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Sarah Addison Allen A ÁRVORE DOS SEGREDOS Tradução Lídia Geer

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Sarah Addison Allen

A

ÁRVORE DOS

SEGREDOS

TraduçãoLídia Geer

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Para Michelle Pittman e Heidi Gibbs.

Tudo o que sei sobre amizade

devo-o a vocês.

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Esconderijos

No dia em que Paxton Osgood levou a caixa cheia desobrescritos forrados com folha delgada de metal para

a estação dos correios, os que pedira a um calígrafo profissio-nal que endereçasse, começou a chover tão intensamente queo ar ficou claro como algodão branqueado. Ao cair da noite, osrios haviam engrossado até à cota de inundação e, pela primeiravez desde 1936, o correio não pôde ser distribuído. Quando osolo começou a secar, depois de as bombas extraírem a águaque inundara as caves e de os quintais e ruas terem sido lim-pos das ramadas das árvores, os convites foram, finalmente,entregues, mas em casas que não correspondiam aos destina-tários. Vizinhos riam-se junto das vedações das suas vivendas,entregando a correspondência mal distribuída aos verdadeirosdestinatários, tecendo comentários a respeito do tempo desre-gulado e do carteiro ineficiente. No dia seguinte, um númeroinvulgar de pessoas dirigiu-se ao consultório do médico comcortes de papel infetados porque os sobrescritos haviam ficadoselados, como se com cimento, devido à humidade que per-meava o ar. Mais tarde, os cartões com os convites davam a

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impressão de se esconderem, aparecendo depois aqui e ali aoacaso. O convite da senhora Jameson desapareceu durante doisdias, reaparecendo no ninho de um pássaro fora de casa. Quantoao convite de Harper Rowley, foi encontrado no campanárioda igreja. O do senhor Kingsley apareceu na arrecadação dojardim da sua idosa mãe.

Se alguém tivesse prestado atenção aos sinais, aperceber--se-ia de que o ar adquiria uma tonalidade argêntea quando ascoisas estavam prestes a mudar, que os cortes de papel tinhammais que se lhes dissesse do que estava escrito na página e queos pássaros estão sempre prontos para nos defenderem de coi-sas que não vemos.

Porém, ninguém prestava atenção. E ninguém menos doque Willa Jackson.

O sobrescrito ficou esquecido no balcão dos fundos da lojade Willa durante mais de uma semana. Ela pegara-lhe comalguma curiosidade quando lhe foi entregue com a demais cor-respondência, mas apressara-se a largá-lo, como se a tivessequeimado, assim que reconheceu o que era. Até mesmo agora,quando passava por ele, olhava-o de relance com uma expres-são de desconfiança.

– Trata de o abrir – disse Rachel, exasperada, por fim,naquela manhã.

Willa virou-se para Rachel Edney, que se encontrava atrásdo balcão do café no outro extremo da loja. Tinha cabelo escurocurto e vestia umas calças à pirata e um top de alças de des-porto, parecendo preparada para escalar uma encosta escarpada.Por muitas vezes que Willa lhe dissesse que não precisava de sevestir com as roupas que a loja vendia – era muito raro a pró-pria Willa desviar-se das calças de ganga e botas –, Rachel estavaconvencida de que tinha de fazer publicidade à mercadoria.

– Não tenciono abri-lo. Não preciso de o abrir – retorquiuWilla, decidindo tratar da tarefa rotineira que era dobrar a novaremessa de T-shirts biológicas, na esperança de que isso a aju-

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dasse a ignorar a estranha sensação que se apoderava dela sem-pre que pensava naquele convite, qual balão de expectativa aexpandir-se no interior do seu corpo. Era muito frequente sen-tir aquilo quando era mais nova, mesmo antes de fazer algumacoisa verdadeiramente disparatada. Porém, pensava que já dei-xara tudo isso para trás. Revestira a sua vida de tanta calmaque não acreditava que houvesse alguma coisa que pudessepenetrar esse revestimento. Mas, aparentemente, ainda exis-tiam algumas coisas que conseguiam fazê-lo.

– Saíste-me cá uma elitista – disse Rachel, emitindo umsom de reprovação.

Isso fez Willa rir-se.– Explica-me porque não abrir um envelope com um con-

vite para uma gala organizada pelas mulheres mais ricas dacidade faz com que eu seja elitista.

– Tu olhas para tudo o que elas fazem com desdém, comose fossem demasiado parvas para serem credíveis.

