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Coordenação editorial: Juçara Benvenuti,

Mauro Augusto Burkert Del Pino, Simone Valdete dos Santos,

Tania Beatriz Iwaszko Marques.

Supervisão editorial: UFPEL

Design editorial, capa e diagramação: Nativu Design

Revisão: Juçara Benvenuti

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Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas  Reitor: Prof. Dr. Antonio Cesar Gonçalves Borges Vice-Reitor: Prof. Dr. Manoel Luiz Brenner de Moraes Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Prof. Dr. Luiz Ernani Gonçalves Ávila Pró-Reitora de Graduação: Prof. Dra.Eliana Póvoas Brito Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Prof. Dr. Manoel de Souza Maia Pró-Reitor Administrativo: Eng. Francisco Carlos Gomes Luzzardi Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Prof. Ms. Élio Paulo Zonta Pró-Reitor de Recursos Humanos: Admin. Roberta Trierweiler Pró-Reitor de Infra-Estrutura: Mario Renato Cardoso Amaral Pró-Reitora de Assistência Estudantil: Assistente Social Carmen de Fátima de Mattos do Nascimento  CONSELHO EDITORIAL Profa. Dra. Carla Rodrigues Prof. Dr. Carlos Eduardo Wayne Nogueira Profa. Dra. Cristina Maria Rosa Prof. Dr. José Estevan Gaya Profa. Dra. Flavia Fontana Fernandes Prof. Dr. Luiz Alberto Brettas Profa. Dra. Francisca Ferreira Michelon Prof. Dr. Vitor Hugo Borba Manzke Profa. Dra. Luciane Prado Kantorski Prof. Dr. Volmar Geraldo da Silva Nunes Profa. Dra. Vera Lucia Bobrowsky Prof. Dr. William Silva Barros

 

EDITORA E GRÁFICA UNIVERSITÁRIA R Lobo da Costa, 447 – Pelotas, RS – CEP 96010-150

Fone/fax: (53) 3227 8411 e-mail: [email protected]

Diretor da Editora e Gráfica Universitária: Carlos Gilberto Costa da Silva Gerência Operacional:João Henrique Bordin

 

Impresso no Brasil Edição: 2010 ISBN: 978-85-7192-750-6 Tiragem: 1000 exemplares Dados Internacionais de Catalogação na Publicação: Bibliotecária Daiane Schramm – CRB-10/1881 C615e Claudino, Zaqueu Key

Educação Indígena em diálogo. / Zaqueu Key Claudino. – Pelotas: Editora Universitária/UFPEL, 2010.

98p. ; 21 cm. (Cadernos Proeja II- Especialização-Rio Grande do Sul. Vol. II) Organização Geral: Juçara Benvenuti, Tania Beatriz Iwaszko Marques, Simone Valdete dos Santos, Mauro Augusto Burkert Del Pino.

ISBN 978-85-7192-750-6

1. Educação. 2. Memórias. 3. Formação. I. Título.

CDD540

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APRESENTAÇ‹O

Simone Valdete dos Santos e Tania Beatriz Iwaszko Marques ....................... 7

APRESENTAÇ‹O - SETEC/MEC

Caetana Juracy Rezende Silva e Vânia do Carmo Nóbile Silva ...................15

EDUCAÇ‹O IND¸GENA EM DI˘LOGO NA UFRGS: UM SONHO POSS¸VEL

Maria Aparecida Bergamaschi............................................................................19

EDUCAÇ‹O ESCOLAR IND¸GENA: UM SONHO POSS¸VEL?

Zaqueu Key Claudino .........................................................................................27

PENSANDO A EDUCAÇ‹O PROFISSIONAL E TECNOLŁGICA INTEGRADA ¤ EDUCAÇ‹O ESCOLAR IND¸GENA

Caetana Juracy Rezende Silva.............................................................................85

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APRESENTAÇ‹O

Simone Valdete dos Santos1 Tania Beatriz Iwaszko Marques2

A viagem não começa quando se percorrem distâncias,

mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores.

Mia Couto. O outro Pé da Sereia, p.65.

A Especialização PROEJA do Rio Grande do Sul de 2008 a 2010 percorreu distâncias geográficas de Porto Alegre a Bento Gonçalves, a Júlio de Castilhos, a Alegrete; distâncias institucionais articulando a Universidade Federal do Rio Grande do Sul aos Institutos Federais de Educação Profis-sional, Ciência e Tecnologia Rio Grande do Sul e Farroupilha (IFs Rio Grande do Sul e Farroupilha) e foram atravessadas distâncias interiores ao reunirmos, na gestão e execução das quatro turmas envolvidas, professores e

                                                       1 Doutora em Educação pela UFRGS. Coordenadora Geral da Especialização PROEJA/RS. Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Professora e Orientadora do PROEJA. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação pela UFRGS. Coordenadora Geral da Especialização PROEJA/RS. Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. E-mail: [email protected]

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VOLUME II | EDUCAÇ‹O IND¸GENA EM DI˘LOGO

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técnicos administrativos da Faculdade de Educação da UFRGS, do campus Bento Gonçalves do Instituto Rio Grande do Sul e dos campi Alegrete e Júlio de Castilhos do Instituto Farroupilha.

Desse nosso encontro das fronteiras interiores, desde a primeira edi-ção do curso em 2006, cerca de seiscentos especialistas em PROEJA foram formados, nas treze turmas que certificamos, dos quais, hoje, vários estão atuando como gestores, professores do curso e diretores de campus, como docentes e como equipe administrativa junto às pró-reitorias dos campi instituídos recentemente.

Ocupar esses espaços de gestão constitui um jeito de ser e de fazer a Educação Profissional e a Educação de Jovens e Adultos do interior da Universidade para o interior dos Institutos, em constante movimento que reverbera para o já constituído grupo de pesquisa CAPES/PROEJA, para a organização e execução do segundo seminário da especialização PROEJA ocorrido em Bento Gonçalves dias 23 e 24 de abril de 2010, que a exemplo do I Seminário em Santa Maria de 2009, também subsidiou os alunos e alunas das turmas de Alegrete, Júlio de Castilhos, Bento Gonçalves e Porto Alegre na elaboração dos trabalhos de conclusão de curso, visibilizados na maioria dos artigos desta coleção.

Este conjunto de livros representa uma continuidade aos sete volu-mes decorrentes da segunda edição da especialização PROEJA, já lançados, publicados pela Editora da Universidade Federal de Pelotas, realizados pela coordenação da Especialização PROEJA Rio Grande do Sul edição 2007-2009, envolvendo a Universidade Federal do Rio Grande do Sul com duas turmas em Porto Alegre, o campus São Vicente do Sul do Instituto Farroupi-lha com duas turmas, o campus Bento Gonçalves do Instituto Federal Rio Grande do Sul com uma turma, o Colégio Técnico Industrial vinculado à Universidade Federal de Santa Maria com duas turmas, todas elas tendo em média 50 alunos-professores das redes pública municipal, estadual ou fede-

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CADERNOS DA ESPECIALIZAÇ‹O PROEJA II | RIO GRANDE DO SUL  

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ral, nas áreas de Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional, dos níveis Médio ou Fundamental.

Esta nova coleção, então nomeada: Cadernos PROEJA II Especiali-zação Rio Grande do Sul, conta com nove volumes. Os primeiros volumes estão diretamente vinculados aos trabalhos de conclusão de curso dos alunos das quatro turmas da Especialização PROEJA, sendo realizada uma seleção de artigos pelos organizadores de cada volume considerando a originalidade, a relevância social e epistemológica presente em cada texto.

Destacamos o trabalho de orientação dos trabalhos de conclusão de cursos já presente na primeira edição da especialização PROEJA, pois desde aquela obra Reflexões sobre a Prática e a Teoria em PROEJA – Produções da Especialização PROEJA RS, passando pelos sete cadernos já publicados da segunda edição da Especialização, colocamos o orientador como segundo autor do artigo, considerando seu trabalho de iniciação à pesquisa de muitos professores especialistas, uma vez que em vários cursos de licenciatura pelos quais nossos alunos – professores passaram não ocorreram momentos de autoria. O trabalho de orientação tem reflexos diretos na prática docente, sobretudo dos professores que atuam com Ensino Médio, nível de ensino que passa por profunda crise no Brasil, denotando a fragilidade das pesqui-sas realizadas com o envolvimento dos jovens, cujas experiências possuem valor inestimável para os processos de ensino e de aprendizagem.

Assim, a nova coletânea ora apresentada tem a seguinte estrutura: o volume I inaugura uma reflexão sobre o PROEJA FIC – Educação Inicial e Continuada, programa inédito para os campi, no convênio com prefeituras, outras entidades de formação profissional que impõe novos arranjos para os campi envolvidos, seja na formação de professores, seja na organização do currículo, seja na perspectiva de atividades de extensão com estes trabalhado-res pouco escolarizados, na possibilidade de frequência ao Ensino Médio dentro dos IFs. Neste volume foram selecionados artigos das turmas de Bento Gonçalves, Júlio de Castilhos e Alegrete, campi que estão realizando

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VOLUME II | EDUCAÇ‹O IND¸GENA EM DI˘LOGO

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experiências de PROEJA FIC dentro da rede federal de Educação Profissio-nal e Tecnológica, sendo organizadoras do volume as também executoras do PROEJA FIC em suas instituições: Mariglei Severo Maraschin, Fernanda Zorzi e Greice Gonçalves Girardi, contando com a participação das profes-soras Simone Valdete dos Santos e Juçara Benvenuti.

O volume II intitulado Educação Indígena em Diálogo apresenta o Trabalho de Conclusão de Curso de um professor indígena kaingang3 da turma de Porto Alegre, que concluiu a terceira edição da Especialização PROEJA e atualmente é aluno em nível de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, com bolsa da Fundação Ford e um artigo de Caetana Juracy Rezende Silva coordenadora geral de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC/MEC, a qual fala deste lugar importante da gestão do PROEJA sobre educação escolar indígena.

O volume III, intitulado PROEJA Quilombola, organizado por Si-mone Valdete dos Santos e Paulo Sérgio da Silva, apresenta os Trabalhos de Conclusão de Curso de três alunas da Especialização PROEJA, a partir de pesquisas feitas nos quilombos de Limoeiro, Cambará e Casca, todos no Rio Grande do Sul.

Nos quatro volumes sob o título Refletindo Sobre PROEJA constam outros Trabalhos de Conclusão do Curso, das turmas 2008/2010. O volume

                                                       3 As produções dos quatro alunos professores Kaingang (Zaqueu Key Claudino, Andila Nĩvygsãnh Inácio, Maria Inês de Freitas, Márcia Gojtẽn Nascimento) das duas turmas de Especialização PROEJA, motivaram a Faculdade de Educação da UFRGS a propor para SETEC uma turma específica de professores indígenas e gestores da Educação Indígena para execução da Especialização PROEJA proposta diferenciada Indígena iniciando a turma ao final de 2010 até primeiro semestre de 2012, no intuito de implementar o PROEJA Indíge-na no Rio Grande do Sul. Este curso está sendo protagonizado pela UFRGS, tendo outras turmas de especialização com início em 2010: Santa Maria, executada pela Universidade Federal de Santa Maria; Passo Fundo, executada pelo campus Passo Fundo do IF Sul- Rio-grandense; Alegrete, executada pelo campus Alegrete do IF Farroupilha; e Bento Gonçalves, executada pelo campus Bento Gonçalves do IF Rio Grande do Sul.

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CADERNOS DA ESPECIALIZAÇ‹O PROEJA II | RIO GRANDE DO SUL  

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IV foi organizado pelas professoras Fernanda Zorzi e Juraciara Paganello Peixoto e é constituído pelas produções de Bento Gonçalves. No volume V, os professores Juçara Benvenuti, Rafael Arenhaldt e Tania Beatriz Iwaszko Marques reuniram os trabalhos de Porto Alegre. Já a turma de Júlio de Castilhos foi organizada por Mariglei Severo Maraschin e Fábio Azambuja no volume VI. E, a professora Greice Gonçalves Girardi fez a coletânea dos artigos de Alegrete no volume VII. Encerrando os quatro volumes, apresen-tamos o texto Orientações no PROEJA de autoria da professora Tania Bea-triz Iwaszko Marques.

O volume VIII, organizado por Fábio Azambuja Marçal, Mariglei Severo Maraschin, Greice Gonçalves Girardi e Simone Valdete dos Santos relata a organização e resultados do I Seminário dos Estudantes do Ensino Médio do PROEJA em Santa Maria nos dias 22 e 23 de maio, que envolveu a coordenação da Especialização PROEJA. Além disso, apresenta o material didático Cartilha das Mulheres, que foi elaborado por professores e alunos do PROEJA Ensino Médio Informática do campus Júlio de Castilhos. Além disso, dá visibilidade ao trabalho desenvolvido em Bento Gonçalves e apre-sentado pela professora Fernanda Zorzi, com os alunos/professores da Especialização PROEJA sobre o relato dos alunos do Curso Técnico em Comércio, ambos como atores dessa política, abordando a estreita relação entre a teoria e a prática, na luta por sonhos possíveis: a articulação da Educação Profissional, Educação de Jovens e Adultos e Educação Básica. Para finalizar, o volume apresenta uma carta dos estudantes e dos gestores do PROEJA da rede federal de educação profissional, científica e tecnológi-ca, reunidos em Santa Maria/RS em maio de 2010. O título desse volume é Refletindo sobre PROEJA: Produções do PROEJA Médio.

O volume IX, intitulado Estudos sobre a Implantação do PROEJA, organizado por Simone Valdete dos Santos, reúne duas pesquisas de mestra-do e um artigo sobre os movimentos constituintes da Implantação do PROEJA na rede federal de Educação Profissional e Tecnológica. As pesqui-

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sas que estão vinculadas aos programas de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Brasília (UNB), analisam os processos de implantação do PROEJA na rede federal, em cinco campi dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, quais sejam: Charqueadas no Rio Grande do Sul; Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro; Florianópolis, em Santa Catarina; Boa Vista, em Rorai-ma; e Pelotas, no Rio Grande do Sul. O artigo da professora Jaqueline Moll apresenta algumas reflexões sobre os desafios para a construção da Educação Profissional e Tecnológica na EJA como política pública.

Por certo, as fronteiras interiores das Universidades, dos Institutos, dos professores, dos alunos, dos gestores envolvidos com a Especialização PROEJA, tanto no cuidado com sua execução, como na frequência às aulas, ou na realização de seus seminários ultrapassou enormes distâncias. Ocorreu também aproximação entre pesquisadores e estudos realizados no grupo CAPES/PROEJA, na Especialização, em nível de Mestrado ou Doutorado, nos cursos de PROEJA FIC, PROEJA Médio, nas propostas de Educação Indígena diferenciada Guarani ou Kaingang e no PROEJA Quilombola.

