32
revista dos estudantes da Faculdade de Direito do Recife n o 7, 2010

Summa 7

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Revista de poesia e prosa dos estudantes de Direito da UFPE

Citation preview

Page 1: Summa 7

revista dos estudantes da Faculdade de Direito do Recife

no 7, 2010

summa09.indd 1 15/5/2010 20:24:15

Page 2: Summa 7

conselho editorial

Alyson RodriguesCarlos Eduardo Resende (presidente)

Daniel LonghiErickson OliveiraFelipe Melo FrançaMarcello Borba

projeto gráfico e diagramação

Isabella Alves e Isadora Melo

revista dos estudantes da Faculdade de Direito do Recife

no 7, 2010

summa09.indd 2 15/5/2010 20:24:15

Page 3: Summa 7

O tOtalitarismO da demOcraciaA sociedade contemporânea, dita pós-moderna, engendra a complexificação do

corpo social, que, se por um lado nos leva a um exponencialmente crescente nível de especialização profissional, por outro nos faz irrotuláveis por essencialmente plurais. É o fenômeno do esvanecimento de classes – resultante, e.g., na superação da forma de organização do sindicalismo operário clássico –, decorrente do fato de ocuparmos diversos postos sociais simultaneamente.

Desde há muito personalidades eram citadas como, concomitantemente, juristas, médicos, filósofos, jornalista ou políticos, sem refletir o momento atual da sociedade pós-industrial. Afinal, nos gregos enxergamos a ligação da cosmogonia mitológica à atual teoria das figuras como objeto de estudo de concatenação linear. Nossa Casa, contudo, se outrora serviu de palco para a formatura de artistas, hoje o somos pela mesma razão – apontamos todos na mesma direção, mas no sentido oposto dantes, tal qual o big bang e o big crunch são as duas faces da mesma moeda. É o eterno movimento senoidal da história, cujo fim – dizem – só se vislumbra com a ascensão do comunismo.

Há, contudo, dois fenômenos de apresentação imprescindível para a leitura desta Revista, nos moldes da filtragem hermenêutica imposta pelo neoconstitucionalismo: (a) a intolerância do politicamente correto e (b) o totalitarismo da democracia.

A intolerância do politicamente correto pode ser entendida como reflexo do influxo contínuo de mensagens ou ações de movimentos aparentemente desinteressados individualmente na consecução de um resultado pretendido qualquer, supostamente imbuídos de um altruísmo e um desprendimento ímpares, cujo raciocínio pretensamente demonstrativo se mostra, ao final, erístico. Dados abundantes e de procedência ignorada, característicos da atual fase da sociedade da informação – que ainda não conseguiu realizar a árdua e necessária tarefa de indexação – fomentam a propagação das ideias que, a exemplo das correntes virtuais pela salvação de crianças pretensamente patrocinada pela AOL e ZDNET, repetidas indefinidamente, cristalizam-se como topoi de um raciocínio indutivo a serviço da geração posterior.

Last, but not least, temos o problema do totalitarismo democrático. Presente sobremaneira nos países latinoamericanos, cuja maioria viveu, até bem pouco tempo, sob o pálio de regimes políticos autoritários – regimes estes que se fazem presentes ainda hoje no continente, e de modo ostensivo –, é reflexo da posterior abertura democrática, cuja efetividade ainda carece de plenitude. Subterfúgio de uma nova modalidade de despotismo esclarecido, efetiva-se através de manobras como a usurpação de soberania ou o esbulho dos fatores reais de poder. Sua exteriorização se dá, em todos os aspectos da vida humana sujeitos à escolha intersubjetiva, na tendência a erradicar a meritocracia, cuja seleção subjetiva tacha de arbitrária e opressora por pura ignorância, e na a subjugar análises necessariamente tecnocráticas aos desígnios dos despreparados indivíduos plúrimos da sociedade pós-moderna.

