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T E C N O L O G I A DE D N A R E C O M B I N A N T E Alfredo J. M. Cravador

T E C N O L O G I A DE D N A R E C O M B I N A N T Ew3.ualg.pt/~acravad/Docs-DNAREC/Dna-recombinante-II-total.pdf · Diz-se que o fago é "restrito " pela segunda estirpe bacteriana

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T E C N O L O G I A

DE

D N A R E C O M B I N A N T E

Alfredo J. M. Cravador

T E C N O L O G I A

DE

D N A R E C O M B I N A N T E

Alfredo J. M. Cravador

FARO 2001

i

PREÂMBULO

O estudo da base molecular da vida só muito lentamente pôde progredir comparativamente ao das

outras ciências, devido, por um lado, à ausência ou à imperfeição das técnicas de análise e de medida,

mas fundamentalmente à complexidade dos sistemas biológicos. Não será todavia por isso que o

progressivo desvendar dos mecanismos que regem a organização máxima da matéria deixa de ser um dos

capítulos mais apaixonantes da História da Ciência moderna.

Foi há cerca de 50 anos que WATSON e CRICK dobraram um dos cabos mais decisivos da história

da ciência moderna, ao publicarem a estrutura do ácido desoxirribonucleico (DNA). Desde então,

milhares de cientistas e investigadores têm-se interessado pelos diferentes aspectos da estrutura e da

função do DNA, com o fim de compreenderem como a informação genética está contida na molécula de

DNA, e como ela é tratada de maneira tão ordenada e precisa durante os processos biológicos. A

conjugação de todos estes trabalhos de pesquisa levou à acumulação de um volume enorme de

informações e de conhecimentos em genética molecular e ao desenvolvimento de uma metodologia nova,

a engenharia genética.

A engenharia genética ou seja, a pesquisa sobre o DNA recombinante baseia-se num conjunto de

técnicas que conferem a possibilidade, até há pouco apanágio exclusivo da química relativamente a

pequenas moléculas, de romper e formar ligações covalentes de maneira específica e controlada em

moléculas de DNA. O material genético pode hoje ser modificado, mutado, transferido, detectado ou

sintetizado com as finalidades mais diversas tanto aplicadas como fundamentais.

A possibilidade de criar combinações novas, não naturais, a partir de material genético de diferentes

origens e de as introduzir em organismos hospedeiros que as perpetuam e multiplicam, deu uma

dimensão nova à biotecnologia, dotou-a do refinamento próprio à engenharia genética. À exploração

empírica dos fenómenos biológicos contrapõe-se, hoje, a construção racional de sistemas biológicos

artificiais elaborados por manipulação genética no laboratório de investigação, antes de serem explorados

industrialmente ou na produção agrícola. É neste contexto que deve ser considerada a engenharia

genética, não como uma nova disciplina em si, mas antes como um instrumento de investigação poderoso

que tem contribuído para um melhor conhecimento e aprofundamento do conceito de gene.

Esta disciplina não só permite compreender melhor os mecanismos fundamentais da vida, mas

também, pela manipulação dos organismos mais diversos, produzir substâncias úteis para a medicina, a

agricultura e a indústria em geral.

É de salientar que os extraordinários progressos realizados em engenharia genética só foram

possíveis graças aos resultados da investigação fundamental obtidos nos campos da genética, da biologia

ii

celular, da enzimologia, da virologia, da imunologia, da química dos ácidos nucleicos e das proteínas, da

cristalografia e que só a interacção das diferentes competências no seio desta área multidisciplinar

permite abordar nas melhores condições a tecnologia da clonagem de genes.

A racionalidade e os conhecimentos humanos tendo os seus limites, a nova era industrial e agrícola em

que entrámos não é destituída da ameaças e só poderá beneficiar as populações humanas a longo termo se

a exploração dos recursos biológicos respeitar os grandes equilíbrios naturais, os ciclos biológicos e

preservar a riqueza do património biológico terrestre já amplamente enfraquecidos. O mecanismo que o

homem é agora capaz de manipular é o estado superior da complexidade da matéria e é também o mais

frágil. Como corolário, o impacto da acção do homem na natureza passou a ser directo e profundo. As

consequências poderão ser catastróficas ou positivas e só dependem de nós. As ciências da vida ao

desembocarem no domínio das aplicações, a pequena ou a grande escala, tocaram a ecologia e a ética,

dimensões que não podem deixar de estar intimamente associadas à formação científica que têm por

missão ministrar.

iii

ÍNDICE 1.OS INSTRUMENTOS DE BASE 2 1.a.As enzimas, suas actividades e utilizações 2

Endonucleases de restrição e metilases 2 Outras endonucleases 8 Exonucleases e polimerases 9 Fosfatases 12 Ligação de fragmentos de DNA 13

1.b.A sequenciação de DNA 15 1. Método químico ou de Maxam & Gilbert 15 2. Método de terminação de cadeia ou de Sanger 17 3. Utilização da PCR em sequenciação 22 4. Sequenciação "automática" 24 5. Sequenciação multiplex 27 6. Outras tendências 28 7. Sequenciação de oligonucleotídeos 30 8. Chromosome walking 32 1.c.Síntese química de DNA 32

I. Princípios da síntese química de DNA 33 1) Preparação dos blocos de base para a síntese 34 2) Desprotecção selectiva 40 3) Reacções de condensação 42

4) Construção da cadeia oligodesoxinucleotídica 43 5) Desprotecção 46

Rendimentos 48 6) Isolamento, purificação e caracterização 49

2.VECTORES DE CLONAGEM 50 a. Os plasmídeos 50

Concepção de um vector plasmídico 52 b. Bacteriófagos 52

Empacotamento in vitro 54 c. Cosmídeos 55 d. O fago M13 56

Conclusões 57 3. MUTAGÉNESE DIRIGIDA 53 Eliminações 53 Inserções 54 Substituições 54 Mutagénese dirigida com oligonucleotídeos sintéticos 56 Selecção e identificação dos mutantes 59 Aplicações da mutagénese dirigida 60 4. A TRANSFORMAÇÃO BACTERIANA 63 5. BANCO DE CLONES DE cDNA 63 Esquema de construção de um banco de clones de cDNA 64 6. BANCOS GENÓMICOS 66 7. MÉTODOS DE DETECÇÃO E DE ANÁLISE DE CLONES 67

a) Hibridação in situ entre o DNA dos clones recombinantes e uma sonda de DNA radioactiva 67 b) Carta de restrição 67 c) Sequenciação dos nucleotídeos do inserto nos clones positivos por hibridação 68

d) Selecção do mensageiro específico por hibridação com o DNA recombinante e tradução in vitro 68

iv

e) Southern blotting 68

f) Escolha das sondas de DNA sintéticas 68

8. A SÍNTESE QUÍMICA DE GENES 72 9. SISTEMAS DE EXPRESSÃO: ORGANISMOS HOSPEDEIROS - VECTORES 74 a. Expressão em E. coli 74

Vectores de expressão em E. coli 74 1) Construção de vectores de expressão 76

2) Vectores baseados no promotor PL de λ 77

3) λgt11 - vector de expressão derivado do fago λ 79

Identificação das placas produtoras 79 Limitações da produção na bactéria 80 Produção da hormona de crescimento humana (hGH) 81 Hormonas de crescimento animais 85 Produção de insulina humana 86

b. Expressão em Bacillus subtilis 88 c. Expressão na levedura 90

Os vectores de expressão de S. cerevisiae 91 Exemplos de vectores de expressão para produção de proteínas exógenas em leveduras 92 1) A integração dirigida 95 2) O isolamento de alelos mutantes 96 3) Regulação da expressão dos genes na levedura 96 4) Um intrão codifica para uma proteína reguladora 97 5) Estrutura do gene da ferromona de levedura (MFα) 99

d. Expressão nos fungos filamentosos 100 e. Expressão em células de mamíferos 103

Transferência de genes nas células de mamíferos (transfecção) 104 Co-transformação 106 Micro-injecção 106 Isolamento dos genes transferidos 106 Clonagem de oncogenes humanos 107 Vectores virais utilizados para transfectar as células de mamíferos 108 Vector SV40 108 a) Substituição da região tardia de SV40 108

b) Substituição da região precoce de SV40 109

Vector vaivém derivado de SV40 109 Vector BPV (Bovine Papilloma Virus) 110 Vectores derivados de retrovírus 110

f. Introdução de genes estrangeiros em óvulos fertilizados. Animais transgénicos 112 Expressão do DNA estrangeiro nos animais transgénicos 113 A utilização dos retrovírus 115 Conclusões e resumo 115 g. Expressão em células de insectos 116 Construção dum vector de transferência do baculovírus 118 Actividade biológica das proteínas recombinantes 119 10. ENGENHARIA GENÉTICA DE PLANTAS 120 Agrobacterium tumefaciens 120 O plasmídeo Ti como vector 123 Expressão controlada pela luz e específica de órgão, dum gene de trigo em plantas de tabaco 126 Plantas transgénicas 127 a) Resistência a herbicidas 127 b) Resistência a insectos 128 c) Resistência a vírus 130 d) Produtoras de péptidos 133 As plantas monocotiledóneas 134

v

11. O DNA RECOMBINANTE E O DIAGNÓSTICO EM MEDICINA 136 a. Alterações cromossómicas 136 b. Cartografia dos cromossomas humanos 137 c. Mapeamento do genoma humano por RFLP 139 d. Anomalias monogénicas e multifactoriais 141 e. O diagnóstico de defeitos genéticos 142 1) RFLP (Restriction Fragment Length Polymorphism) 143 2) Diagnóstico de mutações identificadas 144 ß-talassemias 144

a) Mutações sem sentido e frame shift 145 b) Mutações que afectam a transcrição 145 c) Mutações que afectam a maturação do RNA 146 d) Utilização dos oligonucleotídeos sintéticos 146 e) Anemia falciforme 148

A deficiência hereditária de αααα1-antitripsina 148 f. Detecção de mutações somáticas 150 g. Amplificação enzimática de DNA (PCR) 152 1) Detecção da anemia falciforme e da hemoglobina C por PCR 154 2) Detecção de doenças infecciosas por PCR 155 Detecção de HPVs 156 Detecção de HIV 158 12.REGULAMENTAÇÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE ORGANISMOS RECOMBINANTES E A PROTECÇÃO CONTRA

OS RISCOS BIOLÓGICOS 161 ANEXO Directivas do Conselho da CEE 163

1

METODOLOGIA DO DNA RECOMBINANTE

A tecnologia do DNA recombinante representa na realidade, um ramo da engenharia

genética considerada no seu sentido lato. Ela diz respeito à recombinação in vitro do material

genético por meio de enzimas. Estas manipulações in vitro só adquirem realmente um sentido

quando o DNA recombinante é introduzido num hospedeiro biológico, onde pode ser mantido e

propagado indefinidamente. Uma experiência típica de clonagem requer no mínimo

a) um DNA objecto duma pesquisa;

b) um vector de clonagem;

c) enzimas de restrição;

d) DNA ligase;

e) células procariotas ou eucariotas que servem de hospedeiro biológico

(Fig. 1.II.).

Depois da introdução no hospedeiro, as moléculas recombinantes têm que ser isoladas e

caracterizadas. Foi através deste processo de caracterização, que o conhecimento do gene foi

progredindo. O processo de clonagem em si, só fornece um meio de isolar e de identificar

rapidamente os genes de interesse.

Neste capítulo passaremos em revista os diversos métodos utilizados para clonar um gene.

2

1. OS INSTRUMENTOS DE BASE

1.a.As enzimas, suas actividades e utilizações

Endonucleases de restrição e metilases

Sempre que um bacteriófago λ se desenvolve numa estirpe de Escherichia coli C, os

fagos resultantes da lise deste hospedeiro multiplicam-se muito mal noutra estirpe, de tipo K.

Diz-se que o fago é "restrito" pela segunda estirpe bacteriana. Por outro lado, os fagos que

escaparam à restrição são capazes de crescer normalmente se forem utilizados para re-

infectarem a estirpe K. No entanto, se estes mesmos fagos passarem primeiro por E. coli C,

ficam de novo restritos por E. coli K (Fig. 2.II). Portanto, a eficácia com a qual um fago se

multiplica num hospedeiro depende da estirpe na qual ele se multiplicou anteriormente. Esta

modificação não hereditária, conferida ao fago pela segunda estirpe (K) e que lhe permite

voltar a multiplicar-se nesta estirpe sem ser de novo restrito, chama-se modificação.

Os fagos restritos adsorvem-se sobre os hospedeiros restritores e injectam o seu DNA

normalmente. No entanto, este DNA é rapidamente degradado depois da injecção. A enzima

responsável por esta degradação é uma endonuclease, também chamada endonuclease de

restrição ou enzima de restrição. O hospedeiro restritor tem evidentemente que proteger o seu

DNA dos efeitos das enzimas de restrição que ele próprio contém; esta protecção é

assegurada pela modificação do DNA. Mais precisamente, as modificações resultam da

metilação (por metilases) de certas bases num número reduzido de locais do DNA, que

constituem as sequências de reconhecimento para a enzima de restrição. É, pois,

compreensível a razão pela qual um fago que escapa à restrição num dado hospedeiro, pode

em seguida re-infectar eficazmente o mesmo hospedeiro: o DNA do fago ter-se-á replicado

em presença da metilase de modificação e será protegido, assim como o DNA do hospedeiro,

contra os efeitos de restrição.

Os processos de restrição e de modificação existem em todos os sistemas nos quais o

DNA é transferido duma bactéria para outra. A conjugação, a transformação, a transdução e a

transfecção estão todas submetidas ao sistema de restrição-modificação. Os genes que

especificam os sistemas res-mod podem residir no cromossoma do hospedeiro, ou podem

estar localizados num plasmídeo ou num profago.

As endonucleases de restrição classificam-se em 3 categorias. As pertencentes à classe I

são constituídas por 3 subunidades e requerem como cofactores ATP, Mg2+ e S-

adenosilmetionina. Possuem simultaneamente actividades de endonuclease e de metilase

situadas em subunidades diferentes. Os sítios específicos de reconhecimento, longos de 15

3

pares de base, são complexos, situando-se a cerca de 1000 pares de bases de distância do sítio

de clivagem ou de metilação. Esta categoria é pouco interessante em tecnologia genética

porque o local de clivagem não é específico.

As endonucleases de restrição de classe III, constituídas por 2 subunidades têm ATP e

Mg2+ como cofactores obrigatórios, mas não necessariamente a S-adenosilometionina. A

região de clivagem situa-se de 5 a 10 ou de 25 a 27 pares de bases a jusante do sítio de

reconhecimento.

As do primeiro tipo clivam em geral sequências não palindrómicas, dando origem a

populações heterogéneas com extremidades 5' protuberantes, enquanto que as do segundo

tipo clivam o DNA em sítios fixos.

As endonucleases de restrição de classe II são constituídas por uma única subunidade

activa e requerem unicamente Mg2+ como cofactor.

Os locais de clivagem situam-se em geral dentro das sequências de reconhecimento

compostas de 4 a 8 bases. A clivagem dá origem a extremidades 5' ou 3' protuberantes ou a

extremidades rombas ("blunt-end").

Estas enzimas foram isoladas a partir de mais de 200 estirpes bacterianas representando

quase todos os grupos de procariotas. Esta diversidade de enzimas torna indispensável a

utilização duma nomenclatura apropriada. Cada enzima é representada por um código de 3

letras derivado do nome do género e da espécie da bactéria donde a enzima foi isolada. Hae

por exemplo, significa que a enzima foi isolada de Haemophilus aegyptiens.

A maioria das sequências de reconhecimento conhecidas é palindrómica, i.é., possui um

eixo de simetria de rotação. Por exemplo a sequência de reconhecimento de EcoRI

5'-GAATTC-3'

3'-CTTAAG-5'

lê-se da mesma maneira nas duas direcções sobre as cadeias opostas.

O arranjo simétrico dos locais de clivagem tem duas consequências importantes:

1) os cortes em posições desviadas em relação a cada uma das cadeias produzem

extremidades monocatenárias que são complementares em orientação anti-paralela, mas

idênticas em orientação paralela;

2) as extremidades de uma molécula de DNA criadas por uma enzima dada, com uma dada

sequência de reconhecimento, podem formar pares de bases complementares com

qualquer outra molécula de DNA que possua extremidades idênticas:

4

5'...G pApApTpTp C...3 ' EcoRI 5'... GOH3' + 5'pApApTpTpC... 3'

3'...C pTpTpApAp G...5' 3'... CpTpTpApAp5' 3'HOG 5'

fragmento A (corte 1)

5'... GOH

3'... CpTpTpApAp

B

5'... GOHpA p A p T p T p C... 3'

3'... C p T p T p A p Ap HOG....5'

A

pApApTpTpC... 3'

HOG...5'

fragmento B (corte 2)

Esta associação entre bases complementares pode ser completamente estabilizada, pela

formação das ligações covalentes entre as extremidades 3'OH e 5'-fosfato de cada uma das

cadeias de DNA. Esta reacção de ligação é realizada com uma enzima específica, uma ligase,

que tem, como veremos mais adiante, uma utilização importante em metodologia de DNA

recombinante.

Deve ser, no entanto, referido que nem todas as sequências reconhecidas são simétricas.

Devido à existência de ambiguidades nos seus locais de reconhecimento, várias enzimas

reconhecem até 4 sequências alvo diferentes. A digestão duma molécula de DNA com este

tipo de enzima, pode originar extremidades não idênticas que não podem ser recombinadas

ao acaso.

Por exemplo, EcoRII reconhece as sequências seguintes:

CCAGG CCTGG

GGTCC GGACC

e

5

Várias enzimas denominadas isoesquizómeras possuem sítios de reconhecimento

idênticos. HindIII e HsuI por exemplo, partilham as mesmas sequências de reconhecimento e

de clivagem AAGCTT. Outras isoesquizómeras tais como SmaI (CCCGGG) e Xma I

(CCCGGG) possuem a mesma sequência de reconhecimento mas clivam em sítios diferentes

indicados por .Outras enzimas, denominadas isocaudómeras, podem diferir pelo seu sítio de

reconhecimento, mas originar extremidades complementares.

Por exemplo, as digestões por BamHI (GGATCC), BglII (AGATCT), Bc1I (TGATCA) e

Sau3A ( GATC) conduzem às extremidades coesivas 5'-GATC-3'. Todos os fragmentos de

DNA formados por clivagem com qualquer combinação destas enzimas, recombinam-se

entre eles. Assim, os fragmentos formados por digestão BamHI e BglII podem recombinar-se

entre eles, mas neste caso a sequência recombinante 5'-GGATCT-3' é resistente à digestão

por qualquer destas duas enzimas porque as bases externas da sequência hexanucleotídica de

reconhecimento de BamHI e de BglII diferem (G/C e T/A respectivamente).

BamHI Bg II 5'... G GATCT...3' 3'... CCTAG A...5'

5'...GGATCT...3' 3'...CCTAGA...5' não reconhecida por BamHI nem por BglII

mas sim por MboI/Sau3A/DpnI

No entanto, as moléculas originais e as recombinantes podem ser clivadas por outras

enzimas tais como DpnI, Sau3A e MboI e podem ser facilmente distinguidas. Estas enzimas

reconhecem a sequência tetranucleotídica 5'-GATC-3' central e não são influenciadas pelas

bases que a ladeiam.

As endonucleases de restrição têm certas propriedades particulares:

1) Actividade parasita conhecida por "star" que é uma alteração na especificidade da

sequência reconhecida, em condições de pH ou iónicas particulares. Por exemplo, um

aumento do pH, um abaixamento da concentração em NaCl, ou a substituição do Mg por Mn

alteram a especificidade de EcoRI que passa a reconhecer a sequência tetranucleotídica 5'-

AATT-3' que ocorre mais frequentemente. Esta nova especificidade é denominada EcoRI*

(Eco star).

6

2) Sequências na vizinhança de sequências de reconhecimento podem influenciar a

actividade duma enzima, privilegiando a clivagem de certos sítios em relação a outros de

mesma especificidade.

Por exemplo, a actividade de EcoRI pode variar no plasmídeo pBR322 ao ponto de atingir

diferenças de velocidade de 56x, em função da localização do sítio em relação a certas

sequências.

3) A temperatura é outro factor que influencia o desenrolar da clivagem. Certos pequenos

fragmentos oligonucleotídicos desnaturam-se quando a temperatura da reacção enzimática é

superior à sua temperatura de dissociação.

Certas enzimas têm a sua actividade óptima de funcionamento a temperaturas elevadas

(65-79°C), tais como TaqI, Tth111I, Tth111II isoladas de organismos termófilos.

4) Quando o sítio de reconhecimento de certas enzimas se situa perto de uma extremidade

da molécula de DNA a actividade diminui.

Quando dois sítios idênticos ficam demasiados próximos só um deles é clivado, porque

após a primeira clivagem o segundo sítio fica perto duma extremidade da molécula. Esta

propriedade está relacionada com o fenómeno de dissociação mencionado em 3).

5) A probabilidade de uma sequência de restrição estar representada num local com n pares

de bases, numa molécula de DNA, composta de 50 % de AT e de 50 % de CG é

nP4

1=

em que n é o número de bases que comporta o sítio.

Uma sequência tetranucleotídica dada aparecerá num DNA em média cada 44=256 pares

de base e uma hexanucleotídica cada 46=4096 pares de base. Se for conhecida a composição

em GC de um DNA e o seu comprimento, é possível prever o número de vezes que uma

sequência de restrição, de composição e comprimento dados, aparece representada.

Os diferentes fragmentos formados por digestão com uma enzima de restrição podem ser

separados por electroforese em gel de agarose ou de poliacrilamida (Fig. 3.II.). Os

fragmentos correm no gel em função do comprimento e podem ser visualizados por

coloração com o brometo de etídio, que se intercala entre as duas cadeias do DNA.

A utilização de várias enzimas isoladamente, ou em combinação, permite estabelecer a

carta de restrição duma molécula de DNA (Fig.4.II. e 5.II.). A carta indica as posições em

que uma enzima particular cliva o DNA. A distância entre os locais de clivagem expressa-se

em pares de bases (medida em relação a um padrão de referência).

7

As metilases, ou enzimas de modificação, protegem o DNA de um organismo da

actividade endonucleásica ao nível das sequências reconhecidas pela(s) enzima(s) de

restrição própria(s) ao organismo. Estas enzimas, que possuem actividades de metilase e

ausência de actividade de restrição, são a dam metilase, e a dcm metilase que fixam o grupo

CH3 (m de metilo) em posição N6 da adenina e em posição C5 da citosina respectivamente,

no interior dos sítios de restrição.

Dam-DNA adenina metilase GAmTC

Dcm-DNA citosina metilase CCm A/TGG

NHCH3

N

N

N

N

N6-metiladenina

N

N

CH3

NH2

O

C5-metilcitosina

Enquanto que certas enzimas de restrição reconhecem unicamente sequências alvo não

metiladas, os seus isoesquizómeros clivam tanto os sítios metilados como os não metilados.

HpaII (C/CGG), por exemplo, cliva o tetranucleotídeo não metilado, enquanto que o

isoesquizómero MspI cliva a mesma sequência não metilada ou metilada (CCmGG).

As células de eucariotas contêm habitualmente citosinas metiladas em proporção que

pode atingir 10 %. Se bem que de menor importância que no DNA de eucariotas, a metilação

da adenina é altamente relevante no DNA dos procariotas. A metilação dos resíduos adenina

pode ser testada por enzimas, tais como Sau3A ( GATC), MboI ( GATC) e DpnI (GATC).

Enquanto que Sau3A cliva tanto 5'-GATC-3' como 5'-GAmTC-3', MboI cliva unicamente a

sequência não metilada e DpnI cliva exclusivamente 5'-GAmTC-3'. Uma sequência hemi-

metilada, i.é. uma sequência metilada só numa cadeia é resistente à DpnI. Sempre que for

necessário clivar DNA de procariotas em qualquer local possível, este DNA tem que ser

preparado a partir de estirpes de E.coli que são dam-.

Se bem que a maior parte das estirpes de E.coli possua actividades de restrição e de

metilação, certas estirpes utilizadas em engenharia genética possuem uma, ou outra, ou

nenhuma destas actividades.

Ex.: EcoK12 possui actividades de metilase e de restrição

8

MM294 possui modificação mas não restrição

RRI não possui nem uma nem outra

Outras endonucleases [para além das que possuem outra(s) actividade(s)]

α) Desoxi- (Fig. 6.II.)

Desoxirribonuclease I (DNase I) (pâncreas bovino).

Actividade: endonuclease, cadeia dupla ou cadeia simples. Com Mg++ ataca cada cadeia

independentemente e não gera obrigatoriamente extremidades rombas.

Com Mn++ cliva as duas cadeias no mesmo sítio e gera fragmentos com extremidades

rombas ou só com um ou dois nucleotídeos protuberantes.

Utilização: - na introdução de nicks ao acaso em DNA bicatenário a fim de o preparar

para a marcação radioactiva por nick translation;

- na introdução dum nick em DNA circular a fim de o preparar para a mutagénese

mediada por bissulfito (secção 3);

- na criação de clones ao acaso para sequenciação em vectores de bacteriófago M13;

- na análise de complexos proteína-DNA.

ß) Ribonucleases

Ribonuclease A (pâncreas bovino)(Fig. 7.II.).

Actividade: endonuclease - ataca o RNA em 3' de bases pirimidínicas e cliva o fosfato

em 5' do nucleotídeo adjacente. Dá origem à formação de nucleotídeos pirimidínicos-3'P e de

oligonucleotídeos com pirimidinas-3'P.

Utilização: - na remoção de regiões não hibridadas de RNA nos híbridos DNA-RNA;

- no mapeamento de mutações singulares em DNA ou em RNA (desemparelhamentos de

um par de bases entre RNA e DNA são reconhecidos e clivados pela RNase A).

Ribonuclease T1 (Aspergillus oryzae)(Fig. 8.II.)

Actividade: endonuclease - ataca o RNA em 3' da guanosina e cliva o 5'-fosfato do

nucleotídeo adjacente. Dá origem a guanosinas ou a oligonucleotídeos com guanosina-3'P.

Utilização: - na remoção de regiões não hibridadas de RNA em híbridos DNA-RNA.

9

Exonucleases e polimerases

α) DNA polimerase I (E. coli) (Fig. 9.II.)

Actividades: exonuclease 5' → 3' e 3 '→ 5'

polimerase 5' → 3'

reacção de troca

Utilização: - marcação de DNA por nick-translation.

- Na marcação de DNA com extremidades 3' protuberantes.

ß) Fragmento de Klenow da DNA polimerase de E.coli (Fig. 10.II.)

Actividades: exonuclease 3' → 5'

polimerase 5' → 3'

reacção de troca

Utilização: - preenchimento das extremidades 3' retraídas formadas por digestão de DNA

com enzimas de restrição;

- marcação de DNA por preenchimento das extremidades 3' retraídas, com nucleotídeos

trifosfatos 32P;

- marcação terminal de DNA com extremidades 3' protuberantes;

- síntese da segunda cadeia de cDNA em clonagem de cDNA;

- síntese da segunda cadeia de DNA a partir de matrizes monocatenárias em mutagénese in

vitro;

- sequenciação de DNA pelo método dos didesoxinucleotídeos (terminação de cadeia).

γ) T4 DNA polimerase (Fig. 11.II.)

Actividades: exonuclease 3' → 5'

polimerase 5' → 3'

Utilização: - como o fragmento de Klenow, é utilizada na marcação de DNA por

preenchimento de extremidades 3' retraídas;

- na marcação das extremidades de fragmentos de DNA, rombas ou protuberantes em 3'

(reacção de troca);

10

- na marcação de fragmentos de DNA para uso como sondas de hibridação por digestão

parcial de DNA bicatenário utilizando actividade exonuclease 3'→5' seguida por reacção de

preenchimento, utilizando a actividade polimerásica e [α32P]dNTP;

- na conversão de extremidades protuberantes (5' ou 3') de DNA bicatenário, em

extremidades rombas;

- na extensão do iniciador (primer) oligonucletídico mutagénico hibridado à matriz de

DNA monocatenário, em mutagénese in vitro.

δ) Taq polimerase (Thermus aquaticus)(Fig. 12.II)

Actividade: polimerase 5' → 3'

Utilização: - na amplificação in vitro de sequências específicas de DNA por reacção em

cadeia (Polymerase Chain Reaction-PCR);

- na sequenciação de DNA

ε) RNA polimerases dependentes de DNA de bacteriófagos SP6, T3 e T7 (Fig. 13.II)

Actividade : RNA polimerase 5' → 3'

Utilização: - na síntese de RNA monocatenário para utilização como sondas de

hibridação, como mRNAs funcionais em sistemas de tradução in vitro, ou como substratos

em reacções de splicing in vitro. Cada uma destas três polimerases possui um grau elevado de

especificidade para com o seu promotor.

- No caso do sistema de transcrição do bacteriófago T7, para expressão de genes

clonados em bactérias.

ζ) Poli(A) polimerase (Fig. 14.II)

Actividade: polimerisa AMP (derivado de ATP) na extremidade 3'-OH livre do RNA.

Utilização: - preparação de poli (A)- RNA para clonagem;

- marcação da extremidade 3' de RNA com [α-32P]ATP para preparar sondas de

hibridação.

η) Reverse transcriptase (transcritase reversa) (Fig. 15.II.)

(vírus aviano de mieloblastose)

Actividades : polimerase 5' → 3' DNA.

A matriz tanto pode ser o DNA como o RNA.

Exorribonuclease 5' → 3' e 3' → 5' (RNase H)

Degrada especificamente o RNA em híbridos DNA-RNA.

11

Utilização: - síntese de cDNA para clonagem (1a e 2a cadeia) ou para sondas de

hibridação;

- marcação de extremidades de fragmentos de DNA protuberantes em 5' (reacção de

preenchimento).

- Também pode ser utilizada em sequenciação de DNA pelo método de terminação de

cadeia com os didesoxirribonucleotídeos.

θ) Nuclease Bal 31 (Fig. 16.II.)

Actividades: exo e endonuclease 5' → 3' e 3' → 5'

Utilização: - remoção de nucleotídeos das extremidades de DNA bicatenário de maneira controlada. O DNA encurtado pode ser ligado a adaptadores (linkers) ou a vectores com T4

ligase;

- construção de mapas de sítios de restrição;

- mapeamento de estruturas secundárias do DNA, por exemplo junções entre B-DNA e

Z-DNA, ou sítios de modificação em DNA bicatenário;

- remoção de nucleotídeos de RNA bicatenário para preparação de RNAs recombinantes.

ι) Nuclease S1 (Fig. 17.II.)

Actividade: nuclease específica de DNA monocatenário ou RNA;

utilização: - análise de estrutura de híbridos DNA-RNA;

- remoção de extremidades livres (tails) de fragmentos de DNA para produzir

extremidades rombas;

- abertura do gancho formado durante a síntese de cDNA bicatenário;

- na análise da estrutura dos híbridos RNA-DNA.

κ) Mung-bean nuclease

Actividade : nuclease específica de cadeia simples semelhante à nuclease S1 mas mais

suave.

Utilização: - converter extremidades protuberantes de DNA em extremidades rombas.

λ) Exonuclease VII (Fig. 18.II.)

Actividades: exonucleásica sobre cadeia simples de DNA, 3' → 5' e 5' → 3';

dispensa Mg++ e trabalha em presença de EDTA.

Utilização: - recuperação de cDNA inserido em vectores plasmídicos por "tailing" dA-

dT;

12

- construção de mapas dos intrões e dos exões.

µ) Exonuclease III (Fig. 19.II.)

Actividades: exonuclease 3' → 5' de DNA bicatenário com extremidades 3'OH retraídas.

-3' fosfatase.

Utilização: - Preparação de DNA linear como molde para a DNA polimerase (p.ex. na

sequenciação pelo método dos didesoxi; vd. secção sequenciação);

-preparação de sondas específicas de uma cadeia;

-remoção de sequências das extremidades de fragmentos de DNA, criando eliminações

unidireccionais a partir da extremidade 3'OH retraída;

-degradação preferencial da cadeia parental não tiofosfatada, no método de mutagénese

específica pontual que recorre a derivados tiofosfato (vd. secção 3)

ν) Exonuclease λ (Fig. 20.II)

Actividade: exonuclease 5' → 3' em cadeia dupla de DNA com um fosfato em 5'.

Utilização: -na modificação da extremidade 5'-fosfato dos DNAs substratos ulteriores

doutras enzimas (ex.: remoção da extremidade 5'-protuberante do DNA antes do "tailing"

com a terminal transferase).

Fosfatases

Fosfatase alcalina - CAP (intestino de vitela), BAP (bactéria) (Fig. 21.II.)

Actividades: catalisa a remoção dos fosfatos em 5' do DNA bicatenário ou

monocatenário, do RNA e de trifosfatos dos desoxirribonucleotídeos e dos ribonucleotídeos.

Utilização: -eliminação dos grupos fosfato em 5' do DNA ou do RNA para permitir a

marcação com 32P em 5' pela T4 polinucleotídeo kinase e [γ32P]ATP, numa reacção de

troca;

- remoção do fosfato em 5' do DNA a fim de impedir a auto ligação.

T4 polinucleotídeo Kinase (Fig. 22.II.)

Actividades: catalisa a transferência de fosfato γ de ATP para a extremidade 5'OH do

DNA mono ou bicatenário e do RNA por reacção de fosforilação de 5'OH ou de troca com

5'P.

Utilização: - marcação da extremidade 5' do DNA para a sequenciação pela técnica de

Maxam-Gilbert;

13

- fosforilação de oligonucleotídeos sintéticos, ou de outro DNA, para ligação;

- marcação de oligonucleotídeos para serem utilizados como sondas de hibridação;

Ligação de fragmentos de DNA

Existem dois métodos que permitem estabelecer ligações covalentes de DNA in vitro. O

primeiro utiliza uma enzima que intervém na replicação do DNA, a que já nos referimos

anteriormente, a DNA ligase (extraída de E.coli ou de células infectadas pelo fago T4). A

enzima derivada do fago T4 é até capaz de realizar a ligação entre moléculas de DNA com

extremidades rombas, reacção que é estimulada pela RNA ligase de T4.

T4 DNA ligase (Fig. 23.II.)

Actividade: ligação de extremidades coesivas e de extremidades rombas.

Utilização: -catalisa a ligação covalente de moléculas de DNA com extremidades

coesivas complementares;

- ligação covalente de extremidades rombas em moléculas de DNA bicatenário, umas

com as outras, ou com adaptadores ("linkers") sintéticos (observação: a T4 ligase é mais

eficaz nas ligações de extremidades rombas).

T4 RNA ligase (Fig. 24.II)

Actividade: catalisa a ligação covalente de extremidades 5' fosforiladas de DNA

monocatenário ou de RNA, a extremidades 3'OH de DNA monocatenário ou de RNA.

Utilização: -marcação radioactiva das extremidades 3' de RNA (pequenas moléculas tais

como os pNps são substratos eficazes);

- síntese de oligodesoxirribonucleotídeos.

O segundo método utiliza uma enzima que é capaz de adicionar extremidades coesivas

aos fragmentos de DNA. Quando por vezes é necessário ligar fragmentos de DNA

desprovidos de extremidades coesivas complementares, recorre-se a uma enzima que permite

adicionar, in vitro, sequências homopoliméricas complementares, aos fragmentos de DNA. O

método baseia-se na utilização duma enzima isolada de timo de vitelo, a terminal

desoxirribonucleotidiltransferase (terminal transferase). Em presença de um nucleotídeo

trifosfato, a enzima adiciona este nucleotídeo de maneira repetida às extremidades 3' do

DNA.

14

Pode-se, por exemplo, adicionar extremidades poli (A) em 3' dum fragmento de DNA e

extremidades poli (T) em 3' dum outro fragmento de DNA. Ao misturarem-se, estes dois

fragmentos hibridar-se-ão por emparelhamento entre bases complementares A/T e a junção

covalente dos fragmentos emparelhados pode ser efectuada pela enzima DNA ligase.

Terminal desoxirribonucleotidiltransferase (timo de vitelo) (Fig. 25.II.)

Actividade: catalisa a adição de desoxirribonucleotídeos às extremidades 3'-OH das

moléculas de DNA monocatenárias ou 3' protuberantes (Mg++), ou às extremidades rombas

ou 3'OH recessivas (Co++).

Utilização: -adição de caudas (tailing) homopoliméricas complementares a vectores e a

cDNA;

-marcação das extremidades 3'OH de DNA com [α-32P]-3'-desoxirribonucleosídeo ou

com 3'-ribonucleosídeo. A marcação com ribonucleosídeos realiza-se polimerizando com [α-32P]rNTP em presença de Co++ efectuando em seguida um tratamento alcalino.

15

1.b.A sequenciação de DNA

Dois grandes métodos baseados em princípios inteiramente diferentes foram

desenvolvidos para sequenciar longos fragmentos de DNA. Os pequenos fragmentos

oligonucleotídicos são um caso particular que será tratado separadamente.

Um destes métodos é baseado num processo de clivagem química específica e controlada

e o outro na síntese enzimática de fragmentos de DNA interrompidos pela adição controlada

de análogos dos desoxirribonucleotídeos trifosfatos (dNTP), as cordicepinas ou

didesoxirribonucleotídeos. O primeiro método é conhecido pelo nome dos seus autores,

Maxam & Gilbert, ou método químico, e o segundo por método dos didesoxi, ou de

terminação de cadeia, ou ainda de Sanger, nome do seu autor.

1. Método químico ou de Maxam & Gilbert

O princípio do método químico, de Maxam & Gilbert, baseia-se na clivagem duma

cadeia de DNA, induzida por uma reacção química de modificação, específica de cada uma

das 4 bases. Três etapas sucessivas estão implicadas na clivagem específica ao nível de uma,

ou duas das 4 bases (Fig. 26.II.):

1) Modificação da base

2) Remoção da base modificada do ciclo furanôsico

3) Clivagem da cadeia de DNA ao nível deste açúcar.

As etapas 2 e 3 têm a propriedade de serem dependentes da etapa precedente, i.é., o

DNA só será clivado ao nível dum açúcar desprovido da base e somente uma base

modificada de maneira adequada poderá ser removida do ciclo furanôsico que lhe

corresponde. A especificidade reside na primeira reacção. As reacções seguintes têm que ser

quantitativas. Por consequência, os reagentes de modificação que reagem com as bases são

absolutamente fundamentais, porque são eles que determinam o sítio de clivagem do DNA.

O sulfato de dimetilo e a hidrazina são dois reagentes que correspondem aos critérios

exigidos e conhecidos desde há muito tempo pelas suas propriedades de modificação e de

abertura dos ciclos das bases, tornando o DNA vulnerável à clivagem. As Fig. 27.II. e Fig.

28.II. detalham estas reacções. A primeira exemplifica as reacções da guanina: metilação do

azoto 7 com o sulfato de dimetilo, que introduz uma carga positiva na parte N7-C8-N9

imidazólica do ciclo púrico. Quando C8 é atacado por NaOH, a ligação C8-N9 rompe-se. Em

seguida a piperidina remove o ciclo aberto da 7-metilguanina e catalisa a eliminação ß dos

dois fosfatos do açúcar. Um mecanismo semelhante passa-se com a adenina.

16

A segunda figura exemplifica as reacções duma timina. A hidrazina ataca a timina nos

C4 e C6 abrindo o ciclo pirimidínico e ciclisando com C4-C5-C6 para formar um ciclo de 5

membros. A continuação da reacção com a hidrazina remove este novo ciclo pirazolona e o

fragmento ureico N1-C2-N3 da timina, enquanto que os açúcares do esqueleto do DNA

ganham a forma de hidrazona. Em seguida, a piperidina reage com todos estes glicosídeos e

como precedentemente catalisa a eliminação ß dos 2 fosfatos do açúcar. A citosina reage de

maneira semelhante.

Modulando estas reacções pela natureza e concentração da base, o pH, a temperatura, é

possível favorecer a clivagem no sítio de uma ou outra base púrica, ou de uma ou outra base

pirimidínica. Consideremos por exemplo, um fragmento de DNA marcado em 5' com 32P e

submetido às reacções que conduzem à clivagem, parcial mas específica, ao nível das

guaninas. As condições experimentais serão escolhidas de maneira a que cada molécula de

DNA não sofra mais duma clivagem. Neste caso, os fragmentos indicados na Fig. 29.II.,

marcados em 5' com 32P serão formados em proporções idênticas. Se o fragmento de DNA

for submetido separadamente a 4 séries de reacções, cada uma específica de uma base e as 4

séries de fragmentos forem analisadas em paralelo num gel de electroforese e este for em

seguida submetido a uma autorradiografia, a sua sequência pode ser lida seguindo o "padrão"

das bandas na película (Fig. 30.II.).

Uma característica essencial deste método é a necessidade de se dispor de um fragmento

de DNA especificamente marcado numa das suas extremidades, 5' ou 3'. Em geral estes

fragmentos são formados por clivagem com endonucleases de restrição e preenchimento das

extremidades protuberantes com uma polimerase e α32P-ATP. Antes de sequenciar o

fragmento de DNA, é necessário separar as duas extremidades marcadas. Uma maneira de

proceder consiste em digerir o fragmento com uma endonuclease de restrição, que dê origem

à formação de dois fragmentos bicatenários de comprimento diferente que possam ser

separados num gel de electroforese (Fig. 31.II.).

A quantidade de DNA que deve ser utilizada depende do comprimento do fragmento e

do número de reacções que se pretende efectuar, assim que da habilidade do experimentador.

É necessário pelo menos 1 picomole para a marcação. Por exemplo, no caso do pBR322

linearizado, de peso molecular de 2.6106 Da, 1 picomole corresponde a 2,6 µg de DNA. Se a

actividade específica de 32P-dNTP utilizada na marcação for de 1000 Ci/mmol, 1 mci (+ 106

cpm) poderá ser teoricamente incorporada por nucleotídeo adicionado. Depois das etapas de

precipitação sobejarão 105 cpm para colocar no PAGE (PAGE-polyacrilamide gel

eletrophoresis) de separação. A resolução do gel, a sua capacidade para separar fragmentos

de comprimento N dos de comprimento N + 1 depende da natureza do gel, do seu

comprimento e composição. Um gel convencional é composto de 8 % de acrilamida, 8M de

17

ureia, tem 0,2-0,3 mm de espessura e 40 cm de comprimento. Obtém-se uma resolução

satisfatória de 200 nucleotídeos (Fig. 30.II.) Se não se puderem separar 200 nucleotídeos

numa corrida única aplicam-se alíquotas das 4 reacções de clivagem (ou mais) a tempos

diferentes. Na figura, as mesmas amostras aplicadas nos corredores da esquerda (I) foram

aplicadas no gel 2 horas mais tarde, à direita. As moléculas mais pequenas separam-se nos

corredores contendo as últimas alíquotas a serem aplicadas e que correram durante menos

tempo. Começa-se a leitura nos corredores de direita. Na figura, as setas indicam os pontos

que delimitam a zona de sobreposição. Existe equipamento que permite realizar géis mais

compridos e ler um maior número de bases duma vez. A utilização de dNTP marcados com 35S melhora, por sua vez, notavelmente a resolução.

A Fig. 5.3 (Sequenciação de DNA, método de Maxam and Gilbert) ilustra e resume o

princípio do método.

Uma variante importante, que poderia ser potencialmente explorada na sequenciação

automática, é o método em fase sólida. Neste método, o DNA marcado com o 32P é

imobilizado por adsorção num papel de troca iónica (p. ex., DEAE). Todas as reacções e

lavagens são efectuadas em suporte sólido. As vantagens, em relação ao método em solução,

são a rapidez e a simplicidade. As liofilizações e as precipitações são em grande parte

substituídas por simples lavagens rápidas.

2. Método de terminação de cadeia ou de Sanger

Neste método, começa-se por hibridar um iniciador (primer) oligonucleotídico,

complementar do DNA numa região próxima da que se pretende sequenciar. O iniciador é,

em seguida, prolongado (em presença de dNTPs, um dos quais está marcado em posição α

com 32P, ou com 35S) com uma polimerase que utiliza o DNA alvo da sequenciação como

molde.

A cada uma das quatro misturas de reacção realizadas em paralelo, adiciona-se um

didesoxirribonucleotídeo trifosfato correspondente a cada uma das quatro bases, em

concentrações e proporções bem definidas em relação aos dNTP. Obtém-se assim 4

populações de fragmentos, tendo todos a mesma extremidade 5' e terminando com um

didesoxirribonucleotídeo idêntico, no seio de cada população: ddA, ddT, ddC ou ddG (Fig.

32.II.). Os didesoxirribonucleotídeos não possuem os grupos hidroxílicos em 3' e em 2'.

18

Como o grupo 3'OH é necessário para a formação de ligações fosfodiéster, a presença de

ddNTPs provoca a terminação da cadeia. As reacções de síntese são paradas adicionando

formamida que impede as cadeias de DNA de se hibridarem.

Antigamente recorria-se a uma digestão por uma endonuclease que cortasse num sítio

dando origem a fragmentos mais curtos, que serviam de iniciadores. De cerca de 250 em 250

nucleotídeos era necessário recorrer a um novo iniciador. Esta condição obrigatória, e a

necessidade de dispor de DNA monocatenário, eram considerados nos tempos da infância do

método, como inconvenientes sérios. Hoje, se bem que o princípio na base do método não

tenha mudado, a estratégia de clonagem do DNA que se pretende sequenciar, no fago M13,

de DNA circular monocatenário ou em derivados e a possibilidade de recorrer facilmente,

graças aos progressos realizados na síntese química de DNA, a iniciadores oligonucleotídicos

sintéticos, levou à adopção generalizada deste método.

A Fig. 5.4 (Sequenciação de DNA, método d Sanger) ilustra e resume o princípio do

método.

Com a finalidade de o tornar de utilização mais prática, o M13 foi modificado em várias

etapas a partir da sua forma replicativa bicatenária (RF) (Fig. 33.II.). O primeiro derivado é o

mp1, que possui na região intergénica não essencial, representada a preto, uma inserção

composta da região do gene lacI que codifica a porção C-terminal do repressor, a região

reguladora completa promotor-operador e os codões correspondentes aos primeiros 146

aminoácidos da região N-terminal do gene da ß-galactosidase, lac Z.

O derivado mp2 resulta duma simples substituição dum dG em dA, com o fim de criar

um sítio EcoRI (Fig. 34.II.). Esta substituição, que converte o 5o codão do ácido aspártico em

codão de asparagina não tem consequências na actividade do péptido que é assegurada pelos

primeiros 146 aminoácidos da ß-galactosidase. Para tornar o vector mais prático, inseriu-se

no sítio EcoRI um poli adaptador comportando vários sítios de restrição, nas duas orientações

possíveis. Estas construções correspondem aos vectores M13mp8 e M13mp9. A introdução

de aminoácidos suplementares, resultante desta inserção, não interfere com a actividade

complementar que o péptido α assegura a uma ß-galactosidase enzimaticamente inactiva,

O B

H H

O

Estrutura geral dum ddNTP

P O P O P

O O O

OOO

O

19

produzida por um epissoma F do hospedeiro E. coli Lac- (o epissoma comporta o operão lac

com uma eliminação M15 no gene de lac Z, correspondente aos aminoácidos 11-41). Esta

complementação pode ser detectada por um teste corado, que se baseia na hidrólise do 5-

bromo-4-cloro-3-indolil-ß-D-galactosídeo (Xgal) pela ß-galactosidase, produzindo o 5-

bromo-4-cloro-indigo azul, visível nas placas de agar contendo Xgal, em que forem

cultivadas as bactérias infectadas pelo fago em presença de isopropiltiogalactosídeo (IPTG),

indutor gratuito do operão lactose.

A perda da complementação α, depois da clonagem do DNA estrangeiro no seio do

polilinker, serve para identificar rapidamente as bactérias que produzem o vector

recombinante. Isto não tem, no entanto, valor absoluto, porque podem existir situações em

que a clonagem não anula a produção de um péptido que complemente a ß-galactosidase

inactiva. Só as inserções do DNA estrangeiro, que destruam a fase de leitura aberta do

péptido α, ou que introduzam codões de fim de leitura, conduzem sempre à formação de

placas brancas.

Têm sido bastante utilizados os vectores M13mp18 e M13mp19, que provêm de

construções realizadas para aumentar o número de sítios de restrição utilizáveis.

O iniciador utilizado na sequenciação é universal; a sua extremidade 3' está situada na

vizinhança da inserção CTGGCC.....

CH3

CH3

IPTG

O

CH2OHHO

OH

OHH

S CH O

CH2OHHO

OH

OHH

O

N

Cl

Br

H

Xgal

N N

Br Br

ClClO O

H H

5',5'-dibromo-4,4'-dicloroindigo

20

As duas cadeias dum inserto, com extremidades coesivas diferentes, podem ser

sequenciadas, uma no mp18 e outra no mp19, pois estas construções contêm o polilinker em

sentidos opostos. Se o fragmento inserido tem extremidades idênticas, obtêm-se as duas

orientações no mesmo vector.

Insertos maiores que 300 a 400 nucleotídeos dificilmente podem ser sequenciados com

um só iniciador. No entanto, a informação obtida sobre a sequência lida o mais longe

possível no inserto, permitirá deduzir a sequência de um segundo iniciador, que servirá para

sequenciar uma nova série de 300 nucleotídeos. Esta estratégia permite a sequenciação de

insertos de mais de 2000 nucleotídeos, graças à síntese química rápida dos iniciadores

oligonucleotídicos. Insertos muito maiores conduzem a um crescimento muito reduzido das

células infectadas.

