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Superior Tribunal de Justiça RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.197 - PR (2007/0112500-5) RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RECORRIDO : ESTADO DO PARANÁ PROCURADOR : CESAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(S) RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CURITIBA PROCURADOR : ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S) INTERES. : KEIGI YANAGA ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO VALE E OUTRO(S) EMENTA PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. 1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. 2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana. 3. Sobre o tema não dissente o Egrégio Supremo Tribunal Federal, consoante se colhe da recente decisão, proferida em sede de Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 175/CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 17.3.2010, cujos fundamentos se revelam perfeitamente aplicáveis ao caso sub examine , conforme noticiado no Informativo 579 do STF, 15 a 19 de março de 2010, in verbis: "Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 1 O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela Turma do Tribunal Regional Federal da Região. Na espécie, o TRF da Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza Documento: 857608 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 24/08/2010 Página 1 de 36

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.197 - PR (2007/0112500-5)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUXRECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RECORRIDO : ESTADO DO PARANÁ PROCURADOR : CESAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(S)RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CURITIBA PROCURADOR : ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)INTERES. : KEIGI YANAGA ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO VALE E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.3. Sobre o tema não dissente o Egrégio Supremo Tribunal Federal, consoante se colhe da recente decisão, proferida em sede de Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 175/CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 17.3.2010, cujos fundamentos se revelam perfeitamente aplicáveis ao caso sub examine , conforme noticiado no Informativo 579 do STF, 15 a 19 de março de 2010, in verbis:

"Fornecimento de Medicamentos e ResponsabilidadeSolidária dos Entes em Matéria de Saúde - 1

O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza

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que fornecessem a jovem portadora da patologia denominada Niemann-Pick tipo C certo medicamento que possibilitaria aumento de sobrevida e melhora da qualidade de vida, mas o qual a família da jovem não possuiria condições para custear. Alegava a agravante que a decisão objeto do pedido de suspensão violaria o princípio da separação de poderes e as normas e os regulamentos do Sistema Único de Saúde - SUS, bem como desconsideraria a função exclusiva da Administração em definir políticas públicas, caracterizando-se, nestes casos, a indevida interferência do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas. Sustentava, ainda, sua ilegitimidade passiva e ofensa ao sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão normativa. Argumentava que só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e que a determinação de desembolso de considerável quantia para aquisição de medicamento de alto custo pela União implicaria grave lesão às finanças e à saúde públicas.

Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 2

Entendeu-se que a agravante não teria trazido novos elementos capazes de determinar a reforma da decisão agravada. Asseverou-se que a agravante teria repisado a alegação genérica de violação ao princípio da separação dos poderes, o que já afastado pela decisão impugnada ao fundamento de ser possível, em casos como o presente, o Poder Judiciário vir a garantir o direito à saúde, por meio do fornecimento de medicamento ou de tratamento imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida da paciente. No ponto, registrou-se que a decisão impugnada teria informado a existência de provas suficientes quanto ao estado de saúde da paciente e a necessidade do medicamento indicado. Relativamente à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, reportou-se à decisão proferida na ADPF 45 MC/DF (DJU de 29.4.2004), acerca da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de injustificável inércia estatal ou de abusividade governamental. No que se refere à assertiva de que a decisão objeto desta suspensão invadiria competência administrativa da União e provocaria desordem em sua esfera, ao impor-lhe deveres que seriam do Estado e do Município, considerou-se que a decisão agravada teria deixado claro existirem casos na jurisprudência da Corte que afirmariam a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de saúde (RE 195192/RS, DJU de 31.3.2000 e RE 255627/RS, DJU de 23.2.2000). Salientou-se, ainda, que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade solidária, deveria ser construído um modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos. No ponto, observou-se que também será possível apreciar o tema da

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responsabilidade solidária no RE 566471/RN (DJE de 7.12.2007), que teve reconhecida a repercussão geral e no qual se discute a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. Ademais, registrou-se estar em trâmite na Corte a Proposta de Súmula Vinculante 4, que propõe tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da Federação no atendimento das ações de saúde. Ressaltou-se que, apesar da responsabilidade dos entes da Federação em matéria de direito à saúde suscitar questões delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao determinar a responsabilidade da União no fornecimento do tratamento pretendido, estaria seguindo as normas constitucionais que fixaram a competência comum (CF, art. 23, II), a Lei federal 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência do Supremo. Concluiu-se, assim, que a determinação para que a União pagasse as despesas do tratamento não configuraria grave lesão à ordem pública. Asseverou-se que a correção, ou não, desse posicionamento, não seria passível de ampla cognição nos estritos limites do juízo de contracautela.

Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 3

De igual modo, reputou-se que as alegações concernentes à ilegitimidade passiva da União, à violação de repartição de competências, à necessidade de figurar como réu na ação principal somente o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e à desconsideração da lei do SUS não seriam passíveis de ampla delibação no juízo do pedido de suspensão, por constituírem o mérito da ação, a ser debatido de forma exaustiva no exame do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que ensejara a tutela antecipada. Aduziu, ademais, que, ante a natureza excepcional do pedido de contracautela, a sua eventual concessão no presente momento teria caráter nitidamente satisfativo, com efeitos deletérios à subsistência e ao regular desenvolvimento da saúde da paciente, a ensejar a ocorrência de possível dano inverso, tendo o pedido formulado, neste ponto, nítida natureza de recurso, o que contrário ao entendimento fixado pela Corte no sentido de ser inviável o pedido de suspensão como sucedâneo recursal. Afastaram-se, da mesma forma, os argumentos de grave lesão à economia e à saúde públicas, haja vista que a decisão agravada teria consignado, de forma expressa, que o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não seria suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder público. Por fim, julgou-se improcedente a alegação de temor de que esta decisão constituiria precedente negativo ao poder público, com a possibilidade de resultar no denominado efeito multiplicador, em razão de a análise de decisões dessa natureza dever ser feita caso a caso, tendo em conta todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida."(STA 175

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AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.3.2010. 4. Last but not least, a alegação de que o impetrante não demonstrou a negativa de fornecimento do medicamento por parte da autoridade, reputada coatora, bem como o desrespeito ao prévio procedimento administrativo, de observância geral, não obsta o deferimento do pedido de fornecimento dos medicamentos pretendidos, por isso que o sopesamento dos valores em jogo impede que normas burocráticas sejam erigidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte de cidadão hipossuficiente.5. Sob esse enfoque manifestou-se o Ministério Público Federal:"(...)Não se mostra razoável que a ausência de pedido administrativo, supostamente necessário à dispensação do medicamento em tela, impeça o fornecimento da droga prescrita. A morosidade do trâmite burocrático não pode sobrepor-se ao direito à vida do impetrante, cujo risco de perecimento levou à concessão da medida liminar às fls.79 (...)" fl. 3126. In casu, a recusa de fornecimento do medicamento pleiteado pelo impetrante, ora Recorrente, em razão de o mesmo ser portador de vírus com genótipo 3a, quando a Portaria nº 863/2002 do Ministério da Saúde, a qual institui Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, exigir que o medicamento seja fornecido apenas para portadores de vírus hepatite C do genótipo 1, revela-se desarrazoada, mercê de contrariar relatório médico acostado às fl. 27.7. Ademais, o fato de o relatório e a receita médica terem emanado de médico não credenciado pelo SUS não os invalida para fins de obtenção do medicamento prescrito na rede pública, máxime porque a enfermidade do impetrante foi identificada em outros laudos e exames médicos acostados aos autos (fls.26/33), dentre eles, o exame "pesquisa qualitativa para vírus da Hepatite C (HCV)" realizado pelo Laboratório Central do Estado, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Paraná, o qual obteve o resultado "positivo para detecção do RNA do Vírus do HCV" (fl. 26).8. Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, a Turma, por maioria, vencido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves (voto-vista) e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.Documento: 857608 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 24/08/2010 Página 4 de 36

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Brasília (DF), 04 de maio de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIZ FUX Relator

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.197 - PR (2007/0112500-5)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator): Trata-se de Recurso

Ordinário em Mandado de Segurança interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO

DO PARANÁ (fls. 256/262), com fulcro no art. 105, III, "b" da Constituição Federal, contra

acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado:

"MANDADO DE SEGURANÇA - PEDIDO DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS - LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO - OCORRÊNCIA - PACIENTE QUE NÃO ATENDE OS REQUISITOS PREVISTOS NO PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - IMPOSSIBILIDADE DE FORNECIMENTO DA MEDICAÇÃO - SEGURANÇA DENEGADA - DECISÃO POR MAIORIA.