Houve trocas de experiências nas funções de docência e gestão dos Institutos e da Universidade, vinculadas à Educação Profissional, à Educação de Jovens e Adultos e/ou ao PROEJA, bem como preocupação com a for-mação de professores inseridos nestas modalidades de Educação.

Além de tudo isso, todo o grupo, protagonista ou não, da Especiali-zação PROEJA foi envolvido nas amizades, nos conflitos que tivemos ao longo destes dois anos e na efetivação de mais esta coleção, que agiu sobre nossos interiores e, sem dúvida alguma, nos fizeram pessoas melhores.

A parceria iniciada na coleção anterior com a editora da Universida-de Federal de Pelotas, intermediada pelo professor Mauro Augusto Burkert Del Pino, professor da Especialização PROEJA, integrante do grupo de pesquisa CAPES/PROEJA se mantém na atual publicação, assim como a

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revisão e a formatação, de cada volume, feita pela professora da Especializa-ção PROEJA e orientadora de TCCs Juçara Benvenuti.

Encerramos com as belas palavras do professor Dr. Balduíno Andre-olla, que foi nosso diretor da Faculdade de Educação da UFRGS, na apre-sentação do livro Formação de Educadores, lançado recentemente pela editora da UNIJU¸: „Nunca apreciei muito as estrelas que brilham sozinhas e distantes do firmamento. ¤ luz ofuscante e solitária das estrelas de primei-ra grandeza, preferi sempre a luz mansa e fraternal das constelações‰.

A coleção que aqui se apresenta é obra de constelações que brilha-ram para organizar a Especialização PROEJA e brilham continuamente para o pleno êxito das turmas de PROEJA FIC e PROEJA Médio em suas institu-ições, acreditando no brilho maior que é ofertar Educação Profissional de qualidade integrada à Educação Geral para jovens e adultos trabalhadores do Brasil.

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APRESENTAÇ‹O - SETEC/MEC

Caetana Juracy Rezende Silva1 Vânia do Carmo Nóbile Silva2

Eu me declaro culpado de não ter feito, com estas mãos que me deram,

uma vassoura.

Por que não fiz uma vassoura? Por que me deram mãos?

Pablo Neruda

A questão da formação de profissionais – docentes, gestores, técnicos – para a educação básica tem se colocado na pauta de grande parte das discus-sões sobre a qualidade e universalização deste nível educacional. Nas diversas instituições, redes e sistemas de ensino, estes profissionais encontram dificul-

                                                       1 Mestre em Música. Técnica em Assuntos Educacionais do Ministério da Educação. Coorde-nadora-Geral de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica SETEC/MEC. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação. Coordenadora Nacional do PROEJA – Diretoria de Políticas de Educa-ção Profissional e Tecnológica da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação – DPEPT/SETEC/MEC. E-mail: [email protected].

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dades frente aos inúmeros desafios decorrentes de uma realidade complexa, envolvendo grandes desigualdades sociais, aceleradas modificações científico-tecnológicas, mudanças no campo produtivo e nas relações de trabalho, entre outras.

Em 2006, a formulação de uma proposta geral para o desenvolvimen-to de cursos de pós-graduação lato sensu, visando à formação de especialistas em educação profissional integrada com a educação de jovens e adultos – circunscrita nas ações de estruturação do PROEJA – buscou responder parci-almente à demanda das redes de ensino frente aos desafios de proporcionar a jovens e adultos escolarização e profissionalização alicerçadas na compreensão do direito de todos à educação e na concepção de formação omnilateral, na perspectiva do pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho3. O financiamento dessa ação foi pensado como forma de promover as condições necessárias para o desen-volvimento de outras propostas formativas e produção de conhecimentos nesse campo educacional, passando a compor o quadro geral de iniciativas de formação de profissionais para a educação básica.

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, por intermé-dio de sua Faculdade de Educação, desde o primeiro convite, ainda em 2006, tem coordenado o polo constituído juntamente com outras instituições fede-rais desse estado. Tem promovido uma das melhores experiências de integra-ção entre as ações de formação e de pesquisa (grupo em que participam tam-bém os Institutos Federais, a Universidade Federal de Pelotas e a UNISINOS) com a oferta dos cursos PROEJA desenvolvidos nos Institutos Federais Far-roupilha, Sul Rio-Grandense e do Rio Grande do Sul e nas escolas técnicas vinculadas à Universidade Federal de Santa Maria, além de outras experiências de EJA, o polo do Rio Grande do Sul é responsável pelo maior conjunto de publicações sobre PROEJA em todo o país.

                                                       3 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 205, sobre os objetivos da educação.

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A proposta de se oportunizar aos educadores e demais profissionais da educação, inseridos ou que venham a se inserir no desenvolvimento dos cursos PROEJA, uma formação continuada a partir da sua experiência docen-te tem mostrado a importância de que esta formação surja da identificação e da reflexão sobre sua prática pedagógica, no sentido da formação pessoal e profissional que o faz educador.

Assim, o currículo do curso de pós-graduação lato sensu do polo co-ordenado pela UFRGS, com seus projetos integradores e com a construção dos memoriais formativos tem possibilitado a discussão de temáticas funda-mentais para o fortalecimento do PROEJA como as concepções, financiamen-to, formação de professores, currículo, material didático, articulação entre as esferas de governo, acesso e permanência, gestão e estrutura da escola para implementação do PROEJA, bem como da reflexão sobre os educandos e suas trajetórias escolares e profissionais.

As temáticas escolhidas para a reflexão proposta aos leitores nesta co-letânea dos Cadernos PROEJA II – Especialização Rio Grande do Sul revelam um olhar para a implantação e o desenvolvimento dos cursos PROEJA Técni-co e de Formação Inicial e Continuada no contexto dos Institutos Federais, mas também um olhar sensível para as temáticas específicas como a indígena e a quilombola ao revelar as possibilidades da integração da educação profis-sional e educação básica para jovens e adultos a partir das particularidades dessas comunidades.

O cuidado na escolha e organização dos artigos revela ainda a preo-cupação com a escuta e consideração do que têm a dizer àqueles que constitu-em o PROEJA, direta ou indiretamente, ao apropriarem-se de sua essência para recriá-lo nos espaços escolares e na sociedade em geral.

Refletindo a partir das palavras do poeta Pablo Neruda sobre a produ-ção do polo de Especialização PROEJA no Rio Grande do Sul, evidencia-se o esforço de estudantes, pesquisadores e educadores em recolher o fio da vassou-

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ra verde ainda na terra, colocar para secar os talos ternos e unir num feixe áureo, juntando um caniço de madeira à saia amarela até dar uma vassoura aos caminhos.

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EDUCAÇ‹O IND¸GENA EM DI˘LOGO NA UFRGS: UM SONHO POSS¸VEL

Maria Aparecida Bergamaschi1

Como orientadora de Zaqueu Key Claudino, estudante Kaingang que muito honra e enriquece a universidade com sua presença, é uma alegria apresentar o seu trabalho de conclusão de curso da Especialização em Educa-ção Profissional Integrada à Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, neste volume, que é o número IX da coleção Cadernos da Especialização PROEJA. O autor desta obra é professor na Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Fag Nhin, escola diferenciada e bilíngue, situada na aldeia do mesmo nome, no município de Porto Alegre. Zaqueu nasceu na Terra Indígena da Guarita - RS, com a qual mantém contanto frequente, pois segundo ele, lá estão suas raízes, lá está sua família. Conheci seu pai no dia em que veio visitar pela primeira vez a universidade, muito orgulhoso por seu filho estudar na UFRGS, assim como seus netos Cleverson e Gilmar, que estão cursando História e Ciências Sociais, respectivamente. O pai de Zaqueu sabe que não precisa da universidade para formar uma pessoa

                                                       1 Doutora em Educação. Professora na Graduação e na Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFRGS. Integrante da Comissão de Acesso e Permanência do Estudante Indígena na Universidade e pesquisadora de questões relacionadas à Educação Indígena. E-mail: [email protected]

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kaingang, mas sabe também da importância estratégica de formar profissio-nais que possam assumir a condução do trabalho nas escolas, nos postos de saúde, nas instituições que tratam das questões indígenas em geral, hoje ocu-pada majoritariamente pelos fog2.

Por que da alegria? A celebração de um momento importante, como a conclusão da Especialização e a possibilidade de divulgar a produção de um aluno por mim orientado no processo de elaboração do trabalho final são suficientes para responder a pergunta. Mas, se somam a esse, outros motivos, que considerados numa trajetória coletiva, percebo-os como bifurcações na história da educação brasileira, na história da universidade, na história do Brasil. Ilya Prigogine, destacado cientista russo, Nobel de Física em 1977, num texto denominado Carta para as Futuras Gerações, publicado no Caderno Mais do Jornal Folha de São Paulo em janeiro de 2000, disse que „bifurcações são a um só tempo um sinal de instabilidade e um sinal de vitalidade em uma dada sociedade. Elas expressam também o desejo por uma sociedade mais justa‰ e anunciam um sentimento otimista em relação à história, em relação ao próprio movimento da sociedade e as possibilidades que são colocadas para quem acredita, como eu, que o futuro não está dado e que vale a pena sonhá-lo.

E Prigogine, envolvido pelo sentimento de novo começo que perpas-sava o período de mudança de século e de milênio, visto que o artigo aqui lembrado foi publicado em meio às celebrações do final século XX e limiar do século XXI, perguntava: „Mas qual será o resultado dessa bifurcação? Em qual de seus ramos nos encontraremos‰. Atualizando a reflexão ao reler o artigo no momento que me vejo na situação de apresentar o livro escrito pelo estudante indígena, situação que me desafia, mas acima de tudo mostra um dos resulta-dos dessa bifurcação e revela uma presença desejada e festejada, já como fruto de muitas semeaduras que encontrou pequenos espaços de solo fértil e propí-

                                                       2 Denominação dada à pessoa não-indígena na língua kaingang.

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CADERNOS DA ESPECIALIZAÇ‹O PROEJA II | RIO GRANDE DO SUL  

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cio para a germinação no meio universitário. Há mais de dez anos Prigogine alertava: „a preservação do pluralismo cultural e o respeito pelo outro exigirá toda a atenção das gerações futuras‰. Faz bem pensar que sonhos sonhados por gerações anteriores, como os do cientista aqui recordado, são parte de um pequeno, mas importante movimento que altera a UFRGS na direção de sair da monologia que predomina em sua configuração cultural, social, epistemo-lógica e mostra os primeiros passos na direção do pluralismo cultural e o respeito ao outro.

Diante dessa publicação, penso que a universidade pode se olhar com mais orgulho, por ter em seu seio a presença de estudantes indígenas em diversos cursos: na graduação, desde 2008, dez estudantes ingressam a cada ano; no mestrado acadêmico, conta com um estudante na Pós-Graduação em História, o autor desta obra na Pós-Graduação em Educação e já tem um mestre formado; nas Especializações PROEJA, que lentamente abriram suas portas, tem quatro especialistas e oferece, nesse ano, o primeiro curso diferen-ciado: „Especialização em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Proposta diferenciada para Indígenas‰. Vejo nessas ações da universidade um importante projeto de futuro, que timidamente inicia o movimento para instituir, desde esse lado não-indígena da sociedade brasileira, um diálogo intercultural com os povos indígenas. Digo desde cá, pois os povos indígenas mostram concretamente sua disposição para isso e segundo Canclini (2007) são os que apresentam hoje um patrimônio mais palpável para a interculturalidade.

Entendo interculturalidade como um movimento concreto da socie-dade que, como explica Canclini (idem, p. 17), remete „à confrontação e ao entrelaçamento, àquilo que sucede quando os grupos entram em relações de troca‰. O antropólogo mexicano evidencia que para existir a interculturalida-de é necessária a vontade de re-conhecer e aceitar a heterogeneidade e, princi-palmente compreender e admitir que todos os grupos culturais se constituem em relação. Essa relação implica „negociação, conflito e empréstimos recípro-

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cos‰ e requer a construção de um patrimônio para o diálogo intercultural. No decorrer da história, num intenso processo de interação com as sociedades nacionais, os povos indígenas construíram um patrimônio que lhes permite hoje apontar os espaços políticos necessários para manter uma vida digna, como o espaço da universidade, pela qual mostram grande interesse. É nesse espaço que formarão especialistas para assumir postos-chave na produção e condução de suas políticas. Mas, acima de tudo, mostram que estão dispostos a compartilhar seus valores, apreender com as trocas, conquanto mantenham espaços sociais diferenciados e inegociáveis. Observamos que suas sociedades se transformam por meio da dinâmica cultural que as modificam, no entanto continuam indígenas. E, nesse sentido, Canclini diz:

Não é pouca coisa este patrimônio de interculturalidade numa época em que a expansão busca uniformizar o design de tantos produtos e subordinar os diferentes padrões internacionais; quando, por exemplo, a maioria dos estadunidenses não sente necessidade de saber nada além do inglês, conhecer sua própria história e só imaginar com seu cinema e sua televisão. Os po-vos indígenas têm a vantagem de conhecer pelo menos duas línguas, articular recursos tradicionais e modernos, combinar o trabalho pago com o comunitário, a reciprocidade com a con-corrência mercantil (2007, p. 69).

Essas questões estão bem presentes no trabalho de Zaqueu Key Clau-dino, em cujas páginas oferece aos leitores o exercício constante de articular, num trabalho acadêmico de conclusão de curso, a sabedoria de seu povo, os preceitos da educação tradicional kaingang, sendo alguns trechos escritos no seu idioma materno e os pressupostos da educação escolar indígena. Além de apresentar essa escrita para sua comunidade e contribuir para a qualificação dos professores indígenas que atuam nas escolas específicas e diferenciadas situadas nas Terras Indígenas, também oferece essa sabedoria como referência para pensar as práticas educacionais da sociedade moderna, tão carente de reflexão em torno dos seus valores educacionais. O pensamento de Zaqueu vai

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se materializando nesse livro como um verdadeiro diálogo entre diferentes cosmologias: uma que tem a escola em seu centro educacional e que a intro-duziu no seio das comunidades indígenas desde os tempos da colonização, intensificando sua ação no período republicano da história nacional; e outra que representa a cosmovisão kaingang e os modos próprios de educar.

