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Sumário - Cortez Editora · Aí estaria a semente da mudança de uma vida contemplativa, para a vida voltada àquilo que os sentidos ... mente, com a pretensão da busca da verdade

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Sumário

APRESENTAÇÃO I ...................................................................................... 11

Bernardete A. Gatti

APRESENTAÇÃO II ..................................................................................... 15

Renata Udler Cromberg

PARTE I

Novos paradigmas, novos olhares para a realidade

Introdução ......................................................................................... 22

1. As transformações no mundo do conhecimento: influências na vida social ................................................................................... 41

DO ANTIGO AO NOVO PARADIGMA ..................................................... 48

A OUSADIA DE EINSTEIN MUDA O PARADIGMA ................................... 52

2. O que muda com os novos paradigmas e os reflexos na educação ........................................................................................... 57

3. Da organização à auto-organização na complexidade sistêmica ........................................................................................... 77

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PARTE II

Novos olhares para a complexidade da educação

Introdução ......................................................................................... 86

I. VOCACIONAL: CRISÁLIDA DE UMA ESCOLA DESEJANTE ................. 91

1. Escola sintonizada com a complexidade da vida ..................... 95

2. Uma pedagogia transformadora/autogenerativa ..................... 99

3. Os novos paradigmas na composição do currículo .................. 115

Organização: esta é a palavra ......................................................... 144

4. Escolha do método: estudo de problemas fundamentais ........ 168

5. Novas técnicas pedagógicas ......................................................... 200

O trabalho em grupo na formação da noção de liberdade ............. 223

6. Aprender a estudar inaugura nova cultura de aprendizagem .. 227

7. As relações pessoais na pedagogia autogenerativa .................. 247

8. Outras relações, mais inovação — a formação em serviço...... 263

9. Integração escola-família ............................................................... 272

10. Avaliação para o autoconhecimento, expansão e emancipação do ser ..................................................................... 275

II. MEMÓRIA NÃO É O PASSADO ............................................................ 307

III. A TÍTULO DE FECHAMENTO: ABERTURA PARA NOVAS PERSPECTIVAS ................................................................................... 335

ESCOLA: ESPAÇO‑AFETIVO ................................................................. 344

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 353

SOBRE OS AUTORES ................................................................................. 359

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As transformações no mundo do conhecimento: influências na vida social

É perfeitamente concebível que a era moderna — que teve um início com um surto tão promissor e tão sem preceden-tes de atividade humana — venha a terminar na passivi-dade mais mortal e estéril que a história jamais conheceu.

Hannah Arendt

SÉCULO XX. A humanidade ingressa em um mundo de transfor-mações, de movimento e de metamorfoses, nunca visto antes. De uma Era de Certeza a cultura adentra a Era de Incerteza, seguida de muitas turbulências. O que nos faz lembrar o filme Soberba, de Orson Welles, que trata da passagem do século XIX, um tempo histórico lento, para o século XX caracterizado por grande aceleração do tempo. Nesse filme queremos ressaltar uma cena em que uma jovem vai tomar um ônibus. Ela está no segundo andar de sua casa, quando o ônibus pas-sa à sua porta. Da janela ela acena para o motorista. Este para e fica no aguardo dela. No percurso do seu quarto até o ônibus, ela pega seu chapéu, desce a escada vagarosamente, caminha pela sala, abre a

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porta principal da casa, entra no ônibus, olha sorridente para o moto-rista e passageiros que a recebem com cordialidade. Hoje os aconte‑cimentos em nossa cultura ocorrem de forma muito diferente.

O que explica essa mudança?

