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Sumário - Edição 28 Jan/Fev - 2018

www.virtualcult .com.br

[email protected]

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SUMÁRIO - EDIÇÃO 28

REVISTA KUKUKAYA

Editorial

Oreny Jr.

Insegurança Pública - Novo Ano, Velho Caos

José Antonio Aquino

Resenha Crítica da Obra “Blattodea” - Júnior Dalberto

Sandemberg Oliveira

Entrevista

Michelle Paulista

Perfis Literários - Wescley J. Gama

Thiago Gonzaga

A Permanência do Fascismo

Homero Costa

Bocadinho de Prosa - IV

Clauder Arcanjo

Ícones do Riso

Manoel Onofre Jr.

Os Temores da Morte e as Doenças da Alma na Poesia de Lucrécio

Antonio Júlio

Paciência com Deus

Josuá Costa

Algumas Reflexões Sobre a Educação Brasileira

José de Castro

Cego de Amor

Weidde Andrino

Projetos Humanos

Ana Luiza Rabelo

A Biopolítica Imperialista da Globalização Neoliberal

Francisco Ramos

Limites Invisíveis - Grandes Momentos da Poesia

Thiago Gonzaga (ORG)

Artista Plástico Homenageado

Franz Kline

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19

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26

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Revista de Circulação bimensal.

É uma publicação integrante do

site: WWW.VIRTUALCULT.COM.BR.

Envio de Artigos:

[email protected]

Diretor Geral

Alfredo Ramos Neves

Thiago Gonzaga, José Antônio Aquino

(Nenoca),Sérgio Santos, Aluísio Azevedo Jr.

Marcos Medeiros, Marcos Guerra,

Francisco Ramos, João Cavalcante,

Luiz Carlos Petroleiro,

Maurício Miranda, Valdecy Feliciano,

Fátima Maria de Oliveira Viana,

Márcio Dias, Herbert Martins,

Manoel Onofre Jr.

Getúlio Moura, José Araújo (Dedé Araújo)

Professor Manoel Nazareno da Silva,

Jardia Maia e Ozany Gomes.

Editor Oreny Júnior

M as o que vem a ser li-teratura, senão um ajuntamento de emo-ções, transformado em

palavras, palavras em textos, em expressões diversas, romances, contos, poesias, crônicas, prosas.

Um eterno sentimento bíblio, de forma oral, escrita, visual, isso é literatura. Literatura é um prato de feijão com arroz saciando a fome do homem, é um livro chegando às mãos e aos olhos de um menino faminto por leitura. E o prazer da literatura é transfor-má-la em direitos, direitos aos cida-dãos, um direito básico, básico co-mo se alimentar, trabalhar, descan-sar e dormir, parafraseando o mes-tre Antônio Cândido. Cultivar a terra molhada, arar, plan-tar e colher, isto é literatura.

Literatura é a loucura às ma-chadadas de Raskolnikov.

Literatura é o cio endiabrado de Diadorin em veredas e florestas de buritizais.

Literatura é a fé cética nos revoltosos de Antonio Conselheiro.

Literatura são as pelejas se-ridoenses de Ojuara.

Literatura são as bruxarias do Cosme Velho, na beleza de Ca-pitu e na inocência de Bentinho.

Literatura é o mamulengo de Chico Daniel, são as contações de Dona Militana, o coco de Chico An-tonio.

Literatura é colecionar cre-púsculos, numa eterna observância do nosso guardião mor, Luís da Câmara Cascudo.

São olhos, retinas deslizando sobre imagens, pulsando corações, de-sassossegando espíritos inertes, letárgicos, levando o homem aos mais longínquos lugares, reais, fic-tícios, isto é literatura. Ensopar o pão no café, imergir a colher num prato cheio de cuscuz com ovo, isto é literatura.

E o direito à literatura, onde está?

Está no interesse que o ho-mem deve ter pela leitura, está no interesse que o autor deve ter em trazer, em pregar em salas de au-las, em auditórios, nas calçadas, nas ruas.

E o prazer na literatura, onde está?

Está quando um menino confronta-se com CABRA DAS RO-CAS, O MENINO DE ASAS, O MEU PÉ DE LARANJA LIMA, VI-DAS SECAS, DOM CASMURRO, A PRIMEIRA FEIRA DE JOSÉ, O MUNDO DE SOFIA, ALICE NO PA-ÍS DAS MARAVILHAS, CRIME E CASTIGO, OS SERTÕES, GRAN-DE SERTÃO, VEREDAS.

A literatura deve ser a nossa lição diária de cada dia, sonhada, vivida, transcrita, dita, LITERATU-RA, salve-me deste mundo desvali-do, ingrato, inumano, LITERATU-RA, dai-me a eterna vontade de aprender, de poder dividir de graça, o que de graça recebi, LITERATU-RA, bem dita sejas, amada LITE-RATURA.

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* José Antônio Aquino

Policial Federal

Presidente do Sindicato dos

Policiais Federais no RN

Pós graduado em análise de

sistemas – UFRN

MBA – FGV

Conselheiro do COEDHUCI

O ano de 2017 se en-

cerrou como um dos

anos mais complexos

para a segurança pública no Bra-

sil. O absurdo crescimento dos

índices de violência, em todos os

seus aspectos, consolidou de

uma vez por todas a mudança de

hábitos do cidadão brasileiro. A

precaução, o aumento dos cuida-

dos básicos com a segurança da

vida e de seus bens tornou-se

rotina, quando não, o medo, o

terror, a fobia diante de dados de

mortandade cada dia maiores,

instalaram-se de vez no cotidiano

do Brasileiro.

O ano novo se iniciou

com a esperança de que uma

nova realidade fosse nessa área;

Ledo engano. A dura realidade

dos índices de violência revelam

que não superamos a fase mais

aguda do total descontrole dessa

fundamental área de atuação do

Estado Brasileiro.

Os dados apresentados

pelo Observatório da Violência

mostram que no Rio Grande do

Norte, a barbárie continua, o nú-

mero de homicídios registrados

totalizou apenas duas mortes a

menos que idêntico mês de

2017.

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Nunca é demais lembrar que no janeiro anterior

o massacre de 26 pessoas, conforme dados ofi-

ciais, no presídio de alcaçuz contribuíra forte-

mente para elevar o quantitativo de mortandade

naquele período. Ou seja, como em .2018 não

ocorrera nada parecido, em última instância os

assassinatos nas ruas potiguares infelizmente

aumentaram.

Vale ressaltar que, conforme o Anuário

Brasileiro de Segu-

rança Pública, em

2016 a violência e

criminalidade no

País já haviam cei-

fado a vida de

61.283 brasileiros e

que tal número de

homicídios colocava

o País entre as dez

nações mais inse-

guras do mundo.

Em função

de tal mortandade o

Brasil se tornou um

dos Países em que

mais se ma-

ta na améri-

ca latina e no mundo. Vide infográfico abaixo.

Note-se a imensa diferença da taxa de homicí-

dios entre Brasil, Argentina e Chile.

Por outro lado, quando se observa os da-

dos sobre as pessoas que estão sob custódia

do Estado Brasileiro se verifica que nós temos a

terceira maior população carcerária do mundo,

atrás apenas de Estados Unidos e China. Com

um agravante, enquanto nesses dois países

tem se constatado uma redução no encarcera-

mento, no Brasil a quantidade de presos só au-

menta. Vale enfatizar que, segundo a agência

Brasil mais de 40% dos presos brasileiros se-

quer ainda foram julgados, são os chamados

“presos provisórios”.

Resta-nos uma pergunta elementar: O que

está acontecendo, aonde está o erro? O que

tem levado a tal caóti-

ca situação, quais as

perspectivas e solu-

ções?

A priori, vale res-

saltar que sempre que

os atuais gestores da

segurança pública em

seus mais variados ní-

veis são indagados so-

bre a contínua escala-

da de violência e mor-

tandade em que o País

está inserido, respon-

dem o mesmo eterno

mantra: “Falta de ver-

bas e pessoal”. Im-

pressiona que nem

mesmo nesta tosca resposta, haja qualquer mo-

dernização.

Ocorre que, quem se debruça sobre o

atual modelo de atuação dos Órgãos de Segu-

rança Pública no Brasil facilmente percebe

uma série de absurdos que impedem so-

bremaneira qualquer reação do Estado so-

bre o avanço da criminalidade, senão vejamos.

Infografía: El Mercurio | Fuente: Insight Crime

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A atuação das Polícias Brasileiras, subdivi-

didas em Polícias ostensivas e investigativas

provocou um absurdo sob o ponto de vista de

gestão; O Estado para exercer seu exclusivo

direito de utilização da força, o tenha que fazer

de forma separada, distinta e praticamente sem

integração. A despeito dos inúmeros avisos dos

especialistas em tão delicada área, alertarem há

tempos acerca de tão grave problema, O resul-

tado de tal erro estratégico está sendo sentido,

literalmente, na pele pela Sociedade Brasileira.

Enquanto o crime age de modo integrado as po-

liciais, no Brasil, atuam segmentadas, na con-

tramão do que é realizado pelos Estados em

todo o mundo.

É inadmissível, por exemplo que a atuação

das polícias ostensivas ainda ocorra, no Brasil,

sem que seja realizado previamente um efetivo

trabalho de inteligência policial que norteie a

atuação do Estado de modo que o combate à

criminalidade seja eficaz e certeiro. Como se

pode compreender que a investigação criminal

no Brasil, seja exceção, ocorra apenas em algu-

mas “ilhas” de excelência ao invés de como

ocorre nos principais países do mundo, serem

os “carros chefes” das polícias investigativas. A

resposta a esse questionamento também é sim-

ples e objetivo: Esse erro de atuação policial

existe por uma questão de má gestão e comple-

to desvirtuamento do objetivo do órgão policial,

que foi inflado com excesso de burocracia des-

necessária, a chamada “Polícia Judiciária” que

nada mais é do que um “elefante branco e per-

dulário”, servindo apenas a interesses classistas

de seus gestores.

A não ocorrência de uma atuação efetiva-

mente integrada, sob um mesmo comando, tem

gerado um absurdo. As Polícias Militares pren-

dem, fundamentalmente em situação de flagrân-

cia, todavia a estrutura organizacional criminosa

que tem dado suporte à prática criminosa, em

geral sequer é atingida. Com o agravante de

que os chamados “peixes pequenos”, na cadeia

vão ou já estão servindo de exército para as

facções criminosas. Em última instância o pró-

prio Estado fomenta a força da criminalidade.

Por outro lado, as polícias investigativas

brasileiras apresentam parcos índices de produ-

tividade, segundo dados do Fórum Brasileiro de

Segurança Pública a taxa de elucidação de ho-

micídios no brasil flutua entre 5 a 8%. Este fato

ocorre porque por questões meras de corporati-

vismo os gestores de tais polícias decidiram, em

uma decisão absurda, exigir que para a investi-

gação policial estivesse inserida sempre em um

inquérito policial, sabidamente um expediente

burocrático, improdutivo e contraproducente.

Resultado: A investigação policial brasileira pra-

ticamente inexiste. Já o inquérito policial tem

funcionado fundamentalmente como “arma” de

defesa mera de interesses classistas dos dele-

gados de polícia.

Daí se ter um dos fatos mais paradoxais,

na área em tela, no Brasil; A despeito de se ter

a terceira maior quantidade de presos do mun-

do, os índices de criminalidade continuam a au-

mentar. Ou seja, o Brasil prende muito, gasta

muito com a atuação das polícias mas prende

muitíssimo mal. Enquanto isso o Estado Brasi-

leiro tem sido incapaz de realizar a persecução

criminal sobre os criminosos mais importantes.

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Essa tese é facilmente comprovada. Em

Janeiro deste ano o exército foi novamente

convocado a reforçar o policiamento no estado.

O próprio comandante da força fez o seguinte

comentário: “Em um ano e meio, fomos empre-

gados três vezes no Rio Grande do Norte e,

nesse espaço de tempo, não houve nenhuma

modificação estrutural no sistema de segurança

pública naquele estado. E nós sabemos que

logo seremos chamados a intervir novamente”.

Logo em seguida, o Ministro da defesa,

Raul Jungman, afirmou que “Sistema de segu-

rança no País está “falido””, em uma explícita

referência à ineficiência do atual modelo de se-

gurança pública brasileiro que tem se mostrado

incapaz de enfrentar a criminalidade.

Recentemente no Estado do Ceará, ocor-

reu uma chacina em que, a priori, foram mortas

14 pessoas em um mesmo local na cidade de

Fortaleza, logo em seguida, em um presídio na

cidade de Itapajé ao menos dez pessoas tive-

ram suas vidas ceifadas em um confronto entre

grupos rivais. Já no Rio de Janeiro, o jornal “O

Globo” estampou no mesmo período: “União de

tráfico e milícia avança no Rio e é novo risco à

segurança no estado”.

Qualquer cidadão mediano em nosso País

sabe que existe uma “guerra” entre grupos de

criminosos em praticamente todos os Estados.

Resta pois, uma elementar pergunta: Por que

os Órgãos de segurança pública não conse-

guem debelar, inibir, se antecipando de modo a

evitar o terror em que nossa sociedade está

inserida? A resposta é óbvia e simples: Porque

as polícias investigativas que atuam no Brasil

não conseguem cumprir seu mister. E qual o

motivo? Também de forma direta se obtém a

resposta: O modelo excessivamente burocráti-

co e pouco objetivo adotado na investigação

policial nacional tornou-se, propositalmente,

moroso, ineficaz e totalmente obsoleto. A ges-

tão da investigação também é outro absurdo,

posto que a experiência policial, item funda-

mental, é sub ou não aproveitada.

Enquanto, como vimos no parágrafo anterior, o

crime se organiza e “se reinventa”, os gestores

das policiais teimam em não querer modernizar

a força policial do Estado, com o único objetivo

de amealhar “benesses” para suas categorias.

Enquanto isso nossa população vai ficando a

cada dia mais refém do crime e presa em suas

próprias casas, além de inflar inevitavelmente o

chamado “custo Brasil”. A prova disso é que o

nosso País tem um dos maiores custos de

transportes de carga do mundo, uma vez que o

gasto com seguros é alto, uma vez que o roubo

de carga no brasil é altíssimo.

Um dos Países latinos que tiveram a cora-

gem de enfrentar os grupos corporativistas que

se instalam e sugam o Estado e mudaram o

modelo de polícia investigativa está o Chile

que, como vimos na segunda tabela deste arti-

go apresenta uma taxa de homicídios da or-

dem de 3,3 pessoas por cada grupo de

100.000 habitantes, enquanto nossa triste na-

ção se mantém refém de um modelo caro e

ineficiente e vê a triste taxa de mortes es-

tar na ordem de 29,7, infelizmente com tendên-

cia clara de aumento. Nunca é demais lem-

brar que no Chile verificam-se dois postu-

lados elementares de polícias de sucesso:

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Ciclo completo de polícia e carreira única na

estrutura organizacional.

