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SUSANNA KEARSLEY O SEGREDO DE SOPHIA TRADUZIDO DO INGLÊS POR JORGE ALMEIDA E PINHO

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SUSANNA KEARSLEY

O SEGREDO DE SOPHIA

TRADUZIDO DO INGLÊS POR

JORGE ALMEIDA E PINHO

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Regressa a casa! O ano fez-te envelhecer;Deixa essas pedras cinzentas; embrulha-te neste xailePois a noite está fria;Regressa a casa! Ele não ouvirá a tua voz;

Nenhum sinal aguarda por ti aqui, a não ser o ritmoDas ondas sobre a praia,A sombra esguia do penhasco e os pés das gaivotasImpressos na areia,E mastros e algas dispersosSob uma lua pálida.

Regressa a casa! Ele não ouvirá a tua voz;Só os ventos noturnos respondem enquanto amainamAo longo da costa,E para sempreSó as conchasSobre as rochas cinzentas cantamE os sinos de espuma brancaDo Mar do Norte soam.

E. J. Pratt, «Na Costa»

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CAPÍTULO 1

Não foi por acaso. Não houve nenhuma parte que tivesse acon-tecido apenas por acaso.

Apercebi - me disso mais tarde, ainda que essa ideia, no momen -to em que surgiu, tenha sido difícil de aceitar, porque eu sempreacreditara firmemente no livre-arbítrio. A minha vida até entãoparecera comprovar isso mesmo – tinha escolhido certos caminhose eles tinham conduzido a certos fins, todos eles bons, e conseguiaolhar para todos os contratempos menores que enfrentara ao longodo percurso não como má sorte, mas simplesmente como produtosdas minhas decisões imperfeitas. Se tivesse tido de escolher umcredo, teriam sido os versos corajosos e vibrantes do poeta WilliamHenley: Sou o senhor do meu destino; sou o capitão da minha alma.

Por isso, naquela manhã de inverno, quando tudo começou,quando entrei pela primeira vez no carro alugado e segui para nortede Aberdeen, não pensei, nem por uma vez, que pudesse haver amão de outra pessoa ao leme.

Acreditei sinceramente que a decisão era minha quando medesviei da estrada principal para a estrada mais pequena, que seguiaao longo da linha costeira. Talvez não tenha sido uma decisão muitosensata, tendo em conta que as estradas estavam cobertas pelo queme tinham assegurado ser a neve mais alta que caíra sobre a Escócia

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em quarenta anos, e tinham - me advertido de que poderia correr orisco de encontrar neve acumulada na estrada e sofrer alguns atrasos.Se tivesse tido mais cuidado e, sobretudo, sabendo que tinha umprazo a cumprir, deveria ter seguido pela autoestrada mais movi-mentada, mas o pequeno letreiro que dizia «Estrada Costeira»levou - me a mudar de direção.

O meu pai sempre disse que eu tinha o mar no sangue. Tinhanascido e sido criada ao lado do mar, nas costas da Nova Escócia, enunca consegui resistir ao seu apelo de sereia. Por isso, no local ondea estrada principal, à saída de Aberdeen, curvava em direção ao inte-rior decidi virar antes para a direita, e segui o percurso ao longo dacosta.

Não sei que distância tinha percorrido quando avistei pela pri-meira vez o castelo arruinado sobre o penhasco, uma linha mura-lhada de escuridão que tinha como pano de fundo um céu repletode nuvens, mas mal o vi fiquei cativada, conduzindo um poucomais rápido na esperança de poder alcançá - lo mais cedo, deixandode prestar qualquer atenção às casas aglomeradas por que passava,e sentindo alguma desilusão quando a estrada fez uma nova curvafechada, afastando - se do castelo. Mas então, depois do emaranhadode um bosque, a estrada fez uma nova curva em sentido contrário,e ele surgiu de repente: umas ruínas longas e obscuras, de contornosbem delineados sobre os campos cobertos de neve que se estendiamproibitivamente entre a margem do penhasco e a estrada.

Avistei mais à frente um parque de estacionamento, um peque -no terreno plano, com troncos que demarcavam os espaços para osautomóveis e, seguindo um impulso, entrei e parei.