Divirtam-se!

summa09.indd 3 15/5/2010 20:24:16

Page 4: Summa 7

summa09.indd 4 15/5/2010 20:24:16

Page 5: Summa 7

5

sumáriO08 CHUVA CAI CARLOS DIONÍSIO CAPRIXADO

09 POEMA PARA FLORBELA IGOR BELTRÃO

10 ALEIJADINHO IGOR BELTRÃO

11 O MEU SERTÃO SOFIA SAMPAIO

12 O CIRCO SIMONE DOS PASSOS

13 ENSAIO AFONSO HENRIQUE

14 UM POUCO PERDÃO SOFIA SAMPAIO

16 RETROCESSO ERIC SCHNAIDER

17 ENQUANTO PUDER ME VER NOS SEUS OLHOS MAÍRA YASMIN FELIX SILVA

18 TORTURA FELIPE MELO FRANÇA

19 2 DE AGOSTO PEDRO JÁCOME

20 DEGRAUS PARA A VOZ CLANDESTINA PLÍNIO PACHECO

22 CONFIE EM MIM SOFIA SAMPAIO

26 LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE POÉTICA SOBRE A LEI, AS MUITAS MARIAS E EVENTUAIS PEDRAS QUE APARECEM EM SEUS CAMINHOS ISABELA RUFINO DA SILVA

29 CLASSIFICADOS AFONSO HENRIQUE

30 O CETICISMO DO CIÚME ANA ELISABETE CUNHA DE OLIVEIRA

summa09.indd 5 15/5/2010 20:24:16

Page 6: Summa 7

summa09.indd 6 15/5/2010 20:24:16

Page 7: Summa 7

pOesiasumma09.indd 7 15/5/2010 20:24:16

Page 8: Summa 7

8

cHuVa caiChuva cai devagarinhopara não me machucarPorque eu estou sozinhoSem ter ninguém para amar

Eu sou um pássaro sem ninhoCom as asas quebradasSem poder voarSou aquele rapazQue estou sempreSozinho, na beira do rioVendo as águas rolar

Sou aquela estrela d’alvaQue está no céu, sempre a brilharMas eu brilho sozinho no meu lugar.Sou aquele vento forte que passa e leva tudoMas fico sempre no ar

Mas eu ando sozinho por estes caminhosNessas estradas sem fimÀ procura de alguém que queiraDar um amor só para mim,um Amor só para mim.

CARLOS DIONÍSIO CAPRIXADO

summa09.indd 8 15/5/2010 20:24:16

Page 9: Summa 7

9

pOema para FlOrBela

Irmã minha, que é a vida senãoUm cais imenso, um sol poente?Um eterno adeus inútil e vão,Um entardecer mudo e doente?

Nossas vidas, mares de despedida são.Rios de lágrimas, intensa corrente.Nossas almas contemplam a imensidãoDe um mar distante que apenas se sente

Mas não se tem. Nada se tem.Tudo se deixa no imenso cais.Nossos amores e sonhos, ali, estão.

Nossas almas, disto, sabem bem.E não dizem até logo e, sim, jamais;Abraçando de vez a solidão.

IGOR BELTRÃO

summa09.indd 9 15/5/2010 20:24:16

Page 10: Summa 7

10

aleijadinHOCrispado o cenho, turva a vistaAos golpes o cinzel guiava;E tudo quanto fazia o artistaDivinas e portentosas formas tomava.Todavia, a cada golpe desferidoSentia Antônio uma lancinante dorMartírio que a cada santo esculpidoSoava como o mais airoso louvor.Com o cinzel amarrado ao tocoQue outrora estaqueara sua mãoInsculpia mais um santo barrocoBuscando a forçosa expiação.Cada vez que premia o cinzelSentia à carne o ferro trespassarE sorvia penitentemente o felQue a doença o fizera amargar.Aos poucos leproso desfiguravaJulgando-se pária de DeusNa tortura de si mesmo buscavaO perdão pelos pecados seus.