Diante disso tudo, necessário se faz um

grande esforço do conjunto da sociedade para

que efetivas medidas buscando reformular por

completo o atual modelo de atuação policial

brasileiro de modo que o Estado possa recupe-

rar o “terreno perdido”, sob pena de ser tarde

demais.

José Antônio Aquino

Policial Federal

Presidente do Sindicato dos Policiais Federais

no RN

Pós graduado em análise de sistemas – UFRN

MBA – FGV

Conselheiro do COEDHUCI

Referências:

Obvio: Observatório da violência letal intencio-

nal no RN

http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-

macedo/ministerio-da-seguranca-publica-

pode-inaugurar-gestao-integrada/?

amp&__twitter_impression=true (acessado

em 28/01/18 às 21:15)

http://www.emol.com/noticias/

Internacional/2018/01/22/892136/Tasas-de-

homicidios-registran-altos-y-bajos-en-

America-Latina-durante-el-2017.html

(acessado em 28/01/18 às 20:05)

Fuente: Emol.com - http://www.emol.com/

noticias/Internacional/2018/01/22/892136/

Tasas-de-homicidios-registran-altos-y-bajos-

en-America-Latina-durante-el-2017.html

http://www.emol.com/noticias/

Internacional/2018/01/22/892136/Tasas-de-

homicidios-registran-altos-y-bajos-en-

America-Latina-durante-el-2017.html

https://g1.globo.com/politica/noticia/

comandante-do-exercito-se-diz-preocupado-

com-constante-emprego-de-militares-em-

acoes-de-seguranca-publica.ghtml

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/

criminosos-invadem-festa-de-faccao-rival-

matam-varias-pessoas-e-ferem-dezenas-em-

fortaleza.ghtml

https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/

itapaje/2018/01/conflito-entre-faccoes-no-

presidio-de-itapaje-deixa-pelo-menos-oito-

pr.html

https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/

itapaje/2018/01/nova-chacina-deixa-pelo-

menos-dez-mortos-na-cadeia-de-itapaje.html

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/

noticia/2017-12/populacao-carceraria-do-

brasil-sobe-de-622202-para-726712-pessoas

https://www.nexojornal.com.br/

expresso/2016/04/27/EUA-R%C3%BAssia-e-

China-reduzem-taxa-de-presos.-Brasil-

aumenta

https://oglobo.globo.com/rio/traficantes-

milicianos-sao-responsaveis-por-80-dos-

homicidios-do-estado-22337797

http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/

noticia/2017/01/rebeliao-mais-violenta-da-

historia-do-rn-tem-27-mortos-diz-

governo.html

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J unior Dalberto, pseu-

dônimo de Alberto

Barros da Rocha Juni-

or, é escritor, dramaturgo, dire-

tor teatral, poeta potiguar e po-

licial federal aposentado.

É premiado com quatro

troféus Evoé – Festival de Tea-

tro Exu Pernambuco em 2015 e

indicado ao Botequim das Artes

do Rio de Janeiro pelo texto

Bouderlaine. Premiado com o

Troféu Cultura 2016 – Melhor

Espetáculo Potiguar por Ventre

de Ostras – Troféu Cultura

2014 – Destaque Literário Poti-

guar. Representou a cidade de

Natal no III EELP – Encontro

de Escritores da Língua Portu-

guesa. Integrou a Caravana

Literária Potiguar. Integra o

projeto Carrossel da Leitura e é

autor de várias obras literárias,

as quais ressalto aqui Blatto-

dea, objeto de análise crítica,

tendo como prefaciador, o tam-

bém escritor João Andrade.

Notadamente a preocupação

do autor do prefácio em articu-

lar uma relação da obra citando

Nietzsche, quando este afirma

em sua analogia psicanalítica

de que somos um campo de

batalha, então, é a partir da ob-

servação comportamental de

alguns personagens que essa

analogia é feita. O uso do ver-

bo Dizer, flexionado em seu

Imperativo Afirmativo pelo autor

do prefácio encerra uma leitura,

numa analogia que se manifes-

ta semioticamente no verbo, de

egocentricidade e imposição de

relevância. A obra, em suma,

apresenta um conto de caráter

ficcional, mas com parâmetros

realistas, logo, perceptivelmen-

te a psicologia Machadiana é

apresentada, quando é possí-

vel atribuir a vida enquanto

campo de batalha e do quanto

precisamos lutar para sobrevi-

ver, assim, explica aqui a

teoria apresentada pelo perso-

nagem Quincas Borba, em

Memórias Póstumas de

Brás Cubas acerca do Humani-

tismo, teoria cientificista que

diz: Suponha que há um campo

de batatas além do vale e que

Dalberto, Junior

Blattodea: contos / Junior Dalberto – 1. Ed. – Natal [RN]: CJA Edições, 2017

Sandemberg Oliveira de

Almeida — Graduado em Le-

tras pela UnP – Universidade

Potiguar. Pós-graduado em Lei-

tura e Literatura pela FAL-

NATAL. Pós-graduado em Leitu-

ra e Produção de texto pela

UFRN. Professor de Língua Por-

tuguesa e Literatura. Diretor tea-

tral pela GIRART – CIA de Arte

e Teatro. Cenografista e Figuri-

nista. Poeta e Ator e pesquisa-

dor em Literatura e Cultura Poti-

guar pelo NELCP – Núcleo de

Estudo em Literatura e Cultura

Potiguar - IFRN

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duas tribos famintas precisam se alimentar e

descobrem esse lugar. As batatas apenas che-

gam para alimentar uma das tribos, que assim

adquire forças para transpor a montanha e ir à

outra vertente, onde há batatas em abundân-

cia; mas, se as duas tribos dividirem em paz as

batatas do campo, não chegam a nutrir-se sufi-

cientemente e morrem de inanição. A paz, nes-

se caso, é a destruição; a guerra é a conserva-

ção. Uma das tribos extermina a outra e reco-

lhe os despojos. Então, aos vencidos, ódio ou

compaixão; aos vencedores, as batatas e a

glória. Entendendo que essa atitude é denomi-

nada como atitude de luta pela sobrevivência,

puro existencialismo, é a partir da presença de

personagens que implicam na vida como uma

verdadeira batalha, numa linguagem fenome-

nológica, além de fazer alusão constante a Kaf-

ka a partir de uma relação entre as persona-

gens Gustavo, um viajante que se encontra en-

fermo após uma reação alérgica e Gregório,

personagem de Kafka em Metamorfose, quan-

do este acorda na condição de uma barata gi-

gantesca e passa a viver como inseto, assim,

Blattodea, em sua epistemologia, significa ba-

rata já que pertence a uma ordem de insetos

que inclui as baratas e as térmitas.

Por mais que seja uma narrativa de ca-

ráter ficcional, a linearidade de seu conto inse-

re o autor numa estética fortemente marcada

pelo estilo realista, onde aborda questões exis-

tencialistas como já fora dito, retratando perso-

nagens que apresentam comportamentos ine-

rentes às suas inquietudes, suas impessoalida-

des, ao estado de ser e de se ter do homem na

sociedade. Os transtornos os quais somos con-

dicionados a sofrer quando diante de algo que

nos tire o conforto, da necessidade que temos

do amparo alheio, sob o quanto a presença do

outro na nossa vida nos conduz à fortaleza hu-

mana. Em suma, esses apontamentos são rea-

firmados pelo autor, essa constante batalha

que é viver, quando subjugados pela dor, pela

perda, pelo ócio, incumbindo e mergulhando a

alma no algoz perene do sofrimento, no mar

cáustico do desassossego, quando é preciso

lutar.

Arthur Schopenhauer dizia que lr é pen-

sar com a cabeça dos outros, assim, tão facil-

mente encontramos outras leituras refratadas

em Blattodea. Schoppenhauer alertava tam-

bém acerca de alguns tipos de escritores que

existiam: em primeiro lugar, aqueles que escre-

vem sem pensar, logo, escrevem a partir da

memória, das reminiscências, ou mesmo dire-

tamente dos livros dos outros. Esta classe é a

mais numerosa. Em segundo lugar, há aqueles

que pensam enquanto escrevem. Pensam para

escrever. Muito vulgares. Em terceiro lugar, te-

mos aqueles que pensaram antes de começar

a escrever. Escrevem simplesmente porque

pensaram. Muito raros. Assim, observo o en-

quadramento de Júnior Dalberto, seguindo a

ordem aqui apresentada por Schopenhauer co-

mo não só o que pensa, como também como

aquele que nos apresenta tantas outras leituras

e que nos possibilita buscar nesse horizonte

vasto da literatura universal, um leque de opor-

tunidades a serem desvendadas.

Junior Dalberto, em Blattodea, faz refe-

rência à angústia enquanto afeto que se mani-

festa na fronteira entre o desejo (enquanto

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sujeito que tem sonhos) e o gozo (suas realiza-

ções). Entra em questão elementos psíquicos

não são condizentes com a realidade da per-

sonagem Gustavo, quando fortemente identifi-

cado no comportamento da personagem Della

barba, quando este passou pela experiência

de haver contemplado sete tentativas de vida

conjugal, mas sem sucesso, contando isso pe-

lo prisma da glória, suas atitudes são apresen-

tadas como forma de justificar seu insucesso,

mesmo não crendo, mas que se reafirmando

em frustrações não aceitas, mas canalizadas e

condicionadas na condição de gozo, enquanto

vicissitude da glória, do mérito pelo persona-

gem.

É importante ressaltar o registro do au-

mento quanto ao escritor de literaturas no ce-

nário potiguar, seja na poesia, na prosa, no ro-

mance, nas crônicas, há sim um aumento con-

siderável de novos escritores que se inserem

nesses moldes. Contudo, a falta de uma crítica

responsável e concatenada com a nossa reali-

dade da escrita sem que passe pelo viés do

egocentrismo, sentimento este que ecoa e se

transmuta na condução da literatura potiguar,

culmina em questionamentos que remetem à

adjetivação que colocam em questão a quali-

dade daquilo que se escreve na literatura em

questão.

Mesmo diante dessa realidade a qual se

insere a relação do escritor da literatura poti-

guar, do leitor e do objeto de ligação entre am-

bos que é o livro, remete-me novamente a

Schopenhauer, quando fez críticas a literatura

em seu panorama universal, na obra A arte de

escrever, logo, para Schopenhauer, a condição

deplorável da literatura atual, dentro e fora da

Alemanha, tem sua raiz no fato os livros serem

escritos para se ganhar dinheiro. Qualquer um

que precise de dinheiro senta-se à escrivani-

nha e escreve um livro, e o público é tolo o

bastante para comprá-lo. A consequência se-

cundária disso é a deterioração da língua. Po-

rém, é notório que outros fatores, além dos

quais foram abordados por Schopenhauer, são

notados no cenário da literatura potiguar que é

a necessidade de ter o nome no circuito ine-

rente à literatura local, status, o que muito rati-

fica o que já abordava Schopenhauer, impli-

cando na necessidade de uma crítica aprimo-

rada e consistente que possa conduzir a litera-

tura potiguar para um alinhamento construtivis-

ta.

As premiações, a vivência literária, os

degraus que foram perpassados, a história,

tudo isso unidos ao conhecimento adquirido

pelo autor Junior Dalberto, como também de

sua consistência enquanto escritor, colocam-

no num panorama que nos permite um olhar

mais aprimorado e atento, para que sua litera-

tura possa ser avaliada por esse leitor que

muito se identifica com o que o autor escreve,

quando também faz-se necessário considerar

a condição desse leitor, conhecê-lo.

Schopenhauer ainda afirma que há

uma grande quantidade de escritores ruins que

vivem exclusivamente da obsessão do público

de não ler nada além do que foi impresso hoje

e escrito por jornalistas e intitula a esses que

apresentam tal comportamento como

“Diaristas”. Mas quando nos encontramos di-

ante da forma como bem escreve Junior Dal-

berto, um fato me chamou a atenção foi a re-

lação, o ponto específico que permite o diálogo

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entre "Pipa voada sobre brancas dunas",

“Reféns dos Andes” e “Blattodea”, onde a reali-

dade e o fantástico se entrelaçam formando um

paralelo que muito transporta o leitor para uma

viagem dentro do universo interior.

Como poderia ser possível entender o

escritor Junior Dalberto, quando a crítica con-

duz e condiciona aquele que escreve dentro de

uma especificidade e categoriza-o. Mesmo en-

tre o pequeno número de escritores que pen-

sam seriamente antes de começar a escrever,

há extremamente poucos que pensam acerca

do tema propriamente dito: os restantes pen-

sam simplesmente em livros, naquilo que os

outros disseram acerca do assunto. Necessi-

tam, quer isso dizer, do estímulo próximo e po-

deroso das ideias produzidas por outras pesso-

as para conseguirem pensar. Essas ideias são,

pois, o seu tema imediato, de modo que ficam

constantemente sob a sua influência e, conse-

quentemente, nunca alcançam a verdadeira ori-

ginalidade. A minoria acima referida, por outro

lado, é estimulada a pensar pelo tema em si, de

modo que os seus pensamentos são dirigidos

imediatamente para ele. Só entre esses se des-

cobrem os escritores que perduram e se tornam

imortais.

Só valerá a pena ler a obra daquele que

escreve diretamente a partir da sua própria ca-

beça. A busca por inspiração, a preocupação

enquanto escritor de procurar acentuar seu tex-

to e compô-lo são cuidados inerentes à literatu-

ra de Junior Dalberto, quanto vale à pena lê-lo,

partindo do pressuposto do quanto o leitor mui-

to irá se identificar com a sua obra.

Em Blattodea, não há como negar as vo-

zes que ecoam no decorrer do texto, a forte

presença de personagens inerentes à estilos

que se reafirmam seja ao apresentar comporta-

mentos condizentes com a realidade do próprio

autor, daí tamanha identificação que ratifica seu

olhar enquanto romântico com tendência realis-

ta, mas que em suma, essas vozes apenas de-

nunciam da importância da leitura dos clássi-

cos, quando, em sua construção, Blattodea nos

remete a literatura machadiana, mas sem o pe-

so de sua psicologia, ao novelismo de Camilo

Castelo Branco, o que não desmerece a atitude

criativa e criadora de Junior Dalberto, mas forta-

lece sua obra por apresentar um embasamento

literário.

