concebe o
3 Cf. nota explicativa (N34) do tradutor (HEIDEGGER, 2011, p. 570-571).
4 Cf. nota explicativa (N2) do tradutor (HEIDEGGER, 2011, p. 562).
5 Cf. entrevista de Heidegger ao Der Spiegel, Rev. Tempo Brasileiro, n. 50, jul-set.1977.
6 ―O termo existencialismo foi criado pelo filósofo alemão Karl Jaspers como depreciativo para Sartre, Heidegger e
outros, de quem ele queria distinguir suas próprias teses essencialmente existencialistas. De fato, poucos pensadores
chamados de existencialistas aceitaram a designação‖ (ROHMANN, 2000, p. 150). Embora não seja o caso de Sartre
e Merleau-Ponty, Heidegger recusa o enquadramento, argumentando que ―as reflexões acerca da existência são, na
sua filosofia, apenas introdução à análise do problema do Ser, e não propriamente da existência pessoal‖ (ARANHA;
MARTINS, 2003, p. 356). 7 Segundo Nietzsche (2008, 153-154), ―a noção ‗Deus‘, inventada como noção-antítese à vida – tudo nocivo,
venenoso, caluniador, toda a hostilidade mortal contra a vida enfeixada em uma unidade horrível! O conceito ‗além‘,
inventado como ‗mundo verdadeiro‘ para arrancar o valor ao único mundo existente – a fim de não deixar à nossa
realidade terrena nenhum objetivo, nenhuma razão, nenhuma tarefa! A noção ‗alma‘, ‗espírito‘, e por fim até a de
‗alma imortal‘, inventada para desprezar o corpo, torná-lo enfermo – ‗santo‘ –, para tratar com uma frivolidade
207
homem como responsável pelo sentido que imprime a sua própria existência no ato contínuo de
viver. Embora reconheça que o homem sente-se impelido, invariavelmente, a determinar um
propósito para sua vida, o existencialismo posiciona-se contra a teleologia da natureza humana;
nesse sentido, eis a máxima sartreana de que a existência precede a essência8: em meio a
profundo desamparo9, ―o homem não é senão o seu projeto, só existe na medida em que se
realiza, nada é portanto, nada mais que o conjunto de seus atos, nada mais do que a sua vida‖
(SARTRE, 1978, p. 13). Pode, entretanto, optar por assumir a responsabilidade por seus atos –
sua liberdade, sua consciência, seu ser – ou viver de forma inautêntica, absorto nas atividades ou
passatempos que caracterizam a mediocridade mundana. Nas palavras de Flusser (2008, p. 97):
―Esta a nossa liberdade: opormos ao concreto estúpido do nada da morte a rede frágil e
imaginária da liberdade‖.
O existencialismo sartreano bebe na fenomenologia de Husserl, para quem é
necessário voltar às coisas mesmas, para conceber a consciência como intencionalidade, uma
espécie de movimento ou olhar que busca apreender o mundo e as coisas do mundo (seres em-si)
sem recair no paradigma realista (primado do objeto) ou idealista (primado do sujeito). A
consciência não é essência ou substância pensante no interior de um sujeito, mas vazio, vento
livre que se lança em direção às coisas, ato de conhecer. A consciência é sempre consciência de
alguma coisa; e é nessa relação que mundo e consciência surgem, simultaneamente.
Por certo, poderíamos aplicar à consciência a definição que Heidegger reserva
ao Dasein e dizer que é um ser para o qual, em seu próprio ser, está em questão
o seu ser, mas seria preciso completá-la mais ou menos assim: a consciência é
um ser para o qual, em seu próprio ser, está em questão seu ser enquanto este
ser implica outro ser que não si mesmo. (SARTRE, 2011, p. 35; grifos do autor).
Diferentemente do ser em-si (aquilo que é o que é e, por isso, não pode remeter a si
mesmo porque está pleno de si, ser opaco), Sartre define a consciência como um para-si, aquilo
que não é o que é e é o que não é, um tem-de-ser, ser que pode tornar-se presente a si sem nunca
conseguir ser si-mesmo, um ser que não pode coincidir com seu ser-em-si, que não se reduz ao
terrível todas as coisas que na vida merecem seriedade, as questões de alimentação, moradia, dieta espiritual,
tratamento a doentes, limpeza, clima!‖. 8 O primado da existência frente à essência é apresentado por Heidegger como uma das características da presença
(HEIDEGGER, 2011, p. 86). 9 ―No século XIX, o filósofo dinamarquês Kierkegaard foi o primeiro a descrever a angústia como experiência
fundamental do ser livre ao se colocar em uma situação de escolha. Mais tarde, no século seguinte, os existencialistas
continuam o caminho por ele aberto, tentando compreender a singularidade da escolha livre.‖ (ARANHA;
MARTINS, 2003, p. 356).