Estava vazio. Não era surpreendente, uma vez que ainda nãoera sequer meio - dia, o dia estava frio e ventoso, e não havia motivospara que alguém parasse ali, a não ser que pretendesse ir ver as ruí-nas. E só de olhar para o único caminho que parecia levar ao castelo– um caminho em terra, gelado e profundamente mergulhado naneve, que me chegaria aos joelhos – pensei que não deveria havermuitas pessoas que parassem ali naquele dia.

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Sabia que também eu não deveria parar. Não tinha tempo.Tinha de estar em Peterhead à uma da tarde. Mas de súbito algumacoisa dentro de mim sentiu a necessidade de saber exatamente ondeestava e, portanto, procurei a localização no mapa.

Passara os cinco meses anteriores em França, onde tinha com-prado o mapa, e este tinha algumas limitações, revelando mais preo-cupação com as estradas e autoestradas do que com as localidadese ruínas. Estava tão concentrada a olhar para a garatuja da linhacosteira e a tentar descortinar os nomes impressos em letras miúdasque não reparei no homem até ele passar por mim, caminhandolentamente, de mãos nos bolsos, com um spaniel de patas enlamea-das imediatamente atrás de si.

Parecia um lugar estranho para alguém andar a passear, ali nomeio de nada. A estrada era movimentada e a neve ao longo dasbermas não deixava grande espaço livre para caminhar, mas nãoquestionei o seu aparecimento. Sempre que podia escolher entreuma pessoa viva e um mapa, escolhia a pessoa. Portanto, mexi - merapidamente, de mapa na mão, e abri a porta do carro, mas o ventosalgado que soprava do mar e atravessava os campos era mais fortedo que eu pensava. Roubou - me a voz. Tinha de tentar novamente.– Desculpe…

Creio que o spaniel me ouviu primeiro. Virou - se para mim edepois o homem também se virou e, ao ver - me, voltou para trás.Era mais jovem do que eu esperava, não muito mais velho do queeu, talvez tivesse trinta e poucos anos, tinha cabelos escuros, aspe-ramente chicoteados pelo vento, e uma barba escura, bem aparada,que o fazia parecer - se ligeiramente com um pirata. O seu jeito decaminhar também demonstrava um certo ar de superioridade, deconfiança. Perguntou - me: – Posso ajudá - la?

– Será que pode indicar - me onde estou? – Estendi o mapa nasua direção.

Dando a volta, de maneira a poder bloquear o vento, colocou - - se a meu lado, com a cabeça inclinada sobre a linha costeira im -pressa. – Aqui – disse ele, e apontou para um promontório sem

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nome. – Cruden Bay. Onde deveria estar? – A sua cabeça virou - semuito levemente quando fez a pergunta, e reparei que os seus olhosnão eram os olhos de um pirata. Eram cinzento - claros e amigáveis,e a sua voz também era amigável, com toda a cadência agradável eenrolada de um escocês do Norte.

– Vou para norte… para Peterhead – respondi.– Bem, isso não é um problema. – Apontou para o mapa. – Não

é longe. Siga por esta estrada e irá diretamente até Peterhead. – Pró-ximo do seu joelho, o cão bocejou uma queixa, e ele suspirou e olhoupara baixo. – Espera meio minuto. Não vês que estou a conversar?

Sorri. – Qual é o nome dele?– Angus.Dobrando - me, afaguei as orelhas caídas do cão, sujas de lama.

– Olá, Angus. Andaste a correr.– Sim, ele correria durante todo o dia se o deixasse. Não gosta

de estar parado.Da mesma maneira, pensei, que o seu dono. O homem tinha

uma aura de energia, de agitação e eu já o fizera demorar temposuficiente. – Então, vou deixá - lo ir - se embora – disse eu, enquantome endireitava. – Obrigada pela ajuda.

– Não custou nada – assegurou - me, e virou - se, recomeçando aandar, com o spaniel a trotar alegremente à sua frente.

O trilho endurecido estendia - se diante de ambos, na direçãodo mar, e no final vi as ruínas do castelo erguendo - se severas, qua-dradas e sem teto para as nuvens que corriam rapidamente. Enquan -to olhava para ele, senti um impulso repentino de ficar – de deixaro carro estacionado onde estava e seguir o homem e o cão até aosítio para onde tinham ido, e ouvir o bramido do mar em redor dasmuralhas desmoronadas.

Mas tinha promessas a cumprir.Assim, com relutância, regressei ao carro alugado, rodei a chave

na ignição e parti novamente em direção a norte.