A metamorfose de Gustavo em Blattodea

se transfigura e se entrelaça na realidade do

autor. Kafka nos deixa confusos entre realidade

e fantasia, e se o que oprime são as forças in-

ternas ou as forças externas ao indivíduo, logo,

presumimos o ponto em que realidade e fanta-

sia se misturam, como assim nos apresenta o

autor de Blattodea. No mito da caverna de Pla-

tão que extraímos o primeiro conceito interior-

exterior, as pessoas dentro da caverna só con-

seguem pensar o mundo a partir das sombras

projetadas na parede pela luz da entrada da

caverna. Assim, as personagens em Blattodea

se mostravam presos em suas cavernas interio-

res, cada qual com seus medos e receios,

quando na protagonização de Gustavo diante

da escuridão a qual estava submetido e sua

transfiguração a partir do momento em que vol-

ta a enxergar o mundo com os olhos e com a

alma.

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As marcas da oralidade e os costumes e

crenças do povo nordestino são bem acentua-

das em A Saga do Cariri. Personagens que tive-

ram suas vidas marcadas por um encalço e que

entregaram suas dificuldades à fé em Padre Cí-

cero, quando faz registro dos costumes dos ro-

meiros que imbuídos de fé percorrem quilôme-

tros em busca de uma realização, de cura para

seus enfermos e parte, em determinados mo-

mentos do humor presente no comportamento

de alguns personagens como: Kelly, Canindé,

Zuleide, Belo, sem deixar de ressaltar o bairro

da Cidade da Esperança, tradicional bairro onde

há registro de várias pessoas que realizam ex-

cursões para os fiéis de Padre Cícero.

Percebemos em A Saga do Cariri que ter

fé implica uma atitude contrária à dúvida e está

intimamente ligada à confiança. Em algumas

situações, como problemas emocionais ou físi-

cos, ter fé significa ter esperança de algo vai

mudar de forma positiva, para melhor.

De acordo com a etimologia, a palavra fé

tem origem no Grego "pistia" que indica a noção

de acreditar e no Latim "fides", que remete para

uma atitude de fidelidade.

No contexto religioso, a fé é uma virtude

daqueles que aceitam como verdade absoluta

os princípios difundidos por sua religião. Ter fé

em Deus é acreditar na sua existência e na sua

onisciência. A fé é também sinônimo de religião

ou culto. Por exemplo, quando falamos da fé

cristã ou da fé islâmica.

A fé cristã implica crer na Bíblia Sagrada,

na palavra de Deus, e em todos os ensinamen-

tos pregados por Jesus Cristo, o enviado de

Deus. Na Bíblia há inúmeras referências ao

comportamento do cristão que age com fé. Uma

das frases sobre o tema afirma que "a fé é o fir-

me fundamento das coisas que se esperam, e a

prova das coisas que não se vêem". (Hebreus

11:1)

Em A Saga do Cariri, o elemento é a fé,

são os costumes, as crenças, a oralidade e o

regionalismo que marca o povo do nordeste

brasileiro.

Não muito distante, mas bem acentuado,

a personagem Henrique que, depois de haver

caminhado por muito com o pó dos ossos do

seu pai num saco preto, não abandonou os cos-

tumes da boemia e que, por um descuido, ao se

ausentar se deu pelo desaparecimento do saco

e, para seu infortúnio, por engano o filho da do-

na de um bar espalhou todo o pó sobre a sua

horta.

O romantismo de Junior Dalberto agora

preenche o espaço em Blattodea e se apresen-

ta de forma lírica, absorta e única. É a sutileza

do fazer poético e a presença de um referencial

praieiro a partir de um desejo e de um romance

que começou às margens da praia, com uma

dose de poesia de Walt Whitman:

"Esta manhã, antes do alvorecer, subi

numa colina para admirar o céu povoado, E dis-

se à minha alma: Quando abarcarmos esses

mundos e o conhecimento e o prazer que en-

cerram, estaremos finalmente fartos e satisfei-

tos?

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E minha alma disse: Não, uma vez al-

cançados esses mundos prosseguiremos no

caminho."

Walt Whitman

“[...]

Mergulho com minhas penas e bicos

Embico

O mar

A terra

O ar

Lar

Mergulho minha alma

Dentro das águas

[...]”

(Blattodea. Pág.124 – Gaivotas)

A presença da intertextualidade, mesmo

que de forma poética, conseguimos destacar.

Em ambos, a presença desse Mar, desse ce-

nário mágico e cheio de mistérios que por mui-

to encantou marujos, viajantes, moças e rapa-

zes na presença de um sentimento maior aqui

apresentado em Ventre de Ostras.

De um conto que exalta Kakfa, passan-

do pelo regionalismo nordestino e desembo-

cando em Malca, num conto que faz alusão ao

trabalho da Polícia Federal nos aeroportos do

Brasil. Nada escapa ao olhar precioso de Juni-

or Dalberto. Então, é isso que um escritor aten-

to faz: transforma o crivo do seu olhar atento

em palavras a compor um texto. Como nos ver-

sos do eterno Manuel Bandeira:

Assim eu quereria meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas mais

simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem

lágrimas

Que tivesse a beleza das flores quase

sem perfume

A pureza da chama em que se conso-

mem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam

sem explicação.

Assim, Junior quis sua obra Blattodea.

Um livro de contos, de histórias vividas ou con-

tadas, de uma maneira a reinventar a fantasia,

como assim ele nos bonifica em Uma História

Animal. A personificação de animais que se

preparam para receber o menino Jesus, mas

quando observamos cada animal presente, faz-

se também presente o orgulho, a ganância, a

inveja e a mesquinhez do homem na terra.

Uma obra literária que nos permite trafe-

gar pelo viés do Realismo machadiano, nove-

lístico de Castelo Branco, pelos costumes e

crenças com bem nos apontava João Cabral

de melo Neto em alusão a fé do povo, seus ví-

cios, assim como na intertextualidade poética

de Walt Whifmam, sob a ótica crítica de Arthur

Schopenhauer.

REFERÊNCIAS Aguiar, Luiz Antônio, 1955 – Almanaque Machado de Assis : vida, obra, curiosidades e bruxarias lite-rárias / Luiz Antônio Aguiar. – Rio de janeiro : Re-cord, 2008. Schopenhauer, Arthur, 1788 – 1860 – A arte de escrever / Arthur Schopenhauer; tradução, organi-zação, prefácio e notas de Pedro Süssekind. – Por-to Alegre : L&PM, 2007.

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Michelle Paulista além de pesquisadora e cronista é professora de

língua portuguesa, literatura e produção textual. Doutoranda em Estudos

da Linguagem - PPgEL - UFRN e diretora da Escola do Legislativo da

Câmara Municipal de Natal. Idealizadora e coordenadora do Projeto

"Câmara no Enem", TV Câmara Natal. Assessora em revisão textual.

KUKUKAYA - Natural de uma cidade onde

dois grandes romances a retratam com as suas

riquezas e ao mesmo tempo as suas mazelas

sociais e políticas, que é Barro Blanco de José

Mauro de Vasconcelos e Macau de Aurélio Pi-

nheiro. Como você analisa a Macau de hoje em

relação a Macau desses dois escritores?

MICHELLE - Acho que Macau não mudou

muita coisa, não. Talvez o “layout” da cena ur-

bana, mas há “macauísmos”, como dizia Benito

Barros, que permanecem da mesma forma. Ve-

lhos fazeres, velhos hábitos...

KUKUKAYA - No Estado do RN temos gran-

des escritores já tarimbados e outras revela-

ções no campo da literatura e das artes, poderí-

amos citar alguns já nacionalmente conhecidos

como Câmara Cascudo, Ney Leandro de Castro

e o saudoso Dorian Gray Caldas. O que está

faltando para escritores como Manoel Onofre

Jr., Diógenes da cunha Lima, Thiago Gonzaga,

Junior Dalberto, Lívio Andrade e tantos outros

se despontem no cenário nacional, já que são

personalidades excepcionais dentro do gênero

que os mesmos são inseridos?

MICHELLE - Acredito que falta a eles o que

falta para todo artista potiguar, seja da escrita,

música ou artes plásticas: incentivos reais. Infe-

lizmente, não há um movimento pragmático de

valorização do que é daqui. Isso é facilmente

comprovado nos festivais e eventos em geral: a

prata da casa é remunerada muito aquém dos

nomes nacionais e, além disso, o pagamento

demora meses para ser efetuado. Digo isso a

título de exemplo, mas um sistema literário, co-

mo preconiza o mestre Antônio Cândido, é algo

muito distante da nossa realidade. Além disso,

sinto falta de iniciativas que amparem, valori-

zem e fomentem a literatura potiguar nas esco-

las. Na realidade, estudantes desconhecem as

obras literárias de autores potiguares, tampou-

co há iniciativas sistematizadas nesse sentido

nas esferas governamentais. O que existem

são ações pulverizadas aqui e acolá, por parte

de algum professor.

KUKUKAYA - Fale-nos um pouco sobre a Es-

cola do Legislativo da Câmara Municipal de Na-

tal?

MICHELLE - É uma escola voltada para a for-

mação do servidor da Câmara, prioritariamente,

mas expandimos esse atendimento a toda a

população. A Escola é um equipamento

educacional da Câmara Municipal e repre-

senta, para mim, um desafio pessoal e pro-

fissional, uma vez que está inserida numa

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casa política e bastante plural. Contudo, consi-

dero que temos avançado e conseguido dar

mais visibilidade à instituição, contando com a

força do trabalho e a ajuda dos servidores e

parceiros.

KUKUKAYA - Você compôs a mesa da

FLIN 2017 (Festival Literário de Natal) ao lado

do Imortal Acadêmico Diógenes da Cunha Li-

ma, debatendo o poeta e folclorista Veríssimo

de Melo. Qual a importância de Veríssimo para

a literatura potiguar?

MICHELLE - Esse foi um momento especialís-

simo na minha carreira, como professora e pes-

quisadora. Abrir o FLIN

2017 foi um grande pri-

vilégio, um momento ím-

par. Veríssimo de Melo

foi um grande homem,

deixou um legado imen-

surável em diversas

áreas, como na Antropologia, Literatura, Poe-

sia, Folclore e Cultura em geral. Sua obra preci-

sa e deve ser resgatada e não apenas isso:

precisa chegar às salas de aula da Educação

básica. Essa é uma necessidade premente.

KUKUKAYA - Você acha que a próxima

FLIN deveria propor outras mesas para debater

nomes da literatura potiguar e qual nome você

imaginaria que daria uma boa rodada de bate-

papo?

MICHELLE - Sem dúvida. Não faz sentido um

Festival literário que não dê protagonismo aos

escritores potiguares. Acho que nomes como

Juvenal Antunes, Nilo Pereira e Gilberto Avelino

precisam ser resgatados e lembrados na próxi-

ma edição do festival.

KUKUKAYA - Há hoje algum projeto no

campo da literatura de incentivo e divulgação

de escritores que você está inserida ou já pen-

sou em gestar algum projeto dessa natureza?

MICHELLE - Esse é um sonho antigo. Gosta-

ria muito de implantar nas escolas públicas um

projeto de trabalho com a literatura potiguar,

junto a professores e estudantes. Inclusive, já

tenho o nome: “Por mares nunca dantes nave-

gados”. Entretanto, não consegui adesão das

secretarias de Educação, o que é uma pena.

Há um projeto interes-

santíssimo de divulga-

ção de escritores con-

temporâneos, que é a

“Caravana de escrito-

res”, capitaneada por

Thiago Gonzaga. Mas o

meu projeto visa o resgate da obra dos escrito-

res potiguares “canônicos”, alguns já falecidos.

KUKUKAYA - Como Michelle Paulista vê

os incentivos governamentais ou até mesmo os

da iniciativa privada para fomentar e publicar

escritores potiguares?

MICHELLE - Considero-os tímidos e insufici-

entes.

KUKUKAYA - Você tem algum livro no

prelo? E se tem, qual a abordagem do mesmo?

MICHELLE - Tenho um livro de crônicas e po-

emas, mas ainda não consegui publicar. Está

todo organizado e tenho a honra de ter o prefá-

cio de Manoel Onofre Jr.

“Veríssimo de Melo foi um grande ho-

mem, deixou um legado imensurável

em diversas áreas, como na Antropo-

logia, Literatura, Poesia, Folclore e

Cultura em geral”. (Michelle Paulista)

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KUKUKAYA - Fale-nos um pouco sobre a

sua participação na coluna do site de notícias

NO MINUTO.COM?

MICHELLE - É uma das coisas mais prazero-

sas, no momento, pra mim. Antes eu publicava

num jornal impresso, mas hoje conto com a co-

luna do portal, que me acolheu muito bem. Tra-

ta-se de um

espaço de di-

vulgação de

coisas ligadas

à Educação,

Cultura e Le-

tras potiguares.

Costumo publi-

car semanal-

mente, geral-

mente às se-

gundas feiras.

Convido todos

a acessarem a

coluna “Entre

lanternas e li-

vros”, no ende-

reço http://

www.nominuto.com/entrelanternaselivros.

Por falar na coluna, de onde surgiu esse no-

me? Conto essa história numa crônica e é bem

curiosa. Quando criança, eu era fascinada pela

coleção do Sítio do Pica-pau amarelo, de Mon-

teiro Lobato e pelos livros da biblioteca da mi-

nha madrinha, Rosário Guerra. Entretanto, mi-

nha mãe me proibia porque achava que muita

leitura “fazia mal”. Então consegui uma lanter-

na para ler escondida, à noite. Fui iluminada

pelas luzes da lanterna e da literatura.

KUKUKAYA - E a Michelle Paulista, como ela

se vê inserida nesse cenário tortuoso e ao

mesmo tempo

fascinante da

literatura poti-

guar?

MICHELLE -

Digo que sou

uma sobreviven-

te, as letras me

salvaram. São

os arranjos esti-

lísticos que per-

mitem, diaria-

mente, que me

recomponha do

caos cotidiano.

Acredito que

sou uma militan-

te das letras po-

tiguares; como

muitos colegas,

busco me esta-

belecer como artesã das letras, é assim que

me defino. Contudo, o cenário é adverso; publi-

car um livro é uma odisseia. Então, responden-

do objetivamente à pergunta... sou uma pro-

fessora, pesquisadora e artesã das palavras.

Assim, tortuoso e fascinante. Ser gauche na

vida, como dizia Drummond.

Foto do acervo da Michelle Paulista. Na mesa da FLIN ao lado de Diogenes da

Cunha Lima - Membro da Academia Note-rio_grandense de Letras.

