12
Cláudia Regina de Andrade Pereira Sanitarista (NESC/UFRJ). Especialist¡ em Psiquiatria Social (ENSP/FIOCRUZ). Psicóloga (UERJ); Consultoria ao Centro de Programagáo ein Saúde - Subsecretaria de Planejamento/SEs- RJI Psicólogado Centro de Saúde Américo Veloso (X" R.A. - RJ) RESUMO: Este trabalho atem-se a alguns dos questionamentos correnfes das décadas de 60/70 no sentido de resgatar o vigor explícito dos debates da época. Paralelamente, as concebe como instrumentos de reflexáo sobre a situaqáo atual que atravessa nossas existéncias. A Saúde do Trabalhador. campo de saber em construeáo, apresenta'se aqui como ferramenta potencial de luta e de produqáo de conhecimento na construgáo de um novo "mundo do trabalho . em oposigáo á cultura capitalista de dominaqáo e ¿rs fbrmas modernas de exploraqeo no trabalho. Fazem-se presentes indagaEóes a respeito de algumas das construqóes historicamente Iegitimadas pela itúelligentsía lécnica, como também do seu lugar na divisáo social do trabalho. Tenciona-se apenas indicar algumas questóes pertinentes ¡ ¿bordagem de um tema que. por ser cotidia¡o. necessita de desdobramentos que permitam uma análise mais apropriada. Palavras-chave: 1968. efeitos: Saúde do Trabalhado( Décadas 60/70; Capitalismo: divisao social do trabalhol Subjetividade e Trabalho. ABSTRACT: This paper locuses on some questions from the sixties and seventies in order to rescue the explicit strength oi the debates in that period. Besides. it takes them as a standDoinl towards a reflection on the current cond¡tions of our existence. The worker's health. here conceived as a field ofscience in permanent construction. is laken as a potential tool for struggle and production of knowledge towards the construction of a new "world of labour". in oposition to the capitalist culture of domination and mode¡n ways of work exploitation. lssues related to some historical constructions legitimated by technical intell¡gentsía are discussed. so are questions about the social division of work. The intention is to raise some points about the subject which. being related to everyday life, require further analysis. Key-words: 1968. effectsi Worker's health: Decades 60/70: Capitalism: social division of work: Subiectivity and Work SUBJETIVIDADE E TRABALIIO NO CONTEXTO DA EXPLORAqAO MODERNA 25 Ca¡L. Satule Colet. ó(l), 1998

SUBJETIVIDADE E TRABALIIO NO CONTEXTO DA ... tipo de retlexáo demonstrou que, diante da separagáo entre a iúelligentsia técnica e a máo-de-obra desqualificada, politizou-se o

  • Upload
    vuongtu

  • View
    225

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

rCláudia Regina de Andrade Pereira

Sanitarista (NESC/UFRJ). Especialist¡ em Psiquiatria Social (ENSP/FIOCRUZ). Psicóloga(UERJ); Consultoria ao Centro de Programagáo ein Saúde - Subsecretaria de Planejamento/SEs-RJI Psicólogado Centro de Saúde Américo Veloso (X" R.A. - RJ)

RESUMO: Este trabalho atem-se a alguns dos questionamentos correnfes das décadas de

60/70 no sentido de resgatar o vigor explícito dos debates da época. Paralelamente, as

concebe como instrumentos de reflexáo sobre a situaqáo atual que atravessa nossas

existéncias. A Saúde do Trabalhador. campo de saber em construeáo, apresenta'se aqui

como ferramenta potencial de luta e de produqáo de conhecimento na construgáo de um

novo "mundo do trabalho . em oposigáo á cultura capitalista de dominaqáo e ¿rs fbrmas

modernas de exploraqeo no trabalho. Fazem-se presentes indagaEóes a respeito de algumas

das construqóes historicamente Iegitimadas pela itúelligentsía lécnica, como também do

seu lugar na divisáo social do trabalho. Tenciona-se apenas indicar algumas questóes

pertinentes ¡ ¿bordagem de um tema que. por ser cotidia¡o. necessita de desdobramentosque permitam uma análise mais apropriada.

Palavras-chave: 1968. efeitos: Saúde do Trabalhado( Décadas 60/70; Capitalismo: divisaosocial do trabalhol Subjetividade e Trabalho.

ABSTRACT: This paper locuses on some questions from the sixties and seventies in orderto rescue the explicit strength oi the debates in that period. Besides. it takes them as a

standDoinl towards a reflection on the current cond¡tions of our existence. The worker'shealth. here conceived as a field ofscience in permanent construction. is laken as a potentialtool for struggle and production of knowledge towards the construction of a new "world oflabour". in oposition to the capitalist culture of domination and mode¡n ways of workexploitation. lssues related to some historical constructions legitimated by technicalintell¡gentsía are discussed. so are questions about the social division of work. The intentionis to raise some points about the subject which. being related to everyday life, require further

analysis.

Key-words: 1968. effectsi Worker's health: Decades 60/70: Capitalism: social division ofwork: Subiectivity and Work

SUBJETIVIDADE E TRABALIIO NO CONTEXTO DAEXPLORAqAO MODERNA

'

25 Ca¡L. Satule Colet. ó(l), 1998

O CAMPO FERTIL DOS DEBATES

''A wrsagen que se lrode t¡¡atr ¿as lutas ¿os lnos ó0,70loale ser sütetiaaulu no fatode que é aquilo que social e culturalnente se faa tlo b¡otógico e do psicokigíco quecondickna o tlestino das pessoas, otu¡to t¡1.t¡s .[te o elenknto b¡ológico ou ¡tsicológicoorígi ¿r¡o (¿ aatui que se ínse¡e o ¿iscurso ale clusse)."

Frtutco Bctsuplíct

Os questionamentos correntes das décadas 60/70, tanto da classe operária quantodos mais diversos trabalhadores, trazem ao debate, ainda hojc (e por mais quanto tempo...), náosomente a questeo da supcrexploraqáo económic¿ como também a da produQ¡o ¡¡aciqa desubietividades alienadasr.

''Atttes de ó8 seritt inco cebí\'el consületar por e.xe \r[o, que interNenfóes e, f.trotdos prisioneitos aontuns tiressem wn cortteútlo polítit'o t¡ualque'.: seriat itkukebírelconsiderar que lnnossetuais ¡tutlessenr Jazer nruifestagóes tle rua e de¡eruter sutrPosíeAo pa¡ticulat .face uo desejo' (CUATTARI: 1987, p.23).