- A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela saúde pública, podendo ser postulado junto a qualquer um deles o fornecimento gratuito de medicamentos.

- O ente público não pode ser compelido a fornecer medicamentos para o paciente que não preenche os requisitos previstos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, o qual estabelece, com base em estudos científicos, os critérios de inclusão específicos para cada enfermidade." (fl. 229)

Segundo noticiam os autos, keigi Yanaga impetrou impetrou Mandado de

Segurança, com pedido de liminar, em face do Secretário de Estado da Saúde do Estado do

Paraná e do Secretário de Saúde do Município de Curitiba , argumentando, em síntese, que

(a) necessita de medicamentos "Interferon Peguilado Alfa-2a ou Alfa-2b e Ribavirina", para o

tratamento da doença Hepatite Crônica, do Tipo C, de que é portador; (b) não formulou

pedido administrativo, para recebimento dos referidos medicamentos, em razão da sistemática

negativa, por parte dos impetrados, quanto ao fornecimento dos referidos medicamentos a

outros pacientes infectados pelo vírus com genótipo 3, como é o caso do impetrante; (c) não

possuir condições financeiras para fazer face aos custos do tratamento da doença Hepatite Documento: 857608 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 24/08/2010 Página 6 de 36

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Crônica, do Tipo C, da qual é portador, possuindo direito líquido e certo de recebê-lo

gratuitamente do Estado. A impetrante, ao final, requereu: (a) a concessão dos benefícios da

assistência judiciária gratuita; (b) o deferimento de medida liminar, inaudita altera parte ,

para assegurar-lhe o fornecimento dos medicamentos descritos na inicial, pelo tempo

determinado por seu médico, "garantindo-se, ainda, o fornecimento do produto do mesmo

fabricante durante toda a duração do tratamento" (fl. 19); e (c) a concessão definitiva da

segurança, confirmando-se a liminar deferida initio litis.

O Desembargador Nério Spessato Ferreira, no exercício da 1ª Vice-Presidência

deste Tribunal de Justiça, deferiu os benefícios da assistência judiciária gratuita ao impetrante

(fl. 36), indeferindo o pedido de liminar, por não estarem presentes os requisitos necessários

para sua concessão (fl. 45).

A impetrante, Keigi Yanaga, inconformada com o indeferimento da liminar,

interpôs agravo regimental, o qual foi provido, por maioria de votos, nos termos da seguinte

ementa:

"AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. Fornecimento de medicamentos. Direito líquido e certo. Provas. Recurso provido." (fl. 79)

O MUNICÍPIO DE CURITIBA, em informações prestadas às fls. 102/105,

sustentou, preliminarmente, a sua ilegítima para figurar no pólo passivo da ação

mandamental, em razão de o impetrante residir em Assis Chateubriand, sendo deste

município a responsabilidade pelo fornecimento da medicação. Inferiu, ainda, que o paciente

não faz tratamento pelo Sistema Único de Saúde, mas utilizando-se de convênio particular, e

que não há registro de solicitação dos remédios pretendidos à Secretaria Municipal de

Saúde.Em seguida, alegou que a competência para a disponibilização de medicamentos

excepcionais é da Secretaria de Estado da Saúde, além de o impetrante não atender os

requisitos previstos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde

para o tratamento da doença, razão pela qual pugnou pela denegação da ordem.

O SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ, em informações

apresentadas às fls. 163/172, apontou, preliminarmente, a inépcia da petição inicial, ante a

inexistência de ato coator, uma vez que o impetrante não formulou pedido administrativo para

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o fornecimento da medicação ora postulada. Alegou a inexistência de direito líquido e certo

amparável na via eleita, em razão da ausência de comprovação de que os medicamentos

pleiteados sejam os únicos com eficácia ao tratamento do paciente. Aduziu, ainda, que o

Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas é feito com base em estudos científicos da

comunidade médica e estabelece os critérios de inclusão específicos para cada enfermidade,

não podendo o Estado fornecer medicamentos de forma diversa.

O ESTADO DO PARANÁ, em petição apresentada à fl. 174, requereu sua

inclusão na lide, na qualidade de litisconsorte passivo, ratificando as infomações, prestadas

pelas autoridades apontadas coatoras, a fim de que a segurança seja denegada.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, denegou a

segurança, nos termos da ementa outrora transcrita, concluindo que:

"(...) O impetrante informou que o vírus nele inoculado apresenta genótipo do tipo 3a (fl. 3) e que se submeteu anteriormente ao tratamento com Interferon Convencional, associado com Ribavirina, pelo prazo de 6 (seis) meses, sem resultado (fl. 27). Dessa forma, dúvida não há de que o impetrante não preenche os requisitos estabelecidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para a enfermidade em questão, o que impossibilita o fornecimento dos remédios solicitados (...)" fl. 233

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ em sede de Recurso

Ordinário, sustenta, em síntese, que: (a) o Sr. Keigi padece de Hepatite C, com sua vida em

risco, razão pela qual não pode prevalecer a burocracia pública quanto ao fornecimento de

medicamentos; (b) a alegação do Tribunal de origem quanto a ineficácia de Interferon

Peguilado, para casos como o do autor que já se submeteu a anterior tratamento com o

Interferon, não corresponde ao consenso da comunidade científica, merecendo o paciente a

última chance de lutar pela sua vida.

Requer, preliminarmente, a concessão de efeito suspensivo ao recurso sub

examine , para restabelecer a liminar deferida em sede de agravo regimental às fls. 79/87, com

ciência das autoridades coatoras para que restaurem a entrega da medicação postulada pelo

impetrante Keigi Yanaga, e, ao final, o provimento do presente recurso para conceder a

segurança, mercê da efetiva demonstração do direito líquido e certo do impetrante.

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O ESTADO DO PARANÁ, em contra-razões apresentadas às fls. 272/299,

aduz que o fornecimento de medicamentos se subsume à observância de critérios mínimos

estabelecidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. Mais adiante, afirma que o

Interferon Peguilado, medicamento destinado ao tratamento de Hepatite C, somente é

indicado para pacientes que ainda não foram tratados e com genótipo 1, sob pena de implicar

gasto excessivo de dinheiro público. Por último, assevera que os princípios da reserva do

possível e da eficiência administrativa respaldam a recusa no fornecimento do medicamento

Interferon Peguilado a qualquer portador de Hepatite C, em razão da ausência de certeza

acerca de sua eficácia, além da inegável obrigatoriedade de observância dos princípios da

legalidade e proporcionalidade norteadores da Administração Pública.

O Ministério Público Federal, em manifestação apresentada às fls. 310/313,

opina pelo provimento do recurso, nos termos do parecer assim sumariado:

"RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MEDICAMENTOS. FORNECIMENTO GRATUITO PELO ESTADO. CRITÉRIOS. DIREITO Á SAÚDE. HEPATITE "C". PROTOCOLO CLÍNICO DO MS.