Voltemos um pouco na história

SÉCULO XVII. Com René Descartes surge a ciência clássica, po-rém o seu modelo começava a se esboçar no século XVI com as descobertas do físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano Galileu Galilei, provenientes do campo da Astronomia. Muitas foram suas descobertas nessa área, mas foi com a célebre frase de que o Universo é um livro aberto e que era necessário descobrir as leis que o regem, que fez dele um precursor do modelo científico racio-nal. Com seu aperfeiçoamento do telescópio ele introduz a metodo-logia da experimentação a partir do estudo dos fenômenos obser-váveis e quantificáveis. Aí estaria a semente da mudança de uma vida contemplativa, para a vida voltada àquilo que os sentidos podiam perceber e comprovar.

Outras contribuições importantes para essa criação viriam do cientista inglês Francis Bacon, criador do método indutivo de inves-tigação científica, conhecido como empirismo, e do físico inglês Isaac Newton, descobridor da lei da gravidade. Entretanto, ao filósofo francês René Descartes caberia o papel fundamental de arquitetar a construção do modelo cartesiano/newtoniano, a partir da visão ra-cional do que poderia ser uma ciência completa da natureza. Essa ciência prometia a unificação do saber, com a crença na certeza do conhecimento, pois somente pela certeza do Conhecimento Científico seria possível distinguir a verdade do erro — premissa essencial de seu modelo.

Ao conceituar o cogito ergo sum — se penso logo existo, ele estabe-lece o fundamento do seu método de investigação — a dúvida de

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tudo, exceto do pensamento — e revoluciona o pensamento da época. O pensamento, concebido como essência humana — a mente pura e atenta, intuição e dedução — é o caminho para o conhecimento certo e verdadeiro. O seu método analítico consiste então em decompor/reduzir pensamentos e problemas em suas partes e dispô-las em ordem lógica indutivo-dedutiva, e recompô-las de acordo com leis de cau-sa-efeito. O seu método, portanto, consiste em conduzir corretamen-te a razão na busca da verdade — dada a crença numa ordem exter-na e de que a dúvida de tudo que não levasse a essa ordem deveria ser investigada.

Para construir seu método científico Descartes tomou por base a divisão entre corpo e mente. Ao apoiar-se nessa separação corpo/mente, com a pretensão da busca da verdade absoluta ele estabelece os pilares do modelo científico: razão, objetividade e neutralidade, reducionismo e separabilidade radical entre sujeito e objeto. O pres-suposto era de que a verdade já estava contida na natureza, criada completa por Deus. Caberia ao homem apenas desvendá-la pela in-vestigação metodológica.

Ao fazer essa divisão entre esses dois domínios, os quais foram considerados como separados e independentes, a emoção passou a ser considerada separada da razão, pois que vista como perturbado-ra do pensamento. Aliás, toda emoção/subjetividade acaba sendo deixada de lado nesse modelo científico, como se não existisse.

A ideia de razão absoluta apoiada nos princípios da Física newtoniana cria um novo universo de pensamento — o conhecimen-to filosófico em articulação com pensamento científico (leis da física), vindo a constituir o modelo da Ciência Clássica, ainda muito arrai-gado na cultura ocidental, pois a fixação do pensamento baseado na separabilidade e na linearidade se impõe até hoje. No entanto, seus fundamentos estão sendo corroídos pelas novas descobertas nos campos da física e da biologia. Porém antes de falarmos dessa corro-são, vejamos alguns dos desdobramentos desse modelo no decorrer dos séculos.

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Deus sai de cena e a razão triunfa

No início do século XIX, Laplace1 leva às últimas consequências as ideias fundadoras do modelo cartesiano/newtoniano, começando por retirar Deus como hipótese fundamental para explicá-lo como organizador do funcionamento do Universo — crença presente tam-bém em Newton. Em seu lugar faz uso da pura matematização da Ciência a partir do conceito de previsibilidade exata dos eventos, mediante o conhecimento das leis da física, tidas como eternas, etapa esta que concluiria a mudança de uma visão orgânica medieval para uma visão totalmente mecânica do Universo. Foi assim que o Ilumi‑nismo trouxe o homem para o centro do Universo, antes ocupado por Deus.