208
seu ente; sobre a passagem, Sartre (id., p. 531-532) alude ao poder petrificador do olhar do outro,
perante o qual, tal como o mito da Medusa, o para-si vê-se reduzido à coisa entre coisas, ser-em-
si-no-meio-do-mundo. E, na medida em que a consciência é esse vazio, é esse nada, só pode
buscar aquilo que é fora de si mesma. O conhecimento, portanto, é um modo de ser.
O conhecer não é uma relação estabelecida a posteriori entre dois seres, nem
uma atividade de um desses seres, nem uma qualidade, propriedade ou virtude.
É o próprio ser do Para-si enquanto presença a..., ou seja, enquanto tem-de-ser
seu ser fazendo-se não ser certo ser ao qual está presente. Significa que o Para-si
só pode ser à maneira de um reflexo que se faz refletir como não sendo
determinado ser. (Ibid., p. 236).
Ao questionar o quem da presença cotidiana, Heidegger encontra o caráter de si-
mesmo, aquilo que se mantém idêntico apesar das múltiplas mudanças pelas quais passa e deve
ser assumido como ―movimentação, como espacialidade e temporalidade‖10
, distinguindo-se
precisamente de toda ideia de ‗em-si‘ do ser simplesmente dado. Mas, disso não resulta uma
concepção de isolamento do eu ou do sujeito previamente dado que toma os outros como plano
de fundo sobre o qual se destaca.
Os outros, ao contrário, são aqueles dos quais, na maior parte das vezes, não se
consegue propriamente diferenciar, são aqueles entre os quais também se está.
[...] À base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre o
mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença é mundo
compartilhado. O ser-em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano desses
outros é copresença. [...] Esse modo de encontro mundano mais próximo e
elementar da presença é tão amplo que a própria presença nele, de saída, já
encontra a si mesma, desviando o olhar ou nem mesmo vendo ―vivências‖ e
―atos‖. A presença encontra, de saída, a ―si mesma‖ naquilo que ela empreende,
usa, espera, resguarda – no que está imediatamente à mão no mundo
circundante, em sua ocupação. (HEIDEGGER, 2011, p. 174-175; grifos do
autor).
A relação entre presença e mundo não corresponde à relação sujeito-objeto: enquanto
esta última refere-se ao problema do sujeito que transita da interioridade para uma esfera exterior
de modo a obter conhecimento sobre um objeto, na relação presença-mundo ―dentro‖ e ―fora‖
não constituem fronteiras distintas. A presença está, desde o início, junto ao que compreende. É o
para-si de Sartre.
Ao dirigir-se para... e apreender, a presença não sai de uma esfera interna em
que antes estava encapsulada. Em seu modo de ser originário, a presença já está
10
Cf. nota explicativa (N36) do tradutor, si-mesmo não corresponde à consciência, inconsciente ou personalidade,
mas ao ―processo ontológico-existencial de constituição e concretude da presença em sua realização própria e
exclusiva‖. Assim, ―o si-mesmo nunca está constituído, nunca é ou está ‗em si‘‖ (HEIDEGGER, 2011, p. 571).
209
sempre ‗fora‘, junto a um ente que lhe vem ao encontro no mundo já descoberto.
E o deter-se determinante junto ao ente a ser conhecido não é uma espécie de
abandono da esfera interna. De forma nenhuma. Nesse ‗estar fora‘, junto ao
objeto, a presença está ‗dentro‘, num sentido que deve ser entendido
corretamente, ou seja, é ela mesma que, como ser-no-mundo, conhece. E, mais
uma vez, a percepção do que é conhecido não é um retorno para o ‗casulo‘ da
consciência (Bewusstsein) com uma presa na mão, após se ter saído em busca de
apreender alguma coisa. De forma nenhuma. Quando, em sua atividade de
conhecer, a presença percebe, conserva e mantém, ela, como presença,
permanece fora. (HEIDEGGER, 2011, p. 109; grifos do autor).