O DNA de grande comprimento, como por exemplo DNA de vírus de 8000 pares de

bases pode ser sequenciado por este método, utilizando a técnica do shot-gun. Fragmentos de

restrição do DNA são clonados ao acaso nos vectores M13, sem controlo da sua orientação

no genoma. Os fragmentos clonados são sequenciados a partir do iniciador universal e a

informação reunida é em seguida processada num programa computorizado, a fim de

identificar as sequências que se sobrepõem. Para preencher as lacunas é preciso recorrer a

estratégias de sub-clonagem não aleatórias (Fig. 35A.II.). O fragmento de DNA a sub-clonar

para ser sequenciado subsequentemente, é clonado num vector M13mp. O DNA com o

inserto em ambas as orientações é tratado com DNAseI em condições que provocam

linearização em posições ao acaso. A fim de obter uma série de fragmentos contendo o DNA

de M13 intacto (necessário para haver transformação e formar placas de lise), mas

comportando insertos de comprimento variável, estendendo-se do sítio Z até ao sítio Y do

outro lado do inserto, a mistura de fragmentos linearizados é digerida com a enzima X. Após

tratamento com polietilenoglicol (PGE), que precipita unicamente grandes fragmentos de

DNA, estes fragmentos são de novo suspendidos e ligados, para formarem moléculas

circulares de DNA. Entre estas moléculas encontram-se as que foram cortadas com DNAseI

dentro do inserto e que perderam o sítio Y (1, 2 e 3). As que não foram cortadas inicialmente

com DNAseI (esquema de reacção à esquerda na figura 35A.II.), ou que foram cortadas

dentro do segmento de DNA de M13 (molécula 4 na via reaccional da direita), ainda contêm

o sítio Y. Após digestão da mistura de reacção total com a enzima Y, estas últimas moléculas

serão linearizadas, enquanto que as primeiras, com a série de insertos começando no sítio Z,

permanecerão circulares. A eficácia da transformação, ou transfecção, com o DNA linear é

baixa, comparada com a do DNA circular. Assim, unicamente as moléculas de interesse

formarão placas após transformação. Como todos os insertos possuem uma terminação

comum (Z), a sequenciação dos diferentes clones, a partir dum iniciador da síntese

(polimerização) no sítio X, deve eventualmente cobrir todo o inserto.

21

Outra abordagem para sequenciar um longo fragmento de DNA consiste em criar uma

família de clones M13, contendo cada um, um sub-fragmento do gene. Isto pode ser realizado

preparando eliminações ordenadas, como ilustrado na Fig. 35B.II. A cadeia de DNA

bicatenária, comportando o inserto completo é aberta numa extremidade deste, com uma

enzima de restrição. O inserto é em seguida digerido com uma exonuclease. Porções da

mistura de reacção de digestão são removidas a diferentes tempos, antes da ligação ser

completa, de maneira a parar a reacção. Formam-se populações de moléculas com

comprimentos diminuindo progressivamente. As moléculas com eliminações são de novo

circularizadas com DNA ligase, colocando o sítio de ligação perto do iniciador universal

(USP, Universal Sequencing Primer), que fica adjacente da nova extremidade criada pela

digestão pela exonuclease. Otém-se uma colecção de clones, nos quais a região de hibridação

do iniciador universal está bem situada para sequenciar diferentes porções do inserto. Ao

sequenciar esta colecção de clones com um único iniciador pode-se obter um elevado número

de sequências que se sobrepõem e assim determinar a sequência total do gene.

Existe uma variante em fase sólida do método de sequenciação de Sanger, que se baseia

na imobilização de um plasmídeo contendo o inserto que se quer sequenciar (Fig. 36.II.). Este

é linearizado com uma enzima de restrição A, e as extremidades protuberantes são

preenchidas por uma polimerase com os 4 nucleotídeos trifosfatos, dos quais um é um

derivado contendo biotina, por exemplo a 11-bio-dUTP comercial. Depois de uma segunda

digestão com uma outra enzima de restrição B, a mistura é passada numa coluna de avidina-

agarose. A avidina, ao complexar fortemente a biotina, assegura a imobilização do DNA

biotinilado. As cadeias não biotiniladas são em seguida eliminadas por desnaturação e

lavagem. O DNA biotinilado monocatenário imobilizado servirá de molde para a hibridação

com um iniciador de sequenciação e para as reacções de polimerização. Os oligómeros são

eliminados, depois de desnaturados, deixando as cadeias matrizes disponíveis para a reacção

de sequenciação seguinte.

O método de sequenciação de terminação de cadeia pode ser aplicado à sequenciação de

DNA bicatenário, clonado por exemplo, no pBR322 ou em derivados da família pUC (vd.

secção 9.). Na prática, as moléculas recombinantes na forma circular fechada são

completamente desnaturadas a pH fortemente básico (NaOH). A re-naturação em estrutura

inicial é difícil a este pH (>12); forma-se uma rede de moléculas híbridas que expõem uma

proporção suficiente de DNA monocatenário. A utilização da sequenase (variante genética da

DNA polimerase do bacteriófago T7), em vez do fragmento de Klenow da DNA polimerase

I, foi, sem dúvida, um factor de sucesso na sequenciação de DNA pelo método dos didesoxi,

incluindo o bicatenário. A actividade exonucleásica 3'→5' da forma nativa foi removida por

manipulação genética in vitro. A enzima possui elevada processividade e actividade

específica, e uma boa estabilidade.

22

Certas sequências de DNA, em particular as que contêm pares de dG e dC simétricos,

não são completamente desnaturadas durante a electroforese. Sempre que este fenómeno

ocorre, o padrão da separação dos fragmentos de DNA é interrompido; as bandas

apresentam-se menos espaçadas que normalmente (fenómeno de compressão) e a informação

sobre a sequência é, por consequência, perdida. Uma maneira de eliminar este artefacto

recorre à incorporação dos análogos da dGTP, o trifosfato de 7-desaza-2'-desoxiguanosina (7-

desaza-dGTP), ou o trifosfato de desoxiinosina (dITP), que formam estruturas secundárias

mais fáceis de desnaturar. Ambos são reconhecidos pela sequenase.

3. Utilização da PCR em sequenciação

Um progresso importante foi realizado nesta área com a introdução da técnica da

amplificação enzimática pela reacção de polimerização em cadeia (Polymerase Chain

Reaction, PCR), para a sequenciação de DNA.

Este método permite amplificar in vitro, fragmentos específicos de DNA, facilitando a

acumulação da informação para a sequenciação de DNA. É baseado na utilização de dois

oligonucleotídeos iniciadores da polimerização catalisada pela DNA polimerase, sobre as

cadeias complementares de DNA, dentro da região compreendida entre os dois

oligonucleotídeos (vd. secção 11.g para mais detalhes). Efectuando ciclos repetidos de

desnaturação das cadeias complementares de DNA, de annealing dos iniciadores

oligonucleotídicos com as referidas cadeias e de síntese de DNA com a polimerase, obtém-se

um incremento exponencial dum fragmento discreto de DNA (fig37.II.A). Um inconveniente

do método inicial da PCR era a limitação dos fragmentos amplificados à região confinada

entre os dois iniciadores. Existe actualmente uma variante (PCR invertida), em que os

oligonucleotídeos são iniciadores da síntese de DNA em direcções que divergem da região

compreendida entre eles. Após digestão por uma enzima de restrição, auto-recircularização e

O N

N

N

O

H

NH2

OH

OPO N

NN

N

OH

OP

7-desaza-dGTP dITP

23

ligação com uma ligase do fragmento de DNA alvo, a PCR com iniciadores invertidos dará

origem a um fragmento linear contendo regiões de sequências desconhecidas divergindo dos

iniciadores.

A utilização mais evidente da PCR em sequenciação, é na preparação das matrizes de

DNA; existe uma variedade grande de métodos para diferentes aplicações. No entanto, a Taq

polimerase utilizada na reacção de amplificação é uma enzima ideal para sequenciação, que

pode assim ser efectuada directamente subsequentemente à amplificação, sem que sejam

necessárias modificações significativas em relação aos componentes reaccionais.

Habitualmente, a quantidade de matriz de DNA necessária para sequenciação obtém-se

inserindo o DNA alvo em vectores bacterianos ou virais e multiplicando os insertos em

células hospedeiras. Todavia, as matrizes para sequenciação podem-se obter mais

eficazmente que com os métodos dependentes de células, a partir de alvos genómicos ou de

insertos de DNA clonados em vectores bacterianos ou virais, recorrendo à amplificação por

PCR dos insertos clonados. Mesmo a partir de sequências completamente desconhecidas é

possível recorrer à amplificação, utilizando oligonucleotídeos iniciadores, no interior, ou

próximos, do poli-linker do vector de clonagem. Desta maneira não é necessário fazer

culturas repetidas e purificações das matrizes de sequenciação a partir de bactérias ou de

vírus.

Um problema inerente à sequenciação directa pelo método da PCR resulta da re-

associação rápida das duas cadeias de DNA linear amplificadas, após desnaturação, que

bloqueia a extensão do complexo iniciador oligonucleotídeo-matriz de DNA, ou impede o

annealing desta com o oligonucleotídeo. Vários métodos podem ser utilizados para contornar

este inconveniente e obter preferencialmente uma mono cadeia matriz para sequenciação.

1) O DNA bicatenário gerado por PCR é utilizado como matriz de sequenciação

directamente, ou após separação por electroforese e purificação a partir do gel, a fim de

remover o DNA não amplificado, os iniciadores e os dNTPs. Em seguida, um dos

oligonucleotídeos iniciadores é utilizado para iniciar a reacção de sequenciação. O DNA

desnaturado pode ser arrefecido rapidamente em neve carbónica, a fim de retardar a re-

associação das cadeias.

2) Quando os produtos da PCR são de comprimento superior a 500 pb, o DNA

bicatenário pode ser desnaturado e as cadeias monocatenárias separadas por electroforese.

Este método é apropriado para DNA de grande comprimento, cujas cadeias monocatenárias

são difíceis de obter por outros métodos.

3) O DNA monocatenário pode ser produzido directamente por PCR utilizando uma

proporção molar assimétrica dos dois iniciadores oligonucleotídicos, ou ainda recorrendo a

uma segunda reacção de PCR utilizando um excesso dum dos iniciadores e um fragmento

24

alvo, proveniente duma PCR simétrica, separado por electroforese e purificado a partir de gel

electroforético (Fig. 37.II.B).

4) Uma alternativa para produzir DNA monocatenário por PCR sem diminuir a eficácia

da amplificação, (como pode ser o caso do método assimétrico), recorre ao bloqueamento

dum dos iniciadores da PCR. Um excesso de um terceiro oligonucleotídeo complementar de

um dos iniciadores da PCR é adicionado durante a reacção de amplificação. O terceiro

oligonucleotídeo retira da competição as moléculas duma das cadeias acabada de ser

sintetizada, impedindo-as de se complexarem com o iniciador bloqueado. A PCR é assim

transformada a dada altura numa reacção de extensão de mono cadeia (Fig. 37.II.C).

5) Uma abordagem completamente diferente recorre à combinação da PCR com a

transcrição reversa, utilizando uma sequência promotora de fago, específica da enzima,

ligada a um dos iniciadores da PCR. Inicialmente a PCR é efectuada de maneira equilibrada,

simétrica, a fim de produzir DNA bicatenário. A reacção de transcrição é efectuada num

segundo tempo e dará origem a um incremento suplementar do número de cópias da cadeia

monocatenária desejada (RNA), devido ao reconhecimento específico da sequência

promotora pela transcritase do fago. Este transcrito é em seguida sequenciado recorrendo à

transcritase reversa (Fig. 37.II.D).

A Taq polimerase é uma enzima adequada para a sequenciação de DNA porque possui

uma elevada processividade e incorpora em proporção excelente; além disso incorpora o

análogo 7-desazaguanosina, utilizado para resolver a compressão das sequências de DNA

ricas em C-G. Para além destas propriedades, que compartilha com a T7 DNA polimerase,

funciona a 55-75°C, condição que pode ser útil para resolver estruturas secundárias

eventualmente presentes no DNA e que podem dificultar a aquisição da informação de

sequenciação.

4. Sequenciação "automática"

O princípio utilizado nos sistemas ditos "automáticos", actualmente disponíveis no

mercado é o do método de terminação de cadeia de Sanger. As suas características principais

são o sistema de detecção não radioactivo e o processamento da informação, que é

automatizado.

Foram desenvolvidos dois sistemas que se baseiam na derivatização química de

desoxirribonucleotídeos, modificados por grupos fluorescentes que são incorporados nos

fragmentos de DNA sintetizados pela polimerase. Cada um deles recorre a uma série

particular de 4 grupos fluorescentes.

25

Num dos sistemas, os grupos fluorescentes são a fluoresceína, o nitrobenzoxadiazolo, a

tetrametilrodamina e o Texas Red (Fig. 38.II.). Os espectros destes compostos apresentam

máximos de absorvência a comprimentos de onda diferentes. Cada um destes grupos

fluorescentes está ligado quimicamente ao nucleotídeo modificado em 5' do iniciador

universal. Obtêm-se 4 iniciadores que diferem unicamente pela natureza da entidade química

fluorescente fixa na sua extremidade 5'. Se se utilizar cada um destes iniciadores em cada

uma das reacções de polimerização em que intervém um dos quatro

didesoxirribonucleotídeos, associa-se um grupo fluorescente a um terminador de cadeia. A

mistura dos produtos das 4 reacções é separada por electroforese, num corredor único duma

coluna de gel de poliacrilamida, ou num gel com vários corredores. As bandas fluorescentes

são excitadas por um laser e detectadas perto da base do gel durante a electroforese. A

informação é transferida directamente para um computador, que identifica cada uma das

bandas coradas, em tempo real, à medida que elas passam, em função do comprimento de

onda do máximo de absorvência. A sequência temporal dos diferentes grupos fluorescentes

representa a sequência do DNA (Fig. 39.II.).

Os dados sobre os comprimentos de onda são continuamente recolhidos e armazenados

num computador, durante a corrida electroforética e, em seguida, analisados para fornecerem

a sequência final.

No segundo sistema os grupos fluorescentes estão ligados à parte básica dos trifosfatos

dos derivados didesoxirribonucleotídeos (Fig. 40.II.). Os grupos trifosfatos asseguram a

incorporação, sem que o grupo fluorescente impeça aparentemente o reconhecimento da base

complementar e o reconhecimento pela polimerase; a ausência de grupo hidroxílico em 3'

termina a polimerização. Cada um dos quatro didesoxirribonucleotídeos é modificado com

um grupo fluorescente absorvendo a um comprimento de onda diferente, permitindo, como

no primeiro sistema, uma detecção diferencial.

O laser é necessário como fonte de excitação, a fim de se obter uma sensibilidade

máxima a partir de cada banda de DNA.

A figura 41.II mostra a informação bruta, a informação processada e um detalhe

ampliado, entre os nucleotídeos 89 e 110 de um gráfico de análise. Este processamento da

informação, que torna a diagrama mais claro e de mais fácil interpretação, é de momento

indispensável, por 3 razões fundamentais:

1) Os espectros de emissão dos diferentes corantes sobrepõem-se parcialmente. Os picos

correspondendo à presença de um só corante são, por isso, detectados por mais de um canal.

É, portanto, necessário determinar as diferentes proporções dos 4 grupos fluorescentes

presentes no gel a cada instante.

26

2) Uma segunda complicação provém do facto de os grupos fluorescentes influenciarem a

mobilidade dos fragmentos de DNA. Por exemplo, a fluoresceína e a rodamina diminuem a

mobilidade dos fragmentos de DNA de uma base e o Texas Red de 1 base e 1/4. É, portanto,

necessário fazer a correcção.

3) Uma terceira complicação é inerente ao método enzimático, que dá por vezes origem a

variações de intensidade das bandas ou a regiões de leitura difícil, devido à existência de

estruturas secundárias no seio do DNA.

Foram desenvolvidos três outros sistemas que utilizam cada um, um só marcador

fluorescente e quatro corredores electroforéticos. Esta modificação evita os problemas

associados à mobilidade diferencial dos fragmentos, causada pelos 4 diferentes marcadores

químicos e a sobreposição dos espectros de emissão dos múltiplos grupos fluorescentes.

Qualquer deles lê a sequência em bases de DNA de maneira contínua e em tempo real, e

possui uma sensibilidade entre 1 e 50 10-18 moles por banda, próxima da obtida com a

autorradiografia convencional.

Os marcadores químicos fluorescentes encontram-se no iniciador do M13, utilizado na

sequenciação pelo método dos didesoxirribonucleotídeos. Num dos sistemas o marcador é

introduzido na extremidade 5' dum derivado sulfídrico do iniciador, por reacção com a

iodoacetamida fluoresceína de estrutura representada na figura 42.A.II. O feixe de excitação

laser atravessa o interior do gel em linha recta, no sentido da largura (lateralmente),

controlando continuamente os quatro corredores (disposição que elimina a necessidade de

movimentos de "scanner" e aumenta a sensibilidade). Um gel de 20 a 30 cm de comprimento

é suficiente para efectuar a leitura de 300-400 bases em 5 horas.

Nos dois outros sistemas, os iniciadores são marcados com o isotiocianato de

fluoresceína (FITC), introduzido em 5'-OH, ou num fosfato internucleotídico (Fig. 42.B.II),

ou em posição C5 da base desoxiuridina, segundo o caso, por reacção com derivados

oligonucleotídicos alquilaminados nas posições referidas. Num dos sistemas, dois grupos

fluorescentes foram introduzidos no mesmo iniciador utilizando os derivados aminados em

C5 de duas desoxiuridinas diferentes, com a finalidade de aumentar a sensibilidade da

detecção e sem que haja interferências com a actividade biológica (Fig. 42.C.II.).

As Fig. 43.II. e 44.II. ilustram esquematicamente a disposição da aparelhagem de

irradiação de excitação laser, de filtração, de irradiação emitida e de análise computorizada

dos dados. A irradiação de excitação é lateral num dos sistemas (Fig. 43.II.) e orientada num

ângulo, que minimiza os reflexos do vidro do gel e optimiza a energia transmitida às bandas,

no sistema que utiliza a bi-marcação fluorescente (Fig. 44.II.). Este último processo introduz

uma focalização do feixe laser que aumenta a resolução das bandas separadas por espaços

muito curtos e um sistema de scanning horizontal do gel que permite a criação duma imagem

27

bidimensional (Fig. 45.II.). Este sistema permite sequenciar com óptima resolução 500-600

bases duma única aplicação, em gel de 30 cm correndo 4 amostras (16 poços)

simultaneamente, com uma percentagem média de erro de 0,83 %.

5. Sequenciação multiplex

A necessidade crescente da determinação de sequências de DNA e nomeadamente o

projecto de sequenciação da totalidade do genoma humano (3 biliões de bases), levaram ao

desenvolvimento de técnicas mais elaboradas e rápidas. Uma actividade intensa foi sido

desenvolvida na pesquisa dedicada a este tema.

Os princípios básicos da sequenciação, do método enzimático de terminação de cadeia

de Sanger e do método de clivagem química de Maxam & Gilbert, continuaram a ser

aplicados, apesar das variações e aperfeiçoamentos introduzidos. Um exemplo dos

desenvolvimentos realizados nas técnicas de sequenciação de DNA baseia-se em métodos

que recorrem à hibridação de DNA-DNA. O sistema "multiplex" de sequenciação tira partido

da possibilidade de aplicar, num corredor electroforético, uma multiplicidade de amostras

correspondentes a uma clivagem específica, ao nível de uma base (método de Maxam &

Gilbert) efectuada simultaneamente com múltiplos fragmentos de DNA, cuja sequência

individual se deseja determinar. O padrão individual das bandas correspondentes a cada

fragmento é decifrado por hibridação com sondas específicas marcadas radioactivamente.

A Fig. 46.II. esquematiza as diferentes etapas deste método. Uma mistura de fragmentos

de DNA (de 900 a 1500 pb, provenientes por exemplo, do fraccionamento por vibração

ultrassónica, de DNA genómico) é clonada separadamente em 20 vectores, que foram

construídos especialmente para o sistema multiplex. Estes 20 vectores plasmídicos diferem

unicamente pela sequência de dois fragmentos, que flanqueiam o sítio de restrição utilizado

para a clonagem do DNA que se pretende sequenciar. Os 40 fragmentos correspondentes

foram sintetizados quimicamente, com sequências suficientemente diferentes para permitirem

a identificação fácil de cada um dos 20 vectores, por hibridação com uma sonda

complementar (Fig. 47.II.). As 20 misturas de clonagem são levadas a transformar

separadamente uma estirpe de E. coli e os 20 bancos de DNA resultantes são amplificados,

utilizando a resistência à tetraciclina como marcador de selecção. Os plasmídeos que contêm

um inserto único são seleccionados por electroforese em gel de agarose, purificados e levados

a transformar separadamente a mesma estirpe bacteriana. Os transformantes são plaqueados

em 20 placas (1 cultura de transformante por placa) formando cerca de 100 colónias por

placa. São em seguida constituídos grupos de 20 colónias, uma de cada placa, de maneira a

que cada um dos vectores plasmídicos, especificamente rotulado com as sequências

oligonucleotídicas sintéticas, se encontre representado uma vez em cada grupo. Misturando

28

várias colónias desta maneira, obtêm-se várias séries de grupos, compostos cada um de 20

colónias, comportando, portanto, 20 clones de fragmentos de DNA, um por plasmídeo

diferente. Cada um destes grupos de colónias misturadas é cultivado separadamente e os

plasmídeos de cada cultura são purificados e cortados pela enzima de restrição NotI. O DNA

proveniente de cada grupo é submetido separadamente a quatro reacções químicas de

clivagem de base e os fragmentos resultantes são fraccionados electroforeticamente como já

foi descrito antes.

Esta técnica tem a particularidade de recorrer à aplicação de amostras provenientes de 12

séries de reacções, utilizando portanto 48 corredores num só gel (Fig. 48.II.). Os fragmentos

fraccionados são transferidos electricamente do gel para uma membrana de nylon, onde são

fixos por reacção induzida pela luz U.V.. Como cada série de reacção faz intervir um grupo

de 20 fragmentos de DNA, provenientes dos 20 bancos iniciais, é possível ler numa só

membrana, portanto a partir dum único gel, 240 sequências de DNA. Com efeito, cada

oligonucleotídeo marcado radioactivamente com 32P e complementar da sequência que

rotula cada um dos vectores plasmáticos, revela, após hibridação e autorradiografia, o padrão

de clivagem do DNA clonado em cada um destes plasmídeos. Isto é possível porque a

membrana em nylon retém fortemente os fragmentos de DNA, permitindo pelo menos 50

hibridações, intercaladas por 50 operações de desnaturação, sem perca de sensibilidade ou de

resolução, mantendo a especificidade das hibridações.

6. Outras tendências

Para acelerar a velocidade de sequenciação do DNA de várias ordens de grandeza, pode-

se teoricamente recorrer à combinação de várias técnicas existentes: à sequenciação

multiespectral, à fotoquímica dos grupos fluorescentes, à sequenciação multiplex, à

transferência (blotting) directa e automática do resultado da eletroforese para membranas e às

técnicas de figuração electrónica.

A proposta de sequenciação pelo método multiespectral-multiplex ambiciona

desenvolver um sistema capaz de processar um milhão de bases por gel de sequenciação.

A primeira etapa no sentido da automatização do sistema multiplex visa a transferência

directa do gel de sequenciação para uma membrana. Já utilizado para o blotting de proteínas,

este dispositivo compreende uma matriz para imobilização (nitrocelulose ou nylon)

incorporada numa correia transportadora, que se move ao longo do fundo do gel. Os

fragmentos de DNA fraccionados são sequencialmente transferidos para a matriz,

preservando a informação espacial. Uma das vantagens deste sistema é o aumento da

resolução espacial entre os fragmentos de maior comprimento, porque a separação em função

29

do tempo, mediada pela correia móvel, é linear, ao contrário do fraccionamento em função da

distância, cuja relação é logarítmica, o que provoca a compressão das bandas. Este sistema

permite resolver e manter uma resolução linear até aproximadamente 600 nucleotídeos num

gel de 5 % de poliacrilamida.

A proposta multiespectral-multiplex recorre a 50 séries diferentes de sondas, destinadas a

serem hibridadas com um número igual de iniciadores de sequenciação do M13, de

sequências complementares à das sondas. Estas séries de sondas e de iniciadores serão

utilizadas para a determinação de 2000 famílias de sequências (50 ciclos multiplex x 40

corredores electroforéticos) por gel. Não são necessários vectores especiais porque a sonda

fluorescente é dirigida para o iniciador de sequenciação e não para o vector (Fig. 49.II.).

Cada família de bandas de sequenciação será lida a quatro comprimentos de onda específicas,

por um sistema de detecção em que a resolução é função do tempo. Só são necessárias 160

reacções separadas de sequenciação pelo método dos didesoxinucleotídeos para as 2000

famílias de sequências, porque todas as reacções A, G, C e T podem ser agrupadas num

corredor dado (4 bases x 40 corredores = 160 reacções).

As seis etapas esquematizadas na Fig. 50.II. incluem:

1) Preparação para sequenciação de 2000 fragmentos de DNA monocatenário (no M13

mp18, por exemplo). Este DNA é preparado a partir do fago, sem necessidade de vectores ou

métodos especiais.

2) Divisão dos 2000 fragmentos de DNA em 40 grupos de 50 fragmentos cada. Os 50

fragmentos de cada grupo (totalizando 40 x 4 = 160 reacções de terminação de cadeia com os

didesoxinucleotídeos) serão aplicados num só corredor de electroforese. São portanto

necessários 40 corredores (por gel) para a sequenciação multiespectral-multiplex de 2000

cadeias de DNA. Como a sequenciação é tetracromática, cada família de sequências será lida

a partir de um corredor, por ciclo.

3) Quatro iniciadores diferentes de sequenciação serão utilizados para cada fragmento de

DNA (um para cada uma das reacções de terminação com os didesoxinucleotídeos A, C, G e

T). É necessária uma série única de 4 iniciadores oligonucleotídicos para cada grupo de

fragmentos de DNA (4 x 50). São, portanto, necessários 200 oligonucleotídeos únicos. A

mesma série de iniciadores pode ser utilizada para cada um dos grupos. Estes 200

oligonucleotídeos serão as sequências alvo das hibridações da sequenciação multiplex.

4) As reacções dos didesoxinucleotídeos A, C, G e T serão agrupadas para cada grupo, o

que reduz o número total de reacções, de 8000 (2000 x 4) da sequenciação convencional,

para 160 (4 tipos de reacção por cada corredor).

30

5) Durante a electroforese recorrer-se-á em simultâneo à transferência directa para uma

matriz de imobilização.

6) Cada família de sequências será lida hibridando uma série de 4 sondas fluorescentes

diferentes (multiespectrais) por ciclo. No total, há 50 séries de 4 sondas multiespectrais. O

factor 50 corresponde ao número de fragmentos multiplex aplicados em cada corredor e o

factor 4 corresponde às 4 bases do DNA.

Após figuração electrónica de um blot (membrana depois de ter recebido a transferência)

a quatro comprimentos de onda, uma família de sequências será lida em cada corredor. A

membrana será lavada, de novo hibridada e a sua figuração representada electronicamente

num total de 50 vezes, até fornecer a sequência das 2000 famílias.

Como o DNA alvo das sondas fluorescentes é monocatenário, será possível utilizar

condições de hibridação suaves, depois da transferência do gel desnaturante.

Espera-se poder processar rapidamente 1 milhão de bases por gel, após os

desenvolvimentos necessários para a automatização do sistema multiespectral-multiplex.

7. Sequenciação de oligonucleotídeos

O método de Maxam & Gilbert pode-se aplicar à sequenciação de fragmentos de DNA

de pequeno comprimento (4 a 40 nucleotídeos). São no entanto necessárias modificações

experimentais em relação às utilizadas com grandes fragmentos. A percentagem de

modificação e, portanto, de clivagem dos grandes fragmentos de DNA, necessária para a

análise da sequência, é relativamente baixa (1-2 %). Se se utilizarem estas mesmas condições

com os oligonucleotídeos, a maior parte das moléculas de DNA permanecem não

modificadas. Para obter resultados satisfatórios são necessárias de uma maneira geral

condições reaccionais mais vigorosas, prolongando o tempo das reacções ou aumentando a

temperatura, ou ambos. Outras modificações de detalhe incluem o método de separação do

excesso de [γ32P]-ATP do oligonucleotídeo marcado, por cromatografia de Sephadex, ou

papel de DEAE celulose. A variante em fase sólida, na qual o oligonucleotídeo é imobilizado

num suporte apropriado para trocas iónicas, também é eficaz.

Um outro método muito útil e que permite simultaneamente controlar a pureza dos

oligonucleotídeos é o método do Wandering spot. Baseia-se nas diferenças de mobilidade dos

fragmentos de degradação sequencial e parcial do oligonucleotídeo, num cromatograma

bidimensional que se obtém por electroforese de alta voltagem (1a dimensão) e

homocromatografia (2a dimensão). O oligonucleotídeo que se pretende sequenciar é marcado

na sua extremidade 5', com a T4 polinucleotídeo kinase e [γ32]-ATP e em seguida é

hidrolisado com a fosfodiesterase de veneno de serpente, enzima que digere o DNA de 3' em

31

5'. Se a digestão é controlada temporalmente, podem-se obter fragmentos de todos os

comprimentos marcados em 5' em quantidades equivalentes (Fig. 51.II.). A mistura é em

seguida submetida a uma electroforese de alta voltagem, numa tira de acetato de celulose, a

pH 3,5. A este pH, a diferença de protonação das 4 bases heterocíclicas é máxima (Fig.

52.II.). A diferença de mobilidade electroforética de 2 oligonucleotídeos com n e n-1

nucleotídeos depende da natureza do nucleotídeo clivado na extremidade 3' do fragmento.

Para identificar os produtos de degradação sequencial é necessário efectuar, depois da

electroforese, uma homocromatografia que os separa em função do comprimento. O material

é transferido da banda de acetato de celulose para a linha de base duma placa de camada fina

de DEAE celulose. A separação efectua-se em função da carga do fosfato em meio básico,

portanto em função do comprimento, sendo os mais compridos os mais retidos.

O efeito combinado da electroforese e da homocromatografia na mobilidade, aparece na

impressão bidimensional, ilustrada na Fig. 53.II., exemplificada com um octâmero.

Utilizando as regras representadas nas figuras pode-se deduzir a sequência a partir do

fingerprint. pdG corre conjuntamente com o xilenocianol e é identificado sem ambiguidade.

Variações mais ou menos importantes em relação às regras surgem por vezes, pelo que é

aconselhável prudência na interpretação dos resultados. Para além de 20 nucleotídeos é muito

difícil interpretar os resultados, devido à sobreposição das bandas. Pode-se, no entanto, obter

informação sobre sequências de fragmentos maiores, recorrendo à marcação do

oligonucleotídeo em 3' pela desoxirribonucleotidiltransferase com [α32P]-dNTPs, digerindo

o oligonucleotídeo de 5' em 3' pela diesterase de baço de vitela e analisando os fragmentos

pelo método acima descrito. Sobrepondo os resultados das duas análises, de 5' em 3' e de 3

em 5' obter-se-á informação complementar.

Um outro método muito rápido e preciso e que se aplica aos oligonucleotídeos de

pequeno comprimento, de 1 a menos 15 nucleotídeos, é a espectrometria de massa por

bombardeamento atómico rápido, conhecido por FAB (Fast Atomic Bombardment).

Resumidamente, uma amostra de oligonucleotídeo de cerca de 10 nmol é submetida a um

bombardeamento de átomos neutros de xénon, que provoca uma fragmentação do

oligonucleotídeo em partículas de carga negativa. Estes fragmentos, em geral de carga -1, são

acelerados e separados num campo magnético em função da massa, para uma carga idêntica.

Do registo do padrão de fragmentação resulta um espectro de massa como o exemplificado

na Fig. 54.II. As fragmentações ocorrem preferencialmente nos locais indicados. No entanto,

como a ligação entre o átomo de oxigénio em 3' e o átomo de carbono secundário do ciclo

furanôsico é mais lábil que a ligação entre o átomo de oxigénio em 5' ligado ao carbono

primário, o registo dos iões correspondentes aos 5'-fosfatos aparece mais intenso que o dos

3'-fosfatos.

32

Na prática, classificam-se os iões em 5'-fosfato ou em 3'-fosfato, segundo a intensidade a

partir do sinal correspondente a (M-H)-. As diferenças exactas das massas, entre os picos

vizinhos da mesma família de fragmentação, são determinadas por contagem e permitem a

determinação exacta da sequência oligonucleotídica correspondente. A sequência completa

das bases do oligonucleotídeo pode então ser lida 2 vezes, partindo da extremidade 5' ou da

extremidade 3'.

As limitações deste método são o preço do equipamento e o comprimento limitado do

oligonucleotídeo que é possível sequenciar.

8. Chromosome walking

O chromosome walking não é propriamente um método de sequenciação. É antes um

método para fazer uma carta, o mapeamento duma região muita vasta de DNA, em geral mais

longa que os insertos habituais obtidos quando se prepara um banco genómico (20-45 kb).

Um passo desta marcha (walking) consiste no escrutínio do banco com uma sonda conhecida

e na identificação de clones que apresentam uma sobreposição com a sonda. Os insertos que

se sobrepõem são mapeados e os que se localizam nas extremidades são utilizados como

sondas para escrutinar o banco e identificar outros clones, cujo DNA se estende mais para a

esquerda e a direita (Fig. 55.II.). Estas etapas são repetidas até se percorrer todo o gene, ou a

região do cromossoma que se pretende estudar: a sonda 1 identifica os clones λ1 e λ2. A

sonda 2, derivada de λ2, é utilizada para identificar o clone λ3. Uma sonda derivada da

extremidade 3' de λ3 servirá para identificar λ4 e assim de seguida. A mesma estratégia pode

ser utilizada para marchar na direcção 5'.

Em vez de marchar pode ser necessário saltar (jumping), o que acontece sempre que há

rearranjos. A parte B da figura ilustra este género de ocorrência. A parte central do DNA está

invertida em relação à situação em A. A sonda 4 identificará neste caso, um novo clone 5,

que cobre a região A e uma região suplementar do cromossoma, que fica na vizinhança de A

depois do rearranjo. A sonda 5, tirada da extremidade 3' do inserto λ5, pode ser utilizada para

continuar a avançar no estabelecimento do mapa.

1.c.Síntese química de DNA

Há cerca de 25 anos, a síntese química de pequenos fragmentos de DNA

(oligonucleotídeos) era um domínio esotérico, apanágio de alguns químicos especializados.

Calculava-se, em 1975, que seriam necessários 20 anos para sintetizar um gene de 100

nucleotídeos segundo um esquema optimizado por computador. Actualmente, é possível

realizar este trabalho em algumas horas. Esta proeza técnica, só é possível graças ao

33

desenvolvimento acelerado das técnicas de síntese química, catalisado pelo advento das

técnicas da Engenharia Genética. O alargamento contínuo do campo de aplicação dos

fragmentos sintéticos de DNA, assim como o aspecto fundamental do estudo estrutural de

certas sequências particulares, constituíram estímulos poderosos para os químicos orgânicos,

cujos esforços conduziram ao ajustamento e ao aperfeiçoamento das técnicas de síntese.

O domínio das aplicações dos oligonucleotídeos sintéticos, ou de análogos, pode ser

assim resumido:

Síntese total ou parcial de genes

Construções (adaptadores, mutagénese...)

Iniciadores para polimerases e transcritases

DNA (ex., diagnóstico..)

Sondas de hibridação para escrutinar RNA (ex., Northern...)

bancos genómicos

bancos de cDNA

Mutagénese dirigida localisada

Determinação de estruturas de DNA e de RNA

Mecanismos de interacção DNA-proteína

Inibição de tradução

transcrição

Apresentamos neste sub capítulo um resumo histórico geral da química que esteve, ou

está na base da síntese de DNA.

I. Princípios da síntese química de DNA

A síntese química em solução de um oligodesoxinucleotídeo comporta as seguintes

etapas:

1) Preparação dos quatro desoxinucleotídeos: timidina, desoxicitidina, desoxiadenosina e

desoxiguanosina, completamente protegidos. Estes são os blocos fundamentais para a síntese.

34

2) Desprotecção selectiva de dois desoxinucleotídeos a condensar, de maneira a libertar em

cada um dos blocos, unicamente as funções implicadas na formação da ligação

internucleotídica.

3) Condensação dos compostos assim gerados para formar um dímero inteiramente

protegido.

4) Extensão da cadeia de DNA repetindo as reacções das etapas 2 e 3 até à obtenção de um

oligodesoxirribonucleotídeo completamente protegido.

5) Desprotecção sequencial e controlada do oligodesoxirribonucleotídeo.

6) Isolamento, purificação e caracterização.

Quando a extensão da cadeia desoxirribonucleotídica é realizada em fase sólida, são

necessárias algumas etapas suplementares:

i) funcionalização de um polímero insolúvel;

ii) fixação do primeiro desoxirribonucleotídeo protegido da cadeia

oligodesoxirribonucleotídica a sintetizar, sobre a função do suporte sólido;

iii) clivagem da cadeia de DNA do suporte sólido.

1) Preparação dos blocos de base para a síntese

As substâncias de base na síntese de DNA são os quatro desoxirribonucleosídeos:

timidina, desoxicitidina, desoxiadenosina e desoxiguanosina; (obtidos por degradação de

ADN de origem natural) (Fig. 56.II.).

Na molécula desoxinucleosídica podem-se distinguir três centros que vão ser objecto de

três transformações distintas: as bases e as funções hidroxílicas, em posição 5' e em posição

3'.

a) Protecção das funções aminas exocíclicas

As bases que possuem funções aminas primárias (a timidina não possui) têm que ser

protegidas. Esta protecção é permanente, visto que o centro aminado não está implicado nas

reacções de extensão oligomérica. Portanto, os grupos protectores devem ser estáveis ao

longo de todas as etapas de síntese. No entanto, eles devem poder ser retirados no fim da

síntese em condições que preservem a integridade da molécula final. Os grupos que, nas

estratégias de síntese mais utilizadas, melhor satisfizeram estas condições, são o grupo

benzoilo para a desoxicitidina e a desoxiadenosina e o grupo isobutanoilo para a

desoxiguanosina. A sua introdução tem de ser selectiva, a fim de não bloquear os grupos

hidroxílicos do ciclo desoxirribofuranosilo. Estes grupos são objecto de uma protecção

35

transitória, que pode ser especificamente removida após acilação dos grupos aminados (ex.,

Fig. 57.II.).

Uma protecção suplementar original foi introduzida por várias equipas, destinada a

proteger a função lactâmica da desoxiguanosina, fonte de reacções secundárias durante as

reacções de condensação e de fosforilação.

Timidina

1'O N

N

O

O

H

HO

OH

2'3'4'

5'

1'O N

N

OHO

OH

2'3'4'

5'

Desoxicitidina

NH2

NH2

Desoxiadenosina

1'OHO

OH

2'3'4'

5'N

N

N

O

Desoxiguanosina

1'OHO

OH

2'3'4'

5'N

N

N

N

NH2

H

Fig. 56.II

36

NH2

Desoxicitidina

1'O N

N

OHO

OH

2'3'4'

5' ClSi(CH3)3

NH2

1'O N

N

O O

O

2'3'4'

5'Si

Si

O

Cl

O

SiO

Si 5'

4'3' 2'

O N

N

OO1'

NH

NH4OH dil.

O

O

5'

4'

3' 2'

N

N

OO1'

NH

HO

H

Fig. 57.II

b) Transformação dos grupos hidroxílicos

Das funções hidroxílicas em posição 5' e 3', uma tem de ser protegida por um grupo

protector transitório, a outra fosforilada. A escolha do centro a fosforilar depende da

estratégia adoptada. A estratégia que consiste em fosforilar a posição 3' deu os melhores

resultados e tem sido utilizada nos métodos gerais de fosfatotriéster e de fosfitotriéster.

α) A protecção do grupo hidroxílico em posição 5' tem de ser temporária. Ela tem de ser

removida antes de cada etapa de condensação, durante a extensão da cadeia

desoxirribonucleotídica. O grupo protector deve neste caso possuir as propriedades seguintes:

i) poder ser introduzido selectivamente em posição 5' deixando intacta a função

hidroxílica em posição 3';

ii) poder ser retirado em condições suaves que não dêem lugar a nenhuma reacção

secundária;

37

iii) ser estável em todas as etapas de síntese, de desprotecção e de purificação que se seguem

à sua introdução;

iv) eventualmente, facilitar, pela sua introdução, a purificação dos intermediários de

síntese.

Entre outros grupos introduzidos com bons resultados o 4,4'-dimetoxitritilo é um dos

mais correntemente adoptados. É introduzido através do seu cloreto, tirando-se beneficio da

sua selectividade pela posição 5', devido a factores estéricos. (ex., Fig. 58.II.).

Fig. 58.II

O grupo 4,4-dimetoxitritilo pode ser quantitativa e rapidamente retirado em condições de

baixa acidez (ex., ácido dicloroacético, brometo de zinco) sem ruptura, ou com ruptura

insignificante da ligação glicosídica; esta reacção conduz à formação do catião dimetoxitritilo

de cor laranja, cuja absorvência pode ser medida espectrofotometricamente. Esta medida é

particularmente útil na síntese em fase sólida, pois ela é a única indicação da eficácia das

reacções de condensação durante a construção da cadeia oligonucleotídica.

ß) A fosforilação em posição 3' dos nucleosídeos protegidos na bases e no grupo hidroxílico

em 5' pode conduzir, segundo a estratégia escolhida, a um bloco completamente protegido,

ou a uma espécie fosforilada activa, capaz de reagir directamente com outro bloco

desoxinucleotídico desprotegido em posição 5' para formar a ligação internucleotídica.

Numerosos agentes de fosforilação têm sido utilizados em síntese de

oligodesoxirribonucleotídeos, sobretudo na metodologia do fosfatotriéster (Fig. 59.II.).

OCH3

OCH 3

OCH 3

OCH 3

O

Cl

H

+

O

H N

1 ' O O

OH

2 ' 3 ' 4 '

5 ' N

N

N C C

N

Desoxiadenosina protegida na base

1 ' O HO

OH

2 ' 3 ' 4 '

5 ' N

N

N

38

+1'

ODMTO

OH

2'3'4'

5'Bp

P

O

X

XR1YR2Z1'

ODMTO

O

2'3'4'

5'Bp

P

O

XR1Y

1'O HO

OR

2'3'4'

5'Bp

1'ODMTO

O

2'3'4'

5'Bp

P

O

ZR2R1Y

1'ODMTO

O

2'3'4'

5'Bp

P

O

R1Y O

1'O

OR

2'3'4'

5'Bp

Bp = base protegidaDMT = DimetoxitritiloZ,Y = N, O, SR1 = arilo, 2-etiloarilo, 2-etilotoarilo, arilo substituídoR2 = alquilo, alquilo substituído...X = triazolo, oxibenzotriazolo, cloro...

Fig. 59.II

Um dos substituintes do átomo de fósforo protege de maneira permanente o anião

fosfato, responsável pelos fracos rendimentos das reacções de condensação, assim como das

dificuldades crescentes de purificação e de solubilidade com o comprimento dos oligómeros,

surgidas na metodologia inicial dos fosfatodiéster. O outro substituinte tem um papel de

protecção temporária destinada a ser substituída pela ligação fosfato internucleotídica.

O grupo protector permanente deve possuir uma estabilidade total durante as reacções de

remoção dos grupos protectores temporários e durante as reacções de condensação. Não deve

interferir negativamente com o rendimento e a eficácia destas últimas. Ele tem, no entanto,

que ser retirado especificamente no fim da síntese sem provocar a ruptura concorrente das

ligações internucleotídicas. O grupo protector transitório deve ser suficientemente estável

para permitir o isolamento, a purificação e o armazenamento dos blocos desoxinucleotídicos

completamente protegidos. A sua remoção deve ser específica e rápida em condições que

preservem os grupos protectores permanentes e o grupo protector temporário em posição 5'.

39

Os grupos ortoclorofenilo (R = o-ClC6H4 com Y = O) permanente e o cianoetilo (R =

CH2CH2CN com Z = O) temporário (Fig. 59.II.) são exemplos de grupos muito utilizados na

metodologia do fosfatotriéster (ex., Fig. 60.II.).

+

NN

N

P

O

O

ClN

NN

HOCH2CH2CN

1'O N

N

O

O

H

DMTO

OH

2'3'4'

5'

P

O

O

ClN

NN

DMTO1'

O N

N

O

O

H

O

2'3'4'

5'

Et3N

H2O

P

O

O

Cl

DMTO1'

O N

N

O

O

H

O

2'3'4'

5'

OCH2CH2CNP

O

O

Cl

DMTO1'

O N

N

O

O

H

O

2'3'4'

5'

O-H+ Et3N

Fig. 60.II

O grupo protector permanente na metodologia do fosfitotriéster é, actualmente, o

cianoetilo, que veio substituir o grupo metilo, inicialmente utilizado. O terceiro substituinte

do átomo do fósforo é um grupo azodialquilo, introduzido em substituição de um átomo de

cloro, o qual confere uma reactividade particularmente forte ao intermediário fosfocloridrito

(utilizado durante o desenvolvimento inicial do método), que o torna instável e de emprego

pouco cómodo.

Os compostos clorodiisopropilaminofosforoamidito (ou morfolino, entre parênteses)

possuem um bom compromisso de reactividade-estabilidade (Fig. 61.II.).

40

O

1'O

OH

2'3'4'

5'N

N

N

N

N

H

HC

O

DMTO

O

1'O

O

2'3'4'

5'N

N

N

N

N

H

HC

O

DMTO+

P

Cl

NNCCH2CH2O

NCCH2CH2OP

N

N O

N O

Fig. 61.II

O método do fostitotriéster é o correntemente utilizado em síntese em fase sólida, em

rotina, num processo inteiramente automatizado de elongação da cadeia oligonucleotídica.

É importante sublinhar que o sucesso da síntese química de DNA se baseia sobretudo na

preparação destes blocos de base, isto é, na escolha dos diferentes grupos protectores, no

rendimento das diferentes reacções e na pureza dos desoxinucleotídeos completamente

protegidos.

2) Desprotecção selectiva

Para poder condensar dois desoxinucleotídeos pelo método do fosfatotriéster, é

necessário libertar separadamente, por um lado a função fosfato e por outro o grupo

hidroxílico 5', das suas protecções temporárias. Por exemplo, o grupo dimetoxitritilo é

retirado em condições ácidas suaves e o grupo cianoetilo em condições básicas suaves (Fig.

62.II.).

41

Fig 62.II

(MSNT)

Base (Et3N)

Ácido(TCA, ZnBr)

P

O

O

Cl

DMTO1'

O

O

2'3'4'

5'

OCH2CH2CN

Bp

P

O

O

Cl

HO1'

O

O

2'3'4'

5'

OCH2CH2CN

Bp

S

O

O

NN

N NO2

P

O

O

Cl

DMTO1'

O

O

2'3'4'

5'

O HNEt3

Bp

P

O

O

Cl

DMTO1'

O

O

2'3'4'

5'

O

Bp

P

O

O

Cl

1'

O

O

2'3'4'

5'

OCH2CH2CN

Bp

42

3) Reacções de condensação

A reacção de condensação necessita evidentemente da formação de espécies activas,

capazes de reagir com bons rendimentos, sem formação de produtos secundários.

A activação do fosfatodiéster é frequentemente realizada pela acção conjugada de um

cloreto de arilosulfonilo e de uma amina heterocíclica, ou de uma sulfonamida (p ex., o

mesitilenonitrotriazolo-MSNT), preparada antecipadamente a partir deste tipo de compostos

(Fig. 62.II.).

A activação dos fosforoamiditos é realizada por um agente de protonação, ácido fraco

(ex.: tetrazolo pKa = 4,9) que acelera a ruptura da ligação do grupo dialquilamina e favorece

o ataque pela função hidroxílica que vai estabelecer a ligação internucleotídica. Não é, por

isso, possível, dentro desta metodologia, eliminar o grupo dimetoxitritilo em presença do

grupo fosforoamidito. A reacção de condensação tem que ser seguida, neste método, pela

oxidação do fosfito triéster em fosfato, o que se realiza correntemente pelo iodo aquoso (Fig.

63.II.).

NCCH2CH2OP

N

O

1'O HO

OR

2'3'4'

5'Bp

+

NN

NN

H

I2H2O

NCCH2CH2O P

DMTO1'

O

O

2'3'4'

5'Bp

1'O O

OR

2'3'4'

5'Bp

O

DMTO1'

O

2'3'

5'Bp

4'

NCCH2CH2OP

DMTO1'

O

O

2'3'4'

5'Bp

1'O O

OR

2'3'4'

5'Bp

Fig. 63.II

43

4) Construção da cadeia oligodesoxinucleotídica

a) Em solução

Na síntese em solução e pela metodologia do fosfatotriéster a extensão da cadeia

polinucleotídica pode fazer-se de maneira alternada no sentido 3'→ 5' ou 5'→ 3', visto que se

pode desproteger o grupo hidroxílico na extremidade 5', ou o triesterfosfato na posição 3' do

oligómero em construção. Dois oligómeros podem igualmente ser condensados um com o

outro. Devido à sensibilidade dos fosforoamiditos às condições ligeiramente ácidas, esta

flexibilidade própria aos triesterfosfatos, não se aplica ao método do fosfitotriéster, que não

foi desenvolvido em solução.