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N atural de São Vicente (RN), Wescley J. Ga-ma reside há muitos anos na cidade de Cur-

rais Novos. Escritor e poeta, faz parte da geração que traz nos versos uma tradição literária se-ridoense que vem desde Zila Mamede e José Bezerra Go-mes, passando por Luís Carlos Guimarães, Nei Leandro de Castro, Moacy Cirne, Nivaldete Ferreira, Humberto Hermenegil-do, e mais re-centemente Iara Maria Carvalho, Luma Carvalho , Ana de Santana, Maria Maria Go-mes, Theo Al-ves, Jeanne Ara-újo, Muyrakitan Kennedy Mace-do, Valdenides Cabral, dentre outros valores.

Vencedor de vários con-cursos literários neste início de novo milênio, Wescley J Gama é um dos ad-ministradores do Grupo Casarão de Poesia, ONG cultural que in-centiva a leitura, a literatura e a música entre os jovens serido-enses. Músico, compositor e militante cultural, além de escri-tor e poeta Wescley gravou três Cds, “Chuva, Estiagem, Água, Lampiões”. “Seridolendas”, e “Campos Grandes Reunidos” e publicou dois livros: “Com a For-ça das Folhas que Estiverem Vivas” (poesia) e mais recente-mente “Nove Contos Serra-nos” ( Editora OffSet, 2017).

De um artigo, que tivemos oportunidade de escrever sobre um livro de sua autoria, desta-camos o seguinte trecho.

“Para o escritor Wescley J. Gama, em seu novo livro, “Com a Força das Folhas que Estiverem Vivas”, a poesia está diretamente relacionada ao seu chão de origem.

burros com carga d´água passam sede no caminho

seco O local da sua vivência,

fonte inesgotável de poemas, o Seridó, é cantado em versos: as lembranças dos dramas da se-

ca, que agoniam periodicamente a região; o fruto, a água, o homem, os bichos, são in-termináveis maté-rias para a poesia de Wescley. A par-tir de alguns dos seus poemas, con-seguimos penetrar nas paisagens do interior do Estado, numa parte da sua história, com seus tipos humanos. A poesia de Wes-cley cumpre a sua

missão, que é representar fatos, coisas e pessoas de forma artís-tica, servindo como registro de uma realidade, captando com sensibilidade a paisagem serido-ense...”

Em sua estreia na ficção, o desempenho do autor não é diferente. A ideia de sertão é construída discursivamente ao longo das narrativas de Wes-cley, e todo esse pequeno/grande mundo ressurge em uma prosa intensamente poética, afir-mando, sem dúvida, uma das principais referências literárias da cultura seridoense contempo-rânea.

Wescley J. Gama : Foto Internet

Thiago Gonzaga é escri-

tor e professor. Mestre

em literatura comparada

pela UFRN, autor de “Os

Grãos – Ensaios Sobre

Literatura Potiguar Con-

temporânea”, “Presença

do Negro na Literatura

Potiguar” e outros livros.

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* Homero de Oliveira

Costa, Prof. do De-

partamento de Ciên-

cias Sociais da

UFRN.

N o livro As lições do

fascismo (Graal,

1977), o filósofo

marxista Leandro

Konder chamou a atenção para

o “alto teor explosivo” da pala-

vra “fascista”. Escrevendo em

plena ditadura militar (1964-

1985) afirmava que ela vinha

sendo utilizada mais como arma

política do que com o necessá-

rio rigor científico. Naquelas cir-

cunstâncias, considerava que o

uso do termo da forma como

utilizado pela esquerda era

compreensível “para efeito de

agitação, é normal que a es-

querda se sirva dela como epí-

teto injurioso contra a direita”,

mas que era necessário “uma

análise realista e diferenciada

dos movimentos das forças que

lhe são adversas”.

Não é nosso objetivo fa-

zer uma ampla discussão sobre

o fascismo. Já existe publicada,

inclusive em português, uma

extensa bibliografia, abordando

os seus mais diferentes aspec-

tos. O livro de Leandro Konder

é um deles. Aqui, trata-se ape-

nas de situar sumariamente

quanto a sua permanência, ou

seja, não circunscrito as experi-

ências da Itália e Alemanha no

período de 1920/40.

Nesse sentido, uma ex-

celente contribuição é o livro de

Rob Riemen “O eterno retorno

do fascismo” (Editorial Bizâncio,

Lisboa, 2012) que, como indica

o título, analisa a permanência

do fascismo mesmo em países

com democracias consolidadas,

como na Europa Ocidental.

No livro Lições do fascismo

(1970) o dirigente do partido co-

munista italiano Palmiro Togliatti

afirma que o fascismo assume

diferentes formas, em diferentes

países, porque seu credo não se

fundamenta num único valor uni-

versal. Lembra ainda que Musso-

lini ascendeu ao poder pela via

democrática e, portanto nas de-

mocracias representativas é pos-

sível que um fascista seja eleito.

Como ele alerta, a chave do êxito

do fascismo na Itália foi a crença

na sociedade que as qualidades

do seu grande líder iriam trazer

ordem, prosperidade e seguran-

ça ao país. Para Robert O. Pax-

ton, em Anatomia do fascismo

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( 2007), da mesma forma que Togliatti, afirma

que o fascismo assumirá sempre a formas do

seu tempo e da sua cultura e, portanto, não é

um fenômeno específico da Itália, alimentando-

se do ressentimento (orientado para um inimi-

go) e um líder carismático e autoritário ( “um

mito”) que seja obedecido pelas massas. Rob

Riemen alerta para o fato de que quando se en-

trega o poder a demagogos e charlatães, que

usam os mass media para cultivar a crença de

que esse líder, o político que pretende ser con-

tra a política é a única pessoa capaz de salvar o

país, as instituições constitucionais e democráti-

cas desaparecem tão

depressa como a con-

fiança nas autoridades

porque já ninguém

acredita nelas.

É impor-

tante compreender

que o fascismo é uma

forma específica

de regime político do

Estado capitalista.

Mas, não qualquer re-

gime, não qualquer ditadura, mas uma ditadura

contrarrevolucionária com características distin-

tas, por exemplo, das ditaduras militares na

América do Sul nos anos l960-80, incluindo a

do Brasil. No livro Fascismo e Ditadura (1970),

Nicos Poulantzas faz uma análise das forma-

ções sociais da Alemanha e Itália e a constitui-

ção de um tipo de Estado de exceção - o fascis-

ta – e a relação entre as classes sociais, deter-

minante para a emergência (e explicação) do

fascismo. De acordo com ele, o Estado fascista

seria uma forma distinta de Estado, forjado em

condições peculiares da crise política durante a

transição ao capital monopolista. Mostra o pa-

pel do Estado fascista de reorganizar, pela re-

pressão e pela ideologia, o bloco das classes

dominantes no poder, além das iniciativas que

os fascismos alemão e italiano tomaram para

assegurar a dominação do grande capital e das

alianças com a pequena burguesia.

O fascismo portanto, não pode ser

analisado como qualquer movimento conserva-

dor ou fenômeno autoritário, ele tem suas pró-

prias características e assume formas distintas,

mantendo o essencial,

que é a dominação do

grande capital. Se o

fascismo teve início na

Itália, num determinado

contexto histórico, resul-

tado, em grande parte

das conseqüências e

profundidade da crise

européia (antes e de-

pois a Primeira Guerra

Mundial) sua influência

(e permanência) vai muito além do seu contexto

histórico e geográfico. Como afirma João Ber-

nardo no livro “Os labirintos do fascismo: na en-

cruzilhada da ordem e da revolta” (2015), “a his-

tória do fascismo não está concluída por-

que o fascismo é ainda uma realidade em

suspenso”. O livro, como ele diz, não tra-

ta de uma história do fascismo, “mas o de

apresentar a história dos problemas

que o fascismo revelou plenamente como

tais e que continuam hoje por resolver”.

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O fato é que hoje os sinais de fascis-

mos são evidentes em várias partes do mundo,

como o fascismo islâmico, o crescimento da

extrema direita na Europa, e com partidos xe-

nófobos e neofascistas em outras partes do

mundo, como na Áustria, Alemanha, Dinamar-

ca, Holanda, França e Itália.

Mas se ele tem se apresentado de dife-

rentes formas e com influências distintas, há

uma questão que,hoje, no caso da Europa, os

une: a imigração. A oposição veemente a qual-

quer aumento do número

de imigrantes tem levado a

um crescimento do apoio a

eles em diversos países,

criando a possibilidade de

ampliação de sua influên-

cia.

Na Itália, por

exemplo, a Liga Norte é

um partido claramente fas-

cista que tem se afirmado como uma das for-

ças da extrema direita que ingressaram no Eu-

ro parlamento. Há outros como Forza Nueva e

CasaPound, que têm crescido nas eleições

parlamentares, todos contra a imigração.

Na Áustria, o fascista Partido da Li-

berdade, conseguiu 20,5% nas eleições gerais

de 2013. Na Holanda, o Partido pela Liberdade

conseguiu 13,3% nas eleições européias. Es-

ses dois partidos juntos se tornaram a terceira

força política em seus respectivos países.

Em relação à Holanda, país de larga

tradição democrática, o Partido fascista, lidera-

do por Geert Wilders, é no dizer de Rob Rimen

“o protótipo do fascismo contemporâneo”. Para

ele, não apenas o da Holanda, mas também de

outros países “não são senão as conseqüên-

cias políticas lógicas de uma sociedade pela

qual todos somos responsáveis”.

Para ele, o fascismo contemporâneo

resulta, mais uma vez, de partidos políticos que

renunciam à sua tradição intelectual, de intelec-

tuais que cultivam um niilismo complacente, de

universidades que já não são dignas desse no-

me, da ganância do mundo de negó-

cios e de mass media que preferem

ser ventríloquos do público em vez

de o seu espelho crítico. São estas

as elites corrompidas que alimentam

o vazio espiritual contribuindo para

uma nova expansão do fascismo

(p.51)

Na Europa, em vários paí-

ses, grupos fascistas estão atacando

imigrantes e os seus centros de acolhimento,

além de ataques a organizações não-

governamentais que têm procurado ajudar os

que fogem de guerras (caso da Síria) e das

perseguições religiosas (como os que conse-

guem fugir do Estado Islâmico). Como o núme-

ro de refugiados cresce, a tendência, ao que

parece, também é de crescimento da intolerân-

cia e da violência.

Em relação à permanência do fascismo,

Albert Camus faz uma alegoria do fascismo no

livro A peste (1947) que se passa “em uma ci-

dade comum (...) uma prefeitura francesa na

costa argelina”. O livro conta a história de uma

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peste na cidade em que o médico Bernard Ri-

eux não se junta à celebração depois em que é

anunciado que o reino da peste havia termina-

do. No final do romance ele diz “Na verdade,

ao ouvir os gritos de alegria que vinham da ci-

dade, Rieux lembrava de que essa alegria es-

tava sempre ameaçada. Porque ele sabia o

que essa multidão eufórica ignorava e se pode

ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem

desaparece nunca, pode ficar dezenas de

anos adormecido nos móveis e nas roupas,

espera pacientemente nos quartos, nos po-

rões, nos baús, nos lanços e na papelada. E

sabia também que viria talvez o dia em que,

para desgraça

e ensinamento

dos homens, a

peste acorda-

ria os seus

ratos e os

mandaria mor-

rer numa cida-

de feliz”

Para

Albert Camus,

o bacilo fas-

cista sempre

estará presen-

te, inclusive

nas democra-

cias de mas-

sas e nesse

sentido é de

fundamental

importância

ficar alerta pa-

ra a gestação de um embrião fascista no Bra-

sil, como os que defendem a intervenção mili-

tar, o fechamento do Congresso Nacional, a

ditadura e a tortura.

Como diz Roberto Amaral, o fascismo

não começa pela sua exasperação, ele come-

ça lento, com ofensas verbais, e depois evolui

para agressões físicas e coletivas. Para ele,

isso ocorre quando há um ambiente favorável

e se torna mais perigoso na medida em que os

meios de comunicação são usados para desti-

lar preconceitos e intolerâncias “dia e noite jun-

to à população”.

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O sociólogo Florestan Fernandes,

numa palestra na Universidade de Harvard

em 1971 intitulada “Notas sobre o fascismo na

América Latina”, chama a atenção para os

processos de “fascistização sem fascismo”, no

qual valores e idéias fascistas podem existir

nos mais diversos tipos de regime político, in-

clusive nas democracias. Ele se refere à longa

tradição de fascismo potencial na América La-

tina, no qual “uso estratégico do espaço políti-

co”, mesmo nas democracias, “permitem dis-

torções que comprometem a possibilidade re-

al de um

exercício

democráti-

co”.

O

ambiente de

polarização

política e

intolerância

na socieda-

de brasileira

é uma porta

aberta para

o fascismo porque possibilita a ascensão da

intolerância, da xenofobia, do racismo, da ho-

mofobia, nas ruas e redes sociais, e aí reside

o grande o perigo para a democracia: a forma

como os discursos de intolerância, ódios e

ressentimentos são aceitos por parcelas con-

sideráveis da sociedade. É um ambiente que

nutre analfabetos políticos e que é potenciali-

zado com as redes sociais.

Na introdução do livro Como conversar

com um fascista (2016), de Márcia Tiburi, Ru-

bens Casara afirma que o antídoto para o fas-

cismo é a democracia e por isso “os fascistas

não suportam a democracia, entendida como

a concretização dos direitos fundamentais de

todos, como processo de educação para a li-

berdade, de governos através de consensos,

de limites ao exercício do poder e de substitui-

ção da força pela persuasão e sugere con-

frontar o fascista, desvelar sua ignorância, for-

necer informação/conhecimento, levar esse

interlocutor à

contradição,

desconstruin-

do suas certe-

zas, forçando-

o a admitir

que seu co-

nhecimento é

limitado. Daí a

importância da

difusão do co-

nhecimento

em confronto

como a tradição autoritária que condiciona o

pensamento e a ação no Brasil”.

Para enfrentar essa perigosa onda

conservadora e autoritária é necessário que a

esquerda deixe de brigar consigo mesma e se

unifique e se junte a todos os antifascistas e

que assim possa se fortalecer e, quem sabe,

formar uma frente ampla, popular que reúna

os setores progressistas e democráticos para

enfrentar a ameaça fascista.

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Vazio

Como a própria definição o

diz, o vazio é um lugar onde não

existe nada, mas no interior do

qual se espera que venha a acon-

tecer tudo.

(Lídia Jorge, em O organista)

A porta se abriu.

Nos olhos dela, o vazio. Em sua boca, o va-

zio. No colo dela, as mãos cruzadas, a ofertar-lhe o

vazio.

Aproximou-se, beijou-lhe a face fria e pres-

sentiu, cansado, que havia um perfume de espe-

rança a escapar-lhe pelos cabelos lisos.

Guardou, então, os seus pertences, pôs a

mesa e a esperou.