1. A saúde é concebida na Constituição Federal, sobretudo no artigo 196, como um direito fundamental do ser humano, o que reforça a natureza compulsória de sua observância pelo Poder Público, devendo o Estado promover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

2. O fato de o médico não ser credenciado pelo SUS não invalida o relatório e receita médica por ele expedidos para o fim de obtenção do medicamento prescrito na rede pública em razão de que a enfermidade do impetrante foi identificada em outros laudos e exames juntados aos autos, tendo sido um deles realizado por hospital vinculado à Secretaria Estadual de Saúde.

3. Para o fornecimento gratuito não se exige que os medicamentos tenham sido prescritos por médicos da rede pública. A única exigência é de que o paciente seja cadastrado no SUS. Observado que o impetrante acostou aos autos exames feitos pelo SUS, infere-se que este é devidamente cadastrado.

4. A Portaria nº 863/2002 do Ministério da Saúde, que traça critérios objetivos para o fornecimento gratuito de medicamentos, não pode sobrepor ao direito constitucional assegurado de acesso amplo á saúde, sendo suficiente para comprovar da necessidade do fornecimento a hipossuficiência da autora e os laudos médicos indicando a urgência no tratamento.

5. Pelo provimento do recurso ordinário (fls. 310)

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É o relatório.

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.197 - PR (2007/0112500-5)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. HEPATITE C. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LAUDO EMITIDO POR MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL. PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.2. Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.3. Sobre o tema não dissente o Egrégio Supremo Tribunal Federal, consoante se colhe da recente decisão, proferida em sede de Agravo Regimental na Suspensão de Segurança 175/CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 17.3.2010, cujos fundamentos se revelam perfeitamente aplicáveis ao caso sub examine , conforme noticiado no Informativo 579 do STF, 15 a 19 de março de 2010, in verbis:

"Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 1

O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza que fornecessem a jovem portadora da patologia denominada Niemann-Pick tipo C certo medicamento que possibilitaria aumento de sobrevida e melhora da qualidade de vida, mas o qual a família da jovem não possuiria condições para custear. Alegava a agravante que a decisão objeto do pedido de suspensão violaria o princípio da separação de poderes e as normas

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e os regulamentos do Sistema Único de Saúde - SUS, bem como desconsideraria a função exclusiva da Administração em definir políticas públicas, caracterizando-se, nestes casos, a indevida interferência do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas. Sustentava, ainda, sua ilegitimidade passiva e ofensa ao sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão normativa. Argumentava que só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e que a determinação de desembolso de considerável quantia para aquisição de medicamento de alto custo pela União implicaria grave lesão às finanças e à saúde públicas.

Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 2

Entendeu-se que a agravante não teria trazido novos elementos capazes de determinar a reforma da decisão agravada. Asseverou-se que a agravante teria repisado a alegação genérica de violação ao princípio da separação dos poderes, o que já afastado pela decisão impugnada ao fundamento de ser possível, em casos como o presente, o Poder Judiciário vir a garantir o direito à saúde, por meio do fornecimento de medicamento ou de tratamento imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida da paciente. No ponto, registrou-se que a decisão impugnada teria informado a existência de provas suficientes quanto ao estado de saúde da paciente e a necessidade do medicamento indicado. Relativamente à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, reportou-se à decisão proferida na ADPF 45 MC/DF (DJU de 29.4.2004), acerca da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de injustificável inércia estatal ou de abusividade governamental. No que se refere à assertiva de que a decisão objeto desta suspensão invadiria competência administrativa da União e provocaria desordem em sua esfera, ao impor-lhe deveres que seriam do Estado e do Município, considerou-se que a decisão agravada teria deixado claro existirem casos na jurisprudência da Corte que afirmariam a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de saúde (RE 195192/RS, DJU de 31.3.2000 e RE 255627/RS, DJU de 23.2.2000). Salientou-se, ainda, que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade solidária, deveria ser construído um modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos. No ponto, observou-se que também será possível apreciar o tema da responsabilidade solidária no RE 566471/RN (DJE de 7.12.2007), que teve reconhecida a repercussão geral e no qual se discute a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. Ademais, registrou-se estar em trâmite na Corte a Proposta

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de Súmula Vinculante 4, que propõe tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da Federação no atendimento das ações de saúde. Ressaltou-se que, apesar da responsabilidade dos entes da Federação em matéria de direito à saúde suscitar questões delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao determinar a responsabilidade da União no fornecimento do tratamento pretendido, estaria seguindo as normas constitucionais que fixaram a competência comum (CF, art. 23, II), a Lei federal 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência do Supremo. Concluiu-se, assim, que a determinação para que a União pagasse as despesas do tratamento não configuraria grave lesão à ordem pública. Asseverou-se que a correção, ou não, desse posicionamento, não seria passível de ampla cognição nos estritos limites do juízo de contracautela.

Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 3

De igual modo, reputou-se que as alegações concernentes à ilegitimidade passiva da União, à violação de repartição de competências, à necessidade de figurar como réu na ação principal somente o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e à desconsideração da lei do SUS não seriam passíveis de ampla delibação no juízo do pedido de suspensão, por constituírem o mérito da ação, a ser debatido de forma exaustiva no exame do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que ensejara a tutela antecipada. Aduziu, ademais, que, ante a natureza excepcional do pedido de contracautela, a sua eventual concessão no presente momento teria caráter nitidamente satisfativo, com efeitos deletérios à subsistência e ao regular desenvolvimento da saúde da paciente, a ensejar a ocorrência de possível dano inverso, tendo o pedido formulado, neste ponto, nítida natureza de recurso, o que contrário ao entendimento fixado pela Corte no sentido de ser inviável o pedido de suspensão como sucedâneo recursal. Afastaram-se, da mesma forma, os argumentos de grave lesão à economia e à saúde públicas, haja vista que a decisão agravada teria consignado, de forma expressa, que o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não seria suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder público. Por fim, julgou-se improcedente a alegação de temor de que esta decisão constituiria precedente negativo ao poder público, com a possibilidade de resultar no denominado efeito multiplicador, em razão de a análise de decisões dessa natureza dever ser feita caso a caso, tendo em conta todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida."(STA 175 AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.3.2010.

4. Last but not least, a alegação de que o impetrante não demonstrou a negativa de fornecimento do medicamento por parte da autoridade, reputada coatora, bem como o desrespeito ao prévio procedimento

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administrativo, de observância geral, não obsta o deferimento do pedido de fornecimento dos medicamentos pretendidos, por isso que o sopesamento dos valores em jogo impede que normas burocráticas sejam erigidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte de cidadão hipossuficiente.5. Sob esse enfoque manifestou-se o Ministério Público Federal:"(...)Não se mostra razoável que a ausência de pedido administrativo, supostamente necessário à dispensação do medicamento em tela, impeça o fornecimento da droga prescrita. A morosidade do trâmite burocrático não pode sobrepor-se ao direito à vida do impetrante, cujo risco de perecimento levou à concessão da medida liminar às fls.79 (...)" fl. 3126. In casu, a recusa de fornecimento do medicamento pleiteado pelo impetrante, ora Recorrente, em razão de o mesmo ser portador de vírus com genótipo 3a, quando a Portaria nº 863/2002 do Ministério da Saúde, a qual institui Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, exigir que o medicamento seja fornecido apenas para portadores de vírus hepatite C do genótipo 1, revela-se desarrazoada, mercê de contrariar relatório médico acostado às fl. 27.7. Ademais, o fato de o relatório e a receita médica terem emanado de médico não credenciado pelo SUS não os invalida para fins de obtenção do medicamento prescrito na rede pública, máxime porque a enfermidade do impetrante foi identificada em outros laudos e exames médicos acostados aos autos (fls.26/33), dentre eles, o exame "pesquisa qualitativa para vírus da Hepatite C (HCV)" realizado pelo Laboratório Central do Estado, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Paraná, o qual obteve o resultado "positivo para detecção do RNA do Vírus do HCV" (fl. 26).8. Recurso Ordinário provido, para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator): Preliminarmente, conheço do

Recurso Ordinário em razão do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade .

Versam os autos, originariamente, Mandado de Segurança, com pedido de

liminar, impetrado por KEIGI YANAGA em face do SECRETÁRIO DE ESTADO DA

SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ e do SECRETÁRIO DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE

CURITIBA, objetivando o fornecimento de medicamento re (INTERFERON PEGUILADO

ALFA-2A OU ALFA-2B), de forma contínua, no período necessário ao tratamento do

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impetrante, portador de hepatite crônica pelo vírus "c", com lesão hepática avançada, em fase

de cirrose, com genótipo 3, cuja segurança foi denegada pelo Tribunal de Justiça do Estado

do Paraná, ao argumento de que "o ente público não pode ser compelido a fornecer

medicamentos para o paciente que não preenche os requisitos previstos no Protocolo Clínico

e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, o qual estabelece, com base em estudos

científicos, os critérios de inclusão específicos para cada enfermidade (...)" (fl. 229)

Com efeito, é de sabença que o mandado de segurança, representando

instrumento processual de tutela de direito subjetivo público constitucional, goza de

eminência ímpar, equiparável à do habeas corpus . Assim, na sua origem era mesmo

denominado de habeas corpus civil, revelando a natureza da lesão que visava conjurar.

In casu , resultou demonstrado pelo impetrante o direito líquido e certo,

amparável na via mandamental, consoante se extrai do excerto do parecer ministerial, verbis:

"O impetrante comprovou que sofre da enfermidade a que se refere através dos laudos e exames médicos acostados às fls. 27/33. Entre tais documentos está o relatório médico do Dr. Marco Aurélio Lacerda, que também firma a receita médica à fl. 28. (...)

Há ainda o exame Pesquisa qualitativa para o Vírus Hepatite C (HCV), realizado pelo laboratório Central do Estado, vinculado à Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, que obteve o resultado positivo para detecção do RNA do Vírus do HCV (fl. 29). Contam, ainda, laudo ecográfico e dois outros exames realizados por laboratórios particulares.

A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde

como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos

necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de

ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento.

Ademais, hodiernamente, é absolutamente inviável a análise de qualquer

diploma legal sem a abertura da Constituição Federal. Neste particular, tenho que oportuna a

transcrição das disposições insertas nos arts. 6.º e 196 da Constituição Federal:

"Art. 6.º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

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desamparados, na forma desta Constituição "Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do

Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

A Constituição brasileira promete uma sociedade justa, fraterna, solidária, e

tem como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, que é valor

influente sobre todas as demais questões nela previstas.

Como de sabença, os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos

subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado

Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa

humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais.

Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é

ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama

efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese

deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo,

merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade

da pessoa humana.

Last but not least, a alegação de que o impetrante não demonstrou a negativa

de fornecimento do medicamento por parte da autoridade, reputada coatora, bem como o

desrespeito ao prévio procedimento administrativo, de observância geral, não obsta o

deferimento do pedido de fornecimento dos medicamentos pretendidos, por isso que o

sopesamento dos valores em jogo impede que normas burocráticas sejam erigidas como óbice

à obtenção de tratamento adequado e digno por parte de cidadão hipossuficiente.

Sob esse enfoque manifestou-se o Ministério Público Federal, senão vejamos:

"(...)Não se mostra razoável que a ausência de pedido administrativo, supostamente necessário à dispensação do medicamento em tela, impeça o fornecimento da droga prescrita. A morosidade do trâmite burocrático não pode sobrepor-se ao direito à vida do impetrante, cujo risco de perecimento levou à

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concessão da medida liminar às fls. 79. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (...)" fl. 312

No caso em apreço, a recusa de fornecimento do medicamento pleiteado pelo

impetrante, ora Recorrente, em razão de o mesmo ser portador de vírus com genótipo 3a,

quando a Portaria nº 863/2002 do Ministério da Saúde, a qual institui Protocolo Clínico e

Diretrizes Terapêuticas, exigir que o medicamento seja fornecido apenas para portadores de

vírus hepatite C do genótipo 1, revela-se desarrazoada, mercê de contrariar relatório médico

acostado às fl. 27.

Ademais, o fato de o Dr. Marco Aurélio Lacerda não ser médico credenciado

pelo SUS não invalida o relatório e a receita médica elaborados pelo referido profissional de

saúde, para fins de obtenção do medicamento prescrito na rede pública, máxime porque a

enfermidade do impetrante foi identificada em outros laudos e exames médicos acostados aos

autos (fls.26/33), dentre eles, o exame "pesquisa qualitativa para vírus da Hepatite C (HCV)"

realizado pelo Laboratório Central do Estado, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde do

Estado do Paraná, o qual obteve o resultado "positivo para detecção do RNA do Vírus do

HCV" (fl. 26).

Sobre o tema não dissente o Egrégio Supremo Tribunal Federal, consoante se

colhe da recente decisão, proferida em sede de Agravo Regimental na Suspensão de

Segurança 175/CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 17.3.2010, cujos

fundamentos se revelam perfeitamente aplicáveis ao caso sub examine , conforme noticiado

no Informativo 579 do STF, 15 a 19 de março de 2010, in verbis:

"Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 1

O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza que fornecessem a jovem portadora da patologia denominada Niemann-Pick tipo C certo medicamento que possibilitaria aumento de sobrevida e melhora da qualidade de vida, mas o qual a família da jovem não possuiria condições para custear. Alegava a agravante que a decisão objeto do pedido de

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suspensão violaria o princípio da separação de poderes e as normas e os regulamentos do Sistema Único de Saúde - SUS, bem como desconsideraria a função exclusiva da Administração em definir políticas públicas, caracterizando-se, nestes casos, a indevida interferência do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas. Sustentava, ainda, sua ilegitimidade passiva e ofensa ao sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão normativa. Argumentava que só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e que a determinação de desembolso de considerável quantia para aquisição de medicamento de alto custo pela União implicaria grave lesão às finanças e à saúde públicas.

Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 2

Entendeu-se que a agravante não teria trazido novos elementos capazes de determinar a reforma da decisão agravada. Asseverou-se que a agravante teria repisado a alegação genérica de violação ao princípio da separação dos poderes, o que já afastado pela decisão impugnada ao fundamento de ser possível, em casos como o presente, o Poder Judiciário vir a garantir o direito à saúde, por meio do fornecimento de medicamento ou de tratamento imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida da paciente. No ponto, registrou-se que a decisão impugnada teria informado a existência de provas suficientes quanto ao estado de saúde da paciente e a necessidade do medicamento indicado. Relativamente à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, reportou-se à decisão proferida na ADPF 45 MC/DF (DJU de 29.4.2004), acerca da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de injustificável inércia estatal ou de abusividade governamental. No que se refere à assertiva de que a decisão objeto desta suspensão invadiria competência administrativa da União e provocaria desordem em sua esfera, ao impor-lhe deveres que seriam do Estado e do Município, considerou-se que a decisão agravada teria deixado claro existirem casos na jurisprudência da Corte que afirmariam a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de saúde (RE 195192/RS, DJU de 31.3.2000 e RE 255627/RS, DJU de 23.2.2000). Salientou-se, ainda, que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade solidária, deveria ser construído um modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos. No ponto, observou-se que também será possível apreciar o tema da responsabilidade solidária no RE 566471/RN (DJE de 7.12.2007), que teve reconhecida a repercussão geral e no qual se discute a

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obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. Ademais, registrou-se estar em trâmite na Corte a Proposta de Súmula Vinculante 4, que propõe tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da Federação no atendimento das ações de saúde. Ressaltou-se que, apesar da responsabilidade dos entes da Federação em matéria de direito à saúde suscitar questões delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao determinar a responsabilidade da União no fornecimento do tratamento pretendido, estaria seguindo as normas constitucionais que fixaram a competência comum (CF, art. 23, II), a Lei federal 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência do Supremo. Concluiu-se, assim, que a determinação para que a União pagasse as despesas do tratamento não configuraria grave lesão à ordem pública. Asseverou-se que a correção, ou não, desse posicionamento, não seria passível de ampla cognição nos estritos limites do juízo de contracautela.