A partir de então a ciência, no mundo ocidental, assumiria um caráter eminentemente materialista. Forte foi sua influência no Ilu-minismo — movimento europeu intelectual, a se opor à tradição e à religião, do século XVIII, cuja crença no poder da razão, para solução dos problemas sociais, teve na Revolução Francesa sua ex-pressão maior no plano político. Desse movimento surge a demo-cracia e o liberalismo moderno, como também dele decorre a revo-lução industrial.

No século XIX muitos avanços tecnológicos ocorrem motivados por essa revolução que leva ao surgimento da descrição dos sistemas termodinâmicos associada à noção de sistema e estado do sistema, indicado pelas relações entre suas diversas variáveis componentes. As mudanças que ocorrem no sistema podem ser devidas à troca de trabalho e/ou calor com o meio exterior, o que responde pelo seu estado de equilíbrio. Não havendo essa troca com o meio, o sistema é considerado isolado.

É quase uma lenda nos dias atuais a ideia de um sistema isolado, pois isso nos remete à noção de moto-contínuo que consistia em

1. Ver no livro Pulsões, 1995, p. 50 sobre a concepção de real conforme Kant.

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pensar/produzir um aparelho em que não houvesse necessidade de ocorrer troca de combustíveis. Nesse sentido ele seria autossuficiente. Essa seria, em suma, a concepção da 1ª Lei da Termodinâmica. Assim nasce a ideia de sistema fechado, em 1825, ou lei da conservação da energia. Ela estabelece a constância da energia total do sistema. Essa lei oferece ao universo uma garantia de autossuficiência e de eterni-dade para todos os seus movimentos, na medida em que reconhece na energia uma unidade indestrutível. Essa lei é responsável pela manutenção da ordem no universo. É a preservação da perfeita re-gularidade — nada jamais se perde. Nessa ocasião as ideias determi-nistas chegavam a seu ápice. No sistema fechado, estático, portanto, qualquer alteração depende unicamente do estado inicial e do estado final do movimento.

Mas outro desdobramento mudaria esse rumo. A segunda lei da Termodinâmica, 1865, constata que não há somente perda, mas também degradação ou dissipação da energia, sugerindo que vivemos num universo desordenado, que caminha para a desintegração total — um grau máximo de entropia. Porém essa visão é própria dos sistemas fechados, mecânicos, como uma máquina. Um novo para-doxo da entropia e da evolução muda essa concepção. Rudolf Clau-sius cria a medida do grau de evolução de um sistema, estabelecen-do que o sistema troca energia com o meio externo. Chega-se assim à noção de sistema aberto — aquele que estabelece constante intera-ção com o meio ambiente, e evolui espontaneamente numa nítida direção a níveis maiores de complexidade e diversidade. Essa é uma direção de mão dupla. Diferencia-se assim a noção de ordem/desor-dem para sistemas fechados e para sistemas abertos. Isto posto, por definição todo sistema que precisa manter-se em evolução/transfor-mação, necessita abrir-se e estabelecer trocas com o ambiente para atualizar-se e renovar-se. Flexibilidade passa a ser uma importante característica dos sistemas abertos, assim como estabilidade — dois opostos que mantêm o sistema em equilíbrio. Equilíbrio dinâmico, não estático. Isto é o que caracteriza os sistemas vivos. E a escola é um sistema vivo.

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A escola como Sistema — o ponto onde queríamos chegar

Ilustrativo lembrar que nos meados do século passado quem morava em cidade do interior, conhecia a escola que ficava na zona rural designada como “escola isolada”. Era isolada da cidade. Seria de fato um sistema isolado do meio em que se inseria? A escola que se fecha no modelo tradicional, sem levar em conta o meio onde se insere, pode ser tomada como exemplo de sistema fechado. Fecha-se em modelo único, com programação pré-estabelecida, sem considerar a clientela e o meio onde se instala. E para ilustrar a ideia de escola como sistema aberto, um exemplar bem ilustrativo é a experiência pedagógica dos ginásios vocacionais, a qual é o nosso objeto de con-sideração, e da qual falaremos na segunda parte deste livro.