Com pouco, ela entrou no interior da sala e

pôs-se a dedilhar, oscilante, o velho órgão. Uma

tocata e fuga. Em ré menor.

A porta se fechou.

Deusa

Ninguém levanta impunemente os olhos para uma

deusa.

(Cesare Pavese, em Diálogos com Leucó)

Na comissura dos lábios, o indecifrável. No

canto do olhar, a perdição. No ritmo das pernas, o

abismo.

Parou frente a todos. Estes, atemorizados e

trêmulos, abaixaram-lhe a vista.

Lá do fundo, da infância das primícias, um

se alevantou. Na caminhada, desfez-se dos mitos e

das lendas, como a querer (re)provar, e beber, o

inominável e o infinito. Frente a frente com ela,

mergulhou no azul dos seus olhos, a beber do vi-

nho da Quimera, envelhecido nos cântaros do sem-

sentido.

Ao perder de todo a Razão, acoitou-se, co-

pulando com ela sob o império da Noite, no sereno

da bênção das lágrimas da Alegria. Ele, fez-se lou-

co; ao tempo em que ela, travestida de escrava,

assumiu a condição de Deusa.

Lo bueno si es breve, es dos veces bueno.

Dito espanhol

*Antonio Clauder Alves Arcanjo (Clauder Arcanjo)

Em 2005 cofundou a editora Sarau das Letras e, pa-

ralelamente, produz e apresenta, na TV Cabo Mosso-

ró, o programa cultural Pedagogia da Gestão. Mem-

bro da Academia Mossoroense de Letras (AMOL) au-

tor dos livros de contos Licânia (2007) e Lápis nas

veias (2009) dentre outros. Vencedor do Prêmio Geir

Campos, da União Brasileira dos Escritores/RJ.

Membro da Academia Norte-Rio_Grandense de Letras

e-mail: [email protected]

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* Manoel Onofre

de Souza Jr. Natu-

ral de Martins-RN , é

magistrado e escri-

tor, membro da Aca-

demia Norte-rio-

grandense de Letras

e sócio efetivo do

Instituto Histórico e

Geográfico do Rio

Grande do Norte.

M uito já se disse,

mas não custa

repetir que o ho-

mem é o único

animal que ri. Obviamente, o riso

nasceu com o homo sapiens. No

entanto, se procurarmos situá-lo

na literatura, é indubitável que um

dos primeiros, senão o primeiro

grande autor a explorar o riso, em

sua obra, com engenho e arte, foi

Aristófanes ( c. 448 a C – c 388-

385 a C ). Autor mais representa-

tivo da comédia grega, Aristófa-

nes, construiu com um certo de-

boche e muito sátira política, vá-

rias peças ainda hoje representa-

das em todo o mundo – As Nu-

vens, Lisístrata, A Revolução

das Mulheres – que são clássicos

inigualáveis. Numa destas, satiri-

zou a figura de Sócrates, de tal

modo que teria contribuído para a

morte trágica do grande filósofo.

Muito depois dessa culmi-

nância, vamos encontrar outra

alta manifestação de humor& ar-

te, já em Roma, todavia não mais

no teatro, e sim na ficção. É

quando surge Apuleio ( c. 124 - c

170), autor de O Asno de Ouro,

único romance latino a sobreviver

na íntegra até os dias de hoje.

Apuleio pode ser considerado o

patrono do Romance Universal.

Cremos que somente Miguel de

Cervantes, muitos séculos de-

pois, é que se pode ombrear com

ele. Em se tratando, porém, de

conto e novela, cabem os louros,

sem dúvida, a Giovanni Boccac-

cio (1313- 1375). Com o seu mo-

numental Decamerão, Boccaccio

é um dos escritores que prenun-

ciaram a Renascença, lançando

os alicerces da ficção moderna;

suas novelas, mesclas geniais de

humor, erotismo e crítica social,

não envelheceram, decorridos

tantos anos de sua primeira publi-

cação ; pelo contrário, despertam

cada vez mais atenção dos estu-

diosos e leitores mais exigentes.

Outro ícone da literatura de hu-

mor, o enfant terrible François

Rabelais ( 1494 – 1553). Autor de

emblemáticos romances quando

se trata do riso desbragado, as-

sociado à glutoneria e outros exa-

geros, ele tinha para com os seus

grandes ( sem trocadilho) perso-

nagens, a seguinte divisa: “ Co-

mer, beber e ficar alegre”. É

questionável a sua inclusão entre

os renascentistas prototípicos.

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Sacerdote católico e médico, além de

escritor, Rabelais possuía outros dons dignos

de nota, inclusive a língua ferina e o ceticismo.

Quando estava para morrer, disse : “Vou em

busca de um grande talvez”.

Por fim, devemos também mencionar,

como cultor da arte do riso em seus primór-

dios , o irlandês Laurence Sterne ( 1713-

1768), autor do romance Vida e Opiniões de

Tristam Shandy e outras obras, que inclusive,

influenciaram bastante o nosso Machado de

Assis. Sterne é considerado o precursor de um

outro tipo de humor- humour – definido, de mo-

do simplista, como aquele que não provoca

gargalhadas, mas, apenas discretos sorrisos. É

a antítese do riso rabelaisiano, por exemplo.

Sterneanamente leve, sutil, irônico, mas como

toda espécie de humor, permeado de crítica

social.

Na literatura brasileira, Machado de As-

sis talvez seja a maior referência quando se

trata de humor. Mas, o seu humor faz o leitor

rir mais com os olhos do que com os lábios.

Riso descontraído e solto encontra-se é na

Crônica, gênero literário que se desenvolveu e

aprimorou-se, em nosso país, de modo surpre-

endente. Luís Fernando Veríssimo, Stanislaw

Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto), Jo-

sé Cândido de Carvalho (a crônica e a histori-

nha) e Fernando Sabino, entre outros nomes,

são expoentes. Millôr Fernandes, embora não

seja, propriamente, cronista, sobressai-se com

o seu riso cáustico, incomparável.

A literatura do Rio Grande do Norte, co-

mo não podia deixar de ser, também conta com

alguns escritores que têm o humor como princi-

pal característica.

Na prosa de ficção, por exemplo, Alex

Nascimento (1947) e Carlos Fialho ( 1979),

dois nomes em destaque.

Dono de uma ironia mordaz, com enor-

me poder de sátira em seu prosear anárquico,

Alex é autor de Recomendações a Todos e três

outras obras , híbridas de ficção e crônica,

além de poesias, todas elas da melhor qualida-

de. Carlos Fialho, bem mais jovem, cultiva um

humor á maneira de Luís Fernando Veríssimo

e Mário Prata sem nunca deixar de ser ele pró-

prio. Ao contrário de Alex, que deflagra o riso

exuberante, Fialho provoca leves sorrisos, com

seus contos, novelas e crônicas, na mesma li-

nhagem de um Sterne, de um Machado de As-

sis. E note-se que tal qual estes clássicos, ele

faz crítica social , todavia, reporta-se, não raro,

a fatos atuais da comunidade onde vive, e não

reluta em “dar nomes aos bois”.

Ridendo castigat mores – poderia ser o

lema de Alex Nascimento e Carlos Fialho, se

por acaso fossem de usar lemas...

Ainda no campo da ficção, devo mencio-

nar Nei Leandro de Castro, autor de vários li-

vros de poemas, um de conto e quatro roman-

ces, sendo que, em um destes, As Pelejas de

Ojuara, justamente considerado sua obra-

mestra, relata as peripécias hilariantes do seu

herói, ou melhor, anti-herói picaresco, Ojuara,

um Araújo pelo avesso....

Seu humor é, quase sempre, grosso, de-

bochado, de cunho fescenino. Creio que Boc-

caccio assinaria, com prazer alguns dos casos

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que compõem a narrativa. Personagens, como o

seu Celso da Silva fariam inveja a Rabelais...

Mas, além desse riso desbragado – como já tive

oportunidade de dizer - , Nei Leandro demonstra

possuír uma outra veia de humor, quando, por

exemplo, glosa a letra da valsa “Boneca” ou

quando “explica” a origem da palavra revanche.

Registre-se que o personagem Celso da

Silva foi calcado numa figura real, o escritor e po-

eta Celso da Silveira, por sinal, autor de amplo

anedotário, publicado em plaquetes, e de poesias

fesceninas e humorísticas. Tal como Celso da

Silveira, outro escritor veterano, José de Castro,

produz textos curtos, porém de uma outra nature-

za, quase sempre aforismos, pequenos poemas

em prosa etc. José de Castro sabe, como pou-

cos, brincar com palavras.

Em 2016 organizei a coletânea Humor no

Conto Potiguar, publicada pela 8 editora, uma

amostra significativa dessa modalidade, reunindo

contistas de várias gerações (em ordem cronoló-

gica): José Pinto Júnior, Augusto Severo Neto,

Eulício Farias de Lacerda, Luís Carlos Guima-

rães, Bartolomeu Correia de Melo, Tarcísio Gur-

gel, Demétrio Diniz, François Silvestre de Alen-

car, Osair Vasconcelos, Clauder Arcanjo, Aldo

Lopes de Araújo, Cellina Muniz, Carlos Fialho,

Thiago Gonzaga e Carlos Onofre. Destes todos,

apenas Augusto Severo Neto, Carlos Fialho e

Carlos Onofre adotaram o humor, como traço es-

sencial, em seus escritos ; os demais incursio-

nam, esporadicamente, pelos temas jocosos. E

bem.

Entre os nossos poetas nenhum fez poesia hu-

morística como Virgílio Trindade ( 1887- 1969).

Injustamente esquecido, Virgílio Trindade partici-

pou da Academia Norte-rio-grandense de Letras,

e teve certa projeção nos círculos literários nata-

lenses, mas as novas gerações o desconhecem

totalmente.

O bom- humor parece ser a nota predomi-

nante não só em sua produção poética, jornalís-

tica e comediográfica, mas também na sua pró-

pria vida de homem simples e bom: vivia fazendo

blagues, contando anedotas – diz Veríssimo de

Melo, em Patronos e Acadêmicos, vol. II. Se-

gundo a mesma fonte, curiosamente, Virgílio não

publicou livros, embora os tivesse, inéditos, como

“Águas Passadas”, e “Despropósitos a Propósi-

to”. Colaborava em quase todos os jornais de Na-

tal.

Para encerrar estas despretensiosas no-

tas, nada melhor do que o seu soneto sobre o

galo metálico da torre de Santo Antônio, quando

o mesmo foi lançado por terra devido a um raio, “

que por pouco não o fulminou” – no dizer bem –

humorado de Nilo Pereira.

Eis o soneto:

Lembrou-se enfim desta Natal a gente

Que tu deves voltar, meu galo amigo,

Às alturas da torre novamente.

“Como a ave que volta ao ninho antigo”.

Com tal noticia vais ficar contente.

O ostracismo é um fatigante abrigo.

E assim verás Natal bem diferente

Desde a Ribeira à ponte sem perigo.

Penso que os galos todos, entretanto,

Não trocariam teu zimbório santo

Pelo livre terreiro das vizinhas.

Pois vou jurar que nenhum deles quer

Ficar como tu ficas, Chantecler:

“Perto dos raios, longe das galinhas...”

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*Prof. Dr. Antonio Júlio

Garcia Freire

Formação e pós-

graduação em Filo-

sofia; professor da

Universidade do Es-

tado do Rio Grande

do Norte (UERN).

Pesquisador nas

áreas de Metafísica,

Estética e Educação.

Foi um dos fundado-

res da banda Cabe-

ças Errantes (anos

1980), ícone da cena

musical alternativa

de Natal

Site: http://

joaoligeiro.com.br

S abemos que a alma

(do grego psyché)

tem um significado

especial para as reli-

giões e para a Filosofia. Na anti-

guidade, não raro se falava em

uma “saúde da alma” vinculada à

“saúde do corpo”. Para os epicu-

ristas antigos, o fundamento de

uma alma sadia estava intima-

mente ligado a sua imperturbabili-

dade (ataraxía). Tal estado era

associado invariavelmente a uma

existência feliz (makários zèn),

sendo então princípio e a própria

realização da vida. Uma alma sa-

dia, era por assim dizer, uma al-

ma feliz. Por outro lado, os temo-

res e medos insensatos eram

considerados as causas princi-

pais da angústia e do desespero,

e que tinham como origem os ter-

rores imputados principalmente

pela religião e por um modo de

viver que não levava em conta a

simplicidade, o comedimento e o

viver “conforme a natureza”. Tal

era a causa de uma alma doente,

“perturbada”. Para alcançar a ata-

raxía, era necessário regular a

conduta e os desejos, levar a al-

ma a um processo de boas esco-

lhas, recusando as vãs opiniões

(kenón doxai) e os desejos des-

necessários.

Epicuro, nascido nos fins do

século IV a.C., foi o fundador da

escola filosófica que leva seu no-

me, criando uma comunidade em

nos arredores de Atenas conheci-

da como “o Jardim”. Entre os

principais pontos do seu pensa-

mento, elaborou um conjunto de

quatro máximas

(tetraphármakon), as quais se

constituem numa terapia para as

doenças da alma. Das máximas

epicuristas, uma é tratada amiúde

pelo filósofo Lucrécio - discípulo

tardio do Filósofo do Jardim - em

sua obra poética Da Natureza

das Coisas, poema composto por

seis livros. Trata-se do medo in-

fundado da morte, uma vez que,

objetivamente para um epicurista,

ela nada significa: não se deve

temer o que não está presente e

quando estiver, não mais estare-

mos aqui para senti-la.

Exceto pela sua única obra

conhecida, pouco se sabe acerca

da vida de Lucrécio, a não ser

que o lugar de seu nascimento se

deu provavelmente em Roma,

vivendo ali até a sua morte, por

volta do ano de 55 a.C. A lenda

da sua loucura e suicídio foi am-

plamente explorada pelo cristia-

nismo posterior, sendo propaga-

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da por São Jerônimo (347 – 420 d.C.) como a

prova do triste fim a que se chega um epicuris-

ta.

As reflexões do terceiro livro se concen-

tram nos temores infundados da morte e

como tais temores são algumas vezes, as

causas de males e doenças em vida, es-

pecialmente aqueles de natureza moral,

como a ambição desmedida, a avareza, a

cobiça, a ausência de uma vida piedosa e

do cultivo da amizade. Para entender co-

mo são vãos tais temores, Lucrécio argu-

menta que é necessário entender a natu-

reza da alma: a alma é tão corpórea quan-

to o corpo-carne, mas é constituída de

uma substância extremamente sutil. Os

corpos (alma e corpo-carne) por sua vez,

são constituídos de diminutas partículas,

impossíveis de serem captadas pelos sen-

tidos: os átomos. Se a alma é também um

corpo, uma das proposições mais impor-

tantes da filosofia epicurista vem a ser jus-

tamente esta: sendo a alma corpórea, não

sobrevive à morte do corpo. Pode-se per-

ceber as implicações éticas dessa doutri-

na, tendo uma relação estreita com a con-

cepção epicurista da morte. Sendo a alma

uma espécie de corpo dentro de outro cor-

po, há uma relação de interdependência

de um em relação ao outro. O fato de que

a alma tem a habilidade de interagir com o

corpo e de ser afetada por ele, é o que explica

tal natureza.