IGOR BELTRÃO

summa09.indd 10 15/5/2010 20:24:16

Page 11: Summa 7

11

O meu sertãOO ventoO calorO brilho, a queimadura do brilhoO solO estalar das folhas queimadasO marromA terra, as amargas feridas da terraA sedeA falta de vida, viva.

O sonho: águaA chuva: sustoO medo do novoO querer temidoO querer desconhecidoAs feridas que pedem remendosA chuva que vem remendarO medo de afundarO medo da ajuda, estranha há tempo

A seca, que seca prefere ficarO costume mal acostumadoO conformar mais desconforme

O tempo de ser pó precisa de um sopro.A chuva precisa molhar, sem medo de afogar o chão.Eu preciso receber o que temo, o que não tenho, o que não dou,o que nunca me dão.

SOFIA SAMPAIO

summa09.indd 11 15/5/2010 20:24:16

Page 12: Summa 7

12

O circO(Aos meninos de rua, que fazem, literalmente, malabarismos para sobreviver)

Parem os carros!Vejam só que alegria:Bem à frente, a poesiaResolveu nos encantar!

Malabarismos,Ilusões de equilibristas,Que se fazem de otimistas,Sem poder se equilibrar.

Abram janelas!Olhem só que ousadia:Recorrer à utopiaPara a dor inebriar.

São acrobatas;São palhaços sem sorriso,Que na força do improviso,Vão tentando enfeitiçar.

São vãos artistasSem aplausos, companhia,Sem ninguém que dê valiaÀ arte de superar!

Ilusionistas, Enganando a própria fomeNuma dor que se consome No dever de apresentar.

Meros poetasQue dão rima à agonia,Ao cantar uma elegiaSem sequer desafinar.

São cantadoresQue emudecem na gargantaToda a dor de quem não cantaToda a dor de versejar.

(...)

Passou o circoE ninguém viu a magia,Que deu cor à fantasia,Para a rua se enfeitar.

Vejam de novo,Que o palhaço quando choraSempre manda a dor emboraPara o show recomeçar.

SIMONE DOS PASSOS

summa09.indd 12 15/5/2010 20:24:16

Page 13: Summa 7

13

ensaiOOlhares cruzados, tempo parado O cenário está preparado, mas nós não. O texto está decorado com o medo E a ansiedade por aquilo que não será dito.

E o silêncio se torna tão ensurdecedor, Que vai preenchendo cada espaço de nossas mentes. E o vazio se torna tão espaçoso, Que esmaga cada palavra contra os limites da razão.

Cada movimento já foi tão ensaiado Que deveriam estar acostumados a entrar em cena, Mas a hora da verdade é a que mais favorece mentiras

E o nada cai como bombas sobre nossas cabeças Fazendo soar dos nossos olhares reticências Que vão infinitamente além dos três pontos

AFONSO HENRIQUE

summa09.indd 13 15/5/2010 20:24:16

Page 14: Summa 7

14

um pOucO perdãODez anos, infância.Vinte anos, caminho.Quarenta anos, “se” – e se fosse diferente? Cinqüenta, sessenta, setenta anos... Um filho, uma felicidade sincera, uma tristeza permanente. Uma vida.

Viver é preciso. O tempo é uma necessidade, um pré-requisito do saber e falar não é apenas uma questão lingüística. -Vida, do Lat. vita; s.f., existência.A palavra é seca e crua se o conhecer não fizer parte de suas entranhas. É preciso estar gorda de conhecimento, cheia; é preciso viver para que Vida seja uma palavra-nuvem prestes a desabar. Escrever, então, é quebrar essa regra, é burlar a realidade e brincar com o tempo, logo ele que é tão intransigente. Escrever é doar sentidos desconhecidos para palavras vazias, é sair da física, do corpo, e assumir a maleabilidade, preenchendo vidas estranhas, futuros de anos e passados perdidos, em um só rabisco e alguns fonemas.E é por isso que escrever é tão difícil quanto perdoar, entender, que também não deixa de ser um difícil sair de si e compreender. Perdoar é esquecer-se um pouco, jogar-se em um canto e ficar em silêncio. Quando se perdoa trocam-se os papéis, entra-se para fora. Faz-se aurora miúda, recém nascida, que tudo vê depois que expulsa a noite e sua escuridão. O corpo fica, o pensar solidificado fica, o que vai até o outro retorna água, pronta para derreter o que ficou, ou não, caindo-se, assim, no perigo de ficar preso em uma nota só e tocá-la de ré com dó de si, preso no fá sem poder sair...

