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Explicar ou retratar? Stephen L. Talbott 1 O que Goethe disse sobre sua pioneira pesquisa morfológica tem sido usualmente aplicado à ciência goethianistica como um todo: "a intenção é retratar e não explicar" (Goethe 1995, p. 57). Palavras difíceis. A idéia parece ser a de que a descrição ou pelo menos a descrição feita de maneira correta conduz à compreensão científica. Essa compreensão torna-se ainda mais forte quando se lê outra de suas citações, também muito usada: "tudo no domínio dos fatos já é teoria ... Não busquemos por algo por trás dos fenômenos eles, por si mesmos, são a teoria" (p. 307). Não haveria, então, nada de especial a ser dito a respeito dos termos "retrato" e "explicação". Ambas palavras têm uma vasta gama de significados e o que Goethe queria dizer por retrato pode ser considerado como uma forma de explicação. Em suma, Goethe buscava contrastar um tipo particular de retrato com uma forma particular de explicação e sugere que o retrato é uma forma mais completa, mais adequada de explicação. O que eu quero neste artigo é esboçar brevemente, da forma como eu vejo, o contraste entre o retrato goethianístico e o tipo restrito de explicação que continua a ser valorizado como ideal pelas ciências. Explicando a pata de um elefante A busca por explicação geralmente nos leva a uma busca por causas precisas, sem ambigüidades, absolutamente determinantes. Nós queremos ser capazes de dizer " x causa y e todas as outras coisas são iguais". Nós conseguimos nossa precisão através da quantificação dessas causas e efeitos e através da colocação desses elementos dentro das leis matemáticas. Infelizmente, todas as outras coisas não são nunca iguais à primeira. Os problemas surgem em virtude daquilo que o físico David Bohm chama de "conexão universal das coisas". Toda formulação de lei "inevitavelmente deixa de fora algum aspecto do que está acontecendo em contextos mais amplos". Assim, não há um caso real conhecido de um perfeito conjunto de casualidade em que um fato causa um outro que em princípio poderia tornar possível predições de ilimitada precisão, sem a necessidade de considerar qualitativamente outros conjuntos de fatores causais existentes fora do sistema de interesse (Bohm, 1957, p. 143, 20). Contextos nunca são mutuamente excludentes. Eles se misturam um com os outros. Nada é absolutamente isolável de qualquer outra coisa. Isso se mostra particularmente problemático para a noção estrita e unidirecional de causa e efeito, uma vez que "efeito" também é algo que influencia a "causa", revertendo e sabotando a suposta não- ambigüidade da relação causal. Isso é verdade mesmo para a física. Por exemplo, pode- se considerar que "o efeito do movimento atômico nas leis de larga escala é muito mais importante que os efeitos das leis de larga escala sobre as leis do movimento atômico"; no entanto "há uma pequena, mas efetiva influência recíproca da lei de larga escala sobre as leis do movimento atômico" (Bohm, 1957, p. 145). 1 Artigo publicado na revista In context, na primavera de 2003. Tradução livre.

Talbott s explicar ou retratar

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Este texto pode parecer difícil no começo, mas aos poucos algo surpreendente vai se revelando. E o que está nele guardado será essencial para nosso caminho no Paineirando, e, quem sabe, para muito mais em nossas vidas! Boa Leitura Tião

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Explicar ou retratar? Stephen L. Talbott1

O que Goethe disse sobre sua pioneira pesquisa morfológica tem sido usualmente aplicado à ciência goethianistica como um todo: "a intenção é retratar e não explicar" (Goethe 1995, p. 57). Palavras difíceis. A idéia parece ser a de que a descrição – ou pelo menos a descrição feita de maneira correta – conduz à compreensão científica. Essa compreensão torna-se ainda mais forte quando se lê outra de suas citações, também muito usada: "tudo no domínio dos fatos já é teoria ... Não busquemos por algo por trás dos fenômenos – eles, por si mesmos, são a teoria" (p. 307).