Fornecimento de Medicamentos e Responsabilidade Solidária dos Entes em Matéria de Saúde - 3

De igual modo, reputou-se que as alegações concernentes à ilegitimidade passiva da União, à violação de repartição de competências, à necessidade de figurar como réu na ação principal somente o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e à desconsideração da lei do SUS não seriam passíveis de ampla delibação no juízo do pedido de suspensão, por constituírem o mérito da ação, a ser debatido de forma exaustiva no exame do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que ensejara a tutela antecipada. Aduziu, ademais, que, ante a natureza excepcional do pedido de contracautela, a sua eventual concessão no presente momento teria caráter nitidamente satisfativo, com efeitos deletérios à subsistência e ao regular desenvolvimento da saúde da paciente, a ensejar a ocorrência de possível dano inverso, tendo o pedido formulado, neste ponto, nítida natureza de recurso, o que contrário ao entendimento fixado pela Corte no sentido de ser inviável o pedido de suspensão como sucedâneo recursal. Afastaram-se, da mesma forma, os argumentos de grave lesão à economia e à saúde públicas, haja vista que a decisão agravada teria consignado, de forma expressa, que o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não seria suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder público. Por fim, julgou-se improcedente a alegação de temor de que esta decisão constituiria precedente negativo ao poder público, com a possibilidade de resultar no denominado efeito multiplicador, em razão de a análise de decisões dessa natureza dever ser feita caso a caso, tendo em conta todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida." (STA 175 AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.3.2010. (STA-175)

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Ex positis , DOU PROVIMENTO ao recurso, concedendo a segurança

pleiteada na inicial, e julgo prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls.

261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento.

É como voto.

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ERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0112500-5 RMS 24197 / PR

Números Origem: 182578702 200600200692

PAUTA: 17/02/2009 JULGADO: 17/02/2009

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS

SecretáriaBela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁRECORRIDO : ESTADO DO PARANÁPROCURADOR : KARINA LOCKS PASSOS E OUTRO(S)RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CURITIBAPROCURADOR : ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)INTERES. : KEIGI YANAGAADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO VALE E OUTRO(S)

ASSUNTO: Administrativo - Sistema Único de Saúde - SUS - Medicamento - Dever do Estado - Gratuito

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator dando provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, pediu vista o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Aguardam os Srs. Ministros Denise Arruda, Benedito Gonçalves e Francisco Falcão.

Brasília, 17 de fevereiro de 2009

MARIA DO SOCORRO MELOSecretária

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.197 - PR (2007/0112500-5)

VOTO-VISTA

CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO, NÃO INDICADO COMO EFICAZ PARA A MOLÉSTIA DO IMPETRANTE. INEXISTÊNCIA DE DIREITO AO SEU FORNECIMENTO GRATUITO PELO ESTADO. I. Não existe, na Constituição, direito subjetivo individual de acesso universal, incondicional, gratuito e a qualquer custo a todo e qualquer meio de proteção à saúde, médico ou farmacêutico. O que a Constituição assegura, no art. 196, é direito à saúde (e correspondente dever do Estado) “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Tem esse mesmo conteúdo o direito à saúde previsto no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992 (art. 12, §§ 1º e 2º).II. Cabe aos Poderes Legislativo e Executivo estabelecer e promover a execução das políticas públicas de implementação dos direitos fundamentais sociais. Ao Judiciário compete exercer o controle da juridicidade e do adequado cumprimento das políticas assim estabelecidas, bem como suprir sua inexistência ou insuficiência, se for o caso, com a garantia de prestação decorrente do direito a um mínimo existencial.III. Considera-se mínimo existencial, para esse efeito, o direito a uma prestação estatal que (a) pode ser desde logo identificada, à luz das normas constitucionais, como necessariamente presente qualquer que seja o conteúdo da política pública a ser estabelecida; e (b) é suscetível de ser desde logo atendida pelo Estado como ação ou serviço de acesso universal e igualitário. Á luz dos princípios democrático, da isonomia e da reserva do possível, não há dever do Estado de atender a uma prestação individual se não for viável o seu atendimento em condições de igualdade para todos os demais indivíduos na mesma situação.IV. No que se refere à assistência farmacêutica, não se pode ter como existente direito líquido e certo de obter do Estado, gratuitamente, o fornecimento de medicamento de alto custo que, além de não incluído nas listas próprias expedidas pelos órgãos de formulação da política nacional de medicamentos, é considerado pelos técnicos do Poder Público (Ministério da Saúde e órgãos colegiados do Sistema Único de Saúde – SUS) e pela opinião da comunidade médica como ineficaz para o tratamento da enfermidade, na situação apresentada pelo Impetrante.V. Recurso improvido.

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI: 1. Trata-se de mandado de segurança contra ato do Secretário de Estado da Saúde e do

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Secretário de Saúde do Município de Curitiba em que o impetrante alega necessitar dos medicamentos "Interferon Peguilado Alfa-2a ou Alfa-2b e Ribavirina", para o tratamento da doença Hepatite Crônica, do Tipo C, de que é portador. Informa que não formulou pedido administrativo porque teve conhecimento de que os impetrados vêm sistematicamente se negando a fornecer essa medicação a pacientes em situação semelhante à sua. Afirmou que a medicação foi receitada por seu médico particular e que não tem condições financeiras de arcar com os elevados custos para a sua aquisição, razão pela qual tem direito líquido e certo de receber gratuitamente das entidades impetradas. Requereu a concessão de liminar e a segurança para que lhe sejam fornecidos os medicamentos pleiteados, pelo tempo determinado por seu médico, "garantindo-se, ainda, o fornecimento do produto do mesmo fabricante durante toda a duração do tratamento" (fl. 19). Negada inicialmente (fl. 45), a liminar foi concedida em agravo regimental (fls. 79/86). O Município de Curitiba sustenta que o impetrante reside em outro Município (de Assis Chateubriand), o que por si só afastaria sua responsabilidade; que o Impetrante não procurou o Sistema Único de Saúde, sendo tratado por médico particular; que cabe à Secretaria de Estado da Saúde, quando for o caso, fornecer medicamentos excepcionais; e que, segundo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, a medição requerida não é recomendada para a situação do impetrante. O Secretário de Estado da Saúde do Paraná informou que não tendo havido requerimento administrativo não houve ato coator; que o medicamento pleiteado não está indicado como adequado para casos como o do impetrante pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, expedido pelos órgãos oficiais do Ministério da Saúde, com base em estudos científicos da comunidade médica. Assim, não há o direito líquido e certo alegado. O Tribunal de Justiça denegou a segurança, nos termos da seguinte ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA - PEDIDO DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS - LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO - OCORRÊNCIA - PACIENTE QUE NÃO ATENDE OS REQUISITOS PREVISTOS NO PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - IMPOSSIBILIDADE DE FORNECIMENTO DA MEDICAÇÃO - SEGURANÇA DENEGADA - DECISÃO POR MAIORIA. - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela saúde pública, podendo ser postulado junto a qualquer um deles o fornecimento gratuito de medicamentos. - O ente público não pode ser compelido a fornecer medicamentos para o paciente que não preenche os requisitos previstos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, o qual estabelece, com base em estudos científicos, os critérios de inclusão específicos para cada enfermidade. (fls. 229)

Registrou o acórdão o seguinte: O impetrante informou que o vírus nele inoculado apresenta genótipo do tipo 3a (fl. 3) e que se submeteu anteriormente ao tratamento com Interferon Convencional, associado com Ribavirina, pelo prazo de 6 (seis) meses, sem resultado (fl. 27). Dessa forma, dúvida não há de que o impetrante não preenche os requisitos estabelecidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para a enfermidade em questão, o que impossibilita o fornecimento dos remédios solicitados. (fls. 233).