No momento, para tornar mais palpável a ideia de sistema — isolado, fechado e aberto — tomamos o conceito de inteligência, nas concepções inatista, ambientalista e interacionista. Aproveitamos, assim, para ressaltar como o conceito de inteligência muda a partir da perspectiva com que se olha para ele, além de aproveitar para mostrar a influência da teoria de Jean Piaget na mudança radical deste conceito ao estudá-lo na perspectiva da biologia sistêmica — a estrutura cognitiva enquanto sistema aberto que se transforma a partir das interações que estabelece com o meio. Além de antecipar que a pedagogia do EV teve na teoria psicogenética de Jean Piaget, que começava a surgir no Brasil na década de 1950, um de seus fun-damentos a dar apoio ao seu propósito de desenvolvimento dos alunos e, consequentemente, a dar suporte a sua metodologia de ensino e a sua prática de avaliação da aprendizagem.

Na visão inatista a inteligência pode ser entendida como um sistema isolado, pois tendo com causa exclusiva a determinação ge-nética não sofre influência do meio ambiente, isto é, não há troca de energias com as possibilidades ambientais, portanto não sofre trans-formações no decorrer do processo de desenvolvimento humano. É fruto apenas de determinações biológicas. Pau que nasce torto, morre torto é a expressão que caracteriza esse modelo. Nele, a escola pouco

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ou nada tem a fazer para auxiliar o aluno em seu processo de melho-ria do seu quociente de inteligência — QI.

Na concepção ambientalista o meio ambiente passa a ser a cau-sa inicial e final da determinação da inteligência humana. O ser hu-mano ao nascer é uma tábula rasa, tudo nela decorre da modelação pelo meio. Apenas o meio exerce influência sobre o sujeito, pois não se estabelece trocas entre ambos. O sistema é fechado. Uma frase expressiva dessa concepção é: De pequenino que se torce o pepino. Esse foi o modelo de escola que predominou na primeira metade do século XX, por influência da psicologia behaviorista/comportamen-talista, responsável por um modelo tecnicista de educação. Nesse modelo o papel da escola é modelar o comportamento do aluno, fa-zendo uso de técnicas de condicionamento — reforço e punição. Ideia ainda muito vigente, porém constata-se que a escola não está conse-guindo mais modelar o comportamento dos alunos.

Enquanto na concepção inatista só se levava em conta o que o sujeito trazia como herança biológica, na ambientalista o pêndulo foi para outro extremo, radicalizando-se de outra forma — o determi-nante do desenvolvimento mental é externo, vem das influências do meio ambiente, fundamento da teoria do condicionamento.

Com Jean Piaget, um biólogo que se insere na visão sistêmica aberta ou interacionista, essas posições extremas, inatismo e ambien-talismo, são superadas ao estabelecer a síntese dialética que concebe a interação entre o fator genético e o ambiental. Em Piaget, a “inteli-gência é um termo genérico que designa as formas superiores de organização ou do equilíbrio das estruturas cognitivas”, assim “a inteligência é, essencialmente, um sistema de operações vivas e atuan-tes” (Piaget, 1967, p. 28). As estruturas cognitivas são vistas como sistemas abertos que se modificam e se retroalimentam a partir das interações/trocas que o sujeito, dotado de uma base biológica herda-da, estabelece com o seu meio — na visão de mão dupla: o sujeito ao agir sobre o meio, este age sobre o sujeito, afetando sua organização estrutural. Desse modo o meio rico ou pobre em estímulos sensoriais passa a ser considerado também fator do desenvolvimento da inteli-

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gência, na medida em que permite ao sujeito ações/operações que promovem transformações no conjunto das estruturas cognitivas, pelo processo de equilibração/reequilibração.