Não haveria, então, nada de especial a ser dito a respeito dos termos "retrato" e "explicação". Ambas palavras têm uma vasta gama de significados e o que Goethe queria dizer por retrato pode ser considerado como uma forma de explicação. Em suma, Goethe buscava contrastar um tipo particular de retrato com uma forma particular de explicação e sugere que o retrato é uma forma mais completa, mais adequada de explicação. O que eu quero neste artigo é esboçar brevemente, da forma como eu vejo, o contraste entre o retrato goethianístico e o tipo restrito de explicação que continua a ser valorizado como ideal pelas ciências.

Explicando a pata de um elefante

A busca por explicação geralmente nos leva a uma busca por causas – precisas, sem ambigüidades, absolutamente determinantes. Nós queremos ser capazes de dizer "x causa y – e todas as outras coisas são iguais". Nós conseguimos nossa precisão através da quantificação dessas causas e efeitos e através da colocação desses elementos dentro das leis matemáticas.

Infelizmente, todas as outras coisas não são nunca iguais à primeira. Os problemas surgem em virtude daquilo que o físico David Bohm chama de "conexão universal das coisas". Toda formulação de lei "inevitavelmente deixa de fora algum aspecto do que está acontecendo em contextos mais amplos".

Assim, não há um caso real conhecido de um perfeito conjunto de casualidade – em que um fato causa um outro – que em princípio poderia tornar possível predições de ilimitada precisão, sem a necessidade de considerar qualitativamente outros conjuntos de fatores causais existentes fora do sistema de interesse (Bohm, 1957, p. 143, 20).

Contextos nunca são mutuamente excludentes. Eles se misturam um com os outros. Nada é absolutamente isolável de qualquer outra coisa. Isso se mostra particularmente problemático para a noção estrita e unidirecional de causa e efeito, uma vez que "efeito" também é algo que influencia a "causa", revertendo e sabotando a suposta não- ambigüidade da relação causal. Isso é verdade mesmo para a física. Por exemplo, pode- se considerar que "o efeito do movimento atômico nas leis de larga escala é muito mais importante que os efeitos das leis de larga escala sobre as leis do movimento atômico"; no entanto "há uma pequena, mas efetiva influência recíproca da lei de larga escala sobre as leis do movimento atômico" (Bohm, 1957, p. 145).

1 Artigo publicado na revista In context, na primavera de 2003. Tradução livre.

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Assim, como Bohm torna claro, nós não temos outra escolha senão buscar relativizar os contextos isolados e relativizar as leis precisas que daí derivam. A alternativa poderia ser tentar explicar tudo de uma vez, o que é impensável. Um organismo é um exemplo de um contexto relativamente isolado. Nós costumamos chamá-lo de "todo" ou de "unidade". Mas onde a unidade termina e tudo mais começa? Craig Holdrege, em estudo sobre o bicho preguiça, sobre as girafas e outros mamíferos, apontou que o animal não termina exatamente na superfície de suas peles, mas se estendem para fora, para o ambiente, como se o ambiente penetrasse dentro do animal e lhes formasse o contorno (Holdrege, 1999, 2000). Ao estudar um organismo, necessariamente gastamos uma parte de nosso tempo focando algo muito específico (por exemplo, um tecido, um órgão, uma célula, um gene), mas falsificamos nosso objeto se não olharmos também para um contexto sempre em expansão.

Com esse pano de fundo, podemos dizer: preferir retratar ao contrário de explicar significa rejeitar a via de mão única (nunca completamente alcançada) de isolar contextos restritos e precisamente definíveis das causas ou leis. Significa recusar-se a perder a visão da interconexão das coisas, mesmo quando aceitamos a necessidade de excursões por focos mais estreitos. Por exemplo, Craig disse que, ao estudar a pata de um elefante, ele recorreu a todo tipo de informação especializada – morfológica, psicológica, comportamental, mecânica e outras. Mas ele nunca permitiu que essas informações fossem as únicas a guiar seus estudos e nunca as tomava isoladamente. Ao contrário, ele continuamente juntava cada pedaço de informação e a relacionava com a figura mais ampla que ele estava formando sobre o elefante.