Irresignado, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ interpôs recurso ordinário, com fundamento no art. 105, II, "b", da CF, aduzindo, em suma, que: o Impetrante padece de Hepatite C, com sua vida em risco, situação para a qual o seu médico particular indicou a medicação reclamada, que não pode ser adquirida pelo impetrante "em vista de seu Documento: 857608 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 24/08/2010 Página 2 3 de 36

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proibitivo preço", razão pela qual deve ser fornecida pelo Estado, descabendo "render culto a portarias administrativas" em outro sentido; "(...) trabalha a nobre decisão Colegiada estadual com o argumento de que estudos em que se baseou a Portaria 863/2002 indicara a ineficácia do Interferon Peguilado para casos como o do paciente Keigi, que já se submeteu a anterior tratamento com Interferon convencional (...). Entretanto, tal argumento também não pode prevalecer. Com efeito, e bem ao contrário da perspectiva desenvolvida pela douta Corte local, mesmo não havendo consenso na comunidade científica sobre a eficiência da fórmula peguilada para pacientes não virgens (isto é, que já tenham antes usado Interferon convencional), como sucede no caso vertente, ainda assim é de se ministrar o fármaco peguilado ao paciente, o qual, diga-se de passagem, não experimentou melhora definitiva com o uso da antecedente medicação convencional, daí porque, por assim dizer, está em busca de uma 'última chance' de vida" (fls. 260). Apresentadas contra-razões, o ora impetrado reitera a inexistência de direito líquido e certo, até porque o Interferon Peguilado não é medicamento indicado para a situação do impetrante, não se justificando o dispêndio de elevados recursos públicos para o caso. Sustenta, com base nos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da reserva do possível e da eficiência administrativa a legitimidade da recusa de atender a pretensão. O parecer do Ministério Público é pelo provimento, sustentando, em síntese:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MEDICAMENTOS. FORNECIMENTO GRATUITO PELO ESTADO. CRITÉRIOS. DIREITO Á SAÚDE. HEPATITE "C". PROTOCOLO CLÍNICO DO MS.1. A saúde é concebida na Constituição Federal, sobretudo no artigo 196, como um direito fundamental do ser humano, o que reforça a natureza compulsória de sua observância pelo Poder Público, devendo o Estado promover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.2. O fato de o médico não ser credenciado pelo SUS não invalida o relatório e receita médica por ele expedidos para o fim de obtenção do medicamento prescrito na rede pública em razão de que a enfermidade do impetrante foi identificada em outros laudos e exames juntados aos autos, tendo sido um deles realizado por hospital vinculado à Secretaria Estadual de Saúde.3. Para o fornecimento gratuito não se exige que os medicamentos tenham sido prescritos por médicos da rede pública. A única exigência é de que o paciente seja cadastrado no SUS. Observado que o impetrante acostou aos autos exames feitos pelo SUS, infere-se que este é devidamente cadastrado.4. A Portaria nº 863/2002 do Ministério da Saúde, que traça critérios objetivos para o fornecimento gratuito de medicamentos, não pode sobrepor ao direito constitucional assegurado de acesso amplo á saúde, sendo suficiente para comprovar da necessidade do fornecimento a hipossuficiência da autora e os laudos médicos indicando a urgência no tratamento.5. Pelo provimento do recurso ordinário (fls. 310)

Também pelo provimento foi o voto do Ministro relator, assim ementado:PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. HEPATITE C. DIGNIDADE HUMANA. MÉDICO NÃO CREDENCIADO PELO SUS. RECEITA MÉDICA EMITIDA COM BASE EM LAUDO DE EXAMES REALIZADOS EM HOSPITAL ESTADUAL.1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. Precedentes: RMS 17449/MG DJ 13.02.2006; RMS 17425/MG, DJ 22.11.2004; RMS 13452/MG, DJ 07.10.2002.2. In casu , o impetrante demonstrou necessitar de medicamento para tratamento de Hepatite C, nos termos do atestado médico acostado às fls. 27, o qual prescreve uso interno de Interferon

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Peguilado, consoante parecer do Ministério Público Federal de fls. 311, v.(...)O impetrante comprovou que sofre da enfermidade a que se refere através dos laudos e exames médicos acostados às fls. 27/33. Entre tais documentos está o relatório médico do Dr. Marco Aurélio Lacerda, que também firma a receita médica à fl. 28. (...)Há ainda o exame Pesquisa qualitativa para o Vírus Hepatite C (HCV), realizado pelo laboratório Central do Estado, vinculado à Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, que obteve o resultado positivo para detecção do RNA do Vírus do HCV (fl. 29). Contam, ainda, laudo ecográfico e dois outros exames realizados por laboratórios particulares.

3. Extrai-se do parecer ministerial de fls. 312, litteris : Não se mostra razoável que a ausência de pedido administrativo, supostamente necessário à dispensação do medicamento em tela, impeça o fornecimento da droga prescrita. A morosidade do trâmite burocrático não pode sobrepor-se ao direito à vida do impetrante, cujo risco de perecimento levou à concessão da medida liminar às fls. 79. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado, apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico. Precedentes: RMS 20335/PR Relator Ministro LUIZ FUX, DJ 07/05/2007; RMS 17903/MG Relator Ministro CASTRO MEIRA DJ 20.09.2004. 5. A alegação de que o médico não é credenciado pelo SUS não invalida o relatório e receita médica por ele expendidos, para o fim de obtenção do medicamento prescrito na rede pública, tendo em vista a enfermidade identificada em outros laudos e exames juntados aos autos, maxime quando um deles, inclusive, foi realizado por hospital vinculado à Secretaria Estadual de Saúde. 6. Deveras a oposição judicial ao pleito, denota quão inequívoco é o interesse processual.7. Recurso ordinário provido.

Pedi vista.

2. Algumas premissas de ordem geral são indispensáveis ao exame do caso. A primeira é a que diz respeito ao conteúdo normativo do direito à saúde inscrito na Constituição. Há várias referências a respeito dele no texto constitucional. Arrolado no art. 6º entre os direitos fundamentais sociais, como a educação, a moradia, o trabalho e outros, o direito à saúde está assim especificado nos arts. 196 a 198:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade”.

