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S U S T E N T A B I L I D A D E D A P E S C A 12 por Bruno Buys Mar brasileiro é rico em diversidade de espécies, mas os estoques são escassos A constatação que o mar brasileiro não possui grandes estoques de recursos pesqueiros e perde em competitividade para mares de países vizinhos, como Peru e Chile, abundantes em anchoveta e cavala, ou para o Atlântico Norte, rico em bacalhau e arenque, foi feita pelo pro- grama Avaliação do Potencial Susten- tável dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva, conhecido pela sigla Revizee. A pesquisa explica o por- que — ocorre por uma conjugação de fato- res ambientais e climáticos, que intera- gem com o desenho da costa brasileira, determinando a baixa produtividade — e propõe medidas para o setor pesquei- ro do país, como a agregação de valor ao produto, monitoramento da pesca e cria- ção de reservas marinhas. O impulso inicial para a criação do Revizee se deu em 1994, com a entrada em vigor, no Brasil, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). A meta do programa — produ- zir informações sobre o estado da atual exploração de recursos do mar, bem como sobre o potencial sustentável de pesca — foi alcançada após dez anos de ativi- dades: confirmou-se o conhecimento anterior sobre a limitação nas opções de expansão da pesca, pois o mar brasilei- ro, embora rico em diversidade de espé- cies, possui pouca abundância de cada uma delas. "Antes de começar o programa, tínha- mos uma esperança de que poderíamos encontrar algum 'oásis' em alguma região remota, capaz de alavancar a indústria pesqueira. Mas isso não aconteceu. A grande maioria dos recursos que encon- tramos já estava sendo explorada pelas frotas de pesca", diz Agnaldo Martins, professor do Departamento de Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo. Segundo Atilio Guglielmo, comerciante do Mercado São Pedro, em Niterói (RJ), a quase totalida- de do pescado vendido ali vem do Sul do país. "As comunidades de pescadores que trabalhavam nas áreas da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, não pes- cam mais como antigamente. É necessá- ESPECIALISTAS APONTAM AGREGAÇÃO DE VALOR AOS PRODUTOS E CRIAÇÃO EM CATIVEIRO COMO FORMAS DE COMPENSAR A PEQUENA PRODUTIVIDADE DE RECURSOS PESQUEIROS Baía de Guanabara: hoje é preciso navegar três vezes mais longe para chegar aos cardumes

SUSTENTABILIDADE DA PESCA Mar brasileiro é rico em ...inovacao.scielo.br/pdf/inov/v3n2/a08v03n2.pdf · Federal do Espírito Santo. Segundo Atilio Guglielmo, comerciante do Mercado

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S U S T E N T A B I L I D A D E D A P E S C A

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por Bruno Buys

Mar brasileiro é rico em diversidade de espécies, mas os

estoques são escassos

A constatação que o mar brasileironão possui grandes estoques de recursospesqueiros e perde em competitividadepara mares de países vizinhos, comoPeru e Chile, abundantes em anchovetae cavala, ou para o Atlântico Norte, ricoem bacalhau e arenque, foi feita pelo pro-grama Avaliação do Potencial Susten-tável dos Recursos Vivos da ZonaEconômica Exclusiva, conhecido pelasigla Revizee. A pesquisa explica o por-que — ocorre por uma conjugação de fato-res ambientais e climáticos, que intera-gem com o desenho da costa brasileira,determinando a baixa produtividade —e propõe medidas para o setor pesquei-ro do país, como a agregação de valor aoproduto, monitoramento da pesca e cria-ção de reservas marinhas.

O impulso inicial para a criação doRevizee se deu em 1994, com a entradaem vigor, no Brasil, da Convenção dasNações Unidas sobre o Direito do Mar(CNUDM). A meta do programa — produ-zir informações sobre o estado da atualexploração de recursos do mar, bem como

sobre o potencial sustentável de pesca— foi alcançada após dez anos de ativi-dades: confirmou-se o conhecimentoanterior sobre a limitação nas opções deexpansão da pesca, pois o mar brasilei-ro, embora rico em diversidade de espé-cies, possui pouca abundância de cadauma delas.