Conforme explica Leopoldo e Silva (2012), o para-si (consciência como não-ser) é a
negação (ou nadificação) do ser em-si (ser pleno, denso): a realidade humana não é dotada de ser
consolidado, é movimento transcendente para chegar a si mesma, o que nunca alcança. ―Com
efeito, é por meio daquilo de que é consciência que esta se distingue aos próprios olhos e pode ser
consciência (de) si; uma consciência que não fosse consciência de alguma coisa seria consciência
(de) nada‖ (SARTRE, 2011, p. 234). Presença e existência não podem ser pensadas sem implicar
a questão da consciência, mas esta coloca-se de forma radicalmente nova, como movimento para
fora. Se é movimento, é vazio, é nada. E só pode perceber-se como alguma coisa no encontro
com o mundo, em relação com outros entes. Consciência é abertura, relação e posicionamento; a
existência humana, ou a realidade do homem, deve ser entendida como eterno ―devir‖. Neste
processo, existir não é algo da ordem do ser, mas do tornar-se, deslizamento contínuo para fora
de si que incorre em constante transcendência. Ser humano é ser projeto e projeção. É gozar de
liberdade para reinventar-se; e, embora o ser humano seja livre para tudo, não pode livrar-se do
perpétuo transcender-se que define seu ser. Deste paradoxo resulta outra máxima sartreana: ―O
homem está condenado a ser livre‖.11
A relação entre presença e existência é patente: não é possível ser humano (Dasein)
sem estar presente; estar presente é existir. E existir é justamente o que torna a presença no
mundo contínua ausência ou negatividade, pois a consciência, não sendo redutível ao ente uma
vez que é, paradoxalmente, não-ser, só poderá definir-se por efeito de oposição, é aquilo que não
é, é aquele que ainda não é e, por isso, não é aquilo que é; é um vir-a-ser, devir. O ser humano,
11
Embora admita que todo projeto existencial não seja abstrato, pois ocorre na história, Sartre discorda da
proposição marxista de que o sujeito é reflexo das condições objetivas. Assegura sua concepção de que ser sujeito é
ser livre, pois o ser humano, no limite, é aquilo que faz com o que fazem dele. Estabelece, assim, um rigor ético que
não aceita a subordinação da consciência a não ser por má fé (LEOPOLDO E SILVA, 2012). Mas, de toda forma, o
paradoxo permanece: ―A liberdade é liberdade de escolher, mas não liberdade de não escolher. Com efeito, não
escolher é escolher não escolher. Daí resulta que a escolha é o fundamento do ser-escolhido, mas não fundamento do
escolher. E daí a absurdidade da liberdade‖ (SARTRE, 2011, p. 592).
210
portanto, nunca está onde pode ser apreendido como fenômeno; como objeto do conhecimento,
transforma-se em ente, coisa entre as coisas do mundo, ser em-si. Por essa razão, para Sartre
(2011, p. 531-532), o olhar do outro equivale ao olhar petrificante da Medusa que objetifica
aquilo que vê. E, embora a estátua de pedra eternize o presente, já não possui o brilho da presença
– não existe.
3.2 Subjetividade como devir
Para além da esfera fisiológica (ente) ou biológica (vivente), Heidegger entende o
humano como aquele que, por meio da linguagem, goza de relação privilegiada com a esfera do
ser, e que, diferentemente dos demais viventes, pobres-de-mundo, sabe-se mortal, um ser-para-a-
morte. 12
Não congraça a definição de homem como animal racional (embora seja uma verdade,
conduz à interpretação do homem como ente – organismo animal que pensa, e não como ser); em
sua Carta sobre o Humanismo (HEIDEGGER, 1991), considera que tal definição não o distingue
essencialmente dos demais viventes e nem coloca a humanitas (dignidade) do homem em nível
suficientemente elevado (ESPOSITO, 2010, p. 231-232). Auschwitz e Hiroshima são exemplos
extremos da falência da tradição humanista e da crença na racionalidade, verdadeiros pontos de
não-retorno, dramas que não puderam ser evitados e, desconfia-se, tenham sido sonhados e
gestados no âmago desta concepção de natureza humana. ―A bestialização do humano,
experimentada nos campos de extermínio nazistas, a partir desse ponto de vista, encontraria a
própria raiz na confusão categórica entre homem e animal, de onde o conceito humanístico de
humanitas é definido desde o início‖ (ibid., p. 233).
Ao romper com o humanismo, apontando a falência da racionalidade como definidora
do que é o humano, e preconizar a interrogação sobre o humano para além de seu caráter animal,
Heidegger situa-se entre aqueles (como Nietzsche e Darwin, por exemplo) que reinstalam o
debate acerca do que é ser humano e insuflam teorias sobre o inumano, o trans-humano e o pós-
12
Segundo Esposito (2010, p. 233): ―Ainda segundo o filósofo alemão, afirmar que é a linguagem que faz o homem
como tal significa defini-lo exatamente a partir de sua insuperável contraposição ao silêncio animal‖. Santaella
(2010, p. 135-136) defende a tese de que a fala é uma tecnologia híbrida entre o natural e o artificial, primeira mídia,
a qual todas as outras ―mídias, técnicas e tecnologias externas estão umbilicalmente ligadas [...]. Nessa medida, a
casa do ser, pensada por Heidegger, é, de saída, uma casa tecnológica, pois a fala humana já carrega em si a marca
do inatural. Como foi lembrado mais de uma vez por Freud e também por Lacan, porque fala o ser humano não é
natural e só pode estar na natureza de modo paradoxal‖. Por essa razão, nenhuma pretensa ―naturalidade‖ da fala
deve opor-se à ―artificialidade‖ de outras mídias.