Náo somente as condiqóes de trabalho e a ihlta de ap.opriaqáo dos meios de produgáoestavam no ceme das lutas dos trabalhadores. Buscavam-se rupturas em relaqáo a púticashegemónicas de exploragáo no trabalho como também referentes a hegemonias conceriuars,pretensamente reveladoras de sentidos essenciais á vida, dentro e fbra do trabalho.

''Um movimenlo social renovado, revigorado e redirecionado surge nos patscsindustrializados do mundo ocidenta¡ - notadamente Ale¡nanha. Franqa. Inglaterra,Estados Unidos e Itália - mas que se espraia mundo atbra. Sáo os anos da segundametade da década de 60, (maio de l9ó8 tipifica a exteriorizaqáo deste tén6meno)marcados pelo questionamento do sentido da vida. o valorda liberdade. o signillcado dotrabalho na vida, o uso do corpo, e a denúncia do obsoletismo de valoresjá sem significadopara a nova geraEáo. Esles questionamentos abalaram a confianea no Estado e puseramem xeque o lado "sagrado" e "místico" do trabalho - cultivado no pensamento cristáoe necessário na sociedade cap¡ralisra (M¿NDES: I991,p.311¡.

A idéia do ambiente de trabalho como centro t'undamental das intervenqóes sobre asaúde do trabalhador, foco de interesse da Saúde Ocupacional. foi atingida brutatmente em suasuposta eloqü¿ncia no momento em que viu-se ser necessário aba¡ar náo só o excessivoafiontamento do homem com as tarefas c com as máquinas, nufi ambiente nocivo i sua saúde:,nas, mais prof¡ndamente, abalar a própria repercussáo que o lrabalho passou a ter na existénciadas pessoas. Tomou,se palco de lutas, além do plóprio ambiente de tlabalho e as organizaqóesde trabalho ¡o¡alizantes, o que também se f¡z lbra del9. As tbrmas ¡radicionais de militanc¡a e aprópria burocrat¡zaEáo dos sindicatos fbram repudiadas. Sopros dc incontbrmismo e ins¿tisthgáorcfercntcs a práticas típicas de centralismo em organizaqóes sindicais acirraram-se. Ali¡ndo-sca isto cr'íticas ao reducionismo das ciéncias. ás suas progress¡vas especial¡zagóes e aos impactosmortificadores da medicalizac¡o da vida.

No que diz rcspeito especificamcnte ¡ c¡ítica ¡s especializaEóes profissionais,desvelam-se os saberes absolutiz¡dos. ondc. na divisáo social do trabalho. os intelectuais emgeral compóem um campo poderoso de:r/¿rl¡l.t social. As práticas educacional e de pesquisa, deuma fbrma geral, lbram alvo de inúmeros questionamentos a respeito de sua panicipagáo efet¡vana perpetuaqáo e refbrqo de políticas hegemónicas, sendo o segmentarismo das especializaQóesuma de suas principais produqóes.

v

C.tl. Stú¿e Colet. 6( I ), 1998 26

E no interiorda própria Universidade. e em suas práticas cotidianas. que se encontmmas maiorcs contradieóes. constatado isto pela existéncia de diversos estudos universitários críticosaos ditames académicos:

"Os cursos ut¡itersitários tentaDt lrt'oduiír profissionais ídeologicametúe identificadosco,n o capítal, de sua conJianga, e que possan ser ¡tlstrunentos dóceis paro as¿isctintüt¿tCóes, tnorg¡noliactcóes e estigntaf¡7..19¿jes que inÍeressa ao capitalistnonanter e perpetuar" (COIMBRA: 1990, p. l2).

Fala-se. neste sentido. sobre a produq¡o c¿¡lr¡hlísti.a' qüe se atrela ¡ dicotomizaqáodas nogóes de trabalho e ade trabalhador. fragmentados constantemenle em uma intelectualidadee uma disposiqáo bragal para os serviqos. criando-se uma soparagáo imaginária entre os quepensam e os que fazem. Dicotomia entre teoria e prática onde divide-se o mundo do trabalhoentre os "mestres das teorias" e os "artesños da orática".

O crescimento da descrenqa nessa separaqáo. e ainda mais, o reco¡hecimento de seresta uma engrenagen de poder e dominaqáo. trouxe para o interior das Universidades umaparcela "maldita" de profissionais que se recusavam a manejála. Apesa¡ de existirem no teÍenodas minorias. envoltos pelas relagóes de poder e hierarquia presentes nas Universidades.funcionaram como práticas otimizantes que se fazem refletir ainda hoie.

A pulverizag¡o de diterentes relagóes travadas com a teoria e a prática, e entre elaspróprias. retroalimentadas pelo desejo de desconstruqáo de amanas conceituais e prálicasexcludentes. ajudou-nos a re-vestir a prát¡ca profissional de seu ato político:

"Ttth,ez seit potque e.rtejantos vivendo de tna¡E¡ra nota ats rcla1'óes teo a-prática.As teaes se cotrebia a prófica conro una aplíc ctgtio tla teoría, conv unt.t cons¿qii¿nLia;¿s waes, ato contrório, cottto devendo inspirar a teor¡a, cotto sentlo ela próprittcr¡adora cont plaqAo a u atfomtufuturude teoria. De qualquer tnoalo, se concebianrsuas rel4|'ó?s corno un pntcesso de totalizagdo, et unt sett¡do ou en outro. T¿ltezpu'a nós a questiio se coloque de outft! útreira. As relaqóes teot ialtnitica sdo ntuítotnttis pociais e.frugnvntárias. Pot ut lado, wna teoria é senprc local, ¡elatita a wnpequetn donínio e pode se alrliúo a unt outro do thio, nais ou nenos afastado. Arclagio tle aplicagdo nun.a ¿ ¿e se rclltanqa. Por outto lado, desde que uon teoúapenet¡? etn s¿u ltrólrtio domínío encontra obstácukts que tonnn necessário Erc sejurcwaada por outto tilto de discurso (é eÍte outro tipo que pentite ere tuahnentepassar a un donínío clifercnte). A prátictr é unl cotrjunto de rcreuntenk¡s de ww teoúact outta e a ted ¡.t ut¡t ,eretlt ento de utna pnitíctt tt outra' (DELEUZE: 1979, p.7l ).