summa09.indd 14 15/5/2010 20:24:16

Page 15: Summa 7

15

Esse erro é derivado do pensar que existe referência, que existe protagonista, o eu.Não se entende o mundo diante do espelho. Mas o maior desafio, infelizmente, é querer voar. Achar que é realmente possível se libertar do “espelho, espelho meu”. São os mais sábios que se destroem nessa ilusão, os pequenos se contentam com os pés, se contentam em tolerar ou esquecer. São os insaciáveis que querem utopias. A utopia do perdoar. O sonho de entender as dores, de entender as estranhas partes que lhe foram doadas, de entender cada carta do baralho, cada outro que te montou. O querer inalcançável de não-ser é o erro.

Pessoalmente, me rendo ao desafio... meus pés me cansam, eu erro me sabendo errada, me maltrato e me calo, mas quero asas!

E vou assim, tentando entender o outro e perdoar a vida... e tentando me sentir mais entendida.

SOFIA SAMPAIO

summa09.indd 15 15/5/2010 20:24:16

Page 16: Summa 7

16

retrOcessOO poema nunca estará feitoenquanto não se findar o que sinto,o objeto transcende o sujeito,o sangue colore o vinho tinto.

Palavras se escrevemcom meio, início e final,mas mágoa é sinal:rios lentos não cedem.

Quisera encerrar a voz que me envolvecomo se mata um poema, golpe por golpe,mas a mágoa é eterna, cadência infinitae a dor é pulsante, precede a própria vida.

Não quero parecer, contudo,um toador do revés,quero, ao invés, parecer com tudo,abrir meus olhos,sonhar através.

Mas, desejo, terás de esperar.Quanto maior a esperança,mais a mágoa avança,insiste em não acabar.

E, pra calar sua voz,tenho um ponto final,e esqueço que o fimé apenas sinal.

ERIC SCHNAIDER NERY DA ROCHA

summa09.indd 16 15/5/2010 20:24:17

Page 17: Summa 7

17

enquantO puder me Ver nOs seus OlHOs

És pra mim refúgioÉs pra mim moradaPra mim és calmariaMesmo que agitesA quem sem ti não é nada

Olho nos teus olhosNão pra passar-te sinceridadeOlho nos teus olhosPois me ver ali passa-me felicidade

E torna-te refúgio novamenteE afagas os momentos de abstinênciaQuando teus olhos mostram a imagemDe quem sem ti é dependência.

Mas se teus olhos por um momento fecharemEspero não vê-lo acordarCom outra imagem que possa ter dos seus olhosTirado minha imagem pra sempre de lá.

Se estar contigo for rotinaRotina será o que desejoMas se tu não estásNão há rotina, há desesperoE se não te vejo, não me vejo...

MAÍRA YASMIN FELIX SILVA

summa09.indd 17 15/5/2010 20:24:17

Page 18: Summa 7

18

tOrtura- Vou velar-te em teu velório, verterei-te verbos vãos[tudo falso e ilusório, tudo sonso e bem cristão.Velarei os teus segredos, vestirei-te em terno giz[bem calado e sorrateiro, roubarei-te triz por triz

A primeira - tua esposa, bela moça e boa mãe[em seguida tua herança, tua casa e os teus cães.Todo o mundo será pouco quando eu me passar por ti[sentirás em cada osso todo o mal que te infringi.

Mas não morras, meu amigo. aguardes o grand’ final.[sei que sofres o desgosto mas não me negues o vital.Vou trazer-te um deleite para veres quão sou bom.[qual tua veia mais inteira? Cá ... teu último frissom!