Nesse momento histórico, surgem ideias que revolucionam a compreensão da constituição humana como resultado de interações entre fatores de herança biológica e influências contextualizadas na cultura. Freud, em 1917, produz o conceito de séries complementares que leva em conta a vivência da ancestralidade, da vida infantil e da vida do adulto. Da combinação dessas três categorias seria possível a produção do sujeito. É dessa época também os estudos vygotskianos sobre o papel da cultura na construção do sujeito e de sua inteligên-cia, mas que só chega ao Brasil nos anos 1980.

Uma vez que deixamos caracterizada a noção de sistema aberto — noção importante para podermos tratar da escola como sistema social complexo, objetivo deste trabalho, é preciso agora explorar as descobertas científicas que começam a ocorrer no século XX e que conferem a ele o intenso movimento de transformação. O filósofo René Descartes trouxe grande contribuição ao pensamento do mundo ocidental e seus desdobramentos apresentam repercussões até hoje, porém ainda se pensa que as ideias, os conceitos, as práticas não mudam. Por que a crença de que não mudam? Esta é a grande ques-tão que precisa ser elucidada e refletida, pois estamos saindo de uma visão disciplinar do conhecimento para uma visão transdisciplinar.

DO ANTIGO AO NOVO PARADIGMA

Como assinalado acima, o modelo de ciência newtoniano/carte-siano, realista e materialista, foi decisivo para o surgimento do modo de conhecer o universo pela metáfora da MÁQUINA, com mecanismo semelhante ao relógio — universo relojoeiro — metáfora que veio a substituir a noção de UNIVERSO ORGÂNICO, vivo e espiritual da Idade Média. Ainda muito presente em nossa cultura, é a metáfora da má-quina o paradigma que orienta muitas pesquisas na área das ciências

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humanas, inclusive na área médica e na prática da educação escolar, ambas com a ênfase na visão disciplinar do conhecimento. No entanto, estão se tornando cada vez mais visíveis as enormes barreiras concei-tuais desse modelo, decorrentes de descobertas, sobretudo nos âmbitos da microfísica e da microbiologia, cujos reflexos se fazem sentir em todas as áreas do conhecimento humano e, consequentemente, na vida social, onde não mais se consegue controlar os paradoxos apenas por regras reducionistas, simplificadas e rígidas, mas pede uma forma complexa de abordagem. Pede um pensamento complexo.

Que descobertas são essas? Que mudanças elas provocam? Como essas mudanças vão afetar todo o universo escolar? É disso que o texto trata a seguir.

As novas descobertas na Física e na Biologia

No início dos anos 1900, a ciência clássica, que nascera com o propósito de desvendar as leis da natureza como verdades absolutas, deu-se com a descoberta de que as verdades absolutas não existem. Descobre-se que as verdades científicas são sempre descrições limi-tadas a dados recortes da realidade, portanto, concepções provisórias, pois toda solução de um problema, dado o impulso criativo da natu-reza, traz subjacente as sementes de novos problemas. O que vem acontecendo em períodos cada vez mais curtos, em decorrência da própria evolução científica e tecnológica, cuja velocidade, nas últimas décadas, vem se tornando cada vez mais acentuada. Como conse-quência, a ciência antes tida eterna, passa a ser datada, portanto histórica — está no curso do tempo.

Se o conhecimento verdadeiro e absoluto não existe, as verdades são desconstruídas/construídas, isto é, metabolizadas2, natural, social/

2. Referência ao conjunto dos fenômenos químicos e físico-químicos mediante os quais se faz a assimilação e a desassimilação das substâncias necessárias à vida, nos animais e vegetais. Trata-se de atividades metabólicas da célula relacionadas com a transformação de energia.