Então, quando ele ouvia (como normalmente ele faz) que as longas patas do elefante devem sua excepcional força ao imenso peso do animal, que é mais facilmente suportado em "pilares verticais", Craig não se dá por satisfeito, nem diz: "Ah, aí está a explicação". O problema com as explicações é que elas limitam a busca por compreensão, já que esta sempre torna necessário ir mais além.

É verdade que as poderosas patas do elefante servem para suportar seu peso. Mas o hipopótamo também é tremendamente pesado e, no entanto, seu peso é suportado por patas muito pequenas, que terminam em seus "cotovelos". Nossa explicação a respeito das patas do elefante nada nos diz sobre essa diferença e, portanto, não explica totalmente nem mesmo as próprias patas dos elefantes.

Além disso, a evidente qualidade da verticalidade das patas do elefante se manifesta como uma qualidade do animal como um todo – assim como na extraordinária extensão vertical de sua cabeça. Não há lei formulada que possibilite a alguém entender o papel de tais qualidades para o organismo como um todo. É preciso algo da habilidade de retratar dos artistas para se construir tal imagem reveladora. E assim, tal imagem traz em si uma compreensão genuinamente científica.

Uma explicação é algo que podemos ter, e ela facilmente se torna num peso morto para futuras investigações. Um retrato – tanto um que estejamos tentando elaborar por nós próprios quanto um que tenha sido elaborado por outro e do qual nos aproximamos – requer uma forte atividade interior da nossa parte para manter tudo junto e para buscar sua coerência; retratar é algo que devemos fazer.

Diferentes abordagens

O que eu tenho dito até aqui sugere fortemente o contraste radical entre explicar e retratar. Mas agora podemos olhar mais de perto algumas das tendências que são usadas

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ao se trabalhar com esses dois estilos de compreensão. Devemos estar conscientes, no entanto, de que seria uma terrível caricatura tomar minha descrição sobre explicar como um retrato adequado da prática científica. Nenhuma ciência é possível com base em meras explicações. No entanto, a grosso modo, com todos os perigos que possa representar esse entendimento, a explicação é uma realidade em muitas disciplinas. Apesar dos cientistas sempre se valerem, em algum grau, do retrato em seus trabalhos, esse fato encontra muito pouco reconhecimento oficial nas doutrinas científicas, e admitir isso poderia ser repugnante para muitos pesquisadores.

Aqui apresento alguns contrastes entre explicação e retrato: O desejo de se alcançar a não-ambigüidade, as explicações sim ou não ("Enfim!

Encontrei!"), levou-nos historicamente a uma forte ênfase na quantificação e a uma explícita negligência das qualidades. A ciência de retratar, por um lado, é irrefutavelmente qualitativa. Isso dá uma certa profundidade de significado e também um final mais aberto: nós nunca poderemos dizer, sobre um elefante, algo como "compreendi a qualidade de sua verticalidade!" da mesma forma como diríamos sobre as relações matemáticas. Tudo o mais que se verá neste artigo é uma somatória de elementos que contribuem para a elaboração da distinção entre as ciências quantitativas e qualitativas.

É preciso fazer-se uma advertência antes de continuarmos. O final mais aberto de qualquer retrato qualitativo não necessariamente traz menor rigor ao retrato mas maior profundidade de significado sobre aquilo que se está retratando. O rigor requerido para se penetrar nessa profundidade é tão grande quanto o rigor demandado de um matemático e tem algumas características semelhantes às deste. As observações bem calculadas do pesquisador qualitativo, segundo Goethe escreveu, devem estar alinhadas umas com as outras e devem se constituir numa unidade demonstrável da mesma forma que se faria com uma prova matemática:

"De um matemático, devemos aprender o cuidado meticuloso de ligar as coisas em sucessões inquebrantáveis, ou melhor, de derivar as coisas passo após passo. Mesmo onde não nos aventuraríamos em aplicar a matemática, devemos sempre trabalhar como se tivéssemos que satisfazer os mais estritos geômetros." (Goethe 1995, p. 16).