*

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– Estás noutro sítio. – A voz de Jane, lançando sobre mim umasuave acusação, quebrou os meus pensamentos.

Estávamos sentadas no quarto do piso superior da casa dela, emPeterhead, o quarto com pequenas cadeias entrelaçadas de botões derosa no papel de parede, longe da agitação da festa no piso inferior.Recompus - me e sorri. – Eu não estou, eu…

– Carolyn McClelland – disse ela, usando o meu primeironome completo como sempre fazia quando me apanhava prestes adizer uma mentira. – Sou tua agente há quase sete anos, não meenganas. É por causa do livro? – Os seus olhos mostravam - se ansio-sos. – Não deveria ter - te arrastado até aqui deste modo, pois não?Não quando estás a escrever.

– Não sejas pateta. Há coisas mais importantes – disse eu – doque escrever. – E para o demonstrar, inclinei - me para a frente demaneira a poder olhar mais atentamente para o bebé que dormiaenrolado em cobertores sobre o colo dela. – Ele é mesmo muitobonito.

– É, não é? – Orgulhosamente, ela seguiu o meu olhar. – A mãedo Alan diz que ele se parece exatamente com o Alan quando erabebé.

Eu não conseguia ver isso. – Acho que ele tem mais coisas tuas.Basta olhar para o cabelo.

– Oh, o cabelo, meu Deus, sim, coitadinho – disse ela, tocandona suavidade brilhante, em tons de cobre e ouro, da pequena cabeça.– Tinha algumas esperanças de que fosse poupado a isso. Ele vai tersardas, sabes?

– Mas as sardas ficam tão bonitas nos rapazinhos.– Sim, bem, não te esqueças de vir cá dizer - lhe isso, quando ele

tiver dezasseis anos e me amaldiçoar.– Pelo menos – disse eu –, não vai ficar aborrecido com o nome

que lhe deram. Jack é um nome bonito, bom, muito viril.– A escolha do desespero. Eu estava à espera de algo que soasse

mais escocês, mas o Alan foi tão irredutível. De todas as vezes queeu propunha um nome, ele dizia: «Não, tivemos um cão que se

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chamava assim», e era o fim. A sério, Carrie, durante algum tempopensei que o iríamos batizar como «Bebé Ramsay».

Mas é claro que não o tinham feito. Jane e Alan arranjavamsempre uma forma de contornar as divergências e o pequeno JackRamsay estivera na igreja hoje, tendo eu chegado a tempo de ser asua madrinha. Que o tivesse conseguido fazer ignorando todos oslimites de velocidade entre a minha paragem em Cruden Bay e estesítio deixara o bebé tão pouco impressionado que, quando me virapela primeira vez, bocejara e mergulhara num sono de tal modoprofundo que nem chegara a acordar quando o padre lhe deitara aágua sobre a cabeça.

– Ele é sempre assim tão calmo? – perguntei, enquanto olhavapara ele.

– Porquê, pensavas que eu não conseguiria ter um bebé calmo?– Os olhos de Jane procuravam arreliar - me, porque ela conhecia asua própria natureza. Não era o que eu chamaria uma pessoa calma.Tinha uma vontade forte; era determinada e vibrante, tão animadaque me fazia sentir incolor, de alguma forma, ao seu lado. E can-sada. Eu não conseguia acompanhar o seu ritmo.

Não ajudava nada o facto de eu ter sido atacada por um vírusno mês anterior, que me obrigara a ficar de cama durante o Natal etirara a piada ao Ano Novo. Naquele mo mento, uma semana maistarde, ainda não estava na minha melhor forma. Mas mesmo quan -do me sentia de boa saúde, o nível de energia de Jane estava muitosquilómetros à frente do meu.

Por isso é que trabalhávamos tão bem juntas; por isso é que eua escolhera. A minha relação com as editoras não era lá muito boa– cedia com demasiada facilidade. Não suportava conflitos, por-tanto aprendera a deixar isso para Jane, e ela tinha combatido mui-tas batalhas em minha defesa, motivo pelo qual eu, aos trinta e umanos, tinha já quatro bestsellers e a liberdade de viver onde e comome apetecesse.

– Que tal é a casa em França? – perguntou - me ela, regressando,

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como inevitavelmente fazia, ao meu trabalho. – Ainda estás emSaint - Germain - en - Laye?