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cultural, subjetiva/afetivamente. Em outras palavras, assim como a ciência descobriu que o Universo, enquanto organismo — mundo físico, está continuamente em transformação (desconstrução/constru-ção) o mesmo acontece na biologia com o organismo humano — no processo de metabolização do alimento para construção das suas próprias moléculas. Ocorre aqui um processo de desdobramento. Ocorre também desdobramento para o universo social: assim deve ser pensado o conhecimento trabalhado na escola, como um processo de metabolização. O que o professor procura transmitir para o aluno, precisa ser desassimilado/desconstruído pelo sujeito que recebe, para poder transformá-lo e metamorfoseá-lo e fazê-lo próprio de si, ou seja, ser assimilado/construído.

A ideia de desconstrução/construção do conhecimento começa a tomar corpo nas primeiras décadas dos anos 1900 que, gradativa-mente, passam por contínuas revisões em conceitos-chave do mode-lo da física clássica, em decorrência de significativos paradoxos ob-servados no funcionamento da natureza, o que viria abalar os alicer-ces da Ciência Clássica, entre eles o de ignorar os paradoxos ou colocá-los para fora do seu alcance.

Um dos paradoxos mais significativos refere-se à natureza atô-mica e molecular das substâncias do macrocosmo — mundo da ma-téria, tridimensional e visível, incapaz de explicar o comportamento dos átomos nos microssistemas, ou mundo invisível. Em suma, inca-paz de explicar que no mundo da matéria, o macrocosmo compõe-se também da dimensão microcósmica — assim as partículas não são constituídas apenas de matéria, mas também de ondas de energia. O que isto significa no modo como entendemos o mundo em que vive-mos e a nós mesmos no dia a dia? Como diz Taggart, (2008, p. 15) o que os físicos vêm revelando com suas descobertas é que, em nossa

Geralmente, classificadas em dois tipos, as reações de síntese  e as  reações de degradação. Nas  reações de síntese,  moléculas mais simples são unidas formando outras moléculas de maior complexidade. Nas reações de degradação ocorre o contrário, as moléculas mais com-plexas são quebradas transformando-se em moléculas mais simples. http://www.brasilescola.com/biologia/metabolismo-celular.htm 16/06/2013

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essência, somos não só matéria, mas também uma carga de energia. Somos seres físicos, mas também energéticos. As nossas emoções atestam isso. Somos potências. Emanamos e atraímos/somos recep-tores de energia em nossas trocas com o meio ambiente: por formas--pensamento, por meio de palavras e por meio de gestos e ações. Em suma, essas descobertas vêm mostrar que nós seres humanos somos bem mais extraordinários do que um agrupamento de carne e osso.

É assim que começa a grande mudança: a descoberta dual do átomo. Outra descoberta ajudaria a avançar nesse sentido. Em 1900 experimentos do físico alemão Max Plank encontravam a explicação para a natureza das substâncias pensadas cartesianamente em fluxos contínuos. A sua descoberta revela que os fluxos de energia ocorrem de forma descontínua, ou seja em saltos — chamados saltos quânticos. Com partículas muito pequenas, obscuras, que fogem à percepção comum, componentes do mundo microscópio, com efeitos não per-ceptíveis em níveis macroscópicos, dava-se o início à formulação da Física Quântica — FQ.

O que isto tem a ver com a vida em sociedade e com a escola?

Vamos articular essa ideia com os campos da subjetividade e do social, pois nosso objetivo é fazer um desdobramento da teoria quân-tica na vida social, relacionando-a com a cultura. Assim como no plano da FQ se lida com energias, no campo das relações sociais lidamos com intensidades. Por intensidades entende‑se potências que são colocadas em movimento, portanto, falamos de impulso e de criação no cam‑po afetivo. Campo este ignorado pelo modelo clássico e que está sen-do resgatado pelas novas descobertas, e que precisam ser retomadas de forma adequada no relacionamento social, sobretudo na escola, ambiente de formação global do sujeito. O questionamento que se coloca é como utilizar esse potencial de impulso e criação na escola, e até mesmo dentro da sala de aula, sem perder de vista a comuni-dade? De que famílias se originam os alunos? São todas elas bem

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estruturadas? Cabe à escola perceber quem são essas famílias que fazem parte da comunidade, pois os filhos são frutos dela — a comu-nidade próxima — e, na atualidade, não podemos esquecer as comu-nidades virtuais que povoam o planeta.