211
humano. Para Santaella (2010, p. 109), ―o pós-humanismo heideggeriano é evidentemente um
pós-humanismo historicamente anterior aos debates que, sob o nome de pós-humano, emergiram
sob efeito de uma pluralidade de fatores resultantes dos avanços tecnológicos‖. Esposito (2010, p.
234), entretanto, lembra que, apesar da nítida crítica ao humanismo, os pressupostos que balisam
o pensamento heiddegeriano, tais como ―recusa da noção biológica de natureza humana,
contraposição absoluta do homem às outras espécies viventes, subvalorização do corpo como
dimensão primária da existência‖ –, não provocam a desejada ruptura. Sartre, de certo modo,
também compartilha desses pressupostos ao situar o humano em uma dimensão radicalmente
histórica, já que nada é além daquilo que se faz, um ser sempre fora de si, com tendência à
transcendência de sua condição natural. Conforme Esposito (id., p. 237-238):
Ainda que inserido em uma série de condições materiais que o precedem, o
homem experimenta a própria humanidade autêntica exatamente no ponto em
que se destaca delas para se projetar segundo a própria decisão de existência.
Sua natureza não interessa senão na medida em que é superada. Submetida a
uma historização integral, a dimensão da existência termina por situar-se a uma
distância radical da vida. Ou também: a vida assume um caráter humano
somente na subtração do próprio significado biológico.
No rastro da implosão do sujeito universal (racional, incorpóreo, abstrato e imortal,
compreendido como essência ou substância interior, centrada, unívoca, unitária, coesa e
coerente), até então correlato à natureza humana, surge a subjetividade como devir e suas figuras
derivadas: múltipla, polifônica, desviante, reinvenção constante, obra-em-processo, ―local de
experimentação contínua‖, ―corpo pleno a advir‖ que perdura ―sem jamais existir como tal‖
(DOEL, 2001, p. 88; grifos do autor).
Nós não nos deparamos com uma subjetividade já dada, adequada e organizada;
antes, somos chamados a produzi-la. Confrontados com as condições que
encontramos na nossa vida diária, algo precisa ser feito, e a chave para esta ação
é questão de assumir extremos. Isso é exatamente o oposto de se virar em
direção a um ser já dado, já formado, porque ser é acima de tudo, vir a ser,
evento, produção. (GUATTARI, 1992, p. 215).
Retomando-se a concepção deleuziana, pensar o ser humano como devir é encontrar
subjetividade onde antes havia sujeito e entendê-la como acontecimento. Aliás, ―o que há não são
sujeitos, mas a pura articulação de algo externo com as implicações que isso repercute nas
individualidades e nos objetos‖ (MARCONDES FILHO, 2004, p. 213). O sujeito, quando muito,
deve ser percebido como efeito, não como causa, dos fenômenos sociais. Devir é conceber
multiplicidade onde antes havia substância, evento no lugar de essência, movimento de
212
constituição e desaparição das singularidades que emergem no mundo em toda sua
multiplicidade. Por essa razão, devir é processo e emergência contínuos que escapam às
cristalizações da história.
O que a história capta do acontecimento é sua efetuação em estados de coisa,
mas o acontecimento em seu devir escapa à história. [...] O devir não é história;
a história designa somente o conjunto de condições, por mais recentes que
sejam, das quais desvia-se a fim de ‗devir‘, isto é, para criar algo novo.
(DELEUZE, 1992, p. 210-211).
Devir não é ser história, mas ser-aí em uma dada temporalidade, na interface com o
mundo, com as coisas do mundo, estabelecendo com elas uma relação simbiótica que não deve
ser entendida como a soma entre as partes. ―Isso significa que o devir é sempre o que está entre
dois (...). Um devir é sempre um devir-outro em Deleuze‖ (VASCONCELLOS, 2005, p. 152-
153). Devir é desdobrar-se, existir em uma zona de indiscernibilidade. Essa abertura para
hibridismos concebe tanto o devir-animal quanto o devir-maquínico como constitutivos do
humano; nesse sentido, Esposito (2010) advoga que a natureza humana13
, depois do humanismo,
deve assumir sua relação com a teriosfera (mundo animal) e com a técnica.