Quando diversos profissionais recusaram-se a reproduzir este lugar de domínio.onde saber signitica destituigáo automática de algum "outro" desta suposta competéncial. ofizeram como afirmaqáo política. sem desprezar as relagóes de poder que este lugar podeengendrar Mas configurou-se, essencialmente. como movimento político de recusa. Comotambém o fbi adesqual¡ficag¡o destes novos saberes-e. consequentemente. das novas relaqóesque se deram com os sabe¡es em geral -. colocados no lugar do a-cientificismo ou de utopiasirrelevantes. chamados novamente ao positivismo científico (e sua po¡ítica de ordem...).

"Fouccult chama de 'saberes domítmtlos aqueles que sár¡ ct¡tsi¿lera¿los abai¡o tlonh'el requerid¡t pela c¡e fci¿ade; s1o nAo-qualificados, locais, descontínuos e ndt¡legifíña.los pela Íi,anis dos d¡scursos englob.útes e hieratquia.antes. Pergwüo ele:'que tipo de saber t'océs querem desqualificar no momento em qt e vocas dizem'éuma ci4rrciq?' Que sujeíto .falante, que sujeito de e\reriAlcia ou tle saber vocésquercn 'nlenorí-4u'' quan¡lodizen: 'Eu quefomulo este díscurso, enuncio um al$cut'socientífico e sou Lutt c ientist.t?' " ( COIMBRA: ) 990, p. | | )

27 Cad. Saúde Cole¡. 6l I ), 1998

Este tipo de retlexáo demonstrou que, diante da separagáo entre a iúelligentsiatécnica e a máo-de-obra desqualificada, politizou-se o que antes era colocado no lugar da

neutralidade, do a-político,do saber universale, concomitantemente. fizeram-se ouvircategoriasestigmatizadas sob a égide da desqualificagáo profissional. Estas categorias passaram a ser

consideradas como produtorasde sabe., capazes, como quaisquer oulros trabalhadoresde gerirem

o proc€sso d€ lrabalho. E. maisque isso, denunciou-se esse monopólio que os intelectuais exercem

de fafar em nome dos outros, colocando-se a quesfáo da representagáo em -reque.

As ruptums com pensamentos dominantes acabaram por provocar efeitos: adivisáosocial do trabalho foi profundamente desnudada em sua rede hierárquica, onde Universidade,Escola. fábrica, sáoconcebidas como espagos férteis parao exercício dadisciplina, darcgulaEáoexcess¡vado tempoe da subjetividade. Neste sentido, vimos serem reagrupados cefos scgmenlos

da divisáo do trabalho na categoria trabalhador, onde este, imerso no mundo do trabalho, em

diferentes organizaqóes. sente os eléitos deste tipo de divisáo. na medida em que há algumacoisaque perpassa os trabalhadores, diariamente, ultrapassando os limites da superexploragáo

económica e dizendo respeito também i questao da produgao de subjetividade. Isto ocorrendonum sentido próprio onde convergem o capital", a serviEo da "sujeiQáo económica", e a "cultura",

a servigo da "sujeigáo subjet¡va" (GUATTARI: 1993.p.16),poisháasujeiEáoeconómicaquenos póe em estado de miséria social, mas. conjuntamente, uma sujgigáo subjetiva que nos

encarcera no como ser mulher, homem. produtivo, feliz, triste, obcdiente. político. pai, mAe,

filho. prolissional, bom. competente... E as formas de oposiqáo a estes tipos de sujeiEóes fbramconcebidas como penencentes ¡ est'era do devi¡, de algo que ainda está para ser construído nointerior das relaqóes sociais.

Náo por acaso diversos trabalhadores da época divergiram quanto ¡s formastradicionaisde luta ede organizaeáo dos sindicatos que, ao invés de romperem com estas formas,acabavam por reproduzir as relaqóes de dominagáo correntes em diversas organ¡zaEóes.

A "análise' das relaqóes de poder engendradas por organizaqóes de trabalho as

mais diversas tbrneceu-nos subsíd¡os ás crít¡cas á perpetuaqáo da idéia de heteroggstáo comonccessidade natural do processo de trabalho. lsto pressupondo-se a heterogestáo no contextoonde "nós funcionamos. todos. em todos os lugares. sob a heterogestao. ou seja, 'geridos' por'outrem'. E a vivemos. geralmente, como coisa natural ' (LOURAU: 1993, p. l.l) .

Num movimentode desnudar a naturalizaeáo a respeito da heterogestAo. no senlidode devo¡vela ao tereno das escolhas políticas, a aulogestáo emerge no cenário da década de

60 como proposta político-social.i A luta por uma nova "geréncia" no campo do trabalho. comotambém das relaQóes sociais. salientou-se: náo somentc a tomada dos meios de produgáo er¿

alvo de luta, mas, t'undamentalmente, a destruigáo da necessidade de poderes centralizadores na

organizaQáo do trabalho. Esta própria organizaqáo., onde, de um l¡do encontram-se os

planejadores, e. de outro, os executantes (estes últimos desprovidos de qualquer ingerénciasobre o planejamento), fbi des(ituída de seu valor habitual:

"Nao crcnos' nuna natureaa hunana o gírul que seria boa e que t socíedade teriapenertido. Mas hácerlau¡etúee lre 'tntureia hwnanct e sociedatle una irler-rclagáo.fitntlanental. Ndo se trata tle 'deix¡ ser' una natureu hunntra prcexislenle, ntas decriá-la por itastítu¡qóes que instauraritun Lutut orcletn nedituúe a qull as noeóes de¿irige tes e de e¡ecutantes nAo núis terktn raz?n de ser" (CUILLERM: 1976, p.15).

Esta divisáo tbi atingida em seu sentido "primordial" de servir A exploraEáo do

operá¡io (obviamente, o executante), totalizado como entidade contábil, cngrenagem última da

máquina e elemento disponível do produtrvrsmo.

Cad. Saúde Colet. 6( I ), 1998 28

O trabalhador. confinado e amortecido. náo mais representava. para muitos, garantia

de nenhuma espécie de dignidade. Muito pelo contrário. representava, em carne e osso, as

apropriaqóes feifas pela segmentarizagáo do trabalho. onde a tareta (ou o que "deve ser feito")perde cada vez mais sentido no contexto de complexificaqáo do processo (a título de exemplo.via introduQ¡o de tecnologias as mais diversas).

A avalanche de críticas dirigidas aos fundamentos das socjedades capitalistas acaboupor catalisar ¡ovas concepqóes na fbrmade organizagáodo trabalho. No entanto, muitas destas

concepEóes nem de perto conseguiram integrar ao processo de trabalho uma gestáo"verdadeiramente" coleliva.