A síntese em solução permite a detecção de reacções secundárias de maneira mais

directa que a síntese em fase sólida. Ela permite a identificação e a compreensão da origem

dos produtos parasitas e portanto possibilita a intervenção sobre os parâmetros correctores

(Fig. 64.II.).

b) Em fase sólida

A extensão da cadeia de DNA em fase sólida realiza-se numa só direcção (em geral 3'→

5'), a partir de um desoxirribonucleosídeo fixo, por uma das funções hidroxílicas, a um

suporte sólido. A fixação efectua-se em geral através da formação de uma ligação amida entre um 2'-desoxi-3'-succinilorribonucleosídeo e um polímero insolúvel aminado (P-NH2)

(Fig. 65.II.).

44

ClPh

Bp

DMTO

Bp

P

O

O

O

OPOCE

OClPh

NEt3 1. TCA 2. cromatog

ClPh

Bp

DMTO

Bp

P

O

O

O

OPO

OClPhClPh

Bp

O

Bp

P

O

O

O

OPOCE

OClPh

H

1. MSNT2.cromatog

ClPh

Bp

DMTO

Bp

P

O

O

O

OPO

OClPhClPh

Bp Bp

P

O

O

O

OPOCE

OClPh

1. MSNT2.cromatog

ClPh

Bp

DMTO

Bp

P

O

O

O

OPO

OClPhClPh

Bp Bp

P

O

O

O

OPOCE

OClPh

ClPh

Bp

DMTO

Bp

P

O

O

O

OPOCE

OClPh

ClPh

Bp

DMTO

Bp

P

O

O

O

OPO

OClPh

NEt3 1. TCA 2. cromatog

ClPh

Bp

O

Bp

P

O

O

O

OPOCE

OClPh

H

1. TCA 2. cromatog

ClPh

HO

Bp

P

O

O

O

P

OClPh

Bp Bp

ClPh

Bp

P

O

O

O

OPOCE

OClPh

MSNT

NEt3

ClPh

DMTO

Bp

P

O

O

O

P

OClPh

Bp Bp

ClPh

Bp

P

O

O

O

OPO

OClPh

ClPh

DMTO

Bp

P

O

O

O

P

OClPh

Bp Bp

P

ClPh

Bp

P

O

O

O

OClPh ClPh

Bp

P

O

O

O

P

OClPh

Bp Bp

ClPh

Bp

P

O

O

O

OPOCE

OClPh

DMT = dimetoxitritiloBp = citosina, adenina, guanina protegidas ou timinaClPh =2-clorofenilTCA = ácido tricloroacéticoMSNT = mesitilenosulfonil-3-nitrotriazolo

Fig 64.II

45

O+

O

O

H2N

DCC

ONH

Bp = citosina, adenina, guanina protegidas ou timina

= polímero insolúvel

Fig. 65.II

DMTO O Bp

OH

PDMTO O Bp

O

C O

CH2

CH2

CO2H

DMTO O Bp

O

C O

CH2

CH2

C P

P

O poliestirenodivinilbenzeno, a resina composta polidimetilacrilamida-kieselguhr, a

sílica, as esferas de vidro de porosidade controlada, a celulose, o co-polímero teflon-

poliestireno são exemplos de polímeros insolúveis que podem ser utilizados.

A extensão da cadeia polinucleotídica em fase sólida consiste na repetição de um ciclo que

compreende essencialmente:

a) a reacção de desprotecção do grupo hidroxílico em 5' do primeiro nucleosídeo (ou de

cadeia em crescimento) fixo no polímero insolúvel;

b) a reacção de condensação entre a função hidroxílica libertada e a espécie nucleotídica

introduzida em solução e activada in situ no átomo de fósforo em posição 3'.

Com o método do fosfitotriéster, uma terceira reacção, que consiste na oxidação do

fosfito em fosfato, é, como já acima foi referido, necessária. Uma reacção suplementar é por

vezes efectuada (caping). Ela visa o bloqueamento da ligeira percentagem dos grupos

hidroxílicos que não reagiram na reacção de condensação a fim de os desactivar para as

reacções ulteriores. Os reagentes em excesso, os subprodutos e os solventes das reacções e de

lavagem são eliminados por simples filtração do suporte sólido (Fig. 66.II.).

repetição

n vezes

OO

OC(CH 2)2CNH PP

O

OR

BpBpBp

DMT

Bp

P

O

OR

P

O

OR

POC(CH 2)2CNH

O O

DMT = dimetoxitritiloBp = citosina, adenina, guanina protegidas ou timinaR = grupo protector do fosfatoP = polímero insolúvel

Bp

P

O

OR

Bp

DMT DMT

1) Desprotecção 5'OH

2) Condensação

3) capping4) oxidação

Bp

OO

OC(CH 2)2CNH P

Bp

DMT P

OR

N

Fig. 66.II

46

O isolamento do produto ligado ao polímero insolúvel é, por consequência, simples e

rápido, em relação aos métodos convencionais em solução. O conjunto das operações presta-

se bem à automatização.

Uma desvantagem da fase sólida é a cinética desfavorável. Para conseguir reacções

completas dentro de tempos razoáveis, é indispensável utilizar excessos importantes de

reagentes, cuja pureza é portanto crítica. Vestígios de impurezas reactivas podem inibir

completamente a reacção de condensação.

Em fase sólida a acumulação de produtos indesejáveis é inevitável, visto não haver

purificação em nenhuma etapa da extensão do fragmento de DNA. Uma maneira de

minimizar este inconveniente consiste em utilizar dímeros ou trímeros, preparados em

solução, estratégia que diminui de um factor 2 ou 3 o número de reacções efectuadas no

polímero insolúvel.

O comprimento do fragmento de DNA que é possível obter por síntese química depende

evidentemente do rendimento da etapa de condensação, que tem que ser mantido o mais alto

possível (> 99 %).

Do ponto de vista das vantagens e inconvenientes, o método do cianoetilofosforamidito,

pela alta velocidade da reacção de condensação e sobretudo pela possibilidade de obter

produtos de reacção praticamente isentos de produtos secundários (altos rendimentos) foi

universalmente adoptado nos sintetizadores automáticos. O polímero insolúvel que melhores

resultados tem dado é constituído por esferas de vidro de porosidade controlada e

alquiloaminadas.

5) Desprotecção

A desprotecção do fragmento de DNA é uma operação delicada que deve preservar a

integridade do edifício molecular. Reacções incompletas, ou uma degradação parcial,

conduzem a uma mistura complexa de produtos.

A desprotecção compõe-se de 3 etapas distintas:

I) transformação dos grupos triesterfosfatos em diesterfosfatos;

II) desprotecção das bases;

III) desprotecção da função OH terminal em 5'.

I) A desprotecção dos grupos fosfatos é uma fonte possível de ruptura internucleotídica.

Esta pode ser minimizada utilizando reagentes selectivos antes de desproteger as bases.

Se a extensão da cadeia de DNA for realizada pelo método do fosfatotriéster em fase

sólida, a clivagem do suporte insolúvel efectua-se com o mesmo reagente de desprotecção

dos grupos fosfatos clorofenilados, por exemplo com o 2-nitrofenilcarbaldoximato de

47

tetrametilguanidina. O grupo metilo utilizado no começo do método do fosfitotriéster era

deslocado por ataque nucleofilico pelo anião tiofenalato, antes da clivagem do suporte sólido.

Esta é efectuada em condições suaves. O grupo cianoetilo, utilizado actualmente, é removido

em condições ainda mais suaves e sem necessidade de fazer intervir um reagente

suplementar: por NH4OH à temperatura ambiente.

II) As aminas exocíclicas das bases são desaciladas por amonólise a 50°C. Este tratamento

provoca uma ruptura, que não é desprezível, das ligações fosfatos internucleotídicas quando o

fosfato está na forma de triéster; esta é a razão pela qual se converte antecipadamente e

selectivamente o fosfatotriéster em fosfatodiéster.

III) O grupo protector da função hidroxílica em posição 5' é o último a ser retirado (pelo

ácido acético 80 % no caso do grupo dimetroxitritilo). É conservado até ao fim para impedir

a formação de triésteres fosfóricos cíclicos que conduzem a estruturas

oligodesoxirribonucleotídicas com ligações 5'→ 5, durante as primeiras etapas de

desprotecção. Devido ao seu carácter hidrófobo, o grupo dimetoxitritilo protector da função

5'OH facilita o isolamento do produto por cromatografia de sílica em fase inversa (Fig.

67.II.).

DMT

Bp Bp

P

O

OR

Bp

P

O

OR

POC(CH2)2CNH

O O

n

Desprotecção dosfosfatos eClivagem OH

O O

Desprotecçãodas bases

DMT

Bp Bp

P

O

Bp

P

O

n

B

P

O

B

P

O

B

O

DMTOH

n

Desprotecçãodo grupo 5'OH

B

P

O

B

P

O

B

O

HOOH

n

DMT = dimetoxitritiloBp = citosina, adenina, guanina protegidas ou timinaR = grupo protector do fosfatoP = polímero insolúvel

Fig 67.II

48

RENDIMENTOS

Nº de etapas Rendimento/etapa Rendimento final n ν νn x 100

10 90% 35% 10 95% 60% 10 99% 90% 20 90% 12% 20 95% 36% 20 99% 82% 30 90% 4,2% 30 95% 21,4% 30 99% 74% 50 90% 0,5% 50 95% 7,7% 50 99% 60% 100 90% 0,0026% 100 95% 0,59% 100 99% 36%

49

6) Isolamento, purificação e caracterização

Os métodos de isolamento e de purificação correntemente utilizados são a cromatografia

de DEAE-celulose, de Sefadex, de camada fina de sílica, a cromatografia liquida a alta

pressão (HPLC), com coluna de sílica de fase inversa, ou de troca catiónica e a electroforese

preparativa em gel de poliacrilamida, ou capilar.

A caracterização do produto isolado e marcado numa das extremidades com um

radioisótopo pode ser efectuada pelo método de sequenciação de DNA de Maxam & Gilbert.

É, no entanto, necessário um reajustamento das condições das reacções aos fragmentos de

pequeno comprimento. Um outro método, conhecido pelo nome de Wandering spot, baseia-

se na análise a duas dimensões (electroforese em acetato de celulose, seguida de

cromatografia em camada fina de DEAE-celulose) dos fragmentos de oligonucleotídeo

sintético marcado numa extremidade, obtidos por digestão parcial com uma exonuclease.

Este método restringe-se a fragmentos de comprimento inferior a 20 nucleotídeos (vd. secção

"Sequenciação").

As aplicações dos oligodesoxirribonucleotídeos de sequência definida abrangem quase

todos os aspectos da investigação que implicam a recombinação de DNA, tanto no que diz

respeito à construção, à identificação e à caracterização de clones bacterianos particulares,

como à manipulação do DNA clonado com o fim de modificar a sua estrutura.

Nos campos da amplificação de DNA, da determinação de sequências de DNA, do

estudo das interacções proteína-DNA, ou da análise estrutural do DNA, os

oligodesoxirribonucleotídeos sintéticos têm-se revelado um instrumento extremamente útil e

indispensável.

50

2. VECTORES DE CLONAGEM

A utilização de novas moléculas de DNA formadas por engenharia genética depende da

sua separação e da sua propagação. Para isso é necessário introduzi-las em células

(bacterianas, por exemplo) de tal maneira que elas possam ser replicadas, preservadas e

recuperadas à vontade. Para o realizar recorre-se à utilização de vectores particulares, cujo

DNA pode ser unido por ligação ao DNA que se deseja introduzir no hospedeiro biológico e

que podem depois ser levados a infectar eficazmente esse hospedeiro. Assim que a molécula

recombinante se encontra no hospedeiro, pode-se replicar e propagar de maneira permanente.

Portanto, em princípio, segmentos de DNA de qualquer origem podem ser clonados e

preparados em quantidade a partir de cultura de células, contendo aquele DNA.

Quatro tipos de vectores podem ser utilizados para clonar um fragmento de DNA e

propagá-lo na bactéria E. coli.

a) plasmídeos

b) bacteriófago λ

c) cosmídeos

d) bacteriófago M13

e) sistemas de vectores bacterianos de elevada capacidade

Se bem que diferentes em comprimento e em estrutura, estes 5 tipos de vectores

compartilham um certo número de propriedades:

1) replicam-se de maneira autónoma na bactéria;

2) podem ser facilmente separados do DNA do hospedeiro e purificados;

3) contêm regiões de DNA não essenciais à sua propagação no hospedeiro, nos quais

um DNA estrangeiro pode ser inserido.

a) Os plasmídeos

Os plasmídeos são moléculas de DNA circular bicatenário capazes de se replicar na

bactéria de maneira independente do cromossoma do hospedeiro. Os plasmídeos estão

distribuídos nos procariotas de maneira muito ampla; variam de massa molecular de + 106 a

mais de 200 106 daltons. Conferem um certo número de fenótipos ao hospedeiro que os

contém (Tabela 1.II).

Os plasmídeos podem-se agrupar segundo duas categorias principais, os plasmídeos

conjugantes e os não conjugantes. Estes últimos são destituídos de uma série de genes (tra)

51

que conduzem à conjugação bacteriana. As funções de transferência (tra) incluem um cluster

de 12 genes, pelo menos, que são responsáveis, entre outras coisas, pela síntese de pili e de

outros componentes de superfície celular. Estes pili permitem o contacto físico -um pré-

requisito para a conjugação- entre as células doadoras e as receptoras.

Independentemente destas funções, todos os plasmídeos possuem regiões específicas,

responsáveis pela sua replicação autónoma (rep), que inclui uma origem de replicação (ori).

Dado todos os genes e sequências de DNA num plasmídeo, estarem habitualmente

organizados em clusters funcionais, é possível desenhar uma estrutura geral dos plasmídeos

(Fig. 68. II A).

Os mecanismos que regulam o número de cópias dos plasmídeos são da maior

importância para a sua manutenção na bactéria. O número de cópias é, ou estritamente

controlado por, e correlacionado com, o número de moléculas de DNA cromossómico (i. é., é

dificilmente superior a um) ou relaxado (i. é., uma célula bacteriana pode conter múltiplas

cópias dum plasmídeo). Assim, uma categoria de plasmídeos mantém-se no hospedeiro em

número elevado de cópias (plasmídeo relaxado) e outra em pequeno número de cópias

(plasmídeo restritivo). Com algumas excepções, os plasmídeos restritivos possuem uma

massa molecular relativamente elevada e são conjugativos, enquanto que os relaxados são

normalmente não-conjugativos e têm uma massa molecular baixa.

Os plasmídeos que se replicam sob controlo restrito requerem biossíntese proteica activa,

mas não DNA polimerase I para a sua replicação; os plasmídeos relaxados, contudo,

necessitam duma DNA polimerase I funcional (produto do gene polA), mas replicam-se sem

biossíntese proteica de novo. Muitos dos plasmídeos multicópia apresentam um

comportamento pouco usual: são capazes de continuar a replicação, mesmo na presença dum

inibidor da biossíntese de proteínas. Praticamente, quando se interrompe a síntese proteica do

hospedeiro com um antibiótico (p. ex., cloranfenicol), bloqueia-se também a replicação do

seu DNA. No entanto, a do plasmídeo relaxado continua e podem-se obter vários milhares de

cópias deste plasmídeo por célula (amplificação). Assim, os plasmídeos relaxados podem-se

replicar mesmo se a replicação do DNA do hospedeiro estiver interrompida. Como a

amplificação afecta simultaneamente os insertos de DNA recombinante na molécula de

plasmídeo, os plasmídeos multicópia relaxados desempenham um papel central na tecnologia

do gene. Inversamente, a replicação dos plasmídeos restritivos está ligada de maneira

dependente à do DNA do hospedeiro.

O número de cópias de plasmídeos é controlado geneticamente e pode ser alterado por

mutagénese, de maneira a tornar a replicação do plasmídeo sensível à temperatura e, ou

cessa, após uma elevação da temperatura, ou, pelo contrário, torna o plasmídeo relaxado.

52

Concepção de um vector plasmídico

1. Um vector plasmídico deve ser o mais pequeno possível em relação ao DNA

cromossómico. Esta propriedade facilita a manipulação do vector e aumenta as possibilidades

de transformação eficaz do hospedeiro bacteriano.

2. O vector deve estar bem caracterizado em relação aos genes que contém, no que respeita

à sua carta de restrição e à sua sequência em bases.

3. O vector deve poder replicar-se de maneira autónoma (relaxado) e propagar-se

eficazmente no hospedeiro, de maneira a poder obter-se facilmente grandes quantidades de

DNA do vector e do DNA que nele tiver sido inserido.

4. O vector deve comportar um marcador de selecção que permita distinguir as células

transformadas pelo vector das que não o são.

Habitualmente este marcador é uma resistência a um antibiótico, mediada por um gene

que codifica para uma enzima de modificação de antibiótico (Tcr, Apr, Kanr, Cmr, ...).

5. O vector ideal deve conter um marcador genético adicional, que pode ser inactivado por

inserção do DNA que se quer clonar. A inactivação insercional deste marcador genético

permite distinguir as células que contêm um plasmídeo recombinante, das que contêm o

plasmídeo original (Fig. 68.II.B.).

6. O vector deve conter o maior número possível de sítios de restrição únicos, localizados

num dos marcadores genéticos. Esta propriedade confere um máximo de flexibilidade em

termos de clonagem. Evidentemente que estes sítios de restrição não podem existir nas zonas

do plasmídeo essenciais para a sua replicação.

O plasmídeo pBR322 desenvolvido por Bolivar et al. (1979) tem em conta estas

exigências (Fig. 69.II.).

Neste vector, a replicação é do tipo relaxado e os genes de resistência Tr e Apr podem

servir, um e outro, de marcadores para a selecção ou para a inactivação insercional (Fig. 70.II

e Fig. 71.II).

Os vectores de tipo plasmídico são preciosos, na medida em que não há praticamente

nenhum limite imposto ao comprimento do fragmento de DNA que pode ser inserido neles.

No entanto, em certos casos pode ser mais vantajoso utilizar vectores fágicos.

b) Bacteriófagos

A transformação de E. coli pelo DNA de um fago manifesta-se pela produção de

partículas fágicas que resultam da replicação e da expressão do DNA absorvido. O genoma

53

do fago pode ser utilizado de maneira similar aos plasmídeos como vector para os fragmentos

de DNA.

Uma das vantagens dos vectores fágicos sobre os plasmídeos resulta da grande

experiência bioquímica e genética existente sobre estes fagos. Com os fagos não lisantes

pode-se, nomeadamente, tirar partido dos sistemas de regulação próprios, para optimizar a

expressão dos genes clonados, assim como a acumulação dos seus produtos nas células

infectadas.

Outra vantagem resulta da possibilidade de escrutinar e caracterizar vários milhares de

placas fágicas de lise, p.ex., por hibridação DNA-DNA, numa placa de Petri. Além disso,

existe disponível um sistema de empacotamento in vitro, que permite empacotar o DNA em

cabeças fágicas vazias. A infectividade do DNA recombinante é aumentada várias ordens de

grandeza, quando comparada com a de preparações de DNA puro.

Ao contrário do que acontece com os vectores do tipo plasmídico, o comprimento da

inserção do DNA estrangeiro é limitado no caso da utilização dos vectores fágicos. Pode-se

evidentemente suprimir regiões não essenciais do DNA fágico, mas apesar disso, o

comprimento do DNA tem que permanecer dentro dos limites impostos pelo seu

empacotamento no invólucro do fago. O sistema de empacotamento in vitro permite tirar

partido desta limitação, impondo uma selecção do tamanho do DNA empacotado, de tal

maneira que, em condições apropriadas, só as moléculas de DNA recombinante serão

empacotadas.

Finalmente, milhões de partículas virais clonadas independentemente, constituídas na

forma de banco genómico, representando a informação genética completa dum organismo

complexo, podem ser armazenadas num número reduzido de mililitros de meio de cultura.

O escrutínio dos fagos recombinantes numa população mista, baseia-se essencialmente

na morfologia das placas, ou na sua cor sobre um tapete de bactérias indicadoras e ainda na

hibridação DNA-DNA com uma sonda marcada.

Lembramos que o fago λ contém uma molécula de DNA linear com 45 kbases,

comportando extremidades coesivas. Estas extremidades coesivas naturais associam-se para

formar o sítio cos. Na Fig. 72.II. os genes da esquerda codificam para as proteínas da cabeça

e da cauda do fago; os genes centrais estão implicados na recombinação e na lisogenia e

podem ser considerados como não essenciais ao desenvolvimento lítico do fago. Os genes da

direita conduzem nomeadamente à lise. Um esquema simplificado do desenvolvimento

fágico está representado na Fig. 73.II.

O DNA de λ possui numerosos sítios de clivagem para quase todas as enzimas de

restrição correntes e como tal não é apropriado para vector de DNA. Foi, portanto, preciso

54

construir derivados do DNA selvagem, nos quais existe um só sítio de restrição permitindo a

inserção de um fragmento de DNA exogéneo (vectores de inserção), ou nos quais, um par de

sítios de restrição flanqueia um fragmento de DNA não essencial, que pode ser excisado e

substituído por um fragmento de DNA estrangeiro (vectores de substituição).

O conteúdo em DNA das partículas fágicas está submetido a limites quantitativos. Por

um lado, um conteúdo inferior a 75 % da capacidade normal dos invólucros proteicos (cerca

de 45 kb) não será empacotado correctamente e não conduzirá à formação de partículas

fágicas viáveis. Por outro lado, um excesso de DNA (>105 % do conteúdo normal) levará a

um empacotamento defeituoso. Estes limites são impostos por um sistema de clivagem

específico dos sítios cos, sistema composto de nucleases localizadas na base de cabeça do

fago. Muitos derivados de λ do tipo substituição, contêm também eliminações de algumas

kbases nas regiões não essenciais. Deste modo, sempre que se substitui um fragmento de

DNA do fago, pode-se inserir um fragmento maior de DNA estrangeiro (até 22 kbases em

certos casos) (Fig. 74.II.).

A clonagem que utiliza os bacteriófagos λ requer várias etapas:

1) O DNA do vector é digerido com as enzimas de restrição apropriadas e as extremidades

esquerda e direita do DNA de λ são separadas da região não essencial.

2) As extremidades são ligadas em presença de fragmentos de DNA estrangeiro que

possuam extremidades compatíveis com as das extremidades.

3) O DNA recombinante é empacotado in vitro no invólucro proteico. As partículas fágicas

assim formadas são utilizadas para infectar o hospedeiro bacteriano apropriado.

4) Os fagos recombinantes contendo as sequências de DNA clonadas são a seguir

identificados por diferentes processos.

Empacotamento in vitro

O empacotamento de DNA recombinante λ nos invólucros de fago in vitro, permite que

ele seja introduzido no hospedeiro bacteriano pelo processo normal da infecção fágica com

um rendimento muito elevado (± 106 placas de lise por µg de DNA recombinante).

Uma série de acontecimentos particulares que se desenrolam durante o empacotamento

do DNA no hospedeiro podem ser reproduzidos in vitro (Fig. 75.II.). O DNA do fago, na

forma de concatâmero (forma produzida após replicação), constitui o substrato da reacção de

empacotamento. Na presença de precursores da cabeça (essencialmente produto do gene E) e

do produto do gene A, o DNA concatâmero é clivado em monómeros nos sítios cos e

empacotado. O produto do gene D é em seguida incorporado para formar as cabeças fágicas

55

completas. Finalmente, os produtos doutros genes, tais como W e FII e estruturas da cauda

unidas independentemente, juntam-se às cabeças para formar partículas fágicas maduras.

Para efectuar o empacotamento in vitro, coloca-se o DNA recombinante em presença de

concentrações elevadas de precursores da cabeça, da cauda e de proteínas de empacotamento.

Esta operação é realizada na prática num lisado misto, derivado de duas estirpes bacterianas

lisogénicas, que foram induzidas antecipadamente. Uma das estirpes contém uma mutação

sem sentido no gene D de λ, que bloqueia a etapa de maturação das cabeças dos fagos. A

estirpe acumula pois, os precursores das cabeças fágicas. A segunda estirpe tem uma mutação

sem sentido no gene E de λ, que impede a formação das cabeças fágicas. No lisado misto, a

complementação genética permite a formação de cabeças normais e o empacotamento do

DNA recombinante.

c) Cosmídeos

O sistema de clonagem no DNA de λ possui limitações respeitantes ao tamanho máximo

do fragmento que se quer clonar (de 15 a 25 kbases). Para clonar fragmentos de DNA de

tamanho superior (até 40 kbases), é preciso recorrer aos vectores do tipo cosmídeo. São

plasmídeos que contêm um fragmento de DNA de λ, incluindo o sítio cos. Estes vectores são

utilizados em combinação com o sistema de empacotamento in vitro. Após o empacotamento,

a partícula é levada a infectar um hospedeiro apropriado. O DNA injectado circulariza-se

como o DNA fágico, mas replica-se como um plasmídeo, sem haver expressão das funções

fágicas. As células que contêm os cosmídeos são então seleccionadas com base na resistência

a um antibiótico (Fig. 76.II.).

Os sítios cos foram clonados no gene Amp do plasmídeo pBR322, tendo sido mantido o

gene de resistência à tetraciclina. O DNA que se pretende clonar é primeiro clivado em

fragmentos de + 35 a 40 kbases e ligado aos sítios cos presentes no plasmídeo (o plasmídeo

foi previamente clivado com uma enzima similar à que foi utilizada para cortar o DNA).

Cada um dos fragmentos clonados comportará pois, um sítio cos a cada extremidade, visto

ser a ligação efectuada em condições que dão origem a concatâmeros, DNA-cosmídeo-DNA-

cosmídeo ...

Quando o extracto do empacotamento in vitro é adicionado, os sítios cos são

reconhecidos, o DNA clonado é clivado em fragmentos de + 45 kbases flanqueados de sítios

cos (conteúdo óptimo das cabeças de λ) e estes fragmentos são em seguida empacotados,

originando partículas fágicas. Estas partículas não são evidentemente fagos viáveis, mas

podem ser utilizadas para infectar E. coli e são seleccionadas com base na resistência à

tetraciclina.

56

Assim que se encontra no interior da bactéria, o híbrido DNA-Cos comporta-se como um

plasmídeo. Os cosmídeos combinam as propriedades dos plasmídeos e dos fagos e têm

diversas vantagens sobre estes dois tipos de vectores. A capacidade de um vector cosmídeo é

superior à de um vector λ. A selecção do comprimento (complemento normal da cabeça do

fago) elimina o barulho de fundo próprio aos cosmídeos sem inserto ou aos que contêm

insertos demasiado pequenos (< 75 % do conteúdo normal da cabeça λ). A infecciosidade do

DNA plasmídico empacotado nas cabeças fágicas é pelo menos 3 vezes superior à do DNA

plasmídico puro.

d) O fago M13

O fago M13 é um fago filamentoso que contém uma molécula de DNA circular

monocatenário (cadeia +). O DNA de M13 injectado na bactéria replica-se de maneira a

formar uma molécula bicatenária (+/-), que se amplifica até atingir 300 cópias por célula

(forma replicativa, RF). Esta forma replicativa pode ser isolada e utilizada como vector de

clonagem.

Assim que a forma replicativa se acumula na bactéria, a síntese de M13 torna-se

assimétrica e conduz à síntese em excesso de uma das duas cadeias de DNA (+), que será

finalmente incorporada nas partículas fágicas maduras. Os fagos são produzidos em contínuo

pela célula infectada sem conduzir à sua lise.

A vantagem principal do fago M13, enquanto vector de clonagem, reside na propriedade

que tem de largar no meio de cultura da bactéria infectada, partículas fágicas contendo um

DNA circular monocatenário, homólogo de uma das duas cadeias da forma replicativa. Além

disso, esta molécula monocatenária pode ser utilizada como molde no sistema de

sequenciação de Sanger (método dos didesoxi) (Fig. 77.II.).

A clonagem na forma replicativa de M13 efectua-se como no caso dos plasmídeos. O

fragmento de DNA clonado será inserido na forma replicativa em qualquer das duas

orientações possíveis, visto que as extremidades do DNA são idênticas. Assim, em função da

orientação, quer uma quer outra cadeia do DNA estrangeiro corresponderá à cadeia (+) e será

empacotada no fago.

Para tirar partido do fago M13 na sequenciação do DNA, sintetiza-se um iniciador de

cerca de 17 bases, complementar de uma região do DNA de M13 próxima do sítio de

inserção. Este iniciador serve de substrato à DNA polimerase para fabricar os fragmentos

marcados que serão analisados em gel de poliacrilamida (Fig. 78.II. e 79.II.).

Um certo número de derivados do fago M13 foram construídos para facilitar, por um

lado a identificação dos fagos que contêm o inserto apropriado e para aumentar, por outro

lado, as possibilidades de clonagem em numerosos sítios de restrição (Fig. 80.II.).

57

Em primeiro lugar, um fragmento do DNA de E. coli, contendo as regiões de regulação e

a informação que codifica uma parte da ß-galactosidase (lacZ), foi introduzido numa região

não essencial do DNA de M13. Por outro lado, a estirpe receptora do fago M13 contém um

gene ß-gal-deficiente. Assim, quando o fago M13 infecta a bactéria hospedeira, há

complementação e produção de ß-galactosidase, em presença de um indutor gratuito, o IPTG

(isopropiltiogalactosídeo). As células portadoras do fago são detectadas por um indicador

corado (XGal) que reage com a ß-galactosidase. As colónias produtoras de fago aparecem

azuis sobre o meio sólido.

Além disso, uma sequência de DNA multi-adaptadora (polylinker), contendo diferentes

sítios de restrição únicos, foi inserida no DNA do fago, na parte do gene truncado da região

codificando a extremidade amino-terminal da ß-galactosidase. Esta inserção não afecta a

capacidade de complementação com o gene ß-gal-deficiente do hospedeiro. Em

compensação, qualquer inserção adicional de DNA na região do polylinker destrói a

complementação. Por conseguinte, os fagos contendo insertos dão origem a placas brancas

em presença de indutor IPTG e de XGal (vd. Secção 1.b.2, sequenciação pelo método de

Sanger).

Conclusões

Os quatro tipos de vectores, plasmídeos, bacteriófago λ, cosmídeos e M13, possuem

propriedades biológicas e físicas que os tornam apropriados para diferentes tipos de

clonagem (Tabela 2.II.).

Devido ao grande comprimento dos DNAs estrangeiros que se podem introduzir nos

cosmídeos e nos fagos λ, estes vectores são apropriados para a construção e a propagação de

bancos de DNA de eucariotas. Estes vectores são no entanto, relativamente difíceis de

manipular e são pouco adequados para a análise de pequenos fragmentos de DNA.

Os vectores do tipo M13 são adaptados essencialmente para a sequenciação de DNA

segundo o método de Sanger, ou como fonte de DNA monocatenário utilizável como sonda

de hibridação. Em compensação, os plasmídeos são apropriados para os diferentes processos

de clonagem. Podem aceitar fragmentos de DNA de comprimento reduzido e podem servir de

veículo para a subclonagem de grandes fragmentos, previamente clonados em cosmídeos ou

em fagos λ. São geralmente munidos de numerosos sítios de restrição únicos, permitindo

uma grande flexibilidade em clonagem. Por último, os plasmídeos são particularmente

apropriados para a clonagem de DNAs complementares (cDNA) e podem ser concebidos

para dirigir a síntese abundante e controlada de proteínas (vectores de expressão).

58

3. MUTAGÉNESE DIRIGIDA

A criação de mutantes é uma prática bem conhecida já em genética clássica, sendo

correntemente utilizada no estudo de funções genéticas. A abordagem de genética clássica,

recorre a agentes mutagénicos químicos ou físicos, que induzem mutações ao acaso. Os

mutantes são em seguida seleccionados, com base num fenótipo desejado. As posições

relativas das mutações num cromossoma podem ser determinadas, utilizando técnicas

convencionais de complementação e de análise de recombinantes. As técnicas modernas de

sequenciação permitem conhecer a natureza precisa da mutação.

Alternativamente, pode-se actualmente adoptar um procedimento antitético, i. é., criar

modificações específicas e controladas no DNA e analisar os efeitos destas modificações no

organismo, in vivo, após ter introduzido nele o DNA mutado (Fig. 81.II.). Os métodos

modernos de isolamento e clonagem de genes e, acima de tudo, a síntese química de DNA,

possibilitam a introdução de alterações específicas nos genes tais como eliminações

(deletions), inserções ou substituições. Nesta última classe de mutações estão incluídas as

trocas pontuais de bases.

Eliminações

A maneira mais simples de criar uma eliminação num cromossoma circular, é de cortar o

DNA com uma enzima de restrição que reconhece dois sítios e produz dois fragmentos.

Após separação e eliminação dum dos fragmentos (em geral o menor) o outro pode ser de

novo circularizado, ligando as suas extremidades coesivas intramolecularmente (Fig. 82.II.).

Também se podem obter eliminações por digestão com uma exonuclease, das

extremidades duma molécula de DNA linear, formada a partir dum DNA circular por uma

endonuclease de restrição que reconhece um sítio único. No exemplo da Fig. 83.II., o

fragmento linear, produzido por digestão com a endonuclease BamHI duma molécula de

DNA circular, é digerido de maneira limitada com a exonuclease Bal31, dando origem a

fragmentos de comprimento decrescente, em função do tempo de digestão e da concentração

da enzima. Estas cadeias de DNA de comprimento variável são de novo circularizadas,

adicionando fragmentos adaptadores sintéticos (linkers) que, após ligação com uma ligase,

criam de novo um sítio BamHI.

Para além de Bal31, que possui actividade nucleásica em 3' e em 5', podem ser utilizadas

outras exonucleases, isoladamente ou em associação, tais como a exonuclease λ (do fago λ),

que remove especificamente os nucleotídeos da extremidade 5' do DNA linear, a exonuclease

III (ExoIII de E. coli) que remove os mononucleotídeos em 5' de DNA bicatenário, mas na

59

direcção de 3' para 5', ou a nuclease S1 que cliva e digere o DNA monocatenário (ganchos ou

extremidades protuberantes).

Inserções

Oligonucleotídeos sintéticos podem ser utilizados como adaptadores e introduzidos em

sítios particulares do DNA clonado. A sequência original deste DNA é assim interrompida e

alterada, podendo-se, por exemplo criar novos sítios de restrição utilizáveis em mutagénese.

A Fig. 84.II. ilustra esta abordagem. Plasmídeos recombinantes são cortados pela

endonuclease DNaseI pancreática, uma vez em média, ao acaso. A adição de adaptadores

sintéticos Xho I, seguida de clivagem com a enzima Xho I e ligação com a T4 DNA ligase

para recircularizar o DNA, cria uma família de plasmídeos portadores de insertos de 8 bases.

Um outro método importante de mutagénese por inserção recorre à propriedade que têm

os transposões de saltar de um loco de DNA cromossómico para outro, por um mecanismo de

recombinação homóloga, que faz intervir sequências nucleotídicas idênticas orientadas em

direcção oposta (vd. I.8., os genes móveis). O transposão Tn5 que contém 5.7 Kb e codifica

para a resistência à kanamicina e/ou à neomicina, é um exemplo, de elemento móvel utilizado

para inserir genes num cromossoma. Esta técnica consiste em inserir o Tn5 numa molécula

de DNA clonada num vector, que é em seguida reintroduzida num DNA cromossómico a fim

de obter mutantes cromossómicos. A Fig. 85.II. ilustra as diferentes etapas deste processo.

O plasmídeo pRK290-nif::Tn5 de 30 Kb contém um gene clonado (nif de Rhizobium

melioti), no qual foi inserido o transposão Tn5. Quando este vector é introduzido por

conjugação em células de R. melioti transfere a região nif para o DNA cromossómico por um

mecanismo de recombinação homóloga. O gene nif cromossómico é substituído pelo gene nif

portador da inserção Tn5, que confere resistência à neomicina ao genoma de R. melioti.

Substituições

Antes de estudar em detalhe mutações pontuais únicas, é por vezes aconselhável examinar as

consequências biológicas de várias mutações numa região dada dum cromossoma. O método

de desaminação química de citidina modificando-a em uridina permite realizar este

objectivo.

Modificação de C em U por desaminação química

Esta técnica tira partido da propriedade que possui o bissulfito de sódio de desaminar

resíduos de citidina em fragmentos de DNA monocatenário. Estes podem ser criados por

corte com enzimas de restrição, seguido de digestão com uma polimerase possuindo

60

actividade exonucleásica. No exemplo da Fig. 86.II. um plasmídeo recombinante é cortado

por SmaI (CCCGGG) e as cadeias do DNA são digeridas de 3' em 5' pelo fragmento de

Klenow da DNA polimerase, em presença de ATP, unicamente. A enzima deter-se-á na

primeira adenosina que encontra.

As citosinas desemparelhadas, situadas nas extremidades protuberantes, são convertidas em

uridinas, por desaminação com o bissulfito de sódio. O preenchimento das extremidades

protuberantes, utilizando agora a actividade polimerásica da DNA polimerase de Klenow,

em presença dos 4 nucleotídeos trifosfato, seguido de ligação das extremidades rombas para

recircularizar o plasmídeo, gera uma molécula contendo, neste exemplo, duas mutações G-C

em A-U.

Existe um outro método para gerar DNA monocatenário, que recorre a fagos

monocatenários, tais como o M13. Qualquer DNA clonado neste vector pode ser obtido na

forma de molécula monocatenária e mutagenisado com bissulfito. A cadeia complementar (-)

é em seguida sintetizada, a partir da cadeia mutagenisada utilizando iniciadores específicos.

A região mutada de interesse, excisada da forma replicativa bicatenária, poderá ser reclonada

num vector não mutagenisado (Fig. 87.II).

Substituição por incorporação incorrecta

Em presença de brometo de etídeo, certas endonucleases de restrição (por exemplo, ClaI,

EcoRI) clivam a ligação fosfodiéster do DNA no sítio de reconhecimento, unicamente numa

das cadeias. Este corte pode ser alargado, sem ruptura da cadeia intacta, por uma polimerase

com actividade exonucleásica. O preenchimento da região monocatenária pela polimerase,

em presença de só 3 dos 4 nucleotídeos trifosfatos, resultará ocasionalmente, na introdução

incorrecta de um nucleotídeo em face da base cujo par complementar foi omitido. No

exemplo da Fig. 88.II. foi omitido o dCTP. Se o mecanismo corrector natural de excisão,

próprio à DNA polimerase não funcionar, o resultado final será uma molécula de DNA

contendo uma substituição de base. O desemparelhamento criado in vitro será reparado na

bactéria, durante a replicação, após transformação pelo plasmídeo. Os plasmídeos não

mutados podem ser identificados pela presença do sítio de restrição alvo do corte inicial

(ClaI, neste exemplo). Os mutados não serão reconhecidos pela endonuclease.

Uma alternativa para superar o mecanismo corrector da DNA polimerase, recorre a

análogos dos nucleotídeos, os nucleotídeos α-tiofosfatos, (Fig. 94.II.) que são substratos da

DNA polimerase mas não da sua actividade exonucleásica 3' → 5'. Uma vez incorporado, o

análogo não pode ser excisado pela enzima, mas a sua extremidade 3' é reconhecida como

iniciador para prolongar a síntese do DNA.

61

Os métodos descritos até agora dependem da presença dum sítio de restrição apropriado,

mais ou menos perto do sítio da mutação. Esta limitação pode ser superada, recorrendo a um

método universal e extremamente específico, que faz intervir oligonucleotídeos sintéticos

como agentes mutagénicos.

Mutagénese dirigida com oligonucleotídeos sintéticos

Este método oferece a possibilidade de mutar uma ou várias bases perfeitamente

definidas e localizadas, substituindo cada uma delas por qualquer outra antecipadamente

escolhida. O oligonucleotídeo sintético de sequência definida é complementar de uma das

cadeias do DNA que se pretende mutar, excepto numa ou várias posições alvo das

substituições mutagénicas. Em condições escolhidas judiciosamente, visando

nomeadamente, estabilizar a hibridação, o híbrido formado entre o oligonucleotídeo e o

DNA circular monocatenário, clonado num vector M13, se bem que imperfeitamente

emparelhado, será suficientemente estável para servir de iniciador numa reacção de

polimerização que levará à síntese da cadeia complementar do fago. A molécula bicatenária

resultante será portadora de um ou vários desemparelhamentos. Uma vez introduzida em

células E. coli competentes, os "erros" serão reparados e dois tipos de moléculas

descendentes serão obtidas: umas possuem a sequência do tipo selvagem, outras contêm as

modificações desejadas. Os fagos cuja cadeia (-) foi só parcialmente sintetizada darão

origem, após transfecção ao tipo selvagem (Fig. 89.II.).

Para distinguir as moléculas modificadas das do tipo selvagem, pode-se recorrer à

clivagem dos sítios de restrição, eventualmente criados, ou suprimidos pelas mutações, ou se

esse não for o caso, à hibridação do oligonucleotídeo sintético marcado radioactivamente

(com 32P por exemplo) com os dois tipos de fagos. A optimização das condições de

hibridação selectiva, nomeadamente a temperatura, permitirá distinguir o DNA mutado do

selvagem.

Os rendimentos geralmente obtidos em fago mutado são baixíssimos. Esta fraca

eficiência de mutação tem várias causas. A eficácia variável da reacção de polimerização é

certamente uma. Como o DNA monocatenário do fago também é infeccioso, se a síntese do

DNA complementar não for quantitativa as moléculas parcialmente monocatenárias, cuja

cadeia intacta é a não mutada, replicar-se-ão, dando origem ao tipo selvagem.

Um outro factor que favorece a ocorrência de clones do tipo selvagem, é a correcção dos

desemparelhamentos na forma replicativa (RF) antes da replicação in vivo. Este fenómeno

explica-se pela actividade 3'-exonucleásica ainda presente no fragmento de Klenow da DNA

polimerase I, que teoricamente pode digerir o iniciador antes do começo da síntese do DNA

in vitro. Mesmo um heterodúplex completo, contendo desemparelhamentos, pode ser

reparado por um mecanismo de excisão dos nucleotídeos desemparelhados. Ora, a cadeia

62

sintetizada in vitro é o alvo privilegiado destas reparações, porque não é metilado, ao

contrário do DNA parental, visto a metilação ocorrer in vivo após a replicação. Com efeito, o

mecanismo de reparação in vivo baseia-se, pelo menos em parte no reconhecimento do nível

de submetilação. A cadeia não metilada é portanto um bom substrato para o mecanismo de

reparação.

Numerosas estratégias foram desenvolvidas para superar estes problemas e elevar o

rendimento em moléculas mutadas, diminuindo de preferência a necessidade de escrutinar ou

purificar laboriosamente os mutantes. Este objectivo é tanto mais importante que a relação

entre o número de clones que é necessário escrutinar para ter uma probabilidade de 90 % de

obter um mutante, e a ineficácia da mutação, é logarítmica (Fig. 90.II.).

Uma das estratégias adoptadas recorre à utilização de DNA parental não metilado que

pode ser facilmente obtido através de estirpes de E. coli mutantes dam- que são deficientes no

mecanismo de metilação. Um inconveniente deste sistema é a elevada frequência de

mutações e de recombinações in vivo.

Foi desenvolvido um outro método que recorre a dois iniciadores oligonucleotídicos. O

segundo iniciador, que não introduz mutações, é dirigido para uma região da cadeia de DNA

monocatenário do fago em 5' do oligonucleotídeo mutagénico. O primeiro iniciador é

prolongado em presença do fragmento de Klenow da DNA polimerase, de DNA ligase e de

nucleotídeos trifosfatos. Este método visa proteger o oligonucleotídeo mutagénico da

actividade exonucleásica 5'→ 3' contaminante, da polimerase. Esta estratégia não impede no

entanto completamente o deslocamento do segundo oligonucleotídeo pela polimerase.

A fim de remediar o problema de reparação dos desemparelhamentos, foi estudado o

sistema do dúplex interrompido (gapped duplex). Este pode ser obtido por hibridação com o

DNA monocatenário dum vector que não possui a sequência clonada. A Fig. 91.II.

esquematiza as diferentes etapas deste método. O vector fágico M13 contém uma mutação

âmbar sem sentido e por consequência, só pode multiplicar-se num hospedeiro supressor de

âmbar. O DNA alvo da mutagénese é clonado neste fago e obtido na sua forma

monocatenária. Ao hibridar este DNA circular, com o DNA linearizado e desnaturado da

forma RF, não âmbar, do mesmo vector sem DNA estrangeiro, forma-se um dúplex parcial

na região do DNA clonado. O oligonucleotídeo mutagénico é dirigido para esta região

monocatenária e prolongado por uma polimerase, em presença dos 4 nucleotídeos trifosfatos.

Após ligação, a cadeia mutante poderá ser seleccionada num hospedeiro não supressor,

porque o vector selvagem não possui a mutação sem sentido. Na prática, a frequência de

mutantes é muito variável e frequentemente baixa. O método tem ainda a desvantagem de

produzir uma descendência não portadora do marcador sem sentido (âmbar), o que obriga a

63

recorrer de novo à clonagem no vector âmbar, se outras mutações forem necessárias no DNA

clonado.

Um sistema engenhoso de selecção, baseado na semelhança das sequências entre os

sítios de restrição EcoK e EcoB, possibilita a execução de vários ciclos de mutagénese com

elevada eficiência. EcoK e EcoB são enzimas de restrição do tipo I, que reconhecem um sítio

com cerca de 15 pb e cortam a uma distância de 1000 a 5000 bases dele:

EcoB 5'...... TGA ..... N8 ..…….TGCT......3'

EcoK 5'.…. GAAC .... N6 .….GTGCT.........3'

Um vector especial foi construído, que contém um sítio único EcoK num inserto

polylinker de 30 pb (vector M13K19 derivado de M13m19, Fig. 92.II.). São utilizados dois

iniciadores; um chamado iniciador de selecção modifica a sequência EcoK em EcoB, e o

outro, o mutagénico modifica a sequência alvo. Os iniciadores são prolongados pelo

fragmento de Klenow em presença dos 4 nucleotídeos trifosfatos e de DNA ligase e a

molécula bicatenária é levada a transformar uma estirpe bacteriana restritiva para EcoK. A

descendência com o sítio EcoK não sobreviverá e a mutada que contém o sítio EcoB e a

mutação de interesse será seleccionada. Esta selecção pode ser repetida com um iniciador de

selecção que modifica o sítio EcoB em EcoK e uma estirpe bacteriana restritiva para EcoB

(Fig. 93.II.). A eficácia pode atingir 70 % de rendimento.

Uma outra estratégia visa a destruição da cadeia (+) não interessante. Ela tira partido de

um hospedeiro especializado, para a multiplicação do fago antes da mutagénese. O vector

fágico monocatenário é multiplicado numa estirpe de E. coli Dut-Ung-. A deficiência no gene

dut, que codifica para a dUTPase leva a uma superprodução de dUTP que será incorporada

no DNA no lugar de dTTP. A deficiência em uraciloglicosidase impede a eliminação dos

resíduos de U do DNA (papel próprio a esta enzima). É assim possível obter um DNA fágico

monocatenário contendo 20 a 30 resíduos de uracilo. Este fago será inactivado por um

hospedeiro Ung+. Utilizada como matriz em mutagénese dirigida, em presença de dTTP, a

cadeia parental contendo os resíduos uracilo será copiada em cadeia mutada, contendo

timidina em vez de uracilo. Multiplicado num hospedeiro Ung+, o fago dará lugar a uma

descendência predominantemente mutada. Devido à multiplicação fraca das estirpes Dut-

Ung- o rendimento em fago é baixo apesar da frequência de mutação ser elevada (+ 80 %).

64

Uma das estratégias mais eficazes baseia-se na utilização e nas propriedades dum

isómero óptico, de um análogo de nucleotídeo trifosfato, o isómero Sp do dCTPαS que

contém um átomo de enxofre, em substituição dum átomo de oxigénio, ligado ao fósforo α

(Fig. 94.II.). Neste método, a cadeia não mutada é eliminada in vitro, sendo seleccionado um

puro homodúplex de DNA mutado. O oligonucleotídeo mutagénico é utilizado como

iniciador para a polimerização com o fragmento de Klenow, em presença de T4 DNA ligase.

O análogo dCTPαS é utilizado no lugar do dCTP e incorporado normalmente, o que permite

a eliminação selectiva da cadeia não mutada (Fig. 95.II.). Com efeito, certas enzimas de

restrição não clivam o DNA nos sítios onde um fosforotioato foi incorporado, mas criam

cortes simples na cadeia nativa. Estes cortes são o ponto de partida para a degradação

enzimática parcial, pela exonuclease III, do DNA não mutado. Este pode em seguida ser

utilizado como matriz para a reconstrução duma molécula bicatenária circular, que será por

consequência um homodúplex mutado. A eficácia da mutação é frequentemente superior a 80

%.

Selecção e identificação dos mutantes

A técnica mais directa para escrutinar os clones interessantes é a sequenciação do DNA

monocatenário purificado de cada clone, utilizando uma única reacção, com o

didesoxinucleotídeo que diferenciará o tipo selvagem dos mutantes. Se a mutação estiver

situada longe no sítio de clonagem pode ser necessário sintetizar um oligonucleotídeo

apropriado para ser utilizado como iniciador.