– É muito boa, obrigada. E ainda estou por lá, sim. Ajuda - mea não cometer erros nos detalhes. O palácio que lá existe é centralpara o enredo: é o local onde decorre a maior parte da ação. – Saint - - Germain fora uma oferta do rei francês para refúgio dos reis Ste-wart da Escócia, durante os primeiros anos do exílio destes, umlocal onde o velho rei Jaime e o jovem rei Jaime, sucessivamente,tinham mantido a corte com os seus leais apoiantes, onde tinhamtraçado estratagemas e planeado com os nobres da Escócia três desa-fortunadas revoltas jacobitas. A minha história deveria rodar emtorno de Nathaniel Hooke, um irlandês em Saint - Germain, que meparecia ser o herói perfeito para um romance.

Hooke nascera em 1664, um ano antes da peste negra, e apenasquatro anos após a restauração do rei Carlos II no maltratado tronode Inglaterra. Quando o rei Carlos morrera e o seu irmão católico,Jaime, subira ao trono, Hooke pegara em armas numa atitude derebelião, mas depois mudara de lado e abandonara a fé protestante,passando para o lado da Igreja Católica e tornando - se um dos maisferozes defensores de Jaime. Mas não servira de nada. A Inglaterraera uma nação repleta de protestantes e qualquer rei que se dissessecatólico não poderia alimentar a esperança de manter o trono. A rei-vindicação de Jaime fora desafiada pela própria filha, Maria, e porGuilherme de Orange, seu marido. E isso significara a guerra.

Nathaniel Hooke estivera bem no meio dessa guerra. Comba-tera por Jaime na Escócia e fora capturado como espião, tendoficado detido na terrível Torre de Londres. Após a sua libertação,pegara imediatamente, e mais uma vez, na espada, e fora combaterpor Jaime, e quando todas as batalhas terminaram, e Guilherme eMaria passaram a governar com toda a firmeza no trono, e Jaimefugiu para o exílio, Hooke partira com ele para França.

Mas não aceitou a derrota. Em vez disso, dedicou os seus inú-meros talentos a convencer aqueles que o rodeavam de que umainvasão conjunta e bem planeada pelo rei francês e pelos Escoceses

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poderia corrigir a situação, e restabelecer os Stewart exilados naqueleque era o seu trono por direito.

Quase tiveram sucesso.A História recordava o romance trágico de Culloden e do «Bon-

nie Prince» Charlie, muitos anos depois da época de Hooke. Masnão foi nesse inverno frio em Culloden que os jacobitas – literal-mente, os «seguidores de Jaime» e dos Stewart – conseguiramaproximar - se da concretização do seu objetivo. Não, isso aconteceuna primavera de 1708, quando uma frota de invasão, composta porsoldados franceses e escoceses, cujos planos tinham sido original-mente delineados por Hooke, ancorara ao largo da costa da Escóciano estuário do rio Forth. A bordo do navio - almirante estava o altoJaime Stewart, com vinte anos de idade – não o Jaime que fugirade Inglaterra, mas o seu filho, que muitos, não só na Escócia mastambém em Inglaterra, aceitavam como seu verdadeiro rei. Emterra, os exércitos reunidos, compostos por escoceses das Terras Altase leais nobres escoceses, esperavam ansiosamente para o receber eusar o seu poder contra os exércitos enfraquecidos a sul.

Longos meses de cuidadosos preparativos e planos clandesti-nos tinham dado resultado e parecia aproximar - se o momentodourado em que mais uma vez um rei Stewart iria reclamar o tronode Inglaterra.

O modo como esta grande aventura falhara, e por que motivotal sucedera, era uma das histórias mais fascinantes dessa época, umahistória de intriga e traição, que todos os lados se tinham esforçadopor encobrir e enterrar, apreendendo documentos, destruindo cor-respondência, espalhando boatos e informações erradas que tinhamsido considerados factuais até aos dias de hoje.

A maior parte dos detalhes que tinham sobrevivido tinham sidoregistados por Nathaniel Hooke.

Eu gostava daquele homem. Tinha lido as suas cartas e tinhapercorrido os mesmos corredores de Saint - Germain - en - Laye queele percorrera. Conhecia os pormenores do seu casamento, dos seusfilhos, da sua vida relativamente longa e da sua morte. Por isso, era

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frustrante para mim, depois de cinco longos meses de escrita, con-tinuar a lutar com as páginas do meu romance, e o personagem deHooke continuar a recusar - se a ganhar vida.