Ajudaram a encorpar este movimento algumas redefinigóes conceituais. onde

determinadas organizagóes de trabalho tidas como "autogeridas" (ou perto disto...) fo¡amconcebidas como sendo. naverdade, respostasda industrializagáo ¡ falénciado sistema taylorista:"ou, naís süaplesnente, tlas dificuldattes tecnológicas resultantes do trabalho ¿n cadeia.N&, lr.tt?cc nai' ret¡t,irel netuui:ut inteiran¡ent( u tmlttlfu, ptrt t\tdcia. E ltre<iso 4ue us

operários se interessent pelo que fazen, para que a adesdo subjetha se produ1a".1

Foi sendo necessário a estac¡¿/r!ra caoitalista. no contexto do "mundo do trabalho",criar novas formas de dominaeao, no entanto mais sutis e sollsticadas,já tendo instrumentalizado-se cada vez mais por esta adesáo subjetiva.

Cabe-nos relembrar, a esto respeito. a instituiqáo de uma "política de assisténciapsicológica" em empresas diversas. onde estas "novas práticas de conteúdo psicológico" foramindagadas por diversos trabalhadores, no intuito de abalar sua finalidade fundamental: "¿ d¿r

busca de efíciértcia e e/icácia mírinas do trabalho, eñ que a dite sao mental do 'fatorlwnmno .funcionasse de ntodo otiní:a¡lo ern dircqño a esses objetiros" (SELICMANN-SILVA: 1994. p.,18).

Acrescentam-se disciplinas no contexto do planejamento do trabalho, e a "gerencia"sobre este último. cada vez mais sob os t'undamentos dos especialismos científicos, numa época

de disciplinarizagóes mais sofisticadas. O trabalhador foi sendo progressivamente interpeladoa aceita¡ estas "novas" intervenqóes no interior do trabalho. E. mais ainda. a concebé-las comopreocupagóes do patfonato com sua saúde.

No entanto, uma parcela significativa de trabalhadores colaborou na deflagraEáo de

movimentos socr'ais que vislumbraram uma espécie de nova "realidade" social. a ser construída

em termos "micro", no interior das relagóes sociais maiscotidianas. e "macro'. no que concerne

¡ instiruiqao de novas politicas públicas.

Estes movimentos tiveram o mérito de se contrapor ás formas mais mortificantespresentes na "estéra" do trabalho, assim como puderam nos instrumentalizar no sentido da

produgáo de uma nova concepqáo sobre o mesmo.

"Evoquei uma liquidagáo possível do centralismo tecnocrático da produqáo capitalista.E isto a partir de uma outra concepqao das relagóes entre a produqáo. adistribu¡gáo e oconsumo, por um lado. e por outro, a produgáo. a formagáo e a pesquisa. E algo que

tenderia obviamente a transformar por completo os modos de relaQáo com o trabalho,em particular a cisáo entre o trabalho reconhecido como socialmente útil (pelocapitalismo. pefa classe dominante) e o trabalho 'inútil' do desejo " ( C UATTARI: 1987,

t.22).

Entretanto. falamos aqui de movimentos aos quais. obviamente, dirigiram-seresisténcias múltiplas. Náo costumam ser "mornos" os momentos nos quais tenta-se destruir os

macropoderes instituídos e. nem táo menos, os micropoderes que "circunscrevem" nossos atos

29 Cad. Saítde Colet. 6( I ), 1998

mais cotidianos. Mas, inegavelmente. estes inúmeros quest¡onamentos e práticas podem nossubsidia¡ atualmente na continuidade da construQáo de relaqóes sociais diferenciadas, atentasao exercício de destruiqáo de poderes os mais diversos que atravessam tanto o espaeo públicoquanto privado de nossas existéncias.

Há de se continuar essa "obra" no processo de remontagem de uma nova sociedade.lsto porque, para nossa sobrevivéncia, ainda hoje encontramos "seres" dispostos a desmontarpráticas naturalizadas de dominagáo, exploraEáo I subjetivaEáo. E mantem o compromisso comesta utopia. Mas também por se vercada vez mais, para nosso desespero, espíritos" imbuídosda ilusáode possibilidadc d€ "humanizagáo" do capitalismo; desla idéia de que é possível seremencontradas compensaqoes possíveis ás leis ditatoriais do mercado, á mortilicaqáo do trabalhador,á política selvagem do neoliberalismo e ao descaso com o mgio-ambiente:

''Náo haverá verdadeira resposta ¿t crise ecológica a náo ser em escala planetária e comacondigáodeque s€ opere umaauténtica revolugáo política, sociale cultural reorientandoos objetivos da produgáo de bens materiais e imateflais" (GUATTARI: 1990, p.9).

A ambiEáo por esta "revolugáo ', em todo seu vigorde gerarnovas possibilidades de

existéncia no mundo, nos permitem redefinir estratégias de luta quanto ás formas "modemas"de exploragáo económica e subjetiva, com o intuitode erigir corpoe voz ao quc, antesconcebidocomo utopia irrelevante. possa ter aexisténciade'práticas vivas".

SAÚDE Do TRABALHADoR: uM SABER EM coNSTRUqÁo...

Alguns aspectos destacados aqui como questionameritos sociais a práticasinstitucionalizadas na organizaqáo das sociedades capitalísticas, representaÍam instrumentosfundamentais para a tentativa de se construir uma nova "¡ealidade social".

Propriamente ao campo da saúde, vimos esboQar-se um novo olhar sobre os efeitosda prática médica na organiz¡Eáo social. Colocou-se em questáo a apropriaqao do saber médicosobre as mais diversas instáncias da existéncia humana: trabalho, lazer, esporte, etc. Na medidaem que se tornaria obsoleto falar sobre saúde sem se levar em consideragáo as dimensóeshistóricas, políticas, sociais e ecológicasr do tema, para posteÍiormente serem reconhecidos os

impactos sociais da cultura nédic¿ sobre as sociedades em geral.

No entanto. recolocaram-se as dimensóes deste imDacto. náo em termos ilusórios demelhoria da qualidade de vida dos trabalhadores, como bem teniaram nos vender esta idéia,mas, paradoxalmente, como uma história de contínuas desapropriaeóes dos saberes ditos leigos,onde os trabalhadores enconi.am-se destituídos. em quase sua totalidade, da possibilidade degerir as mais diversas instáncias de suas vidas, incluindo-se aí o manejo sobre seu própriotrabalho, e mais gravemente. sobre sua saúde em geral.