"Antes de começar o programa, tínha-mos uma esperança de que poderíamosencontrar algum 'oásis' em alguma regiãoremota, capaz de alavancar a indústriapesqueira. Mas isso não aconteceu. Agrande maioria dos recursos que encon-tramos já estava sendo explorada pelasfrotas de pesca", diz Agnaldo Martins,professor do Departamento de Ecologiae Recursos Naturais da UniversidadeFederal do Espírito Santo. Segundo AtilioGuglielmo, comerciante do Mercado SãoPedro, em Niterói (RJ), a quase totalida-de do pescado vendido ali vem do Sul dopaís. "As comunidades de pescadoresque trabalhavam nas áreas da baía deGuanabara, no Rio de Janeiro, não pes-cam mais como antigamente. É necessá-

ESPECIALISTAS APONTAM AGREGAÇÃO DE VALOR AOS PRODUTOS E CRIAÇÃO EM CATIVEIRO COMO FORMAS DE COMPENSAR

A PEQUENA PRODUTIVIDADE DE RECURSOS PESQUEIROS

Baía de Guanabara:hoje é preciso

navegar três vezesmais longe para

chegar aos cardumes

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rio navegar três vezes mais longe, maradentro, para chegar aos cardumes". Abaía sofre com a poluição crônica, oriun-da de diversas atividades econômicasali praticadas, além de abrigar o Portodo Rio, mas ainda representa um poten-cial pesqueiro local, principalmente paraa pesca artesanal.

RESULTADOS E PERSPECTIVAS FUTURASNo relatório final do Revizee aparece

que a maioria das espécies existentes nolitoral e na zona econômica exclusivabrasileira está plenamente explorada ousobreexplorada. Mesmo com um litoralde grande variedade de recortes e aciden-tes geográficos, o que favoreceria o sur-gimento de espécies, a condição de bai-xo teor de nutrientes das águas impedea formação de grande biomassa de pes-cado. Existem algumas perspectivas naregião Norte, onde quatro espécies depeixes de fundo podem ter esforços decaptura intensificados: o ariocó, o cabe-çudo, a trilha e a cambéua. Algumas espé-cies de grandes peixes pelágicos, comoa albacora-laje e o espadarte, tiveramtambém registro de abundância. Essasespécies migratórias, porém, atravessamfronteiras nacionais durante seus ciclosde vida, e estão sujeitas à fiscalização daComissão Internacional para a Conser-vação do Atum Atlântico (ICCAT, na siglaem inglês).

INOVAÇÃO NA COMERCIALIZAÇÃOPara o pesquisador Agnaldo Martins,

a estratégia frente a esse quadro demenor produção potencial é aumentaro valor do produto final com melhor pro-cessamento do pescado, agregar valorpor meio de melhores técnicas de lim-peza, acondicionamento e apresenta-ção, capacitando-o a ser aceito por mer-cados mais exigentes, que pagam maiorpreço. Atualmente, uma parcela signifi-cativa do pescado se perde por manipu-lação ruim, é vendida a preços irrisórios

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pelas comunidades de pescadores a gran-des atravessadores. Martins avalia quetais medidas possibilitariam que, com omesmo volume de pescado, as coopera-tivas e grupos de pescadores poderiamlucrar de cinco a seis vezes mais, ven-dendo diretamente ao mercado interna-cional ou a grandes centros consumido-res, como Rio de Janeiro ou São Paulo.

CRIAÇÃO EM CATIVEIROCarmen Rossi Wongtschowski, pro-

fessora do Instituto Oceanográfico daUniversidade de São Paulo e coordena-dora do subcomitê sul do Revizee, suge-re que uma alternativa econômica inte-ressante ao esgotamento da pesca sejaa aqüicultura. O Brasil produz atualmen-te camarões e alguns outros invertebra-dos em cativeiro. No Nordeste, a carci-nicultura tem crescido, ao mesmo tem-po em que na baía da Ilha Grande (RJ) eno estado de Santa Catarina as criaçõesde vôngoles, vieiras, ostras e mexilhõespredominam. Tanto para Carmen quan-to Silvio Jablonski, professor daUniversidade Estadual do Rio de Janeiro(Uerj) e coordenador da redação do rela-tório final do programa, as criações cata-rinenses são referências de boas práti-cas ambientais enquanto as fazendasde camarões do Nordeste cresceramsobre áreas de importância ambiental,como mangues e estuários, com fiscali-zação deficiente.