Quando iniciou seu trabalho de conclusão de curso o estudante da especialização, hoje cursando o mestrado, mostrava grande preocupação em compreender e se apropriar da teoria educacional não-indígena, principalmen-te em adequar sua pesquisa aos moldes acadêmicos. Foi desafiado para deixar fluir sua escrita e também pesquisar autores da sua tradição, autores que constituem uma „biblioteca viva‰, pois são os detentores do saber numa sociedade de cultura oral e, nesse sentido, Zaqueu percebeu um caminho importante, de afirmar a cultura e os saberes kaingang. Os leitores dessa obra poderão ver que as referências, que constam ao final do texto como toda boa obra acadêmica, remetem a alguns saberes da tradição escrita acadêmica, mas principalmente, a autores da tradição oral indígena. São os depoimentos de pessoas mais velhas, como Felipe Rëtón da Silva e João Carlos Kanheró, ou jovens pesquisadores kaingang, que hoje vivem de forma intensa a intercultu-ralidade, como Danilo Braga, Selvino Kókaj Amaral, Amilton Mello e seu filho, hoje estudante do curso de História na UFRGS, Cleverson Nïvénh-mág Claudino.

Outra marca singular do texto de Zaqueu são as epígrafes, trechos es-critos na língua kaingang e que abre cada seção. Por meio delas o autor se dirige com exclusividade ao seu povo, aos professores bilíngues, aos estudantes das escolas indígenas kaingang. Como uma saudação, antecipa por meio dessas afirmações o que trata cada uma das seções, colocando em primeiro lugar um idioma que já foi rechaçado pela sociedade nacional, considerado feio. Contou que ainda hoje, ao conversar com seus parentes, há duas pergun-tas iniciais: a primeira para identificar a marca tribal proveniente da dualida-

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de cosmológica de seu povo e a segunda é para saber se o interlocutor é falan-te „da língua feia‰.

Por isso, ao apresentar seu trabalho de conclusão na sala 924, 9… andar da Faculdade de Educação, diante de uma platéia respeitosa e ávida por co-nhecer os saberes que seriam apresentados, proferiu uma primeira fala em Kaingang, sem dúvida dirigida a sua família e ao parente e colega de universi-dade aí presente, mas imagino que, sobretudo para afirmar um conhecimento que até há pouco tempo foi negado pela academia e pela sociedade nacional. E, em meio a uma fala emocionada, deixou escapar a frase: „e pensar que já houve um tempo em que falar na língua kaingang era considerado feio!‰. A maioria das pessoas presentes nesse ritual acadêmico não compreendeu a fala proferida em kaingang, mas acompanhou com atenção e admiração e esperou o momento em que o aluno fez a tradução e compartilhou os resultados de sua pesquisa, fundamentada pela sabedoria de seu povo com quem teve a oportunidade de apreender desde pequeno, como nos conta em seu texto.

A educação escolar indígena está sendo pensada por muitos intelectu-ais indígenas. Durante muitos anos não houve espaço institucionalizado para que os próprios indígenas conduzissem suas escolas e ainda hoje isso não ocorre de forma plena. Mas, o que presenciamos e acompanhamos é o traba-lho intenso, como o registrado no texto de Zaqueu, em que uma postura crítica diante das práticas escolares que não são organizadas para serem, de verdade, específicas e diferenciadas fundamenta-se nos saberes tradicionais.

É a vontade de fazer da escola um espaço eminentemente indígena que aciona a pergunta do título do livro: „Educação escolar indígena: um sonho possível?‰ e é a decisão de que a condução da política de educação escolar indígena precisa seguir outra direção que pauta a escrita de Zaqueu. Como ele mesmo afirma na primeira página de seu trabalho:

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Exige-se que o processo educativo considere toda essa diversi-dade não apenas em nível declarativo, mas criando mecanis-mos que possam viabilizar um trabalho de revitalização cultu-ral da etnia kaingang na prática, no estado do Rio Grande do Sul.

Com a fluência marcada por um modo específico de narrar, como se contasse uma história, Zaqueu, nas dez seções que compõem seu trabalho, pensa nas questões importantes que envolvem a relação da sociedade não indígena com as sociedades indígenas, questionando a generalização que a escola reforça, ao não singularizar a história e a cultura de cada etnia, de cada povo. Afirma que os povos indígenas têm um sistema de educação e que a escola introduzida nas Terras Indígenas, em geral desconhece esses saberes tradicionais.

Concordando com Zaqueu, junto as minhas palavras para chamar a atenção dos leitores: é comum as escolas brasileiras se ensinar „usos e costu-mes‰ dos povos indígenas. Quando se fala em história e cultura dos povos indígenas ouvem-se relatos como estes: „chamamos um grupo indígena para apresentar suas danças‰. Sim, isso é importante, mas quero, junto com Za-queu, dizer outra coisa: os povos indígenas têm saberes, tem conhecimentos, tem História, tem um complexo sistema cultural e, compondo essa sociedade há um sistema educacional tradicional. E é esse sistema que o autor descreve nas páginas do Caderno da Especialização PROEJA, anunciando que aqui estão as bases para fundamentar uma educação escolar diferenciada e quiçá um PROEJA Kaingang.

Portanto, eu vejo que, a conclusão do curso de Especialização para mais um estudante indígena, significa sim a formação de um quadro de espe-cialistas que poderá assumir, em breve, a condução das políticas de educação escolar indígena, poderá assumir a direção das escolas nas Terras Indígenas, hoje dirigidas por professores não-índios. Mas tem outros significados ainda:

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é a possibilidade da sistematização de conhecimentos que registrados em livro podem constituir a base da organização das escolas indígenas. É a possibilida-de de constituir um referencial bibliográfico que, além de outro conteúdo, alia outra forma de escrever, enriquecendo a literatura educacional brasileira que já vem bebendo nessa fonte, pois Zaqueu integra um grupo significativo de indígenas escritores, que registra e divulga por meio da escrita o que os intelectuais indígenas denominam de educação tradicional.

Dialogando com a Educação Indígena, segue a escrita de Zaqueu o texto de Caetana Juracy Rezende Silva, coordenadora-geral de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC/MEC, que tece considerações importantes para pensar a Educação Escolar Indígena, principalmente Ensino Médio e Profissionalizan-te. Seu artigo anuncia um movimento de suma importância: a apropriação de argumentos produzidos por intelectuais indígenas, argumentos estes que podem sustentar políticas públicas mais próximas das aspirações dos povos ameríndios. A consideração à produção intelectual indígena evidencia o res-peito e o reconhecimento aos saberes desses povos, tratando com igualdade os conhecimentos advindos de diferentes cosmologias e constitui uma amostra do cuidado com o outro, da busca de complementaridade, de diálogo inter-cultural.

Almejando aprendizagens interculturais, a todos os leitores desejo uma boa leitura!

Referências

CANCLINI, Nestor García. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da intercul-turalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.

PROGOGINE, Ilya. Carta para as futuras gerações. Jornal Folha de São Paulo, Ca-derno "Mais!". São Paulo, 30 de jan de 2000.

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EDUCAÇ‹O ESCOLAR IND¸GENA: UM SONHO POSS¸VEL?

Zaqueu Key Claudino1

Resumo O principal objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão sobre as políticas educacio-nais integracionistas e sobre a política atual de educação escolar, que se fundamenta no paradigma da interculturalidade, mas também na falta de respeito com a diferen-ça da metodologia que os professores indígenas do sul do país usam e vem usando. O indígena, vivendo em intenso contato com a sociedade não indígena que o cerca, conserva uma espécie de lealdade à sua identidade cultural étnica. Portanto, para que este trabalho ou sonho possa ser desenvolvido com dignidade é necessário que as políticas criadas para a educação escolar indígena dêem condição apropriada para que os professores e pesquisadores desta modalidade de ensino, a educação escolar indígena, desenvolvam propostas pedagógicas diferenciadas e específicas, voltadas especialmente para a modalidade do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. Exige-se que o processo educativo considere toda essa diversida-de não apenas em nível declarativo, mas criando mecanismos que possam viabilizar um trabalho de revitalização cultural da etnia kaingang na prática, no estado do Rio Grande do Sul. Por meio de políticas voltadas para a educação escolar indígena com propostas pedagógicas diferenciadas em sala de aula, para que os indígenas que não tiveram acesso à educação no tempo considerado normal tenham oportunidade de

                                                       1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Professor na Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Fag Nhin. E-mail: [email protected]

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voltar a estudar nesta modalidade de ensino que é a EJA. Nesse trabalho apresento como esses povos indígenas sofreram desde os tempos da colonização e vem sofrendo ainda hoje, com ataques, perseguições e desvalorização da metodologia usada pelo professor indígena, com falta de atendimento e entendimento do governo federal. Para que o assunto seja melhor entendido fez-se necessário uma descrição resumida dos aspectos históricos, políticos, sociais e econômicos da referida sociedade. Os aspectos tradicionais da dinâmica kaingang oferecem mais que um exemplo de resistência de uma sociedade frente a um massacre programado que dura mais de cinco séculos. São esses aspectos da cultura tradicional que constituem referências-chave para a elaboração e implementação das estratégias kaingang com relação ao seu convívio com os não indígenas, através da educação escolar indígena: um sonho possível.

Movimento de resistência de professores bilíngues, contra os ataques sofridos pelos Kaingang, Terra Indígena Guarita RS. Fotografia cedida pela professora bilíngue Marli Kej Claudino.

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Apresentação

Pertenço à etnia Kaingang, faço parte da metade exogâmica Kamë „Rá Téj‰, me chamo Zaqueu Key Claudino. Nasci na Terra Indígena Guarita, noroeste do Estado do Rio Grande do Sul no município de Miraguaí. Desde que nasci, ou seja, quando criança já participava dos cerimoniais que aconte-ciam na aldeia. Ao se aproximar os festejos, os rituais de transição para a vida adulta, meus pais e meus padrinhos se preparavam para comemorar mais um cerimonial que lhes concedia mais um adulto ao seu convívio social e fazer parte das decisões que são tomadas na casa dos homens, „Kanhgág ag ˛n‰.

Então, a partir do costume, cresci aprendendo, isto é, fui me tornan-do adulto, bebendo o saber indígena da minha comunidade nos contatos pessoais, sociais e diários. O aprendizado que recebi do meu povo, dos meus familiares fez com que me tornasse um cidadão Kanhgág Pë, um sacerdote da sociedade Kaingang. Este saber que absorvi me acompanha até os dias de hoje, com ele aprendi os primeiros conhecimentos para me tornar homem e servir de referência para os mais novos de minha etnia. Mais tarde ingressei também nos saberes da escola, e este saber ocidental fez com que me preocupasse com o meu povo. Foi com este intuito que, após terminar o antigo primeiro grau, preocupado com minha formação, tornei-me professor bilíngue, com uma especificidade voltada para o meu povo no curso VÄFY.

Mais tarde entrei na academia, formando-me em Pedagogia - Licencia-tura e hoje sou um pesquisador da educação escolar indígena kaingang. Cursei a Pós-Graduação lato-senso (PROEJA) e este trabalho foi um dos requisitos para conclusão da Especialização PROEJA.

Esse trabalho pode constituir uma base para futuras pesquisas na área de educação escolar indígena ou áreas voltadas para a história e a cultura indígenas kaingang, pois nasce de uma releitura sobre o meu povo kaingang, de estar vivendo o contemporâneo, a formação na cultura e como a escola em si precisa trabalhar os conhecimentos ancestrais e a história indígena, trazen-do este saber para a atualidade. Colocar a educação escolar indígena em pé de

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igualdade com a educação escolar brasileira este é o meu desejo, seja no âmbi-to do Ensino Fundamental, Ensino Médio como também no PROEJA. A partir deste olhar precisei fazer uma interlocução com bibliografias, consul-tando obras de pesquisadores que escreveram sobre o nosso povo; mas traba-lhei, principalmente, com o saber tradicional dos velhos, do kujá, que é a nossa biblioteca tradicional Kaingang.

Saudoso Kakrë Dinarte Bento. Fotografia cedida por Claudir Trindade morador da Terra Indígena Kaingang Fág Nhin – Lomba do Pinheiro, Porto Alegre/RS

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A sociedade Kaingang no mundo Contemporâneo

˙g ta uri fóg ag vï tavïn tu vënhkajränrän mü ën tu vënhrá vë tag ti. Kar ëg tóg fóg ag rike nÈtï sór mü ën tu ke vê gé, hära inh mré ëg tü tavïn tu väsän, ëg krë ag ta käjatun tü nïn jé.

A sociedade indígena Kaingang vem, em sua trajetória, modificando-se ao longo dos tempos, hoje muito mais transformada, ou seja, com o modo de vida diferenciado, influenciado pelo não indígena. Mesmo assim, conserva uma espécie de lealdade a sua identidade étnica e cultural, o que não deixa de ser um traço de sua dignidade pessoal.

Há muitos povos indígenas vivendo no Brasil, porém, são poucos os que vivem exclusivamente de suas fontes tradicionais, como caça e pesca. Outros já vivem da forma muito semelhante às sociedades envolventes, como, por exemplo, no que diz respeito à sustentabilidade econômica. Atualmente existem muitos indígenas que vivem em casas com energia elétrica, possuem aparelhos de som, TV e computador. Estes têm outra forma de sustentação: sabem usar um carro para se locomover, conservam seu idioma tradicional ao lado de um português quase que perfeito e atuam no cenário político, fre-quentando também a rotina de universidades. Mesmo sabendo que são mem-bros de uma sociedade tradicional que conhecem a rotina de várias fontes ou saberes não indígenas, não são todos que participam destes eventos porque a maioria destas pessoas já tem uma formação do conhecimento tradicional, que são transmitidos através do conhecimento dos mais velhos, este é muito mais considerada do que frequentar e receber conhecimento científico das universidades.

Frente a várias transformações, o indígena traz em si heranças muito antigas que afloram nos mais diversos momentos, que se legitimam durante

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os rituais, ainda praticados em suas aldeias. O indígena não vive mais somen-te da caça, da pesca e da coleta de frutas e legumes. A prioridade hoje é a terra, pois com ela os indígenas podem manter o seu modo de vida, se adequando às mudanças socioeconômicas, plantando e produzindo artesanato. Assim, sustenta sua família e cria seus filhos como faziam seus antepassados, mesmo morando em casa com energia elétrica, ouvindo rádio e vendo TV.

A partir disso não é possível generalizar o modo de vida dos povos indígenas do país, pois cada etnia vive de acordo com a sua cultura. As socie-dades mudam, e isso não seria diferente com os povos indígenas no sul do país. Os meios de informação todo o tempo vem se modificando, a tecnologia esta em todos os lugares e à disposição para que delas façam uso em suas pesquisas. Mas nem sempre a informação é passada de modo correto. Como é o caso da Educação Escolar Indígena, uma questão muito discutida em todas as fases do ensino, seja ela Diferenciada, Específica ou do modo como cada povo dela se apropria. Esta é uma questão que os pesquisadores elegem como mistério, enquanto que para outros é desconhecida.