Se a mutação desejada criar ou destruir um sítio de restrição, a análise electroforética da

forma RF do DNA, preparado in vitro a partir do DNA monocatenário, purificado e cortado

pela enzima que reconhece o sítio, permitirá a identificação dos clones mutados.

O método de hibridação é o mais versátil e possibilita o escrutínio de um grande número

de mutantes potenciais. Utiliza-se directamente o iniciador mutagénico marcado com 32P,

como sonda de hibridação, que pode ser aplicada tanto com colónias bacterianas, como com

lisados de fagos. Um desemparelhamento entre o oligonucleotídeo mutagénico e o DNA

fágico monocatenário destabilizará o híbrido. Um aumento progressivo da temperatura

dissociará selectivamente a sonda marcada dos clones não mutados, mas permite que a sonda

permaneça hibridada com os mutantes de sequência perfeitamente complementar. A reacção

de hibridação e as etapas de lavagem a temperaturas crescentes são realizadas com o DNA

alvo fixo a um filtro de nitrocelulose ou de nylon.

65

Aplicações da mutagénese dirigida

A mutagénese dirigida é um instrumento extremamente poderoso para estudar

fenómenos bioquímicos e biofísicos, tais como o sítio de ligação com os receptores de

proteínas biologicamente activas, o sítio activo de enzimas (identificando os domínios

implicados na interacção com os receptores), porque permite modificar a especificidade das

ligações mediante alterações pontuais específicas dos genes.

O estudo da estrutura e da função das proteínas, assim como a engenharia de proteínas

com o fim de aperfeiçoar as suas propriedades, são sem dúvida áreas de grande aplicação

desta técnica.

Um exemplo é a mutagénese específica pontual do gene do interferão ß humano (IFN-ß).

Este gene foi clonado e abundantemente expresso em E. coli, mas a actividade específica

antiviral da proteína é apenas 1/10 da da proteína nativa glicosilada. O IFN-ß contém três

resíduos de cisteína, localizados nos aminoácidos 17, 31 e 141. Estas cisteínas podem formar

pontes dissulfureto intermoleculares, dando origem a dímeros ou oligómeros inactivos. Por

outro lado, podem reagir ao acaso intramolecularmente levando à formação de três tipos de

moléculas, correspondentes às três ligações dissulfureto intramoleculares possíveis. Só uma

destas formas possuirá a conformação nativa e poderá ter actividade biológica. A substituição

duma destas cisteínas por um outro aminoácido, é uma solução possível para eliminar a

formação de pontes dissulfuretos indesejáveis. Para manter as propriedades biológicas da

proteína é necessário, por um lado, que o aminoácido que substitui uma das cisteínas tenha

um comportamento próximo do do aminoácido original, para não provocar distorções

relativamente à conformação nativa e por outro lado, que a cisteína substituída não esteja

implicada numa ponte dissulfureto na proteína natural. A primeira condição tem grandes

probabilidades de ser satisfeita, escolhendo a serina para aminoácido de substituição, visto só

diferir da cisteína pela natureza dum átomo (um átomo de oxigénio no lugar de um átomo de

enxofre). A decisão de escolher a cisteína 17 para alvo da substituição é baseada na analogia

com o IFN-α que possui quatro cisteínas implicadas em duas pontes dissulfureto, entre as

posições Cys29 - Cys138 e Cys1 - Cys98. Sabe-se por outro lado, que a Cys-141 é essencial

para a actividade do IFN-ß, porque a sua substituição por uma tirosina dá origem a uma

modificação conformacional importante da proteína, que perde a especificidade de se ligar a

anticorpos dirigidos contra o interferão natural e de competir com os receptores do IFN-ß

nativo nas células alvo. A ligação dissulfureto mais provável no IFN-ß é pois entre a Cys-31

e a Cys-141.

A figura 96.II. ilustra a estratégia adoptada para mutagenisar especificamente o gene do

IFN-ß. A substituição pontual foi induzida por um decaheptanucleotídeo G-C-A-A-T-T-T-T-

C-A-G-A-G-T-C-A-G complementar de 16 nucleotídeos da cadeia não codificante do gene.

66

Um simples desemparelhamento na posição 12 do iniciador (um A no lugar dum T) induz a

mutação de cisteína em serina. Este gene clonado em E. coli, produz uma proteína mutada

IFN-ß Ser-17, que possui actividades biológicas, incluindo actividade antiviral, em tudo

comparáveis às da proteína natural, em contraste com a proteína IFN-ß Cis-17 produzida pelo

mesmo hospedeiro. A proteína mutada neutraliza o anti-soro dirigido contra o IFN-ß com a

mesma eficácia que a proteína natural, o que indica que as duas proteínas possuem

determinantes antigénicos comuns que são reconhecidos de maneira idêntica pelo anti-soro.

Os dois interferões são pois imunologicamente semelhantes. A substituição do aminoácido

Cis-17 por uma serina não causa alterações importantes na estrutura da proteína, que forma a

ponte dissulfureto e se enrola correctamente, ao contrário do IFN-ß Cis-17 expresso no

mesmo hospedeiro.

Para além da recuperação da actividade específica, o INF-ß Ser-17 possui uma estabilidade

muito superior à do IFN-ß Cis-17 recombinante produzido pela bactéria, o qual perde

rapidamente a actividade específica.

Este caso concreto aplicado a uma proteína de grande interesse terapêutico ilustra o

potencialidade da mutagénese dirigida em engenharia das proteínas. As aplicações desta

metodologia de mutagénese perfeitamente definida e controlada são numerosas, tanto no

plano teórico de investigação de mecanismos fundamentais, como no plano prático da

produção. Nesta área da investigação aplicada, descrevemos, como exemplo, a mutação no

gene do interferão-ß que modifica uma cisteína em serina. Esta alteração tem como resultado

melhorar o rendimento de produção da proteína activa por E. coli.

A mutagénese dirigida por oligonucleotídeos tem também, sido amplamente utilizada na

análise funcional de genes, no estudo de regiões reguladoras, de operões, de promotores ou

outras sequências de controlo (como por exemplo a elucidação do papel das sequências

consenso presentes nas junções intrão-exão), na elucidação da influência de sequências

específicas na biossíntese de tRNA, no estudo de alterações das propriedades catalíticas de

enzimas, na avaliação da influência da natureza da carga dos aminoácidos das sequências

sinal, no transporte das proteínas através da membrana celular. A aplicação desta técnica à

elucidação dos mecanismos de acção das enzimas e das relações existentes entre a estrutura

primária e as funções biológicas desenvolveu-se rapidamente e tem tido importantes

repercussões.

67

4. A TRANSFORMAÇÃO BACTERIANA

As moléculas de DNA recombinante formadas in vitro por ligação só começam a ter

interesse depois de introduzidas num hospedeiro biológico. De facto, a utilização das novas

moléculas de DNA formadas por engenharia genética depende da sua separação e

propagação. Por isso, é necessário introduzi-las em células (bacterianas, por exemplo) de

maneira a poderem replicar-se e serem preservadas e recuperadas facilmente. Um meio de o

conseguir é recorrer, como vimos, a vectores particulares recombinados com o gene que nos

interessa, para o introduzir num hospedeiro biológico em geral um colibacilo.

Uma série de métodos foi desenvolvida para assegurar a introdução eficaz de DNA no

hospedeiro. Sabe-se que o DNA exógeno pode entrar nas bactérias naturalmente. Estas

passam por um estado de competência que as torna aptas para aceitar o DNA exógeno,

fixando o DNA numa forma resistente às nucleases. O estado de competência pode ser

reproduzido artificialmente pela exposição das bactérias ao cloreto de cálcio antes da adição

do DNA exógeno (plasmídeo recombinante) (Fig. 97.II.)

Para manter o DNA recombinante nas células transformadas e evitar problemas de

degradação pelo sistema hospedeiro, as bactérias receptoras são geralmente tornadas

deficientes para o sistema de restrição (hsdR-) e por vezes também para o sistema de

modificação (hsdM-). A proliferação permite a obtenção de biliões de cópias idênticas do

fragmento clonado.

5. BANCO DE CLONES DE CDNA

Para construir um clone contendo sequências derivadas de um mensageiro de eucariota é

necessário obter, primeiramente, esta sequência na forma de DNA. A cópia DNA de um

RNA mensageiro chama-se DNA complementar (cDNA). O termo clone de cDNA descreve

uma bactéria portadora de um plasmídeo que contém a cópia DNA de uma molécula de

RNA.

Uma célula de eucariota comum contém vários milhares de sequências de RNA

mensageiros diferentes. Um banco de clones de cDNA, para ser representativo, deve conter

um número suficiente de transformantes distintos, para que cada RNA mensageiro esteja

representado pelo menos uma vez na população bacteriana. O número de transformantes

distintos a obter para ter uma elevada probabilidade de identificar o clone que se procura

varia entre +5.000 e +100.000, segundo a abundância relativa dum mensageiro na célula.

68

Esquema de construção de um banco de clones de cDNA

a) Preparação do DNA complementar bicatenário a partir de RNA poli (A)+ (Fig. 98.II.)

A partir de células pertencentes a um órgão apropriado isolam-se os RNA totais. Estes

são passados numa coluna de oligo-dT celulose de maneira a reter especificamente os RNA

poli (A)+ (hibridação A-T). Um iniciador oligo-dT é hibridado com os RNA poli (A)

+ para

iniciar a transcrição reversa em DNA complementar monocatenário, utilizando uma

transcritase reversa isolada do vírus aviano de mieloblastose. Para a síntese da segunda

cadeia do cDNA, pode utilizar-se a transcritase reversa, o fragmento de Klenow da

polimerase I de E. coli (enzima de Kornberg) ou a T4DNA polimerase. Estas últimas duas

enzimas não possuem actividade exonucleásica 5'→3' própria da DNA polimerase I e não

degradam o DNA bicatenário à medida que ele é sintetizado. Tanto a enzima de Kornberg

como a DNA polimerase de T4 requerem um iniciador para a extremidade hidroxílica em 3'.

Este iniciador pode criar-se espontaneamente, após a terminação da cadeia monocatenária do

cDNA, em cuja extremidade se forma um gancho (hairpin), que serve de iniciador para a

síntese da segunda cadeia de DNA pelo fragmento de Klenow da DNA polimerase I (ou a

trancritase reversa ou a T4 DNA polimerase). Este gancho pode ser depois clivado pela

nuclease S1, de maneira a produzir um DNA complementar bicatenário linear.

Também é possível prolongar a extremidade 3' do cDNA com uma cauda

homopolimérica. Neste caso, a síntese da segunda cadeia pode ser iniciada utilizando um

iniciador homopolimérico.

Uma etapa crítica na síntese do cDNA é o tratamento com a S1 nuclease. Existe um

processo alternativo, pelo qual o RNA do híbrido RNA-DNA obtido após a síntese da

primeira cadeia é retirado, não por um tratamento alcalino, mas antes por um tratamento

combinado RNAase H/DNA polimerase I de E. coli. A RNAase H (H de híbrido), que ataca

especificamente a cadeia de RNA do híbrido RNA-DNA, introduz um certo número de cortes

(nicks), i. é., extremidades 3'-hidroxílicas na cadeia de RNA, que servem de iniciadores para

a reacção de nick translation catalisada pela DNA polimerase I.

Observações:

1) A origem da região do gancho em 3' da primeira cadeia do cDNA não está bem

elucidada. É possível que muitos mensageiros tenham em 5' uma região complementar que

conduza à formação deste gancho.

69

2) Se o RNA não possui a região poli(A)+, esta pode ser adicionada in vitro à

extremidade 3' pela enzima poli(A) polimerase, para ser depois utilizada com o iniciador

oligo-dT.

3) Se a sequência nucleotídica do RNA mensageiro for conhecida, pode-se utilizar,

para a síntese do DNA complementar, um iniciador oligonucleotídico sintético complementar

da extremidade 3'do RNA mensageiro.

b) Inserção do cDNA num plasmídeo - Transformação das bactérias

Quando se dispõe dum DNA complementar bicatenário, é preciso em seguida inseri-lo

num vector destinado a transformar o hospedeiro bacteriano. Para isso, adicionam-se

extremidades coesivas às moléculas de cDNA bicatenário, segundo um dos esquemas

seguintes :

1) Adição de adaptadores sintéticos que geram sítios de restrição (Fig. 99.II.).

2) Adição de extremidades homopoliméricas complementares (Fig. 100.II.).

No termo destas manipulações dispõe-se de um banco de clones de cDNA.

70

6. BANCOS GENÓMICOS

Um banco de cDNA de um órgão, ou de uma dada população de células, é representativo

da população de genes expressos nestas células. Na célula, só alguns milhares, entre centenas

de milhares de genes dos cromossomas, são transcritos em mRNA. Um banco representativo

do mRNA destas células contém forçosamente menos clones diferentes que um banco

representativo da totalidade dos genes (banco genómico), o que simplifica a procura de um

gene.

Um banco genómico é uma colecção de clones plasmídicos ou de lisados fágicos, que

contém moléculas de DNA recombinante. A totalidade dos insertos individuais de DNA

representa a informação genética completa dum organismo.

A estratégia geral para a construção de bancos genómicos requer primeiro o isolamento

de fragmentos de DNA do organismo dado. Estes fragmentos têm, evidentemente, que

representar o genoma inteiro e são derivados do DNA genómico total por digestão enzimática

ou ruptura mecânica suave. Estes fragmentos são em seguida introduzidos num vector ad hoc

do tipo λ, ou cosmídeo, afim de assegurar a sua propagação (Fig. 101.II.).

O número mínimo de clones necessários para se obter a representação do genoma inteiro

dum organismo pode ser calculado. A probabilidade P de se obter um gene específico numa

colecção de clones depende do comprimento dos insertos de DNA e da complexidade do

genoma. Quanto maior e mais complexo for o genoma, maior é o número de clones de um

tamanho específico necessário para se obter uma representação completa da informação

genética. Este número N de clones pode ser determinado utilizando a fórmula :

)1ln(

)1ln(

f

PN

−=

em que P é a probabilidade de se obter uma sequência particular e f é a relação entre o

comprimento do inserto e a totalidade do genoma.

A tabela 3.II. fornece as valores de N para um inserto de 20 kb e para as probabilidades

de 90 % e de 99 % de se obter um clone particular. Estes valores devem ser considerados

como uma estimativa por defeito, porque foram obtidos fazendo a hipótese que cada

molécula híbrida têm uma capacidade de transformação semelhante e que cada colónia

representa uma ocorrência de transformação independente.

A tabela 4.II. fornece o número de clones teoricamente necessários para que o genoma

apareça representado pelo menos uma vez, em função dos tamanhos dos fragmentos clonados

e da origem do genoma. No entanto, este número mínimo, só representa estatisticamente uma

71

possibilidade em duas de se encontrar o clone alvo. Em geral, é necessário escrutinar de 3 a

10 vezes o número mínimo de clones, para se ter uma probabilidade razoável de identificar

um gene particular.

O esquema de clonagem no DNA de fago λ e o empacotamento nos invólucros fágicos

está ilustrado na Figura 102.II. A eficácia deste tipo de sistema é muito elevada; obtêm-se da

ordem de 108 pfu/µg de DNA (pfu = plaque forming units).

Em princípio, qualquer gene para o qual existe um sistema de detecção apropriado, por

exemplo, uma sonda de hibridação, pode ser isolado de um banco genómico, contanto que o

banco satisfaça os critérios mencionados e seja realmente representativo. Se o banco

genómico contiver fragmentos de DNA obtidos por digestão parcial, estes fragmentos

apresentarão sobreposições e o banco oferecerá a possibilidade de examinar a estrutura, não

apenas de genes individuais, mas também de sequências vizinhas. Este tipo de análise é

conhecido por chromosome walking (Secção 1.1.b.8).

7. MÉTODOS DE DETECÇÃO E DE ANÁLISE DE CLONES

Várias técnicas são utilizadas para detectar, entre os clones dum banco, os que

comportam a sequência de DNA desejada.

a) Hibridação in situ entre o DNA dos clones recombinantes e uma sonda de DNA

radioactiva (Fig. 103.II.)

A sonda radioactiva pode ser um cDNA purificado, um RNA mensageiro purificado ou

um oligonucleotídeo sintético. Estas sondas são marcadas in vitro com 32P por nick

translation (cDNA) ou por quinação (oligonucleotídeo de síntese, RNA poli (A)+).

b) Carta de restrição

Os clones positivos por hibridação podem ser analisados por restrição. A carta de

restrição é em seguida comparada com uma carta conhecida ou teórica (derivada da

sequência em aminoácidos da proteína cujo DNA foi clonado).

c) Sequenciação dos nucleotídeos do inserto nos clones positivos por hibridação

d) Selecção do mensageiro específico por hibridação com o DNA recombinante e tradução

in vitro

Neste método, o DNA plasmídico dos clones é isolado e em seguida fixo num filtro de

nitrocelulose. Em condições apropriadas de temperatura e de força iónica, hibrida-se com o

RNA mensageiro total que serviu para a síntese do DNA complementar. Só o RNA

mensageiro, que possui sequências complementares das do DNA imobilizado no suporte,

72

permanecerá associado a este. Pode-se assim isolar este RNA mensageiro, extrai-lo do

suporte e traduzi-lo num sistema de tradução in vitro. O produto codificado pelo RNA

mensageiro é em seguida identificado por imunoprecipitação com um anticorpo dirigido

contra a proteína cujo mensageiro foi clonado (Fig. 104.II.).

e) Southern blotting

Para localizar sequências particulares de DNA nos fragmentos de restrição, utiliza-se o

método desenvolvido por Southern (Fig. 105.II.). O DNA é clivado em fragmentos, que são

separados em gel de agarose e em seguida transferidos para uma folha de nitrato de celulose.

O filtro é depois hibridado com uma sonda radioactiva apropriada. A autorradiografia da

folha de nitrocelulose, depois de lavada, revela fragmentos contendo sequências

complementares das da sonda utilizada.

Uma técnica análoga existe para a caracterização do RNA (chamada neste caso Northern

blotting): os RNA totais ou mensageiros são separados em gel de agarose e depois

transferidos para um suporte apropriado (nitrocelulose, papel activado, ...). A hibridação com

uma sonda marcada permite em seguida conhecer o número e o comprimento dos RNA

mensageiros complementares da sonda.

f) Escolha das sondas de DNA sintéticas

Oligonucleotídeos sintéticos, escolhidos judiciosamente podem ser utilizados para escrutinar

um banco de clones por hibridação, ou para isolar um DNA complementar pouco abundante,

contanto que se conheça, pelo menos, uma parte da sequência dos aminoácidos da proteína,

cujo gene se deseja clonar. Uma sequência de alguns aminoácidos é suficiente para deduzir

todas as sequências do RNA que podem codificar para este péptido. Com efeito, se só a

sequência proteica for acessível, a estratégia na escolha dos oligonucleotídeos a utilizar para

escrutinar os bancos é menos directa. O conhecimento da sequência da proteína não permite

deduzir uma sequência de DNA única, devido à degenerescência do código genético. É, no

entanto, possível sintetizar todas as sequências nucleotídicas correspondentes.

Uma das estratégias consiste em escolher, como sequência alvo da sonda

oligonucleotídica, uma região correspondente a uma sequência de aminoácidos pertencendo

aos menos degenerados. A Fig. 106.II. exemplifica a aplicação desta estratégia à detecção de

clones de cDNA da uroquinase humana.

Não é só a complementaridade perfeita da sonda que é crítica para obter uma boa

hibridação; o seu comprimento é igualmente importante. Quanto maior for a complexidade

do DNA alvo, maior é a probabilidade de nele existir uma sequência qualquer dada, escolhida

ao acaso. 4n é o número total de sequências diferentes possíveis, constituídas pelos 4

nucleotídeos e com o comprimento de n nucleotídeos. A frequência com que uma sequência

73

dada de n nucleotídeos, considerada ao acaso, é susceptível de se encontrar num genoma de

3.5 109pb, como é o genoma humano, é dada pela equação:

n4

510.3 9

Esta frequência é pois, de 1/5 para uma sequência definida considerada ao acaso de 17

nucleotídeos. Para maior segurança e eliminar problemas de barulho de fundo, escolheu-se no

exemplo dado n = 23.

É corrente utilizar uma mistura de fragmentos sintéticos marcados, formada de todas as

combinações correspondentes à degenerescência, para escrutinar um banco de clones. Em

condições adequadas, só um oligómero correspondente a uma sequência clonada se hibridará

com esta e dará um sinal após autorradiografia. No exemplo da figura foi sintetizada uma

mistura de 16 oligonucleotídeos, desprezando os codões menos prováveis, afim de manter

uma concentração elevada do oligonucleotídeo perfeitamente complementar da sequência

alvo. Com efeito, quanto maior for a ambiguidade ao nível da utilização dos codões, mais

difícil é a utilização da mistura dos oligonucleotídeos de grande comprimento, porque o

número de possibilidades aumenta rapidamente e a concentração do oligonucleotídeo único,

que corresponde à verdadeira sequência clonada alvo, diminui proporcionalmente.

Neste contexto, uma outra estratégia, para evitar a síntese de misturas complexas e um

grande número de desemparelhamentos entre a sonda sintética e o DNA clonado, consiste em

utilizar a desoxiinosina para substituir todas as bases ambíguas. Este análogo tem um

comportamento aproximadamente neutro no emparelhamento entre as moléculas de DNA e

não destabiliza, ou destabiliza pouco, os híbridos.

desoxiinosina

O N

N

NNHO

OH

O

H

A especificidade de uma pequena sonda sintética de cerca de 20 nucleotídeos é notável.

Um único desemparelhamento no interior da região de emparelhamento, entre a sonda e a

sequência alvo, é suficientemente destabilizador do híbrido para provocar a sua dissociação,

em condições de temperatura e concentração salina que mantêm o híbrido perfeito estável.

Uma série de regras, relativamente empíricas, determinam a escolha e as condições de

utilização óptimas duma sonda oligonucleotídica. Nomeadamente, a temperatura de

74

hibridação deve ser determinada judiciosamente. Quanto mais baixa for a temperatura maior

será a probabilidade de o oligonucleotídeo se hibridar, não só com a sequência pretendida,

mas também com sequências próximas; por outro lado, a temperatura não pode ser

incrementada indefinidamente, dado que a eficiência da hibridação diminui com o aumento

da temperatura e só é de 50% à temperatura de dissociação (Td) do DNA. A regra empírica

seguinte permite calcular a temperatura de dissociação de híbridos formados com

oligonucleotídeos de comprimento não superior a 18 nucleotídeos:

CxCGxTATd º4)(2)( +++=

Esta temperatura aumenta 4°C por cada par de bases G:C e 2°C por cada par T:A hibridados

entre o oligonucleotídeo e o DNA alvo, em condições de concentração salina correntes

(6xSSC: NaCl 0.9 M, citrato de Na 50 mM, pH 7).

Para sequências mais compridas é conveniente utilizar a fórmula seguinte, válida para

oligonucleotídeos de comprimento compreendido entre 14 e 60-70 nucleotídeos:

[ ] )/600()(%41.0(log6.165.81 NCGNaTd −++−= +

em que N é o número de nucleotídeos. Na prática, quando existem desemparelhamentos

prováveis subtrai-se 1°C à temperatura calculada, por cada 1% de desemparelhamento e

efectuam-se as primeiras lavagens pós-hibridação a 1-10°C abaixo da Td calculada.

É todavia possível adoptar condições em que a temperatura de dissociação é

independente da proporção de G:C. Este efeito obtém-se utilizando uma concentração 3M de

cloreto de tetrametilamónio (ou de tetraetilamónio) em vez de NaCl, o qual se liga

selectivamente às sequências AT, aumentando a Td do DNA bicatenário (a temperatura de

dissociação de A:T passa a ser igual à de G:C). A Tabela 5.II fornece a Td dos híbridos de

DNA em função do comprimento e da composição das sondas, nas condições mencionadas.

75

8. A SÍNTESE QUÍMICA DE GENES

Uma alternativa à clonagem de cDNA, ou de um gene a partir de fragmentos do DNA

genómico, é a síntese total do DNA correspondente a uma proteína cuja sequência é

conhecida. Esta abordagem é viável graças ao refinamento que atingiu a química de síntese

dos oligonucleotídeos, tanto no que respeita aos rendimentos, como à pureza dos produtos e

à rapidez da sua obtenção, devido nomeadamente aos progressos realizados no campo do

automatismo (vd. Secção 1.1.c.).

No entanto, dada a impossibilidade de as reacções químicas atingirem repetidamente

rendimentos de 100 %, existe um limite ao comprimento dos fragmentos de DNA que é

possível sintetizar quimicamente. A síntese total de um gene realiza-se, por consequência,

por complementação de meios químicos e de meios enzimáticos.

Actualmente, é possível obter, em condições optimizadas de síntese, fragmentos de uma

centena de desoxinucleotídeos, com um grau de pureza aceitável. O exemplo das Fig. 107.II,

108.II e 109.II ilustra a síntese do gene do hGRF (human Growth Hormone Releasing Factor,

factor de libertação da hormona humana de crescimento), descrita em 1985 e realizada por

métodos manuais. O princípio da síntese do gene permanece válido.

O hGRF é uma pequena proteína de 44 aminoácidos, de cuja sequência foi deduzida a

sequência nucleotídica das duas cadeias do gene. Foram incluídos nos fragmentos sintéticos,

o codão de fim de tradução e um sítio Sal I, que servirá para a clonagem do gene num

plasmídeo linearizado pela mesma enzima.

Os fragmentos a sintetizar foram definidos de maneira a que cada um deles seja

complementado por hibridação com dois outros, conduzindo, após a sua mistura em solução,

a uma estrutura correspondente à sequência do gene, mas apresentando ainda nicks entre 2

fragmentos consecutivos. O fecho destes nicks realiza-se com uma ligase, que estabelece

enzimáticamente a ligação covalente entre o fosfato em 5' e o HO em 3', de dois

oligonucleotídeos consecutivos, mantidos nas suas posições correctas por hibridação entre

bases complementares (Fig. 108.II.). A figura ilustra esquematicamente as diferentes etapas

no sentido antitético, i.é., por ordem inversa à da realização, na prática, da síntese do gene.

No sentido sintético, cada um dos fragmentos purificados, depois de síntese, (excepto os

que correspondem às extremidades 5' da construção final) é fosforilado enzimáticamente. Os

fragmentos são em seguida misturados em condições que favorecem a sua hibridação

correcta (annealing), e ligados. O fragmento A31 na extremidade 5' do gene possui uma

extremidade coesiva própria para entrar num sitio de restrição NcoI (Fig. 109.II). É uma

variante da construção indicada na Fig. 107.II (comparar com A27), que ilustra a

76

flexibilidade introduzida pela possibilidade de sintetizar fragmentos de DNA de sequência

definida. Os oligonucleotídeos nas extremidades da construção contêm, não só as sequências

próprias ao gene, mas também sequências correspondentes a sítios de restrição úteis,

funcionando, portanto, igualmente como adaptadores, na construção.

A clonagem deste gene exemplifica outras aplicações dos oligonucleotídeos sintéticos.

Afim de expressar este gene sintético numa bactéria, este é inserido num plasmídeo, construído a partir do vector pCQV2 (Fig. 110.II), no qual o promotor PR de λ foi substituído

pelo promotor PL de λ, mais eficiente. Este foi introduzido por ligação de fragmentos

sintéticos, contendo a sequência do PLλ, com o plasmídeo em que foi suprimida a sequência PRλ. Os fragmentos sintéticos comportam, além das sequências do PLλ, sequências

correspondentes ao sítio de fixação do ribossoma (RBS-"Ribosoma Binding Site") e a sítios

múltiplos de restrição, potencialmente úteis para outras construções eventuais. A linearização

do plasmídeo, digerido pelas enzimas NcoI e SalI, expõe as extremidades coesivas às

extremidades complementares do gene sintético. Em presença de um excesso deste último, o

vector readquire a sua forma circular, ao hibridar as suas extremidades complementares e

enfim, a acção enzimática da ligase estabelece as ligações covalentes. Após transformação

bacteriana com a mistura de ligação, as colónias transformadas com o plasmídeo que contém

o inserto sintético, podem ser seleccionadas por hibridação com um dos oligonucleotídeos

marcados que serviram para a construção do gene. A visualização, como já vimos, é baseada

na marcação radioactiva do oligonucleotídeo, por fosforilação enzimática com uma quinase e

γ32P-ATP. O oligonucleotídeo marcado hibridar-se-á com a sua sequência complementar, no

inserto e só as colónias transformadas pelo plasmídeo contendo o hGRF e imobilizadas num

filtro de nylon ou de nitrocelulose emitirão um sinal radioactivo.

77

9. SISTEMAS DE EXPRESSÃO: ORGANISMOS HOSPEDEIROS - VECTORES

Um certo número de produtos biológicos não pode ser obtido em quantidade suficiente

para permitir um estudo pormenorizado da sua estrutura e da sua função. Clonar o DNA

correspondente a estes produtos não basta, é também preciso poder expressá-los em

abundância. Como vimos, um gene não é unicamente uma sequência de DNA codificando

para uma sequência de aminoácidos, mas comporta ainda um conjunto de sinais moleculares,

que diferem de um organismo para outro (idênticos ou parecidos, por exemplo, entre

mamíferos, mas diferentes na levedura ou no colibacilo). Estas diferenças têm que ser

consideradas para optimizar a expressão, tanto para fins de produção como de investigação.

Além disso, os vectores possuem a sua própria coerência genética e não são capazes de

se multiplicar em qualquer hospedeiro (são-no em geral só no hospedeiro de origem).

a. Expressão em E. coli

Vectores de expressão em E. coli

O colibacilo é o hospedeiro mais utilizado, tirando a sua supremacia das vantagens

inerentes à sua genética relativamente bem conhecida, à facilidade de ser cultivado,

recuperado e lisado; tem sido utilizado para a produção em massa de algumas proteínas.

Exemplos de vectores de expressão muito utilizados em E. coli são os plasmídeos

multicópias, comportando um promotor forte de origem bacteriana ou fágica (trp, lac, lpp, PR

ou PL de λ). A existência deste promotor forte assegura a transcrição eficaz do gene clonado

a jusante, mas não garante necessariamente a sua expressão eficaz. É, evidentemente,

necessário que os sinais moleculares apropriados estejam presentes: o promotor que indica o

local onde a cópia do gene em mRNA começa, a sequência de Shine-Dalgarno, sítio de

fixação reconhecido pelos ribossomas, o local da iniciação da tradução do mRNA em

proteína, os sinais de fim de transcrição e de tradução.

Além disso, é preciso conceber o sistema de tal maneira que o produto resultante da

expressão do DNA clonado seja autêntico, e não na forma de fusão com um fragmento

proteico codificado pelo plasmídeo.

É igualmente necessário evitar a presença e o efeito de sinais de terminação fortuitos da

transcrição (efeitos polares), assegurar-se da estabilidade do RNA mensageiro resultante da

transcrição do gene clonado, assim como da proteína sintetizada e enfim, do efeito letal

potencial do produto superexpresso, no crescimento do organismo hospedeiro.

O vector de expressão ideal deve teoricamente possuir as seguintes propriedades:

78

1. Ser estável, para não se perder nem modificar o gene estrangeiro.

2. Estar representado em número elevado e constante em cada célula, para aumentar o

número de cópias do gene, susceptíveis de serem traduzidas em proteínas.

3. Poder funcionar como vector vaivém (shuttle), quer dizer poder multiplicar-se em mais

de um tipo de hospedeiro.

4. Possuir genes marcadores de selecção, como por exemplo de resistência aos antibióticos.

5. Possuir um sistema de expressão potente (promotor forte), que permita uma produção

abundante de proteína.

6. Não possuir sequências terminadoras que interrompam prematuramente a transcrição.

7. Ser concebido de maneira que se possa inserir nele, facilmente e correctamente (em fase

de leitura), o cDNA ou o gene que se deseja expressar.

8. Possuir as instruções moleculares, as sequências de DNA que permitam a síntese de uma

proteína que seja segregada para fora da célula, para facilitar o seu isolamento e purificação.

Esta última propriedade é proporcionada por uma curta sequência de aminoácidos, que

precede a sequência da proteína propriamente dita, a sequência sinal. Ela orienta a síntese da

proteína nascente para a secreção para fora da célula. Esta sequência é clivada, perdida,

durante a passagem da proteína através da membrana.

A obtenção da proteína no meio extracelular têm vantagens na produção industrial,

porque facilita a sua purificação, já que não fica perdida no meio da massa de proteínas

celulares. Por outro lado, uma toxicidade eventual da proteína em relação ao hospedeiro será

reduzida. Enfim, mesmo pequenos péptidos que seriam normalmente destruídos no seio da

célula, podem ser produzidos.

O vector de expressão ideal não existe. Para optimizar a expressão de um gene e o

rendimento de obtenção duma proteína particular, é necessário dispor de um bom sistema

expressão-hospedeiro que não é forçosamente universal.

1) Construção de vectores de expressãobaseados no promotor lac

O DNA que se pretende expressar (um cDNA por exemplo) é removido do plasmídeo de

clonagem original por digestão enzimática (por exemplo, PstI, Fig 111.II). Um local de

restrição é em seguida colocado na proximidade do codão de iniciação ATG. O DNA é

primeiramente submetido à acção combinada das enzimas ExoIII e S1, ou à de Bal31. As

condições de digestão dependem da distância entre o local de clivagem inicial (neste exemplo

79

PstI) e o codão ATG, e devem ser ajustadas separadamente para cada caso particular. O

fragmento de DNA é em seguida ligado com linkers, neste exemplo EcoRI, de maneira a

poder ser inserido no local EcoRI de um vector adequado. Antes da clonagem, o fragmento é

digerido por EcoRI e outra enzima de restrição que cliva no local X, no interior do gene.

Obtêm-se assim fragmentos com uma extremidade direita definida, que pode ser utilizada

para mais tarde reconstruir o gene inteiro. Se bem que a extremidade esquerda seja definida

pelo local EcoRI, a distância entre este local e o codão de iniciação ATG varia duma

molécula para outra. A ligação a um vector adequado dará origem a uma gama larga de

clones diferentes, nos quais a distância entre o local EcoRI e ATG varia. Certos insertos

poderão não estar na fase de leitura correcta. Os clones na fase correcta de leitura poderão,

todavia, ser identificados, explorando o fenómeno da complementação α (vd. Secção

1.1.b.2). Para isso, como no caso da clonagem em M13, foram construídos vários plasmídeos

da série pUC (Fig. 112.II). Estes plasmídeos possuem a região de regulação lac e uma parte

do gene lac Z que codifica os 59 aminoácidos N-terminais da ß-galactosidase. A estirpe

hospedeira (JM 83) possui a eliminação M15 do operão lac, correspondente à remoção dos

aminoácidos 11-44 da ß-galactosidase, mas conserva a parte C-terminal completa da enzima.

Todos os genes lac Z incompletos expressarão um polipéptido inactivo. Todavia, estes

polipéptidos poderão complementar a parte C terminal da enzima produzida pela bactéria, na

forma de agregados. A actividade enzimática resultante poderá ser detectada em placas com

indicador X-gal. Os plasmídeos pUC 7, 8, 9, 12, 13, 18 e 19 contêm polilinkers no interior da

região do gene lac Z, correspondente aos 59 aminoácidos N-terminais. Estes polilinkers

possibilitam a clonagem de fragmentos de DNA comportando diferentes extremidades. Os

polilinkers não interferem com a complementação α, se a fase de leitura correcta for

preservada.

Quando os fragmentos de cDNA de diferentes comprimentos, descritos acima (Fig.

111.II), são inseridos no polilinker dum plasmídeo pUC, unicamente os clones possuindo

inserções na fase de leitura correcta, relativamente à ß-galactosidase, originarão colónias

azuis. O comprimento máximo dum inserto, que dá ainda lugar à complementação α, não é

conhecido; é, pois, preferível clonar fragmentos de DNA relativamente curtos. A intensidade

do azul dos diferentes clones é bastante variável; os de coloração mais intensa apresentam um

nível de expressão mais elevado e podem ser seleccionados para receberem a parte do gene

que falta, para a produção da proteína completa fusionada. As proteínas fusionadas, com

longas sequências peptídicas que incluem a parte N-terminal da ß-galactosidase (≈ 600

aminoácidos), são, em geral, insolúveis no interior da célula bacteriana, o que as protege da

degradação proteolítica e pode facilitar a purificação. É, geralmente, possível detectar

determinantes antigénicos na proteína fusionada. No entanto, a proteína pretendida deve

poder ser separada da componente bacteriana, do produto quimérico fusionado. A clivagem

80

com o brometo de cianogénio (vd. mais abaixo) é limitada às proteínas que, tais como a

proinsulina, não possuem metioninas internas. Caso contrário, é necessário recorrer à

clivagem enzimática, que exige construções comportando codões codificando sequências de

aminoácidos específicos (p. ex., Arg e Lys, típicos da clivagem tríptica, i. é., pela tripsina),

sensíveis a proteases, que evidentemente não podem estar presentes na sequência da proteína

fusionada. Duma maneira geral, este sistema de expressão de proteína fusionada é útil para a

produção de pequenas proteínas e de péptidos.

Para produzir directamente proteínas não fusionadas, a síntese proteica deve ser iniciada,

não na primeira metionina do péptido guia procariótico, tal como lac Z ou trp E, mas na

primeira metionina do próprio péptido pretendido. As construções biologicamente activas

possuem pois, em geral, promotores procarióticos indutíveis e um sítio de fixação

ribossómico híbrido, constituído pela sequência bacteriana de Shine-Dalgarno e por um

codão ATG, correctamente distanciado, que não tem que ser necessariamente de origem

bacteriana. No caso duma proteína eucariótica, este ATG pode constituir o próprio codão de

iniciação do gene eucariótico.

2) Vectores baseados no promotor PL de λ

O plasmídeo pAS1, representado na Fig. 113.II, deriva do plasmídeo pBR322 e comporta

sinais de regulação derivados do fago λ. O promotor PLλ foi escolhido em particular, porque

a eficácia com a qual ele permite a transcrição parece superior à da maioria dos promotores

bacterianos (lac, por exemplo).

A fim de poderem controlar a transcrição iniciada a partir de PLλ, os inventores do vector

introduziram um sistema de repressão na bactéria hospedeira, cujo genoma comporta um

profago λ contendo um repressor cI termo-lábil, cI857.

Nas bactérias lisogénicas, a transcrição a partir de PLλ é inibida pelo repressor cI, em

contínuo, mas unicamente a 30°C, i. é., a temperaturas em que o repressor é termo-estável.

Um simples aumento da temperatura de crescimento das bactérias (32°C→ 42°C) desencadeia a

transcrição a partir de PLλ, visto que, nestas condições, o repressor é desactivado e deixa de

bloquear o promotor.

Na prática, as bactérias portadoras do vector pAS1 podem ser cultivadas em massa a

30°C, sem que haja expressão do gene clonado a jusante do promotor, e serem em seguida

induzidas a 42°C, para sintetizar o produto do gene. Esta possibilidade de controlar a

expressão do gene clonado no vector, e de o poder induzir rapidamente, permite obter uma

super-expressão dos produtos clonados num prazo curtíssimo. Estas propriedades são

particularmente importantes para a expressão de produtos que poderiam ser tóxicos para o

81

hospedeiro no qual eles são sintetizados, e/ou cuja estabilidade no hospedeiro é pouco

elevada.

Além disso, o vector pAS1 é concebido de maneira a assegurar uma transcrição eficaz,

por intermédio de PLλ, através de qualquer sequência de DNA clonada a jusante. Para isso, o

vector comporta, a jusante de PLλ, os sítios nut (utilização de N, sítio de reconhecimento

necessário para a acção de N) e a bactéria lisogénica fornece o produto N (proteína

antiterminadora).

A expressão de N, no hospedeiro lisogénico, suprime a polaridade transcricional,

permitindo à RNA polimerase ler através de tL e tR (terminadores esquerdo e direito) e

impede, por consequência, qualquer paragem fortuita da transcrição, na unidade de

transcrição PLλ e na sequência de DNA clonada a jusante. É de notar, que um terminador

natural tR1 de λ, derivado da construção, existe no vector e que o seu efeito é contrariado por

N e nutR.

Por fim, o vector pAS1 comporta os sinais de regulação da tradução, necessários à

expressão de sequências de DNA que não possuam estas informações. Para este efeito, no

gene cII de λ, gene expresso eficazmente, foi suprimida a sua sequência codificante, de

maneira a manter unicamente a região de Shine-Dalgarno e o triplet de iniciação.

Imediatamente adjacente ao triplet ATG, foi introduzido um local de restrição único, prático

(BamH1), que permite a fusão directa de qualquer sequência codificante, a jusante do ATG, e

a obtenção duma junção na fase correcta de leitura, mediante adaptações para cada caso

particular.

Em certos casos, a utilização do vector de expressão pAS1 conduz à produção de 10 a 20

% da proteína desejada, em relação às proteínas totais.

3) λgt11 - vector de expressão derivado do fago λ

Este vector, representado na Fig. 114.II., comporta um local de restrição único, EcoRI,

que permite a inserção de DNA exógeno (possuindo extremidades EcoRI naturais ou

adicionadas) no gene da ß-galactosidase (lacZ). Esta inserção conduz à síntese de proteínas

híbridas (em fusão com a ß-galactosidase), sob a acção do promotor lac, em presença do

indutor IPTG (indutor gratuito que desactiva o repressor, impedindo-o de se fixar ao operador

de Z-ßlac, Y-permease e A-transacetilase, ao mesmo título que o indutor natural, a lactose,

mas sem ser consumido pela enzima; vd. Secção 1.1.b.2). Como a proteína fusionada perde a

actividade ß-galactosidásica, é possível, em presença de Xgal, distinguir os fagos

recombinantes (placas brancas) dos fagos não recombinantes (placas azuis com indicador

Xgal).

82

O vector comporta ainda o repressor cI termo-lábil (cI857) e uma mutação sem sentido

no gene S de λ, que torna a lise defectiva (na ausência de supressão pelo hospedeiro, supF).

Por consequência, as bactérias lisogénicas podem ser induzidas a 42°C, para acumularem

grandes quantidades de produtos fágicos, sem que haja lise. Esta pode ser efectuada expondo

as colónias a vapores de clorofórmio.

Por outro lado, o hospedeiro bacteriano possui o repressor do gene lac Z, que impede a

expressão da proteína fusionada, durante as primeiras horas do crescimento. É só no

momento apropriado, que se desactiva este repressor com o indutor IPTG, levando à

produção maciça da proteína fusionada.

A eficácia de clonagem do sistema λgt11 é de + 107 pfu/µg de DNA.

O escrutínio dos fagos recombinantes pode realizar-se de duas maneiras:

1) por hibridação com uma sonda de DNA marcada;

2) por detecção imunológica.

A expressão correcta do DNA clonado no λgt11, depende da orientação e da fase de

leitura do inserto em relação às do gene lac Z.

Identificação das placas produtoras

Um dos métodos de detecção das proteínas produzidas pelo fago recombinante baseia-se

na interacção dessas proteínas com anticorpos dirigidos contra elas. Na prática, reveste-se um

suporte sólido, inerte, com esses anticorpos e em seguida expõe-se esta matriz às colónias

(placas), lisadas in situ. Os sítios de fixação do antigénio podem ser detectados por incubação

com o anticorpo marcado (com 125I ou com peroxidase, por exemplo). A autorradiografia do

suporte sólido, ou a reacção corada com um substrato cromogénico da peroxidase, revela as

colónias produtoras do antigénio que se procura (Fig. 115.II.).

Alternativamente, o método de western blotting permite identificar o antigénio produzido

no seio duma população de proteínas. Este método baseia-se na separação dos componentes

proteicos dum extracto total, derivado de bactérias, por exemplo, por electroforese em

poliacrilamida e em seguida, na transferência eléctrica destas proteínas para uma folha de

nitrocelulose, onde elas aderam fortemente. A folha de nitrocelulose é embebida num

anticorpo, específico da proteína que se procura identificar e em seguida, após lavagem, é

tratada com um segundo anticorpo, dirigido contra a parte constante do primeiro anticorpo e

marcado com a peroxidase. Por fim, um substrato cromogénico permite revelar os complexos

imunoespecíficos (Fig. 116.II.).

83

Limitações da produção na bactéria

E. coli têm, no entanto, vários inconvenientes, derivados da sua incapacidade em

processar as proteínas, realizar modificações pós-traducionais, que são muitas vezes

necessárias para a sua actividade biológica (p. ex., glicosilação, fosforilação, carboxilação), e

em segregar certas proteínas para fora do citoplasma, que por vezes se acumulam em grandes

quantidades no citoplasma, de forma insolúvel e inactivas, cuja renaturação é extremamente

difícil. Estes agregados têm o nome de corpos de inclusão (inclusion bodies), partículas

constituídas essencialmente de proteína recombinante ou polímeros derivados, não

reductíveis e de proteínas endógenas, tais como RNA polimerase, proteínas de membrana e

de rRNA e de DNA plasmídico.

Para libertar a proteína é usual recorrer a agentes caotrópicos fortes, tais como a ureia 6

M ou o cloridrato de guanidina 8 M. O enrolamento correcto da proteína depois de remover o

agente desnaturante, é frequentemente um passo bastante difícil, por vezes impossível,

nomeadamente com proteínas de elevado peso molecular e numerosas pontes dissulfureto.

Por consequência, proteínas, como o activador tissular de plasminogéneo (t-PA) ou o factor

VIII da coagulação sanguínea, são produzidas de preferência em cultura de células de

mamíferos.

Certas proteínas, tais como o interferão-α2 (IFN-α2), o interferão γ (IFN-γ) ou a proteína

MX (induzida pelo interferão), que formam agregados insolúveis e são inactivas, quando

produzidas em culturas de E. coli a 37°C, podem ser obtidas na forma solúvel e activa,

quando a temperatura da cultura é de 30°C ou abaixo. Uma medida possível para obter

proteínas solúveis é, portanto, diminuir a temperatura de crescimento das culturas e evitar

vectores plasmídicos indutíveis termicamente.

A proteína exógena, formada no citoplasma da célula bacteriana, que é um meio redutor

menos estável que o citoplasma das células de mamífero e sujeito a variações de composição,

para manter o pH e as propriedades osmóticas, apresenta-se na sua forma reduzida. Só depois

da lise bacteriana, a molécula pode formar as pontes dissulfureto, o que pode ser uma

dificuldade suplementar na aquisição da conformação correcta, tanto menos provável quanto

o número de átomos de S for maior. Além disso, pequenos péptidos de E. coli, como por

exemplo o glutatião, podem fixar-se nos átomos de enxofre livres e perturbar a formação das

pontes S-S, conduzindo a proteínas anormalmente enroladas. Sabendo-se que, a menor

anomalia em relação à molécula nativa pode influir nas suas propriedades imunogénicas e

que uma proteína produzida, para ser utilizada com fins terapêuticos, não pode provocar o

aparecimento de anticorpos, podem-se prever impasses frequentes.

Assim, apesar dos sucessos obtidos na síntese de algumas proteínas de mamífero, na

forma solúvel, em E. coli, outras vias têm sido exploradas para forçar a sua secreção para

84

fora do citoplasma. E. coli e, em geral as bactérias gram-negativas, possuem uma membrana,

que se pode considerar dupla, constituída por uma parede interna rígida, coberta por uma

camada exterior menos espessa, composta por proteínas, lipoproteínas e lipopolissacáridos.

As proteínas segregadas para fora do citoplasma acumulam-se, em geral, neste espaço

periplasmático que constitui um meio mais favorável ao seu enrolamento correcto.

Existem exemplos que demonstram que esta abordagem é uma alternativa interessante. A

proteína, para ser segregada para o periplasma, deve possuir uma sequência sinal, que dirija a

cadeia polipeptídica através da parede interna da membrana. O péptido sinal é, normalmente,

clivado, durante a travessia para o espaço periplasmático, por uma protease que reconhece

uma sequência particular de aminoácidos.

Produção da hormona de crescimento humana (hGH)

Um exemplo de produção em E. coli, à escala industrial, de uma proteína segregada no

espaço periplasmático, é o da hGH. Esta hormona é um polipéptido de 191 aminoácidos,

segregada pela hipófise. É utilizada para estimular o crescimento de crianças, cuja deficiência

parcial ou total em hGH se traduzirá na idade adulta por uma altura abaixo do mínimo, ou por

uma estatura de anão.

A acção da hormona de crescimento não se limita à estimulação do crescimento do

esqueleto. Ela permanece pela vida inteira, mesmo após a interrupção do crescimento. A

hGH está, com efeito, implicada no crescimento da massa de todos os tecidos do corpo. Ela

parece também poder ser utilizada eficazmente no tratamento de fracturas, de queimaduras e

de úlceras. Esta hormona é específica de espécie (a hormona de crescimento isolada de

diferentes espécies é sem acção na espécie humana), razão pela qual, a sua única fonte, antes

do advento das técnicas de engenharia genética, provinha da hipófise extraída de cadáveres

humanos. Para além da insuficiência do material assim obtido, para curar todos os casos de

deficiência, existe ainda o risco de contaminações, provenientes de purificações insuficientes

de hGH, a partir de glândulas infectadas.

A cadeia polipeptídica, no momento da sua síntese na hipófise, na forma de precursor,

comporta 217 aminoácidos. Os 26 aminoácidos suplementares em relação à proteína madura,

correspondem à sequência sinal. O enrolamento no espaço, preciso e complexo, cuja

estabilização é, em parte, assegurada por duas pontes S-S, está representado na Fig. 117.II, de

maneira muito rudimentar.