"A medicalizagáo da vida é malsá por trés motivos: primeiro, a intervenqáo técnica noorganismo, acima de determinado nível, ret¡ra do paciente características comumentedesignadas pela palavra saúde: segundo. a organizagáo necessária para sustentar essaintervenqáo, transforma-se em máscara sanitária de uma sociedade destrutiva. e teÍceiro.o aparelho biomédico do sistema industrial, ao tomar a seu cargo o indivíduo, tira-lhetodo o poder de cidadáo para controlar politicamente tal sistema. A medicina passa a serumaoticinade reparos e manutencáo. destinada a conservar em luncionamento o homemusado como produto náo humano. Ele próprio deve solicitar o consumo da medicinapara poder continuar se fazcndo explorado" ( LLIC H: 1975, p.10).

Catl. Saút|e Colet. 6( I ), 1998 30

Quando percorreu-se. portanto. essa problemática mesma do impacto social.acabou-se por se deparar com a inegável incapacidade desta cultu¡a para dar conta da saúde

das populaq6es.

Mais especiticamente ao que se refere á prática médica dentro das empresas.

denunciou-se sua conivéncia com uma lógica de produqáo que associa saúde a um corpo

disponível para o trabalho, onde as perversidades do processo de produgáo passam ao largo de

qualquer avaliagáo sobre a saúde do trabalhador.

Entre os debates acalorados nas décadas de 60/70. visando-se transformaqóes de

políticas públicas e uma redetinigáo do papel do Estado. a questáo da saúde e de formas

dit'erenciadas de sua promoqáo tiveram lugarde destaque. Precisamente a respeito de sua relaqáo

com o trabalho. atentou-se para a importáncia desta relaEáo nas discussóes em Saúde Pública, a

ponto de comegara se delinearum campo teórico-prático em tomo do que posterionnente nomeou-

se Saúde do Trabalhador:

"No Brasil. a emergoncia da saúde do trabalhador pode ser idenlificada no início dos

anos 80, no contexto da transiqáo democ¡ática, em sintonia com o que ocorre no mundoocidental" (MENDES: 1991, p.347).

Na tentativa de se opor a práticas correntes nas áreas de Medicina do Trabalho e

Saúde Ocupacional, onde estas sáo vistas como co-mantenedoras da tbr9a produtiva e da

adequaQáo do trabalhador ao trabalho. foram-se produzindo transfbrmagóes, tanto no campo

conceitual quanto no campo conc¡eto da assisténciarr).

"Apesar das dificuldades teórico-metodológicas enfrentadas. a saúde do trabalhadorbusca a explicagáo sobre o adoecer e o moÍer das pessoas. dos trabalhadores emparticular, através do estudo dos processos de trabalho. de forma articulada com oconiunto de valores. crenqas e idéias. as representagóes sociais. e a possibilidade de

consumo de bens e serviqos, na 'moderna'civilizaqáo urbano-indus¡tial" (MENDES:1991, p.347).

Entretanto. é especificamente pelo "qué" de rompimento com pensamentos

hegemónicos das sociedades capitalistas e sgus modos de produEáo mortificantes que este novo

campo de saber vem a interessar neste trabalho. Ejustamente pelo fato de se constituir em um

campo teórico-prático em construqáo que se vé aqui sua potencialidade em ajudar a "forjar"uma nova real¡dade na esfera do trabalho e no que diz respeito á organizaeáo dos trabalhador9s.

Assim como seu parentesco com movjmentos sociais citados anteriormente também nos interessa

prolundamente nesta construgáo; no que estes últimos vislumbram de uma des-construgáopermanente de hegemonias.

Urge. portanto. que esfe ca tpo ¿e saber atente para seus próprios limites. no sentidode náo perder de vista as fraturas que todo olhar provoca e que todateoria e prática possuem. E

isto. ao invés de paralisar este novo campo em uma "especialidade indispensável ao mundo dotrabalho", como possa se prelender. devolve-o para a in-disciplina do devir, onde, minimamente,

teoria e prática se re-fazem diante de novas indagagóes. Em nada favorecerá aos trabalhadoresoencastelamento em um especialismo a mais. supostamente representante de uma novaverdadeparadisíaca.

Há no interior das discussóes a ¡espeito da relagáo entre saúde e trabalho a

dialética comum ás representaqóes diversas para o que se possa supor e desejar comoindisoensável á construcáo de um novo "úundo do trabalho", ministrado sob novas

3l Cad. Saúde Colet. 6( I ), 1998

concepQóes de saúde e fbrmas de gestáo. Este "campo de Iutas pode muito nos f¡vo¡ccerna medida em que puder privilegiar o exercício da ,..r/¡rrlis('iplinarítlade..

"A utopia tttit'u de w discurso4rrática transtlisci¡tlinur é inst ttaC'Ao cL,tí¿í.nale algo betn liveto ¿kt 'últiua uotla tla netalütguagen'. Trunstlísci¡>linaridatle4fonl.t at unt questionantento, ¿ts Líltín¡as conseqii¿ ciats, alats al¡t,isóeshístt¡ricautente instituítlas no dotnínio - tot¡t¿D¡os estat trulerr'at en suunnterialitlade ¡tolíticu - tlo sabet levantlo en ct¡ttttt os tlontínios .faqano-lonov¿ltnente le real por tal r¡a instatura¿us. NAo ¿, portunto, apelo acotltribuicóes núltiplcrs, pactos socíat¡s epirtenológicos ou sínteses ¿eperspecti|as. Consiste na constugAo coletiro ¿a ¿estruigtio tlas cercus le aranrefarpatto, no ütcrenento ¿o írd¡ce de transvetsalidakl? ¿o agora - tahez - &n!)o¡túblico dos xúeres (RODRIGUES: 1992, p.l1).