A técnica não necessariamente contraposta à natureza; ao contrário, deriva dela,
no sentido de que a natureza humana apresenta uma tecnicidade originária,
assim como técnico é, per se, cada movimento do nosso corpo e cada som da
nossa voz. [...] Desse ponto de vista, portanto, medida sobre o plano filogênico,
cada tecnologia é, a princípio, biotecnologia. Certamente, e justamente por isso,
a técnica não é só produção de manufaturados, mas também transformação
daquele que os produz, é alteração, além da matéria e do ambiente, também do
homem. (ESPÓSITO, 2010, p. 246).
Guattari (1993, p. 177-182), ao considerar os processos ou agenciamentos de
produção da subjetividade, reconhece que não faz sentido ―o homem querer desviar-se das
máquinas já que, afinal das contas, elas não são nada mais do que formas hiperdesenvolvidas e
hiperconectadas de certos aspectos de sua própria subjetividade‖; entretanto, o diagnóstico da
―máquino-dependência‖ ou ―entrada em máquina‖ da subjetividade contemporânea leva-o a
investigar os ―equipamentos coletivos de subjetivação‖ correspondentes à ―idade da
informatização planetária‖ e inquirir se o ―reposicionamento fundamental do homem em relação
ao seu meio ambiente maquínico e ao meio ambiente natural (que aliás tendem a coincidir)‖, a
13
―[...] a natureza humana não é um todo que progride em direção ao melhor, mas o resultado, sempre modificável,
de um conflito inexaurível entre tipologias biológicas diversas que competem para se afirmarem‖ (ESPOSITO, 2010,
p. 239).
213
partir de práticas individuais e sociais de autorreferência, auto-valorização e auto-organização da
subjetividade, possibilitará a superação da opressão ―mass-midiática‖ (consensual) rumo a uma
era pós-midiática (dissensual), caracterizada por reapropriação e re-singularização do uso da
mídia.
Tecnologias de comunicação operam no cerne da subjetividade humana - não
apenas em sua memória e inteligência, mas também em sua sensibilidade, afetos,
e fantasias inconscientes. […] A produção maquínica de subjetividade trabalha
no sentido do que há de melhor e de pior. No primeiro caso, a criação - a
invenção de novos universos de referência; e no pior sentido, a mediatização age
no entorpecimento mental que bilhões de indivíduos estão condenados
atualmente. (GUATTARI, 1992, p. 194).
Assumir o ser como devir é antever linhas de fuga (retomada da liberdade sartreana?)
que possibilitam o escape do agenciamento disciplinar, cuja técnica fundamental é o
confinamento (FOUCAULT, 1979, 2010). Substâncias unívocas podem ser confinadas,
assujeitadas e uniformizadas; mas, justamente porque o ser do humano não se define por tal
substancialidade, novos agenciamentos coletivos, empreendidos por máquinas cibernéticas
instauradoras de uma sociedade em que o confinamento é substituído por ―controle contínuo e
comunicação instantânea‖ (DELEUZE, 1992, p. 216), avançam sobre o espraiar difuso do ser-
devir, alcançando-o (e também perdendo-o) no exercício pleno de sua ―liberdade‖. Ainda que
haja novas formas de delinquência ou resistência, Deleuze não crê que um novo comunismo,
transversal, possa ser instaurado graças à retomada da palavra, agora universal, pelas minorias.
Uma vez que controle e comunicação encontram-se equivalentes, o silêncio criativo é a única
saída, ainda que radical.
Talvez a fala, a comunicação, estejam apodrecidas. Estão inteiramente
penetradas pelo dinheiro: não por acidente, mas por natureza. É preciso um
desvio da fala. Criar foi sempre coisa distinta de comunicar. O importante talvez
venha a ser criar vacúolos de não-comunicação, interruptores, para escapar ao
controle. (Ibid., p. 217).
Se ser-aí ou ser para-si implica um estar no tempo e no espaço a partir do qual pode-
se observar a subjetividade humana como dinâmica existencial (ek-sistência) e devir, que tipo de
presença e existência são possíveis na acronia e atopia do tele-existir?
214
3.3 Ser-na-ausência e ser-pra-sempre
A adesão e a aderência ao presente fazem da cultura de massa a cultura de um
mundo em transformação sucessiva; mas, cultura no devir, ela não é cultura do
devir. Ela permite ao homem aceitar, mas não assumir sua natureza transitória e
evolutiva. [...] Não há mais cegueira, fuga ou divertimento na adesão ao
presente. Os grandes valores transcendentes foram gastos pelo devir acelerado
de uma civilização projetada no tempo irreversível. Os valores baseados no
consumo da vida presente sucedem-no. O sentimento de que é preciso buscar a
verdade e o sentido nas aparências fenomenais torna-se dominantes. O sendo
torna-se a realidade essencial. (MORIN, 1969, p. 185).