– Não faço nada disso.– Pois bem, é isso ou estás a reprimir um desejo secreto

de seres uma delas – retrucou Rachel enquanto punha um aven-tal verde com um bordado a linha amarela que dizia «Au Natu-rel – Artigos de Desporto e Café».

Rachel era oito anos mais nova do que Willa, mas tal nãofazia com que esta ignorasse as suas opiniões e as conside-rasse as de uma miúda de vinte e dois anos que pensava quesabia tudo. Rachel tinha levado uma existência boémia e devagabundagem, pelo que sabia muito sobre a natureza humana.A única razão por que assentara em Walls of Water fora ter--se apaixonado por um homem que ali vivia. O amor, costu-mava ela dizer, muda as regras do jogo.

No entanto, Willa não queria enveredar pelo tópico doque pensava, ou não, sobre as famílias ricas da cidade. Rachelnunca vivera mais do que alguns meses em qualquer dos luga-res onde crescera. Ao contrário, Willa tinha residido ali durante

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quase toda a sua vida. Inerentemente, compreendia a miste-riosa dinâmica social de Walls of Water; só não sabia comoexplicá-la às pessoas que não a entendiam. Assim, fez a únicapergunta que sabia iria desviar a atenção de Rachel.

– Qual é a ementa para hoje? Cheira que é uma delícia.– Ah! Iguarias fantásticas. Uma mistura de sementes, fru-

tas e frutos secos, com grãos de café cobertos de chocolate, bis-coitos de aveia e brownies, ambos com cobertura de café. – Comum gesto amplo de apresentadora de concurso televisivo, indi-cou as iguarias a que se referira na vitrina abaixo do balcão.

Havia quase um ano que Willa entregara a Rachel a ges-tão do café da loja, fechado até então, tendo-lhe dado cartabranca em relação à doçaria cujos ingredientes incluíssem café.Veio a revelar ser uma ideia excelente. Atualmente, entrar naloja pela manhã era um verdadeiro prazer. Ir ao encontro doforte aroma a chocolate misturado com o cheiro do café aca-bado de preparar dava a sensação a quem entrasse de algo secretoe oculto, como se Willa tivesse, finalmente, encontrado o lugarperfeito para se esconder.

A loja de Willa, que se especializara em vestuário despor-tivo biológico, situava-se na National Street, a rua principalque levava à entrada da Cataract National Forest, amplamenteconhecida pelas suas belíssimas quedas-d’água, no coração dasmontanhas Blue Ridge, na Carolina do Norte. Todos os esta-belecimentos que serviam os campistas e amantes de grandescaminhadas estavam localizados ali, numa rua comprida e demuito movimento. E foi ali que Willa, por fim, encontrou oseu nicho, se é que se podia chamar-lhe isso. Verdade fosse dita,ela não era grande apreciadora de caminhadas nem de acam-par, tão-pouco de qualquer das outras atividades praticadas aoar livre que sustinham a economia da cidade, mas sentia-semuito mais à vontade com os proprietários dos outros estabe-lecimentos e com as pessoas que eram novas na cidade do quena sua relação com as que convivera na juventude. Se tinha de

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viver ali, era com os primeiros que se sentia bem e não com agente mais abastada e sofisticada da cidade.

As lojas situavam-se em edifícios antigos que tinham sidoconstruídos havia mais de um século, quando Walls of Waternão passava de uma pequeníssima vila madeireira. Os tetoseram de folha de Flandres rendilhada, enquanto as tábuas dossoalhos, de uma madeira clara, estavam muito calcorreadas.À mais pequena pressão, as tábuas rangiam e deslocavam-secomo os ossos de uma mulher de idade, o que deu a saber aWilla que Rachel se havia aproximado de si.

Voltou-se e deparou-se-lhe Rachel a estender-lhe o sobres-crito que ela temia.

– Abre-o.Com relutância, Willa pegou-lhe. Era espesso e requin-

tado, como se fosse papel de caxemira. Quanto mais não fossepara se livrar de Rachel, rasgou-o e abriu-o. Assim que o fez,ouviu o soar da sineta acima da porta e ambas olharam paraver quem tinha entrado.

Mas não viram ninguém.Rachel passou as mãos pelos braços nus, que haviam ficado

com pele de galinha.– Senti um arrepio de frio.– A minha avó diria que um fantasma passou por ti.– As superstições são a maneira de o homem tentar con-

trolar coisas sobre as quais não tem qualquer controlo – res-mungou Rachel.