Há a urg¿trcie de se constnti¡ llístot"ic.ntente not\rs tipos ale articulaQóes enÍreos saberes, nunt Dtovirtrc¡tto que lrossa Ltltrapassar os lint¡tes ¡rto¿u:klos pelo patctomo.lemo ¿a interdisciplinaridade como necessitlatle funtlaneütul tla ateneAo dsaúde do trabalhatk¡r. Isto ocoüen¡lo no senlido eu que se possaating¿r ú própr¡údivisAo dqs discipli,tas - e seus apsratos históricos - ,ta pr¿lica comum dainterdiscipfinaridade: egociagao de "vefula¡les" ,ta cotrstrugño de utna próticatida co to capsz de apreender e dat respostas eficazes ds mazelas sociaiscausadas pela explorsgño no trabslho,tt Isto porque ,tAo se coadurra squi corno reforgoda crenga de que o surgime to de unq nova discipl¡na - ou de pactosde poder errtre as disciplinas com móscara de interdisciplinaridade - pos.rasubsidiar os trsballtqdores em suas lutas. Mas, dieerso disto, no seütüo en quesó um atravessarnento eütre as dísciplinas, e o desvelo de suas liuitqgóes, possaenriquecer as discussíes recentes e tre soúde e trdballro-

CONSIDERAQÓES FINAIS

As reflexóes aqui privilegiadas náo representam a tentativa de sistematizar a

construqáo de novas "ve¡dades". ou. simplesmente, a tentativa de auxiliar a imbuir um novocampo de saber-a Saúde do Trabalhador - de sofisticacóes desnecessárias. Foi menos buscarapreender uma parcela signit'icante da complexificagáo da relaqáo saúde/trabalho do que tentar"abrir mais as viseiras"rr que cerceiam as articulaQóes cntre os saberes (incluindo-se aí os"novos saberes"...). E quc isto se dirija a uma tentativa intinita e sempre inacabada, é um dadoaqui considerado.

Nao nos faltariam tatos e reflexóes para subsidiar as discussóes que se propóem c

exercer esta utopia colel¡va. abrindo espagos para crílicas mordares ao sistema dominante.

Privilegiou-se, portanto. a discussáo sobrc o papel da htellígetrtsfu na divisAo socialdo t¡abalho, no sentido dc se dest¿ca¡ seu dornl¡¡ro e sua potencialidadc dc alianga na construEáode uma nova "¡ealidade":

"Os próprios intelectuais lazem parte deste sistema de poder, a idéia de que eles sáoagentes da 'consciéncia' e do discurso também laz parte desse sistema. O papel dointelectual nAo é mais o de se colocat um pouco na f'rente ou um pouco de lado' parad¡zer a muda verdade de todos: é antes o de lutarcontra as fbrmas de poder exatamenteonde ele é, ao mesmo tempo. o objeto e o instrumento: na ordem do saber. da verdade'.da'consciéncia'. do discurso ( F O UCA U LT: 1 979, p.7 1 ).

Cttd. *túde Colet. ó( 1), 1998 32

Uma reflexáo mais detida sobre "quanto" de político háem toda prática profissional.leva-nos a repensar o "lugai dos intelectuais; e os tenenos de poder produzidos pela sua inserqáo

cada vez mais pulverizada na organizagáo da vida social. r'

No que se destina a esta inserqáo no campo da saúde - no terreno da produgáo de

saber como também o da assistencia oferecida - cabe-nos conceber novas articulagóes ao

nível das práticas conentes. lnegavelmente. muito pouco se tem t'eito de oposiEáo aos mandos e

desmandos da cultura capitalista.

''A questáo saúde. hoje no Bras¡1, é uma das áreas de contradigáo que melhor reflete asinjustiqas e a f'aléncia do modelo que se implantou pela forga em 1964 e seinstituc¡onalizou pelo arbítrio em 1968. Parece necessário que a classe trabalhadoraatente para esta questáo e. com isso. compreenda por que seus filhos morrem aindaquandocrianEas. porque o desrespeito e o constrangimento quando precisam submeter-se ao atendimento da Previdencia Social nos moldescomoela se estruturou, porque sáo

aviltados e se transfbrmam em objetos de lucro das empresas médicas e por que se

instituiu no país a medicalizagáo. O sistema foi capaz de introduzir neste panorama umdiscurso humanista, capaz de ilud¡r por um certo tempo a populaEáo oprimida do nossopaís. mas náo poderá iludila por todo o tempo' (BASAGLIA: 1979, p.9).

Os destrogos produzidos por esta cultu¡a de dominaqáo é, antes aos descuidosou desassistCncias ¿ saúde do lrabalhador - o que para nós é uma evidéncia -, a fabricaqáoda ilusáo de domínio sobre o próprio corpo, quando a eie prescrevem-se cuidadosindividualizados: e, pior ainda, a ilusáo de domínio sobre essa coisa mesma que nosensinaram a chamar existéncia. No interior desta realidade. o trabalhador encontra-se cadavez mais desprovido e aquém do que lbram lhe domesticando aos poucos a amar e, mcisprof undamente. deseiar.

Diante dessa produqáo veloz de subjeti!idades, vCem-se frabalhadores desejandoaquela mesma coisa que os esmaga e explo¡a. E daí tocamos na questáo da produQáo de

sofrimento. no sentido em que náo há compensaeócs ou amenizaqñes possíveis - como fazemparecer - á alienagAo e exploragáo do lmbalhador no contexto da industrializagáo indiscriminada.do uso inesponsável das matérias-primas, das incontidas importagóes tecnológicas e destruiQáodo meio ambiente.

Ao lrabalho aplicam-se, sucessivamente. novas tecnologias, onde, a servigo delas. otrabalhador. náo só de forma progressiva as desconheca. como também está longe de ter pistas

sobre os f-erimentos provocados á sua saúde. Necessita-se, pofanto, que os trabalhadores náo

somente se apropriem destes J¿¡rer¿s como também destruam a naturalizaqáo de que estes sejam

condigáo ¡ndispensável ao desenvolvimento das soc¡edades. Há de ser criado um novo "mundodo trabalho", náo mais sob as égides históricas desta cultura.

Numa pe.spectiva ecológica, diríamos, portanto. que. ao tentar despoluir as

políticas públicas, o trabalhado¡ atente pa¡a a destituigáo da poluiqáo interna no sindicalismotecnocrático.

''Convém. no entanto. náo se permitir cair na dicotomia simplistai centralismo'democrático' versus anarquismo. espontaneísmo. Os movimentos margina¡s. ascomunidadgs. certamente nada tém a ganhar caindo no mi¡o de um relorno á era pré-tecnológica, de um retorno ¡l natureza: ao contÍário. eles tém mais é que enfrentar asociedade real, as relaeóes sexuais. familiares. reais, etc... Mas. por um ouho lado, deve-se reconhecer que o movimento operário organizado recusou-se. até agora, a levar emconsideragáo sua própria contaminaqáo pelo poder burgués. sua própria poluiqñoinrerna" (GUATTARI: 1987, p.32).

33 Cad. Saúde Colet. 6( I ), 1998

Levando-se a discussáo mais diretamente para o campo de políticas públicas desaúde, falando-se de Brasil. poderíamos muito bem discorrer sobre a co-existencia. tanto daauséncia de políticas (ou de real vontade política...), como também da pnitica cotidiana de políticasque se afastam completamente dos discursos eleitorais (ou melhor, eleitoreiros), a respeito damelhoria das condigóes de vida da populaqáo a qual se destina o pedido de votos.