FELIPE MELO FRANÇA

summa09.indd 18 15/5/2010 20:24:17

Page 19: Summa 7

19

2 de agOstOTenho o sentimento dos meninos imberbes e das mocinhas de corpo miúdo.Sou como os mares, cantados muito antes das naus e bússolas.No alvor que desperta os desgraçados, nos amantes separados, estou.É minha, a súplica por liberdade no olhar dos animais acorrentados.Existe outro tanto meu nos encontros sob a lua alva e na gênese de astronautas e matemáticos.

O poente nesses tempos miseráveisO amor magoado ensurdecendo as promessas de amor infinitoA fraqueza repartindo a culpa Todo o remorso remoídoO cansaço desses elogios desaguando em elegias ao entardecer

Quilômetros de estrada me percorrem as veiasUma cidade de lágrimas encerra meu coraçãoJunto poemas sobre esperançaFeitos à sombra e à solidão

PEDRO JÁCOME

summa09.indd 19 15/5/2010 20:24:17

Page 20: Summa 7

20

degraus para a VOz clandestina

i

Subocalando a noite que escorre da bocaentre horas que adormecem como máscaras de papelVou trilhando gestos abandonadosrepousando em corações ancoradosna claridade das miragensSubo desertando verdadesna fronteira do enganofazendo-me estradapara meus sapatose assim desvendo meu nome:teatro em que finge o silêncio ser o som no qual me tranqueiSubomas o sol no horizonte é o auto-retratoem que minha sombra vai se esconder.

summa09.indd 20 15/5/2010 20:24:17

Page 21: Summa 7

21

ii

Em procissões de silêncios,o lábio peregrino segue palavras cegas.Vai desconhecido,montando o amor como um adorno da solidão,arando vésperas e enigmasnos roteiros familiares.

iii

Falas como quem fecha janelas do exílio,trancando os olhos em espelhos estrangeiros:palavras que nada confessam,que são apenas desequilíbrios do silêncio.

iV

Palavras de areiasoprando desertosderramaram em minha sombrao esconderijo do sole quando anoiteceuo sol saiu do meu ventrelevando com minha sombrao caminho adormecido em meus pés.

PLÍNIO PACHECO C. DE OLIVEIRA

summa09.indd 21 15/5/2010 20:24:17

Page 22: Summa 7

22

cOnFie em mim“Confie em mim, eu sou sua amiga” Confiei, confio, confiamos... segui o rumo apontado pela guia, seguimos. Cada poço, cada pedra, foi tudo premeditado. O melhor sempre nos foi dado. Nada, nada nunca deu errado.

“Confie em mim, eu quero seu bem”Fui cuidada, fomos. Remediada, fomos. Tudo o que pensava, errada ou certa, não importava, ela estava lá, sempre. Certa.

“Confie em mim, não tema”Me confortei, me conformei, me conformava. Tem coisa melhor do que se sentir cuidada?Tem despreocupação maior do que se sentir amparada?Me perdi em ilusão confortável.

“Confie em mim, me ouça”Ouvi tanto que me fiz de ouvida.Meu medo agora é pular para fora. Ou silenciar o zum zum zum que sempre ouvi. Zum zum zum...

summa09.indd 22 15/5/2010 20:24:17

Page 23: Summa 7

23

“Confie em mim, me siga”O difícil agora é seguir no contra.No grande desconforto do contra de não saber o que vem lá.No grande desconforto do contra desacostumado. Lembrando que para o outro lado seria bem mais fácil.

“Confie em mim”Confio, confiarei...Só peço, depois de tanto confiar, que me deixe ser completa. Me deixe errar. Depois de tanta confiança, um pedido, uma insegurança:Confie em mim, eu já me sou confiável.