Lucrécio nomeia três doenças anímicas

fundamentais: a intranquilidade (curas), a dor

ou a aflição (luctus) e o temor (metus). Este

último - considerando o temor da morte - seria

a causa de vários desvios morais. Segundo o

filósofo latino, para que o homem possa livrar-

se de tal temor, faz-se necessária uma investi-

gação da própria natureza da alma, livre

das explicações fantasiosas e terríveis pro-

pagadas pela superstição e pela religião

sobre o destino dos vivos. Essa reflexão

Lucrécio - imagem da Internet

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se constitui em uma verdadeira terapia da al-

ma, em que o desconhecido pode ser desvela-

do e compreendido em toda a sua plenitude,

sem a necessidade de recorrer a argumentos

baseados no castigo, na culpa e no sacrifício a

deuses

e enti-

dades

sobre-

naturais. Uma vez que se puder compreender

a natureza da alma, percebendo a sua consti-

tuição material, entendendo a sua finitude e o

processo inerente de sua dissolução – um pro-

cesso natural - não haveria motivo para temer

a morte.

A morte como a completa extinção de

uma combinação temporária de partículas atô-

micas, é talvez, a conclusão mais importante

quando falamos da análise epicúrea da alma.

Como corolário ético, Lucrécio afirma que não

devemos, em nome de vãs superstições, dei-

xar o medo da morte arruinar nossas vidas, já

que o objetivo do homem é desfrutar de uma

vida plena e feliz (makários zen). “A morte, por-

tanto, nada é para nós e em nada nos toca,

visto ser mortal a substância do espíri-

to” (LUCRÉCIO, 1988, p. 73). Pensar a não-

existência ou aquele que ainda não nasceu,

também não deveria ser motivo de temor e an-

gústia: a morte não é tão pior do que o fato de

ainda não ter nascido. Passado e futuro seriam

instâncias que teriam características semelhan-

tes, ou um tipo de isometria.

O medo da morte é irracional porque é

baseado em proposições contrárias à natureza

da alma e da própria constituição da natureza

como um todo (phýsis). Para Lucrécio e toda a

tradição epicúrea, o medo de um inferno após

a morte é na verdade, o medo projetado dos

terrores morais pessoais, adquiridos nesta vida

e que são a causa das doenças anímicas. Para

a tradição epicúrea, morrer bem é o ápice de

uma boa vida, pautada pelo equilíbrio e tran-

quilidade da alma.

REFERÊNCIAS

LUCRÉCIO. Da Natureza. Antologia de textos

in Epicuro, Lucrécio, Sêneca e Marco Aurélio,

São Paulo. Abril Cultural, 1988.

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CARLOS ALBERTO JO-

SUÁ COSTA - Engenhei-

ro Civil, Escritor, Membro

da Academia Macaibense de

Letras)

E ntro numa livraria como

entro num templo: com

todo o respeito e admira-

ção pelo conhecimento que ali,

nas prateleiras, estão à espera de

leitores para que sejam

“adotados”.

Tenho a impressão que cada au-

tor, estando lado a lado,

“conversam” sobre o que trazem

nos seus conteúdos e, quando a

nossa mão guiada pelo olhar, de-

les se aproximam, com a intenção

de folheá-los, “dizem” tchau e se

desejam, boa sorte!

O que me leva a escolher um livro

a outro?

Fico às vezes refletindo: tomo es-

sa decisão baseado no meu esta-

do de espírito, pela quarta capa

onde um relato breve apresenta o

tema, os personagens, e como

eles se desenvolvem durante a

história, ou ainda, pelo título?

Não tenho uma regra para tal, mas

certamente, cada um desses pro-

cedimentos será determinante pa-

ra facilitar minha decisão.

Recentemente testei minha

“resistência” numa livraria da cida-

de - depois de passear pelas es-

tantes, as mais diversas, tomei

emprestados alguns livros para

pacientemente escolher qual deles

faria companhia aos meus velhos

“conhecidos” autores que se de-

bruçavam na minha cabeceira.

Cada livro “mostra” para mim, sua

parte mais visível (lombada) que é

o lado vertical do livro onde se li-

gam capa e miolo que contém in-

formações como o título e o autor

da obra. Como estava me testan-

do, nada li sobre aqueles escolhi-

dos.

Esse momento é cerimonioso.

Um assento, uma cadeira qual-

quer, dá o amparo para prosseguir

na decisão. Mas, de pronto reto-

mei consciência do descaso que a

totalidade das livrarias tem com os

leitores burilados pela idade, que

“adoram” descansar as pernas fo-

lheando e fazendo “amizade” com

cada autor, e nada de um lugarzi-

nho para tal.

Em sinal de protesto, fui penosa-

mente, devolvendo aos seus devi-

dos lugares, justamente aqueles

que nada tinham com o menospre-

zo dos atuais livreiros da cidade.

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Vingança? Não. Pernas sem condições de pau-

sadamente criar vínculos com o pensamento, a

mensagem, que o livro oferece.

Porém, um fato curioso me chamou atenção:

ao reconduzir um dos livros a sua posição origi-

nal, eis que sua “vaga” estava ocupada por ou-

tro.

Que atrevimento!

Retirei-o e devolvi o espaço ao

seu dono primeiro. Mas, fiquei

novamente com um livro nas

mãos. Dissipei meu protesto –

afinal não levei minha bandei-

ra, e me fixei no título: PACI-

ÊNCIA COM DEUS – Opor-

tunidade para um encontro, de

Tomás Halik, cientista social e

teólogo, nascido em Praga

(1948).

Paciência com Deus?!

A todo instante tenho clamado

pela paciência de Deus e não

“de lá pra cá”.

As pernas deixaram de incomodar, a “revolta” sumiu

e com um sorriso fui me acomodar num cantinho do

balcão com o olhar vidrado na “Oportunidade para

um encontro”.

A cada página aberta e escaneada pelo olhar acolhe-

dor, apenas fragmentos de frases me absorviam.

Vejamos algumas:

“Mas onde é que Deus está quando não há amor,

quando só há crueldade, dor, pecado e sofrimento?”

“Sempre que seguimos no encalço de Jesus, aproxi-

mamos os outros de nós, incluindo os que estão

“afastados”, o Reino de Deus é alargado na terra”.

O autor, Tomás Halik, desenvolve o seu pensamento

a partir de Lucas (19,1-10) que trata da história

evangélica de Zaqueu, po-

rém refletido sobre três as-

pectos: Horizonte (olhar pa-

ra as margens), Perspectiva

(paradoxos da vida) e Estilo

(modo sapiencial de olhar a

vida).

Diz ele: “Zaqueu é, aqui,

muito mais que ele próprio.

Ele é símbolo de uma procu-

ra, de um desassossego. Ou

melhor, é símbolo de quan-

tos vivem de maneira desas-

sossegada em atitude de

procura”.

Não é um livro de autoajuda,

mas de reflexão sobre o

Cristianismo como herme-

nêutica das luzes e sombras da vida, que tem na pa-

ciência sua grande regra.

Não sou de me apegar a certas ligações, mas foi co-

mo se o Senhor me dissesse: “Desce da árvore do

orgulho”.

Sorri para a atendente do caixa, já com o livro na

sacola e, como “humano” desassossegado retruquei:

coloque umas cadeiras para os “velhinhos”.

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*José de Castro, jor-

nalista, escritor, poeta.

Mestre em Tecnologia

da Educação. Autor de

livros infantis (A mar-

reca de Rebeca, O

mundo em minhas

mãos, Poemares, Poe-

trix, Dicionário Engra-

çado, A cozinha da

Maria Farinha, Poemas

brincantes). Contato:

josedecas-

[email protected]

A educação brasileira,

em termos de política

educacional, está na

contramão de muitos

dos conceitos apregoados pelo

saudoso mestre Paulo Freire, um

dos únicos brasileiros que consta

dentre os 100 estrangeiros estu-

dados em universidades norte-

americanas. E que, infelizmente,

no Brasil é pouco valorizado.

Ele é autor, dentre outros, dos

livros "Pedagogia do Oprimido" e

"Educação como prática da Liber-

dade". Paulo

Freire sem-

pre nutriu

um grande

respeito pelo

saber do ou-

tro e sempre

defendeu o

diálogo en-

tre o saber

do mestre e

o do apren-

diz. O respeito pela cultura do ou-

tro. O respeito pelo povo como

produtor da genuína cultura.

No nosso país, ainda hoje

há um grande desrespeito com os

profissionais educadores. São tra-

tados como profissionais de quin-

ta categoria. São desrespeitados

em seu saber e em sua dignida-

de. Paulo Freire sempre disse

que os educadores também preci-

sam ser educados. E quem educa

o educador?

E eu acrescento as perguntas:

quem respeita o educador? Quem

o valoriza?

No Brasil, o seu saber ainda

é desprezado e remunerado de

maneira vil. Há também pouco

estímulo para que esses profissi-

onais da educação básica conti-

nuem sempre estudando e apri-

morando seus conhecimentos.

Não há incentivo para que eles

façam pós-graduação, por exem-

plo, pois isso pouco lhes acres-

centará nos rendimentos.

Todo

esse descaso

com os edu-

cadores refle-

te na escola,

nos alunos e,

claro, na qua-

lidade da

educação

praticada.

Mas a

remuneração é apenas um dos

lados da questão, pois há tam-

bém uma grande falta de profissi-

onalismo nas atividades de ges-

tão escolar. Hoje, o instituto da

eleição direta existente nas esco-

las não vem assegurando a efici-

ência e os resultados que se es-

perava, pois incorre nos mesmos

vícios do processo eleitoral brasi-

leiro, com o seu extremo cliente-

lismo e outros desvios perversos.

De outro lado, as escolas

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carecem de bibliotecas. Quando as têm, são

meros depósitos de velhos livros didáticos ou

de refugos editoriais. Não existe atualização de

acervos e tampouco bibliotecários em quantida-

de para as atividades técnicas inerentes e, mui-

to menos, profissionais agentes de leitura ou

mediadores, como hoje são denominados. Ge-

ralmente, o professor que vai para a biblioteca

é aquele que não tem mais condições de dar

aula por algum problema de saúde. Então é de-

signado para ser o cuidador dos livros. Ou se-

ja, o nosso país carece de uma política para

essa área, seja para os profissionais, para os

livros, para a leitura ou para as bibliotecas.

Se bem que no governo que está hoje

provisoriamente

afastado do po-

der houve um

pontapé inicial

com a elabora-

ção de um

"Plano Nacional

do Livro e da

Leitura - PNLL"

e a exigência de

planos corres-

pondentes nos

âmbitos estadu-

al e municipal de todo o país. Mas isso ainda é

coisa recente e, com o governo interino, não se

sabe os rumos que essa política irá tomar. A

verdade é que, apesar de tudo, ainda somos

um país de não-leitores.

Assim, penso que três passos iniciais poderiam

ser dados para se tentar avançar um pouco na

área educacional.

Em primeiro lugar, cuidar do salário dos

profissionais educadores. Melhorar a sua remu-

neração de maneira que eles não tenham mais

que ser taxistas que correm de uma escola pa-

ra outra,entre duas ou três, para auferirem me-

lhores ganhos.

Uma proposta razoável seria a de se bus-

car uma aproximação do salário dos professo-

res da educação básica com aquele que é pra-

ticado com seus colegas do ensino superior.

Ou seja, buscar um pouco de isonomia salarial

faria bem para os professores. Este seria um

primeiro passo. Pois entendo que uma das con-

dições primordiais para a melhoria da qualidade

do ensino passa, sim, pelo bolso do professor.

Uma remuneração digna lhe assegura

melhores condições de vida, mais tranquilidade

e melhores recursos para o exercício da sua

profissão. Por exemplo, terá dinheiro para com-

prar livros, para investir em equipamentos de

informática, para ter o seu carro, o seu trans-

porte próprio e

morar, se vestir

e se alimentar

melhor. Poderá

cuidar melhor

de sua saúde,

do seu lazer e

dar melhores

condições de

vida à sua famí-

lia. Observe-se

que não se trata

de privilégios,

mas, sim, de direitos essenciais de qualquer

cidadão.

Chega de dizer que magistério é sacerdó-

cio, sacrifício, algo destinado a quem é idealis-

ta. Nunca ouvi dizerem isso com relação àque-

les que buscam os cursos de medicina, enge-

nharia ou direito, áreas que são muito cobiça-

das. O que, infelizmente, não acontece com os

cursos de pedagogia. Quem, em sã consciên-

cia, quer ser hoje um professor de educação

básica? Só aqueles que não tiverem possibili-

dade de outra escolha, que forem forçados a

isso devido a um processo seletivo excludente

e desigual, que dificulta o acesso do cidadão

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comum, do mais desfavorecido, aos melhores

cursos das universidades. Ou então os cursos

de pedagogia ficam reservados para aqueles

que forem muito idealistas ou vocacionados.

Mas não se deve tomar isso como regra, como

único princípio definidor da escolha. Vocação -

chamamento - e gostar do que se faz é reco-

mendável para todo ser humano. Mas nem

sempre isso garante com tranquilidade o pão de

cada dia.

Assim, não só os professores das univer-

sidades, mas também aqueles que alfabetizam,

que dão aulas para crianças, para adolescentes

e para jovens merecem ganhar bem. Afinal, é

bem mais árduo dar aula para crianças do que

para adultos, por razões óbvias.

Além do que esses profissionais precisam

estar bem ou melhor preparados que os do ter-

ceiro grau, pois praticam uma educação básica.

Ora, se processo educacional começar mal já

na base, depois ficará mais difícil e mais caro

para se consertar o desastre. É fundamental

que a educação básica seja de qualidade. Aliás,

ensino fundamental é um dos níveis da educa-

ção básica.

A remuneração digna, então, seria um pri-

meiro passo... Depois, viriam outros, como me-

lhoria da gestão. Este poderia ser o segundo

passo, o que significaria um esforço para a real

profissionalização da condução gerencial das

escolas, de forma que a sua missão educativa

seja realizada a contento. Isso significaria colo-

car como diretores de escolas profissionais de

carreira bem preparados para o exercício dessa

importante tarefa, concursados de preferência.