Para agrava¡ este cenário social. vivemos ainda a quase inexisténcia de movimentosmacrossoc¡ais com forgas suticie¡tes para abalar o projeto desenvolvimentista e globalizantedos últimos govemos, e mais diretamente, deste último. Colocando-se aqui em evidéncia oMovitnento dos Trubalha¿lores Sen Terru, qúe lem mobilizado boa pane da populag¡o rural,aliando-se parcelas da populagáo urbana, em torno da questáo agrária, a luta pela ter.a e pelodireito ao trabalho no país, mas sem, no entanto, conceber a idéia de que este movimenlo,unicamente, possa ter tbr9as para grandes desestruturaeóes. A questáo do desemprego. porexemplo, tem se tomado, cada vez mais, um grande fantasma na existencia de milhares depessoas, tanto nocampo como na cidade, gerando umacalamidade socialnáo só no Brasilcomotambém em países na Europa, a título de exemplo, Franqa e Alemanha. E náo parece servislumbrada nenhuma amenizaeáo desta crise. Ao contrário, a aquisiqáo de um emprego se

toma¡á algo cada vez mais disiante á classe trabalhadola em peso:

"O mundo vive uma crise do trabalho que tem potencial para causaÍ ou umaconvulsáo social duradoura ou um renascimento das ¡elacóes entre caDital e trabalho.Náo há meio-termo ".

"Sim, a tercei¡a revoluQ¡o industrial e a g¡obalizaqAo váo criar novas oponunidades,mas seráo empregos para a elite. Os dias de oferta de emprego em massa paratrabafhadores náo qualificados ou com pouca qu¿liflcagáo ac¿baram ' ( RI FKIN: 1997 ).t'

Vivemos uma época de séria crise. náo só de valores. mas de economias e políticas.E este "problema planetário" é um acontecimento que perpassa a existéncia de todos nós. seus

habitantes.

Uma nova concepgáo de sociedade há de ser pronunciada. "Náo há meio-termo"."Nem um pouco de irente, nem um pouco de lado', estamos todos "dentre", no interior desta

crise social. E há diversos seres-habitantes que náo pretendem simplesmente assistir nas suas

telinhas de televisáo ao desabamento progressivo do mundo "moderno". Sáojustamente estes

seres que este traba¡ho busca homenagear

Cad. Satule Colet. 6( I ), 1998 34

REFERÉNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASAGLIA, Franco. f979. A Psiquiaria Ahem flva Contra o lessi,nismo da razño, o ot¡tttistno

¿o prática. Sáo Paulo, Editora Brasil Debates.

COIM BRA. Cecilia Maria Bouqas. 1990. A divisáo social do trabalho e os especialismos técnico-

científicos. R¿ri¡¡r¡ do Departamento de Psicologia da U F F, ano I l. n" 2. l" semestre, p.

9- t5.

DEJOURS. Christophe. t987. A loucura do tralr lho. Estudo de Psicopatologia tlo Trabalho.

Sáo Paulo. Editora Cortez-Oboré.

DELEUZE, Gilles, 1979. os intelectuais e o poder Conversa entre Michel Foucault e GillesDeleuze, Micrcf;sica do Poder,Rio de Ja¡eiro. Editora Craal.

FOUCA ULT, Michel. 1979. Os intelectuais e o poder. Conversa entre Michel Foucault e Cilles

Deleuze, M ícrofísica do Poder.Rio de laneiro, Editora Craal.

GUAfiARf , Fefix. 199O. As trés ecologías. Campinas. Sáo Paulo' Editota Papirus.

CUATTARI. Felix. 1993. Micropolítica. Ca rtografns do deseio, Petrópolis, Fditora Vozes.

CUATTARI. Felix, f987. Revoluqáo Molecular Pulsagíes políticas do deJeio. Sáo Paulo,

Editora Brasiliense.

GUfLLERM. Alain & BOURDET. Yvon. 1976. Atttoqestao. Una nudanga radical, Rio de

Janeiro. Editora Zahar.

I LLICH, Ivan. lg"l5. A e\r,opriaQao da saú.\e. N'nesis .la Me¿ici .t. Rio de Janeiro. Editora

Nova Fronteira.

LOURAU. René, 1993. Anrilíse lnstitucional e Práticas de Pes4ttisa' UERJ.

MENDES, René & DIAS, Elizabeth Costa Dias. 1991. Da medicina do trabalho ¡ saúde do

trabalhador. R¿ri.tta ¿¿ Saúde Pítblica,Sáo Paulo. 25(5): 341-9.

RODRIGUES. Heliana de BaÍos Conde, 1987. A Análise I nstitucional e a Profi ssionalizagáo

do Psicófogo, Anáftse Institucional no Brasil. Favela' Hospício, Escola' Funabem' Riode Janeiro, Edito¡a Espago e Tempo.

RODRIGUES, Heliana de Barros Conde (org.).1992. GruPos e insÍituicóes em onálise,Rio de

Janeiro, Editora Rosa dos Tempos

S ELIG M AN N -S I LVA . Edith, 1994. De sgasre menÍal no trabalho do¡ninado. Rio de Janeiro,

Editora UFRJ/Conez Editora.

NOTAS:

rAlienaclo aqui no sentido do qu¡l nos fala Cualtari: "na qual o indivíduo se submete ¡ subjetividade talcomoarecek.Ep¡cduqiodesubFlividade.comosalientao¡ütor'aoi¡vésdeideologia.onde¡subjetivid¡de.esseocialmente so;ial. "¡assumidae vivida porindivíduosem suas exisléncias particulares" (CUATTARI:

1993. D. 33).

tEstaebuliqáode críticas sociais repercutiu consideravelmente sobre alguñas polílicas. onde'!ste processo

leva, €m alguns países. ¡ exig€ncia da p¡ficipaqio,los rrabclhcdores nas quesldes de.saúde e seguran9a'

Elas, mais que quaisquer outras, tipificavam s¡luaqdes concret¿s do cotldlano dos tr¡bi¡lhxoores. exp¡essas

em sofrimento, doen¡¡ae mone" (MENDES: 1991, p.345).

r''Guattari acrescenta o suilxo ístico'¡'capilalista por lhe pffecer necessiírio criar um ¡ermo que possadesrgna¡ nlo apenas iL\ socied¡des qualificadas como caplalis(as. nms tantbén¡ se¡orcs do .Terceiró Mündo.ou do capital¡smo pedférico'. ass¡n¡ cono as econonrias diras socialist¡s dos países do r€sr€. que uvemnum¡ espécie de dependénc¡a e contradependéncia do capitaljsmo. Tais sociedades. sequndo Cuat(a¡i. emnada se diferer¡ciam do ponto de vista do modo de plodugáo de subietividade. Elas fun;ionariam segundoüma mesÍla c¡fografia do desejo nocan¡posocial, uma n¡esnaeconomia libidinal-pohic¡. (GUATÍARI:1993. D. l5 ).