A realidade que o povo kaingang vive é que os diferencia da sociedade envolvente, da forma de pensar, do ensinar e do aprender, mesmo sabendo que estão em processo de formação de sua escrita e absorvendo técnicas ao saber kaingang, preservam o valor que a oralidade confere a este povo e, é ouvindo o KUJ˘ que eles crescem apreendendo com os membros mais velhos da sua comunidade. De forma geral são eles, os „kujá‰, os que transmitem a sabedoria e que fortalecem cada vez mais a cultura, seja em sala de aula ou fora da escola, na mata ou em qualquer contato social. Eles representam à força de vida e preparam os mais jovens para a continuação de sua etnia; por serem considerados a biblioteca viva do seu povo, sabem de onde vieram, onde estão e sabem para onde estão indo.

A realidade que a sociedade envolvente traduz, na contemporaneida-de, para outros seguimentos de comunidade, o povo indígena interpreta de vários ângulos. A sociedade kaingang dá mais importância aos princípios

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básicos de seus costumes, dos valores culturais que regem a vida social desta etnia. Isso é resultado da vivência e da experiência dos velhos, que transmitem o saber em harmonia com seu povo, pois sabem que a continuação dos sabe-res kaingang não depende somente aos lideres políticos „caciques‰, mas sim dos velhos e do Kujá, que detém o saber tradicional kaingang. Olhando a sociedade não indígena, na visão das sociedades tradicionais, compreendemos que eles (os Fóg) são capazes, muitas vezes, de prejudicar os seus próprios irmãos ou parentes para ter benefícios próprios. Não entendem que a coleti-vidade é uma organização da mais alta qualidade para se ter uma sociedade justa, onde todos possam participar e ter oportunidade de estar sendo benefi-ciados como indivíduos e também como seres humanos.

Para se ter uma idéia, havia educação, ou seja, o ensino transmitido antes mesmo que houvesse escola entre os kaingang. O aprendizado se dava em qualquer tipo de contato, pois era sempre possível aprender algo novo no intercâmbio com os mais velhos. Esta concepção era visível porque um mem-bro kaingang, mesmo sendo muito jovem, aprendia as mais variadas formas de como deveriam absorver o aprendizado, desde o seu nascimento até a sua formação inicial ao mundo do adulto. Cada indivíduo pertencente a uma metade exogâmica Kamë ou Kajru tinha seu orientador ou o seu „Kajrän fä‰, uma espécie de professor que lhe orientava até a vida inicial ao mundo dos adultos. Percebe-se que na formação inicial o jovem indígena aprende primei-ramente como lidar com a dor, a partir desta formação está aprendendo que a existência do conhecimento mesmo sendo muito jovem/pequeno é de grande valia, por que é neste momento de aprendizagem que a criança começa a participar da vida cotidiana da sua comunidade.

Os paramentos que os kujá e os mais velhos da aldeia preparam para uma iniciação dos jovens para a vida adulta, começam a partir da festa co-memorada pelo kujá, quando é ordenada aos futuros guerreiros a responsabi-lidade pela busca dos materiais como, fogo, água, lenha e a trituração no pilão, exceto as ervas medicinais, colhidas somente pelo kujá.

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Na cultura kaingang, a fala é mais importante que a escrita e por isso que os Kujá treinam a memória dos jovens indígenas para poderem utilizá-la para passar os conhecimentos ancestrais aos futuros descendentes de sua etnia. E é ouvindo as histórias dos ancestrais que os jovens kaingang iniciam a vida de um verdadeiro guerreiro ou tornam-se líderes políticos de seu povo. Desta forma mostram às pessoas como é o dia-a-dia de um menino índio e o que ele faz para aprender as coisas necessárias para sua vida. Apreendem que o conhecimento ancestral é uma importante ferramenta para conservar o saber kaingang.

Os povos indígenas possuem espaços e tempos educativos pró-prios, dos quais participam a pessoa, a família, a comunidade, sendo a educação assumida como responsabilidade coletiva. E ela acontece em processo: ao longo de sua vida uma pessoa está sempre aprendendo. Ela é viva e exemplar: aprende-se pela par-ticipação na vida, observando e agindo. (Bonin, 2008, p. 99).

Casal kaingang tecendo artesanato, conhecimento adquirido no contato com os velhos de sua etnia.

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Formação na visão Kaingang

Vänhrá tag vÈ ëg si ag ta, ëg kajränrän ja tu ke nï, mÈr ün si, gufä ag jykre hä vÈ ëg ta ag kajró vyn kÈ nÈtï ën ge nï, tag hä vÈ há nÈ há më.

A alfabetização, que introduz a escrita para o povo indígena, não coin-cide com a sua forma de ser e estar. Esta sociedade interpreta que ler e escrever é uma técnica, da mesma maneira que alguém pode aprender a dirigir um carro ou a operar uma máquina. Então a pessoa opera essas coisas, mas não dá a elas a exata dimensão de que têm ou do que quer com ela. Escrever e ler para o povo kaingang não é uma virtude maior do que andar, pescar, nadar, subir em árvo-res, correr, caçar, confeccionar um artesanato, ou brincar com seu Jamré. Por exemplo, na tradição oral, a fala de um velho sábio „Kujበtem mais valor do que a escrita de um livro, porque este representa em sua fala a existência de um povo que sobreviveu ao etnocídio ocidental. Acredito que quando a sociedade indígena elege essas atividades como coisa que tem valor em si próprio, está excluindo da sociedade à família, para as quais a atividade de escrever e ler não têm nada a ver. Como elas não escrevem e não leem, também nunca serão partes das pessoas que decidem ou que resolvem, mas sabem que o conhecimento herdado de seus ancestrais, isso sim faz deles um povo que caminha em direção ao mundo de seus ancestrais e sempre será aquele povo.

A formação kaingang é constituída com base em dois campos princi-pais: o primeiro tem um suporte mais marcado nos valores, na identidade e no próprio convívio com a natureza. No segundo campo, a formação ocorre por meio de um ensino que requer uma mediação mais verbal, específico e direcionado ao aprendiz, isto é, um desenvolvimento de habilidades que estão ligados ao mundo dos ancestrais. E quando aceitam aprender, a ler e escrever encaram a alfabetização como quem compra um peixe, um peixe que tem espinha. Tiram as espinhas e escolhem o que há de melhor e aproveitam o

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aprendizado para conhecer melhor as suas potencialidades e também conhecer o outro. Aproveitam melhor o novo saber. Quando assumem o papel de leitor e escritor encaram o nível de competição que está há séculos na frente de sua sociedade, ao descobrir os protagonistas que foram no passado. Aí se vê a necessidade de estar conectado com o mundo de outros saberes, para por em pé de igualdade na escrita e na leitura o conhecimento indígena com a socie-dade não indígena.

Acho que a maioria das crianças que vão hoje para a escola e que são alfabetizadas é obrigada a engolir o peixe com espinha e tudo. A perspectiva de muitos pais na atualidade é simplesmente saber que seus filhos estão lendo e se apropriando do mundo letrado, sem considerar que a importância do saber está diretamente ligada ao convívio de cada uma das crianças.

Muitos professores não indígenas, ao trabalharem hoje nas escolas da so-ciedade envolvente, estão deixando a desejar, pois lhes falta uma concepção mais específica, direcionada para o mundo dos valores e voltada para a realidade das crianças, que são os futuros protagonistas da sociedade onde a escola está inserida. Quando se está distante de todas essas concepções, sabe-se que a sociedade que está sendo formada não terá um mínimo de pensamento coletivo. Acredita-se que esta é uma formação que não atende suas expectativas como seres humanos e que esta modalidade ou prática pedagógica violenta sua memória.

Na tradição kaingang, os meninos bebem o conhecimento do seu povo nas práticas de convivência, nos cantos, nas narrativas históricas e até mesmo na confecção do artesanato. Os cantos narram à criação do mundo, sua fundação e seus eventos e narram também as conquistas. Então, a criança está ali crescendo, aprendendo e ouvindo as narrativas. Quando ela cresce um pouquinho mais, quando já está aproximadamente com doze ou quinze anos, ela é separada para um processo de formação especial. Aí será orientada por um líder, os velhos, os caciques, vão iniciar essa criança na tradição cultural kaingang.

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A partir daí, acontecem as cerimônias que compõem essa formação e os vários ritos, que incluem gestos e manifestações externas. Por exemplo, você fura a orelha e quando tens nome de „Pëj‰ esse cuidado ainda se torna mais rígido. Toma banho com remédio no segundo semestre de cada ano, especificamente no dia do „KUJ¤‰, para proteção dos espíritos. Dependendo de qual metade tribal a que pertence, Kamë ou kajru a pessoa ganha sua pin-tura corporal, seu paramento que vai identificar sua metade tribal, Rá Téj ou Rá Ror, do seu clã e seu grupo de guerreiros. Esses são os sinais externos da formação. Os sinais internos, os sinais subjetivos, são as essências do mundo espiritual daquele coletivo. Então a pessoa passa a compartilhar o conheci-mento, os compromissos e o sonho do seu povo de forma mais plena e cultu-ral. E as relações sociais se constituem em instantes, e é de grande renovação permanente e, o kaingang, ao aceitar o compromisso de andar junto, de cele-brar a vida, e de conquistar suas aventuras, está se preparando para assumir o papel de líder guerreiro. Então a cultura kaingang consiste, de maneira resu-mida, nesses eventos. Procurei destacar aqui os elementos que marcaram as quebras de paradigmas, por coerências e incoerências e por meio das relações estabelecidas com o mundo cultural e espiritual, que possibilitaram a constru-ção de conhecimento através deste enfoque ao mundo tradicional kaingang. A formação de um indígena para este povo é isso.

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Apresentação de dança do ritual de iniciação a vida adulta. Jovens kaingang da aldeia indíge-na Fág Nhin – Lomba do Pinheiro, e adolescentes da aldeia kaingang Tupë Pän – Morro do Osso, todos do município de Porto Alegre/RS. Fotografia encontra – se no arquivo de fotos da aldeia kaingang Fág Nhin, publicação autorizada pelo cacique kaingang Ari Kajër Ribeiro.

Dança do ritual de conquista, apresentado pelos jovens e adultos da aldeia indígena Kaingang Fág Nhin, Lomba do Pinheiro POA, RS. Fotografia disponível no arquivo de fotos da aldeia indígena Fág Nhin.

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Educação indígena antes e fora da escola

Tag vÈ ëg si ag ta väsa ëg kajränrän fä tu ke nï, ëg gufä ag kajró pë ki, fóg ag tÈ ëg kajränrän tü ke ver, iskóra vënhven tü ki.

Ainda que pertencendo a um grupo étnico, os kaingang fazem parte da história e da cultura brasileira, pois já viviam aqui no momento da coloni-zação européia. O processo de trabalho e produção organizado pelos coloni-zadores influenciou o modo de viver dos indígenas no território ocupado. Porém, hoje achamos importante considerar o que alguns historiadores dizem há muito tempo: os europeus muito aprenderam com os povos indígenas e, em inúmeras situações assumiram como seus, os modos de vida dos povos originários dessa terra. Embora o contato do povo kaingang com os coloniza-dores tenha sido mais tardio do que o ocorrido com outros povos indígenas, na medida em que foram perdendo seus territórios tradicionais, foram aldea-dos em pequenas áreas tutelados pelo Estado, por meio do SPI - Serviço de Proteção do ¸ndio e da FUNAI - Fundação Nacional do ¸ndio. Com essa interferência, ao longo da história tiveram que ressignificar seus modos de viver com os costumes ocidentais.

O povo indígena kaingang com sua tradição e suas atividades corpo-rais ou rituais, com características lúdicas, por onde permeiam os mitos, os valores culturais, congregam em si o mundo material e imaterial, de sua etnia. Eles requerem um aprendizado específico de habilidades tradicionais estraté-gicas e geralmente, acontecem em cerimônias de rituais, para agradar a um ser sobrenatural e ou para obter fertilidade, chuva, alimentos, saúde, condiciona-mento físico e sucesso nas suas conquistas. Entre muitos saberes importantes conhecem a anatomia das abelhas com detalhes parecidos com a da ciência ocidental, selecionam os animais a serem caçados, plantam árvores na tentati-va de harmonizar caça e seu habitat natural. As cerimônias de rituais visam, também, a preparação do jovem para a vida adulta, a socialização, a coopera-ção e ou a formação de guerreiros. Os rituais ocorrem em períodos e locais

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determinados pelo kujá e as regras de participação são dinamicamente estabe-lecidas. Não há limite de idade para os participantes, não existem necessaria-mente escolhidos e nem requer preparação, exceto prestígio; a participação em si está carregada de significados e promove experiências que são incorporadas pelo grupo e pelo indivíduo.

Os velhos, no âmbito da educação formal Kaingang, são os „Kujá‰, considerados mestres transmissores dos conhecimentos e da sabedoria Kain-gang mediante o uso da tradição oral, permitindo às vezes parte do registro dos conhecimentos pelos professores bilíngües, sua aplicação no ensino-aprendizagem dos mais jovens e crianças, mesmo que dentro da escola indíge-na fica sempre um pouco restrito, pois acreditam que estas informações po-dem ser adquiridas ou serem apropriadas indevidamente pelos não indígenas. Os Kaingang mais velhos salientam que não puderam aprender a língua portuguesa sob as duas formas oral e escrita, pelas dificuldades de permanên-cia e de acessibilidade ao ambiente escolar, e que, em decorrência disso sofre-ram preconceitos e discriminação. No entanto, mesmo que a sociedade envol-vente tenha esse olhar pejorativo sobre eles, mesmo assim sabem que o conhe-cimento adquirido de seus ancestrais é que lhes dá mais sentido de vida, como transmitem para seus descendentes.

A chegada dos portugueses ao litoral brasileiro ocorreu no século XVI e a partir daí a educação indígena, tal como vinha sendo desenvolvida no habitat dos povos indígenas estava com seus dias contados. O processo de aprendizagem praticada pelas diferentes etnias até então, foi desqualificada pelo colonizador, que ignoraria então as concepções pedagógicas desse povo, não admitindo sequer a possibilidade de os indígenas terem sido capazes de construir, ao longo da história de sua existência um método, um discurso sobre suas próprias práticas educativas.

Cada povo indígena tem seu próprio sistema de educação, fundamentado em três aspectos principais que conformam uma unidade: a economia da reciprocidade; a casa, o pátio,

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como um espaço educativo doméstico da família e da rede de parentesco; a espiritualidade, como concentração simbólica de todo sistema (Bergamaschi, 2008, p.10).

A sociedade kaingang, povo que manteve seus próprios conhecimen-tos ao longo dos anos: a aprendizagem, a metodologia como ensinam seus filhos, a forma como absorvem este saber ainda os acompanha, conhecimento este que carregam desde a sua origem, sabe que tomar banho com ervas e confeccionar artesanato faz deste povo os protagonistas de sua cultura e de sua existência.