Uma primeira abordagem, para a clonagem e a expressão do DNA que codifica a hGH,

ignora a sequência sinal e visa a produção no citoplasma da proteína madura. A clonagem

recorre à combinação de dois métodos. Por um lado, um DNA complementar foi obtido por

cópia do RNA mensageiro da hGH, derivado da hipófise; por outro, um fragmento de DNA

85

correspondente aos aminoácidos 1 a 24, provido com um triplet de iniciação, foi sintetizado

quimicamente (Fig. 118.II.). Os dois fragmentos foram introduzidos, após ligação, num

vector de expressão, a jusante dum promotor forte (lac). O plasmídeo recombinante foi em

seguida utilizado para transformar um hospedeiro bacteriano. Os clones obtidos foram

seleccionados pela resistência a um antibiótico e caracterizados por hibridação com sondas

radioactivas apropriadas. Os clones que contêm a informação genética da hGH produzem a

hormona de crescimento humana, cuja actividade biológica foi demonstrada por imunoensaio

e por testes in vivo, em ratos desprovidos de hipófise. A actividade biológica manifesta-se por

um aumento de peso e um crescimento, nos ratos, da cartilagem das tíbias.

A natureza do produto clonado é idêntica à do produto natural, no que respeita à actividade biológica. No entanto, a metionina presente na extremidade NH2 da proteína

(derivada do codão de iniciação ATG e que, durante o processo natural, é eliminada com o

péptido sinal) não é clivada na bactéria. A proteína expressa não pode, por consequência, ser

considerada rigorosamente autêntica, visto possuir um aminoácido a mais (met-hGH). A

percentagem de expressão varia de 2 a 30 % de proteínas solúveis, segundo o tipo de

promotor utilizado. Neste exemplo, a hGH é produzida no citoplasma e não é segregada. No

entanto, ao contrário doutras proteínas super-expressas na bactéria, a hGH permanece solúvel

e é produzida por fermentação a grande escala e purificação em grandes quantidades (Tabelas

6.II. e 7.II.). A quantidade obtida, a partir dum fermentador de 500 litros, é equivalente à

obtida por extracção de 12.000 hipófises de cadáveres. A met-hGH é clinicamente activa, se

bem que, a longo termo, a experiência clínica revele o aparecimento de anticorpos não

neutralizantes, em quantidade reduzida. O seu efeito, ao longo de vários anos de tratamento, é

uma incógnita. O aparecimento de anticorpos pode estar correlacionado com um perfil

antigénico particular da hGH produzida por engenharia genética. A presença da metionina

excedentária poderia, por exemplo, conferir uma estrutura terciária particular à hormona e

criar um sítio antigénico novo. O enrolamento diferente da met-hGH poderia ser, igualmente,

causado pelo facto de as pontes dissulfureto, S-S (que estabilizam normalmente a molécula

enrolada), se formarem unicamente no momento da lise da bactéria (devido ao meio redutor

do citoplasma). No momento da lise, pequenos péptidos de E. coli podem-se fixar ao nível

dos átomos de enxofre das cisteínas e perturbar a formação das pontes S-S internas,

conduzindo a moléculas anormalmente enroladas. Uma contaminação, mesmo fraca, da

hormona, por produtos bacterianos, pode também ser responsável pela resposta imunitária.

Uma segunda abordagem recorre à clonagem do DNA completo, incluindo a sequência

que codifica para o péptido sinal da hGH (Fig. 119.II.). Esta sequência sinal de mamífero é

reconhecida pelos mecanismos celulares bacterianos, que presidem à expulsão das proteínas

para fora do citoplasma. A hGH acumula-se no espaço periplásmico, libertada da sequência

sinal, clivada durante a travessia da parede interna da membrana citoplásmica (Fig. 120.II.).

86

Ela comporta, por consequência 191 aminoácidos, como a molécula natural. É possível

extrair a hormona acumulada no periplasma, sem ter que recorrer à lise das células

bacterianas (Fig. 121.II.). Utiliza-se a técnica do choque osmótico, que consiste num primeiro

tempo, em mergulhar as bactérias numa solução muito concentrada de soluto. Nesta solução

hipertónica, a célula retrai o citoplasma, aumentando por consequência o espaço

periplásmico, onde se acumulam as moléculas de hGH. Num segundo tempo, as bactérias são

transferidas bruscamente para um meio muito pouco concentrado de soluto. Nesta solução

hipotónica o citoplasma aumenta brutalmente de volume, reduzindo o espaço periplásmico ao

mínimo e forçando as moléculas de hGH a atravessar os poros da parede exterior da

membrana. A proteína recuperada do meio extracelular é muito pouco contaminada por

proteínas bacterianas.

As análises físicas e químicas da hGH, obtida por esta metodologia, revelaram

propriedades idênticas às da proteína natural. As análises clínicas tendem a comprovar que

não há desenvolvimento de anticorpos nas crianças tratadas com este produto.

A secreção da hGH para o meio de cultura de E. coli é a terceira via possível. Um

exemplo desta abordagem recorre à transformação de E. coli com dois vectores, um dos

quais, pOmpA-hGH2, expressa a proteína híbrida, constituída pela sequência sinal de OmpA

(Outer membrane protein A, proteína cuja expressão é regulada pela osmolaridade do meio) e

da cadeia polipeptídica da hGH (a Fig. 122.II. esquematiza os passos essenciais da

construção deste vector) e o outro, pJL3 expressa a BRP (Bacteriocin Release Protein),

proteína que activa a fosfolipase A da membrana externa, permeabilizando as membranas

interna e externa. A sequência sinal de OmpA guia a cadeia polipeptídica através da

membrana interna e a BRP leva à formação de zonas permeáveis nas membranas celulares,

através das quais a hGH pode passar e ser libertada no meio de cultura.

A Fig. 123.II. ilustra alguns elementos essenciais dos vectores utilizados. O vector de

secreção, pOmpA-hGH2, possui o sistema promotor-operador lpp-lac, que é regulado pelo

repressor lac. A indução parcial da síntese de hGH, em E. coli, é provocada, cultivando as

células em meio rico, (TY), que contém lactose, ou em presença de níveis fracos ou

moderados de IPTG. O vector contém ainda a sequência ompA que codifica o péptido sinal, o

qual, fusionado ao DNA da hGH, orienta a sua secreção. Este plasmídeo, pOmpA-hGH2,

comporta o gene de resistência à ampicilina.

O plasmídeo pJL3 possui o mesmo híbrido, composto do promotor de lipoproteína (lppp)

e do promotor-operador lac (lacpo) de E. coli, que o vector de secreção, e que dirige a

expressão do gene de BRP clonado a jusante. A expressão desta proteína é também regulada

pelo repressor lac, codificado pelo gene lacI. O cloranfenicol é utilizado como marcador de

87

resistência. Os dois plasmídeos são compatíveis, e após co-transformação de E. coli, os

transformantes são seleccionados com base na resistência dupla aos antibióticos.

Os dois genes, de BRP e de hGH, são pois regulados pelo repressor lac. Em presença de uma

concentração baixa de isopropil-1-tio-ß-D-galactopiranosídeo (IPTG, 20 mM), tanto a BRP,

como a proteína híbrida OmpA-hGH se expressam e a hormona de crescimento madura é

libertada no meio de cultura, processada correctamente. Com efeito, a sequência de

aminoácidos N-terminal é correcta, o que indica que o péptido sinal foi clivado como se

esperava (Fig. 124.II.).

O nível de produção situa-se na ordem de 4,5 mg/ml. Apesar de ser mais baixo que o

rendimento da secreção periplásmica (10-15 mg/ml), a purificação, numa única etapa, por

HPLC, em coluna de fase reversa, atinge 98 %.

Este sistema têm a vantagem de não requerer, nem a lise das células bacterianas, nem

operações suplementares para permeabilizar ou romper a membrana exterior, necessárias no

caso da produção periplásmica. Um dos interesses maiores desta técnica é a possibilidade

teórica de poder, no futuro, assegurar uma produção em contínuo a partir de células de E.

coli, imobilizadas num suporte sólido. É necessário, evidentemente, avaliar previamente o

comportamento imunogénico da proteína in vivo.

Outros sistemas de secreção no meio de cultura de E. coli têm sido estudados, que

favorecem a permeabilização da membrana exterior, recorrendo a mutações específicas ou à

hiper-expressão de outras proteínas que alteram a permeabilidade da membrana, tais como o

péptido kil. Este péptido induz a secreção de proteínas heterólogas ou homólogas, em duas

etapas, primeiro actuando sobre a membrana citoplásmica, em seguida permeabilizando a

membrana externa.

Hormonas de crescimento animais

Para além da hGH, outras hormonas de crescimento de origem animal (porco, boi...)

foram objecto de trabalhos de clonagem. Visto ser a hormona de crescimento específica de

espécie, a produção de hormona de crescimento de porco e de boi, com fins veterinários,

impunha-se. A estratégia adoptada é paralela à que conduziu à produção da hGH. O RNA

mensageiro foi extraído a partir de hipófise de porco e de boi, e o DNA complementar foi

sintetizado e clonado num vector plasmídico. A análise das sequências nucleotídicas mostrou

que os dois cDNA são muito homólogos (+ 90 %). As hormonas diferem apenas em 18

aminoácidos. As duas sequências contêm uma sequência sinal, que codifica um péptido (27 e

20 resíduos) implicado na secreção da hormona pelas células somatotrópicas.

88

Para expressar os cDNA em E. coli, recorreu-se, como acima descrito com a hGH, a uma

construção que comporta adaptadores sintéticos, contendo um codão ATG em 5' e a

sequência de bases correspondente aos primeiros 24 aminoácidos da hormona. Estes

fragmentos sintéticos foram, depois de associados e ligados, fusionados num vector de

expressão. A expressão, obtida em elevado nível, em E. coli leva à produção da hormona sem

sequência sinal.

Produção de insulina humana

A insulina é uma hormona peptídica segregada pelas células pancreáticas e presente na

circulação sanguínea. A insuficiência em insulina conduz ao diabete, perturbação grave do

metabolismo dos glúcidos, dos lípidos e dos prótidos. Esta hormona, antes da aplicação das

técnicas da engenharia genética, era isolada a partir das fontes convencionais, para ser

utilizada no tratamento do diabete. Ela comporta um péptido sinal, que permite o transporte

da molécula através das membranas intracelulares. Durante o transporte, este péptido sinal é

clivado. O resto da molécula é, em seguida, armazenado nas vesículas ligadas à membrana

das células pancreáticas.

A forma acumulada nas vesículas, chamada proinsulina, difere da insulina

fisiologicamente activa (Fig. 125.II.). A proinsulina é um polipéptido simples, enrolado numa

forma particular, que é estabilizado por 3 pontes dissulfureto. A insulina madura é, pelo

contrário, constituída por duas cadeias separadas, uma de 21 aminoácidos (cadeia A) e a

outra de 30 aminoácidos (cadeia B), mantidas associadas pelas mesmas pontes S-S. A

proinsulina é convertida em insulina, no seio das vesículas pancreáticas, por maturação

enzimática do precursor e libertação dum polipéptido excedentário, de 33 aminoácidos

(péptido C). A insulina madura é, em seguida, acumulada na forma de complexo com iões de

zinco, pronta para ser exportada.

Resumindo, a insulina existe em 3 formas: a pré-proinsulina (produto de tradução

original), a proinsulina (destituída de péptido sinal) e a insulina activa.

A insulina é produzida actualmente em E. coli, programada por técnicas de DNA

recombinante, numa forma idêntica à da insulina natural. Conhecendo a sequência de

aminoácidos das cadeias A e B da insulina humana, é possível reconstituir, por síntese, os

fragmentos de DNA correspondentes (cadeia A: 63 pares de bases e cadeia B: 90 pares de

bases). Cada fragmento de DNA é provido, em 5', com um codão especificando a metionina,

e em 3', com um codão de fim de cadeia (TGA). Cada um dos genes sintéticos, A e B, é em

seguida fusionado em fase com o gene da ß-galactosidase (ou pelo menos com uma parte

deste), contido num plasmídeo de expressão. Os plasmídeos recombinantes são, em seguida,

89

utilizados na transformação de E. coli, replicam-se, e o RNA mensageiro, sob controlo dos

sinais de regulação do gene ß-gal (promotor, sequência Shine-Dalgarno), é traduzido em

proteína híbrida, comportando uma parte da ß-galactosidase e a cadeia da insulina, A ou B.

Como a insulina não contém metioninas, com excepção da que foi deliberadamente

introduzida em 5', durante a síntese das cadeias A e B, é possível clivar a proteína fusionada,

com brometo de cianogénio (que cliva especificamente ao nível das metioninas), de maneira

a libertar a insulina dos fragmentos de ß-galactosidase. Depois da purificação, as duas

cadeias A e B, ao serem misturadas, associam-se correctamente, formando as três pontes

dissulfureto. O resultado é uma insulina pura e biologicamente activa (Fig. 126.II.).

Alternativamente, a insulina humana pode ser produzida a partir dum clone comportando

o DNA complementar, derivado do mRNA da insulina (proinsulina) (Fig. 127.II.). O RNA

mensageiro que codifica a proinsulina é isolado e copiado em cDNA. Imediatamente a

montante do codão correspondente ao primeiro aminoácido da pro-insulina, introduz-se um

triplet ATG que codifica a metionina. Este DNA complementar é em seguida ligado ao gene

ß-gal, contido num plasmídeo de expressão. As bactérias transformadas pelo plasmídeo

recombinante produzem uma proteína híbrida, que contém um fragmento de ß-galactosidase

e a proinsulina. Esta é libertada da fusão, por clivagem com o brometo de cianogénio (que

destrói a metionina), é purificada e obtida na forma enrolada natural, com 3 pontes S-S

correctas. É em seguida submetida a uma clivagem enzimática, in vitro, para originar a

insulina biologicamente activa.

90

b. Expressão em Bacillus subtilis

A secreção das proteínas que se deseja produzir para o meio extracelular é, como já

salientámos, vantajoso porque simplifica a recuperação e a purificação, favorece o

enrolamento correcto e abre perspectivas para o desenvolvimento de biorreactores de células

imobilizadas mais eficazes. É, pois, natural que bactérias gram-positivas, como Bacillus

subtilis, Staphylococcus aureus ou Streptomycetes, que não possuem membrana externa e

que são excelentes excretoras, tenham suscitado elevado interesse enquanto organismos

potencialmente produtores de proteínas recombinantes. Com efeito, ao contrário do

colibacilo, B. subtilis secreta enzimas naturalmente e várias estirpes de Bacillus são utilizadas

na produção industrial de amilases e de proteases, enzimas que intervêm nas indústrias do

amido e dos detergentes, e Streptomycetes, na produção de antibióticos naturais.

As propriedades de B. subtilis, i) secretor de proteínas no meio de cultura, ii) bem

conhecido e aceite industrialmente na fabricação de proteínas, iii) não patogénico (não

produz endoxinas), tornam este organismo extremamente atractivo para produzir proteínas

humanas e animais pela tecnologia do DNA recombinante. No entanto, a expressão eficaz de

genes exógenos e a secreção das proteínas correspondentes têm sido dificultadas em razão de

vários problemas. Os mecanismos de secreção dos bacilos gram-positivos não estão bem

caracterizados, e em particular, os mecanismos de controlo são mal conhecidos. Têm faltado,

por outro lado vectores apropriados para a expressão e a secreção dos produtos de genes

heterólogos. A maiora das estirpes de colecção de Bacilli contém unicamente plasmídeos

crípticos, destituídos de marcadores de selecção. Foram, por isso, desenvolvidos vários

plasmídeos, sobretudo derivados de S. aureus, capazes de transformar B. subtilis, possuindo

genes de resistência a antibióticos, para serem utilizados em clonagem. Alguns foram, ainda,

manipulados para serem utilizados como vectores de inactivação insercional e como vectores

vaivém (shuttle) para E. coli e B. subtilis. Foram introduzidos marcadores adicionais de

resistência, derivados de outros plasmídeos de S. aureus, do DNA cromossómico de outras

estirpes de Bacilli ou do plasmídeo pBR322 de E. coli (Fig. 128.II.).

A partir destes plasmídeos foram construídas séries de vectores de secreção para

clonagem em B. subtilis, na esperança de obter expressão e secreção eficazes de produtos de

genes estrangeiros. Como a experiência têm mostrado que a expressão de genes heterólogos

em B. subtilis requer aparentemente sinais de transcrição e de tradução de Bacillus ou doutras

bactérias gram-positivas, é frequente recorrer a sequências promotoras, ao local de ligação do

ribossoma e à sequência sinal do gene da α-amilase (que é secretada em grande quantidade

por alguns Bacilli no meio de cultura), para orientarem a síntese e a secreção de genes

estrangeiros clonados em pUB110, por exemplo. Um exemplo é a clonagem do gene da ß-

lactamase de E. coli a jusante de sequências reguladoras do gene da α-amilase de Bacillus

91

amyloliquefaciens. Estas foram previamente introduzidas no plasmídeo pUB110 para

construir o vector pKTH38 (Fig. 129.II.), a partir do qual foram realizadas várias construções

que diferem pela junção entre o linker sintético - gene da ß-lactamase (destituído da sua

sequência sinal) e a sequência sinal do gene da α-amilase que se apresenta quase completa

(pKTH78), cortada (pKTH86), ou aumentada com sequências codificantes de diferentes

comprimentos (pKT16, pKT83 e pKT84) (Fig. 130.II.).

Uma estirpe de B. subtilis mutante deficiente em protease, transformada com as

construções que apresentam a sequência sinal quase completa (-1) ou contendo 11

núcleotídeos do gene da α-amilase (+4) segrega 95 % da actividade de ß-lactamase no meio

de cultura, à razão de 20 mg/ml. As outras construções são muito menos produtivas e a (-7),

correspondente ao péptido sinal amputado dos 6 aminoácidos carboxílicos terminais não

segrega a enzima.

Apesar destes resultados encorajadores, as tentativas de secreção de interferões humanos

(IFN-α2 e IFN-γ, por exemplo) em sistemas semelhantes têm-se revelado infrutíferas. O

nível de secreção é apenas de 1 a 3 % do da α-amilase produzido por B. subtilis transformado

com o mesmo vector (1-2 mg/l contra 250-400 mg/l). As razões desta ineficiência são em

parte a degradação proteolítica, mas, sobretudo, o transporte e/ou o processamento deficiente

do precursor do IFN. O IFN-γ é, por outro lado, aparentemente tóxico para as células

produtoras. Com efeito, os níveis de RNAs mensageiros da α-amilase e do IFN não são

significativamente diferentes, como foi demonstrado por análise do RNA, isolado de culturas

produtoras de IFN e de α-amilase, por eletroforese e hibridação com sondas radioactivas de

DNA (Fig. 131.II., tabela 8.II.). Na realidade, o precursor do IFN acumula-se sob forma

insolúvel nas células por razões ainda não bem esclarecidas.

Outros sistemas têm sido utilizados para expressar diferentes genes correspondentes a

proteínas e enzimas humanas, mas sempre com fracos rendimentos de secreção.

Em conclusão, e apesar dos progressos realizados na elucidação da bioquímica e da

genética de B. subtilis, a caracterização de promotores eficazes e de sinais de tradução

apropriados neste organismo está muito aquém do que é conhecido no colibacilo: não se

conhecem promotores com uma força comparável à dos lac, trp de E. coli ou PL de λ. Por

outro lado, os vectores recombinantes introduzidos em B. subtilis são frequentemente

instáveis e perdem ou transformam o gene heterólogo, faltando por isso bons sistemas

hospedeiro-vector. Apesar de B. subtilis possuir potentes sistemas de secreção autóctones,

como por exemplo o da α-amilase, as construções que recorrem à sequência sinal desta

proteína, para guiar genes estrangeiros codificando proteínas de mamíferos clonados a

jusante, têm-se revelado ineficazes, com baixos níveis de produção e de secreção, e as

92

proteínas são mal processadas e inactivas e, por vezes, degradadas por proteínas

extracelulares endógenas.

c. Expressão na levedura

A levedura Saccharomyces cerevisiae é um dos organismos eucariotas mais úteis para

estudar a regulação da expressão dos genes. Devido ao seu genoma relativamente pequeno (4

vezes o de E. coli) e do seu tempo de geração relativamente curto, a levedura pode ser

manipulada tão comodamente como a maioria dos procariotas. A genética da levedura é

relativamente bem conhecida; foram isoladas, caracterizadas e mapeadas centenas de

mutações por métodos genéticos convencionais e, actualmente, a sequência do seu genoma

(de S. cerevisiae) está totalmente determinada. Além disso, a levedura possui a propriedade

de se propagar de maneira estável do estado haplóide ao estado diplóide, o que permite a

complementação entre marcadores genéticos por conjugação de estirpes haplóides,

portadoras cada uma de um dos dois marcadores que se pretende analisar. O diplóide

resultante da conjugação pode ser depois induzido afim de regenerar haplóides, por meiose

(tetrada), os quais podem ser manipulados e tratados isoladamente.

No que respeita à clonagem, um dos meios originais de identificação dos genes de

levedura consiste em complementar mutações nos genes correspondentes de E. coli. O

genoma inteiro da levedura pode ser clonado em plasmídeos (banco genómico), os quais,

nesta forma recombinante, podem ser utilizados para transformar estirpes bactérianas

portadoras de diferentes mutações. Vários genes de levedura que codificam enzimas do

metabolismo dos aminoácidos ou dos ácidos nucleicos foram assim clonados directamente (p.

ex., LEU2, URA3).

É evidente que, se bem que a RNA polimerase de E. coli transcreva fragmentos de DNA,

seja qual for a sua origem, o RNA correspondente a um gene de levedura só será traduzido

correctamente se o gene em questão não comportar intrões.

Este método foi, no entanto, substituído pela clonagem de genes de levedura por

complementação directa de mutantes. Esta abordagem foi implementada graças ao

desenvolvimento de métodos de introdução de DNA na própria levedura. Um DNA exógeno

introduz-se relativamente facilmente na levedura, eliminando a parede celular para formar

esferoplastos (digestão dos polissacáridos por enzimas específicas). Em presença de iões de

cálcio e de polietilenoglicol (PEG) os esferoplastos absorvem o DNA.

Após regeneração da parede celular o crescimento das leveduras transformadas pode ser

iniciado. Este método baseia-se igualmente na utilização de plasmídeos vaivém que contêm,

93

simultaneamente, sequências necessárias à replicação do DNA em E. coli e à replicação na

levedura. Os fragmentos de DNA de levedura podem ser assim introduzidos por ligação

nestes plasmídeos vaivém e propagados em E. coli. A população heterogénea dos plasmídeos

recombinantes é em seguida introduzida nos esferoplastos de levedura. Qualquer plasmídeo

recombinante que complemente uma mutação no hospedeiro, em condições apropriadas de

selecção, pode ser identificado, reintroduzido em E. coli e multiplicado à vontade (Fig.

132.II.).

Os vectores de expressão de S. cerevisiae

A maioria das estirpes de levedura contém naturalmente um plasmídeo chamado 2µ,

constituído por uma molécula de DNA bicatenário, circular, com ≈6300 pb, localizado no

núcleoplasma à razão de 60 a 100 cópias por célula, e dotado de replicação autónoma. 2µ

comporta uma origem de replicação e codifica três funções REP que determinam a

amplificação quando o número de cópias baixa. Em condições normais, o círculo 2µ replica-

se a velocidade idêntica à do resto do genoma; quando o número de cópias diminui, as

proteínas REP dissociam a replicação do plasmídeo da do genoma e iniciam ciclos repetidos

de replicação independente do 2µ, até que a quantidade de cópias atinja de novo o número de

+ 60 a 100 por célula. Este sistema de regulação assegura a propagação do plasmídeo 2µ em

número elevado de cópias durante o ciclo celular da levedura (Fig. 133.II.). Na figura estão

indicados a origem de replicação e os três genes conhecidos, codificados por 2µ-REP1, REP2

e REP3 que são necessários à conservação dum número elevado de cópias. FLP determina a

passagem da forma (A) à forma (B) do círculo 2µ.

O DNA transformante pode-se estabelecer na levedura, quer por integração no genoma,

quer por replicação autónoma, na qualidade de epissoma. A presença ou a ausência de

sequências particulares, chamadas ARS (Autonomously Replicating Sequence), determina o

destino do DNA transformante. Um vector plasmídico para clonagem na levedura replicar-

se-á de maneira autónoma, contanto que possua as sequências ARS. Estas sequências têm um

comprimento de 60 pb, são ricas em AT (80 %) e possuem uma sequência consenso

AAATATAAA

C Normalmente, durante a divisão celular, os plasmídeos que se encontram na levedura não

segregam regular e uniformemente. Na ausência de pressão de selecção, as leveduras perdem

o plasmídeo durante o crescimento. Para remediar esta situação tira-se partido de sequências

de DNA derivadas da região centromérica dos cromossomas de levedura. As sequências CEN

asseguram naturalmente a ligação dos cromossomas à rede fibrosa do aparelho mitótico e

contribuem para a repartição igual dos cromossomas quando a levedura se divide. Clonadas

94

num plasmídeo, estas sequências CEN asseguram a sua permanência na célula durante a

divisão.

O conjunto das condições descritas está resumido na Fig. 134.II, dentro do contexto da

construção dum vector plasmídico ideal para a clonagem do DNA na levedura. Este vector

ideal deveria portanto comportar:

1°) uma sequência derivada do plasmídeo pBR322 que permita a replicação e a

selecção na bactéria (AmpR);

2°) uma sequência ARS que permita a replicação autónoma na levedura;

3°) uma sequência CEN que assegure a conservação do plasmídeo durante a divisão da

levedura;

4°) um marcador de selecção para a levedura (por exemplo o marcador nutricional

LEU-2, que complementa uma mutação auxotrófica no hospedeiro);

5°) um ou vários locais únicos de restrição para a introdução de DNA exógeno.

Exemplos de vectores de expressão para produção de proteínas exógenas em leveduras

Uma série de vectores plasmídicos destinados a clonar e a expressar um DNA heterólogo

na levedura foram construídos. Um exemplo está representado na Fig. 135.II.). Este vector

vaivém possui o gene amp utilizado para selecção na bactéria, a origem de replicação

específica de E. coli, um marcador de selecção (LEU2) adequado para a levedura, a origem

de replicação própria da levedura (2µ parcial ou 2µ completo) e uma cassete de expressão

ARG3. Esta cassete contém o promotor ARG3, derivado do gene de levedura ornitina

carbamóil transferase e a sequência terminadora, derivada do mesmo gene.

A actividade do promotor ARG3 é regulável; em presença de concentração elevada de

arginina este promotor é reprimido; quando a concentração baixa é desbloqueado.

Estas duas sequências, promotora e terminadora estão flanqueadas por locais de restrição

que permitem remover os sinais promotor ou terminador ARG3 e substitui-los por outros. Por

outro lado, no vector pRIT10774 um local BamH1, situado entre o promotor e o terminador,

permite a inserção e a expressão dum DNA heterólogo possuindo o seu próprio sinal de

iniciação ATG. A versão pRIT10779 comporta ainda um local NcoI entre o promotor e o

terminador que permite a introdução de DNA desprovido do sinal de iniciação ATG.

Um exemplo de aplicação prática de S. cerevisiae como organismo hospedeiro de

expressão de DNA exógeno é a produção industrial dum antigénio de superfície, HBsAg, do

vírus da hepatite B, capaz de induzir a produção de anticorpos protectores e comercializado

recentemente como vacina. A expressão deste antigénio sob controlo do promotor

95

cromossómico, altamente eficiente, de levedura, TDH3 (triosefosfato desidrogenase), é

constitutiva durante a multiplicação celular. Em 3' um sinal eficaz de terminação de

transcrição de ARG3 assegura um nível elevado de mRNA estável. LEU-2 é utilizado como

marcador de selecção (Fig. 136.II.).

Várias outras proteínas de mamíferos foram expressas na levedura (Tabela 9.II.).

Algumas são produzidas em quantidade suficiente e possuem actividade biológica suficiente

para serem comercialmente viáveis.

A levedura pode efectuar as modificações postraducionais de acetilação, fosforilação e

glicosilação, frequentemente necessárias para obter completa actividade biológica das

proteínas. O grau de glicosilação é, no entanto, bastante variável, diferente da realizada nas

células de mamífero e é por vezes observada hiperglicosilação (sobretudo N-glicosilação com

manose pesado), o que pode originar instabilidade e antigenicidade.

Muitas das proteínas produzidas pela levedura possuem alguma actividade biológica, o

que pressupõe uma conformação tridimensional correcta. Nalguns casos a formação de

pontes dissulfureto faz-se ao acaso, como acontece por exemplo com o t-PA (tissue

plasminogen activator), expresso em quantidade elevada mas pouco activo biologicamente e

não segregado para fora da célula.

No que se refere à secreção das proteínas pela levedura foram construídos vários

vectores que contêm sinais de secreção de ferromonas, tais como o factor sexual α, que induz

o acoplamento entre o dois tipos sexuais α e a e é naturalmente segregado pela estirpe

haplóide. O gene da proteína que se deseja fazer segregar para meio é inserido naquele

vector, imediatamente a seguir ao sinal de secreção. Algumas proteínas activas maduras

foram assim recuperadas no meio de cultura, se bem que os rendimentos sejam em geral

modestos.

A maioria das proteínas estrangeiras não é produzida em S. cerevisiae com níveis de

expressão elevados. A proteína endógena correspondente da levedura é expressa por vezes

neste organismo, sob controlo dos seus próprios promotores, de 15 a 50 vezes mais

intensamente. Com efeito, se bem que cassetes de expressão, comportando os sinais de

começo e de fim de transcrição dos genes (da glicólise da levedura, por exemplo), sejam

extremamente eficazes num sistema homólogo (para expressar um gene de levedura), elas

funcionam em geral com um rendimento muito menor para expressar um gene estrangeiro.

Qualquer "coisa" na região codificante do gene de levedura facilita a sua transcrição ou

aumenta a estabilidade dos mensageiros. Estes sinais, ausentes nos genes estrangeiros são

objecto de pesquisas intensivas.

96

A levedura Pichia pastoris metilotrófica (metabolisadora de metanol) é outro sistema de

produção de proteínas com grandes potencialidades. As regiões reguladoras de genes

implicados na via de utilização do metanol foram isoladas. Por exemplo, sequências que

regulam a expressão das enzimas álcool desidrogenase e álcool oxidase, foram utilizadas para

controlar a expressão de várias proteínas exógenas importantes. A modulação pela fonte de

carbono permite regular os níveis de expressão.

Existem vectores de expressão replicativos (de expressão autónoma) e integrativos. A

utilização dos integrativos, capazes de induzir a incorporação de cópias múltiplas de um gene

seleccionado no DNA cromossómico do hospedeiro, e a selecção de estirpes recombinantes

com capacidade para se multiplicarem mais rapidamente, são desenvolvimentos que levaram

em certos casos à obtenção de níveis de expressão elevadíssimos. Exemplos da aplicação

deste sistema à produção de proteínas de interesse em medicina são a expressão do antigénio

de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg), o factor de necrose tumoral (TNF), a

estreptoquinase e o t-PA.

Assim, o gene do HBsAg, controlado pelo promotor regulado pelo metanol, da álcool

oxidase I (AOX1) e flanqueado em 3' pelas sequências terminadoras do mesmo gene AOX1,

constitui uma cassete de expressão que foi inserida no plasmídeo pBSAGI51 (Fig. 137.A.II.).

O gene his4 de P. pastoris em 3' desta cassete funciona como marcador de selecção na

transformação duma estirpe auxotrófica que requer histidina por ser deficiente em histidinol

desidrogenase (HIS4). Para inserir a cassete no genoma de P. pastoris, recorre-se ao método

de substituição de gene, já anteriormente utilizado em S. cerevisia, pelo qual os fragmentos

de DNA clonados vão substituir sequências genómicas nativas por um mecanismo que

implica uma recombinação estimulada por sequências flanqueantes, homólogas de regiões

genómicas (Fig. 137.B.II.). Neste exemplo, o gene AOX1 genómico foi o alvo da

substituição pela construção cassete de expressão - HIS4.

A inserção da cassete no genoma hospedeiro elimina problemas potenciais de

instabilidade dos plasmídeos. A cultura do P. pastoris recom(-HAUT-) utilizando fontes de

carbono repressivas, tais como glucose ou glicerol, leva à acumulação duma massa ilimitada

de células, sem selecção significativa de mutantes deficientes em expressão genética

heteróloga.

Quando se adiciona metanol, depois de deixar esgotar a fonte de carbono repressor,

induz-se a expressão do gene heterólogo controlado pelo promotor AOX1. A limitação do

período de expressão de HBsAg, graças à possibilidade de regulação pelo metanol, minimiza

as probabilidades de selecção de mutantes não expressores. O nível de expressão em

produção à escala industrial atinge 0,4 g de HBsAg por litro de cultura (3 a 4 % da massa

proteica total). Esta proteína parece ter as mesmas propriedades antigénicas in vitro e in vivo

97

(induz anticorpos neutralizantes no rato) que a proteína nativa e constitui uma concorrente

potencial à produzida por S. cerevisiae e já utilizada como vacina humana.

A aplicação das técnicas da engenharia genética às leveduras não têm unicamente a

finalidade de clonar e expressar DNA heterólogos. Muitas informações fundamentais têm

sido obtidas sobre a estrutura dos cromossomas dos eucariotas e sobre a organização e a

regulação dos genes de levedura.

Exemplos:

1) A integração dirigida

O DNA introduzido nos esferoplastos, pode-se integrar nos cromossomas de levedura.

Este processo efectua-se por recombinação entre sequências homólogas presentes no DNA

transformante e no cromossoma. Um plasmídeo de levedura pode-se integrar nos

cromossomas, contanto que seja desprovido da sequência ARS. No entanto, a frequência da

integração de moléculas de DNA circulares é fraca, ao contrário dum plasmídeo previamente

linearizado que se integrará com uma frequência 100 vezes superior à forma circular. A

integração do plasmídeo no cromossoma da levedura pode ser dirigida pelo local do corte de

linearização com a enzima (Fig. 138.II.). Esta propriedade de dirigir a integração do DNA

num sítio específico pode servir para substituir um gene normal por um gene mutado. Este

processo, chamado substituição alélica, permite estudar os efeitos duma mutação específica

num gene, realizada in vitro, na expressão deste gene na levedura. Pode-se, por exemplo,

modificar in vitro por mutagénese dirigida, a sequência do DNA que codifica para a actina.

Este DNA "mutante", transportado por um plasmídeo de integração e linearizado por corte no

gene da actina, num sítio apropriado, será reintroduzido na levedura e integrar-se-á no lugar

da actina. Os efeitos da mutação na expressão do gene da actina podem assim ser medidos in

vivo. No caso deste exemplo, os efeitos da modificação introduzida por mutagénese dirigida

são recessivos e letais, indicando que a levedura não sobrevive se a actina não for funcional.

2) O isolamento de alelos mutantes

Pode-se tirar partido do processo de integração do DNA nos cromossomas de levedura

para isolar alelos mutantes, contanto que o gene selvagem clivado esteja disponível. Toda a

região codificante do gene, flanqueado pelas sequências não codificantes em 5' e em 3', é

excisado do plasmídeo portador de um marcador de selecção e de uma ARS. O plasmídeo

amputado é em seguida introduzido na levedura; para se replicar ele têm que ser reparado e

recircularizado, o que só acontece por recombinação das sequências flanqueantes, presentes

no plasmídeo, com as sequências homólogas que delimitam o gene mutado presente no

cromossoma. Assim, durante a duplicação, o gene mutado será introduzido no plasmídeo.

98

Este contém, pois, uma cópia do alelo cromossómico que poderá replicar-se e propagar-se

(Fig. 139.II.).

3) Regulação da expressão dos genes na levedura

Ao contrário do que acontece com as bactérias, os genes cujo controlo se efectua de

maneira coordenada não são obrigatoriamente contíguos e podem, até, estar localizados em

cromossomas diferentes. Assim, por exemplo, três genes de levedura que intervêm na

biossíntese da histidina encontram-se em cromossomas diferentes. As regiões que flanqueiam

estes três genes em 5' têm muito pouco homologia e há pouco tempo, pelo menos,

desconhecia-se como se efectua a coordenação da expressão. Cada gene contém, no entanto,

sequências de controlo essenciais para haver expressão normal. Um tipo de sequência

assegura um nível de transcrição baixo (nível basal) e um outro tipo de sequência

desencadeia uma transcrição abundante (regulação positiva em condições de carência) (Fig.

140.II.).

O fenómeno de regulação a longa distância da expressão dos genes de levedura já foi

evocado. Por exemplo, a expressão do tipo "mating" na levedura faz intervir mecanismos de

inserção de gene afastados num determinado locus de expressão.

4) Um intrão codifica para uma proteína reguladora

Certos genes de mitocôndria de levedura possuem propriedades genéticas complexas,

que só puderam ser elucidadas por análise molecular de DNA. O gene box que codifica para

o citocroma b existe em duas versões :

a) um gene "longo", de 1155 pb codificantes, distribuído ao longo de 6400 pb em 6

exões (B1 a B6) e 5 intrões (I1 a I5);

b) noutras estirpes, este gene é "curto"; as sequências correspondentes aos 4 primeiros

exões do gene "longo" são contíguas no gene "curto".

As duas formas do gene box expressam-se de maneira idêntica.

O gene box "longo" (Fig. 141.II.).

Os RNAs correspondentes a este gene existem em vários tamanhos distintos. O mais

curto têm 3300 pb e corresponde ao RNA mensageiro (incluindo as sequências flanqueantes

em 3' e 5'). Os RNAs de comprimento superior contêm uma ou várias sequências

correspondentes aos intrões. O transcrito primário têm um comprimento de 8500 pb.

Um certo número de mutações no gene box foram isoladas e caracterizadas. Distribuem-

se por grupos separados e por distâncias bastante grandes. Uma primeira classe de mutações

afecta a proteína directamente; o RNA mensageiro é normal mas durante a tradução há

99

interrupção prematura, sem sentido (nonsens), ou incorporação errada (missence). Estas

mutações situam-se nos exões B1, B3, B4 e B6.

Um outro grupo de mutações, box9 e box2, possui características particulares,

provocando a síntese de RNA anormais. Estas mutações situam-se todas no intrão 4. As

mutações box9 estão situadas a +350 pb a jusante da extremidade 5' do intrão e as mutações

box2, a 25 pb a montante da extremidade 3' do intrão. Os dois grupos de mutações impedem

o splicing e a junção dos exões B4 e B5. Mutações em sítios específicos podem impedir o

reconhecimento das junções de splicing, mesmo estando relativamente afastadas destas

junções.

Por outro lado, as mutações de tipo box3, 10 e 7 estão localizadas nos intrões I2, I3 e I4.

Nenhuma pode complementar outra mutação do mesmo tipo, mas podem, no entanto,

complementar mutações noutros clusters. Isto significa que os grupos box3, box10 e box7

codificam para um produto difusível, distinto do cromossoma b, que actua em trans e é

necessário para a síntese do citocroma b.

Cada um dos três intrões I2, I3 e I4 comporta sequências que codificam para um produto

cuja existência é independente e que desempenha um papel regulador na produção do

citocroma b. Com efeito, estas mutações bloqueiam a maturaçãodo RNA mensageiro do

citocroma b o que provoca a acumulação dos seus precursores. Cada grupo de mutações

bloqueia a maturação numa fase particular do processo desactivando um produto difusível

necessário ao splicing dum intrão. O produto difusível é uma RNA maturase. É provável que

esta proteína reconheça as extremidades intrónicas e assegure a execução dum splicing

correcto.

A análise da sequência núcleotídica do gene box dá peso a esta hipótese. Com efeito, o

primeiro exão (B1) codifica para os primeiros 139 aminoácidos do citocroma b (417 pb);

segue-se um intrão (I1) de 765 pb sem fases de leitura aberta, a seguir um segundo exão (B2,

15 pb ou seja 5 codões) e, finalmente, o segundo intrão (I2) cujas 840 primeiras bases estão

em fase em relação às do exão precedente (Fig. 142.II.). As mutações box3 criam codões sem

sentido na fase de leitura aberta do intrão I2. Por consequência, o produto codificado por esta

fase de leitura não é sintetizado e o splicing deixa de ser correcto, o que provoca a

acumulação do RNA precursor.

Na ausência da mutação box3, supõe-se que a tradução que conduz à formação da RNA

maturase começa no exão B1 e continua através de B2 e do intrão I2, contanto que o primeiro

intrão tenho tido um splicing correcto. A RNA maturase seria assim constituída por 424

aminoácidos [139 (B1) + 5 (B2) + 279 (I2)].

100

Se efectivamente a RNA maturase é necessária para o splicing do intrão I2, a acção desta

enzima implica um mecanismo de retro-controlo negativo bastante sofisticado (Fig. 143.II.).

A eliminação do intrão 2 pela RNA maturase suprime a sua própria síntese, visto que

parte do RNA que codifica para ela neste intrão desaparece. É necessário que se estabeleça

um equilíbrio entre as duas formas de RNA que estão sendo alvo do splicing e a RNA

maturase.

Aparentemente este mecanismo não é único e poderia existir noutros genes tais como o

oxy3 (subunidade 1 da citocroma-oxidase).

5) Estrutura do gene da ferromona de levedura (MFα)

A conjugação na levedura parece facilitada por factores peptídicos chamados

ferromonas, que bloqueiam as células de tipo conjugativo oposto, numa fase particular da

divisão celular. As células haplóides α produzem o factor α com 12 a 13 aminoácidos de

comprimento (2 formas). As células haplóides a produzem o factor a, com 11 aminoácidos de

comprimento (2 formas). As células diplóides α/a não produzem ferromonas e não são

sensíveis a elas.

Devido ao seu tamanho pequeno, e por analogia com outras situações, era de admitir que

estas ferromonas derivassem de precursores muito maiores cujo processamento conduzisse à

forma biologicamente activa (analogia com precursores de hormonas). A clonagem do gene

da ferromona α confirmou esta hipótese.

A estratégia desenvolvida para clonar este gene foi a seguinte:

certas estirpes de levedura mutadas produzem o factor α, mas não o segregam porque ele é

degradado muito rapidamente na célula. Todavia, o gene α clonado num plasmídeo

multicópia deveria expressar-se abundantemente e em quantidade suficiente para saturar a

actividade de degradação e conferir um fenótipo produtor de α que fosse facilmente

identificado. Por conseguinte, o DNA plasmídico isolado dum banco genómico de levedura

foi utilizado para transformar as leveduras não secretoras de α (matα2, leu2). Os

transformantes, seleccionados para leu+, foram escrutinados para a secreção do factor α por

um processo que faz intervir células a sensíveis ao factor α (produção de um halo ao contacto

dos transformantes secretores de α com as células a). Um plasmídeo recombinante

superprodutor de α foi identificado e caracterizado. O gene de estrutura do factor α codifica

para um precursor de 165 aminoácidos (prepropoli α F) (Fig. 144.II. e 145.II.). A

extremidade N-terminal do precursor contém uma sequência sinal hidrófoba e comporta três

sítios de glicosilação. A extremidade C-terminal contém quatro cópias do factor α maturado

unidas por péptidos relativamente homólogos.

101

Maturação do precursor de α

O processamento do precursor α requer a glicosilação dos três sítios na região guia, entre

o sinal e a primeira unidade α e em seguida a proteólise entre as quatro unidades α tornando-

as biologicamente activas (Fig. 146.II.). A proteólise realiza-se por etapas; corte a jusante da

região Lys-Arg por uma endopeptidase (KEX2), eliminação das sequências C-terminais por

uma carboxipeptidase e, enfim, eliminação dos aminoácidos excedentes Glu-Ala no termino NH2 por uma dipeptidilaminopeptidase.

d. Expressão nos fungos filamentosos

A genética dos fungos é ainda pouco conhecida apesar de alguns serem utilizados

industrialmente, nomeadamente na produção de antibióticos. Por exemplo, certos Aspergillus

são utilizados e cultivados industrialmente para a produção de penicilinas e doutros

antibióticos. Outros são utilizados na produção à escala industrial de proteínas segregadas no

meio, como por exemplo Aspergillus niger que pode segregar até 20 g/l de enzima endógena

glucoamilase.

Os fungos são pois candidatos importantes para a produção de proteínas estrangeiras

segregadas. No entanto, as dificuldades são ainda grandes porque não existem bons vectores

de expressão. Os promotores destes fungos não foram bem caracterizados e os vectores têm

bastante inconvenientes: não existem na forma autónoma e têm tendência a integrar-se nos

cromossomas, o que diminui a sua capacidade de expressão. As construções recorrem a

diversos outros elementos derivados de fungos clássicos e, em geral, da levedura S.

cerevisiae.

Tem havido progressos na estabilização destes vectores, mas o nível de expressão e de

secreção de proteínas estrangeiras permanece baixo.

A integração dos vectores no genoma pode ser, no entanto, uma vantagem se o nível de

expressão for melhorado. Foi observado, nalguns casos, a aquisição duma grande

estabilidade, sem pressão de selecção, como se a estirpe não tivesse sido modificada, o que é

importante nas aplicações industriais.

Os fungos filamentosos têm sido utilizados para produzir enzimas industriais. Já

referimos a glucoamilase produzida por A .niger. Outro exemplo é a renina (ou quimosina),

utilizada no fabrico de queijo, que pode ser preparada em larga escala, tanto em A. niger

como em Trichoderma reesei. A renina na sua conformação activa possui 3 ligações

dissulfureto intramoleculares e é difícil de expressar correctamente noutro sistema de

expressão. Existem exemplos de secreção de proteínas de mamíferos na forma activa, que

requerem a formação correcta de pontes dissulfureto para serem activas biologicamente. Não

102

existem, no entanto, dados suficientes para generalizar a capacidade dos fungos em relação às

modificações pos-tradução de proteínas expressas heterologamente.

Um exemplo de expressão de uma proteína de mamífero, aparentemente com a

conformação correcta, é o do interferão humano α-2 cujo cDNA foi clonado num vector de

expressão e colocado sob controlo do promotor indutível pelo etanol, da alcool

desidrogenase, derivado de Aspergillus nidulans. O vector integra-se de maneira estável no

genoma do hospedeiro. Foi ainda desenvolvido um outro vector de expressão comportando o

promotor da glucoamilase de A. niger para expressar aquele interferão humano.

Uma área importante de aplicação dos fungos filamentosos é o da utilização dos seus

genes para produzir enzimas de degradação da celulose e da lenhina. Por exemplo, o fungo T.

reesei segrega um complexo de enzimas que degradam a celulose em glucose. Alguns dos

genes que codificam para estas enzimas foram caracterizados e clonados em vectores de

levedura (nomeadamente de S. cerevisiae), sob controlo de promotores e de terminadores do

hospedeiro, afim de aumentar o nível de expressão, caracteristicamente baixo no organismo

nativo. Existem projectos para produzir, a partir de cassetes de expressão o conjunto do

complexo das celulases.

A expressão do complexo de genes que codificam para as lenhinases é igualmente

objecto de grande interesse, dada a importância que representa, a nível mundia,l o

processamento da pasta de papel.

A tecnologia do DNA recombinante pode também ser aplicada ao melhoramento da

produção de antibióticos em estirpes já altamente produtivas. Obtidas classicamente por

mutagénese ao acaso, com agentes mutagénicos químicos ou físicos, e selecção de mutantes

superprodutores dos precursores dos metabolitos primários, estas estirpes fizeram as suas

provas como organismos de produção industrial. A engenharia genética abre novas

perspectivas de desenvolvimento racional da capacidade produtora dos fungos. A criação de

mutações dirigidas, utilizando métodos de recombinação genética, pode reduzir

drasticamente o número de colónias que é preciso escrutinar para obter uma estirpe

optimizada. É, evidentemente, importante conhecer o pathway de biossíntese do antibiótico e

o complexo de enzimas que nele participa. Um exemplo de aplicação bem sucedida desta

abordagem é a modificação do Cephalosporium acremonium, fungo produtor do antibiótico

cefalosporina C, cujo pathway biossintético está representado na Fig. 147.II.

A primeira etapa consistiu em identificar um intermediário que se acumulasse de

maneira significativa na estipe altamente produtora. Isto foi realizado por análises química e

cromatográfica (HPLC) do meio de fermentação, que mostraram ser a penicilina N o

intermediário procurado. Estes resultados sugerem que a actividade da enzima

103

desacetoxicefalosporina C sintetase (DAOCS), que expande o ciclo tiazolidina da penicilina

N (etapa 4 do pathway biossintético), é limitante na síntese de cefalosporina C.

A segunda etapa é a clonagem do gene cefEF, que codifica para esta enzima, afim de

introduzir cópias suplementares do gene na estirpe produtora. Para isso foi construído um

plasmídeo que, para poder ser obtido em quantidades suficientes, têm que ser amplificado em

E. coli e necessita por consequência da origem da replicação colE1 e dum marcador de

selecção, CAT (cloranfenicol acetiltransferase). A escolha do marcador é importante porque,

se o gene que produz a enzima que inactiva o antibiótico de selecção dos transformantes em

E. coli se expressar gratuitamente nos transformantes de C. acremonium, os antibióticos beta

lactâmicos intracelulares poderão ser destruídos. Por isso foi escolhido CAT, que têm como

substrato um antibiótico que não possui a estrutura ß-lactâmica.