"O que nioé \inón¡mo. obvian¡ente. de se esanccr a produ(io Je novos,cbcr(s. mas sint. de buscari¡Drctndé.los onde. ¡ntc\. nunca titrrant o f/,rr¡rr de e\tar. colño, poi erenrplo, corn a ooDUlaciio uludrir de um servil,ode scúde. comos operario\ de um¡ tubrica ou com quaihuerouras oes"ócs 6;: iórim i<jñfiii¿ri nJñiii,i.

,do "náo saber- É nr tulcla crd- re,, Incts podcrosa dos s¡hare\ tec¡irco-rienirficosr-4.!ALAy84l4gIocESTÁo e rctutiv¡menre recente;apa¡ecér, e¡r iineuifli¡cesa. no início dos anos

60' (...). CUILLERM: 1976.qorgrniTrqáodo rrahalho (ünro a Jr\r.io do tr¡b:¡lho. o conlcudo d¡ trrrfa (nc meJidaenr quc dcladcri\x).

:l::TtÉJbüffil,,.r"Cil Iro50arrdrdes de comando. a¡ n:tcqdes Jc poder cs quesróes de responsabrtrd¡Je.

Tsegundo CUILLERM 1i976¡, esras novas respostas podenr assum¡r d¡ttrcntes tbmas: par¡rcrpaQao. co-ge\lao., conrrolc op(nrio. , oope rar iva. .sent no entanló. contundirrnt-\e conro pr,rce.,o de autógj.ri0. Alrlufo de escl¡ffcrn|enfu: t,, leihú"\ ¿ú lrt?:c t?,,hH ,uttdt|q¿,, s t ciJd.\,, d? Wt. t,¿t.¿, ;\ ¿¡.tul¡'{?sht,t ttt.tc \¿t ttú ltt.e .t¡du tut s(uti.t,t tt etult¿,t¡ t t q ( ú, s( f,¿( rcdli:.I:s¿nü,, p,t.nul"|olu\'¿n'.úI1l|'.|l.\tl||ll'tll't',''|1|'lt]I||elLIl]¡.lú¿1Js,ú'¡edu¿?ct1tü'dt^|'\|,lIIll|'Jiule|dl?l¿l;|üdl]|dd e.1 k'tniu. tld p,liti(u ¿ du ttdu u¡:iuf'

3CUArTARI prop6€ tÉs regislros ecológicos: o do meio ambiente, odas relagóes sociais e o da subjetividade.hrmün a. compondo u nra ¡n icu l¡EAo er ico-política a qual denonrinoü ecosofia (C UATTA R I: | 99ó. p.g).'uriliza-re cqoi o iermo . ultuH uediLd tx rerlariva de se atingir oño somente os efeitos das prescriqóesclínicas e rera!éuricas nocoÍdiano dr pfti¡ica n]édica, mas, maii prot-undanenre. a consrruqao de um sáberUdo cumo rndlspensavÉt ¡ preservüSáo da vida humana nas soc¡edades ou como inst¡umento privilegiadopara ¡ p¡omoeáo de saúde das populaeóes.

"A {rtulo dÉ excmplo. c implenlcnrcqio de programas de Saúde do Trabalhador nx rede pública."N¡o se tmrr, obv¡¡menre. de sc descar¡crerizar a interdiscipl¡naridade como instrumen¡ó legírimo_ ou, porque nao, necessírio?-de arenqao d sxúde do trabalhador Assi¡ncomo nao se ¡ata de concébéla aoui comoinevitav€lmente presa a detern)inados pactos sociaise/oü epistenológicos. Mas, ao contrário. no se;tido dese cponlar tta ra a possibilidade de construEio de novas aniculaqoes e diálogos entre as disciplinas. na medidaemquesepudÉ¡r¡nglral¡]ttstetn i,[¿¿e,seÍdoesta"unu.li tetls¿t) que l]etetúl( supeftn.os (L..¡s i,nlr¿ss¿5,o de unlu puru ftr¡itulicLula e o de unu sin¡tles hori.o tal¡dade: elu rentle u si rcaliur t¡uunút unat()tnu ie{A) ,n(t¡tnu se elet a e,tue os ¿ilercntps níeis e sobrctu.lo no¡ ¿ife,z tes se t¡dos., (GUATTARI:1987. o. 96).

tt'No-ar1ígo A-Truu"rry t salülu¿¿, pubticddo etn RevolagAo Molecular, F Guattafi usa, para ilustar anogAo

.de .coeÍiciente de transversalí¡lade, a segu¡nte analogia: .Cotoquernos nutn canpo jechado cavalos(on v-ireins Rguldycis c digamos que o.coefic¡?nlc dc trunsre^alidide, scni ¡usraninri esta regulagemdas ,iseims.,. A.nedda que fomos ab ndo as vkeir.ts, po¡le-se ¡nuginqr qie a circulagño se lealilanlde ,naneim ,neis hanúoniosa' (RODRIGUES: t 987, ú31J.¡N¡o i incomum rssisriÍnos fl conclrnmqio tb¡ta aos irlelectuais par que estes .opinc¡r" sob¡e os maisdrvelsos cssunfos. Assrn con)o nio e t¡núdrD incomunr assist¡flnos ¡ acei¡ac¡o acstes convit€s. Acrescenta-se a isso a prática de s€ considerar necessár¡a ¡ Inscrq¡o ¡jcstc p¡rcc¡r pfolis\ional cnl nr rdatos polficos.Náo sedapara nós surpresa a adcsio cega a est€ ..pdncípio'.

'*Anto¡io Ca¡los Seidl en¡rvis(a o econonrista nüÍe-cnrericmo Jcrcnry Rilkrn. orcsidenre da Fundacao da.sTendéncias Económicas, de w¡¡sh¡nglon. Jomal Folh3 de Sio paulo. cádcmo Bmsil, p.4, de aS ¡a;;i;iitdet997.