Retomando-se a concepção heideggeriana, presença é o que qualifica o homem como
ser-aí enquanto ainda-é. A presença, portanto, é sempre pendente, inconclusa, um poder-ser (vir-
a-ser, devir) que só se interrompe quando ela não é mais um ente. ―O fim de um ente, enquanto
presença, é o seu princípio como mero ser simplesmente dado‖, embora esse corpo morto seja
―‗mais‘ do que uma coisa material, destituída de vida. Nele encontra-se algo não-vivo, que
perdeu a vida‖ (HEIDEGGER, 2011, p. 312), que abandona o tempo e o mundo compartilhados.
Observa-se que presença não se reduz a corpo, mas não pode prescindir dele.
Tampouco pode prescindir de participar de um tempo e um espaço, de conviver com outros. É
ser-no-mundo, ser-com. Mas, também, é ser-para-a-morte.
Conforme apresentado anteriormente14
, a invenção de suportes para a inscrição,
conservação, manifestação e multiplicação da presença evoca estratégias de superação do tempo,
do espaço e dos limites do corpo próprio para lidar com o medo da inexistência (não mais ser) e
da insignificância (não ser alguém capaz de marcar ―presença‖). Desde o raiar da telepresença,
equivalente aos suportes elétricos, eletrônicos e digitais das mídias terciárias, inaugura-se a
disseminação em tempo real de presenças descorporificadas, desterritorializadas e
reterritorializadas em corporeidades robóticas ou espectrais. Mas, embora o discurso corrente
insista em considerar que tais práticas são instauradoras de novos modos de ser, telepresenças não
são presenças. São efeitos de presença no vácuo da ausência daquele que se pretende presente.
Telepresença é ausência que se pretende presença. E se é, fundamentalmente, ausência, que modo
de ser (como Dasein, ser-aí) pode fundar?
Nenhum. Pois ser-aí é ser-no-mundo. Ser é estar.
Ser telepresente é ser-ausente (não-estar), o que é apropriado para poder adentrar,
habitar e mover-se pela dimensão inabitável da nulodimensionalidade pós-histórica. E se na
14
Veja-se o Tópico 2.2 do Capítulo 2 da Parte I – Rumo à espectralidade.
215
ausência do caráter de presença não é possível existir (desdobrar-se), a decorrente tele-existência
não poderá, nunca, assumir o significado de transcendência e autorreflexão; é cristalização do ser
em avatar robótico, espectro virtual ou conjunto de dados ―rostificados‖ (DELEUZE;
GUATTARI, 1996, p. 41), recorrentemente atualizados, para que possa manifestar-se em
ambientes inóspitos e/ou inalcançáveis e habitar redes, ambientes virtuais e bancos de dados. É
conceber-se como ente, ser em-si, objeto pleno que se põe para ser conhecido e que,
diferentemente do para-si sartreano, incorre em inconsciência, desmaio e opacidade.
Tabela 4. Presença e telepresença: contrapontos
Presença Telepresença
Ser-no-mundo Ser-na-ausência
Corpo Corpo maquínico (robô) ou espectral (imagem)
Espaço Nulodimensionalidade (desterritorialização)
Tempo Tempo real (convergência de momentos)
Ser-com: presença compartilhada
Ser-sem: ubiquidade, multiplicação da “presença”
Consciência (ato de conhecer) Inconsciência (ser conhecido)
Tabela 5. Existência e tele-existência: contrapontos
Existência Tele-existência
Ser-para-a-morte: finitude que produz sentido (totalização)
Ser-para-sempre: negação da morte e da vida (fragmentação)
Para-si (autorreflexão) Em-si (opacidade)
Negatividade (é aquilo que não é) Positividade (é o que é)
Ausência na presença (por devir) Presença na ausência (por cristalização)
Vir-a-ser (para-si) Ser-a-ver (em-si)
Transcendência Cristalização
A argumentação articula os atributos arrolados nas tabelas 1 e 2: em contraposição a
ser-no-mundo, a telepresença implica ser-na-ausência (de corpo, de espaço, de tempo histórico,
de mundo). É ausência que se disfarça de presença pela animação de entes maquínicos ou
manifestação a distância por meio de espectros digitais. A comutação de presença em
telepresença, embora possa ser pensada como consequência do ser-aí e para-si situar-se em zona
de intercâmbio e indiscernibilidade com técnicas e tecnologias (devir-máquina), não conduz à
transcendência: a tentativa de transferir presença para a nulodimensionalidade só produz
contingências, cristalizações da consciência que, muito longe de possibilitar o vir-a-ser, reduzem-
na àquilo que é o que é (em-si, ser simplesmente dado). Ausenta-se, portanto, do mundo da
216
consciência transcendente (ato de conhecer e capacidade de re-conhecer-se reinventando-se
continuamente) para alinhar-se à falange dos seres plenos (que se dão a ver/conhecer, mas não
possuem a capacidade de tornarem-se presentes a si mesmos). Telepresença não é presença
compartilhada e finita, mas efeito de presença multiplicado ao infinito. Mediante a fatalidade de
ser-para-a-morte, o homem busca apaziguar sua angústia no eterno presente do ser-para-sempre:
ausenta-se da vida para negar a morte que lhe é inerente. Eis a felicidade do eterno sorriso que
Medusa pode proporcionar: o não-ser do ser-pra-sempre.