Sabia que Jane pressentia de que eu passava por alguns proble-mas – conforme ela dizia, conhecia - me há demasiado tempo edemasiado bem para não prestar atenção aos meus estados de espí-rito. Mas ela também sabia que eu não gostava de falar sobre osmeus problemas, pelo que tinha o cuidado de não falar comigo dire-tamente sobre esses assuntos. – Sabes, no último fim de semana lios capítulos que me enviaste…

– Quando é que consegues arranjar tempo para ler?– Há sempre tempo para ler. Li aqueles capítulos e perguntei -

- me se alguma vez pensaste em contar as coisas a partir do pontode vista de outra pessoa… de um narrador, sabes, da mesma formaque Fitzgerald faz com Nick, em O Grande Gatsby. Ocor reu - meque alguém do lado de fora talvez pudesse movimentar - se maislivremente e ligar todas as cenas. Era apenas uma ideia. – Parou porali, e sem dúvida sabendo que a minha primeira resposta ao conse-lho de alguém era oferecer uma forte resistência, mudou de assunto.

Cerca de vinte minutos mais tarde, estava a rir - me das suas des-crições secas sobre as alegrias de cuidar de um recém - nascido, quan -do o marido, Alan, enfiou a cabeça pela porta entreaberta do quarto.

– Sabem que está a decorrer uma festa lá em baixo? – pergun -tou - nos, com uma cara mal - humorada que eu teria levado muitomais a sério se não soubesse que era fingida. Por dentro, era umcoração mole. – Sozinho não consigo entreter toda aquela gente.

– Meu querido – respondeu Jane –, eles são da tua família.– Mais uma razão para não me deixarem sozinho com eles. –

Mas piscou-me um olho. – Ela não te pôs a falar de negócios, espe -ro? Disse - lhe para te deixar em paz. Está demasiado preocupadacom contratos.

Jane lembrou - o: – Bem, é esse o meu trabalho. E, para tuainformação, nunca me preocupei minimamente com a possibilidade

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de a Carrie não respeitar um contrato. Ela ainda tem sete mesespara entregar o primeiro rascunho.

Jane pretendia animar - me, mas acho que Alan terá visto o meubaixar de ombros, porque estendeu a mão na minha direção e disse:– Então, anda daí. Vamos até lá abaixo tomar uma bebida e contas - - me como foi a viagem. Estou impressionado por teres conseguidofazer todo o trajeto a tempo.

Faziam todo o género de piadas sobre a minha tendência parame distrair quando viajava, pelo que optei por não lhes dizer nadasobre o meu desvio enquanto subia a costa. Mas lembrei - me de umacoisa: – Alan – perguntei –, vais voar amanhã?

– Vou. Porquê?A pequena frota de helicópteros de Alan prestava assistência às

plataformas de petróleo que pontilhavam o Mar do Norte, ao largoda costa acidentada de Peterhead. Ele era um piloto destemido, comoeu ficara a saber da única vez que permitira que ele me levasse.Quando me trouxera de volta a terra firme, mal sentia as pernas. Masnaquele instante disse: – Será que podias levar - me a viajar um poucoao longo da costa? O Nathaniel Hooke veio até aqui duas vezes desdeFrança, para planear intrigas com os nobres escoceses, e das duas vezesfoi até ao castelo do conde de Erroll, Slains, que, a julgar pelo mapaantigo que tenho, parece ficar algures um pouco a norte daqui. Eugostava de ver o castelo, ou o que sobrou dele, a partir do mar, comoHooke deve ter olhado para ele quando o viu pela primeira vez, àmedida que se aproximava.

– Slains? Sim, podemos sobrevoar o castelo. Mas não é paracima na costa, é para baixo. Fica em Cruden Bay.

Fitei - o, estarrecida. – Onde?– Em Cruden Bay. Não a podias ver, no percurso que fizeste

até cá acima.Jane, atenta como sempre, reparou em algo no meu rosto, na

minha expressão. – O que foi? – perguntou ela.Eu nunca deixava de me surpreender com a serendipidade – a

forma como os acasos colidiam com a minha vida. De todos os

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