– Obrigada, Margaret Mead1.– Vá lá – insistiu Rachel, encorajando-a. – Lê o que diz.Willa tirou o convite de dentro do sobrescrito, começando

a ler.

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1 Alusão à antropóloga Margaret Mead (1901-1978). (N. da T.).

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«No dia 12 de agosto de 1936, um pequeno grupo desenhoras de Walls of Water, Carolina do Norte, for-mou uma sociedade que desde então se transformouno clube social mais importante da área, um clube queorganiza angariações de fundos, que patrocina even-tos culturais na localidade e que, anualmente, atribuiuvárias bolsas de estudo.

É com muito orgulho que as membros atuais doClube da Sociedade Feminina a convida, na qualidadede antigo membro ou familiar de um antigo membro,para a comemoração especial do 75.º aniversário daconstituição desta grande organização.

Venha acompanhar-nos na celebração de setenta ecinco anos de boas ações resplendorosas. A festa será oprimeiro evento a decorrer na recentemente restauradaBlue Ridge Madam no dia 12 de agosto, às dezanove.

RSVP no cartão incluso para Paxton Osgood, presi-dente.»

– Estás a ver? – perguntou Rachel, falando por cima doombro de Willa. – Não foi assim tão mau, pois não?

– Não posso acreditar que a Paxton tenha decidido orga-nizar a festa na Blue Ridge Madam.

– Ora, deixa-te disso. Eu daria tudo e mais alguma coisapara ver o interior desse lugar, tal como tu.

– Não tenciono ir.– És doida se não aproveitares a oportunidade. A tua avó...– Já sei, ajudou a fundar o clube – concluiu Willa, por ela,

pondo o convite de lado. – Mas foi ela, e não eu.– É o teu legado.– Não tem nada que ver comigo.– Desisto – disse Rachel, atirando as mãos ao ar. – Que-

res um café?

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– Quero – aceitou Willa, satisfeita por ver aquele assuntoencerrado. – Com leite de soja e dois cubos de açúcar.

Desde a semana anterior que Rachel estava convencida deque a maneira como as pessoas tomavam o seu café revelava umindicador secreto com relação ao seu caráter. As pessoas que obebiam simples seriam inflexíveis? As que gostavam do seu cafécom leite e sem açúcar teriam questões maternais a resolver? Elamantinha um bloco de apontamentos atrás do balcão do caféonde anotava as suas conclusões. Willa tinha decidido mantê-lana incerteza pedindo-lhe um café diferente todos os dias.

Rachel contornou o balcão para tomar nota de como Willaqueria o seu café.

– Humm... interessante – disse, com um ar muito sério,como se aquilo fizesse todo o sentido do mundo, como se, final-mente, tivesse descodificado a maneira de ser de Willa.

– Não acreditas em fantasmas, mas estás convencida deque a maneira como tomo o meu café diz alguma coisa acercada minha personalidade.

– Isso é superstição. Isto é ciência.Willa abanou a cabeça e retomou a tarefa de dobrar cami-

solas, tentando ignorar o convite que se encontrava em cimada mesa. Mas a verdade é que o seu olhar era atraído para ali,vendo-o a adejar ligeiramente, como se soprado por uma levecorrente de ar.

Tapou-o com uma das camisolas de algodão, esforçando--se por esquecê-lo.

Quando fecharam a loja ao fim da tarde, Rachel foi encontrar--se com o namorado para uma caminhada ao anoitecer, o queera tão irritantemente salutar, que Willa compensou a frustra-ção com um brownie que tirou da vitrina, comendo-o em trêsdentadas. Em seguida, sentou-se ao volante do seu Jeep Wran-gler, de um amarelo-vivo, e foi para casa tratar de meter a roupa

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na máquina. As noites de quarta-feira eram dedicadas a lavara roupa. Por vezes, até ansiava por tratar dessa tarefa.

A sua vida era monótona, mas, do mal o menos, não sevia a braços com problemas. Tinha trinta anos. O que, diria oseu pai, se considerava a idade adulta.

Porém, em vez de seguir diretamente para casa, Willa virouquando chegou a Jackson Hill, o seu desvio pessoal diário. Erauma encosta íngreme de montanha, pelo que o trajeto se tor-nava dramático e até mesmo um pouco arriscado em determi-nados trechos, mas era o único caminho de acesso à mansãoanterior à Guerra da Secessão situada no cimo, localmenteconhecida por Blue Ridge Madam. Desde que os trabalhos derestauro tinham começado havia bem mais de um ano, Willapercorrera aquele caminho imensas vezes em segredo para obser-var a progressão das obras.