Nesta sociedade, que não tinha escola, que não tinha situação social exclusivamente pedagógica aos olhos do colonizador, a transmissão de saberes era feita no intercâmbio cotidiano, através de contatos pessoais e comunitá-rios. A aprendizagem se dava em todo o momento e em qualquer lugar, seja na mata, nos rios e até mesmo na casa dos „PäÊi‰. O lugar, a terra, sempre foi e é o lugar de existência, de absorver o saber tradicional. É ao redor do fogo que os jovens bebem os conhecimentos transmitidos pelos seus avôs. Quando este saber é transmitidos aos jovens, eles deitam ao redor do fogo, respeitando assim a origem de seu povo, pois escutar um mito ou uma história nesta disposição, dá mais sentido e legitimidade a quem está narrando este saber. Estar em contato com a terra é como um recém nascido ficar no aconchego do corpo de sua mãe; é estar ligado com sua mãe terra; é estar verdadeiramen-te conectado com a memória ancestral de seu povo. „Sa ä mÈ ó tój‰, lugar da aprendizagem é onde o indivíduo está ligado ao cosmos.

Na divisão do trabalho, da caça, da pesca e o mais importante na ini-ciação de um jovem kaingang, dependendo da marca exogâmica a que perten-ce, Kamë ou Kajru, é separado, para o seu „kakrë‰ passar os conhecimentos, os desafios que irá enfrentar para tornar-se um adulto forte e guerreiro. Na época da colheita e da coleta não havia um especialista, mas era sempre possí-vel aprender algo em qualquer tipo de contato social. Isto fazia de um indíge-na kujá, ou da pessoa mais velha da comunidade o agente da educação social,

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mantendo vivo o princípio de que são eles os detentores de todos os saberes kaingang. Embora um homem maduro possa aprender algo novo até envelhe-cer, cada agente social é potencialmente capaz de tornar-se preceptor dos mais jovens ou dos menos experientes, como „um mestre da vida‰, a quem deveria ensinar a viver em determinadas circunstâncias. Na verdade, para alcançar esses resultados era necessário observar tais acontecimentos e absorver através do contato, quando os velhos kujá, sábios da aldeia entram em transe e falam com o mundo espiritual através de seus Jagrä. Este é momento em que apare-cerem invisíveis na natureza o saber, o conhecimento, a forma como apren-dem e ensinam seus descendentes.

Quais eram esses processos próprios de aprendizagem, que apareciam invisíveis aos olhos do colonizador? A resposta sobre essa pergunta pode ser dada consultando dois tipos de fontes: a tradição oral, cuja transmissão faz parte da cultura, do costume que sobreviveu ao etnocídio ocidental; e os relatos escritos por missionários e funcionários, que ao longo da história do Brasil, contaram de maneira diferente e pejorativa que eles testemunharam os primeiros contatos e, depois de observarem como os índios educavam seus filhos, registraram, aqui e ali, o que viram. No entanto, obras publicadas por antropólogos, historiadores não expressam as verdadeiras metodologias que este povo tem, nem os exemplos pedagógicos usados para transmitir o conhe-cimento milenar.

Um jovem kaingang, quando escolhido ao ritual de preparação para a iniciação da vida adulta, passa por diversas cerimônias de provações „vënhkygtäg‰, quando o kujá faz a iniciação de cura para o jovem, intensifi-cando o cultivo do saber tradicional e mantendo vivo o conhecimento. Lavar ou fazer cura através das ervas medicinais, transmitindo como suportar a dor da perda de um parente próximo e como comportar-se ao adentrar na mata para empregar a caçada com arco e flecha. A manifestação de cura vai desde o nascimento até a iniciação a vida adulta, chegando ao seu casamento. O casamento é considerado uma virtude maior da tradição kaingang, pois os

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„Kakrë‰ comunicam aos seus „Jamré‰ e sabem que as suas filhas darão conti-nuidade da descendência da outra metade e essas cerimônias são incentivadas em diversas situações, nas festas comemorativas, nas caçadas coletivas, etc. O Kujá lava seus filhos com ervas medicinais em períodos e locais determinados, pensando nas futuras festas matrimoniais que irão acontecer logo após os kakrës terem realizados as atividades coletivas.

Todos os anos os membros da aldeia são banhados com ervas e rece-bem uma orientação para enfrentar o mundo que é permeado por armadilhas e até mesmo o universo do não indígena. Na vida indígena há diversos obstá-culos a serem enfrentados e ultrapassados, e que podem ser prejudiciais aos indivíduos que receberam a cura através das ervas, tais como: comer algo não permitido, banhar-se depois dos pássaros, comerem a primeira caça abatida pelo jovem, a não ser aquela indicada pelos mais velhos. Quando desobede-cem a esses preceitos, estão cometendo os pecados alimentares „kovänh ag‰. Esse consumo de elemento ou substância da natureza não permitida pelos mais velhos ou pelo kujá pode ser perigoso, pois os indígenas, ao cometerem esta atitude, não respeitando o ritual de cura, estarão cometendo o „kovänh‰. Assim, podem envelhecer precocemente, os filhos podem nascer com proble-mas físicos ou neurológicos, além disso, a desobediência poderá afetar o próprio consumidor e com certeza ele se tornará inútil aos afazeres do dia-a-dia da vida indígena kaingang na aldeia. O jovem e mulher indígena, quando recebem esses conhecimentos sabem que estão ligados permanentemente à cultura de seus ancestrais. Nisto se dá o mero sentido da vida para esta socie-dade, pois acreditam que adsorvendo todos os saberes tradicionais de seu povo darão sentido de vida a eles para que possam continuar sendo eles mes-mos: povos de tradição oral, com conhecimentos próprios, em busca de seus sonhos e novos horizontes.

Nos dias atuais, essa proposta do povo kaingang, em busca de conti-nuar sendo eles mesmos é vista com simpatia, e parece ser universalmente aceita por todas as correntes de pensamento das demais etnias indígenas.

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Acreditam que estão ali, ocultados no saber tradicional o seu poder maior, o conhecimento através da oralidade, a forma como ensinam seus descendentes, a pedagogia ancestral e sua tradição considerada seu maior paramento de aprendizagem. Estes sim acreditam serem uma das metodologias ou ferramen-tas que usam para revitalização cultural e a transmissão de saberes para seus descendentes.

Podemos observar que a sociedade kaingang valoriza os aspectos inte-riores e exteriores, por que sabem que é através destes instrumentos que se reafirmam sociedade de tradição oral, não concordando com a ideologia da pedagogia ocidental que, para a sua satisfação pessoal o homem não indígena, é capaz de prejudicar os próprios irmãos ou a si mesmo. A sociedade kain-gang sabe que esta ideologia obstrui o processo de aprendizagem nos moldes da cultura kaingang. Sabe que a cultura é definida como uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social. Ela não é algo natural, não decorre de características inseparáveis do mundo do povo kaingang. Ao contrário, a cultura é um produto coletivo da vida indíge-na, enraizado nas condições materiais e sociais de existência desta sociedade, condições contraditórias marcadas pela desigualdade e opressão e pela luta por sua existência e superação no mundo de muitas desigualdades.

Os não indígenas consideram que o sistema educacional desta socie-dade era ineficaz, ao não encontrarem vestígios do mundo letrado na forma que o agente de tradução de conhecimento tradicional transmitia aos seus aprendizes. Ao não avistar essas práticas ou metodologias que poderiam estar praticando no dia-a-dia com a sua sociedade e a forma como era usada nas instituições para as sociedades indígenas, concluíram que tais sociedades eram então carentes de práticas educativas, portanto, também carentes de concepção pedagógica que as norteassem, legando esse preconceito etnocêntrico à socie-dade ocidental, que o internalizou até os dias atuais. Para eles, não se tratava da posição de dois sistemas educacionais diferentes, mas sim um choque cultural do sistema que achavam universal, obviamente deles e, de outro, a

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ausência de sistemas nas sociedades indígenas. Assim, a inexistência da escola, da sala de aula, do professor, do currículo escolar restrito, de horários, de uma disciplina rígida, de punições e de castigo corretivo, permitiu-lhes concluir que os indígenas não tinham educação e precisavam ser civilizados de acordo com o modelo europeu na modalidade de educação escolarizada.

É importante destacar e afirmar que o conhecimento tradicional, para melhor entender a sociedade kaingang, o dualismo simbólico que norteia as práticas sociais desse grupo, está presente a partir do entendimento com o irmão sol e a irmã lua. Tanto a sociedade kaingang como a natureza aparece dividida de forma simbólica entre as metades Kamë e Kajru. De acordo com a origem do povo Kaingang a mitologia nos mostra que os irmãos Kamë e Kajru são heróis que surgiram da terra no início dos tempos e que deram origem ao povo Kaingang atual. O dualismo Kamë e Kajru proporciona uma maneira de classificação abrangente, na qual os seres da natureza, incluindo os seres humanos, possuem valores associados às metades exogâmicas, como: forte ou fraco, alto ou baixo, valente ou medroso. Também nos dá a entender que o sol saiu primeiro da terra, depois saiu à lua com os seus descendentes kajru, isto a partir dos valores que os kujá transmitem aos seus filhos nas práticas do ritual, do banho com as ervas medicinais até o dia de acontecer os „Vënhsánsán vënhkagta ta‰. O importante é os participantes do ritual respei-tarem os pecados alimentares „kovänh ag‰ e ao seguir estes ensinamentos estarão livres de qualquer contaminação, seja ela espiritual ou carnal.

Sabe-se que desde a origem do povo Kaingang existiu sempre o dua-lismo, mas essa prática do ritual do „vënhkygpe vënhkagta ta‰, é que lhe confere um sentido de vida maior que sua existência, pois os „vënhkygtäg há han‰ são importantes para um guerreiro que foi iniciado nos moldes da cultura tradicional Kaingang: não há doença nem mal nenhum que o possa contaminar, porque ao passar por este ritual os jovens devem respeitar todas as doutrinas, ou seja, as regras que os Kujá passam para os participantes. Se assim o fizerem, estarão livres de qualquer feitiçaria, não sendo fraco a qual-

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quer mal que possa tentar afetá-lo. São estes os ensinamentos que os kujá Kaingang transmitem para os mais novos de sua etnia quando estes partici-pam das práticas de ritual de iniciação.

O relato de um velho Kaingang, Felipe da Silva dá testemunho desse aprendizado, dessas experiências:

Quando fui primeira vez para o mato caçar com os meus pa-rentes, o meu kakrë que é meu sogro ele me lavou com remé-dios do mato, ele curou também minhas flechas e o meu arco, lá mato quando vi um pássaro que tem o nome de KóÊy, fiz a minha primeira empregada de caça e ao acertar aquele bicho. Meu jamré que tava comigo logo cortou uma das patinhas e o bico do KóÊy e logo começo a passar em minhas mãos e no meu Kanë, e disse agora pode caçar de novo você vai ser um grande caçador, feito isso o meu kakrë que já tava com a caça dele voltamos pra casa. Chegando em casa entreguei aquele KóÊy para minha véia que é a minha mãe, então ela que tava perto do fogo logo fez Mräj kure, kÈ fi ta ge ti ha, sa ä krën ge vÈ inh kósin, ä ta päg há jän jé, mräj mï tïn ge fi tatï jäsï änta, kÈ fi ta inh krï ki ta mrän ge ti gé jäsï ën ta, inh kónëg kä inh nÈ fi ta inh kygtäg ka nï. Inh no fër ta fi ta isÈ mrän ge tï hamä, uri pi ën ge ti ha, hära ëg ta vesór kÈ ta han há ti ver, kijën sa äjag mÈ han mü.

Os kaingang, nas suas resoluções, fazem absolutamente quase tudo co-letivamente. Nas caçadas, nas pescarias pedem ajuda aos seus jamrés. Na elaboração do artesanato trabalham em família, fazem em mutirão/puxirão, convidando parentes de seu grupo familiar ou por afinidade. Nas reuniões dos homens as mulheres geralmente quase não têm opinião ou voz, mas conversam, trocam informações e conhecimentos o tempo todo, para que os homens não tomem decisões precipitadas. Na busca da sustentabilidade, como na pescaria, fazem a colheita do cipó coletivamente, porém são os

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homens os protagonistas da coleta dos cipós na mata. A trituração2 faz parte do trabalho masculino. Já, os Päri são confeccionados com ajuda de suas mulheres, porque acreditam que as taquaras, seres vegetais, fazem parte das marcas exogamicas e elas têm „tän‰ e por causa disso tem que ser retidas suas fibras com a ajuda das mulheres. Se isso não for feito com ajuda das pessoas do sexo feminino os filhos dessas duas marcas exogâmicas correm perigo. Por que o tän da taquara junto com o da água poderá ceifar a vida dos menores que ainda não passaram pelo banho de cura „vënhkygtäg‰. Sabem que todos os seres vivos, sejam vegetais, animais ou minerais têm vida e devem prestar rituais a eles antes de serem tocados ou falar com os espíritos deles e por ser a lua e o sol que dá o sentido da vida a todos os seres da natureza os mesmos são perigosos e devem mesmo respeitar a lei da natureza.

Por saber que são as crianças e as mulheres que realizam a prática da coleta dos peixes após a noite de batidas de cipós na água, sabem que é preci-so ter esse respeito com a natureza. Estes saberes tradicionais que conhecem estão ligados com o cosmos e, por isso, observam a lua, a época em que pode ser realizada a busca por subsistência. Mesmo sabendo que é um ato de sus-tentabilidade, usam a prática e sua tecnologia com cuidado para não ferir a natureza e ter bons resultados e presteza em suas empreitadas. O entendimen-to destas práticas materiais e simbólicas pela sociedade Kaingang está na compreensão dos aspectos da natureza, que lhe confere um sentido de vida mais digna quando é feito de forma pensada e sustentável.

Florestan Fernandes (1989) e Bartolomeu Melià (1979) afirmam que os povos indígenas possuem espaços e tempos educativos próprios, dos quais participam a pessoa, a família, a comunidade, sendo a educação assumida como responsabilidade coletiva. E ela acontece em processos: ao longo de sua vida uma pessoa está

                                                       2 Trituração consiste em bater o cipó nas pedras para que ele se desmanche e exale a subs-tância na água.

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sempre aprendendo. Ela é viva e exemplar: aprende-se pela parti-cipação na vida, observando e agindo. (Bonin, 2008, p. 98-99).