ESTOQUE PESQUEIRO NO MAR BRASILEIRO O programa Revizee dividiu a Zona

Econômica Exclusiva (ZEE) brasileiraem quatro subcomitês regionais, encar-regados de conduzir os trabalhos locais:Norte, da foz do rio Oiapoque à foz do rioParnaíba; Nordeste, da foz do rioParnaíba até Salvador, incluindo os arqui-pélagos de Fernando de Noronha, de SãoPedro e São Paulo e o Atol das Rocas;Central de Salvador até o cabo de SãoTomé, incluídas as ilhas de Trindade e de

Martin Vaz. E, finalmente, o subcomitêSul, do cabo de São Tomé até o Chuí.

REGIÃO NORTEA região beneficia-se do despejo de

água doce do rio Amazonas, rica emnutrientes, que fertiliza o mar e propi-cia uma produção primária maior queas demais regiões. O Norte representa28% do total de pescado desembarcadono país, sendo o estado do Pará o segun-do maior pólo nacional de desembar-que. Possui espécies relevantes para apesca artesanal: bagres, pescada-ama-rela e pescada-gó, corvina, serra e par-go. No Pará, a lagosta também tem des-taque. Em relação à pesca industrialdestacam-se os camarões-rosa, a pira-mutaba e o pargo.

A região é um dos principais bancoscamaroneiros do mundo, estendendo-se desde Tutóia, no Maranhão até o del-ta do Orinoco, na Guiana. No final dadécada de 80 a produção atingiu um picode 10 mil toneladas de camarões, decli-nando em seguida para cerca de 4 a 5mil toneladas nos anos mais recentes. A

piramutaba, um bagre, teve captura máxi-ma no ano de 1977, de aproximadamen-te 30 mil toneladas, e depois manteve-seestável em 20 mil toneladas.

REGIÃO NORDESTEEssa região contabiliza 12% da pesca

nacional, ou cerca de 70 mil toneladasao ano. Dentre as espécies para pescaartesanal encontra-se cioba, ariocó, den-tão, pargo-olho-de-vidro, serra, peixe-voa-dor, cavala e dourado. O camarão, captu-rado por redes de arrasto, está sendoexplorado além da capacidade máximasustentável. Um dos problemas verifica-dos é a captura acidental, relacionada aoequipamento de pesca usado. O arrasto,por exemplo, não captura somente cama-rões, traz também diversos organismosde fundo, de interesse econômico ou não.

Em relação à lagosta, destacam-seos estados do Ceará (1º produtor, com80%) e do Rio Grande do Norte (2º, com10%). A lagosta-vermelha responde por75% do total, e a lagosta-verde por 20%.São as principais espécies exploradas.O Brasil é o 7º produtor mundial de lagos-tas, produzindo anualmente um valoraproximado de US$ 50 milhões, numtotal de 5 mil toneladas de lagosta.

A pesca industrial nordestina estádividida em dois grupos: pesca costei-ra, que atua na plataforma cotinental,ilhas e bancos oceânicos, capturandolagostas. Já a pesca oceânica dedica-seaos atuns.

REGIÃO CENTRALO relevo de fundo acidentado, com

recifes de corais e algas calcárias, faz dapesca de linha a única opção adequadana região Central. As pescarias mais tra-dicionais no litoral sul da Bahia e EspíritoSanto têm sido o badejo, a garoupa e overmelho, animais que vivem em fun-dos de recifes e rochas. Tem crescido acaptura de peixes pelágicos como o dou-rado, a cavala, o atum e o olho-de-boi. Há

ESTADO COSTEIROA CNUDM define o conceito de Zona

Econômica Exclusiva, uma faixa de água quese inicia onde termina o mar territorial (12milhas a partir da costa) e alcança 200 milhasmar adentro. Toda essa área pertence ao ter-ritório brasileiro, não, porém, sem responsa-bilidades. O estado costeiro, segundo aConvenção, deve se mostrar capaz de geren-ciar seus recursos vivos e não-vivos (princi-palmente hidrocarbonetos) e avaliar o poten-cial de captura sustentável. Nos casos em quea frota pesqueira nacional não for capaz de cap-turar o limite sustentável, o estado deveráfornecer concessões de pesca a embarcaçõesestrangeiras para a exploração desses recur-sos, sempre tendo em vista um aproveitamen-to racional dos mesmos.