217
CONSIDERAÇÕES FINAIS
218
Sem chão: a tendência objetivante
Figura 71. Fotos e notas de Oscar Monteiro Filho.
Há algum tempo, dentre o legado deixado por meu avô materno, eu e minha mãe
encontramos algumas fotos antigas e o diário do meu bisavô. Após folhear as páginas amareladas
e ler os textos escritos por ele com letra caligráfica, reparei que as poucas fotografias ganharam
cor, ganharam vida. Deixaram de ser marrons, acinzentadas, antigas. Recuperaram o contexto. E,
nelas, os olhos de meu bisavô voltaram a brilhar. Graças ao duplo registro, textual e imagético,
meu bisavô, Oscar Monteiro Filho, gráfico, pai de seis filhos, que chegou a completar bodas de
prata mas morreu muito antes de me conhecer, passou a gozar da minha afeição, passou a existir
para mim.
―Passou a existir para mim‖, repito eu, tentando ecoar, estupefata, a profundidade
dessa afirmação.
Compartilho essa singular experiência, vivida aos quatorze anos, para tecer minhas
considerações finais a respeito da problemática que me consumiu e encantou ao longo do
desenvolvimento desta Tese sobre tele-existência e subjetividade em plataformas ciberculturais.
A experiência antropológica de ser-estar always on tem um ―q‖ de cerrada resistência, forma de
219
aplacar uma velha-nova angústia — a inexorável passagem do tempo, a indefectível chegada da
morte.
Entretanto, essa resistência não é nova: ela existe desde que o ser humano descobriu-
se um ser-para-a-morte. Nesse sentido, toda mídia é exercício humano de resistência, interessante
solução simbólica para o problema da conservação ou duplicação da presença. Desde a
mumificação dos corpos e produção de máscaras mortuárias modeladas sobre o rosto dos
cadáveres — imagos das quais deriva a palavra ―imagem‖ — até a geração de imagens indiciais
(como as palmas de mãos ancestrais gravadas no fundo das cavernas) e icônicas, somados os
registros escritos fundadores da História, a beleza moderna dos retratos, a pretensa precisão da
fotografia e toda produção audiovisual e digital que marca o nosso tempo… Eis o mesmo
problema: como evitar as sombras da velhice, como enganar a morte, como continuar presente,
re-existir?
Asseguro: o esforço diário de manter-se continuamente conectado às plataformas
tele-existenciais – ou always on – é a nova aposta da humanidade rumo ao always live. Opta-se
pelo alinhamento à falange dos espectros e fantasmas ciberespaciais, prestando contínua
manutenção às imagos virtuais que revestem as aparições. Rende-se, como nunca!, homenagem à
vida: tudo é fotografado e publicizado no momento mesmo em que é vivido. Nada, por mais
cotidiano ou banal que seja, pode ser desperdiçado, ficar à margem, sem registro. Mas a
resistência toma, rapidamente, forma de desistência: rendidos ao encanto do mundo das imagens,
onde o tempo não passa e nada muda nunca!, inverte-se o sentido. Tele-existir deixou de ser meio
para tornar-se fim. É o próprio fim. Buraco negro que suga o chão da existência e o tempo de
vida.
Figura 72. Tirinha de “Os malvados”.
221
Tal aposta, entretanto, não é exatamente nova. Apenas recicla, ou aprimora, as
aplicações do modelo metafísico que orienta o ser/estar no Ocidente. A esse respeito, Flusser, em
belíssimo ensaio (2011, p. 19-36), pergunta-se como é possível, após Auschwitz, após a
―reificação derradeira de pessoas em objetos informes, em cinza‖ (ibid., p. 22), continuarmos a
pisar o chão da cultura que produziu incomparável evento. Afinal:
[...] Auschwitz não é infração de modelos de comportamento ocidental, é, pelo
contrário, resultado de aplicação de tais modelos. A nossa cultura deixou cair
sua máscara mistificadora em Auschwitz, e mostrou seu verdadeiro rosto. Rosto
de monstro objetivador do homem. (Ibid., p. 22-23).