SOFIA SAMPAIO

summa09.indd 23 15/5/2010 20:24:17

Page 24: Summa 7

summa09.indd 24 15/5/2010 20:24:17

Page 25: Summa 7

prOsasumma09.indd 25 15/5/2010 20:24:17

Page 26: Summa 7

26

lei maria da penHa: uma análise pOÉtica sOBre a lei, as muitas marias e eVentuais pedras que aparecem em seus caminHOs

Maria: há mais de dois mil anos ela foi a escolhida para ser a mãe do Salvador. Mulher temente a Deus, mulher frágil, mulher agraciada, a bendita entre todas as mulheres.

Maria: nas entrelinhas da História, da História que corre incessantemente como riacho avassalador entre margens pedregosas, figuraram muitas Marias. Seja Maria Madalena, do Novo Testamento, seja Maria Bonita dos enredos do Cangaço. Seja Maria Antonieta, da França revolucionária, ou D.Maria I, a Louca, da nossa História Brasileira.

Maria: no curso das gerações humanas uma Maria gera outra Maria. A mãe Maria das Dores gera uma Maria Aparecida aqui, que gera uma Maria José ali, que gera uma Maria da Conceição acolá. Nos tempos últimos, ganharam espaço combinações nominais mais modernas e versáteis, como Maria Eduarda, Maria Clara, Maria Luiza. É assim: um sem número de Marias pelas estradas da vida.

A Maria de Milton Nascimento — ah, esta é realmente digna de canção! —, revela-se mulher forte e sensível, alegre e sofrida, temida e amada. Na Maria de Milton encontra-se

“Uma mulher que merece Viver e amar Como outra qualquer Do planeta”.

Na verdade, Maria é a personificação do gênero mulher.É a representação aguda e intensa do feminino.É a mulher em toda sua inteireza.

summa09.indd 26 15/5/2010 20:24:17

Page 27: Summa 7

27

Penha: rochedo, penedo, penhasco, rocha. Esta é a definição clássica que o saudoso Aurélio nos traz. A penha é rocha, rochedo... Penha é pedra. A pedra é sólida,maciça,resistente,compacta. Carrega consigo uma rijeza implacável. Pedra nos lembra a dureza, a rigidez. E uma lei pode ser dura como pedra? Pode. Melhor dizendo, deve.— ou deveria! — “Dura lex,sed lex”, a lei é dura, mas é a lei, não é assim?

Maria, pedra ou penha, Lei. Eis a Lei Maria da Penha. E por que fazer poesia, ou prosa, de Lei julgada por muitos impertinente, discriminatória, dura, inconstitucional, incoerente?

A violência que as muitas Marias, ou, leia-se, as muitas mulheres, sofre é privada, discreta, calada, cruel, vil.O coração de uma mulher não tem feições de pedra: é macio e sedento de atitudes amorosas, respeitosas, cordiais vindas de um varão.Porém, parece que, súbito, o homem que deveria exalar cuidado, delicadeza, polidez e cortesia transforma-se em um monstro, em um ser perverso, em um desconhecido. Drummond já acenava, “...no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho!”. Como pedras indesejáveis nos caminhos de um sem número de mulheres, muitos homens surgiram. E com um coração petrificado, ensinaram a elas a dor estonteante das agressões físicas, psicológicas, morais, sexuais. E muitas delas ficavam na doce ilusão de que um dia moldariam o caráter do seu amado agressor. Mas a pedra é dura, é rocha, é difícil demais de se moldar “com as próprais mãos.”O que dirá mudar um coração revestido desta rígida propriedade.

Maria, penha, e seus correlatos neste texto, mulher, pedra, se compreendem quando se define da mais acertada forma qual o exato valor de uma dama: o valor de um pedra preciosa. Pode ser diamante, rubi, esmeralda, jaspe... fica a critério dos olhos masculinos.

Embora vozes contrárias defendam que a Lei Maria da Penha não procede, ela ao menos pode ser capaz de “mostrar o caminho das pedras” para muitas mulheres, e, por que não, o início de um

summa09.indd 27 15/5/2010 20:24:17

Page 28: Summa 7

28

caminho de punição para muitos homens. Não é lei perfeita, sem falhas...e nem poderia. É produto do trabalho e intelecto humano. O legislador é humano. A perfeição só cabe a Deus.