Para seleccionar os transformantes fungais é necessário um outro marcador de resistência

antibiótica, por exemplo a higromicina B fosfotransferase (HPT), conhecido como sendo um

marcador dominante de selecção, útil nas transformações genéticas de eucariotas inferiores.

A transformação de C. acremonium e a expressão de HPT foram conseguidas com

plasmídeos em que foi clonado o gene híbrido, composto pela fase de leitura aberta do gene

que codifica para HPT, derivado de E. coli (HPTorf), e o promotor (IPNSp) do gene pcbC, do

fungo, que codifica para a isopenicilina N sintetase.

O plasmídeo pPS55, cuja construção está esquematizada na Fig. 148.II., é um exemplo

de vector utilizado com o híbrido IPNSp/HPTorf para transformar eficazmente C.

acremonium, levando à integração estável no DNA genómico. O gene cefEF e as suas

sequências flanqueantes reguladoras foram introduzidos em 5' do fragmento IPNSp de pPS55

e o plasmídeo resultante, pPS56, foi utilizado para criar transformantes de C. acremonium,

seleccionados pela resistência à higromicina B. Uma selecção suplementar baseada na análise

da capacidade produtora de cefalosporina C, levou ao isolamento duma estirpe transformante

que produz industrialmente 15 % mais antibiótico que a melhor estirpe não transformada. A

presença, no genoma de C. acremonium, duma cópia suplementar do gene cefEF foi

correlacionada com um aumento duplicado da actividade específica da enzima DAOCS, o

qual se correlaciona por sua vez com uma diminuição substancial da quantidade de penicilina

N sedregada e com o aumento da cefalosporina produzida relativamente à estirpe parental.

e. Expressão em células de mamíferos

Os níveis de expressão e secreção variam de um organismo para outro, segundo a

proteína; esta é uma dificuldade maior que está por resolver em todos os sistemas hospedeiro-

vector conhecidos presentemente.

104

Muitos dos produtos farmacologicamente relevantes, recentemente descobertos e

identificados não podem ser produzidos na sua forma fisiologicamente activa pelas bactérias

ou até pelas leveduras. A capacidade dos organismos para sintetizarem proteínas com a

conformação correcta natural, para as glicosilarem correctamente, processarem com todas as

modificações secundárias necessárias para a sua função e estabilidade, a sua inocuidade e

actividade biológica, é limitada. Em muitos casos, as proteínas produzidas por micróbios têm

que ser enroladas correctamente in vitro e as processadas incorrectamente têm que ser

removidas. Esta purificação não é muitas vezes possível, ou é insuficiente e, além disso,

substâncias contaminantes pirogénicas têm que ser eliminadas, em particular das proteínas

produzidas por E. coli.

As células de mamíferos efectuam um processamento pós-traducional eficaz durante a

biossíntese de proteínas e de péptidos, o que pode favorecer fortemente a estrutura natural do

produto derivado do DNArec, influenciando, por consequência, a sua homogeneidade,

estabilidade e eficácia. Os produtos perfeitamente homólogos da proteína natural humana são

sempre preferíveis, afim de garantirem uma actividade farmacológica, específica e uma

compatibilidade clínica óptima durante as aplicações.

A expressão de DNA recombinante em cultura de células de mamíferos é, em princípio,

o melhor método para produzir quantidades suficientes de substâncias complexas

glicosiladas, com a condição de não estarem contaminadas com, por exemplo, vírus latentes,

ou outras substâncias potencialmente perigosas. A cultura de células animais têm vindo a

impor-se como uma tecnologia das mais importantes para investigação e desenvolvimento

em biologia celular, virologia e imunologia, assim como em investigação na área tumoral.

São utilizadas, por exemplo, linhagens celulares de macaco e de hamster que não têm

grandes exigências de meio de cultura e crescem em grande quantidade. Qualquer gene de

mamífero, tanto na forma genómica como na de cDNA, pode ser colocado num vector de

expressão adaptado às células de mamíferos. Pode ser flanqueado dos seus próprios sinais de

regulação, ou doutros mais potentes e complementados eventualmente com um sinal de

secreção. Estes vectores funcionam bem nas células em que são introduzidos, e os genes de

que são portadores expressam-se normalmente. As proteínas produzidas são segregadas no

meio de cultura e são correctamente processadas, diferindo pouco do produto segregado pela

célula de origem. Assim, por exemplo, a glicosilação efectuada pela célula de rato difere um

pouco da realizada por células humanas, mas esta diferença é sem significado nas

propriedades fisiológicas e imunológicas do produto final. Actualmente, a expressão nas

células de mamíferos em cultura constitui a única maneira de produzir, numa escala

relativamente grande, proteínas de organismos superiores que exigem, para serem activas,

105

modificações pós-traducionais. É o caso de certos factores de coagulação do sangue, do

activador tissular do plasminogéneo, de hormonas, de interleucinas, etc.

Os problemas inerentes à expressão nas células de mamíferos decorrem, primeiramente,

dos vectores próprios deste tipo de células. Como se integram quase sempre nos

cromossomas, o número de cópias activas nas células é limitado. Existem excepções, tais

como a dos vectores derivados do vírus do papiloma bovino (Fig. 149.II.). Existem, no

entanto, métodos para amplificar o número de cópias do gene que se deseja expressar. A

segunda dificuldade é de ordem económica, porque a cultura das células de mamíferos nem

sempre é fácil. Apesar dos enormes progressos realizados na simplificação dos meios de

cultura, no aumento da massa de células, graças ao crescimento em suportes sólidos, no

melhoramento das técnicas de fermentação etc..., a produção industrial de células animais é

ainda relativamente dispendiosa e reservada a produtos de alto valor acrescentado.

É de assinalar, todavia, que a cultura in vitro das células animais têm progredido a ponto

de se poder utilizar células normais não transfectadas para produzir substâncias interessantes,

tais como HBsAg segregada por células hepáticas ou ainda factores imunológicos, como a

interleucina 2 ou os interferões. É possível que, graças a progressos futuros nas técnicas de

cultura das células de mamíferos, as células normais não manipuladas possam vir a suplantar

as linhagens celulares transfectadas com vectores de expressão recombinados.

Transferência de genes nas células de mamíferos (transfecção)

O estudo da expressão dos genes de eucariotas evoluídos não teria sido possível sem o

desenvolvimento de técnicas que permitissem a introdução do DNA nas células. O processo

natural de absorção de DNA viral pelas células é muito pouco eficaz, e só foi possível

melhorá-lo recorrendo ao método de co-precipitação DNA-cálcio. O DNA purificado é

precipitado em presença de iões de cálcio e os grânulos assim formados são fagocitados pelas

células em cultura; uma pequena fracção deste DNA é susceptível de se integrar no DNA

cromossómico das células. Afim de identificar as células que integraram este DNA foi

preciso desenvolver técnicas de selecção apropriadas.

Um sistema muito utilizado recorre ao isolamento de linhagens celulares deficientes em

timidina kinase, enzima que intervém na biossíntese das pirimidinas. Esta enzima fosforila a

timidina proveniente da degradação do DNA celular; a TMP formada é em seguida

transformada em TTP e reincorporada no DNA. Esta via metabólica não é, no entanto,

essencial para a sobrevivência da célula que utiliza habitualmente a dCDP. É portanto

possível obter células tk- perfeitamente viáveis. O isolamento de mutantes tk- efectua-se

segundo o esquema da Fig. 150.II. Em presença de bromodesoxiuridina, as células cuja tk é

funcional são inviáveis porque esta enzima fosforila o composto análogo, que é incorporado

106

no DNA, tornando-o hipersensível à radiação ultravioleta. As raras células deficientes em tk

sobrevivem a este tratamento.

No entanto, as células tk- morrem no meio HAT (meio que contém hipoxantina,

aminopterina e timidina), porque a aminopterina bloqueia a utilização normal de dCDP

obrigando a célula a recorrer à acção da timidina kinase, única via possível para sintetizar a

TTP. Existe, portanto, um sistema de selecção de células tk+ (Fig. 151.II.). O gene tk pode,

portanto, ser utilizado como marcador de selecção para a integração, no DNA de células de

mamíferos, doutros genes que lhe estão ligados.

O sistema de selecção baseado no gene tk apresenta certos inconvenientes. É preciso,

primeiramente, tornar a linhagem tk- e, por outro lado, obter uma mutação tk-, cuja

frequência de reversão seja muito baixa. Foram, por isso, desenvolvidos sistemas melhores,

que se baseiam na utilização de genes de procariotas associados aos sinais de controlo dos

eucariotas (Fig. 152.II.).

Um dos vectores é portador dum gene bacteriano XGPRT (utilização de xantina como

fonte de purinas, xantina guanina fosforribosil transferase). Este gene foi inserido entre o

promotor e o sítio de adição de poli A do gene de SV40, que codifica para o grande antigénio

T (a célula contém o gene HGPRT, utilização de hipoxantina e praticamente de nenhuma

xantina). Uma grande quantidade de XGPRT bacteriana é produzida sob acção do promotor

muito eficaz. É pois possível seleccionar o fenótipo HGPRT+ em meio HAT nas linhagens

celulares HGPRT-; mesmo nas linhagens selvagens, HGPRT+, é possível seleccionar o

fenótipo HGPRT+, em presença de xantina e de ácido micofenólico que bloqueia a enzima

celular HGPRT, porque as células portadoras do vector são capazes de utilizar a xantina,

graças à enzima codificada pelo vector.

O segundo vector contém o gene procariota que confere resistência à neomicina

(inactivação da neomicina por fosforilação enzimática). Este gene é também inserido entre o

promotor e o sítio de adição poli A de SV40. As células eucariotas são sensíveis a um

análogo da neomicina, G418; este análogo é também desactivado pelo produto do gene

NeoR. Este vector SVneo pode, portanto, ser utilizado na transformação de células de

eucariotas, seleccionadas pela resistência ao G418.

Co-transformação

Na prática, não é necessário ligar, por ligação in vitro, o fragmento de DNA que se

deseja introduzir nas células com o marcador de selecção. Basta co-precipitá-los com iões de

cálcio e transfectar as células. O DNA exógeno encontra-se na forma de longo concatâmero

que se integra ao acaso e em bloco no cromossoma (Fig. 153.II.).

107

Micro-injecção

Outra alternativa é a introdução do DNA em células em cultura por microinjecção no

núcleo celular. Este método, se bem que sofisticado e delicado, é muito eficaz, pois 50 % das

células microinjectadas integram e expressam os genes injectados. Além disso, este método

não requer nenhuma pressão de selecção para manter o gene transfectado e permite em

princípio injectar qualquer DNA em qualquer célula.

Isolamento dos genes transferidos

A possibilidade de transferir genes para as células de mamíferos fornece, ao mesmo

tempo, os meios de os isolar. Uma abordagem possível está ilustrada na Fig. 154.II. O DNA

genómico é cortado em fragmentos por uma ou várias enzimas que se sabe não afectarem o

gene que se pretende transferir. Este DNA é em seguida ligado a um DNA heterólogo (por

exemplo pBR322), de maneira a marcar todos os fragmentos de DNA genómico com um

DNA procariota. Após tranfecção e selecção, o gene que se pretende isolar é integrado no

cromossoma das células receptoras na vizinhança imediata deste marcador. Isola-se então o

DNA das células transformadas e prepara-se um banco genómico, num fago λ ou num

cosmídeo. Este banco é em seguida escrutinado com uma sonda característica do marcador

utilizado. É de esperar que o clone positivo para o marcador, contenha igualmente o gene

seleccionado (no exemplo da figura trata-se da adenosina fosforribosil transferase).

Uma outra abordagem possível, chamada rescue, baseia-se na adição dum DNA

funcional ao DNA que se pretende transferir, por exemplo, uma resistência a um antibiótico

ou um supressor procariota como supF (tRNA) (Fig. 155.II.). Depois da transfecção, o DNA

das células seleccionadas é cortado por uma enzima que não afecta o gene que se pretende

isolar, recircularizado e utilizado na transformação de bactérias. A selecção de resistência a

um antibiótico (ampicilina, por exemplo) fornece os clones portadores do gene pretendido.

As técnicas de transfecção e de isolamento dos genes transferidos permitiram identificar,

nomeadamente, sequências de DNA responsáveis pelo controlo da expressão de certos genes

de eucariotas. No caso preciso do vírus MMTV (Mouse Mammary Tumor Vírus), a

expressão do DNA é controlada pelas hormonas glucocorticóides. O provírus clonado,

introduzido nas células de rato em cultura, contendo o receptor hormonal ad hoc continua a

responder à hormona. A transcrição do DNA proviral transferido nas células aumenta de 5 a

10 vezes em presença da hormona. O sítio sensível ao efector foi identificado e localizado no

long terminal repeat (LTR) do provírus (sequências que intervêm na inserção viral nos

cromossomas celulares) (Fig. 156.II.).

Existem outros genes eucariotas, activáveis ou desactiváveis por diferentes factores; são exemplos o gene da α2-globulina de rato, sensível à insulina, o gene da metalotionéina,

108

induzido pelo cadmium. Em todos estes casos, os elementos de regulação estão localizados

na proximidade do próprio gene.

As técnicas de transferência de genes permitiram identificar e clonar genes implicados na

formação de cancros. Estas experiências começaram a desenvolver-se quando se observou

que o DNA extraído de tumores pode transformar células normais e torná-las malignas (Fig.

157.II.).

Estas células transformadas, injectadas em ratos, levam à formação de tumores. A

conclusão é 1) que, com estes tumores pelo menos, o fenótipo é dominante, isto é, devido à

presença e não à ausência dum produto específico; 2) que o fenótipo transformado das células

é induzido pela expressão dum só gene. É, com efeito, pouco provável que a transformação

das células se pudesse realizar se ela exigisse a transferência e a expressão simultânea de dois

genes.

Clonagem de oncogenes humanos

Vários oncogenes humanos foram clonados por uma das técnicas já referidas

anteriormente e que estão ilustradas nas Fig. 158.II. e 159.II. Assim, os oncogenes presentes

nas linhagens cancerosas derivadas de tumores da bexiga, do neuroblastoma, de tumores do

cólon ou do pulmão foram clonados e caracterizados. Estes genes têm comprimentos

compreendidos entre + 5 e 45 kb. Apresentam todos um arranjo intrão-exão idêntico: quatro

exões codificam para proteínas similares mas distintas, de massas moleculares de cerca de

21.000 daltons.

Estas proteínas, chamadas p21, geralmente associadas à membrana plasmática das

células cancerosas são assaz homólogas dos produtos dos oncogenes já identificados nos

retrovírus. O gene do cancro da bexiga, por exemplo, é muito semelhante ao do oncogene ras

encontrado no genoma do vírus HSV (Harvey Sarcoma Vírus), enquanto que o oncogene do

cancro do pulmão é muito parecido com o oncogene ras do vírus KSV (Kirston Sarcoma

Vírus).

Estes oncogenes humanos, assim como os oncogenes virais, têm os seus homólogos

celulares normais de que eles derivam aparentemente por mutação. O oncogene do carcinoma

da bexiga, por exemplo, difere do seu equivalente celular normal numa única mutação pontual (Gly12→Val12 na p21). Está, no entanto, por demonstrar que esta mutação pontual

seja a causa única do cancro de bexiga. Também não se conhece o papel da proteína p21,

nem no estado normal, nem no estado mutado.

109

Vectores virais utilizados para transfectar as células de mamíferos

A infecção viral é um processo natural muito eficaz que conduz à introdução de várias

cópias dum mesmo gene em cada célula receptora. O genoma viral comporta promotores

muito potentes, susceptíveis de expressar eficazmente os genes que dependem deles e de

produzir RNA e as proteínas correspondentes em abundância. Estas propriedades conduziram

naturalmente à construção de vectores derivados de vírus para introduzir DNAs heterólogos

nas células animais.

Vector SV40

Foram adoptadas duas vias para tirar partido do DNA viral como vector. A primeira

consiste em construir recombinantes entre o DNA de SV40 e um fragmento de DNA

heterólogo, e introduzir em seguida as moléculas híbridas nas células receptoras afim de

sintetizar as partículas virais que contêm o DNA recombinante.

a) Substituição da região tardia de SV40

Quando se substitui o DNA de SV40, correspondente às funções tardias (implicadas na

síntese da cápsula viral), por um fragmento de DNA heterólogo é necessário complementar

estas funções perdidas pelas fornecidas por um vírus amputado das funções precoces

(implicadas na replicação do DNA viral). Transfectam-se, simultaneamente, as células pelo

DNA de SV40 recombinante e o DNA helper; um fornece as proteínas da cápsula, o outro, as

funções de replicação. Resulta uma população viral mista, difícil de separar. Utiliza-se, então,

a mistura de partículas virais, para re-infectar outras linhagens celulares e acumular o produto

do gene clonado (Fig. 160.II.).

b) Substituição da região precoce de SV40

Quando se substitui o DNA de SV40, correspondente às funções precoces por um DNA

heterólogo, a produção de partículas virais intactas depende da complementação pelas

proteínas precoces, os antigénios T. É possível evitar a utilização dum vírus helper

introduzindo o DNA de SV40 recombinante nas células COS de macaco. Estas células já

foram transformadas por um vírus SV40 portador de DNA codificando para as funções

precoces, mas deficiente em relação à origem de replicação viral. Por consequência, nestas

células, o vírus SV40 fornece os antigénios T mas não se pode replicar independentemente

dos cromossomas da célula (Fig. 161.a.II.). Quando um DNA de SV40 recombinante,

deficiente em funções precoces, é introduzido nas células COS, a origem de replicação que

ele contém será reconhecida pelos antigénios T celulares e o vírus poderá replicar-se e

fornecer uma descendência viral normal (Fig. 161.b.II.)

A vantagem deste método é que todas as partículas virais produzidas contêm o DNA

recombinante e não ha contaminação pelo vírus helper.

110

É possível, por outro lado, utilizar unicamente a origem de replicação do SV40 para

transfectar células. Constrói-se um DNA recombinante portador desta origem e dum

fragmento de DNA heterólogo. Nas células COS, os antigénios T celulares induzem a

replicação da molécula recombinante na forma plasmídica, até um número de cópias muito

elevado. O DNA heterólogo replicar-se-á pois, pelo menos de maneira transitória,

independentemente do DNA celular, produzindo uma alta percentagem de mensageiro

correctamente processado (Fig. 162.II.).

Vector vaivém derivado de SV40

Um plasmídeo, portador da origem de replicação SV40 ligada a um marcador de

selecção de eucariota, é levado a integrar-se no DNA cromossómico de células de rato.

Quando se fusionam estas células com células COS, os antigéneos T que estas produzem

difundem-se no núcleo das células de rato e induzem a replicação na origem de replicação de

SV40 presente nos cromossomas. Esta replicação bidireccional conduz à produção de

moléculas de DNA circulares que se soltam dos cromossomas e podem ser isoladas

facilmente. Se a origem de replicação procariótica e um marcador de selecção para procariota

estiverem presentes, na vizinhança da origem de SV40, estas moléculas circulares podem ser

utilizadas para transformar bactérias e recuperar o plasmídeo de partida (Fig. 163.II.). Este é

um exemplo de vector vaivém capaz de se replicar, tanto em células animais, como em

bactérias.

Habitualmente, os vectores derivados de SV40 possuem, para além da origem de

replicação SV40, sequências virais estimuladoras (enhancers). Estas sequências estão

localizadas a montante do promotor do gene T de SV40, elas estimulam a expressão de

qualquer promotor contido num plasmídeo no qual elas foram clonadas.

Vector BPV (Bovine Papilloma Virus)

O vírus BPV responsável pelas verrugas do gado bovino tem um genoma de 8 kilobases.

O DNA circular de BPV é capaz de transformar certas linhagens celulares de rato em

fenótipo maligno. Nestas células, o DNA do BPV permanece circular e extra-cromossómico,

à razão de 30 a 100 cópias por célula (situação análoga à dos plasmídeos). Pode-se clonar

DNAs heterólogos num genoma de BPV e introduzi-los desta maneira em células de rato em

cultura (Fig. 164.II.).

Se sequências apropriadas de pBR322 forem clonadas no DNA de BPV, obtém-se um

vector vaivém capaz de se manter na forma plasmídica nas bactérias e nas células de rato. Na

prática, não se utiliza o DNA completo do BPV, mas antes um fragmento correspondente a

69 % do genoma, fragmento dotado da capacidade de transformação das células e de

replicação autónoma extra-cromossómica. Afim de facilitar a identificação das células

111

transformadas pelo vector BPV, introduz-se um marcador de selecção dominante, como por

exemplo, a resistência à neomicina (na realidade resistência a um análogo G418).

Um dos vectores derivados do BPV, correntemente utilizado para expressar DNAs

heterólogos está ilustrado na Fig. 165.II.

Vectores derivados de retrovírus

Vimos que o genoma dos retrovírus é constituído por uma molécula de RNA semelhante

a um RNA mensageiro, possuindo a estrutura cap em 5' e uma cauda poli A em 3'. Um

retrovírus têm um número restrito de genes, para além do gene pol, responsável pela síntese

da enzima característica dos retrovírus, possui um gene gag que governa a síntese de

proteínas estreitamente associadas ao genoma viral e um gene env, que determina a síntese

das proteínas do invólucro; por fim as sequências ditas LTR, nas duas extremidades do

genoma, que intervêm na inserção do vírus nos cromossomas das células.

O RNA do retrovírus é copiado em DNA bicatenário, que se integra no genoma das

células infectadas. Uma vez integrado, o provírus é transcrito como um gene celular. O

provírus integrado possui em cada uma das suas extremidades uma sequência LTR, onde fica

localizado o único promotor conhecido para a expressão dos genes virais. A produção dos

diferentes RNAs que codificam para as diferentes proteínas virais é regulada ao nível do

splicing do transcrito primário. Os provírus clonados podem ser utilizados para introduzir

DNAs heterólogos nas células de mamíferos, se se substituir um dos genes virais por um

fragmento de DNA estrangeiro (Fig. 166.II.).

As células infectadas por um retrovírus recombinante produzirão grandes quantidades do

novo RNA mensageiro cuja transcrição começa no LTR. Com a complementação dum vírus

helper, são fornecidas as funções necessárias ao encapsulamento do RNA do retrovírus

recombinante e por consequência à produção de partículas virais.

Na Fig. 167.II. estão representadas duas maneiras de produzir retrovírus. Na parte A da

figura está representado um primeiro método, segundo o qual se faz penetrar (transfecção),

por um método fisico-químico, o DNA dum retrovírus no qual se introduziu um gene

estrangeiro (este ocupa, por exemplo, o lugar do gene pol), numa célula dita assistente que é,

por outro lado, infectada por um vírus selvagem. Este poderá dirigir a síntese de novas

partículas virais infecciosas selvagens e, além disso, fornecer as moléculas de transcritase

reversa às partículas virais, que incorporaram o RNA que veicula o gene estrangeiro, o qual

foi sintetizado graças ao DNA integrado nos cromossomas da célula. Estas últimas partículas

virais poderão ser utilizadas, conjuntamente com as selvagens, para infectar células alvo, tais

como células de embrião de mamífero.

112

O método representado na parte B da figura é uma versão aperfeiçoada da precedente.

Visa produzir unicamente partículas virais contendo o genoma viral que veicula o gene

estrangeiro. Para isso, prepara-se um DNA mutado, a partir do selvagem, amputado duma

sequência nucleotídica ψ que intervém no empacotamento do RNA viral pelas partículas do

invólucro. O método consiste em fazer penetrar numa célula assistente, uma cópia de DNA

viral amputado da sequência ψ e uma cópia de DNA viral que veicula o gene estrangeiro

(contendo a sequência ψ). As cópias do DNA vão-se alojar nos cromossomas da célula e

dirigir a síntese dos diferentes elementos das partículas virais (RNA e proteínas).

As partículas infecciosas, finalmente formadas, comportarão unicamente o RNA que

veicula o gene estrangeiro, porque só este foi empacotado.

É frequente que os retrovírus, uma vez inseridos no cromossoma, activem genes

vizinhos. Estes genes, que eram silenciosos antes da inserção do retrovírus, podem revelar-se

proto-oncogenes e induzir a transformação cancerosa da célula infectada. Um certo número

de cancros animais são o resultado deste género de mecanismo.

Os retrovírus são relativamente instáveis e, mesmo quando foram tornados não

infecciosos pela eliminação do gene da transcritase reversa, podem, uma vez alojados nos

cromossomas duma célula, produzir de novo um vírus infeccioso recombinando-se a vírus

latentes presentes nas células hospedeiras. Por estas razões, outras vias têm sido estudadas,

tais como o recurso aos AAV (Adeno-Associated Virus) que parecem inserir-se de maneira

estável e sem inconvenientes no genoma das células que ele infecta.

f. Introdução de genes estrangeiros em óvulos fertilizados. Animais transgénicos

A transfecção de células em cultura fornece um instrumento indispensável ao estudo da

regulação dos genes de eucariotas. Esta abordagem é, no entanto, limitada a células muito

diferenciadas e não fornece nenhuma indicação sobre os mecanismos moleculares

responsáveis pelo controlo da expressão dos genes num dado tecido celular, nem sobre a

evolução deste controlo durante o desenvolvimento embrionário.

Uma maneira de abordar estes problemas baseia-se na introdução de genes estrangeiros,

facilmente identificáveis, em zigotos ou embriões precoces e na análise da sua expressão nos

tecidos destes embriões ou dos animais deles nascidos. O método, simples no seu princípio,

consiste na deposição duma solução dos genes clonados no núcleo dum ovo (de rato por

exemplo) recentemente fecundado (a deposição no citoplasma conduz frequentemente à

degradação rápida do DNA por enzimas). Mais precisamente, a solução de DNA é micro-

injectada num dos pro-núcleos pertencentes às células sexuais, antes que elas se associem no

ovo fecundado. O pro-núcleo macho, pertencente ao esperma, é habitualmente escolhido para

113

a micro-injecção, porque é de maiores dimensões e permanece durante algumas horas perto

da superfície do óvulo fecundado (Fig. 168.II.).

Os ovos de mamífero (rato, porco, etc.) assim injectados são, ou reintroduzidos no

oviducto duma fêmea portadora, preparada hormonalmente para o efeito, ou desenvolvidos in

vitro, em cultura, até ao estado blastocito antes de serem implantados no útero (Fig. 169.II.).

Este género de experiências foi realizado com vários genes clonados, correspondentes à

hormona de crescimento, ao interferão, à insulina, à globina, à timidina kinase, etc. De 200 a

30.000 moléculas de DNA, de comprimento variável entre 5 e 50 kbases são injectadas por

ovo. A percentagem de sobrevivência dos ovos injectados de rata é de 10 a 30 % e a

proporção de ratas que integram o DNA injectado nos seus cromossomas é de cerca de 40 %.

A percentagem de sucesso parece, no entanto, depender da estirpe de rato e da espécie

utilizada. A técnica é muito menos eficaz quando aplicada ao carneiro, à vaca, ao porco e ao

coelho.

Na maioria dos casos analisados, várias cópias de DNA micro-injectado encontram-se

integradas num dos cromossomas dum par de cromossomas, no rato adulto. Duma

experiência para outra a integração ocorre num cromossoma qualquer, o que mostra que o

processo de integração não é específico. O DNA integrado encontra-se habitualmente tanto

nas células somáticas como nas células germinais (óvulos e esperma). Ele é, portanto,

transmitido por intermédio destas como um carácter mendeliano (Fig. 170.II.), o que implica

que o acontecimento de integração se passa muito cedo durante o desenvolvimento

embrionário, antes de a população de células germinais se separar das células somáticas de

origem. O DNA estrangeiro pode-se transmitir durante várias gerações; integra-se, portanto,

de maneira estável, no genoma do rato, sem no entanto lhe conferir nenhuma vantagem

selectiva.

Os pontos fracos deste método de micro-injecção são a impossibilidade de prever qual o

número de cópias de um dado gene que se vai inserir no património genético do animal e a

localização da inserção, que se faz ao acaso, o que têm, por vezes, como efeito, desactivar

certos genes da célula hospedeira e provocar anomalias morfológicas mais em menos graves.

Além disso, o nível de funcionamento do gene estrangeiro é totalmente imprevisível.

Expressão do DNA estrangeiro nos animais transgénicos

Os óvulos micro-injectados que chegam ao seu termo normal de desenvolvimento são

unicamente aqueles cujo desenvolvimento embrionário não é perturbado pela integração do

DNA estrangeiro. É, pois, necessário que o DNA integrado o seja de forma passiva, seja

geneticamente silencioso e não expresso, ou controlado normalmente na sua expressão.

114

O exemplo seguinte mostra que a expressão do DNA integrado pode ser específica de

tecidos celulares. Quando um plasmídeo, portador do promotor da metalotioneína (MT) a

montante da sequência que codifica para a timidina kinase, é microinjectado em embriões de

rato, prevê-se que a expressão do gene da timidina kinase seja controlada por sinais

moleculares que desencadeiam a acção do promotor da metalotioneína, por iões Cd, por

exemplo (o papel fisiológico de metalotioneína é de fixar iões de metais pesados, sendo o

promotor MT induzido por estes iões) (Fig. 171.II.). A exposição dos ovos micro-injectados a

estes iões metálicos conduz, com efeito, à síntese de timidina kinase.

Por outro lado, os ovos micro-injectados, após reimplantação em fêmeas portadoras, dão

origem a uma descendência que possui o gene MT-tK integrado no cromossoma numa

proporção de 10 a 15 %. A injecção de sulfato de cádmio nestes ratos conduz à síntese de

timidina kinase, mas a expressão do gene integrado é específica de um tecido dado, neste

caso, o fígado, o que corresponde à localização natural da metalotioneína no rato. Durante as

gerações seguintes, uma parte da descendência perde o gene MT-tK. Entre os ratos que

herdaram o gene, certos deixam de o expressar e outros expressam-no com abundância

superior à dos pais. Aparentemente, durante a passagem pelo óvulo e pelo esperma e durante

o desenvolvimento embrionário, acontecimentos importantes levaram à extinção ou à

amplificação da expressão do gene integrado.

Numa outra abordagem experimental, um plasmídeo, portador do promotor da

metalotioneína de rato e do DNA genómico que codifica para a hormona de crescimento

(GH) de rato, foi micro-injectado em óvulos de rata (a hormona de crescimento, sintetizada

normalmente na hipófise encontra-se no fígado onde desencadeia a síntese de somatomedinas

que estimulam o crescimento muscular, ósseo e cartilaginoso) (Fig. 172.II.). Este plasmídeo

contém os sinais de regulação MT e o DNA genómico que codifica para a GH, como o sinal

de iniciação AUG, os exões e os intrões correspondentes e o sinal de poliadenilação. A

transcrição deste DNA fusionado conduz à síntese de um RNA que codifica para a hormona

de crescimento do rato. Na micro-injecção utiliza-se o plasmídeo linearizado, que se integra

melhor que a molécula circular, à razão de 600 cópias por pro-núcleo macho. Foram

injectados e implantados 170 ovos no útero de ratas portadoras, das quais 21 chegaram ao seu

termo. Sete ratos em 21 tinham o DNA integrado em várias cópias num cromossoma. Seis

destes 7 ratos desenvolveram-se mais rapidamente que os outros, mesmo na ausência de

indução do promotor MT com iões de cádmio. Como previsto, a hormona de crescimento

nestes 6 ratos expressa-se 100 a 800 vezes mais que em ratos de controlo. A aceleração do

crescimento nestes ratos transgénicos resulta, por consequência, da integração e da expressão

do gene fusionado MT-GH (Fig. 173.II.).

115

No domínio da micro-injecção de genes, os trabalhos que se desenvolvem actualmente

visam essencialmente definir as mudanças moleculares que ocorrem durante a diferenciação

e correlacionar estas modificações com as alterações da expressão dos genes integrados.

A utilização dos retrovírus

Um outro tipo de experiências tira partido das propriedades dos retrovírus, afim de os

utilizar como vectores que veiculam genes estrangeiros nos animais. Por exemplo, o DNA

proviral do vírus MLV (vírus da leucémia de rato) pode ser integrado em embriões de rato de

duas maneiras diferentes:

1) infectando os embriões com o vírus para desencadear a síntese de DNA proviral

bicatenário que é seguida de integração num cromossoma;

2) micro-injectando directamente o DNA proviral clonado nos embriões.

No primeiro caso, os resultados obtidos diferem completamente segundo o estado de

desenvolvimento do embrião (32 células ou embrião de 8 a 10 dias) (Fig. 174.II.). A análise

da descendência resultante da integração no embrião de 32 células mostra que o DNA

proviral está integrado em algumas células pertencentes a diferentes tecidos e, sobretudo, que

este DNA proviral está intensamente metilado e não expresso. Na descendência derivada da

infecção de embriões mais velhos, o DNA proviral encontra-se em todos os tecidos sob

forma não metilada e muito expresso. Estes resultados sugerem que a metilação do DNA

integrado determina, pelo menos parcialmente, a ausência de expressão do gene. Parece, pois,

evidente que os embriões tardios não possuem mais a capacidade para metilar e, portanto,

suprimir geneticamente, a expressão do DNA proviral.

Numa segunda experiência, o DNA proviral, clonado a partir de células de um dos ratos

da experiência precedente, foi injectado, 1°) nos núcleos de óvulos fertilizados, ou 2°) no

citoplasma destes óvulos. A descendência resultante da micro-injecção no núcleo contém

várias cópias do DNA proviral em todas as células, altamente metiladas e não expressas. A

descendência derivada da micro-injecção no citoplasma, em compensação, contém uma só

cópia de DNA proviral por célula e em todas as células. Além disso, 10 % dos ratos

produzem RNA mensageiro correspondente ao vírus MuLV, localizado em quantidade muito

variável em todos os tecidos. O sítio de integração no cromossoma parece, pois, influenciar a

expressão do DNA viral duma maneira específica de tecido.

Conclusões e resumo

1) É possível introduzir genes por micro-injecção em células somáticas e germinais.

2) O sítio cromossómico no qual se integra o DNA e o grau de metilação deste DNA

influenciam a activação do gene durante o desenvolvimento.

116

A ausência de metilação pode ser correlacionada com a expressão do gene.

3) O grau de expressão do gene integrado é também influenciado pela diferenciação celular

e pode ser específico do tecido.

4) Genes estrangeiros podem ser colocados sob controlo regulatório normal das células

hospedeiras.

g. Expressão em células de insectos

As células de insectos poderão ser uma alternativa às células animais em cultura. Vários

grupos mostraram que vectores derivados de vírus de insectos podem ser utilizados para a

produção notável de substâncias, como interleucinas, interferões, várias proteínas derivadas

dos vírus HIV, da hepatite B, da influenza, etc.

O sistema que têm sido utilizado com sucesso baseia-se na utilização de vectores de

Autographa californica, vírus das poliedroses nucleares (AcMNPV), protótipo da família

Baculoviridae, que possui um largo espectro de hospedeiros, infectando mais de 30 espécies

de lepidópteros, assim como, tricópteros, himenópteros, dípteros e crustáceos.

A. californica, assim como os outros membros do subgrupo A dos baculovírus, formam

oclusões constituídas por proteínas virais, com a configuração de cristais ou corpos oclusivos,

chamados corpos poliedrais ou poliedros, encerrando cada um, um número elevado de

partículas virais. A proteína principal dos poliedros é a poliedrina de MM de 29.000 daltons,

que é produzida intensamente, acumulando-se, por exemplo, nas culturas celulares de

Spodoptera frugiperda, correntemente utilizadas, a níveis elevadíssimos de 1 mg/ml por 1-2

106 células infectadas, representando, pelo menos, 50 % das proteínas da célula detectáveis

em gel de poliacrilamida-SDS. O ciclo de vida do baculovírus está representado na Fig.

175.II.

Os baculovírus são o grupo mais relevante de vírus conhecido que infecta insectos.

Constituem aparentemente o único grupo que possui os artrópodes como único hospedeiro.

Devido a esta especificidade, à sua natureza contagiosa e à sua estabilidade relativa no meio

ambiente, têm um enorme potencial na agricultura como agentes extremamente úteis, seguros

e selectivos de controlo de pestes.

A aplicação mais atraente do baculovírus, enquanto sistema de vector em tecnologia do

DNA recombinante, é o seu potencial para expressar grandes quantidades de produtos de

genes estrangeiros. A poliedrina expressa-se em abundância superior à de qualquer outra

proteína em células de eucariotas infectadas por vírus. Mais de 15 % da massa total de

proteína encontrada em células de larvas infectadas por NPV é constituída por poliedrina.

117

Para além de sequências promotoras fortes, que dão a vantagem aos vectores de

expressão deste vírus de expressar proteínas recombinantes a elevados níveis, comparados

com os sistemas bacterianos, de levedura ou de mamíferos, os baculovírus possuem várias

outras características que os torna interessantes para a clonagem e expressão de DNA

estrangeiros:

1) Não são patogénicos para os vertebrados ou as plantas porque não se replicam nestes

tipos de células, não sendo necessário recorrer a células transformadas ou a elementos

transformantes, como é o caso com os sistemas de expressão das células dos mamíferos.

2) Possuem um espectro de hospedeiros limitado a certos invertebrados.

3) O genoma foi mapeado relativamente a muitas enzimas de restrição e caracterizado

em relação à actividade transcricional.

4) Os vectores do baculovírus utilizam muitos sistemas de modificação, processamento e

transporte de proteínas que ocorrem nas células superiores de eucariotas, que podem ser

essenciais para as funções biológicas completas das proteínas recombinantes. Estas são,

consequentemente, com frequência, antigenicamente, imunologicamente e funcionalmente

semelhantes às suas homólogas autênticas.

5) O invólucro do baculovírus pode empacotar pelo menos dois comprimentos

genómicos, o que sugere que é capaz de inserir famílias de genes, ou um grande número de

genes.

O genoma do AcMNPV consiste num DNA circular, super-enrolado, bicatenário, com

um comprimento de cerca de 128 kilobases. O gene da poliedrina do AcMNPV foi mapeado

e sequenciado. Foi demonstrado que não é essencial para a replicação ou a produção de vírus

extracelular em células em cultura. A eliminação ou a desactivação insercional do gene da

poliedrina leva à produção de vírus de oclusão negativa (Occ-), que formam placas de lise

distintas das formadas pelos vírus selvagem de oclusão positiva (Occ+). Estas morfologias

distintas das placas fornecem um meio de escrutinar visualmente os vírus recombinantes, nos

quais o gene da poliedrina do tipo selvagem AcMVPV foi substituído por um outro gene, ou

por um híbrido.

A natureza não essencial e os elevados níveis de expressão do gene da poliedrina, aliados

à facilidade com a qual os vírus recombinantes Occ- podem ser detectados, tornam o

promotor deste gene particularmente apropriado para a construção dum vector de expressão.

Construção dum vector de transferência do baculovírus

A maioria dos vectores de transferência contém sequências do AcMNPV que incluem o

promotor do gene da poliedrina e várias percentagens do DNA viral, que flanqueia em 5' e

118

em 3' o gene da poliedrina, clonado num plasmídeo bacteriano de número elevado de cópias.

As sequências do gene estrangeiro no plasmídeo recombinante podem ser transferidas para o

AcMNPV por recombinação homóloga, no interior de uma célula transfectada com os DNAs

do plasmídeo e do vírus selvagem.

A Fig. 176.II. esquematiza a sequência de etapas de clonagem de um gene estrangeiro e

o escrutínio de placas recombinantes. Um fragmento apropriado de gene estrangeiro é

inserido num vector de transferência na orientação correcta a jusante do promotor da

poliedrina. Células de insecto (S. furgiperda) em cultura são co-transfectadas com uma

mixtura de DNA viral e de plasmídeo e a progenitura viral é plaqueada. Os recombinantes

virais Occ- são identificados visualmente ou por hibridação com uma sonda da DNA e

purificados a partir da placa, até atingirem a homogeneidade.

O baculovírus recombinante independente de helpers produz uma proteína recombinante

48-72 horas após a infecção, a qual é essencialmente lítica após 4-5 dias.

O vector de transferência mais correntemente utilizado para a introdução de genes

estrangeiros no AcMNPV é o pAC373 (Fig. 177.II.). Deriva dum plasmídeo constituído por

um fragmento EcoRI de 7kb contendo o gene da poliedrina de AcMNPV clonado no

fragmento EcoRI-HindIII de pVC8. Após mutagénese com Bal31 e adição de linkers BamHI

(CGGATCCG), obtém-se o plasmídeo pAC373 que contém a eliminação duma sequência

entre a posição -8 (8 bases a montante do ATG do gene da poliedrina e aproximadamente 40

bases a jusante do sítio de iniciação de transcrição) e os locais naturais BamHI no núcleotídeo

+121.

Uma boa expressão de proteínas estrangeiras não fusionadas requer que os genes

estrangeiros tenham uma sequência condutora curta. Os comprimentos das sequências não

codificantes em 3' e 5' (cuja influência em relação aos níveis de expressão se desconhece) dos

genes expressos em vectores dos baculovírus têm variado de 3 a 400 bases.

Como a sequência condutora da poliedrina é muito rica em AT, recomenda-se,

geralmente, que sequências guias ricas em G-C ou demasiado compridas, sejam truncadas,

tanto quanto possível, antes do gene estrangeiro ser inserido no vector de transferência.

Todos os vectores de transferência têm o sinal de poliadenilação da poliedrina intacto. Bons

níveis de expressão foram obtidos com genes que possuem os seus próprios sítios de

poliadenilação adicionados aos do gene da poliedrina. Todos os genes expressos com níveis

elevados foram derivados de cDNA ou de clones de genomas que não contêm intrões.

Foram construídos vários outros vectores de transferência apropriados para a produção

de proteínas fusionadas ou não fusionadas .

119

Actividade biológica das proteínas recombinantes

As proteínas recombinantes produzidas nas células de insecto, em vectores de

baculovírus, são biologicamente activas e a maioria é processada pós-tradução, produzindo

produtos recombinantes muito semelhantes às proteínas autênticas. As proteínas

recombinantes podem ser segregadas, dirigidas para o núcleo, para a superfície da célula,

associadas em complexos oligoméricos e em dímeros ligados por pontes dissulfureto,

clivadas proteoliticamente, fosforiladas, N-glicosiladas, O-glicosiladas, miristiladas ou

palmitiladas. Estes produtos são antigenicamente, imunologicamente e funcionalmente

semelhantes aos seus análogos naturais.

Todavia, muito está ainda por elucidar acerca da natureza da glicosilação nas células dos

insectos. A capacidade destas células para efectuarem a N-glicosilação implica a adição de

oligossacarídeos do tipo manose pesado. Estudos efectuados com linhagens celulares de

Aedes aegypti e Aedes albopictus (mosquitos), mostraram que os oligossacarídeos ligados à

Asparagina são deficientes em ácido siálico, galactose e fucose. Assim, a conversão de

manose pesado em complexos oligossacarídicos ligados a N parece não se efectuar naquelas

células de insectos. Nas células de mosquitos a ausência de complexos N-glicanos foi

confirmada pelos baixos níveis de N-acetilglucosaminil-, galactosil- e sialitransferases,

responsáveis pela maturação dos manose-N-glicanos pesados das glicoproteínas dos

mamíferos.

Está ainda por elucidar se esta diferença aparente ou potencial na via do processamento

oligossacarídico entre insectos e vertebrados é um factor importante na produção de

glicoproteínas nas células de insectos, ou se diferentes linhagens de células de insectos

apresentam capacidades diferentes para glicosilar proteínas estrangeiras. Alguma

investigação é ainda necessária para elucidar os detalhes moleculares do processamento,

transporte e condução das proteínas recombinantes produzidas por células de insectos.

120

10. ENGENHARIA GENÉTICA DE PLANTAS

O melhoramento genético das espécies vegetais é uma prática milenária, cujos princípios

só começaram a ser racionalizados com Mendel. No entanto, uma intervenção racional no

património genético de plantas, só nestes últimos anos têm sido objecto de experiências

laboratoriais, com um impacto, actualmente, já bastante importante nas aplicações de campo

e com um futuro altamente promissor.

Com efeito, os numerosos métodos desenvolvidos nestes últimos 20 anos, que visam

regenerar plantas a partir de células vegetais em cultura, conjugados com as técnicas de DNA

recombinante, abrem perspectivas novas para o melhoramento de plantas, nomeadamente no

que respeita ao seu conteúdo em aminoácidos essenciais, e à resistência a doenças, a pragas, a

herbicidas e a condições climatéricas.

No âmbito desta disciplina serão abordados unicamente os grandes princípios da

manipulação do DNA vegetal.

Agrobacterium tumefaciens

Agrobacterium tumefaciens é uma bactéria que infecta um certo número de plantas

causando a formação de tumores, sobretudo no colo das dicotiledóneas. A excrescência, ou

galha, que se desenvolve no colo da planta têm o nome corrente inglês de crown gall (galha

do colo). Esta bactéria vive habitualmente no solo e penetra na planta por uma ferida, em

geral durante um Inverno rigoroso, exercendo o seu poder patogénico nos tecidos que

apresentam lesões provocadas pela geada. O crescimento do tumor, em geral, só se termina

com a morte da planta ou do órgão atingido (Fig. 178.II.). As células destes tumores

assemelham-se fortemente às células cancerosas do tipo animal, tendo adquirido a

propriedade de se multiplicarem de maneira independente e incontrolada.

Em cultura, as células crown gall aglomeram-se formando um calo, isto é, uma massa

não organizada e pouco diferenciada de células, mesmo na ausência de fito-hormonas

(auxina, citoquinina) que são indispensáveis à cultura in vitro de células vegetais normais.

Uma das primeiras contribuições importantes da cultura in vitro dos tecidos vegetais foi

a de demonstrar que as células atingidas de crown gall contêm substâncias específicas que

não existem nas células normais: as opinas, derivadas da arginina.

Por um lado, estes compostos nunca se encontram nas plantas sãs, eles são utilizados

pela bactéria como fonte de carbono e de azoto. Por outro, o carácter tumoral das células de

crown gall é permanente, e independente da presença das bactérias que provocaram o

aparecimento do tumor. Na realidade, o agente tumorígeno na bactéria é um plasmídeo, que

121

funciona integrando uma parte do seu DNA nos cromossomas das células vegetais

hospedeiras e que expressa as funções necessárias para a indução e a metabolização das

opinas.

As células da planta invadida por A. tumefaciens são incapazes de utilizar as opinas. Por

consequência, a infecção bacteriana não só induz um tumor na planta, mas ainda desvia o seu

metabolismo para fabricar aminoácidos que só podem ser consumidos pela bactéria.

À descoberta, nas estirpes patogénicas de A. tumefaciens, dum plasmídeo dum

comprimento nunca antes observado noutro organismo (circular, 200 kbases, + 112 108

daltons, 3 a 5 % do cromossoma bacteriano) (Fig. 179.II.), seguiu-se rapidamente a

demonstração de que era ele que conferia o carácter patogénico à bactéria; daí o seu nome Ti,

indutor de tumor (tumor inducing).

Existem essencialmente dois tipos de plasmídeos Ti, caracterizados pela natureza da

opina que induzem: plasmídeo octopina e plasmídeo nopalina. A bactéria A. tumefaciens só

pode conter um tipo de plasmídeo Ti.

A sequência em bases do DNA dos plasmídeos Ti é pouco conservada, com excepção de

quatro regiões de elevada homologia, das quais uma, como foi demonstrado, se integra no

genoma das células de crown gall. Ela corresponde a um fragmento de Ti, chamado T-DNA

(DNA transferido). É este T-DNA que, integrado no genoma da célula vegetal, confere à

célula, ao expressar-se, o carácter tumoral e a propriedade de sintetizar opinas.

Várias funções foram identificadas e estudadas no plasmídeo Ti. A função Vir de

virulência, responsável pela transferência do T-DNA para a célula vegetal, a função

oncogénica, Onc, responsável pela proliferação tumoral, a função ou as funções que

especificam a síntese das opinas, Ops, e as funções catabólicas (Opc: opine catabolism) que

conferem à estirpe bacteriana a possibilidade de degradar as opinas produzidas pelo tumor.

Convém distinguir bem dois tipos de funções: as funções situadas fora do T-DNA (Vir,

Opc, etc.), que se expressam na bactéria e não são propriamente patogénicas, e as funções

contidas no T-DNA, que se expressam na célula vegetal depois da transferência deste

fragmento (Onc, Ops) (Fig. 180.II.).

A bactéria, em si, não têm efeito patogénico, não secreta toxinas, nem enzimas que

dissolvam as paredes celulares, como outras bactérias fitopatogénicas. A sua acção limita-se

à transferência de um fragmento de DNA, o T-DNA, cuja expressão na célula vegetal é

responsável pela doença. A eliminação, no plasmídeo Ti do segmento correspondente à

função Onc, ou a desactivação, por mutação, dos seus genes, torna a bactéria que o contém

perfeitamente inofensiva, sem no entanto suprimir a propriedade de poder transferir o DNA

para uma célula de planta.

122

Assim que se transfere para a célula vegetal o T-DNA expressa a suas funções. A função

oncogénica (Onc) é responsável pela proliferação celular que conduz ao desenvolvimento do

tumor. Esta proliferação é a consequência da síntese de auxina e de citoquinina, dois factores

fito-hormonais que são em geral necessários para a multiplicação e a diferenciação das

células vegetais. Aqui se encontra a explicação do facto de as células crown gall em cultura

não terem necessidade de fito-hormonas no meio. Estas hormonas determinam, uma, o

aparecimento dos rebentos e, a outra, a formação das raízes. Nas células normais, o equilíbrio

entre auxinas e citoquininas controla a via de diferenciação. Nas células de crown gall estas

duas hormonas são produzidas em grande excesso, mantendo as células num estado

indiferenciado.