As preocupações quantitativas da pessoa que busca fazer explicações levam-na a

focar apenas num dos lados – o mensurável – das coisas. O retratista, ao contrário, pode atentar a tais dados fixos mas também sempre retorna aos padrões, ao movimento, aos gestos significativos. Ele ou ela está preocupado com as relações; sua atenção não está tanto nas coisas como está no que existe entre elas. O formato de uma folha num momento particular pode ser importante, mas é igualmente importante a qualidade da forma que ela adquire em todo seu crescimento. O crescimento de uma folha em particular pode ser importante mas também o é a transformação que ocorre de folha para folha à medida em que sua atenção se amplia para o galho. E a transformação das folhas de uma única planta pode ser importante, mas também o é as várias maneiras que uma espécie se expressa em um ambiente ou em outro.

Nós podemos legitimamente ver algo através de seus aspectos fixos e mensuráveis. Mas se fizermos apenas isso, ignoramos o contexto dos padrões e movimentos sem os quais a coisa não poderia ser. A respeito de tal movimento expressivo pode-se dizer que a questão não é apenas "quanto?" mas também "com o que se parece?".

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Um naturalista que pode identificar e diferenciar espécies próximas com apenas um rápido olhar ganha essa habilidade ao dar atenção (tanto faz se consciente ou inconscientemente) à segunda pergunta tanto quanto dá à primeira.

A tentativa de apreender as causas exatas levam os cientistas convencionais a uma

análise simples das coisas, formulada através das partes. Essas partes, através de suas combinações externas, são então vistas como explicações para o comportamento das coisas. Essa explicação funciona como causa de baixo para cima (onde "baixo" indica a esfera de muitos mecanismos fundamentas). No retrato, ao contrário, se busca encontrar o todo que informa as partes que existem "embaixo" do todo. Os genes são usualmente analisados para explicar o organismo, mas quando nós reconhecemos a família das plantas "botões de ouro", o que reconhecemos é um caráter qualitativo que se manifesta através de, e que forma todos, os espécimes da família. O caráter qualitativo não é redutível a, nem identificável com, um único e particular espécime ou com qualquer de suas partes consideradas isoladamente.

O entrelaçamento das partes em um todo único é necessariamente qualitativo. Qualidades podem interpenetrar uma a outra, uma interferindo, alterando e se tornando inseparável ("qualificando") a outra. Sem tal interpenetração mútua, nós podemos ter as partes uma ao lado das outras mas não a unidade do todo. Em qualquer caso de reprodução sexual, vemos no surgimento das novas gerações uma mistura de qualidades dos "pais" numa nova unidade. Se poderia dizer muito pouco, se tanto, a respeito dessa nova unidade olhando apenas para os genes, mas se pode geralmente aprender a ver a unidade e a reconhecer uma expressão de cada "pai" na nova unidade. Não há uma agregação de elementos separados oriundos de cada pai, mas cada pai qualifica o todo.

Nós articulamos as causas explicativas porque nós queremos alcançar a

predictabilidade que, em contra partida, nos torna capazes de manipular e controlar as coisas. O físico Richard Feynmann escreveu: "o conhecimento não tem valor algum se você puder apenas me dizer o que aconteceu ontem. É necessário que você me diga o que acontecerá amanhã se você quiser fazer alguma coisa" (Feynmann 1998, p. 25).

Claro que nós queremos que nosso conhecimento seja relevante para o futuro. Mas se o que nós conseguimos é apenas a mais exata predição matemática possível, nós perdemos o equilíbrio. Se algum aspecto da natureza ou algum caráter de uma particular espécie de animal – digamos, o gaio do leste americano – me é familiar eu posso ser incapaz de dizer o que ele fará ou de projetar o seu vôo dentro de uma trajetória Newtoniana. Mas meu conhecimento é, no entanto, real. Eu serei capaz, em circunstâncias apropriadas, de dizer "sim, isto é um gaio" ou "não, isso não tem nada do que se poderia esperar de um gaio nessa situação. Há algo faltando nessa imagem". Com tal conhecimento, eu posso aprender a interagir significativamente com o pássaro embora não possa mecanicamente predizer seu comportamento. Ao desenvolver tal retrato qualitativo, desejamos menos predizer com exatidão e controlar do que entender e apreender os potenciais de trabalhar com a natureza.