A OUSADIA DE EINSTEIN MUDA O PARADIGMA

É sobretudo da visão ousada de Albert Einstein, em 1905, ao subverter a física de sua época — a Física Clássica — FC, com as tendências revolucionárias no pensamento científico sobre a Teoria da Relatividade e sobre a radiação eletromagnética, que se definem as características da teoria quântica, a teoria dos fenômenos atômicos. Com o efeito fotoelétrico, um novo paradoxo surge. A luz, que até então se apresentava como partícula, ou seja, na Mecânica de Newton era tratada apenas como matéria, passa a ser tratada também como onda, revelando um comportamento contraditório para o pensamen-to científico da época. Afinal, a luz é uma onda ou uma partícula?

Pela FQ a grande reviravolta: são as duas coisas, é a descoberta dual partícula/onda, que viria provocar outros efeitos no campo da FC e, consequentemente, no modelo cartesiano/newtoniano. Assim também somos nós — matéria/partícula e energia/onda. A equação matemática de Einstein E=mc2 comprova essa relação entre massa e energia, sendo massa uma forma de energia condensada.

Este postulado quebra a visão determinística do princípio abso-luto, na medida em que as determinações continuam a existir, mas agora como probabilidades, e não mais como certeza. Daí a necessi-dade de o conhecimento ser construído, pois ele traz em si o novo/emergente que estava excluído das teorias determinísticas. Assim, o futuro da localização de um objeto no espaço não pode mais ser de-terminado a partir de um estado inicial conhecido, isto é, ser mensu-rado, praticamente sem erro, com o aperfeiçoamento de aparelhos de medição. Se isto continua sendo possível no mundo macroscópico da FC, no mundo microscópico da FQ não tem mais essa validade. Isto

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significa que o conhecimento também caminha em saltos qualitativos, ou seja, a FQ não anula a FC, mas aumenta a sua abrangência, o seu espectro. Nesse sentido nos aproximamos do que queremos dizer sobre desdobramentos — a FC desdobra-se sobre a FQ.

Outras descobertas

Foi assim que, em 1927, Werner Heisenberg, ao provar que no mundo subatômico jamais se pode determinar com precisão a posição e a velocidade de uma partícula3, resolveu o problema da medição no mundo subatômico, enunciando o Princípio da Incerteza. Com ele formula o modelo probabilístico, a partir da noção de probabili-dade já apresentada por Ludwig Boltzman, no século XIX ao explicar o comportamento de sistemas complexos, cuja descrição passa a ocorrer em termos de leis estatísticas.

Esse princípio aponta para a ruptura com a noção de equilíbrio, enquanto repouso absoluto. Para entender isso retornamos a Piaget, pois ele não fala do equilíbrio das estruturas cognitivas como abso-luto — isto é, aprende-se uma noção, arquiva na memória e pronto, mas sim em equilíbrio dinâmico, em que uma ideia/esquema assi-milado na estrutura cognitiva vai permitir novas organizações que se abrem para novos desequilíbrios, ou seja, como aberturas/oportuni-dades para novas assimilações e acomodações.

Com a definição do Princípio de Incerteza fica evidenciada a impossibilidade de determinar com precisão o tempo gasto num evento subatômico — a posição de uma partícula no espaço e no tempo simultaneamente; surge a imprecisão acerca da medição de todos os elementos envolvidos no processo.

3. Existe um livro de Nelson Rodrigues intitulado Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo. A razão está no ciúme: se você ama e sente ciúme, não pode ser feliz, e se não sente ciúmes então não ama. Pensamento paradoxal.

ISBN 978-85-249-2352-4