O sistema social kaingang é baseado na descendência patrilinear: os fi-lhos do pai Kamë serão kamë e os filhos de pai Kajru serão Kajru. Este saber que os indígenas carregam consigo vem de berço, pois ao nascer o filho de um indígena kamë, primeiramente passa pelo ritual de batismo. Esta cerimônia é sempre presidida pelo kujá oposto de sua marca, seria então seu Kakrë. O ritual do kajru também é exercido pelo seu jamré, por serem de marcas exo-gâmicas opostas, como a natureza os define. Este é que dará mais sentido e culturalmente é assim que se traduz o conhecimento tradicional kaingang. O jovem indígena, após ter passado no ritual de iniciação da vida adulta está pronto para casar-se, e participar da vida do dia-a-dia dos homens adultos da aldeia e, desta forma, aprenderá como ajudar nas decisões dos destinos de sua comunidade. A sua residência, após casar-se será, a casa do sogro, sendo que a ele se subordina. A unidade doméstica é formada pelo pai, esposa, filhos solteiros, filhas casadas, filhas solteiras e genros. Aprenderá como comparti-lhar todos os alimentos e as decisões do sogro para as quatro estações do ano e, saberá como seu Jamré e seu Jóg-o aconselharam quando decidiu casar-se com a filha do seu Kakrë.

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Conhecimento kaingang „pëj‰

Ün si ag kajró vÈ ëg jykre känÈ ver, hä kÈ ëg vÈ ver ëg tü pë han mü nï, ëg gufÈ ag ta ëg jóg ag kajrän já tug nïn ke vë.

A sociedade kaingang com o seu conhecimento tradicional transmitia e ainda transmite o seu saber através da oralidade, confeccionavam e confeccio-nam objetos utilizando o saber ancestral. Isto podia e pode ser visto quando trabalham com as matérias-primas retiradas da natureza, sustentavelmente. Vale lembrar que o indígena respeita muito o meio ambiente, retirando dele somente o necessário para a sua sobrevivência. Da madeira, constroem arcos, flechas, cestaria e colares, até mesmo suas habitações são feitas com matérias primas naturais. E o mais importante é saber que nos objetos, nos adornos e nas suas indumentárias, estão sempre expressos suas marcas exogâmicas os clãs (Kamë e Kajru). Toda a arte indígena tem um fundo especial. A cerâmica também era muito utilizada para fazer potes, panelas, utensílios domésticos e urnas funerá-rias, porque esta sociedade possui uma relação baseada nas regras sociais, políti-cas e religiosas próprias. O contato com a terra ou com o barro é permitido somente para os „Pëj‰ entre esta etnia, pois eles são considerados uma espécie de sacerdotes, ajudante do Kujá. Eles, os kujá, é que tem o poder de lidar com os „Nén Korég‰ cerimônias de enterro, confecção de objetos com argila, cura de viúvas (os), só eles é que detêm o conhecimento e o poder de acesso às coisas que podem fazer mal ao espírito do indígena, pois já estão curados para tal fim. Este saber ancestral está ligado com o cosmos e não é para qualquer indivíduo indígena adquirir ou ser „Pëj‰. Para ser um „Pëj‰, a pessoa precisa passar por uma experiência psicológica e transformadora nos rituais de passagem, que a leve inteiramente para dentro de si: o inconsciente inteiro se abre e o „Pëj‰ mergulha nele. Esta é uma das sabedorias dos ancestrais, que é preservada através da oralidade e do agir do indivíduo que foi escolhido pelo kujá, nas cerimônias de cura e de iniciação. Os jovens indígenas, quando trocam de nome nos rituais

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de passagem para a vida adulta, recebem o nome que o Kujá escolhe como o mais adequado para esta responsabilidade e o delega, conforme a função que irá desempenhar em prol de sua comunidade. Nos dias atuais esta função parece estar ocultada nas comunidades kaingang aqui no sul, mas na festa do kujá ou nos atos fúnebres que acontecem nas aldeias kaingang, este saber é sempre visível, mesmo que os mais novos não percebam o que está acontecendo, mas vêem o que os mais velhos quando falam,‰Inh kósin inh rä nïnhïg, sa ä mÈ ëg tü pë ven jé, sa ä kanhrän jé‰. Esta é a que ele quer mostrar para os mais novos, nos atos fúnebres também sempre é manifestado, Jamré ä jamrén vyn ra, kor ä kanhkä ag mré ti fan müjëg, ti tÈ ëg tugvänh sor mÈn ser, kor ti vyn, münÈ ti ta nünme ra jatugmÈ tïg jé, tá ta ti krän käjatun mü, kaféj tánh ta ti ta mrän ké, ti ta gïr ki ävänh tüg jé. (João Carlos Kanheró). Este saber, mesmo parecendo ocultado, ainda é visto em terras kaingang onde tem Kujá. Este conhecimento ancestral ainda é preservado através da oralidade dos mais velhos na sociedade kaingang.

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Líder espiritual, Vicente Fokáe Kujá Kaingang na Terra indígena Xapecó, no ritual do Kiki koj (Ritual dos mortos). Disponível em http://img.socioambiental.org/v/publico/kaingang/kaingang_15.jpg.html

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A organização social Kaingang

Vënhrá tag vÈ, ëg päÊi ag tÈ ün si kar gufä ag mré ëg juvän fä tu väme nï, uri ta ver ke tï ham, än mï kanhgág ag gan mï, ëg tü si tó ag ta tï ver ke ge hamë, ëg päÊi ag.

Entre os kaingang não há classes sociais como na sociedade do não in-dígena. Na sociedade indígena todos têm o mesmo direito e recebem o mesmo tratamento, seja pelos mais velhos ou pelos mais novos, também pelo seu jamré ou këgke. O cuidado com seus velhos e crianças é que prevalece mais. Com os velhos da aldeia a liderança política têm mais cuidado, por que são eles os transmissores do conhecimento tradicional, as crianças são respeitadas como adultas e amadas como crianças, sabem que são elas as responsáveis pela conti-nuação de sua etnia e não podem ser castigadas ou maltratadas, pois acreditam que são elas as que voltaram do „Nünme‰. Quando um adulto conversa com uma criança kaingang tem o dever de se abaixar na altura dos olhos, por que o falar de cima para baixo não é do costume kaingang. Então, para dialogar com „Gïr‰ precisam respeitar: como podem conversar de cima para baixo? Esse cuidado é necessário, porque pode ali estar um ancestral seu, com um século de vida. Então, esta é uma forma da organização kaingang, em respeito com a sua memória: quando um adulto conversa com uma criança kaingang, em respeito a seu ancestral, agacha-se para conversar olhando sempre olho no olho, ou seja, olhando sempre nos olhos do „Gïr‰. Deve ajoelhar-se na frente da criança para dialogar, atitude que vai ao encontro dos ensinamentos de Paulo Freire, quando fala das relações simétricas entre quem ensina e quem aprende, quem profere as palavras e quem as escuta.

Se na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidá-rio, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a ser transmitida

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aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que a-prendemos a falar com eles. (Freire, 1998, p.)

A terra, por exemplo, pertence a todos e quando um indígena caça, (faz compras) costuma dividir com seus vizinhos mais próximos o que mos-tra a prevalência do costume coletivo. Como não tem onde caçar, devido ao desmatamento ocidental, caça-se nos mercados próximos de suas aldeias. Isso, „caçar no mercado‰, significa que hoje os kaingang devem trabalhar em empregos variados para garantir essas compras, ou seja, sua sustentabilidade, ou então trabalham em grupos familiares com seus artesanatos para garantir o sustento de suas famílias e seus parentes mais próximos.

O trabalho na aldeia também é realizado no coletivo, porém possui uma divisão por sexo e idade. Como em algumas aldeias não se faz agricultura, trabalham em grupo familiar ou por afinidade a confecção dos artesanatos. Apenas os instrumentos de trabalho com artesanato são de propriedade indivi-dual. Muitos dos objetos de uso diário ficam espalhados no pátio e quando alguém precisa é só pegar. A noção de propriedade da sociedade indígena é dada a partir da comunidade e o que realmente tem valor são os velhos, a família, a terra e a palavra. As mulheres são as responsáveis pela comida, pelas crianças, pela colheita e plantio. Já os homens kaingang ficam encarregados do trabalho mais pesado: caça, pesca derrubada de taquaras e busca do cipó para o artesanato. A confecção geralmente é feito pelas mulheres, as fibras que são retiradas das taquaras os homens também fazem este trabalho e a comercializa-ção faz parte do trabalho masculino por que através da venda o kaingang está representando a caçada. A caça antigamente era buscada nas matas, hoje este exercício geralmente é feito nos grandes centros das cidades, onde é mais apro-priado para a comercialização do artesanato kaingang.

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Mulher Kaingang Rute da Rosa, esposa do autor, comercializando artesanato indígena no brique da Redenção, Porto Alegre/RS. Fotografia feita pelo autor 2007.

Membros da comunidade kaingang da aldeia indígena Fág Nhin (Lomba do Pinheiro – POA), comercializando artesanato na semana dos povos indígena na câmara municipal de vereado-res em Porto Alegre. Imagem disponível em http://bancodeimagens.procempa.com.br

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Educação indígena e a nova história

˙g kajrón pi fóg ag mÈ há nÈ. Ag mÈ ag tün hä vÈ há nÈ, vënh mÈ. Ag pi ëg si ag tÈ ëg kajrän fä ën tu jykrén há han mü, kar ëg vënhkajrän fä ag pi fóg ag tÈ tugnÈm há han müra ag tün ki hä han mu gé, fóg ag jykren ki. Hära pi ën känÈ, ëg tün hä ki ëg ta väsänsän ge nÈtï, mÈr ëg ta ge tün kÈ, ü nÈ ëg jag fy han mü? KÈ tu väsän, gïr ve kÈ, ke tu mÈr ëg si ag jykre ta tüg mü .

A educação escolar indígena sempre foi observada a partir de uma concepção externa, por meio de dados sem caráter científico, colocando os professores indígenas no tempo e no espaço, definindo-a como uma educação que não atende as concepções pedagógicas como era previsto nas diretrizes da educação brasileira, não respeitando o discurso tradicional dos docentes sobre suas próprias metodologias, que recebem de seus ancestrais: sua continuidade no presente é desacreditada. Mas, quando o docente indígena traz a voz das origens, qual será o tratamento que pode apresentar, sendo ele mesmo alguém que viveu no próprio convívio tanto a educação tradicional quanto a educa-ção escolarizada? A intenção do professor bilíngüe na atualidade é poder proporcionar um olhar interno, mesclando o saber tradicional e seu olhar holístico sobre a educação escolar indígena e os diversos olhares que a socie-dade acadêmica tem em relação à educação indígena.

A educação, a escola pensada pelos professores kaingang se caracteriza pelos processos tradicionais de aprendizagem e aquisição dos saberes peculia-res, mostrando este conhecimento que se dá através da transmissão oral, no dia-a-dia nas suas comunidades e nos rituais, nos mitos contados pelos mais velhos e pelo Kujá. A escola frente a estas ênfases tem realizado um trabalho permanente de divulgação da arte e da cultura indígena kaingang, contribuin-do para dar visibilidade, mas, ao mesmo tempo, preservando a tradição e a diversidade do saber tradicional. Assim a escola indígena é classificada pelos seus docentes como veículo de afirmação, mas ao mesmo tempo restrito a

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outros olhares. Assim, a idéia é preservar o conhecimento e a história original de seu povo.

O interesse cada vez maior pela educação indígena vem ao encontro de uma nova realidade experimentada pelos professores kaingang, pois são eles os protagonistas pela formalização mais adequada aos moldes de sua etnia. Realidade que é conseqüência da crescente mobilização desses docentes e suas lideranças, desde os anos 70. Depois do reconhecimento constitucional como cidadãos plenos, estão em busca de uma escolarização específica, dife-renciada e de qualidade para seu povo, buscando colocar na prática a atribui-ção feita pelo Ministério da Educação no ano de 1991, através da Portaria Interministerial MJ/MEC N°559.

A portaria Interministerial 559/91, estabelece que a educação escolar indígena deixa de ter caráter integracionista, conforme previa o Estatuto do ¸ndio/Lei 6001/73, e passa a ser regida pe-lo reconhecimento da multiplicidade cultural e lingüística dos povos indígenas e pelo direito a eles assegurado de viver de a-cordo com suas culturas e tradições. (Bonin, 2008, p. 100).

Esta medida legal abriu espaço para o desenvolvimento, pela primeira vez no Brasil, de uma política educacional voltada para a diversidade étnica e cultural dos povos indígenas. Afinal, desde a colonização, a educação indígena sempre foi de domínio exclusivo de missões religiosas, respectivamente por funcionários do SPI e da FUNAI. Este sistema educacional agora está ao alcance das sociedades indígenas e é preciso sonhar para que ela possa atender aos anseios da sociedade indígena.

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Grupo de dança da aldeia indígena kaingang Fág Nhin, apresentam a dança do dualismo kaingang na Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre, em homenagem a conquista de habitações para sua comunidade. Fotografia encontra-se no arquivo de fotos da aldeia kaingang Fág Nhin.

O primeiro passo para o reconhecimento e valorização da escola indí-gena específica, diferenciada e de qualidade é o que as organizações indígenas buscam, qual seja, a realização das leis na sua prática e o reconhecimento da cultura dos povos indígenas no Brasil, já referendado pela Constituição Fede-ral, em 1988. O texto assegura o direito das comunidades indígenas de utilizar suas línguas maternas no ensino escolar, bem como desenvolver processos próprios de ensino e aprendizagem, condizentes com seus costumes. Em 1996, foi a vez da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), estabelecer (Artigo 78) que a educação deve, em primeiro lugar, proporcionar às sociedades indí-genas e suas comunidades a recuperação das memórias históricas; reafirmação de suas identidades étnicas e valorização de suas línguas e ciências; além disso garantir para os povos indígenas e suas comunidades, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais socieda-des indígenas e não indígenas. Em 1999, o Conselho Nacional de Educação

DUALISMO KAINGANG

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fixou as Diretrizes Nacionais para escolas indígenas. Contudo, apesar das decisões oficiais, podemos dizer que pouco foi feito no tocante à educação. A formação para o trabalho é a parcela que está no topo e o direito indígena previsto na legislação ainda parece estar longe de acontecer. São as sociedades indígenas que sofrem com o peso da exclusão e a memória histórica é a que mais padece do esquecimento da prática da lei.

Descendetes dos Kamë - Rá téj Descendentes dos Kajru – Rá Ror

Encontro dos Kujá na aldeia Indígena Kaingang Morro do Osso, os kujá vão na frente. Imagens cedidas pelo cientista social Luis Fernando Caldas Fagundes e autorizando a sua publicação pelo cacique da comunidade kaingang do Morro do Osso, Porto Alegre,RS. Valdomiro Vergueira.