Havia vários anos que a casa senhorial fora abandonadapela última de uma série de agências de imobiliário de creden-ciais duvidosas. A pouco e pouco, chegara a um estado de grandedilapidação, até que a família Osgood decidira intervir, adqui-rindo a propriedade. Entretanto, quase completamente restau-rada, não tardaria a ser um bed-and-breakfast com um salãopara banquetes; as largas colunas dóricas brancas estavam devolta, abrangendo toda a largura da fachada da mansão numestilo neoclássico grandioso. O pórtico baixo passara a ter umlustre antigo suspenso do teto. O jardim de inverno no pisosuperior estava mobilado com cadeiras e mesas de ferro for-jado. E agora era circundado por uma sucessão impressionantede janelas, enquanto antes tinha os vidros todos partidos e estavaentaipado. Parecia algo do Sul de antigamente, a casa senho-rial de uma plantação onde as mulheres com saias de balão seabanavam com leques e os homens trajados formalmente fala-vam sobre o preço das colheitas.

A mansão Madam havia sido construída por volta de1800 pelo tetravô de Willa, o fundador da defunta Compa-

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nhia Madeireira Jackson. Fora um presente de casamento àsua jovem mulher – uma mulher delicada e formosa de umafamília proeminente de Atlanta. Ela adorara a casa, consi-derando que condizia com o seu estatuto, mas tinha detes-tado aquela cidade de montanha de nome Walls of Water,odiando o seu verdor ermo e permanentemente húmido. Erafamosa pelos requintados bailes que dava na esperança deincentivar os cidadãos a tornarem-se tão refinados quantoela desejava. Mas tal nunca se concretizou. Incapaz de trans-formar a sociedade em que vivia, decidira trazer a si a socie-dade de que gostava. Persuadira as suas amizades de Atlantaa visitarem-na, incentivando essas pessoas a construírem casas,para que passassem a considerar aquela localidade como umlugar de lazer paradisíaco, algo que ela própria nunca con-seguiu, muito embora tivesse sido bem-sucedida a conven-cer os outros. Era a magia muito particular das mulheres insa-tisfeitas de grande beleza.

E foi assim que se formou uma sociedade de pessoas ricasnaquela pequeníssima cidade na Carolina do Norte circundadapor quedas-d’água, uma cidade que em tempos tinha sido habi-tada por homens rudes associados à indústria madeireira. Estasfamílias abastadas eram intrigantes, incongruentes e pertina-zes. Não eram acolhidas de bom grado, de maneira nenhuma.Mas quando o Governo comprou a floresta montanhosa cir-cundante, ditando o fim da indústria madeireira local, foramessas famílias que ajudaram a cidade a sobreviver.

A ironia foi que a família Jackson, em tempos a mais abas-tada da cidade, sem a qual esta nunca teria existido, perdeutoda a sua riqueza com o fim da indústria madeireira. A recor-dação daquilo que em tempos haviam sido e o dinheiro quetinham possuído sustiveram-nos durante algum tempo. Maschegou a altura em que não tinham com que pagar os seusimpostos, o que os forçou a abandonarem a Madam. A maiorparte daqueles cujo apelido era Jackson deixou a cidade. Mas

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houve um membro dessa família que permaneceu, uma ado-lescente de nome Georgie Jackson – a avó de Willa. Tinhadezassete anos, era solteira e estava grávida. De tudo o que lhepodia ter acontecido, quis o destino que fosse trabalhar comocriada em casa dos Osgood, uma família que em tempos esti-vera unida aos Jackson por laços de estreita amizade.

Willa encostou à berma exatamente antes da curva deacesso ao caminho particular da Madam. Ia sempre à hora emque os que trabalhavam nas obras da mansão davam o dia detrabalho por terminado. Saiu do Wrangler e subiu para o capô,encostando-se ao para-brisas. Eram os últimos dias de julho,a parte do verão de calor mais opressivo, a Natureza cheia devida com o zumbido dos insetos apaixonados. Pôs os óculos desol para proteger os olhos da luminosidade ofuscante do pôrdo Sol e olhou para a casa.

Os trabalhos de restauro estavam concluídos, só faltandotratar dos jardins, o que, aparentemente, tivera início nessemesmo dia. Willa sentiu-se empolgada. Novas coisas para estu-dar. Viu que havia estacas de madeira e espaços delimitadoscom cordel, formando traçados geométricos à largura do jar-dim da frente, além de pinceladas de tinta de várias cores narelva que indicavam a localização da canalização, cabos elétri-cos e fios telefónicos, uma precaução para que os jardineirosnão cavassem aí. No entanto, dava a impressão de que a maiorparte da atividade se centrava na área que circundava a únicaárvore no cimo plano da colina, onde a mansão fora erigida.