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POR QUE O MAR BRASILEIRO É POUCO PRODUTIVO?

No mar, a produtividade é diretamente dependente da abundân-cia de fitoplâncton, base da cadeia alimentar, e do qual dependem osdemais organismos. E o fitoplâncton, por sua vez, depende de dois ele-mentos, luz solar e nutrientes minerais. A luz solar penetra em uma fai-xa estreita do mar, estando mais abundante na superfície. Os nutrien-tes minerais, por sua vez, são mais abundantes no fundo. É necessárioque alguma fonte natural de energia promova a constante mistura daságuas, para que os dois ingredientes estejam simultaneamente dispo-níveis para o fitoplâncton. No Atlântico Norte, por exemplo, existemfortes ventos que desempenham esse papel, e também na costa pací-

fica da América Latina, beneficiando Chile e Peru. Estes dois países tam-bém contam com o próprio movimento da Terra para misturar as águas,uma vez que no Pacífico, por ação da rotação terrestre, o continentevai de encontro às águas do oceano, provocando a mistura.

Já o nosso Atlântico Sul padece de uma certa estagnação, uma vezque não existem fontes constantes de energia para misturar as águas.Existem pontos do litoral brasileiro que apresentam fenômenos locaisde produtividade, como a região de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, ou afoz do Amazonas. Esses pontos, embora importantes localmente, nãosustentam uma produção pesqueira de porte nacional.

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ainda a participação de espécies comoa guaiúba, o dentão, a cioba, o cherne, aguaricema, a guarajuba e os graçains.

REGIÃO SUDESTE-SULExistem na região tantos pontos de

desembarque que o controle da pesca ea estimativa de produção tornam-se mui-to difíceis. A pesca é desembarcada emoito pontos: Rio Grande (RS), Itajaí eNavegantes (SC), Santos e Guarujá (SP),

e Cabo Frio, Niterói e Angra dos Reis (RJ).A pesca artesanal diminui de importân-cia, ficando em torno de 15% da produ-ção regional. Não obstante, é uma fontede empregos para um grande contingen-te de famílias e, em muitos pontos, cons-titui-se em atividade tradicional.

Pesquisas do Departamento deOceanografia e Hidrologia da Universi-dade Estadual do Rio de Janeiro, mos-tram que a baía de Guanabara apresen-

ta pesca artesanal significativa de cama-rão-rosa e camarão-branco, e de peixescomo a corvina, tainha, parati e espada.As baías de Sepetiba, Ilha Grande e Parati,no sul do estado do Rio de Janeiro tam-bém apresentaram volumes relevantes depesca artesanal.

A pesca artesanal com arrasto-de-fundo predomina em São Paulo, Paranáe Santa Catarina, onde a espécie-alvosão os camarões, principalmente o sete-barbas e o camarão-rosa. Espécies depeixes importantes são as pescadas, cor-vinas, linguados, manjubas e tainhas.No Rio Grande do Sul a pesca do cama-rão-rosa tem forte presença na Lagoados Patos, e na região costeira a frota depesca visa a corvina, a pescada-olhuda,a castanha, a anchova e alguns cações.

A sardinha-verdadeira é um dos prin-cipais recursos do Sudeste, e talvez omais famoso caso de sobreexploraçãode um recurso vivo marinho. Sua pes-ca tem sustentado, não sem sobressal-tos, uma das indústrias mais popula-res de pescados do Sul e Sudeste. A pes-ca da sardinha teve início em meadosdos anos 60, atingindo o pico de 200mil toneladas no começo dos anos 70.Em 1990 registrou-se um desembar-que de 32 mil toneladas da espécie, aopasso em que, em 2000, o número caiupara 17 mil toneladas.

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Bruno Buys

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