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A educação indígena na atualidade

Uri vënhkajränrän fä ag, väsa ke ën han sór nï, mÈr fóg ag ta ëg tüg kren ka nÈtï ham, fóg ag ta vënhkajränrän mü ën kinhräg sór ja ëg ta mÈ ha ke gé, ëg ta kar ëg krë ag mÈ ven jé, kÈ ëg krë ag vÈ kinhra nÈtïj mü gé, kÈ ag vÈ fóg ag kajró ën ge nÈtïj mü gé, ka fóg ag pi ser ëg kajró tag tu vïj mü, ëg ta ëg iskóra mï ëg si ag ta ëg kajrän ja ën ven kÈ.

Falar sobre a educação indígena nos dias atuais requer uma breve análise histórica deste povo. É preciso reconhecer que nesses 510 anos, os povos indígenas têm sito destruídos, mortos, perseguidos e marginalizados pelos ditos civilizados. Mesmo com toda uma política de proteção e leis preocupadas com a qualidade de vida da sociedade indígena, se vê que ainda está longe de ter um tratamento digno e justo para aqueles que foram os primeiros habitantes da terra brasileira, portanto os donos originais da mesma. Este é um povo que vem perdendo sua identidade, sua cultura e costumes, sua história e a própria vida, pois várias foram as etnias dizimadas por doenças levadas para as terras indígenas pelo não indígena. Também a educação teve seu processo e seus propósitos alterados e ajustados às necessidades de cada etnia. O povo kaingang tem, ao longo da história do Rio Grande do Sul, experimentado uma política de estratégia para garantir sua história, seus costumes, suas tradições, suas maneiras próprias de aprendizagem, sua cosmovisão e para assegurar que estas diferenças sejam respeitadas lutam pela proposta da educação escolar específica, diferenciada e de qualidade.

Mesmo com tantos desafios, os povos indígenas assumem a es-cola como instituição importante e necessária, mas justificam a sua existência no anseio de que ela possa contribuir com suas lutas mais amplas e, que mostram o entendimento de que esta

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instituição só tem sentido se estiver subordinada às lutas polí-ticas pela garantia plena de seus direitos. (Bonin, 2008, p. 97).

Hoje a escola indígena, na maior parte dos povos indígenas, mantém contato com a dita civilização. Mesmo estando muito perto da sociedade não indígena, o objetivo é manter os costumes dos povos tradicionais, e ensinar a sua língua, sua cultura, seus costumes, junto com outras matérias ou disciplinas, portanto o ensino deve ser interdisciplinar. O currículo diferenciado não é só o ensino da língua materna, mas um currículo que atenda além das questões de cada povo e comunidade a forma como os velhos ensinam seus filhos. A diversidade linguística está diretamente ligada à questão da educação tradicional kaingang, pois o idioma indígena é falado no contexto diário das aldeias, e o anseio do professor bilíngue hoje é ver a língua indígena no processo educacional atual visando manter um equilíbrio, para que a língua oficial do país não seja imposta, mas também haja espaço para o ensino da língua tradicional, de modo que esta não se perca. Daí a importância do professor bilíngue mesclar os dois conhecientos: o ocidental científico e o tradicional kaingang.

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Autor da obra (à direita) com seu colega de mestrado Danilo Braga. É através do conhecimento ancestral que buscam o saber coletivo de sua etnia, pôr em prática este saber é o sonho desta nova geração de pesquisadores Kaingang.

É preciso que o professor indígena interaja com a sociedade acadêmi-ca, e que tenha acesso ao manancial de conhecimentos disponíveis aos profes-sores não indígenas, que estes saberes ou esses instrumentos que busca conhe-cer possam lhe permitir melhorar a qualidade do ensino em língua portuguesa e com isso compor os dois conhecimentos, o saber tradicional kaingang e a dita sabedoria ocidental „conhecimento científico‰. É preciso disponibilizar para o professor bilíngue esse conhecimento, que é essencial para sua qualifi-cação. E, sobretudo, dar-lhe a chance de qualificação profissional e enriqueci-mento intelectual, para que ele próprio, junto com seu povo, encontre a saída de suas dificuldades para o mundo escolarizado.

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Dentro deste processo, a educação escolar é vital, já que o entendi-mento e anseio da sociedade indígena que a educação escolarizada atenda e contempla o Ensino Básico e muito modestamente, fixando o conhecimento tradicional nas suas três modalidades: oral, escrita e literária. Este propósito do educador bilíngüe e a sua sociedade não querem universalizar seu conhe-cimento, mas sim a oferta deste saber até a chegada do aluno ao mundo acadêmico. Assim, o aluno indígena estará formado do portão para fora e do portão para dentro. Alfabetizar é pouco, para o professor indígena, mas este ator quer fazer o melhor, por que o essencial é não deixar seu idioma sua identidade cultural que é falado em sua comunidade se perderem no tempo e no espaço. Isso é ótimo, mas pouco, já que as escolas indígenas estão cami-nhando a um novo horizonte, ela deve mesmo ser transformada, rapidamente, em alavancas que impulsionem o desenvolvimento de suas comunidades, através de suas especificidades: diferenciada, específica e de qualidade. Porque é isto que a sociedade kaingang almeja, uma educação escolarizada, para que possa formar seus próprios profissionais, seja na área da saúde, educação ou agricultura, dentro de suas próprias tecnologias. Este é um sonho e é um sonho possível.

Este sonho é desafiante, mas é possível. Sua articulação e revitalização, na prática, não deve visar unicamente à reafirmação da identidade étnica de seu povo, como diz a lei. Ela é necessária para que possam reescrever o Brasil. Assim como o europeu tornou obrigatória a língua portuguesa, sua tecnologia e conhecimento nas escolas, o governo deve igualmente tornar obrigatório o ensino da história e da cultura dos povos indígenas, que aqui apareceram há mais de 12 mil anos, cujos valores e símbolos, conhecimentos indígenas se impregnaram na cultura ocidental de maneira decisiva. Alguns conhecimentos tradicionais foram apropriados indevidamente pelo colonizador, ficando patenteados em poder dos grandes laboratórios farmacêuticos e de médicos-cientistas, não mais à disposição das sociedades tradicionais. O saber, que ainda é praticado pelo kujá e os mais velhos da aldeia, está sendo colocado na escrita kaingang pelos professores bilíngües para que seja transmitido ao

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aluno indígena, afirmando que sua história e conhecimento estão vivos e intactos.

A educação indígena engloba processos do ensinar e do aprender. É um fenômeno observado nestas sociedades e nos grupos que constituíram ou compuseram estes saberes e a nova forma de ensinar seu povo, porque são os responsáveis pela sua manutenção e perpetuação do modo cultural de ser, estar e agir a partir da transposição para as gerações futuras. É necessário a convivência e o julgamento de um membro no seu grupo ou sociedade. En-quanto processo de socialização, a educação é exercida nos diversos espaços de convívio social, seja para a adequação do indivíduo para a sociedade ou do indivíduo ao grupo, ou dos grupos a conhecer melhor a sociedade não indí-gena. Nesse sentido, a educação tradicional coincide com os conceitos de socialização e transformação, mas não se resume a eles. A prática educativa formal que ocorre nos espaços escolarizados, sejam da educação do ensino fundamental até a graduação, se dá de forma intencional e com objetivos determinados, como no caso da escola e da sociedade indígena. O importante é saber que o indígena após essa formação tem a obrigação de voltar as suas origens. No caso específico da educação formal exercida na escola, pode ser definida como educação escolarizada. Outro caso específico da educação exercida para a utilização dos recursos do saber tradicional, passa a ser consi-derado conhecimento tecnológico do povo kaingang, porque os instrumentos e ferramentas desta comunidade são determinados como educação tecnológi-ca, transmitida através da oralidade. Por que usam símbolos, tempo, espaço, cosmologia e sua memória para alfabetizar seu povo e transmitir o conheci-mento ancestral.

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Idosa Kaingang transmitindo saberes tradicionais, uso e manejo de plantas medicinais da cultura tradicional kaingang. Disponível em http://www.comi.org.br

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Educação indígena depois da escrita

˙g ta vënhrá ven kar, ëg vÈ ëg iskóran mï vënhkajrän mü gé. ˙g vÈ fóg ag vïn ki kajrän mü gé, ag vïn ki vënhrán kinhräg ke ge ham, ag ta han fä ën han sór ëg tï gé hamë, ëg krë ag vÈ ëg rike nÈtïj sór tï gé, hära pi ën kä nÈ. ˙g si ag vÈ tüg rä nï ha, kÈ münÈ jag nämré ëg tü si ën tu jykrén há han jé, ëg krë ag ve kÈ, ka inh mré tu väsän.

Os significados que são atribuídos às crianças indígenas, objetos e fa-tos, as palavras, as atitudes e os desejos e tudo que as cerca são criados nas relações sociais, alterando-se no tempo e no espaço, sendo, portanto, transitó-rios, mutáveis e arbitrários. Vejamos, por exemplo, a questão da escrita, en-quanto símbolo arbitrário representando a fala e o pensamento com diversos sinais. Isso faz lembrar do saber kaingang através dos sinais que representa o lugar, de onde veio e está, é trazer para o presente para melhor pensar o futu-ro. O povo indígena kaingang construiu ao longo da história diversas formas de representações que sofreram modificações desde os traços feitos nos artesa-natos até a escrita no papel e no computador que conhecemos hoje. Para este povo a principal forma de comunicação e transmissão de conhecimento é através da oralidade e dos sinais do tempo, interpretado pelo kujá, por que este saber é que lhes dá um sentido de vida mais marcante do que a escrita em Português.

É interessante observar o papel da escrita, que aparece não como um elemento de novas conquistas, mas como a responsável pela legitimação de seduzir o indígena para o mundo capitalista. Existem aspectos da cultura e da mitologia kaingang que podem ser explorados na discussão sobre a represen-tação indígena da escola, mas para isso se faz necessário explicitar as categori-as lógicas próprias da cultura kaingang, as categorias mentais com as quais o Kaingang pensou e ainda pensa o tempo, o espaço e suas relações sociais, sem que a narrativa possa parecer caótica e desordenada ou parecer algo exótico,

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desarticulado de seu contexto. Cabe destacar aqui que o discurso mitológico abrangeu o essencial, coincidindo em grande parte com a realidade de cada comunidade kaingang e com os estudos feitos por especialistas ou doutores na área de educação sobre o povo indígena kaingang. Por meio do mito, fica claro que os indígenas sabem por que a escola foi colocada dentro das comu-nidades kaingang aqui no sul do país, para que serve e como foi encapsulada em sua representação do mundo Kaingang.

Esse discurso formulado pelo povo indígena através da mitologia ou não, representa a escola como devoradora da identidade étnica e desintegrado-ra dessa identidade própria, uma vez que contribui para ocultar as matrizes formadoras desta última geração e ao mesmo tempo falsifica sua procedência. No caso da mitologia kaingang, que lhes conta a verdade sobre seus pais e sobre suas origens, a escola atrai as crianças para o mundo escolarizado da escrita. Os pais que estão em busca dessa informação sem saber o que estão preparando na realidade, devem conhecer primeiro, na verdade, o que a edu-cação escolarizada quer fazer com sua comunidade, para não construir futu-ramente uma armadilha para apagar a memória e organizar o esquecimento coletivo. Por isso, este povo pensa com cuidado a escola para sua sociedade. A escrita faz com que os indígenas se apropriem dela sem entender que ela é perigosa, porque pode transformar o indivíduo e fazer com que ele mesmo possa usar isso contra sua própria sociedade, pois dependendo do modo como escreve pode ser perigoso para esta sociedade. Dessa maneira, a escola exercerá um controle quase que absoluto sobre a memória deste povo, utili-zando-se da escrita como instrumento para legitimar os enganos sobre o passado, a genealogia, os ancestrais, as raízes culturais, enfim, a própria iden-tidade da sociedade kaingang.

A sociedade indígena que vive no território atualmente ocupado pelo povo kaingang aqui no sul do Brasil, desconhecia a instituição escola e prin-cipalmente a escrita, antes da chegada do europeu. No entanto, havia desen-volvido formas próprias de reproduzir saberes, por meio da tradição oral,

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transmitida em seu idioma tradicional e sem a escrita alfabética. As informa-ções sobre o processo educativo para a maioria desse povo são escassas e fragmentadas, mas, em relação à educação escolarizada da sociedade envolven-te existem observações feitas por indígenas que absorveram seu aspecto lúdico e suas formas de socialização que não atende a expectativa do povo kaingang. Conforme o relato de um historiador kaingang, Danilo Braga (2010):

A questão é que a educação escolar não indígena não respeita o tempo de aprender do kaingang, o ensino feito pelo kujá que domina todos os saberes tradicionais de nossa sociedade e ori-entado pelo saber guiado que é saber tradicional buscado na floresta através do jagrä, este sim que dá condição de ser socia-lizado conforme os costumes do povo kaingang. Por que o ku-já é a principal pessoa que domina todos os saberes ancestrais. A escola não indígena não está preparada para atender ou rece-ber o indígena que vem de uma sociedade tradicional e que também esta instituição não tem livros nem profissionais para trabalhar com esse sujeito da diferente sociedade, porque se nós indígenas queremos buscar mais conhecimentos devemos pes-quisar além daquilo que foi transmitido na universidade, num esforço individual com os velhos kaingang na aldeia.

Por que a academia não me deu o conhecimento direcionado para as questões indígenas, somente me preparou para atuar como professor de não indígenas, o que eu trouxe para a co-munidade foi a minha boa vontade de trabalhar e buscar atra-vés da pesquisa com os velhos a história da ancestralidade para depois associar com o conhecimento científico e por em práti-ca toda essa minha bagagem como educador formado por uma universidade.

A escrita para a sociedade envolvente só reafirma o desejo de quem es-tá no poder, só serve para denegrir a imagem do outro, ainda mais se for acadêmico formado por esta área da escrita, conquanto o ideal fosse adequar à escrita a reafirmação dos conhecimentos ancestrais desta etnia, colocando-a em pé de igualdade com o conhecimento científico. Enquanto o professor

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indígena pensa mostrar como seria importante colocar a escrita kaingang na convivência com sua comunidade, a escrita ocidental está tomando conta de tudo, substituindo no dia-a-dia da sociedade kaingang a língua indígena, definindo assim que a sociedade kaingang entende que a escola só chegou para desarticular a vida e os costumes de sua etnia. O professor bilíngüe, que é conhecedor da escrita ocidental, deve ao mesmo tempo dominá-la para colo-car em prática a experiência de vida convivida com sua comunidade, pois os desafios de entender como é a potencialidade da escrita em Português é algo que preocupa muito os professores kaingang nas aldeias. Por não entender o papel da gramática no ensino em língua portuguesa e os fonemas do neolo-gismo Português não está sendo fácil para estes entenderem, na sua prática, a escrita.