As funções Ops estão implicadas na síntese das opinas; não são patogénicas, visto que o

tumor se desenvolve perfeitamente quando elas são desactivadas por mutação e, por outro

lado, a sua expressão na ausência da função Onc é perfeitamente compatível com o

desenvolvimento normal das células ou das plantas que as comportam.

O significado biológico da correlação entre a síntese de opinas nos tumores e a sua

degradação pelas bactérias é fornecido pelo carácter parasitário da bactéria, que realiza uma

manipulação genética natural para criar o seu nicho ecológico, fazendo a planta produzir

substâncias que lhe servem de alimento. De facto, a síntese das opinas constitui um desvio

duma parte da actividade fotossintética da planta em proveito da bactéria (Fig. 181.II.).

O plasmídeo Ti como vector

O processamento e a transferência do T-DNA são mediados por um sistema bacteriano,

que reconhece as sequências flanqueantes de T-DNA, de 23 pb cada. É a região

compreendida entre estes limites que é transferida e se integra no genoma da planta. Foi

demonstrado que nenhum dos genes do T-DNA é necessário para o desenrolar deste processo

e que qualquer gene estrangeiro colocado entre aquelas sequências é transferido com o T-

DNA para a célula vegetal.

Para fazer funcionar, numa célula vegetal, um gene estrangeiro introduzido pelo T-DNA

e pôr em evidência a sua expressão, foi efectuada uma primeira experiência fazendo intervir

o crown gall de tabaco e um gene bacteriano (de E. coli) que confere resistência ao

antibiótico cloranfenicol. Para obter a transcrição do gene na célula do tabaco, o promotor de

E. coli foi substituído por um promotor reconhecido pela polimerase do tabaco, neste caso, o

do gene da nopalina sintetase, proveniente do T-DNA de A. tumefaciens. O gene quimérico

introduzido no plasmídeo Ti expressa, após inoculação duma estirpe de Agrobacterium em

plântulas de tabaco, a actividade de cloranfenicol transacetilase em extractos dos tumores

123

formados. Esta experiência demonstrou, pela primeira vez, que a expressão dum gene

estrangeiro numa célula vegetal era possível.

Neste exemplo, as células transformadas eram tumorais e eram incapazes de regenerar

um indivíduo inteiro. A experiência fundamental seguinte utiliza um T-DNA "desarmado"

dos genes tumorais, para veicular um gene de resistência à canamicina (Fig. 182.II.). O gene

quimérico foi construído associando in vitro a sequência que codifica para a neomicina

fosfotransferase (NPT), que confere a resistência à canamicina, uma sequência promotora e

uma sequência terminadora do gene da nopalina sintetase (NoS) do T-DNA de A.

tumefaciens. O gene assim construído foi introduzido no plasmídeo Ti desarmado das

funções Onc, o qual foi por sua vez integrado em A. tumefaciens. A bactéria é, em seguida,

levada a infectar protoplastas de tabaco (é, geralmente, mais prático infectar células vegetais

em cultura que induzir tumores numa planta inteira). O método consiste em converter células

derivadas de folhas de plantas em protoplastas, (células destituídas de membrana) que são

infectados com A. tumefaciens portador do plasmídeo Ti recombinante e que, em cultura,

regeneram a parede celular e se dividem. Após algumas horas, as bactérias de A. tumefaciens

são mortas adicionando um antibiótico e as células, depois de algumas semanas de cultura em

meio contendo fito-hormonas, formam amontoados celulares, ou calos. Neste momento, o

meio de cultura é substituído por um meio sem hormonas, em presença de um agente

selectivo que permita seleccionar as células que receberam o plasmídeo Ti. Estas sobrevivem,

multiplicam-se e sintetizam opinas. Em certos casos regeneram espontaneamente rebentos e

plantas inteiras.

Algumas devem ser resistentes à canamicina; sendo férteis, a transmissão do carácter de

resistência à descendência pode ser estudada, semeando as sementes resultantes duma auto-

fecundação, num meio contendo canamicina. A observação do comportamento selectivo é

particularmente simples porque a canamicina interfere com o desenvolvimento dos

cloroplastas (lugar de fotossíntese). As plântulas sensíveis aos antibióticos permanecem

brancas. As plantas resistentes possuem a NPT que desactiva a canamicina e assegura o

funcionamento do sistema cloroplástico, apresentam uma cor verde e continuam a

desenvolver-se, enquanto que as plântulas brancas, incapazes de efectuar a fotossíntese,

morrerão. Cerca de um quarto das plântulas não possui o gene de resistência. Esta é a

proporção esperada para a segregação dum gene qualquer segundo as leis de Mendel. O gene

introduzido comporta-se como os próprios genes de planta, fazendo parte do seu património

genético.

O plasmídeo Ti possui duas características ideais para promover a introdução de DNA

heterólogo em células de plantas.

124

1°) A. tumefaciens pode infectar praticamente todas as plantas dicotiledóneas e em

certas condições monocotiledóneas, tais como o trigo e o milho.

2°) O T-DNA integrado nos cromossomas de plantas transmite-se de maneira

mendeliana. Os genes contidos no T-DNA são, ainda, portadores dos seus próprios

promotores aos quais se podem associar genes estrangeiros e que podem dirigir a expressão

destes.

A maneira mais simples de introduzir o T-DNA nas células vegetais consiste em infectá-

las com A. tumefaciens portador do plasmídeo apropriado e deixar agir a natureza. Bastaria,

como vimos, inserir os genes de interesse na região T do plasmídeo Ti. No entanto, isto não é

muito cómodo, devido ao tamanho enorme deste plasmídeo. Com a descoberta da

propriedade, que possuem as funções de virulência, de agir à distância, foram desenvolvidos

sistemas binários de transferência de genes que, como o nome indica, fazem intervir dois

plasmídeos. Um dos plasmídeos é o Ti sem T-DNA. O outro é um pequeno plasmídeo que

serve de vector aos genes a introduzir. Este segundo plasmídeo têm, além disso, a

propriedade de se poder multiplicar, tanto em E. coli, como em A. tumefaciens. Esta

propriedade, assim como a seu tamanho relativamente pequeno, simplifica

consideravelmente as manipulações para a realização de construções de genes a introduzir

nas plantas.

A abordagem utilizada está representada na Fig. 183.II. O T-DNA é primeiramente

excisado do plasmídeo Ti por digestão com enzimas de restrição e, em seguida, é introduzido

num vector de procariota, como o pBR322. O T-DNA clonado pode assim ser amplificado e

isolado. Na etapa seguinte, um gene dado é inserido no T-DNA, sem afectar as funções

essenciais deste DNA. O híbrido é, em seguida, introduzido nas bactérias de A. tumefaciens

contendo o plasmídeo Ti intacto. Por recombinação genética homóloga entre o T-DNA

híbrido e o T-DNA do plasmídeo Ti, obtêm-se plasmídeos Ti completos portadores do T-

DNA híbrido. Alternativamente, basta fornecer um Ti contendo unicamente a região vir, para

assegurar a transformação das plantas; neste caso, deixa de haver recombinação homóloga

mas existe somente complementação de função.

Também é possível transformar protoplastas vegetais com o DNA do plasmídeo Ti

recombinante; este método é, no entanto, muito menos eficaz que o precedente, mas mostra

que a bactéria A. tumefaciens não é essencial para a transformação e o seu papel é só de

facilitar a introdução do plasmídeo Ti nas células.

A regeneração de plantas inteiras e férteis, a partir de células tumorais, não é, como

vimos, geralmente, possível se se utilizar o plasmídeo Ti intacto. No entanto, certos mutantes

Ti contêm eliminações na região T, que suprimem a capacidade para formar tumores mas

125

mantêm a síntese de opinas. As células vegetais transformadas por este plasmídeo Ti mutante

comportam-se, em cultura, como células normais e podem ser regeneradas em plantas férteis.

A título de exemplo, a Fig. 184.II. descreve um sistema de vectores correntemente

utilizado que consiste, por um lado, num vector vaivém do tipo pBR322 e por outro lado,

num vector Ti aceitador não oncogénico. Este vector é excisado dos genes que impedem a

diferenciação das células transformadas (funções responsáveis, como vimos, pela síntese de

fito-hormonas). Os genes removidos do T-DNA são substituídos pelo plasmídeo pBR322. A

extremidade direita do T-DNA residual codifica a enzima nopalina sintetase. Esta actividade

enzimática serve de marcador para a selecção das células transformadas.

O gene heterólogo que se pretende introduzir na planta é, primeiro, clonado no vector

vaivém derivado do pBR322 e, em seguida, inserido no plasmídeo Ti onc-, aceitador, por

recombinação homóloga. Um simples crossing-over conduz à co-integração do vector

vaivém no Ti onc-, entre as regiões flanqueantes do T-DNA. Se um marcador de selecção

apropriado (resistência a um antibiótico) for utilizado no vector vaivém, poder-se-á

seleccionar para este acontecimento de recombinação em A. tumefaciens (pBR322 não se

replica em A. tumefaciens).

Pode-se, por exemplo, introduzir no vector vaivém, o promotor vegetal (NOS) associado

a um gene de resistência à canamicina, nas plantas, seguido das regiões (NOS) que codificam

para o splicing e a poliadenilação dos mensageiros. Por consequência, esta unidade de

transcrição funcionará na planta e permitirá seleccionar para a resistência à canamicina, i. é.,

para os transformantes.

Expressão controlada pela luz e específica de órgão, dum gene de trigo em plantas de tabaco

A transformação das monocotiledóneas com A. tumefaciens não é corrente.

Aparentemente, o processo de transformação pelo plasmídeo Ti falha ao nível do colo. Ora,

uma grande parte dos vegetais de consumo corrente pertencem à família das

monocotiledóneas, tais como os cereais milho, trigo, arroz. É, no entanto, possível expressar

e controlar normalmente genes de monocotiledóneas em plantas dicotiledóneas. A introdução

do gene de trigo que codifica para uma proteína do complexo de assimilação da luz (cab) no

genoma do tabaco, pelo sistema Ti, e a regeneração de plantas inteiras, é um exemplo.

Na primeira etapa, deriva-se do genoma de trigo o DNA genómico que codifica para a

proteína Cab e clona-se num vector vaivém, do tipo pBR322, contendo um sistema de

selecção para procariotas (SpcR / StrR), um sistema de selecção para células vegetais

(NOS/NPTII) (resistência à canamicina), uma região de homologia com o plasmídeo Ti e a

região do T-DNA (Fig. 185.II). Este plasmídeo recombinante é, em seguida, mobilizado na

126

bactéria A. tumefaciens "desarmada", i. é., contendo um Ti Onc-. Os protoplastas de tabaco são

transformados e as células resistentes à canamicina seleccionadas. Após a obtenção de calos,

as plantas completas são regeneradas em condições apropriadas. Pode-se em, seguida,

verificar que o gene cab, integrado nas plantas transgénicas, é expresso e controlado pela luz

de maneira idêntica à da planta de origem. Para isso, expõem-se as plantas transgénicas a

períodos variáveis de iluminação ou de obscuridade, em seguida, extrai-se o RNA

mensageiro das folhas e doseia-se por hibridação com um fragmento de DNA radioactivo

(Northern blotting), derivado do gene cab. Os resultados mostram que o gene cab do trigo se

expressa, pois o RNA mensageiro é detectado correctamente transcrito, processado e

poliadenilado. Além disso, a percentagem do mensageiro cab é claramente função do tempo

de exposição à luz; decresce quando as plantas permanecem na obscuridade e aumenta

quando são iluminadas.

Constata-se, por outro lado, que a síntese do produto codificado pelo gene cab nas

plantas transgénicas é especifico de órgão; encontra-se uma grande quantidade de

mensageiros nas folhas e praticamente nenhum nos caules, raízes e pétalas (Fig. 186.II.).

Estes resultados mostram que o gene cab do trigo é transcrito correctamente e se

expressa selectivamente nas plantas transgénicas e que, portanto, o sistema de transcrição

nuclear das dicotiledóneas reconhece as regiões reguladoras do gene cab derivado duma

monocotiledónea.

Para que este tipo de manipulação apresente um interesse agronómico é preciso

identificar, isolar e clonar genes susceptíveis de melhorar plantas cultivadas. Se os caracteres

tiverem uma base genética complicada isto pode constituir uma tarefa difícil. O rendimento

de produção ou a resistência duma planta ao frio, por exemplo, são provavelmente caracteres

governados por numerosos genes que não serão, sem dúvida, durante bastante tempo, objecto

de manipulações. Em compensação, quando se trata dum gene microbiano ou mesmo dum

gene vegetal, cujo produto (uma enzima ou uma proteína de estrutura) é conhecido e, de

preferência, abundante ou fácil de purificar, o objectivo é mais fácil de atingir: o gene pode

ser isolado, a sua sequência determinada, pode ser manipulado in vitro, sinais apropriados de

expressão podem ser-lhe associados e a introdução numa planta, efectuada nas condições

definidas acima.

Plantas transgénicas

a) Resistência a herbicidas

O milho é naturalmente resistente a uma família de herbicidas, as triazinas. As condições

de produção deste cereal foram altamente melhoradas pela possibilidade de utilizar estes

herbicidas para matar as ervas daninhas nos milheirais. A resistência do milho às triazinas é o

127

resultado duma desintoxicação enzimática da molécula herbicida. O gene responsável por

esta desintoxicação foi recentemente clonado e é de prever que seja introduzido noutras

plantas que, como o soja, estão frequentemente associadas ao milho no afolhamento.

O estudo e a utilização de genes quiméricos que conferem resistência aos herbicidas, são

objecto de importantes projectos industriais. Um dos resultados mais espectaculares foi

obtido pela introdução no tabaco, na batata, no tomate, no colza, na beterraba, por exemplo,

de um gene de resistência a um herbicida não selectivo correntemente utilizado, a

fosfinotricina. O gene que confere a resistência a este herbicida foi isolado a partir de

Streptomyces hygroscopicus. Ele codifica para a fosfinotricina acetiltransferase que acetila os

grupos NH2 livres da fosfinotricina e, consequentemente, impede naturalmente a auto-

toxicidade da fosfinotricina em Streptomyces. As plantas transgénicas sintetizam a enzima

codificada pelo gene transferido e suportam o herbicida pulverizado em doses dez vezes

superiores às normalmente utilizadas na agricultura. As plantas assim manipuladas

transmitem à descendência o gene nelas expresso (Fig. 187.II.C).

As consequências agro-económicas derivadas deste género de manipulação são fáceis de

imaginar. As previsões são, aliás, pouco ecológicas, se elas se traduzirem unicamente pela

generalização da utilização de herbicidas. Em compensação, as perspectivas parecem mais

favoráveis na luta contra insectos nocivos ou contra vírus, fungos ou bactérias.

b) Resistência a insectos

Preparações comerciais de esporos da bactéria Bacillus thuringiensis têm desempenhado

um papel importante no controlo biológico de insectos nos campos. Elas associam uma

elevada toxicidade para com os insectos e uma segurança biológica em relação ao meio

ambiente. B. thuringiensis não afecta todos os insectos e é completamente não tóxico para os

vertebrados. As inclusões cristalinas produzidas durante a esporulação contêm proteínas

insecticidas que afectam o epitélio do tracto intestinal de certos insectos, nomeadamente as

larvas dos lepidópteros. Os cristais dissolvem-se nas condições alcalinas do tracto intestinal

do insecto e libertam proteínas que são processadas proteoliticamente pelas proteases do

insecto, produzindo fragmentos polipeptídicos tóxicos, de massa molecular compreendida

entre 65.000 e 160.000 daltons.

O gene bt2 de B. thuringiensis codifica uma proteína Bt2, que é uma toxina potente para

as larvas de vários lepidópteros, tais como Manducta sexta, que é uma praga da planta do

tabaco. Bt2 é uma protoxina que gera um polipéptido de menor tamanho (60.000), que

conserva ainda uma plena actividade tóxica.

Nas experiências de transformação da planta do tabaco foram utilizados vários genes

quiméricos contendo a sequência completa de bt2, assim como genes excisados.

128

As construções no T-DNA incluem, para além das sequências de bt2, o gene da

neomicina fosfotransferase (neo), marcador de selecção de resistência à canamicina (NPTII),

um promotor constitutivo do gene 2, que dirige a expressão da manopina sintetase no TR

DNA do plasmídeo pTiA6 (Fig. 188.II.) e sinais de terminação e de poliadenilação da

extremidade 3' do gene.

Os plasmídeos resultantes destas construções no T-DNA dos vectores de expressão em

plantas, pGSH160 ou pGSH150 (Fig. 189.II), foram mobilizados em A. tumefaciens, receptor

que contém um plasmídeo Ti octopina (pGV2260), do qual a região T-DNA foi excisada e

substituída por pBR322. Recombinações entre o pGV2260 e o vector de expressão, através

das sequências homólogas de pBR322, produziram plasmídeos Ti contendo as várias

construções incluindo o gene bt2 e seus derivados excisados (Fig. 190.II.).

As plantas de tabaco transgénicas foram obtidas por infecção de discos de folhas de

Nicotiana tabacum. Rebentos resistentes à canamicina foram seleccionados em todas as

experiências de transformação, indicando que os genes fusionados conferem, com efeito,

actividade NPTII às células das plantas transformadas.

As plantas transformadas foram cultivadas individualmente e controladas,

subsequentemente, em relação à resistência à canamicina, testando a sua capacidade para

produzirem calos a partir de discos de folhas em concentrações crescentes de canamicina.

As folhas das plantas transgénicas, que contêm os vários tipos de construção do gene de

B. thuringiensis, foram dadas como alimento às larvas de M. sexta, a fim de avaliar se os

níveis de toxina expressos na planta tinham efeitos insecticidas. Observou-se 75-100 % de

mortalidade das larvas, num quarto das plantas que expressavam a proteína fusionada Bt-

NPT23 mais longa e em dois terços das que expressam a fusão menor Bt-NPT860 (Fig.

190.II). A toxicidade para com os insectos está directamente correlacionada com o nível de

resistência à canamicina. Constatou-se, ainda, que só os genes bt2 incompletos expressam

níveis de proteína fortemente insecticidas nas plantas transgénicas de tabaco, sendo a fusão

de menor comprimento a que produz os maiores níveis de proteína biologicamente activa.

Os resultados de experiências visando a determinação da real eficácia de protecção

contra os estragos causados pelos insectos estão exemplificados nas Fig. 187.II.A e B e

191.II. Eles mostram que é possível proteger plantas transgénicas programadas para

produzirem toxinas contra pragas de origem larvar.

Para verificar se esta propriedade é hereditária a descendência F1 destas plantas

transgénicas foi testada, tanto em relação à resistência à canamicina, como à toxicidade para

com as larvas de M. sexta. A actividade insecticida revelou-se idêntica à observada nas

plantas parentais, confirmando o carácter hereditário da protecção.

129

O exemplo da construção de plantas de tabaco resistentes às larvas de M. sexta, descrito

com certo pormenor, ilustra as potencialidades ofertas pelas manipulações genéticas das

plantas. Outros estudos sobre a protecção contra doenças fúngicas, bacterianas ou virais têm

sido desenvolvidos. Assim, por exemplo, resultados obtidos com o vírus do mosaico do

tomate, o vírus do mosaico da luzerna, o vírus do mosaico do pepino ou o PVX de batata

mostram que, quando um gene codificando uma proteína da cápsula do vírus se expressa nas

plantas transgénicas, estas adquirem uma protecção considerável contra a infecção viral.

c) Resistência a vírus

O princípio de protecção viral de plantas através da inoculação de estirpes atenuadas de

vírus ou de viróides, a fim de impedir a infecção por estirpes mais virulentas, é conhecido dos

agricultores, que o têm aplicado desde há muito tempo. É uma prática que foi utilizada para

reduzir os prejuízos provocados em culturas de tomates, de batatas ou em citrinos, por

exemplo e causados pelos vírus do mosaico do tomate (TMV), pelo viróide fusiforme do

tubérculo e o vírus da tristeza dos citrinos.

Esta prática, denominada protecção cruzada, têm vários inconvenientes e insuficiências,

tais como o risco de mutação da estirpe atenuada numa estirpe mais virulenta, ou o

desenvolvimento duma condição patogénica derivada de uma eventual sinergia entre a estirpe

atenuada do vírus e um outro vírus presente na cultura, que tenha características mais severas

que a causada por cada um dos vírus ou, ainda, o risco de o vírus protector duma planta poder

ser um patógeno severo para outra. A estirpe protectora pode ainda causar um prejuízo

significativo, mesmo reduzido.

Fazer expressar na planta o princípio activo da protecção, inscrito definitivamente no seu

genoma e, consequentemente transmissível hereditariamente, resolveria os problemas

inerentes à protecção cruzada, com a vantagem suplementar de propagar definitivamente às

gerações futuras as características protectoras.

O desenvolvimento da engenharia genética aplicada às plantas permitiu realizar

progressos notáveis, também nesta área. Foi, com efeito, demonstrado que a expressão

constitutiva, numa planta transformada geneticamente, da proteína do invólucro dum vírus,

ou proteína capsídica (CP), assegura a imunização da planta contra a infecção por esse vírus.

Este fenómeno, ainda mal compreendido, parece ser geral e foi posto em evidência em várias

espécies vegetais, tais como a planta do tabaco, a luzerna, o pepino, a batata.

Analisemos em mais detalhe um exemplo de transformação duma variedade de batata

(Russet Burbank), que confere à planta transgénica resultante a resistência dupla aos vírus

PVX e PVY. Estes vírus causam baixas importantes de rendimento de produção da batata,

que podem atingir 80 %, sobretudo o PVY.

130

O PVY possui um RNA único de cerca de 10.000 nucleotídeos de comprimento. Possui

uma pequena proteína (Vpg) ligada covalentemente à sua extremidade 5' e a extremidade 3' é

poliadenilada. O genoma expressa-se na forma de precursor de poli-proteína que é

processada pós-tradução em proteínas singulares. A proteína CP do invólucro é gerada por

clivagem da poli-proteína por uma protease viral. Ao contrário do PVX, que só se transmite

mecanicamente, o PVY é transmitido também por afídeos.

O PVX possui um RNA monocatenário único, de 6.4 kbases, com estrutura chapéu em

5', uma sequência poli A em 3' e cinco fases abertas de leitura. A sua sequência nucleotídica

era conhecida antes da do PVY. Esta foi determinada a partir do cDNA obtido num banco

construído em λgt10, preparado utilizando um iniciador oligo T e escrutinado com um

oligonucleotídeo sintético degenerado. A sequência desta sonda foi deduzida da sequência

dos aminoácidos N-terminais da proteína do invólucro. Os clones de cDNA identificados

com esta sonda foram sub-clonados no mp19 e as suas sequências nucleotídicas

determinadas.

A sequência do RNA da proteína CP de PVY constituída por 801 nucleotídeos é

traduzida em 267 aminoácidos que constituem a proteína. Para expressar o cDNA da CP do

PVY nas plantas transgénicas, a sequência codificante foi alterada por mutagénese dirigida a

fim de criar uma sequência de começo de tradução, no início da sequência codificante, e um

sítio de restrição para clonar o cDNA em vectores de expressão de plantas. Um sítio NcoI foi

criado a montante do codão do aminoácido N-terminal, alanina e um sítio BglII foi

introduzido 11 pares de bases a montante do sítio NcoI (Fig. 192.II.). A criação dum sítio

NcoI introduz um codão de metionina na extremidade N da CP de PVY. O DNA

mutagenizado, comportando 326 pb da sequência não traduzida em 3', foi inserido no vector

pMON906, entre a sequência estimulada do promotor 35S do CaMV (vírus do mosaico da

couve-flor) e a sequência 3' terminal E9 do gene da RuBP carboxilase (pequena subunidade

da ribulose-1,5-bifosfato carboxilase de ervilha -rbcS), dando origem ao vector pMON9892.

A sequência estimulada do promotor 35S do CaMV é uma construção obtida por duplicação

de 250 pb a montante do promotor, as quais actuam como sequências estimuladoras

(enhancers), aumentando de 10 vezes a actividade da transcrição natural do promotor.

A sequência que codifica para a CP do PVX situa-se na região 3' do genoma que é

traduzida, in vivo, a partir dum RNA sub-genómico. A sequência nucleotídica deste gene

comporta 711 pares de bases e codifica para uma proteína de 237 aminoácidos. Para construir

o vector pMON9898 que contém as sequências codificantes da CP de ambos os vírus, o gene

da proteína do invólucro de PVX foi removido do vector 9809 e ligado no pMON893 que é

um derivado do pMON200, que contém a extremidade 3' da proteína de reserva 7S do soja e

é desprovido do gene da nopalina sintetase. Um fragmento HindIII de DNA, que contém o

131

promotor estimulado 35S do CaMV, o gene da CP do PVY e a extremidade 3' da rbcS E9, foi

excisado de pMON9892 e ligado ao pMON9896. O vector resultante, pMON9898, foi

utilizado para transformar a batata Russet Burbank, recorrendo a um sistema de

transformação mediado por A. tumefaciens cujo princípio descrevemos acima.

A Fig. 193.II. mostra os resultados das análises, por Northern blotting, dos transcritos de

PVX e de PVY obtidos por purificação do RNA total extraído de folhas de plantas

transgénicas e a Fig. 194.II., as análises, por Western blotting, da expressão das CP de PVX e

de PVY separadas da mistura de proteínas extraídas das folhas das mesmas plantas. Os níveis

de expressão das proteínas de invólucro de PVX e de PVY situam-se entre 0.05-0.2 % e 0.01-

0.05 % do total das proteínas das folhas, respectivamente.

Estas proteínas exogénicas asseguram a protecção das plantas transgénicas contra as

infecções por PVX e por PVY. Foi, com efeito, demonstrado em experiências de challenge

nas quais, concentrações crescentes de vírus foram inoculadas em folhas de batata, que as

plantas transgénicas possuem uma excelente resistência à infecção (Fig. 195.II).

No entanto, a maior parte das linhagens transgénicas é sensível à infecção simultânea

pelos dois vírus, o que confirma observações anteriores de que a infecção mista da batata, por

PVX e PVY, causa um acréscimo sinergético da severidade da doença. Só uma linhagem se

revelou resistente à infecção simultânea pelos dois tipos de vírus, tanto por via mecânica,

como por intermédio de afídeos. Não parece existir correlação entre o nível de expressão das

proteínas do invólucro e a capacidade de resistência. Esta observação sugere que factores,

tais como expressão específica de um tipo de tecido ou de célula, ou a localização sub-celular

da CP, podem ser importantes para determinar o nível de resistência.

Como foi demonstrado com outros exemplos, que as características de resistência viral

são herdadas de maneira estável através de várias gerações, esta abordagem poderá ter um

desenvolvimento geral importante na construção de plantas transgénicas resistentes a vírus.

Qual é o princípio que preside a este fenómeno de resistência concedida pela expressão

nos tecidos das plantas, da proteína do invólucro viral?. Uma das hipóteses avançada para

explicar a protecção mediada pela CP afirma que o despojamento do invólucro do vírus é

impedido pela proteína do invólucro. Algumas observações, demonstrando a perda da

resistência à infecção por inoculação do RNA viral, são compatíveis com este mecanismo

mas não excluem outras hipóteses, tais como o impedimento pela CP da penetração do vírus,

ou a possibilidade de que, o impedimento do vírus perder o invólucro diminua a sua

capacidade de disseminação de célula em célula, no caso da deslocação se fazer na forma de

virião.

132

Observações feitas com outros tipos de vírus levaram no entanto a resultados opostos,

tendo sido posta em evidência a protecção contra a infecção pelo RNA. Pode-se, neste caso,

fazer a suposição de que a CP se liga ao RNA do vírus impedindo a tradução da replicase ou

interferindo com a replicação. É, pois, provável, que os mecanismos de protecção variem

com o tipo de vírus.

d) Produtoras de péptidos

Um dos resultados mais espectaculares obtidos com a construção de plantas transgénicas

demonstra a possibilidade de fazer produzir péptídos de aplicação farmacêutica por sementes.

A experiência diz respeito ao neuropéptido Leu-encefalina, pentapéptido de sequência

TyrGlyGlyPheLeu, detentor de actividade opiácea. A estratégia adoptada consiste em

substituir uma parte do gene da proteína de reserva albumina 2S de Arabidopsis thaliana,

pelos codões correspondentes à Leu-encefalina, numa região menos conservada entre as

diferentes espécies, a fim de tirar partido da presença abundante das albuminas 2S (de 20 % a

60 % do total das proteínas de sementes em várias espécies), para explorar a possibilidade de

produzir quantidades grandes de péptidos na forma de proteínas quiméricas de reserva de

plantas.

A região escolhida de inserção na albumina 2S é bastante variável em comprimento e

sequência, portanto, pouco susceptível de afectar a estrutura secundária e a estabilidade da

proteína. A substituição foi realizada de maneira a fazer corresponder os resíduos 35-41 da

proteína resultante à encefalina flanqueada por resíduos lisina, necessários para realizar a

clivagem do péptido do restante da albumina 2S.

A construção do gene híbrido foi efectuada substituindo parte do gene da 2S, clonado

num plasmídeo, por mutagénese dirigida utilizando um oligonucleotídeo sintético. A

construção final do gene quimérico no vector T-DNA, utilizado para transformar a planta,

compreende, nomeadamente, o gene quimérico, os genes neo e hph, marcadores de selecção

de resistência à canamicina e à higromicina, as extremidades 3' do gene da octopina sintetase

e do gene 7 do T-DNA, o promotor bi-direccional, PTR, do T-DNA (Fig. 196.II.). O

plasmídeo pGSATE1, construído, foi mobilizado em A. tumefaciens e as plantas transgénicas

Arabidopsis foram obtidas por infecção em disco de folha e selecção, subsequente, com

canamicina. As sementes obtidas a partir das plantas regeneradas foram germinadas em

presença de canamicina. A proteína foi extraída a partir das sementes provenientes desta

segunda geração, purificada e tratada enzimaticamente para extrair a Leu-encefalina. O

rendimento obtido com este exemplo é de 200 nmol/g de semente.

133

As plantas monocotiledóneas

Até há pouco tempo pensava-se que só a classe das dicotiledóneas podia ser

transformada por A. tumefaciens, sendo as monocotiledóneas resistentes ao crown gall.

Mostrou-se, no entanto, que esta limitação não é absoluta, pois certas monocotiledóneas, como

o espargo ou o narciso, são permeáveis à transformação por A. tumefaciens. No que respeita

aos cereais, começou a poder-se realizar transformações sem recorrer a A. tumefaciens,

adicionando o DNA não integrado num organismo ao meio de cultura de protoplastas de

cereais. Células transformadas em cultura, resistentes à canamicina, podem ser assim obtidas.

O método utilizado, ao começo, com as dicotiledóneas, consiste em fazer penetrar o DNA

purificado nos protoplastas. Diferentes técnicas têm sido utilizadas, entre as quais a

electroporação parece particularmente eficaz.

O princípio consiste em submeter os protoplastas a uma forte descarga eléctrica de curta

duração, que cria na membrana poros minúsculos, pelos quais o DNA pode penetrar. Para

além da electroporação, outros métodos, que não são limitados pela espécie vegetal, e que

podem ser utilizados com tecidos de plantas de raízes, caules ou folhas, são por exemplo a

micro-injecção, o bombardeamento com microprojécteis e a precipitação com o fosfato de

cálcio.

Por outro lado, o número de espécies susceptíveis de serem regeneradas com sucesso, a

partir de células em cultura, aumenta constantemente graças aos progressos da cultura in

vitro. Ao mesmo tempo desenvolvem-se as técnicas que permitem transformar, tanto células

sexuais, como os tecidos embrionários que são normalmente programados para regenerar um

indivíduo completo.

Em paralelo com as aplicações de finalidades mais imediatas, a investigação

fundamental continua a desenvolver-se, tendo por objectivo a compreensão dos mecanismos

que regulam a expressão dos genes. Estes mecanismos, ainda pouco conhecidos, controlam

propriedades importantes, como a síntese de um pigmento, a de uma proteína de reserva na

semente, ou o desenvolvimento dos tecidos ou dos órgãos.

É evidente que, compreender estes mecanismos significa adquirir os meios para

manipular as propriedades que deles emanam.

134

11. O DNA RECOMBINANTE E O DIAGNÓSTICO EM MEDICINA

A tecnologia do DNA recombinante têm também aplicações importantes no campo do

diagnóstico. O princípio geral que preside a esta nova metodologia do diagnóstico é a

detecção de sequências, de fragmentos de DNA resultantes de rearranjos ou de mutações, de

uma maneira geral (inserções, substituições ou eliminações), responsáveis por anomalias

genéticas, ou a detecção, em tecidos ou em fluídos biológicos, de sequências típicas do

genoma de organismos infecciosos de origem viral, bacteriana, fungal ou de parasitas.

Existem pelo menos três categorias de alterações genéticas: cromossómicas,

monogénicas e multifactoriais.

a. ALTERAÇÕES CROMOSSÓMICAS

A maioria dos defeitos cromossómicos é incompatível com a vida, asserção que é

confirmada pela observação da correlação, que excede 50 %, entre a frequência deste tipo de

anomalias e o número de abortos espontâneos ocorridos no primeiro trimestre da gravidez.

Alguns tipos de defeitos cromossómicos menos deletérios, são caracterizados por

aberrações numéricas dos autossomas ou dos cromossomas sexuais e resultam de falhas de

disjunção durante a divisão meiótica. Pertencem a esta categoria de anomalias a síndrome de

Down (trisomia 21), a síndrome de Klinefelter (47, XXY) e a síndrome de Turner (45, XO).

Os pacientes com o cariótipo XXY são fenotipicamente machos, apresentando digénese

testicular e infertilidade. Os indivíduos com o cariótipo XO são fêmeas estéreis deficientes no

seu desenvolvimento sexual secundário.

Uma outra forma de anomalias cromossómicas observadas em certas doenças são as

translocações: durante o fenómeno natural de translocação recíproca, os segmentos de dois

cromossomas diferentes permutam. Bastante frequente no homem, este fenómeno manifesta-

se por uma percentagem elevada de abortos e anomalias congénitas. Foram registadas mais

de 300 translocações recíprocas no homem e as células dos indivíduos afectados existem em

colecção. Várias leucémias e linfomas estão associados a este género de ocorrência. Um

exemplo é a leucémia mielogénica crónica, resultante da translocação do braço comprido do

cromossoma 22 para o braço comprido do cromossoma 9. Esta anomalia estrutural é

conhecida por cromossoma de Filadélfia.

Em certos casos, parece existir uma relação directa, entre uma translocação

cromossómica específica e um carácter maligno. A hipótese supõe que a translocação leva ao

deslocamento de oncogenes não expressos de um cromossoma dado para locais de um outro

cromossoma, onde eles seriam activados e expressos. Esta hipótese foi confirmada com um

135

linfoma humano, o linfoma de Burkitt, que conduz ao desenvolvimento de tumores dos

linfócitos B. O gene c-myc, não expresso em situação normal, é transposto do seu sítio

normal, o cromossoma 8, para uma região de cromossoma 14 que codifica para as cadeias

pesadas das imunoglobulinas (Fig. 197.II.). Nas células B tumorais, a região do DNA que

codifica para as cadeias pesadas das imunoglobulinas está sujeita a recombinações

frequentes. É bastante provável que uma recombinação aberrante, ocorrendo com baixa

frequência, leve à colocação dum promotor activo das cadeias pesadas a montante do gene c-

myc e conduza à sua expressão e à transformação maligna.

b. CARTOGRAFIA DOS CROMOSSOMAS HUMANOS

A obtenção de cartas genéticas detalhadas de cada cromossoma humano poderá em breve

fornecer um instrumento essencial para o diagnóstico das doenças genéticas. Vários genes

foram localizados em cromossomas humanos utilizando a genética mendeliana clássica.

Depois do aparecimento das técnicas de fusão celular entre espécies diferentes e das técnicas

de DNA recombinante, o estabelecimento de cartas genéticas ao nível dos cromossomas

acelerou-se consideravelmente.

Existem actualmente vários métodos que permitem fusionar células humanas em cultura

com células de outras espécies. Por outro lado, é possível transferir em células humanas e

animais, em cultura, fragmentos de DNA do tamanho dum cromossoma ou limitados a um

gene particular. A exploração destes métodos de trocas genéticas artificiais permite

posicionar um gene humano num cromossoma particular ou num fragmento de cromossoma

particular.

Quando se fusionam células humanas com células de rato, os híbridos resultantes

sobrevivem e dividem-se mas perdem, no entanto, progressivamente, os cromossomas

humanos. É possível correlacionar a presença duma proteína humana, com base em testes que

recorrem à expressão do gene nas células híbridas, com a presença dum cromossoma humano

particular (Fig. 198.II.).

Na realidade, este método sofre dum condicionamento importante, visto ser necessário

dosear uma actividade enzimática ou proceder a uma identificação imunológica para

identificar o produto do gene que se quer mapear. Ele foi, no entanto, amplamente utilizado e

permitiu localizar mais de 100 genes humanos em diferentes cromossomas. Quando um gene

foi cartografado num cromossoma dado, qualquer outro gene ligado geneticamente ao

primeiro (com base em estudos genealógicos) pode ser igualmente atribuído a esse

cromossoma.

A combinação dos métodos de fusão celular e das técnicas de DNA recombinante

oferece possibilidades bem mais amplas, pois é baseada na utilização dum gene ou dum

136

fragmento de DNA clonado, como sonda, para procurar sequências homólogas nas células

híbridas. Neste caso, deixa de haver dependência em relação à expressão do gene. O primeiro

exemplo deste tipo de abordagem é a localização do gene da globina ß no cromossoma 11

(Fig. 199.II.). Depois deste primeiro sucesso, numerosos outros genes humanos foram

atribuídos por este método a um ou outro cromossoma (Fig. 200.II., Tabela 10.II.).

Depois de atribuir um gene a um cromossoma, é necessário posicioná-lo em relação a

outros genes situados no mesmo cromossoma. Em genética clássica, a localização determina-

se pela medida das frequências de recombinação, durante a meiose, entre pares ou grupos de

genes. Quanto mais próximos estiverem dois genes, menor é a frequência com que eles se

recombinam. Em genética das células somáticas recorre-se a outros métodos tais como a

indução de eliminações, de translocações recíprocas ou de fragmentação de cromossoma.

Assinalámos, mais acima, a existência das translocações recíprocas espontâneas e a

correlação estabelecida entre este fenómeno e o aparecimento dum carácter maligno

veiculado por um oncogene, posicionado em situação propícia para ser activamente expresso.

A posição das translocações recíprocas pode ser identificada devido à alteração observável ao

microscópio, provocada na distribuição das bandas dos cromossomas, corados por um

processo apropriado. É, assim, possível atribuir um gene a um fragmento particular dum

cromossoma (Fig. 201.II.). O exemplo ilustrado na figura refere-se ao posicionamento do

gene da insulina na parte distal do segmento curto do cromossoma 11.

Alternativamente, pode-se induzir uma fragmentação aleatória dos cromossomas nas

células somáticas por irradiação aos raios X e, em seguida, fusionar estas células com células

receptoras, acompanhando, no híbrido celular, a retenção de dois genes mapeados

previamente num mesmo cromossoma (mede-se, neste caso, uma actividade enzimática típica

destes dois genes). Quanto mais próximos estiverem estes genes no cromossoma, mais

frequentemente permanecerão retidos juntos nos híbridos, visto estarem situados no mesmo

fragmento (Fig. 202.II.). No exemplo da figura foi demonstrado que os genes humanos tk e

gk estão separados por cerca de 1,2 106 pares de bases no cromossoma X.

A cartografia fina dos genes num cromossoma dado pode ser estabelecida directamente,

in situ. Para isso, utiliza-se um DNA radioactivo clonado, para marcar, por hibridação, a

posição dum gene num cromossoma. Praticamente, é preciso bloquear as células humanas no

estado mitótico, de maneira a que cada cromossoma da célula seja claramente identificável

por microscopia. O DNA clonado radioactivo é então hibridado in situ com os cromossomas

e a posição do gene é determinada por autorradiografia e por quantificação da granulometria

da autorradiografia. A localização faz-se em relação a um cliché dos cromossomas expostos

em série e corados. O exemplo da Fig. 203.II. ilustra a atribuição dos genes do interferão α

ao cromossoma 9.

137

Graças ao desenvolvimento das técnicas de DNA-recombinante, nomeadamente de

sequenciação, foi possível , recentemente, concluir a sequenciação total do genoma humano o

que permitirá, em breve obter uma carta genética detalhada completa de cada cromossoma

c. MAPEAMENTO DO GENOMA HUMANO POR RFLP

A organização estrutural dos genes em genomas de grande comprimento, como o

humano, pode ser elucidado utilizando o polimorfismo dos fragmentos de restrição

(Restriction Fragment Length Polymorphisms - RFLP). O polimorfismo é um fenómeno

conhecido há bastante tempo na área das proteínas, sendo um dos exemplos mais conhecidos

o dos grupos sanguíneos de histocompatibilidade. Quando existem modificações ligeiras na

estrutura primária de proteínas originárias de diferentes indivíduos da mesma espécie, que

têm funções e localizações cromossómicas idênticas, estas proteínas apresentam um carácter

polimórfico. As diferenças nas estruturas primárias das proteínas manifestam-se no nível do

DNA e podem ocasionalmente originar novos locais de restrição.

A Fig. 204.II. esquematiza duas moléculas de DNA diferentes, codificando para um

mesmo gene hipotético X, flanqueado por locais de clivagem para as enzimas A e B. Os dois

alelos são idênticos em relação à posição dos locais de clivagem da enzima A, mas diferem

em relação à posição dos locais de clivagem da enzima B. O padrão de separação por

electroforese dos fragmentos de DNA, observado após hibridação com uma sonda do gene X,

marcada radioactivamente, mostra uma banda quando a enzima A é utilizada para clivar o

DNA celular e duas bandas com a enzima B. No segundo caso, as duas bandas diferem no

comprimento e correspondem a duas formas alélicas diferentes. O gene X é dito polimórfico

em relação ao local alvo da enzima B. Na maioria dos casos, estes polimorfismos, também

chamados variações alélicas, são causados por simples substituições de bases que destroem

ou criam um local de restrição, mas, ocasionalmente, os RFLPs podem ser ocasionados por

eliminações ou inserções.

Os polimorfismos de DNA possuem um certo número de vantagens para o mapeamento

do genoma. O número de marcadores conhecidos de DNA excede o das proteínas e além

disso a sequência de DNA não necessita de expressar obrigatoriamente uma proteína para ser

identificada por locais de clivagem polimórficos. Os polimorfismos de DNA podem,

evidentemente, ocorrer em qualquer sequência de DNA e em particular em intrões.

Se os marcadores de polimorfismo estão muito próximos dum gene, isto é, são herdados

juntos, o RFLP pode também ser utilizado para mapear genes e portanto para caracterizar

anomalias genéticas, mesmo quando o gene em questão é completamente desconhecido.

A Fig. 205.II. mostra dois marcadores de polimorfismo, A e B, localizados perto dum

gene. Neste exemplo, o alelo normal está situado no cromossoma do macho e o alelo mutado

138

no da fêmea. A mãe é heterozigótica e o pai homozigótico em relação à variante normal.

Segundo as regras de Mendel, estes quatro alelos (dois paternos e dois maternos) dão origem

a quatro combinações possíveis na descendência. Se o marcador A e o gene defeituoso estão

a curta distância um do outro, serão co-transmitidos, isto é, todos os filhos que herdarem o

defeito genético herdam igualmente o alelo A do marcador. A presença do marcador de

polimorfismo A não implica forçosamente a presença da anomalia genética. Esta correlação

só se aplica a situações em que o gene e o marcador de polimorfismo estão situados muito

perto um do outro. Se estão bastante separados, podem-se realizar recombinações com mais

frequência relativa, colocando o gene defeituoso no cromossoma que contém o marcador B.

A probabilidade de existirem trocas genéticas aumenta com a distância entre o marcador e o

gene em questão. Quanto mais perto estiverem os marcadores mais conclusivas serão as

correlações observadas.

É, portanto, possível seguir a transmissão de qualquer marcador de polimorfismo por

análise genealógica e correlacionar a sua presença com a expressão fenotípica dum defeito

genético, se o marcador estiver situado suficientemente perto do gene mutado.

Na prática, o DNA dum grande número de indivíduos, pertencentes a uma linhagem, é

clivado com uma enzima de restrição que reconhece um polimorfismo na região da sonda de

DNA que será utilizada ulteriormente. Serão obtidos aproximadamente um milhão de

fragmentos diferentes de DNA, que podem ser separados por electroforese em gel de agarose

e submetidos a análise por Southern blotting. Várias centenas de sondas RFLP foram já

identificadas e utilizadas para mapeamento.

d. ANOMALIAS MONOGÉNICAS E MULTIFACTORIAIS

As anomalias monogénicas são causadas por mutações em genes únicos. As suas

características mendelianas de transmissão hereditária são autossómicas dominantes,

autossómicas recessivas ou ligadas ao cromossoma X. As aberrações autossómicas

dominantes manifestam-se mesmo quando um só dos dois alelos dum gene particular é

afectado. No caso das doenças autossómicas recessivas, pelo contrário, é necessário que

ambos os alelos dum gene sejam afectados, para haver manifestação clínica de doença. Os

efeitos das anomalias ligadas ao cromossoma X são diferentes nas fêmeas e nos machos,

visto estes últimos possuírem um só cromossoma X. Uma fêmea com dois cromossomas X,

pode ser homozigótica ou heterozigótica em relação a um gene mutado, ligado ao X, e a

expressão pode ser dominante ou recessiva. Qualquer que seja o modo de expressão nas

fêmeas, um carácter ligado ao X será sempre expresso de maneira dominante nos machos

(que possuam um só cromossoma X).

139

Cerca de 1400 doenças genéticas conhecidas são causadas por mutações em genes

únicos. Em geral, a prevalência é fraca (como ilustrado nos exemplos da Tabela 11.II.), se

bem que correspondam de 5 % a 10 % de todos os casos registados em pediatria. As lesões

bioquímicas de mais de 250 destas doenças são conhecidas. Elas afectam sobretudo enzimas,

mas existe igualmente uma variedade de outras proteínas implicadas, tais como factores de

coagulação do sangue, proteínas de transporte, hormonas peptídicas, receptores.

As doenças monogénicas podem não ser herdadas, mas serem antes o resultado de uma

nova mutação no indivíduo afectado. A frequência da ocorrência deste género de mutações

foi calculada como sendo de 5 x 10-6 mutação por gene e por geração. Aproximadamente um

em cada 100.000 recém-nascidos deveria, portanto, possuir uma nova mutação num qualquer

locus genético. Mas, visto que muitas destas mutações são ou recessivas, ou geneticamente

silenciosas, porque não afectam a função da proteína correspondente, as novas mutações com

manifestação clínica devem ser extremamente raras. Pensa-se, por exemplo, que todos os

casos de Huntington's chorea (várias dezenas de milhar) tiveram origem num pequeno

número de indivíduos afectados (provavelmente com mutações independentes), que puderam

ser rasteados até ao século XVIII.

Casos assinalados de doenças genéticas aparecendo subitamente na descendência de pais

não afectados podem-se explicar, na maioria dos casos, mais provavelmente, por paternidade

extra-conjugal do que por aquisição duma nova mutação.

Nas perturbações multifactorias estão incluídas uma grande variedade de doenças, tais

como o cancro, diabetes mellitus, hipertensão etc. A predisposição para ser afectado por este

tipo de doenças parece ser geneticamente transmissível. São enfermidades poligénicas; visto

que o número de genes implicados é frequentemente desconhecido, o risco individual é difícil

de avaliar. Contudo, este risco é, em geral, consideravelmente menor (1 a 5 %) que o de

aquisição de doenças monogenéticas a partir de pais afectados (25 % ou 50 %), porque é

necessário que vários genes sejam simultaneamente afectados. Só algumas destas

predisposições podem ser actualmente diagnosticadas.

Entre o pequeno número de loci associados de maneira relevante com predisposições

para várias doenças figuram os do complexo de histocompatibilidade, HLA (Human

Leukocyte Antigen). Consiste em quatro loci genéticos distintos comportando, cada um,

alelos múltiplos que codificam para proteínas diferentes. Um conjunto particular é, por

exemplo, o HLA-B27, associado com um maior risco de contrair a espondilite ancilosante. O

risco de contrair esta doença grave é 90 vezes mais elevado para os indivíduos HLA-B27

positivos do que para os HLA-B27 negativos. Se bem que esta predisposição possa ser

diagnosticada, não existe terapia para a doença, propriamente dita, devido à sua natureza

genética multifactorial.

140

e. O DIAGNÓSTICO DE DEFEITOS GENÉTICOS

O diagnóstico e a prevenção de doenças genéticas podem ser realizados a diferentes

níveis. Se a base molecular de um defeito genético não for conhecida, os dados disponíveis

só podem servir para avaliar estatisticamente o risco de vir a ter uma criança com a doença

familiar.

Um conhecimento profundo da doença ao nível molecular, conjugado com técnicas

apropriadas de detecção do defeito molecular, permite pelo contrário, identificar de maneira

segura uma lesão num dado indivíduo. Isto pode ser realizado ao nível das proteínas,

analisando, por exemplo, espécimes de sangue fetal. As técnicas de clonagem permitem

actualmente a detecção dum defeito genético até ao nível do gene. Como estas análises

podem ser efectuadas com quantidades ínfimas de tecidos, obtidas, por exemplo, por

amniocentese ou biopsia coriónica, as doenças genéticas podem ser diagnosticadas numa fase

muito precoce da gravidez (Fig. 206.II.). Em função do resultado dos testes, a interrupção

voluntária da gravidez pode ser realizada com um mínimo de risco.