Não se trata de imitar, através da eleição direta,

um arremedo de democracia como temos no

viciado sistema político brasileiro, tão pródigo

em promessas na hora de obter o voto e tão

distantes de serem cumpridas após a obtenção

da vitória nas urnas. Infelizmente, o processo de

eleição direta nas escolas não vem asseguran-

do qualidade e nem eficiência ao sistema. O

que não pode ser imputado apenas ao proces-

so, muitas vezes, enviesado de escolhas. Exis-

tem outros aspectos que dificultam a vida de um

diretor. E isso não é culpa de o processo ser ou

não democrático, apenas. Mas, com certeza, o

despreparo para o exercício da função tem sido

um dos maiores entraves observados.

Um terceiro passo poderia ser dado na

direção de se valorizar o livro e a leitura, através

da instalação e da manutenção de bibliotecas

vivas. Nestas, deverão existir profissionais

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bibliotecários e mediadores de Leitura bem

preparados e remunerados à altura. Os acervos

devem existir em quantidade e qualidade, sem-

pre atualizados, de forma a construir o gosto e

o prazer pela leitura. Além do que as bibliote-

cas precisam ser consideradas também como

espaços privilegiados de aprendizagem.

É claro que existem outros passos impor-

tantes a serem dados para se conferir mais

qualidade e propriedade à educação brasileira.

Os três aqui apontados, melhoria de salário,

aperfeiçoamento da gestão e incentivo à leitura,

seriam apenas um começo de todo um proces-

so mais amplo. Isso implicaria na busca de ou-

tras medidas ou estratégias que poderiam ser

implementadas, passos mais ousados, como,

por exemplo, a adoção do sistema de escola de

tempo integral. Mas isso já seria objeto de um

outro artigo.

Um país que tem como patrono da educa-

ção um intelectual como Paulo Freire, merecia

cuidar melhor dessa área. Afinal, a educação

não é um mero investimento, não é algo a ser

contabilizado apenas como investimento em

capital humano, como estratégia mercantilista.

Educação é algo mais sério, mais profun-

do. É um mecanismo ou uma ferramenta per-

manente de formação de seres pensantes, críti-

cos, que sabem fazer a leitura de si mesmos,

de sua identidade, de sua cultura, ou seja, pes-

soas capazes de fazerem a leitura do mundo

em que vivem. E que tenham a capacidade de

compreender os mecanismos de funcionamento

da sociedade em sua inteireza e amplitude polí-

tica, econômica, cultural e filosófica. E que este-

jam sempre dispostos a aprender tanto quanto

ensinar, o que significa um processo dialético:

ensinar é também um ato de aprendizagem, de

troca de saberes entre indivíduos que se respei-

tam.

Além do mais é importante que se com-

preenda em profundidade o que significam as

palavras da poeta Cecília Meireles num dos

poemas do seu livro "Cânticos" quando diz:

"hoje desaprendo o que tinha aprendido até on-

tem e que amanhã recomeçarei a aprender".

E, finalmente, é preciso levar a sério os

ensinamentos apregoados por Paulo Freire, nos

quais ele afirmava ao mundo inteiro a sua con-

vicção de que a verdadeira educação deve ser

vista sempre como uma prática do homem em

direção à sua liberdade.

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* Weidde Andrino -

Estudante univer-

sitário de História.

Bilíngue. Poeta e

escritor.

“Ler livros nos faz

descobrir a leitura

do maior livro de

todos, o livro de

nosso próprio ser.”

www.aliteraturado

eu.blogspot.com.br

E ra uma vez um se-

nhor que não cuidou

do seu glaucoma

preventivamente.

Os médicos falaram para sua filha

que começaria a perder a visão

paulatinamente em três meses.

Quando soube disso, o senhor

ainda aproveitou seu tempo em

contagem regressiva, para aprovei-

tar o verde das plantas e o azul do

céu. Não ver nunca mais, era uma

tristeza. Contudo...aprendeu a

aproveitar a vida bem melhor...e

não se importava. Comprou um cão

labrador guia...Que seria seu me-

lhor amigo até o fim da vida.

No fim da vida percebeu, que

ficamos cegos para ela a vida toda.

E quando perdemos a visão de ver-

dade...é quando acordamos para a

vida.

Mas já era tarde...porém, não.

Deus lhe deu a oportunidade de vi-

ver bem mais intensamente...No

fim...cego de amor pela...vida.

“Apenas damos valor para algo,

quando perdemos esse algo. ”

Ditado popular.

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N ós somos energia. Isto é

fato concreto, provado e

confirmado por estudio-

sos em todo o mundo. O que não

atentamos, pelo menos não o sufi-

ciente, é que somos projetores da

nossa energia, daquilo que cria-

mos dentro de nós.

Projetamos sonhos para

realizarmos, projetamos as alegri-

as e dores que sentimos dentro de

nós, enfim, todo sentimento, toda

reação criada por nós, é energia

que transpõe o nosso ser físico e

passa a fazer par-

te da nossa pró-

pria vida.

Sempre

tem alguém que

diz, antes mesmo

de tentar, que

aquilo “não vai dar

certo”. E não vai mesmo! Com es-

sa projeção de fracasso, de pessi-

mismo, vai dar errado, com certe-

za!

Outras pessoas projetam a

negatividade sobre o outro: no dia

em que eu vejo fulano (a), nada

dá certo! E não dá mesmo, porque

nós já dirigimos nossa energia

nesse sentido, já ensinamos a ela

a dar errado quando diante de

certas circunstâncias.

Assim não seremos capa-

zes de agir, de realizar as coisas

boas que a vida planejou para

nós. Porque bloqueamos o que

vem de bom, bloqueamos, com a

nossa energia “menos bonita”, os

arco-íris que a vida nos dá.

O que precisamos fazer é

sermos fortes. Diante de tantas

possibilidades de sermos criado-

res de ondas de energias, o que

nos resta é a força, a força de co-

mandar nossos pensamentos, nós

mesmos e nossos destinos.

O que precisamos fazer é

escolher entre o que é negativo, o

que nos faz mal e nos destrói e

aquilo que é po-

sitivo, que nos

empurra para

frente, que nos

ajuda a ser mais

felizes.

A vida é feita de

escolhas, e é

responsabilidade de cada um ar-

car com as suas próprias. Então,

que de hoje em diante tomemos

as rédeas dos nossos pensamen-

tos para que possamos nos cercar

do que é bom, do que é salutar,

pois, se agirmos com medo, se

agirmos com negatividade, tudo o

que atrairemos serão consequên-

cias destes sentimentos.

Seremos reféns do nosso

próprio cérebro, criadores da nos-

sa própria realidade. Cabe a cada

um escolher qual será, como virá.

Já dizem os espíritas: o

plantio é livre, mas a colheita é

obrigatória.

* Ana Luiza Rabelo -

Escritora e advogada.

OAB/RN 8823

Fone: (84) 99981-2161

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* Francisco Ramos Ne-

ves

Dr. em Filosofia - Pro-

fessor de Filosofia –

UERN

[email protected]

A globalização neoliberal tem dificuldades intrans-poníveis para esconder a sua verdadeira face de

velho imperialismo. O capitalismo não pode ser visto como o cami-nho necessário de uma evolução histórica que leva a um mundo melhor gestado por uma socieda-de justa e humanamente viável. O movimento comunista, sob orien-tação marxista, ao pensar assim forneceu bases para a aceitação de uma política historicista con-servadora, o que transmutou o ideal revolucionário em apatia so-cialdemocrata. Walter Benjamin em 1940 em suas “Teses sobre a fi-losofia da história” afirmava que nada fora mais corruptor para o movimento operário do que esta crença de que a humanidade caminhava natu-ralmente em um progresso a um fim prometeico e salvador. Com es-sa visão teleológi-ca, a esquerda socialdemocrata fez acreditar, a partir do resgate da leitura de “O Capital” de Karl Marx, que o capitalismo é um mal necessário, algo inevitável, que deveria ser aceito como momento do desenvolvimento econômico, para ser suplantado e destruído para construção de uma nova so-ciedade, obedecendo as etapas lógicas de suas ideias. De acordo com esta concepção “etapista” o imperialismo seria a fase superior do capitalismo, como diagnostica-va Lênin, líder bolchevique em seus escritos. Esta orientação mecanicista, como último suspiro do historicismo iluminista defen-

dia que esta condição econômica seria o elemento revolucionário que anunciaria a mudança socie-dade. Marx foi superado a partir, também, desta fundamentação da teoria revolucionária. A sociedade capitalista se transmutou e não chegou ao seu fim, mesmo com a estonteante contradição existente entre avanço das forças produti-vas e as relações sociais de pro-dução. Vivemos com formas hiper avançadas de forças produtivas que incrementam a produção tec-nológica de mercadorias na velo-cidade digital da informática, mas convivemos com relações sociais

de produção pré-modernas, quase medievais, basea-das em infindáveis bolsões de miséria e exclusões de toda ordem. Mes-mo assim, o ca-pitalismo não se desconstruiu. Ele disfarçou seu im-perialismo com a imagem neoliberal denominando-a de globalização. A

revolução social possível não po-de partir desta lógica instrumen-tal. Precisamos repensar e redis-cutir o papel do Estado e sua im-portância para uma nova socieda-de. O Estado não pode ser mais visto pela visão marxista, como mero instrumento de poder e do-minação das massas pelas elites. O poder se redesenha como bio-poder e se efetiva em uma rela-ção, como nos ensina Michel Foucault, e que atualmente extra-pola a esfera do Estado e se exerce na relação biopolítica en-tre grupos. O racismo de Estado é substituído por um racismo in-tergrupos.

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O fundamental no momento é perceber que a globalização sob controle neoliberal não é o inevitável, muito menos a etapa necessária da evolução social moderna, poderíamos estar em outro estágio. A globalização neoliberal atua com características modernas, mas de acordo com a mesma estratégia do imperialis-mo, submetendo e destruindo a soberania dos estados-nações e subjugando-os ao seu núcleo mercantil de poder. Veja o exemplo da Grécia, que seguiu todas as receitas do sistema finan-ceiro internacional neoliberal e se anexou ao bloco econômico europeu, como exigência glo-balizante. Agora quando não mais pode alimen-tar a fome de lucro do grande capital financeiro se encontra ameaçada por uma política eugêni-ca contra sua população que será expurgada da comunidade do euro, como forma de aper-feiçoar o corpo neoliberal das populações euro-peias, extirpando a sua parte “doentia”. É esta a nova fase da biopolíti-ca tão estudada por Foucault em suas obras, mas só que ago-ra assume uma nova etapa. Hannah Arendt na sua obra “Origem do Totalitarismo” nos alerta que inclusive certos ci-entistas usaram a ciên-cia para legitimar e jus-tificar a ideologia racis-ta, fazendo desta a principal arma da política imperialista. A tese do darwinismo social se aplica bem ao analisar-mos o caso da Grécia. A lógica eugênica dos grupos fortes da Comunidade Europeia (autoproclamados de ‘raça pura’) implementam ações de ameaças e políticas de exclusão das nações (entendidas em Foucault e Arendt co-mo raças) consideradas raças impuras e fra-cas. O que o imperialismo da globalização neo-liberal tenta insanamente e desumanamente demonstrar é que a sobrevivência dos mais ap-tos da tese evolucionista de Darwin pode ser aplicada na “seleção natural” de raças puras. Seleção natural entre aspas para designar uma ideia de natureza politizada, conscientemente e instrumentalmente empregada, pois é uma se-leção ideologicamente articulada por uma eco-no-bio-política de exclusão para o definhamen-to da parte do corpo social e político (bloco econômico), apontada como doentia, para evi-tar o declínio do corpo total considerado puro.

Segundo Arendt a bestialidade sempre esteve presente na eugenia e nega os princípios de igualdade e solidariedade que servem de base para construção das organizações nacionais de povos em sua união com outros povos, garan-tindo a ideia de humanidade.

A Grécia já foi a bola da vez do biopoder do neoliberalismo imperialista está fazendo de tudo para sua própria extirpação, ao tentar se disciplinar e se regrar de acordo com os dita-mes do mercado financeiro neoliberal. Além do desemprego amplamente crescente os aposen-tados tiveram suas pensões reduzidas em cer-ca de 30%. O salário mínimo dos trabalhadores sofreu reduções drásticas e as políticas públi-cas para a educação e saúde estão se arras-tando com apenas 40% dos recursos anteriores à crise. A fome que impera, a mortalidade que cresce, o que inclui altos índices de suicídio, atestam a nova lógica da biopolítica neoliberal,

que é a lógica do fazer morrer e do não deixar viver, obrigando-nos a resgatar Foucault e repensar os seus con-ceitos para além do próprio Foucault. Nes-ta gestão da vida pela política, não é mais o Estado que exerce o poder soberano de matar como visto an-tes nas sociedades

punitivas. As punições e o poder sobre a vida das pessoas eliminando-a são articulados e combinados com técnicas disciplinares de re-gulação por meio de diversos dispositivos de controle. O antigo direito de morte sobre a vida do indivíduo é exercido sobre a população não diretamente, mas por artifícios de sufocamento e esmagamento financeiro. O Estado na era do capital financeiro regido pelo neoliberalismo im-perialista perde o seu papel soberano para a força centralizadora, manipuladora e vigilante de fortes grupos financeiros transnacionais. O que ontem ocorreu com outros países margina-lizados e em crise como a Grécia, hoje ocorre com o Brasil pós-golpe de 2016. Atualmente o Brasil está sendo mais uma vítima da vez. Te-mática a ser tratada em outro artigo, onde dis-cutiremos como a população brasileira está sendo a mais sofrida e silenciosa vítima deste biopoder em sua lógica eugênico-financeira im-perialista sob a égide do Capital Financeiro.

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

ALEX NASCIMENTO

( SONETO DO LIVRO “ALMA MINHA GENTIL”, 1992)

O amor é uma cura sem doença,

É um landau vermelho sem pneu,

É uma face oculta em camafeu,

É um rezar de tanto não ter crença.

É nunca perceber a diferença,

É ser cristão contra um leão orfeu,

É não cair diante da sentença,

É não lembrar de quem nunca esqueceu.

É tanger os limites da conduta,

É confundir plateia e direção,

É coquetel de vinho com cicuta,

É ser original e imitação.

Patogênico amor que bem disputa

Pau a pau com o enfarte o coração.

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

QUATRO POEMAS DE SOCORRO TRINDAD

QUAL É A TUA, MARIA ANA?

Até quando, Maria

continuarás em cima do muro,

assistindo a tudo

como mera expectadora?

(...............................................)

PRA VOCÊ, COM AMOR.

Duas coisas tocam minha carne

de mulher: o vestido e você.