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Não existe, portanto (e isso reconhece também o voto do relator), um direito subjetivo constitucional de acesso universal, gratuito, incondicional e a qualquer custo a todo e qualquer meio de proteção à saúde. Há várias razões que determinam limites ao referido direito, a começar pela identificação do que seriam os meios adequados de proteção à saúde. Não são certamente apenas os que se dirigem a recuperar a saúde já comprometida (hospitalização, atendimento médico, fornecimento de medicamentos). Para a proteção da saúde concorrem, decisivamente, as medidas preventivas de toda a natureza (alimentação, moradia, saneamento básico, educação). Ademais, conforme registram os especialistas, “Ainda que soubéssemos exatamente que políticas são eficazes para se garantir o mais alto grau de saúde possível a toda a população, seria impossível implementar todas essas políticas. Nenhum país do mundo, nem mesmo o mais rico de todos, teria recursos suficientes para atingir esse objetivo. Isso porque, enquanto as necessidades de saúde são praticamente infinitas, os recursos para atendê-las não o são, e a saúde, apesar de um bem fundamental e de especial importância, não é o único bem que uma sociedade tem interesse em usufruir”. (FERRAZ, Octávio Luiz Motta; VIEIRA, Fabíola Sulpino. Direito à saúde, recursos escassos e eqüidade, in Dados – Revista de Ciências Sociais, RJ, vol. 52, p. 226). A promessa constitucional, portanto, não se traduz em garantia de prestações desde logo identificáveis objetiva e concretamente, razão pela qual o conteúdo do direito à saúde, previsto na Constituição, não tem a configuração linear e singela que não raro lhe é atribuída. Mais consentânea com nossa realidade é a formulação a esse respeito adotada pelo Comitê de Especialistas das Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que, ao interpretar o artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992 - cujo § 1º assegura o “direito de toda a pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental” -, observou que “o direito à saúde não deve ser entendido como direito a estar sempre saudável”, mas, sim, como o direito “a um sistema de proteção à saúde que dá oportunidades iguais para as pessoas alcançarem os mais altos níveis de saúde possíveis” (FERRAZ & VIEIRA, op. cit., p. 242). O que a Constituição prevê, textualmente, é direito à saúde (e correspondente dever do Estado) “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação ” (art. 196). Essa é a garantia constitucional. Tem esse mesmo conteúdo, conforme já referido, o direito à saúde previsto no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992 (art. 12, §§ 1º e 2º). O conceito de políticas públicas está associado a ações governamentais, especialmente no que se refere à efetivação dos direitos fundamentais a prestações (= direitos fundamentais sociais), podendo ser definidas como “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados” (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas, Saraiva, 2002, p. 241). Nesse sentido, são também pressupostos essenciais de qualquer política pública a existência de estrutura organizativa e de fonte de custeio.

3. A segunda premissa conceitual importante é justamente a que diz respeito ao papel do Poder Judiciário nesse domínio jurídico. É tema igualmente complexo, especialmente em face da própria natureza e do conteúdo do direito à saúde. É sabido que os direitos fundamentais sociais (v.g., saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência, todos assegurados de modo explícito na Constituição – art. 6º), não se revestem, do ponto de vista

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institucional, de tutela de intensidade semelhante à que têm, por exemplo, os direitos de liberdade. Isso se deve fundamentalmente à sua natureza típica de direitos a prestações, que supõe, necessariamente, atuações positivas do Estado, e, mais ainda, atuações que dependem, em regra, da perspectiva autônoma de conformação politicamente assumida pelo legislador e, na maioria dos casos, da existência ou da disponibilidade de recursos materiais. É o que se colhe da doutrina, entre outros, de José Carlos Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 2ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, pp. 395-398). Daí afirmar-se que a conformação político-administrativa dos direitos fundamentais sociais é função reservada ao legislador e ao administrador, que detém a faculdade de estabelecer os modos e as condições de atendimento do dever estatal, de acordo com a capacidade orçamentária e as demais prioridades de gastos. Nessa perspectiva, fora das hipóteses resultantes dessa conformação emanada dos órgãos legislativos e administrativos, não se pode, em regra, antever a existência de dever estatal a prestações, nem pode daí resultar, como contrapartida necessária e imediata, direito subjetivo universal e incondicionado que possa ser reclamado e efetivado por via judicial. Todavia, isso não significa que a garantia constitucional seja absolutamente destituída de eficácia. Há certos deveres estatais básicos que são imediatamente identificáveis e, pelo menos em relação a eles, o poder de conformação não é carta de alforria ao Poder Público para justificar seu descumprimento. Sob essa perspectiva, em relação ao direito fundamental à saúde, é possível afirmar, na linha também da doutrina especializada (v.g.: MILANEZ, Daniela. "O direito à saúde: uma análise comparativa da intervenção judicial", Revista de Direito Administrativo, 237, p.198), que as obrigações do Estado consistem, antes de mais nada, no (a) dever de respeito (= o Estado não pode tomar medidas prejudiciais à saúde, nem mesmo a de suprimir garantias à saúde já asseguradas, conforme enuncia o princípio da proibição do retrocesso social) e no (b) dever de proteção (= o Estado deve inibir ações de terceiros que possam comprometer a saúde, por exemplo, exigindo que as empresas propiciem ambiente de trabalho e equipamentos de segurança para preservar a saúde dos trabalhadores, impedindo a produção, a importação e a comercialização de medicamentos que possam ser nocivos, mediante políticas de prevenção e assim por diante; mas também no (c) dever de implementação , mediante o estabelecimento e a execução de políticas públicas que importem em fornecer bens e serviços de saúde. O cumprimento dos deveres de respeito e de proteção são, de um modo geral, suscetíveis de tutela jurisdicional imediata, já que têm como contrapartida natural a existência de direitos subjetivos individuais. A dificuldade reside na terceira classe de deveres, de implementação de políticas públicas. Já se disse que, no tocante à política de saúde, a sua implementação não se traduz no dever de fornecer gratuita e incondicionalmente, a qualquer pessoa, independentemente da sua condição, todo e qualquer serviço ou prestação médica ou farmacêutica, mas sim os considerados mais adequados do ponto de vista técnico, social e de saúde pública, que sejam compatíveis com a força da nação e que permitam acesso universal e igualitário. Bem se vê, portanto, que a concretização dessa política não é uma questão singela, já que supõe, necessariamente, juízos científicos e políticos, com formulação de escolhas, que importam inclusões e exclusões. Não cabe certamente ao Judiciário, já se disse, formular e executar políticas públicas, em qualquer área, inclusive na de saúde. São atividades típicas e próprias dos Poderes Executivo e Legislativo. Entretanto, inexistindo políticas públicas estabelecidas ou sendo elas insuficientes para atender prestações minimamente essenciais à efetividade de direito fundamental social, abre-se espaço para a atuação jurisdicional. Configura-se, por exemplo, a possibilidade de recorrer à ação de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2°) ou

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ao mandado de injunção (CF, art. 5º - LXXI). Mas há, igualmente, o direito de reclamar, pelas vias jurisdicionais comuns, o que se costuma denominar de mínimo existencial. Considera-se mínimo existencial, para esse efeito, o direito a uma prestação estatal que (a) pode ser desde logo identificada, à luz das normas constitucionais, como necessariamente presente qualquer que seja o conteúdo da política pública a ser estabelecida; e (b) é suscetível de ser desde logo atendida pelo Estado como ação ou serviço de acesso universal e igualitário. É o que decorre também dos princípios democrático, da isonomia e da reserva do possível: não há o dever do Estado de atender a uma prestação individual se não for viável o seu atendimento em condições de igualdade para todos os demais indivíduos na mesma situação.

4. À luz dessas premissas conceituais básicas, examine-se o caso concreto. O que se pede no mandado de segurança é uma prestação de assistência farmacêutica. Conforme resultou claro dos autos e, ademais, atestado pela doutrina especializada (v.g.: BARROSO, Luiz Roberto. “Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para atuação judicial”. Revista Bimestral de Direito Público . Editora Fórum, v. 46, p. 31 a 61, nov./dez.2007) existe, nesse domínio, uma política pública formalmente estabelecida. A Lei 8.080/90, em cumprimento aos artigos 196 a 198 da Constituição, organizou o Sistema Único de Saúde - SUS, em cujo campo de atuação está “a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobio1ógicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção” (art. 6º, VI). Entre os órgãos integrantes do SUS está o Conselho de Saúde, assim caracterizado no art. 1º, § 2º da Lei:

§ 2º. O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.