Se um defeito genético que se pretende diagnosticar conduz à não expressão do gene,

será evidentemente impossível detectar o produto deste. A identificação duma proteína

mutada não permite definir a natureza da mutação dum gene, não indica se o defeito afecta

um sinal de regulação, ou o transporte duma proteína, ou a sequência codificante.

1) RFLP (Restriction Fragment Length Polymorphism)

Os RFLPs são particularmente úteis para identificar defeitos genéticos no homem e

podem ser aplicados com fins de diagnóstico, contanto que as alterações no DNA implicado

não ocorram várias vezes e que estejam associadas unicamente a genes únicos. A maioria dos

RFLPs conhecidos ocorreram ao acaso e não têm relação com os genes vizinhos.

Um exemplo importante da aplicação desta metodologia é a detecção dum marcador da

Huntington's chorea, doença caracterizada pela degenerescência irreversível das células

nervosas, que ocorre com uma frequência de 1 em 10.000 indivíduos. O DNA proveniente de

duas linhagens genealógicas portadoras desta anomalia genética foi analisado por hibridação

de sondas radioactivas com fragmentos de restrição originados por clivagem em locais

polimórficos (chamados marcadores polimórficos) conhecidos, sem se saber à partida se um

qualquer destes marcadores polimórficos se situava na vizinhança do gene de Huntington e

segregava com ele.

Observou-se, no entanto, que uma das sondas reconhecia um polimorfismo que obedecia

àquelas condições, causado por dois locais HindIII, cuja presença ou ausência dá origem ao

padrão de hibridação representado na Fig. 207.II. A presença ou a ausência do primeiro local

HindIII cria fragmentos de comprimento de 15 ou 17.5 kb, respectivamente, enquanto que a

141

presença ou ausência do segundo local HindIII gera fragmentos de 3.7 e de 4.9 kb,

respectivamente. Existem, portanto, 4 padrões de fragmentação possíveis, chamados

haplotipos A, B, C e D. Como há sempre dois alelos num gene dado duma célula somática,

os quatro haplotipos geram dez combinações duplas diferentes.

A frequência destas combinações duplas numa população normal é variável. A análise da

árvore, representada na Fig. 208.II, revelou que o haplotipo C (presença dos dois locais

HindIII) segrega sempre com a doença. Como este haplotipo também ocorre na população

normal, a única conclusão plausível é que um membro da família, que não herdou o haplotipo

C dos pais, tem uma grande probabilidade de não ser afectado pela doença; por outro lado,

um indivíduo com o haplotipo C não poderá ter a certeza de que a doença se manifestará. Só

aproximadamente 25 % da população normal tem o haplotipo C; portanto, a probabilidade de

um indivíduo de haplotipo C, pertencente a uma família de risco, desenvolver a doença é

bastante alta.

Destas observações pode-se tirar a conclusão de que predições conclusivas só podem ser

feitas após uma análise genealógica. Como o haplotipo C também ocorre na população

normal, o facto de ser identificado num indivíduo pertencente a uma família sem

predisposição, não têm grande sentido.

A associação observada entre o locus marcador G8 e a doença não significa que o gene

responsável pela doença tenha sido identificado. Foi observado um único recombinante na

árvore genealógica analisada, que provém duma translocação do gene de Huntington para um

cromossoma de haplotipo A. A partir desta ocorrência única, conclui-se que a distância entre

o gene responsável pela doença e o marcador é de ordem de pelo menos 2000 kb.

As aplicações do RFLP não se restringem ao mapeamento de defeitos genéticos mas

intervêm também, como vimos, na construção dum mapa genético de cromossomas humanos.

A descoberta dos RFLPs e a generalização das suas aplicações têm consequências práticas

importantes. A determinação do polimorfismo de dadores de orgãos para transplantações,

realizada actualmente por técnicas serológicas, poderá ser ultrapassada por determinações

mais rigorosas e rápidas de polimorfismos de DNA. Será, também, possível detectar

correlações entre a predisposição de alguns indivíduos para certas doenças e a sua

constituição genética.

2) Diagnóstico de mutações identificadas

Se o gene responsável duma dada doença genética estiver identificado pode-se, a partir

dum clone correspondente ao gene normal, determinar a sua sequência nucleotídica e

estabelecer uma carta de restrição detalhada. Por outro lado, o gene normal pode ser utilizado

como sonda para identificar e isolar o gene correspondente, presente no DNA das células

142

fetais. Comparando as sequências e as cartas de restrição é possível identificar as mutações

que afectam o gene fetal.

O exemplo mais estudado é o das ß-talassemias.

ß-talassemias

As pertubações genéticas da síntese de hemoglobina, chamadas talassemias, foram

estudadas em detalhe ao nível do DNA. As hemoglobinas humanas são codificadas por duas

séries de genes: os genes de tipo α, localizados no cromossoma 10 e os genes de tipo ß,

localizados no cromossoma 11 (Fig. 209.II.) Estas regiões foram clonadas e sequenciadas.

A hemoglobina normal dum indivíduo adulto é constituída por duas cadeias α e duas

cadeias ß. As talassemias são patalogias caracterizadas pela ausência total ou parcial de

síntese de um tipo de globina. O resultado é um desequilíbrio entre as cadeias α e ß e uma

anemia, mais ou menos pronunciada, segundo o tipo de talassemia. Estes estados têm origem

numa deficiência de transcrição do DNA, ou num defeito de maturação do RNA, ou numa

instabilidade do RNA ou, ainda, numa incorrecção na tradução do RNA. Estes defeitos

podem resultar de mutações pontuais que conduzem a um desfasamento da tradução ou ao

aparecimento prematuro de sinais de fim de cadeia ou, ainda, derivar de eliminações do gene,

no seu todo ou parciais.

As ß-talassemias homozigóticas são caracterizadas por anemias bastante severas e

ausência total ou quase total de globina ß. A doença é fatal nos primeiros anos de vida porque

as cadeias de globina ß só são activas depois do nascimento. Normalmente, o feto não é

afectado porque utiliza as cadeias de globina γ fetais. Em certos casos, os indivíduos

talassémicos adultos (privados de globina ß) podem permanecer de boa saúde porque

conservam uma percentagem de hemoglobina fetal elevada (persistência hereditária de

hemoglobina fetal).

a) Mutações sem sentido e frame shift (Tabela 12.II)

A ß-talassemia, caracterizada pela ausência total da síntese da globina ß, resulta duma

mutação pontual no codão correspondente ao aminoácido 17 ou no correspondente ao

aminoácido 39. Nos dois casos, a mutação dá origem a um codão sem sentido. Para além de

serem intraduzíveis, os RNA mensageiros correspondentes são muito instáveis in vivo.

Outras talassemias de tipo ß resultam de eliminações ou de inserções na sequência que

codifica para a globina ß; o resultado é uma deslocação da fase de leitura do RNA

mensageiro.

143

b) Mutações que afectam a transcrição

Num dos casos, uma substituição do nucleotídeo em posição -87 em relação ao local de

chapéu do mensageiro conduz a uma percentagem muito fraca de mensageiro de ß globina;

no segundo caso, uma mutação na TATA box em posição -30 bloqueia a iniciação da

transcrição.

c) Mutações que afectam a maturação do RNA

Um certo número de talassemias resultam dum splicing anormal dos transcritos primários

da ß globina.

O gene ß contém dois intrões cujo splicing é necessário para a maturação do mensageiro

(Fig. 210.II.).

Nestes tipos de talassemias, a sequência GT que se encontra sempre presente em 5' da

junção do splicing é mutada em AT, no primeiro ou no segundo intrão. O splicing correcto

não se realiza; no seu lugar são utilizadas outras sequências semelhantes à normalmente

implicada no splicing. O resultado é um RNA mensageiro intraduzível e de estrutura

incorrecta.

Por outro lado, certas talassemias resultam de mutações no interior de um intrão, que

criam uma sequência de splicing 3' (aceitador) que entra em competição com a sequência

natural e provoca um splicing incorrecto.

Outras mutações aparecem na região codificante do gene e criam locais de splicing do

tipo 5' que entram em competição com o local normal. O resultado é, evidentemente, mais

uma vez, a formação de RNAs mensageiros que não podem ser traduzidos correctamente.

O diagnóstico pré-natal das talassemias pode ser, actualmente, efectuado por análise de

Southern blotting do DNA amniótico. Um padrão anormal de fragmentos de DNA aparece

quando genes de globina são suprimidos, como no caso de α-talassemia. A detecção pré-natal

da ß-talassemia é mais complexa, porque muitas mutações diferentes podem dar origem à

síntese da cadeia de ß-globina defeituosa. Algumas mutações alteram os locais de

reconhecimento de enzimas de restrição, directamente, e podem ser detectadas por análise de

restrição (vd. exemplo da anemia falciforme mais adiante), outras não. Para fazer um

diagnóstico, nestes casos, pode-se recorrer à identificação dos cromossomas que contêm as

mutações talassémicas, estabelecendo relações com locais de restrição polimórficos que se

situam ao longo do cluster do gene da ß-globina (vd. mais acima RFLP). Foi, no entanto,

desenvolvida uma abordagem mais directa que recorre à detecção de mutações pontuais que

provocam ß-talassemias, por hibridação com oligonucleotídeos sintéticos.

144

d) Utilização dos oligonucleotídeos sintéticos

Uma das aplicações mais interessantes dos oligonucleotídeos sintéticos de sequência

definida é a sua utilização como sondas para diagnosticar doenças genéticas em fase pré-

natal. Esta área de aplicação só pôde, evidentemente, ser desenvolvida graças à tecnologia do

DNA recombinante.

A especificidade duma pequena sonda sintética de cerca de vinte nucleotídeos é notável.

Um único desemparelhamento (mismatch), no interior da região de associação entre a sonda e

o DNA alvo, é suficientemente destabilizador do híbrido para poder ser posto em evidência.

É este o princípio básico da detecção e do diagnóstico, mesmo em fase pré-natal, de

mutações genéticas pontuais (Fig. 211.II).

Esta técnica foi aplicada para detectar, no DNA, substituições de um nucleotídeo que

provocam a talassemia de tipo +ß. Um exemplo está ilustrado na Fig. 212.II que mostra a

transição de G em A na posição 110 da região IV S-1 do gene. Uma sonda oligonucleotídica

de sequência perfeitamente complementar do DNA normal, marcada por quinação com um

radioisótopo (32P), hibridar-se-á com o fragmento de 1,8 kb produzido por digestão BamHI

do genoma e a hibridação será revelada por emissão radioactiva. A sonda formará um

desemparelhamento C-A com a sequência mutada e, em condições de temperatura de

hibridação selectivas, o híbrido dissociar-se-á, libertando a sonda. O resultado prático será

ausência de sinal radioactivo na autorradiografia. Pelo contrário, uma sonda de sequência

homóloga da região mutada do gene dará um resultado simetricamente oposto, com o gene

normal e o gene mutado. O conjunto da informação permitirá diagnosticar rigorosamente se

um indivíduo é homozigótico normal ou mutado, ou se é heterozigótico.

A fotografia dum gel electroforético do DNA de indivíduos duma família de risco,

digerido por BamHI e hibridado com as duas sondas oligonucleotídicas, ilustra esta análise

(Fig. 213.II). A banda de 1.8 kb do DNA do pai hibrida-se com a sonda normal e com a

mutada. A da mãe responde de maneira semelhante. Os pais são, portanto, os dois

heterozigóticos para a mutação. O DNA do filho, pelo contrário, só se hibrida com a sonda

mutada. É, pois, homozigótico para esta mutação.

Outro exemplo é o da detecção da talassemia ß, que resulta duma mutação sem sentido

no aminoácido 39ß; a glutamina do codão CAG é mutada em codão de fim de cadeia TAG,

causando a terminação prematura da tradução da ß-globina. Esta mutação é a causa

predominante da ß-talassemia na Sardenha e está espalhada por toda a região mediterrânica.

A sequência de DNA correspondente ao codão mutado não comporta locais de

reconhecimento por enzimas de restrição.

145

Num estudo modelo, dois nonadecâmeros sintéticos foram utilizados (sublinhados na

Fig. 214.II.) para diagnosticar a presença de mutação em casos de gravidez, em que os fetos

apresentavam de risco de ß-talassemia. 20 ml de fluído amniótico foram tirados na 18ª

semana de gestação e o DNA isolado e digerido por BamHI. Após separação por

electroforese e hibridação do gel, sequencialmente, com as duas sondas marcadas, o híbrido,

ou a ausência de híbrido radioactivo formado com a banda de 1,8 kb, permite fazer um

diagnóstico. Num caso, ambas as sondas se hibridam com o DNA (Fig. 215.II.), o que

implica um diagnóstico de ß-talassemia heterozigótica (Aβ). Nos outros dois casos, só a

sonda ßA se hibrida com o DNA, indicando que os fetos eram normais (AA).

e) Anemia falciforme

A anemia falciforme é uma doença hereditária que resulta duma mutação que muda um

resíduo de ácido glutâmico (GAG) em valina (GTG) na posição 6 da cadeia ß-globina da

hemoglobina. A consequência desta modificação é a síntese duma hemoglobina que tem

tendência para cristalizar nos glóbulos vermelhos; as células tornam-se menos flexíveis e são

eliminadas do sangue ao nível do baço, o que conduz à anemia.

A mutação de bases A → T suprime um local de restrição no DNA do gene da globina ß.

É, pois, fácil detectar a mutação por análise de restrição do DNA fetal. Um DNA normal

contém o local de restrição, enquanto que no DNA mutado este local está ausente. Na prática,

esta modificação manifesta-se por uma distribuição anormal dos fragmentos de restrição (Fig.

216.II).

Praticamente digere-se o DNA, extraído de células derivadas dum doador normal e dum

indivíduo anémico, pela enzima de restrição DdeI (sequência reconhecida CCTGAG) ou,

melhor, por MstII (sequência reconhecida CCTNAGG), em seguida separam-se os

fragmentos em gel de agarose e transferem-se para uma membrana de nitrocelulose (Southern

blotting). O comprimento dos fragmentos formados por digestão é detectado por hibridação

com o DNA complementar de globina marcado com 32P.

A deficiência hereditária de αααα1-antitripsina

Os indivíduos deficientes em α1-antitripsina têm uma forte predisposição para

desenvolver enfisema pulmonar ou cirrose infantil do fígado. A α1-antitripsina é uma

proteína sintetizada no fígado e presente no plasma. O seu papel é inibir a elastase, proteína

implicada na perca da elasticidade dos tecidos pulmonares. Nos indivíduos normais o equilíbrio entre α1-antitripsina e elastase é controlado; nos deficientes hereditários, pelo

contrário, a elastase não é inibida e destrói os tecidos pulmonares.

A análise dos genes normais (M) e mutados (Z) mostra que eles só diferem numa única

base, G → A. Esta transição provoca a substituição dum resíduo glutâmico por um resíduo

146

lisina, em posição 342 da proteína. Esta substituição não cria nem destrói locais de restrição,

de maneira que é impossível utilizar o polimorfismo dos fragmentos de restrição na região

codificante para revelar a mutação do gene. No entanto, é possível tirar partido de sondas de

DNA sintéticas para diagnosticar a doença (Tabela 13.II), sintetizando, por exemplo, um

oligómero de 19 nucleotídeos, no qual a base G ou a base A é flanqueada de um lado e de outro pelas 9 bases correspondentes à sequência de DNA da α1-antitripsina. Estas sondas

marcadas com 32P por quinaçao foram testadas por hibridação com o DNA clonado da α1-

antitripsina. Uma escolha judiciosa das condições de hibridação permite obter um sinal diferencial (Fig. 217.II.). As duas sondas reconhecem o DNA normal da α1-antitripsina a

45°C; todavia, a 55°C só a sonda totalmente homóloga ao DNA da α1-antitripsina dá um

sinal de hibridação. Em função destas condições, é possível utilizar o oligómero correspondente ao DNA da α1-antitripsina normal, para testar a hibridação com o DNA

derivado de indivíduos deficientes em α1-antitripsina. O DNA genómico derivado das

células de indivíduos MM, MZ e ZZ, digerido pelas enzimas de restrição HindIII/XbaI ou

BamHI/XbaII, e transferido para uma folha de nitrocelulose é em seguida hibridado com o

oligómero sintético marcado, em condições previamente determinadas (55°C para a

hibridação e a lavagem) (Fig. 218.II.).

Os fragmentos do DNA MM normal, com o qual a sonda é completamente

complementar, e que contêm a região correspondente ao aminoácido 342 (fragmento de 2,4

ou de 2,6 kbases), dão um sinal positivo forte. O DNA MZ heterozigótico dá um sinal

reduzido e o DNA ZZ homozigótico não dá sinal. Este método é, pois, capaz de distinguir os

indivíduos ZZ dos indivíduos MM ou MZ e pode ser utilizado para o diagnóstico pré-natal da deficiência em α1-antitripsina.

Também neste caso existe a possibilidade de diagnosticar a deficiência em α1-

antitripsina pela análise do polimorfismo dos fragmentos de restrição, se se estudar o gene

inteiro incluindo os intrões. Com efeito, existe um polimorfismo de restrição para três

enzimas SstI, MspI e AvaII, que pode ser posto em evidência por hibridação com sondas de

fragmentos de DNA genómico clonados, segundo o princípio e técnicas previamente

descritos.

Os métodos de diagnóstico que recorrem à análise do DNA por hibridação com sondas

moleculares são de aplicação geral e tanto mais precisos quanto mais completo for o

conhecimento ao nível molecular dos defeitos do DNA geneticamente transmissíveis.

f. DETECÇÃO DE MUTAÇÕES SOMÁTICAS

A detecção de mutações com sondas oligonucleotídicas não esgota as suas

potencialidades com as doenças genéticas. É também possível detectar mutações somáticas

147

que conduzem a transformações oncogénicas. A família dos genes humanos ras constitui um

exemplo. Estes genes em número de 3, H-ras, K-ras e N-ras codificam proteínas de 21

kdaltons, localizadas na parte interna da membrana celular, que parecem estar implicadas na

transdução de sinais de receptores celulares de superfície para os seus alvos intracelulares.

Uma percentagem importante de linhagens celulares tumorais e de tecido tumoral possui um

gene ras activado. Estes genes caracterizam-se pela propriedade de induzirem uma

transformação oncogénica em células em cultura. Em quase todos os casos analisados a

activação foi correlacionada com mutações pontuais dos codões 13 ou 61 dos genes ras, as

quais levam à substituição de um aminoácido na proteína.

A sua natureza pontual e fixa torna possível a utilização de oligonucleotídeos sintéticos

para escrutinar, directamente, no DNA genómico, a presença das mutações responsáveis pela

activação destes genes. Por exemplo, uma abordagem utilizada para escrutinar mutações no

codão 61 do gene humano N-ras recorre à síntese de quatro grupos diferentes de icosâmeros

(Fig. 219.II.). O primeiro oligonucleotídeo (N61-I) tem uma sequência idêntica a um

segmento de 20 nucleotídeos que inclui o codão 61 (CAA) do gene N-ras normal. N61-II é

uma mistura de 3 oligonucleotídeos que diferem de N61-I pela natureza do primeiro

nucleotídeo do codão 61, em que o C do tipo selvagem foi substituído por A, por G ou por T.

Este grupo de oligonucleotídeos formará sempre um híbrido imperfeito com o gene N-ras

normal. Contudo, se o codão 61 apresenta uma mutação na primeira posição, um dos

oligonucleotídeos do grupo N61-II formará um emparelhamento perfeito com o gene mutado.

De maneira análoga, no grupo N61-III, o segundo nucleotídeo G, T ou C substitui o A na

posição 2 do codão. Por fim, os dois icosâmeros do grupo N61-IV possuem um T, ou um C,

no lugar do A natural na terceira posição do codão (a substituição por G origina uma mutação

silenciosa). As sondas oligonucleotídicas foram marcadas com elevada actividade específica,

incorporando vários nucleotídeos marcados com o radioisótopo 32P. O método utilizado

recorre à síntese química prévia de oligonucleotídeos anti-sentido (i. é., complementares e

orientados em sentido oposto) em relação às sequências das sondas e de um octâmero

complementar da extremidade 3' dos icosâmeros. O radioisótopo é introduzido prolongando o

octâmero, que funciona como primer, com a DNA polimerase I e (α-32P)dNTPs, utilizando

os icosâmeros anti-sentido como matrizes da polimerização.

Polim I5'

3' HO- 5'ATGAGAAGAACATACTCTTCTTGTCCAGCTGT- GGTCGACA-p 5'

3'

α-32PdNTPs

TACTCTTCTTGTCCAGCTGT-

5' 3'

GGTCGACA p

* * * *** ***** *

OH OH

Como o octâmero é portador dum fosfato 5' terminal, o icosâmero marcado

radioactivamente pode ser separado da matriz não fosforilada, num gel electroforético de

poliacrilamida-ureia.

148

Para escrutinar e determinar a natureza das mutações, o DNA genómico é digerido por

uma enzima de restrição e fraccionado num gel de agarose 0.5 %, desnaturado in situ e seco.

O gel seco é humidificado em água destilada e posto directamente em hibridação com os

oligonucleotídeos marcados. O gel é resistente às diferentes manipulações de hibridação e

lavagem e permite a detecção directa de um gene cópia única, a partir de uma quantidade de

DNA genómico de 1 a 5 µg, eliminando a necessidade de transferência para uma membrana

de nylon ou de nitrocelulose (Southern blotting). Em condições salinas apropriadas, a

temperatura de dissociação observada de um híbrido perfeitamente emparelhado, formado

entre os icosâmeros e o DNA genómico, é de 61-62°C, e a de um híbrido contendo um

desemparelhamento é de 55-56°C. Realizando a hibridação a 50°C e as lavagens a 59°C, é

possível detectar especificamente um híbrido perfeito, enquanto que os híbridos com um

desemparelhamento se dissociam. A Fig. 220.II. mostra o resultado das hibridações dos

oligonucleotídeos marcados N61-I (painel I), N61-II (painel II), N61-III (painel III) e N61-IV

(painel IV), com o DNA genómico (10µg), digerido por PstI e fraccionado

electroforeticamente, isolado das linhagens celulares MOLT-4 (corredor-1), HL60 (corredor-

2), Rc-2a (corredor 3), K562 (corredor-4), HT1080 (corredor-5) e RD301 (corredor 6), ou

dos plasmídeos pAT8.8 e pSVN-ras (corredores 7 e 8).

Forma-se um fragmento de 3.6 kb a partir do DNA genómico e fragmentos de 4.4 kb e de

2.8 kb a partir do DNA clonado, respectivamente no pAT8.8 e no pSVN-ras, contendo todos

o codão 61 do gene N-ras. Todas as linhagens celulares contêm um alelo normal N-ras,

dando um sinal positivo por hibridação com o oligonucleotídeo perfeitamente complementar

N61-I, após lavagem a 59°C (painel I). O painel II mostra que só o DNA das células HT1080

se hibrida com a mistura N6-II e o painel III, que só o DNA das células HL60 se hibrida

especificamente com a mistura N61-III. O painel IV mostra por seu lado, que a mistura N61-

IV se hibrida exclusivamente com o DNA de RD301. Este resultado implica que, na proteína

N-ras de RD301, a glutamina natural (CAA) foi mutada em histidina (CAC ou CAT).

Pode-se ainda concluir que, tanto HT1080, como HL60, possuem a mesma mutação

pontual no codão 61 que os genes isolados dos transfectantes celulares e clonados nos

plasmídeos. Com efeito, os DNAs isolados de HT1080 e de HL60 hibridam-se com N61-II e

N61-III, respectivamente, assim como com o DNA dos plasmídeos pAT8.8 e pSVN-ras, os

quais contêm partes dos genes N-ras activados isolados de transfectantes, respectivamente com as mutações conhecidas CAA61 → AAA e CAA61 → CTA.

Conclui-se, ainda, que estas três linhagens celulares contêm, para além do gene N-ras

mutado, um alelo N-ras normal.

149

Não foram detectadas mutações nas linhagens MOLT-4 e Rc-2a com os

oligonucleotídeos utilizados, o que significa que, provavelmente, as mutações podem estar

localizadas no codão 13 ou numa outra posição.

Um problema geral, associado com este método de detecção de mutações no DNA

genómico com oligonucleotídeos sintéticos, decorre da fraca sensibilidade (cf. o complicado

método de marcação para obter sondas de alta actividade específica, descrito mais acima) e o

elevado barulho de fundo devido a hibridações inespecíficas (Figs. 213.II, 215.II e 218.II).

g. AMPLIFICAÇÃO ENZIMÁTICA DE DNA (PCR)

As limitações de sensibilidade e de barulho de fundo, inerentes à necessidade de detectar

modificações pontuais com pequenas sondas cuja marcação é forçosamente reduzida, em

presença de um número enorme de sequências de DNA genómico, foram ultrapassadas com o

desenvolvimento duma técnica extremamente poderosa (denominada PCR: Polymerase

Chain Reaction) que permite amplificar enzimaticamente fragmentos de comprimento bem

definido, a partir de quantidades ínfimas de DNA. A reacção de polimerização em cadeia é

um método enzimático de amplificação de fragmentos específicos de DNA, que revolucionou

o diagnóstico molecular e abriu numerosos campos da biologia molecular, anteriormente

inacessíveis devido à inexistência de métodos analíticos suficientemente sensíveis.

Se a sequência nucleotídica de pequenos segmentos flanqueando a região alvo da

detecção for conhecida, pode-se sintetizar dois oligonucleotídeos, de cerca de 20 bases,

complementares de cada uma das cadeias do DNA, de um lado e de outro da região alvo da

amplificação, e que podem ser prolongados por polimerização enzimática em sentidos

opostos e convergentes.

A amplificação comporta vários ciclos (Fig. 221.II.) compostos, cada um, das seguintes

etapas: 1) desnaturação do DNA, 2) hibridação com os oligonucleotídeos sintéticos e 3)

polimerização enzimática com uma polimerase e dNTPs. Os oligonucleotídeos orientados

com a extremidade 3' na direcção do alvo da amplificação servem de iniciadores da

polimerização a partir das cadeias opostas do DNA. No fim do segundo ciclo obtêm-se

moléculas de DNA com uma extremidade bem definida. No fim do 3° ciclo formam-se

fragmentos de DNA com as duas extremidades definidas.

Para além do DNA ter sido amplificado 8 vezes, a sequência alvo foi extraída do DNA

total. Como os fragmentos sintetizados por polimerização contêm as sequências

complementares dos iniciadores, a utilização dum excesso destes e de dNTPs conduz a uma

amplificação unicamente limitada pelo número de ciclos e pela actividade da polimerase. Em

cada ciclo sucessivo a quantidade do DNA sintetizado duplica, o que leva à acumulação

exponencial do fragmento alvo segundo a lei aproximada 2n, em que n é o número de ciclos.

150

A eficácia da amplificação aumenta com a utilização duma polimerase termo-estável, a

Taq polimerase, isolada de Thermus aquaticus, organismo que vive em condições de

temperatura elevada. O facto de se poder efectuar a polimerização a temperatura elevada (p.

ex., a 70°C) aumenta a especificidade da hibridação dos oligonucleotídeos, eliminando

associações parasitas, e permite a realização dum grande número de ciclos de amplificação

(20 a 60, por exemplo), sem necessidade de voltar a adicionar a enzima em fases intermédias,

como é o caso com a polimerase I (fragmento de Klenow) que vai perdendo

progressivamente a actividade. Este desenvolvimento importante têm como consequência um

aumento considerável da especificidade, do rendimento, da sensibilidade e do comprimento

dos fragmentos alvos da amplificação.

Segmentos de DNA de comprimento que pode variar de uma centena (ou menos) de

pares de bases até mais de 2000 pb, podem assim ser amplificados mais de 10 milhões de

vezes com grande especificidade, a partir de quantidades extremamente pequenas de DNA.

A técnica do PCR têm sido utilizada na análise de variações de sequências nucleotídicas,

nomeadamente na detecção de mutações e de rearranjos cromossómicos, em clonagem de

sequências genómicas com alta eficácia, na sequenciação directa de DNA mitocôndrico e

genómico, na detecção de organismos patogénicos ou contaminantes (virais, bacterianos,

incluindo micloplasmas, fúngicos e parasitas).

A título de exemplo descrevemos, a seguir, a aplicação da técnica do PCR à análise de 2

mutações da ß-globina humana.

1) Detecção da anemia falciforme e da hemoglobina C por PCR

As mutações correspondentes à anemia falciforme e à hemoglobina C situam-se, ambas,

no codão 6 do gene da ß-globulina. A Fig. 222.II. representa uma região do gene de 110 pb,

no centro do qual se situa o codão 6 alvo da detecção por hibridação com sondas

oligonucleotídicas sintéticas marcadas radioactivamente, 19A, 19S e 19C (complementares

do alelo normal, do alelo da anemia falciforme e do alelo da hemoglobina C,

respectivamente). Esta região é amplificada a partir de dois iniciadores, PC03 e PC04, de 20

nucleotídeos cada, que flanqueiam a sequência alvo da amplificação e que estão orientados

em sentidos opostos e convergentes na direcção da polimerização (5' → 3').

O DNA extraído de seis amostras de sangue de indivíduos potencialmente mutados no

codão 6, de um indivíduo normal e da linhagem celular GMZ2064 (que contém uma

eliminação homozigótica do gene) é submetido a 25 ciclos de amplificação. Em seguida, 33

ng (1/30) dos produtos das amplificações são aplicados, na forma de dot blot, num filtro de

nylon, a partir do qual foram preparadas três réplicas. Cada um destes três filtros é hibridado,

em condições de temperatura selectivas (que dissociam os híbridos não perfeitamente

151

emparelhados), com uma das três sondas marcadas com 32P. O autorradiograma (Fig.

223.II.) mostra claramente a existência de 6 combinações diploídicas ßAßA (homozigótico

normal, AA), ßAßS (heterozigótico para a mutação da anemia falciforme, AS), ßSßS

(homozigótico para a anemia falciforme, SS), ßSßC (simultaneamente heterozigótico para as

mutações da anemia falciforme e da hemoglobina C, SC), ßCßC (homozigótico para a

mutação da hemoglobina C, CC), ßAßC (heterozigótico para a hemoglobina C, AC) e

confirma a eliminação do gene nas células GMZ2064 (XX).

Por análise dos produtos da amplificação, clonados, pode-se avaliar a 1 % a frequência

do fragmento de ß-globina amplificado, o que representa um enriquecimento superior a 105

em relação ao DNA genómico não amplificado. É esta redução substancial da complexidade

que permite a aplicação de sondas de 19 nucleotídeos, marcadas por simples fosforilação em

5' com uma quinase, à detecção de mutações utilizando a técnica extremamente simples do

dot blot.

Desenvolvimentos mais recentes da PCR mostram que é possível explorar a elevada

sensibilidade deste método para detectar colorimetricamente mutações genéticas. Assim, o

genótipo relativo à anemia falciforme pode ser determinado utilizando 3 tipos de iniciadores

para a amplificação do mesmo DNA. Dois destes iniciadores (decapentâmeros) são

conjugados de maneira covalente a grupos fluorescentes e são dirigidos para a região do

codão 6 do gene da ß-globina. Um, perfeitamente complementar da sequência normal, está

ligado à fluoresceína e o outro, conjugado à rodamina, difere do primeiro num nucleotídeo e

é complementar da mutação da anemia falciforme. O terceiro iniciador, correspondente à

sequência da cadeia oposta e situado a montante do codão 6, é utilizado como iniciador desta

cadeia, sendo o seu par na reacção de amplificação, ora o iniciador marcado com a

fluoresceína, ora o marcado com a rodamina.

Este método é baseado no princípio duma maior eficácia da PCR quando um dos

iniciadores é completamente complementar da sequência com que se hibrida do que quando

apresenta um desemparelhamento. Quando o DNA normal é amplificado, o iniciador

complementar da sequência é prolongado. Como este iniciador está marcado com a

fluoresceína, o DNA amplificado emite uma cor verde à luz ultravioleta. Quando o DNA

amplificado provém dum feto ou dum paciente com anemia falciforme, só o iniciador

marcado com a rodamina, complementar da mutação, é prolongado, e o DNA amplificado

fluoresce com cor vermelha. Quando o DNA provém dum indivíduo heterozigótico, ambos

os iniciadores, marcados cada um com o seu próprio grupo fluorescente são prolongados e o

DNA amplificado apresenta uma cor amarela resultante da fluorescência complementar dos

dois corantes. A cor do produto amplificado pode ser analisada, após electroforese em gel de

agarose (Fig. 224.II.), por laser de comprimento de onda dupla (vd. secção sobre a

152

sequenciação automática) ou por filtração num sistema de microfiltração selectivo que

permite eliminar o excesso dos iniciadores do meio reaccional e reter o DNA amplificado.

Este é em seguida analisado por laser ou à luz UV.

Estes desenvolvimentos permitem a automatização do diagnóstico, em rotina, de doenças

genéticas, em fase pré-natal, de maneira rápida precisa, sensível e simples.

2) Detecção de doenças infecciosas por PCR

Entre as numerosas aplicações da técnica do PCR, a detecção de infecções numa fase

precoce, têm uma importância particular. Por exemplo, o diagnóstico de infecções

microbacterianas ou microplásmicas é por vezes longo e laborioso, necessitando a cultura do

microorganismo, frequentemente difícil e longa (várias semanas), ou um aumento

significativo do título de anticorpos para fazer um teste serológico.

Foi demonstrado que a introdução da PCR ao diagnóstico da tuberculose, amplificando

um fragmento de 383 pb que é em seguida hibridado com oligonucleotídeos específicos,

permite a detecção rápida de Mycobacterium tuberculosis.

A mesma abordagem, aplicada à detecção de Mycoplasma pneumonia, responsável de

várias doenças respiratórias, revelou que é possível detectar até 102 organismos, após

lavagens bronco-alveolares, com grande especificidade.

O diagnóstico de infecções virais assume um relevo especial pela importância, por vezes

crítica, em detectar a presença de vírus o mais cedo possível no organismo supostamente

exposto, afim de poder aplicar mais eficazmente uma terapia ou tomar medidas preventivas

contra a disseminação e conter um risco epidemiológico.

Dois exemplos característicos são o do HPV (Human Papilloma Vírus, vírus humano do

papiloma) e o do HIV (Human Immunodeficiency Vírus, vírus humano da imunodeficiência).

Detecção de HPVs

Os vírus humanos do papiloma apresentam-se na forma de viriões icosaédricos contendo

um DNA de cerca de 8 kb. Cerca de 60 tipos distintos de HPV foram descritos, estando

muitos associados a sintomas clínicos particulares ou a manifestações patológicas bem

definidas. Por exemplo, cerca de 20 tipos de HPV foram identificados em lesões benignas em

pacientes com epidermodisplasia verruciforme ou com simples verrugas comuns. Dentro

deste grupo foram particularmente identificados 2 tipos, HPV5 e HPV8, presentes em cerca

de 90 % dos casos de cancro da pele.

Dentro do grupo dos HPVs que ocorrem em lesões genitais (pelo menos 7) dois tipos,

HPV16 e HPV18, foram encontrados associados a uma percentagem elevada de cancros do

cérvix uterino ou a outros cancros anogenitais (HPV16 a mais de 50 % e HPV18 a cerca de

153

20 %). Sendo, actualmente, correntemente, admitido que estes tipos de vírus são um cofactor

etiológico importante na patogénese destes cancros e, HPV16 e HPV18, nomeadamente, na

dos cancros anogenitais, torna-se evidente a importância da sua detecção precoce. Não

existindo, actualmente, sistemas de cultura apropriados para replicar os HPV, nem testes

serológicos disponíveis, numerosos esforços foram desenvolvidos para detectar a presença do

vírus por hibridação molecular e, em particular, mais recentemente, por PCR, nos tecidos de

risco.

Um dos factores importantes a ter em consideração para a escolha dos segmentos de

DNA viral, alvos da amplificação, é o da integridade dessa região, no decorrer do processo

infeccioso. Sabe-se, com efeito, que no caso das lesões malignas o DNA viral se integra

frequentemente no DNA genómico das células hospedeiras, conduzindo a eliminações ou a

rupturas de sequências virais. Contudo, duas regiões do vírus, correspondentes aos genes que

codificam para as proteínas E6 e E7 são invariavelmente conservadas e constituem portanto

um alvo privilegiado da amplificação. Uma escolha judiciosa dos iniciadores de

amplificação, dirigidos para sequências pouco conservadas dos diferentes tipos de vírus, e

iniciadores da amplificação de fragmentos de DNA de comprimento facilmente separáveis

por análise electroforética e de sequências diferenciáveis com sondas oligonucleotídicas

específicas, permite detectar e identificar especificamente a presença e o tipo de vírus

infectando potencialmente tecidos de risco.

Exemplo desta abordagem é a detecção dos HPV11 e 16 no DNA celular obtido a partir

de esfregaços cervicais de mulheres suspeitas de possuírem anomalias citológicas. Os

iniciadores sintéticos utilizados para a amplificação enzimática obedecem aos critérios

definidos acima (Fig. 225.II.). São dirigidos para uma região do gene E6 dos vírus HPV11,

16 e 18, são específicos de cada um dos vírus e amplificam segmentos de comprimento

diferente (90, 120 e 100 pb, respectivamente). A Fig. 226.II. atesta a especificidade destes

iniciadores utilizados na aplicação da PCR ao DNA isolado de linhagens celulares que

contêm DNA do HPV16 (CaSki), do HPV18 (HeLa) ou aos DNAs de HPV11, 16 e 18

clonados em plasmídeos.

Os iniciadores dirigidos para o HPV16 iniciam a amplificação do DNA de CaSki e do

DNA de HPV16 clonado (corredor 1 e 2), mas não o do HPV11 ou o do das células HeLa

(corredores 3 e 4), os iniciadores dirigidos para o DNA de HPV11 amplificam um segmento

deste DNA clonado (corredor 5) mas não o das células CaSki (corredor 6) e os iniciadores

específicos de HPV18 iniciam a amplificação do DNA de HeLa e do DNA de HPV18

clonado, (corredores 7 e 8), mas não do DNA de CaSki (corredor 9). Os fragmentos

amplificados, analisados por electroforese em gel de poliacrilamida e visualizados com o

brometo de etídeo, separam-se nitidamente, correndo em função do comprimento respectivo

154

(90, 100 e 120 pb). Este resultado é confirmado por análise por Southern blotting hibridando

os fragmentos amplificados com sondas oligonucleotídicas específicas, marcadas com 32P.

A Fig. 227.II. ilustra o resultado do diagnóstico da infecção por HPV em esfregaços do

cérvix uterino. O espécimen 47 é negativo para HPV16 (Fig. 227.II.A) e positivo para

HPV11 (Fig. 227.II.B) e os espécimes, 76, e 84 são positivos para HPV16, apresentando

bandas amplificadas de intensidade variável. Os espécimes 38, 43 e 47 são positivos para

HPV11, que está normalmente associado com lesões benignas (condilomas). Os espécimes 1,

7 e 87, submetidos à amplificação por PCR com uma mistura de pares de iniciadores

específicos de HPV11 e de HPV16 revelam-se infectados por ambos os vírus. Três controlos

figuram nos corredores centrais (Fig. 227.II.B). Podem, pois, ser efectuadas reacções com

iniciadores múltiplos para a detecção simultânea de diferentes tipos de HPV na mesma

amostra clínica.

Análises com uma amostragem mais ampla mostram que todas os mulheres que

apresentam uma citologia cervical anormal estão infectadas, unicamente com o HPV16 ou

simultaneamente com o HPV16 e o HPV11, mas nunca só com o HPV11.

A enorme sensibilidade (1 molécula de DNA de HPV em 105células), a especificidade

elevada, a possibilidade de utilizar quantidades ínfimas de material (< 0,5 µg de DNA

celular) para as análises de rotina e de detectar simultaneamente mais de um tipo de HPV,

são propriedades que fazem desta técnica, não só um poderoso meio de diagnóstico, mas

igualmente um instrumento de investigação epidemiológica sobre o potencial oncogénico dos

HPVs.

Detecção de HIV

Uma outra aplicação de grande actualidade e enorme interesse é a detecção dos vírus

HIV. Foi, com efeito, demonstrado que a técnica PCR permite identificar indivíduos

infectados com HIV antes de estes terem desenvolvido anticorpos. Sendo a detecção de

anticorpos a base actual do diagnóstico de rotina, é compreensível que numerosos

desenvolvimentos sejam realizados para permitirem a adopção em rotina de análise clínica

por PCR. Estando bem documentada a existência frequente de casos de pessoas infectadas

com HIV que não desenvolvem anticorpos antivirais por períodos para cima de um ano, não

deve ser excepcional que dadores de sangue infectados escapem ao diagnóstico. Um outro

grupo importante são as crianças de mães seropositivas para o HIV e cujo diagnóstico

serológico não é possível durante vários meses antes do desenvolvimento do sistema

imunológico.

O HIV é um vírus de RNA do tipo dos retrovírus. Como vimos, o genoma destes vírus é

copiado em DNA complementar por uma transcritase reversa e eventualmente integrado, na

155

forma de DNA, no DNA cromossómico das células infectadas e, em particular, no caso dos

HIVs, nos linfócitos T, nos macrófagos e nas células microgliais do cérebro.

O vírus pode ser identificado por PCR, nomeadamente no sangue de indivíduos de risco.

Dada a heterogeneidade do genoma viral, bem caracterizada por sequenciação de vírus

isolados de vários indivíduos ou do mesmo indivíduo, a tempos diferentes do processo

infeccioso, é importante escolher para alvo da amplificação uma região do genoma cuja

sequência seja perfeitamente conservada. É este o caso do gene gag de HIV1, dentro do qual

foram seleccionadas duas sequências em cadeias opostas para a hibridação com dois

oligonucleotídeos sintéticos, iniciadores de amplificação de um fragmento de 213 pb.

A amplificação aplicada à detecção directa do HIV em amostras de sangue, para ser

eficaz, têm que ser altamente sensível porque, em geral, só uma pequena percentagem de

linfócitos T está infectada. A Fig. 228.II.A ilustra a sensibilidade da amplificação aplicada ao

segmento de 213 pb, a partir de 2 picogramas de DNA de HIV clonado num plasmídeo, em

função do número de ciclos. A detecção é efectuada por hibridação de uma amostra diluída

de 1/70 de meio reaccional, aplicada numa membrana de nitrocelulose, com uma sonda

oligonucleotídica de 19 nucleotídeos, marcada com 32P (dot blot).

A verificação do comprimento do segmento amplificado efectua-se por electroforese

num gel de agarose 2 % de uma amostra do meio reaccional, seguida de autorradiografia. A

radioactividade provém da incorporação de um nucleosídeo trifosfato (por exemplo 32P-

dCTP), adicionado à mistura dos restantes 3 nucleosídeos trifosfatos durante a reacção de

polimerização (Fig. 228.II.B).

Uma quantificação do número de moléculas de DNA detectáveis dá a medida da

sensibilidade deste método. A Fig. 228.II.C. mostra que é possível detectar até 4 moléculas

de DNA. Este resultado foi obtido amplificando uma mistura composta de uma quantidade

fixa do DNA do HIV plasmídico (4 x 105 moléculas) e de quantidades crescentes (a partir de

1µg) de DNA humano de controlo que serve de meio de diluição serial. Esta sensibilidade de

4 moléculas corresponde à possibilidade de detectar 1 molécula de DNA de HIV em cerca de

106 linfócitos.

Aplicada à identificação de HIV em indivíduos seropositivos, a amplificação enzimática

confirma inequivocamente a infecção. A Fig. 229.II. representa o resultado da hibridação de

DNA, proveniente de sangue de três indivíduos seropositivos, amplificado e aplicado numa

membrana, com a sonda oligonucleotídica. O número de ciclos de amplificação necessários

para obter um sinal é variável de indivíduo para indivíduo e reflecte provavelmente a

abundância de linfócitos T no sangue destes pacientes.

156

Os resultados mais importantes deste estudo aparecem na Fig. 230.II. Entre um grupo de

risco constituído por 16 pessoas seronegativas, parceiras de indivíduos seropositivos, 5

revelaram-se inequivocamente infectadas por HIV. Uma análise electroforetica do DNA

amplificado destes indivíduos confirma plenamente estes resultados (Fig. 231.II.).

A detecção directa do DNA viral pode, pois, antecipar-se ao desenvolvimento de uma

reacção serológica positiva. Este método foi, também, aplicado com sucesso à identificação

do DNA de HIV no sangue de crianças com menos de 18 meses nascidos de mães

seropositivas.

Utilizado a grande escala este teste constituirá, sem duvida, um progresso importante

para conter a disseminação, controlar a epidemia e determinar estratégias terapêuticas.

157

12. REGULAMENTAÇÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE ORGANISMOS

GENETICAMENTE MODIFICADOS E A PROTECÇÃO CONTRA OS RISCOS

BIOLÓGICOS

As aplicações dos organismos recombinantes que podem beneficiar as nossas sociedades

são, como vimos, numerosas e abrangem importantes sectores económicos e sociais. No

entanto, como qualquer outra actividade humana, a que recorre à utilização dos organismos

geneticamente modificados não é isenta de riscos. Estes riscos potenciais de futuras

aplicações foram, pela primeira vez, objecto de preocupações expressas publicamente pelos

próprios cientistas, em 1974, em carta dirigida à Academia das Ciências dos Estados Unidos

da América. Foi primeiramente pedido que fosse observado uma moratória, aplicando-se às

experiências de clonagem que envolvessem os genomas de certos vírus animais, de

determinantes de resistência a antibióticos, de toxinas e de oncogenes. Foram, em seguida,

elaboradas, pela primeira vez, em 1976, pelo National Institutes of Health (NIH), uma série

de directivas que foram actualizadas em 1986, que definem categorias de confinamento

biológico e físico a que os investigadores desta área se devem submeter. Estes diferentes

níveis de confinamento são definidos em função do tipo de vector e da origem do DNA

objecto da recombinação.

O novo conceito de confinamento biológico preconiza a utilização de sistemas vector-

hospedeiro "desarmados", que só podem sobreviver em condições laboratoriais especiais.

A noção de confinamento físico estabelece quatro níveis de segurança, que vão das

práticas laboratoriais microbiológicas de base (BL-1 = Biosafety Level-1) até às mais

sofisticadas medidas e condições de protecção do pessoal e do meio ambiente (BL-4), por

imposição de progressivas barreiras físicas (pressão negativa, portas duplas e herméticas,

autoclaves, filtração do ar de saída, descontaminação rigorosa de todo o material e dos

efluentes, etc.)

Estas recomendações levaram ao desenvolvimento de sistemas vector-hospedeiro sem

risco para o tipo de actividade em vista (ensino, investigação académica ou industrial,

produção...). Um certo número de estirpes bacterianas foram modificadas de maneira a torná-

las não viáveis fora do laboratório. Por exemplo, a estirpe X1776, derivada de E. coli K12,

possui uma exigência metabólica (biossíntese da lisina), que não pode ser compensada pelas

substâncias presentes no intestino humano (acido diaminopimélico).

Além disso, esta estirpe possui uma membrana celular frágil que se desagrega em

presença de detergente ou de força iónica fraca. A esta estirpe seguiram-se outras derivadas

de K12, de utilização mais cómoda, mas também incapazes de sobreviver fora do laboratório.

158

Os plasmídeos também foram modificados para serem incapazes de se transferirem de

uma estirpe para outra e não poderem disseminar a resistência aos antibióticos.

Quanto aos fagos, uma série de mutações sem sentido nos genes de associação, torna-os

incapazes de se multiplicarem fora dum hospedeiro de laboratório apropriado.

Os riscos potenciais do DNA recombinante continuam a pertencer ao domínio da

especulação, na medida em que os milhões de experiências realizadas nos últimos 25 anos

não permitiram nunca pôr em evidência riscos biológicos causados por uma bactéria, vírus,

fungo, ou célula portadores de DNA recombinante, para além dos perigos inerentes à

natureza da molécula de DNA recombinante. Isto é, a recombinação genética não levou até

hoje ao desenvolvimento de novas propriedades inesperadas nos organismos recombinantes.

Como não é, no entanto, possível demonstrar a segurança absoluta duma construção genética

particular em todas as circunstâncias que se possam imaginar, é normal e aconselhável, que

as experiências envolvendo organismos geneticamente modificados se efectuem adoptando

medidas de precaução definidas por directivas compulsórias, em particular as experiências de

maior risco, pelo impacto que podem vir a ter no meio ambiente, ou as que levantam

problemas de ordem ética, tais como:

-fermentações a grande escala de organismos contendo DNA recombinante,

-a libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados,

-a transferência de genes em células embrionárias de mamíferos e criação de animais

transgénicos,

-a terapia genética e a clonagem de seres humanos.

Em 1990, o Parlamento Europeu aprovou duas directivas, uma relativa à utilização

confinada de microorganismos geneticamente modificados e outra relativa à libertação

deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados, propostas pelo Conselho

das Comunidades Económicas Europeias, que definem a legislação que os Estados Membros

deverão implementar.

Esta legislação é apresentada, na sua forma integral, em anexo.

159

ANEXO

Directivas do Conselho da CEE