AMANTE

Gosto de ser a outra

mas com outros....

FEMININO

A boceta também é uma flor

MARIA MARIA GOMES

BICICLETA DE DOMINGO

Alguém pode dar uma volta

de bicicleta comigo?

Vou no bagageiro, prometo,

ao entardecer desse domingo.

PENSO…

(Sandemberg Oliveira)

A janela aberta,

A rua lá fora... fora de si...

Um homem caminha...

Sobe a ladeira, fora de si.

Seu rumo incerto,

Pela rua lá fora...

Perdendo seu tempo,

Pensando na hora,

Fora de si... na rua lá fora.

Nos sobe e desce

Das ruas incertas...

Um homem caminha,

Mas não sabe chegar...

Não tem ponto fixo

Sequer moradia...

Sem ter alegria

O homem caminha

Mas como chegar?

Perdeu a visão e a audição...

Pois vendo o que quer

Como também ouvindo...

Perdeu o seu rumo...

E sem ter onde ir

O homem caminha

Na rua, lá fora e fora de si...

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

Raramente a história fala

dos que não tiveram sorte.

De Zé Pretinho ela narra

que foi condenado à morte.

Se nada se lhe atenua

o tempo sábio o redime:

não ficou o sobrenome,

também não ficou o crime.

Diz-se que olhou a cidade

entre inocente e escarninho,

antes de última vontade:

comer bolo e tomar vinho.

Quem era esse Zé Pretinho?

Homem simplório sem dolo,

ou não pedia, adivinho,

um copo de vinho e bolo.

Ou será que Zé Pretinho

bem sabia o que fazia?

Diverso pão, outro vinho –

blasfêmia ou eucaristia?

PAULO DE TARSO CORREIA DE MELO

UMA CANÇÃO PARA ZÉ PRETINHO

Zé pretinho foi o primeiro executado em Natal, na manhã de 23 de

maio de 1843. Não sabemos onde nasceu, como vivia, idade, antecedentes,

espécie de delito. A memória popular defende o acusado, na acepção de ino-

cência total.

Luís da Câmara Cascudo

História da Cidade do Natal

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense e Mundial

MARIZE CASTRO

VINHO

Se o queres seco

para molhar a garganta

eu o quero suave

para reinventar

essa chama

se o queres branco

para velar a virgem

eu o quero

vermelho

do porto

para aportar

as paixões

que me dividem

DOIS HAICAIS DE JARBAS MARTINS

Até logo, Che.

A Revolução na esquina

E a barba por fazer

-0-

raro escrevo.Vivo.

escrever é um verbo

intransitivo.

ADRIANO DE SOUSA

BIOGRAFIA

aos 20 anos

era um jovem poeta

promissor

aos 30 anos

era um jovem poeta

aos 40 já era

ÁRVORE

Um era negro

A outra é branca

Um é negro

Outra é branca

Outra é negra

Outro é branco

Um não tem cor

Eu sou negro

A outra é branca.

Anchieta Rolim, do livro Contagem Regressi-

va, Sarau das Letras, 2013.

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense e Mundial

CARMEN VASCONCELOS

CORUJAS

Belo é não ter pátria.

Morar em entrecascas, por aí…

Porém, se te recordo, terra remota,

É ao meu coração que retorno.

E não me é dado dilapidar distâncias.

A TEIA DA ARANHA

A aranha mora na teia

Construída com perfeição

Na teia segura o luar

Que vagueia

Ou prende o azul que desmaia

Do arco-íris passageiro.

Na teia dissolve o tempo

Resolve o alimento.

A aranha mora na teia

E nas entranhas da moradia

A aranha captura

A vida e a fantasia.

Anchella Monte, do livro A Trama da Ara-

nha, Sebo Vermelho, 2001.

NADA SERÁ EM VÃO

(Alfredo Neves)

O mundo respira bombas,

Os homens vomitam poder,

Os loucos se amarguram,

O mar rebelou-se no litoral

E furacões passam errantes.

Risos fartos se escasseiam,

Carruagens não passam,

Cães não ladram

E o sol castiga a carne.

Corpos não se veem,

Bocas se desencontram

E perdemos a fé na luta.

O rio , esse que corre

Sem se importar,

É o único que desemboca

E nos traz esperanças.

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

ANCHELLA MONTE

O POEMA

O verso é livre arbítrio

Escolha

Palpite.

Feliz ou infeliz

O verso já existe

Quase exato

Antes do trato.

O verso é promessa

Do poema:

Acerto ou

Equívoco.

O leitor é arbitro

Do poeta que se enreda

No poema.

LÍVIO OLIVEIRA

DE CRIANÇA

PULEI

E, APÓS O MURO,

VI QUE MEUS COMPANHEIROS…

EU JÁ NÃO OS PODIA ALCANÇAR.

O BARCO JANILSON SALES DE CARVALHO Sou um barco Na lama do rio Esperando a maré Meu tempo É o das águas Subindo e descendo O sol me seca A chuva me encharca Entre o quente e o frio Minha carcaça racha Em pequenas fissuras Ali as cracas se enfiam Em silenciosa invasão Acomodam-se no meu templo Seus pequenos movimentos Lembram-me que não estou morto Sou guarida As ostras grudam-se Na minha borda e no meu casco Aos poucos a lama me invade E deixo de oscilar com as ondas As águas circulam no meu ventre Sempre aberto Fissuras viraram brechas Onde peixes trafegam curiosos Enquanto a maré me encobre Depois que seca Caranguejos e siris Passeiam em meus restos Já misturados à lama e ao seu cheiro Não vou mais ao mar Ele vem a mim E conta em rugidos Segredos matutinos A lua me encontra no mesmo lugar Hoje sou uma estrela do lodaçal

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

NOS TEMPOS DE MENINICE

CLÉCIA SANTOS

Quando chegavam as férias

Nem mesmo amadurecia...

Nossas malas, já fazíamos

E rumávamos pro sertão de Caicó.

Ainda lembro de vovô, tios,

Tias, primos, primas, agregados...

Até curiosos, se achegavam.

Aquele cheirinho de terra batida

A bicharada, o ar quente e puro.

Tudo, tudo era prosa!!

Lembranças que não voltam...

Estão acesas apenas na memória.

Nos tempos de meninice

Lá em algum espaço de Caicó!

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

CANTOS NA MADRUGADA

WILDMA ALVES

Quero cantar a ti esta canção.

Teus coqueiros,

O teu céu e mar,

Fazem brilhar meu coração de mar sem igual.

As últimas palavras de um poeta

São o último suspiro de um sábio.

O sol desaparece,

Cai o anoitecer,

A lua brilha,

A estrela pisca,

E meus olhos fascinaram-se ao te olhar.

Eu queria ser uma borboleta, pousar no seu peito

Sentir teu coração...

Felicidade é igual a uma borboleta: quanto mais ela foge...

Uma dia você se distrai e ela pousa em teu ombro.

O verdadeiro amor é aquele que constrói pontes e derruba barreiras.

Dizem que na vida quem perde o telhado ganha as estrelas.

Sou como águia sempre vou voar bem alto...

Se você quer saber o quanto eu te amo, é simples.

Multiplique as estrelas do céu pelas gotas dos oceanos.

Porque nem uma coleção de estrelas teria tanto brilho quanto um sorriso teu.

Posso conhecer todos os sorrisos do mundo,

Mas apenas um tem a chave para o meu coração, teu.

Da mais bela flor nasceu nosso amor.

Meu coração tem dono.

Vem me esquecer nesse outono.

Deixar o sol entrar.

Pode abrir as janelas.

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

NORDESTINA

ah! mágoa antiga!

pois, ainda menina, minha infância via

copos cheios de cachaça

para nublar pratos vazios

ou para calar sempre tão velhos

outros desafios.

e enquanto vivo e vivi

renovam-se sempre dores mais e outras.

as palavras rotas, gastas, soltas

não secam a sede dos potes,

secas úvulas.

copos e gargantas,

e o homem, forte homem

espera ainda entre a fé e a crença,

pele espetada de ossos

que acreditem que a seca não se cura

com xaropes de emergência.

VICENTE VITORIANO, do livro OS VÉRTICES DO TRIÂNGU-

LO, entre 1974 e 1983.

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FLOR PARTIDA

Oreny Jr.

E as folhas secas entre as páginas de um livro dá voz geral aos sentidos imaginários,

imaginários sem sentidos, germinando em doses cavalares de sólidas decomposi-

ções amarelecidas em dióxidos de óxidos, óxidos, ferrosos assim.

Aflorando num dia qualquer da abertura vértice em uma página ajardinada pela mol-

dagem cozinhada de uma marca qualquer, florescências.

E o poeta cordial oferece a flor geral, não uma flor qualquer, uma flor que perdura

por cinquenta e três anos no cálice inebriado de um mar em vórtice.

Por quanto tempo uma flor espera por um olhar qualquer, mas não um olhar qual-

quer, o olhar de Leda, quando a depositou sob os olhos pastoreantes tocando a flau-

ta que a perderia na floresta das pétalas de quatro folhas.

Flores que acalantam, poemas, dádivas, divas empalhadas em porcelanatos, rijas de

dóceis doces sorrisos pelos jardineiros afoitos.

Frutos em caules sob sombras dão o doce sabor para o melhor chocolate, servidos

em dias frios com o olhar que enxerga a bifurca certeza do imprevisto encontro que

marcamos sóbrios.

Folhas não tão simples assim, rebelde, perde-se do ramalhete, por não ser uma flor

tão simples assim, mas seria o marcador que lembraria a página seguinte ou o me-

lhor texto, onde sublinhamos o melhor poema, o perfume da memória da nossa ado-

lescência.

Em noturnas colheitas despeço-me das solidões pelos tempos que tenho passado na

espera do anjo avoante que me replantasse na aridez do seu sertão.

Aos anjos, estrelas, às folhas, flores...

Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

A imprecisão das coisas

é fato decisivo

na cartografia indecisa

do cotidiano

O que pulveriza a rotina?

Por trás do silêncio

Um amálgama de conflitos

O que se esconde?

O que se retrata?

O que escapa?

A tática do silêncio que julga

mais a que fala

O efeito do sentido quando o silêncio fala

Hordas em maledicências

vão tecendo a matéria vil

de um silêncio sem motivo

eis a dança das najas cotidianas

que soltam a peçonha do silêncio

também a tagarelice, esse signo vulgar,

não reúne as cores vivas

da surpresa

Vale o impreciso do silêncio

como um preceito búdico

que diz o branco do branco

e o escuro em que somem

os matizes

para reverberar tudo

na mistura da festa dos sentidos

JOÃO BATISTA DE MORAIS NETO, do livro O VENENO DO SILÊNCIO, 2010.

A PRECISÃO DAS COISAS

João Batista

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O NAVEGANTE

Em meio a viagens errantes,

Ancorando em diversos portos de obscuros mares,

O solitário navio vivenciava as mais assombrosas experiências:

Sombra e luz,

Agonia e êxtase,

Gravidade e leveza;

Doença e saúde,

Exílio e refúgio,

Inferno e paraíso.

Nele não existia rota definida,

Capitão nem marinheiros que o orientasse.

Ele era a sua própria bússola,

Seu próprio leme,

Seu próprio deus.

Após vários verões escaldantes,

O solitário resolveu se apartar de mais um porto.

Nele vivenciou experiências sublimes

E sentiu demasiados prazeres arrebatadores

Que o preencheu e o fez transbordar

Igualmente as músicas do magnânimo Mozart.

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Norte-Rio-Grandense

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Limites invisíveis Grandes Momentos da Poesia

Norte-Rio-Grandense

A âncora foi sendo içada lentamente.

Entre o navio e o porto abriu-se um espaço

Para que outro navegante pudesse ali se atracar.

Os céus se escureceram.

Tambores rufaram das densas nuvens

E raios caíram sobre o mar;

Às águas se eletrizaram e o vento soprou intensamente.

A cada relâmpago que iluminava o momento de ruptura,

O espaço entre o solitário e o belo porto aumentava.

A tempestade que há muito tempo não caía sobre aquele mar,

Fez com que o vento acelerasse a partida do solitário navio.

Da proa ele viu o magnífico porto diminuir.

Em seu coração de lata,

Ficaram as ideias que ali foram criadas

E a imagem das furiosas ondas batendo contra um obtuso recife

Que para trás ficou.

E assim se foi o solitário,

Navegando em meio ao mar tempestuoso;

Carregando em seu convés as experiências vivenciadas...

Tiago Xavier - Mestrando em Filosofia pela UFRN.

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O PROFESSOR COMO INTELECTUAL ORGÂNICO: UMA REFLEXÃO SOBRE A RE-

ALIDADE DA DOCÊNCIA BRASILEIRA

Francisco Marcos Alves1

Dr. Francisco Ramos Neves2

RESUMO: Na perspectiva da formação docente, Antônio Gramsci, em sua obra, caracteriza to-

dos os homens como intelectuais, já que todo trabalho manual ou instrumental envolve uma téc-

nica, uma atividade intelectual criadora, dividindo-os em intelectuais tradicionais e orgânicos. Os

primeiros se caracterizam por seu apoio incondicional a classe dirigente de uma determinada so-

ciedade; já os orgânicos são os que surgem no seio de todo agrupamento próprio da esfera produ-

tiva que criam uma "consciência da própria função, não apenas no campo produtivo, mas tam-

bém no social e no político. Sob esse enfoque, o presente artigo tem como objetivo discorrer acer-

ca da necessidade de atuação dos professores como intelectuais orgânicos frente à proletarização

da profissão, refletindo sobre a realidade da atividade docente no país. Trata-se de um trabalho

bibliográfico, metodologicamente fundamentado no materialismo histórico dialético, particular-

mente nas formulações de Antônio Gramsci.

Palavras-chave: Formação docente. Proletarização docente. Intelectuais orgânicos.

ABSTRACT: In the perspective of teacher education, Antônio Gramsci, in his work, characteriz-

es all men as intellectuals, since all manual or instrumental work involves a technique, a creative

intellectual activity, dividing them into traditional and organic intellectuals. The former are char-

acterized by their unconditional support to the ruling class of a given society; the organic ones

are those that arise within any grouping proper to the productive sphere that create an

"awareness of the function itself, not only in the productive field, but also in the social and the

political. about the need of teachers as organic intellectuals in the face of the proletarianization of

the profession, reflecting on the reality of the teaching activity in the country, a bibliographical

work, methodologically grounded in dialectical historical materialism, particularly in the formu-

lations of Antônio Gramsci.

Keywords: Teacher training. Teacher proletarianization. Organic intellectuals.

1 INTRODUÇÃO

OBRA DO ARTISTA PLÁSTICO FRANZ KLINE