A tendência ocidental à objetivação continua em funcionamento. Flusser lembra, com
assertividade, que as técnicas sociais que transformavam homens em cinzas, embora menos
brutais ou primitivas como se pode observar no processo de ―robotização da sociedade‖,
permanecem. E, independentemente da forma que venha a tomar:
[...] será sempre manipulação objetivante do homem. Embora os aparelhos do
futuro imediato não sejam necessariamente fornos de incineração, serão todos, e
não apenas os nucleares, aparelhos para o aniquilamento do homem. (Ibid., p.
26).
Os resultados desta pesquisa aproximam-se muito do que Flusser (2011, p. 26-27)
intuiu como tendência ocidental ao extermínio: as tecnologias do tele são, de certo modo,
refinamento do programa que prima pela aniquilação ao objetivar e desumanizar os homens.
Distraídos alegremente das motivações que tornam atraente a empreitada, os
indivíduos buscam o ser-para-sempre do hiper-real, do hiperespetacular. Na tela, imagens e
mensagens esplendorosas do eu não sabem quando deixarão de ser indícios para tornarem-se
epitáfios ou adornos de sarcófagos virtuais. Nelas, as almas já foram deixadas. Porque, no real,
pálidos zumbis, cansados e concentrados em alimentar suas imagens de vida com a seiva dos
momentos, mal esperam para sucumbir. Parecem viver em dobro, intensamente, ao passo que mal
vivem. Esfolam-se no esforço trans ou pós-humano de desdobrarem-se, de re-existirem, de
―apareSer‖. De alcançar, por meio do always on, o always live.
223
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Sobre a autora
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Cíntia Dal Bello é técnica em Publicidade pelo Colégio Argumento-Objetivo (1995) e bacharel em
Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Cruzeiro do Sul (1999). Fez duas
especializações: Marketing e Comunicação pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero (2002)
e Cultura e Meios de Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (2006).
Concluiu seu mestrado em 2009 e o doutorado em 2013, ambos no Programa de Comunicação e Semiótica
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS-PUC-SP) e com apoio financeiro da
CAPES. Sua pesquisa versa sobre as relações entre cibercultura, identidade, subjetividade, visibilidade e
tele-existência, com particular interesse pelas redes sociais digitais. Tem experiência profissional nas áreas
de marketing escolar, criação publicitária e consultoria em comunicação e marketing. É membra da
ABCiber – Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura e do CENCIB: Centro Interdisciplinar
de Pesquisa em Cibercultura (PUC-SP), onde integra, atualmente, o Projeto ―Comunicação e Velocidade‖,
financiado pelo CNPq. Também participa do Grupo de Estudos Multitemáticos sobre Redes Sociais
Sociotramas (PUC-SP – TIDD). Atuou como coordenadora de marketing, professora e orientadora do
Curso Técnico em Publicidade do Colégio Argumento-Objetivo de 1996 a 2002. Tornou-se professora
universitária em 2003 e, após lecionar por 5 anos no Curso de Comunicação Social (Jornalismo e
Publicidade e Propaganda) e nos Cursos de Tecnologia em Comunicação e Marketing, Produção Gráfica e
Produção Publicitária da UNICID, foi convidada a assumir a coordenação do Curso de Comunicação
Social - Publicidade e Propaganda da UNINOVE, sua atual ocupação. No percurso, também lecionou para
os cursos de Pós-Graduação em Gestão Estratégica da Comunicação (Universidade Brás Cubas) e
Comunicação em Redes Sociais (UNINOVE). Em 2012, foi Professora-Tutora do módulo ―Acesso e
Inclusão‖, ministrado em AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, do curso lato sensu de Docência
Universitária da UNINOVE. Acumula experiência acadêmica e profissional em Criação Publicitária,
Redação Publicitária e Planejamento de Campanha, entre outras disciplinas afins. Em seu portfólio,
constam a organização de mais de vinte eventos e a realização de mais de sessenta jobs para os mais
diversos clientes, além do desenvolvimento de workshops e mini-cursos. Possui diversos artigos
publicados em periódicos e anais de eventos. Em 2013, publicou artigo sobre ―Identidade-bunker‖ no livro
―Hikikomori – A vida enclausurada nas redes sociais‖, organizado por Cecília Saito e Christine Greiner.
Desde 2010, é autora do blog "Cibercultura, Consumo e Publicidade"
(http://www.cintiadalbello.blogspot.com).