Com o beneplácito dos órgãos colegiados do SUS, inclusive do Conselho Nacional de Saúde, foi expedida, assim, a Portaria 3916/98, do Ministério da Saúde, definindo a “Política Nacional de Medicamentos” e institucionalizando a RENAME – Relação de Medicamentos Essenciais, com a finalidade de indicar os produtos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população, que devem estar continuamente disponíveis aos segmentos da sociedade que deles necessitem. Especificando ainda mais essa mesma política, foram editados pelo Ministério da Saúde outros atos normativos secundários importantes, como, v.g., a Portaria 1.318/02, tratando do fornecimento de medicamentos excepcionais de alto custo, e a Portaria SAS 863/02, estabelecendo protocolo de tratamento para certas enfermidades e definindo critérios para inclusão ou exclusão. Pois bem, justamente nesse protocolo (item 4) está expressamente excluída a indicação do medicamento aqui reclamado (Interferon peguilado) para o tratamento da enfermidade do impetrante, no estágio e na situação em que se encontra. A respaldar a ineficiência do medicamento para o caso, milita, além da posição dos órgãos técnicos oficiais, a opinião da comunidade científica nacional e estrangeira abalizada nessa área da medicina, conforme reconhecido nos autos (fls. 283). Além do mais, conviria lembrar o elevadíssimo custo do medicamento pleiteado, fato reconhecido até pelo recorrente, circunstância que tem servido como exemplo de inviabilidade de fornecimento gratuito e universal para todos os pacientes (FERRAZ & VIEIRA, op. cit., p. 235; BARROSO, cit., p. 31 a 61). Justamente em razão da sua duvidosa eficácia e do se elevado custo, a Corte Especial do STJ teve oportunidade de suspender a execução de liminar que determinara fornecimento generalizado do medicamento

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Interferon Peguilado a pacientes do SUS em situação semelhante à do aqui impetrante (AgRg na Pet 1996, Corte Especial, Min. Nilson Naves, DJ de 05.04.04).

5. Em suma, não se pode ter como existente direito líquido e certo de obter do Estado, gratuitamente, o fornecimento de medicamento de alto custo, não incluído nas listas próprias expedidas pelos órgãos técnicos de formulação da política nacional de medicamentos e, ademais, considerado pelos órgãos técnicos do Poder Público (Ministério da Saúde e órgãos colegiados do Sistema Único de Saúde – SUS) e pela opinião da comunidade científica como ineficaz para o tratamento da enfermidade, na situação apresentada pelo Impetrante. Acertada, portanto, a decisão do tribunal recorrido, de denegar a ordem.

6. Ante o exposto, nego provimento. É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0112500-5 RMS 24197 / PR

Números Origem: 182578702 200600200692

PAUTA: 09/03/2010 JULGADO: 09/03/2010

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. REGINA COELI CAMPOS DE MENESES

SecretáriaBela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁRECORRIDO : ESTADO DO PARANÁPROCURADOR : CESAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(S)RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CURITIBAPROCURADOR : ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)INTERES. : KEIGI YANAGAADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO VALE E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Serviços - Saúde - Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki negando provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, divergindo do voto do Sr. Ministro Relator que lhe dava provimento, verificou-se a insuficiência de "quorum", determinando-se a reinclusão do feito em pauta.

Ausente, justicadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda.Licenciado o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Brasília, 09 de março de 2010

BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑASecretária

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0112500-5 RMS 24197 / PR

Números Origem: 182578702 200600200692

PAUTA: 18/03/2010 JULGADO: 23/03/2010

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. CÉLIA REGINA SOUZA DELGADO

SecretáriaBela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁRECORRIDO : ESTADO DO PARANÁPROCURADOR : CESAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(S)RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CURITIBAPROCURADOR : ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)INTERES. : KEIGI YANAGAADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO VALE E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Serviços - Saúde - Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Brasília, 23 de março de 2010

BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑASecretária

Documento: 857608 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 24/08/2010 Página 3 1 de 36

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0112500-5 RMS 24197 / PR

Números Origem: 182578702 200600200692

PAUTA: 27/04/2010 JULGADO: 27/04/2010

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. DENISE VINCI TULIO

SecretáriaBela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁRECORRIDO : ESTADO DO PARANÁPROCURADOR : CESAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(S)RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CURITIBAPROCURADOR : ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)INTERES. : KEIGI YANAGAADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO VALE E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Serviços - Saúde - Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator dando provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento e o voto divergente do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki negando-lhe provimento, pediu vista o Sr. Ministro Benedito Gonçalves. Aguarda o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Brasília, 27 de abril de 2010

BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑASecretária

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2007/0112500-5 RMS 24197 / PR

Números Origem: 182578702 200600200692

PAUTA: 27/04/2010 JULGADO: 04/05/2010

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE

SecretáriaBela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁRECORRIDO : ESTADO DO PARANÁPROCURADOR : CESAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(S)RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CURITIBAPROCURADOR : ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)INTERES. : KEIGI YANAGAADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO VALE E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Serviços - Saúde - Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, a Turma, por maioria, vencido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, deu provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança para conceder a segurança pleiteada na inicial, prejudicado o pedido de efeito suspensivo ao presente recurso (fls. 261/262), em razão do julgamento do mérito recursal e respectivo provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves (voto-vista) e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Brasília, 04 de maio de 2010

BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑASecretária

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.197 - PR (2007/0112500-5)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUXRECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RECORRIDO : ESTADO DO PARANÁ PROCURADOR : CESAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(S)RECORRIDO : MUNICÍPIO DE CURITIBA PROCURADOR : ROBERTO DE SOUZA MOSCOSO E OUTRO(S)INTERES. : KEIGI YANAGA ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO VALE E OUTRO(S)

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (PRESIDENTE): Srs. Ministros,

trata-se da questão de medicamento em sede de recurso ordinário em mandado de segurança.

O impetrante, na inicial, alega necessitar de medicamento interferon peguilado alfa 2-a,

alfa 2-b ou Ribavirina para tratamento de doença hepatite crônica tipo C de que é portador.

A autoridade coatora, impetrada quanto ao mérito, informou que o medicamento não

está contido no rol da Portaria Ministerial 1.105 e, ainda, que o tratamento sugerido foge ao

protocolo nacional desenvolvido a partir de consultas públicas e acordado pelas razões médicas

especializadas.

O Tribunal denegou a segurança, razão do recurso ordinário.

O Sr. Ministro Luiz Fux, então, invocando a Constituição e precedente do Supremo,

salvo melhor juízo, entende que se deve conceder a segurança para dar o medicamento ao

paciente.

O voto divergente do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki:

"À luz dos princípios democráticos da isonomia e da reserva do possível, não há o dever do Estado de atender a uma prestação individual se não for viável seu atendimento em condições de igualdade para todos os demais indivíduos na mesma situação. No que se refere à assistência farmacêutica, não se pode ter como existente direito líquido e certo de obter do Estado gratuitamente o fornecimento de medicamento de

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alto custo que, além de não estar incluído nas listas próprias e expedidas pelos órgãos de formulação da Política Nacional de Medicamentos, é considerado pelos órgãos técnicos do Poder Público, Ministério da Saúde e dos órgãos colegiados do Sistema Único de Saúde e pela opinião da comunidade médica como ineficaz para tratamento da enfermidade na situação apresentada pelo impetrante."

Essa foi a síntese do voto de S. Exa.

A minha proposta de voto é no escopo de tentar prolongar um pouco mais a vida do

paciente. Peço vênia ao Sr. Ministro Teori Albino Zavascki para divergir e acompanho o voto do

Sr. Ministro Relator com o seguinte fundamento:

"Embora o voto divergente... ...................................... para sua enfermidade."

Até poderia fazer um voto, concedendo a segurança – não sei se poderia ser muito

contraditório dar o direito e, depois, restringi-lo – para que seja ministrado a esse medicamento

um tempo de avaliação e, nesse tempo, se não for constrangedor ao impetrante, seja feita uma

nova avaliação a fim de verificar se o remédio foi ineficaz ou não, mas dando-lhe a chance de ter

um prolongamento da vida.

É nessa proposta de voto que acompanho o Sr. Ministro Relator a fim de dar

provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança para conceder a segurança.

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