A árvore situava-se exatamente na beira do precipício davertente do lado esquerdo. As folhas cresciam compridas eestreitas, com os ramos a alargarem-se para os lados. Quandoa luz solar incidia sobre a árvore a uma determinada hora aofim da tarde, parecia uma pessoa na beira do penhasco prestesa mergulhar num oceano. Junto da árvore, cujos ramos esta-vam envoltos em corda de plástico, havia uma escavadora.

Tencionariam derrubar a árvore?

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Willa perguntou-se porquê. Aparentava estar perfeita-mente saudável.

Pois bem, o que quer que fizessem, com certeza absolutaque seria pelo melhor. Os Osgood eram conhecidos pelo seubom gosto. A Blue Ridge Madam não tardaria a voltar a apre-sentar-se em todo o seu esplendor.

Por muito que Willa não o quisesse admitir, reconheciaque Rachel tinha razão. Adoraria ver o interior da mansão.Mas não pensava que tivesse algum direito a isso. Desde adécada de 1930 que a propriedade deixara de pertencer à suafamília. Até mesmo o facto de estar tão próximo lhe dava asensação de se encontrar ali abusivamente... o que, se quisesseser sincera para consigo própria, era uma das razões por queprocedia daquele modo. Contudo, até mesmo na sua adoles-cência, nunca conseguira reunir coragem suficiente para che-gar mais perto, de maneira a poder espreitar para dentro dacasa, e fora um rito de maioridade entrar furtivamente na casadilapidada. Na sua juventude, ela tinha pregado todas as par-tidas possíveis e imaginárias, o que fazia tão eficazmente quesó depois é que se vinha a saber que fora a autora. Willa nãotinha igual, ao ponto de os colegas de turma lhe terem dadoo nome de Brincalhona da Escola Secundária de Walls ofWater. Mas aquele lugar era diferente. Repelira-a e atraíra-aa um tempo, e continuava a fazê-lo. Todos os adolescentes quehaviam entrado abusivamente naquela mansão relatavam his-tórias de passos misteriosos, portas que batiam e um chapéude feltro escuro que flutuava, como se fosse usado por umhomem invisível. Talvez tivesse sido isso que a impedira sem-pre de se aproximar de mais. Tinha medo de fantasmas, gra-ças à sua avó.

Willa sentou-se e levou a mão à algibeira detrás das cal-ças de ganga, de onde tirou o convite, voltando a lê-lo. Pedia--se que se respondesse no cartão incluso; Willa procurou o car-tão dentro do sobrescrito, tirando-o para fora.

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Ficou surpreendida ao ver um Post-it afixado ao cartãoque dizia:

«Willa:A tua avó e a minha avó são as duas únicas sobrevi-ventes das fundadoras do clube, pelo que gostaria deplanear alguma coisa de especial na festa em home-nagem às duas.Telefona-me para tentarmos encontrar uma maneirade fazer isso.Pax.»

A caligrafia dela era bonita, como seria de esperar. Willarecordava-se disso dos tempos de liceu. Houve uma ocasião emque apanhou do chão uma nota que Paxton deixara cair aci-dentalmente no corredor, tendo-a guardado durante vários meses– uma lista estranha que especificava as características que Pax-ton desejava que o seu futuro marido possuísse. Lera-a váriasvezes, estudando a inclinação da letra Y e o aprumo do X. Estu-dou aquele pormenor tão a fundo que se achou capaz de ocopiar. E depois de ter adquirido aquela competência, era impos-sível não a pôr em prática, o que resultara num encontro deve-ras embaraçoso entre a petulante Paxton Osgood e RobbieRoberts, o labrego sedutor do liceu que acreditou que Paxtonlhe tinha enviado uma carta de amor.

A Brincalhona da Escola Secundária de Walls of Watervoltara a atacar.

– Maravilhosa, não é?Willa deu um pulo ao ouvir aquela voz, sentindo o cora-

ção a saltar-lhe subitamente no peito. Deixou cair o convite,que voou soprado pelo vento até ao dono da voz, que se encon-trava a alguns passos à direita do Wrangler.

Ele vestia calças escuras e tinha uma gravata azul com cor-nucópias a espreitar de uma das algibeiras. A camisa branca

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