Enfim, o Direito é a pedra angular capaz de sufocar situações que exponham a mulher à violência doméstica e familiar. Quem não espera que o Direito assuma o seu papel de tutelar os direitos humanos, e neste caso singular e restrito, o direito das mulheres expostas a tão repugnante situação, peço que, por favor, atire a primeira pedra.

ISABELA RUFINO DA SILVA

summa09.indd 28 15/5/2010 20:24:17

Page 29: Summa 7

29

classiFicadOsProcuro acompanhante chata, senso de humor zero. Não

deve ser bonita, nem feia. Não deve saber dançar ou cantar. É fundamental que não possua muitos conhecimentos literários, não conheça muitos filmes e esteja alienada dos fatos cotidianos. É imprescindível que não possua uma boa condição financeira. Não deve, também, ser fã de esportes ou de espetáculos culturais. De preferência, que não seja de falar muito, mas que também não seja quieta. Não deve ter olhos azuis, verdes, castanhos, cor-de-mel, cinzas ou pretos. Não pode ser alta, mas também não pode ser baixinha. Nem madura, nem inexperiente. Nem nova, nem velha. Mulheres passivas e de atitude também não interessam.

Enfim, tem tanta gente interessante no mundo, tanta gente que dança, canta, atua, corre, pula, joga, rouba, ganha, pinta, fala, ouve, aconselha, estuda, encanta, beija, chupa, dá e trepa, que eu fiquei indiferente a elas. Hoje está tão difícil de encontrar alguém que não seja interessante que o que realmente me interessa é o que não tem graça alguma.

AFONSO HENRIQUE

summa09.indd 29 15/5/2010 20:24:17

Page 30: Summa 7

30

O ceticismO dO ciúme

- Conseguiu a graça de vê-lo? - Pois que graça há em enxergá-lo ao longe? Faz sombra em meu corpo, mas sem marcar-me a pele... E sequer posso as pálpebras repousar pois some, Dizendo nada aos meus olhos que suplicam: Revele-se! - Que cegueira de alma pode o rude ter? - A mesma que o tolo amando. - Todavia, se o áspero pode a maciez envolver, Você, amante, não sucumbe e continua olhando. Fure seus olhos e o amor padecerá então! - Fure meus olhos e amarei com meus ouvidos... - Ore pela surdez que o silêncio não será em vão! - Amarei então com meus lábios, por um beijo comovidos. - Lacre sua boca e não fale sandices! - Que me importa a insanidade se cego, surdo e mudo me fez em teste? - Está embriagando-me com as mesmices!

summa09.indd 30 15/5/2010 20:24:17

Page 31: Summa 7

31

- Que posso fazer se o amor tornou-se minha veste? - Se cego, surdo e mudo insiste em amá-lo, Usa o que ainda lhe deixei: suas pernas E foge deste surto para esquecer seu sangue ralo! - Não há fraqueza em minhas veias se minha mente é terna... - Eis a “menternura” – usa-a com sua única defesa... - Engana-se, meu amigo, não tenho do que me defender: Rezo para ter essa batalha perdido em prol da beleza. E o amor que sinto finalmente fazê-lo a mim se render... Pois serei a derrotada mais vitoriosa E tu, inimigo do encanto, furioso me verás ao longe Cegada, ensurdecida e calada por você assim. - Reconheço... Contudo, amada e não mais perto de mim...

ANA ELISABETE CUNHA DE OLIVEIRA

summa09.indd 31 15/5/2010 20:24:18

Page 32: Summa 7

Esta revista foi composta pela família Conduit ITC nos textos e Trajan Pro nos títulos. O papel usado na capa foi o Couché fosco 230g/m² e papel Offset 150g/m² no miolo. A impressão e acabamento foram feitos em maio de 2010 na Bureau de Imagens LTDA., Recife.

summa09.indd 32 15/5/2010 20:24:18