Não é raro dizer-se que a predictabilidade – mesmo nas ciências físicas – é menos uma característica natural do mundo do que uma imposição sobre o mundo. Nós podemos andar por caminhos muito doloridos – algumas vezes (como no caso dos reatores nucleares) gastando centenas de milhões de dólares – para assegurar que, dentro de um espaço e num período de tempo estreitamente circunscritos, as transações ocorrerão dentro de formas previsíveis tanto quanto possível. Qualquer resultado confiável da predição e do controle envolve esta circunscrição. Nós então

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impedimos (parcialmente – nunca totalmente!) que atuem as contingências que poderiam ter alguma ressonância no maquinário que construímos. Nós ansiamos por um "sistema fechado", mas nunca houve e nunca haverá um sistema absolutamente fechado.

Para fazer com que a predição e o controle sejam os objetivos primários das ciências, nós nos alienamos da realidade e esta continuamente se sobrepõe ao comportamento restrito e mecânico que nós desejamos obter dela.

Se você julga sua ciência a partir das demandas inequívocas que explicações do tipo

sim e não fazem, você será capaz de dizer a respeito de todas as coisas apenas "sim, neste ou naquele aspecto, isto é o mesmo que..." ou "não, isto é diferente de ..." alguma outra coisa. Você estará colocando as coisas em classes com base no que elas têm em comum – nas suas igualdades – e suas explicações se aplicarão igualmente a todas as coisas de uma classe. Ou seja, suas explicações sempre terão relação com o que as coisas têm em comum e você perderá as particularidades (Bortoft, 1999). A lei da gravidade se aplica da mesma forma para uma folha ou para uma pedra, com base na medida de suas massas – apesar delas manifestarem suas densidades de forma radicalmente diferente. O conceito de massa é exatamente o mesmo nos dois casos, tendo sido abstraído de todas as particularidades que fazem de uma pedra uma pedra e de uma folha uma folha.

Isso é completamente diferente com um retrato. Aqui, cada detalhe pode ser significativo e você observa em cada fenômeno sua individualidade concreta. Você está menos interessado nas leis enquanto aspectos abstraídos e classificáveis de um fenômeno do que em como este fenômeno é uma expressão única e dissociada de si mesmo – ou seja, como ele se vincula distintivamente com todas as leis que podemos descobrir nele. Esta expressão única e dissociada é a lei da coisa particular – uma lei qualitativa na qual todas as outras leis são apanhadas. Para chegar a esse caráter distintivo, nós certamente teremos que prestar atenção a todas as "igualdades" presentes nos elementos de classes relevantes, mas estas igualdades serão trazidas de volta à total presença da coisa que retratamos, que é diferente de qualquer outra coisa.

Todo arco-íris é "explicado" da mesma forma pelas leis da ótica, mas foi apenas através de uma observação infindável dos arco-íris e de seus fenômenos relacionados, em todos os seus detalhes diferenciais, que Goethe conseguiu formular sua amplamente respeitada teoria sobre luz e cor. Mais recentemente, o fundador da Polaroid Corporation, Edwin Land, "concluiu que a teoria clássica da cor era válida apenas para pontos de luz observados em locais de absoluta escuridão e que ela tem relevância apenas limitada para a percepção da cor em situações naturais que envolvem múltiplos objetos e iluminação variável". Esta limitação da teoria clássica foi o preço pago pelo método generalizante de Newton, com sua desatenção ao amplo espectro do fenômeno da cor (Ribe e Steinle, 2002).

Quando nós explicamos, nós minimizamos o papel do observador a fim de manter a

objetividade; ou seja, nós conduzimos as observações científicas descartando, tanto quanto possível, nossa própria contribuição. É por isso que nos fixamos às medidas, que podem ser conduzidas quase que automaticamente, com pouca participação nossa nas coisas que estamos medindo. Quando retratamos, por outro lado, devemos intensificar nosso próprio papel, uma vez que podemos trazer as qualidades vivas de um fenômeno apenas através da descoberta e da experimentação vívida das qualidades que existem em nós mesmos.

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Mas, na verdade, isso significa que a exigência por objetividade recai pesadamente sobre o pesquisador qualitativo. Ou seja, no final das contas (como Owen Barfield apontou), não há nada de especial em ser objetivo a respeito de meros objetos – a respeito de coisas que são assumida e completamente desconectadas de nós. Na verdade, se os objetos fossem realmente meros objetos, alguém poderia perguntar por que os cientistas argumentam tanto a respeito da objetividade. Por que ela deveria ser tão difícil? Mas como, na verdade, nós temos que distinguir em nós mesmos as qualidades que são meramente nossas daquelas que são também do fenômeno em estudo, a objetividade permanece um genuíno desafio (Barfield, 1977, p. 139). Todo dono de um animal de estimação sabe o quão fácil é projetar seus próprios desejos, sentimentos e pensamentos em um outro organismo.

Por fim, as explicações se baseiam em fatos. Nós tomamos fatos específicos, e os

tipos de coisas que contam como fatos, como coisas dadas. Ao retratar, ao contrário, não há absolutamente contornos fixos para os fatos. Nós estamos sempre tentando descobrir formas de ver que nos tragam um todo significativo, e esta forma de ver pode estabelecer uma nova forma de considerar-se o que é um fato. Quando Copérnico descreveu como o sistema solar poderia ser visto a partir de um ponto no sol, ele mudou o significado da palavra "planeta", e todos os fatos a que ela se referia. A terra agora tinha que ser entendida como um planeta enquanto o sol não poderia mais ser compreendido como um planeta. Os fatos tidos como dados, e os tipos de explicações que então se davam, passaram por uma drástica mudança como resultado da nova visão de Copérnico.

Não uma abstração, mas uma imagem

Em suma: retratar é desenhar uma imagem; é uma atividade imaginativa e qualitativa. Nós olhamos para o todo, para o formato unificador ou para o movimento, para a expressão coerente de alguma coisa – e podemos encontrar essa expressão individualizada em qualquer parte dessa coisa, da mesma forma como encontraríamos uma parte dessa parte permeando o todo. O caráter da pata do elefante não está radicalmente separado do caráter de sua cabeça. Nós somos capazes de dizer muitas coisas a respeito desse caráter e, ao fazer isso, necessariamente tentamos ser tão precisos quanto possível; mas nosso esforço não é redutível à busca de tal precisão. Por outro lado, a explicação, como um ideal estrito e auto-suficiente, leva-nos a analisar e dividir, abstraindo elementos particulares da figura e isolando, tanto quanto possível, as mais simples relações quantitativas entre esses elementos de forma tal que nos seja possível dizer um simples "sim" ou "não" em relação à correta formulação de tais relações. Qualidades interpenetrantes e suas transformações vão além desse quadro. Evitamos dizer o que qualquer coisa realmente se parece até que cheguemos a um nível "fundamental' de explicação, mas então descobrimos que podemos dizer pouco a respeito daquilo com o que se parece a partícula subatômica e, consequentemente, dificilmente ela pode nos dizer com o que qualquer coisa se parece.

Como nós aprendemos com o que alguma coisa se parece? Certamente não é através de tentar capturar ao acaso e agarrar a "natureza interior" diretamente com algum de nossos sentidos. Isso é aprendido com a abstração. Goethe nomeou tal tentativa de infrutífera, mas também ofereceu uma alternativa: "trabalhamos em vão ao descrever o caráter de uma pessoa, mas se desenhamos suas ações, seus comportamentos, todos juntos, uma imagem de seu caráter emergirá" (Goethe, 1995, p. 158). Este retrato multifacetado, no qual nos engajamos ativamente e no qual mantemos nossa imaginação, é nossa compreensão – e a explicação, no amplo sentido da palavra.