A escola é uma instituição relativamente recente na história desse po-vo, mesmo que ela seja tão antiga parece novidade para esta população. Apesar das oscilações e da diversidade do grau de tolerância ocorrido ao longo da história, as decisões da política educacional apontaram para uma tendência generalizada, desconhecendo a cultura e os saberes indígenas e, com isso, aniquilando-as. Dessa forma, nas últimas cinco décadas, a escola implantada pelo não indígena contribuiu para o enfraquecimento e extinção de parte dos saberes tradicionais kaingang. Com isso, os saberes veiculados por ela, num processo de aportuguesamento imposto primeiramente pelo Estado, teriam a atribuição de, primeiro afirmar a escrita portuguesa, pois para o educador não indígena o importante é primeiro introduzir a escrita e ao mesmo tempo alfabetizar a criança. A escola monolíngue e monocultural, aliada ao sistema do trabalho da competitividade capitalista, extremamente predatório, foi responsável pelo extermínio de muitos falantes da língua kaingang. Hoje, no Rio Grande do Sul, 60% da população fala o idioma kaingang. Parte dessa sociedade é predominantemente bilíngüe, porém uma relativa minoria é competente também em português, apresentando uma diversidade de situa-ções de bilingüismo. Nesse caso, o português circula nas comunidades como língua dos assuntos oficiais e simboliza a sociedade nacional. Goza de alto

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prestígio como língua escrita e de ampla difusão e utilidade, enquanto a língua indígena é em maior ou menor grau de prestígio para a sociedade envolvente. Mesmo assim a sociedade kaingang luta para que seja interpretada de forma mais coerente e busca conhecer melhor a escrita para junto de ou-tros povos fazer valer a sua opinião referente à escrita em Português.

Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental FÁG NHIN, uma das instituições indígenas que serve de ponto de referência para alunos indígenas kaingang, que aqui conhecem outras culturas e até mesmo sua língua escrita. Aldeia kaingang Fág Nhin-Lomba do Pinheiro – Porto Alegre/RS.

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A educação escolar indígena hoje

˙g vënhkajränrän fä ti uri, ëg mÈ ki hä han mü hën, uri ëg ta fóg ag tü ëg ge han sór mu, ëg mÈ ün si ag jykre tu vënhrán sór ti hën? ˙g krë ag mré? KÈ inh mré tu jykrén há han, ëg ta kar tägki hä, ëg si ag tÈ ëg kajrän já ën vem jé, mÈr ham? Kïjën ëg ta kägter mü, hära ëg ta! Tu jykrén ja ën ta känÈj mü, kar ëg vënhrán já ën ti ke ge, hamä.

Enquanto algumas pesquisas discutem a imagem do indígena constru-ída pela educação escolar, neste trabalho, pretendo inverter os termos da questão, preocupando-me com a imagem da escola construída pelos indígenas. O discurso indígena se construiu pela experiência direta com a sala de aula, dentro das aldeias, e também pelo que acontece lá fora, nas escolas das cidades perto das aldeias e nas grandes capitais do país. Nesse sentido, a sociedade kaingang avalia a escola trazida pelo não indígena, observando o indivíduo formado por ela, mediante seu relacionamento com a alteridade e a diferença.

O exemplo mais acabado deste tipo de discurso é o da mitologia ka-ingang, que elabora explicações sobre a origem da escola, o medo que ela provoca nas crianças e os altos índices de evasão. Os pais sem saber o que querem que os filhos cursem, estão quase que desolados, pois não estão en-tendendo quais são os objetivos da escola para este povo: será que é para o mundo da competição ao trabalho? Ela é para afirmação da identidade da nossa sociedade? O que esperam da escola hoje? Ela não pode sozinha manter viva a identidade cultural do povo kaingang, que é a língua indígena, pois até hoje somente destruiu parte dela.

Este trabalho transcreve uma das versões do mito, que representa a es-cola como devoradora de identidades, numa perspectiva que talvez possa contribuir para repensar algumas práticas ainda hoje difundidas nas salas de aula nas aldeias indígenas kaingang. Mesmo sabendo que a educação escolari-

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zada está há séculos na frente da representação de sinais indígena, este povo luta para que seja modestamente entendido, dentro do espaço educacional do mundo letrado, pois esta representação através de sinais - a escrita ocidental - só trouxe frustrações para a sociedade kaingang, como vimos nas páginas anteriores. Quando alguém compra um peixe atira as espinhas fora e aprovei-ta só o que há de melhor, mesmo assim este povo acredita que há ainda uma esperança, pois sabem que ali ainda podem encontrar um filezinho do peixe para manter seu conhecimento tradicional vivo, para transmitir para seus descendentes.

Professor Zaqueu Kaingang dando aula sobre história e cultura indígena na formação de professores não indígenas na Universidade de Educação Superior de Teologia de São Leopoldo, RS.

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Cacique kaingang Ari Kajër Ribeiro, fala da importância de preservar a cultura indígena junto de sua comunidade na Aldeia Indígena Fág Nhin, em reunião no lançamento da cartilha que prevê a implementação da lei 11.645/08, na educação escolar no mundo do não indígena, na semana dos povos indígenas em 19/04/2010.

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Educação Escolar Indígena Para Jovens e Adultos (PROEJA Indígena)

Sa kyrü kar ün tytëg fag tu jykrén kÈ vënhrán ja vä, mÈr kyrü kar ün tytëg fag vÈ, jag në ta prüg-prüg kar fag vÈ, fag iskóra tugvänh tï, hä kÈ sa tag tugnïn tu vënhrán já nï, kyrü ti prü ra, kar ün tytëg fi mén ra, fag tÈ jagnämré vënhkajränrän jé gé. Fag tÈ kajró nÈtïn jé, kyrü kar ün tytëg fag.

A filosofia deste seguimento da escola deve oportunizar para esta mo-dalidade técnicas de alfabetização direcionada para realidade dos alunos, abordando e mostrando caminhos para melhor condição de adaptar o jovem e o adulto indígena ao ensino escolarizado de forma mais prática e didática. Isto aponta para um trabalho árduo a ser elaborado e explorado, de uma política de ensino que vise tornar mais justa a educação formal para os povos indígenas nesta modalidade, uma vez que o ensino em sua língua materna lhes é garantido por lei e evita a exclusão desses povos, que ao longo da histó-ria da educação brasileira, foram excluídos e marginalizados.

A insistência do ensino em língua portuguesa nas escolas indígenas, muitas vezes tem negligenciado o fato de que as crianças kaingang têm o conhecimento mais voltado a sua cultura, ao mesmo tempo falando a língua materna e isto influencia no aprendizado que é direcionado para esta faixa etária de ensino, nos moldes da educação vinda pelo não indígena. Agora, com essa expectativa de criação desta modalidade da EJA para as sociedades indígenas, deve-se ter cuidado de onde começar e pensar que especificidade adequar, para que não se repitam os mesmos erros do passado.

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O relato do professor bilíngüe da etnia kaingang, Selvino Kókáj Ama-ral, dá testemunho sobre a experiência vivida pelos velhos kaingang e como gostaria que a educação escolar indígena fosse.

Cada comunidade kaingang tem sua própria história, sua realidade. Para assegurar que estas diferenças sejam respeitadas também na escola, deve-se ter o cuidado com as especificidades indígenas. Basta lembrarmos que nos séculos passados época de expansões territoriais européias, o processo de colonização foi uma violência contra o nosso povo, nas terras do chamado Novo Mundo. Que não só nos exploraram, como tentaram nos adaptar aos moldes da educação escolar que eles nos impuseram, mas eu sempre falei que nossos velhos foram fortes e guerreiros, não deixaram a sua cultura de lado em prol da cúpula ocidental. Hoje devemos ter esse cuidado, ao implantar tais modalidades ao nosso povo, se não fosse nossos heróis kaingang, os velhos, o kujá, nós não existia mais, apenas seríamos lembrados como uma lenda. Então a tarefa de formular um currículo que contemple toda a nossa própria gama de conhecimentos e conhecimento relevante a outras culturas, compete não somente a nós professores indígenas e nossas comunidades, então a secre-taria de educação responsável por tal atribuição devem nos dar toda a auto-nomia de nós construirmos as nossas próprias práticas pedagógicas, não queremos coisas prontas vinda do não indígena, lá de fora. Como é que um Governo que não atende direito as suas escolas vão querer dar isso formaliza-do pra gente? Se eles não conseguem resolver nem os problemas da sociedade deles! Como é que querem dar isso pronto pra gente? Eles devem nos dar a total liberdade para formular os currículos para as escolas indígenas, isso nós soubemos fazer e é mais que um dever nosso, em realizar esse sonho, tudo a partir de nossas experiências em nossas comunidades, com os velhos, com os pais dos alunos, com as crianças, com os jovens e os adultos de nossa aldeia, este é o meu sonho em quanto professor bilíngüe pensando na educação escolar indígena kaingang.

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Caso os protagonistas ou responsáveis por tal implantação não consi-derem o conhecimento dos velhos e a experiência dos professores indígenas, isto invalidará todo e qualquer outro esforço feito pelos educadores indígenas no sentido de melhorar e aprimorar a aprendizagem dos jovens e adultos indígenas no sistema da educação escolarizada. O que se evidencia é que, se esta modalidade, ou seja, os protagonistas responsáveis pela implantação da EJA, desprezarem o sistema de referência cognitivo adquirido pelo jovem e adulto indígena nos rituais de cerimônias que acontecem em suas comunida-des e antecedem a escola, isto é, aqueles que já possuem o saber originário de sua cultura, que são transmitidos através da oralidade tradicional de seu povo, não estarão exercendo a sua cidadania. O aprendizado transmitido pelos velhos em sua comunidade é que os tornam cidadãos plenos de sua cultura e como será o saber transmitido pelo educador de EJA, caso essas especificida-des não fizerem parte de um currículo para esta modalidade?

Sabemos que a sociedade, ou seja, os membros das comunidades indí-genas aqui no Sul não estudam para buscar o mundo da competitividade não se preparam para o mercado de trabalho, mas sim, para aprimorar o saber que eles têm, ao mesmo tempo se apropriar do conhecimento ocidental para futuramente defender seu povo em todas as esferas e no âmbito da sociedade nacional, seja no cenário político, na saúde, na agricultura, na divulgação de cultura e na formulação de política educacional, trazendo para a realidade das comunidades indígenas, compondo saberes tradicionais para a ideologia da formação almejada através da escola que desejam ou como querem que a escola seja.

Contrariamente o que se espera da escola para jovens e adultos indí-genas se ela for formulada pelo não indígena, vinda do governo? Se ela não for pensada pelo próprio indígena a sociedade kaingang deve ficar atenta. Por que ela tem um papel duplamente excludente: distancia o indígena do seu mundo e o introduz na sociedade não indígena indefeso e inseguro para lidar com outros conceitos que não os seus, em um meio diferente daquele em que

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foi criado. Enquanto sujeito, coletivamente de tradição oral, o adulto e o jovem indígena nunca conseguirão assumir o individualismo, mesmo estando em meio ao mundo escolarizado. Uma medida que visa reverter esse quadro é garantir a esses Jovens e Adultos indígenas o direito a sua forma de pensar e agir, é fazer com que o indígena elabore a educação, o ensino da EJA diferen-ciada e voltada para seus costumes e cultura. Assim, ela será uma escola de índio para índio, que leva em consideração o conhecimento que adquiriram durante sua experiência e convívio de sua comunidade.

Como a Educação de Jovens e Adultos não tem e nunca teve experi-ência desta modalidade nas comunidades kaingang, este sistema deve ao mes-mo tempo de sua implantação se referenciar no conhecimento adquirido pelo jovem e o adulto em seu contexto social e cultural. Este cognitivo é a base de formação que ele carrega desde os tempos imemoriais, de seus avôs, dos velhos e do kujá durante as cerimônias de rituais que antecedem a vinda destes para o mundo escolarizado. Com todo esse aparato vão continuar sendo indígenas do portão para fora e do portão para dentro.

Na atualidade existem muitos jovens e adultos indígenas analfabetos no Estado brasileiro, estrangeiros ao sistema educacional, excluídos dos sabe-res acadêmicos e escolares da sociedade ocidental. Porém, ao mesmo tempo, com um conhecimento de participação política sobre sua ciência, técnica e cosmologia ancestral e este é um aspecto a ser considerado, de uma alfabetiza-ção baseada no sistema educacional e na tradição do povo kaingang.

No entanto, este sistema tem atraído muitos pesquisadores que pole-mizaram e tentaram transformar a metodologia e a didática desta sociedade para o sistema da sociedade nacional, não entendendo que o povo indígena tem suas próprias formas de ensinar e aprender. Este é um saber que adquiri-ram desde a sua origem, agora diferenciados e transformados, buscam dire-cioná-los ao novo horizonte em busca de sua liberdade intelectual no cenário da educação escolarizada.

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O protagonista deste trabalho, referente à modalidade educacional que expõe, também na área do PROEJA, quer ao mesmo tempo dialogar com a educação desenvolvida pelos velhos e também pelos kujás, que é oferecida aos jovens nos rituais de iniciação à vida adulta. Este conhecimento que perpassou séculos, agora pode ter mais visibilidade e poderá ser utilizado no currículo da instituição escolar indígena com mais freqüência e assiduidade: para determinar o tempo certo da alfabetização das crianças indígenas; como forma de preservar este saber e ao mesmo tempo revitalizar todos os saberes tradicionais; no Ensino Fundamental, no Ensino Médio, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Ensino Profissionalizante e no PROEJA/IND¸GENA, ao mesmo tempo preparar o indígena para o mundo acadêmico fora da aldeia.

O relato de um indígena kaingang, Cleverson Nïvénh-mág Claudino, estudante Universitário, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – cursando graduação em História.

Planejar uma educação escolar indígena ao qual o povo kaingang almeja é aquela que contemple a pedagogia da oralidade, o curriculo formulado com a adequação desta sociedade para a modalidade da educação de jovens e adultos deve ter como referência a interculturalidade, as experiências subjetivas e comunitárias dos velhos, e também do kujá, são metodologias que vão nortear a proposta política pedagógica referenciadas a identidade étnica cultural da sociedade kaingang, no contexto escolar. Garantindo a visibilidade sociocultural como ponto de partida para o processo de ensino aprendizagem, priorizando abordagens multiculturais e interdisciplinares, que articulem os conhecimentos e práticas tradicionais com as ciências e tecnologias não indígenas que possam contribuir para os projetos curriculares das escolas indígenas kaingang, para a desconstrução do etnocentrismo, são estas particularidades que o (PROEJA) deve ter em seu curriculo.

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A oferta desta modalidade de ensino – PROEJA/IND¸GENA, que está em processo de diálogo para construção e formalização, deverá conter, em sua proposta pedagógica, a participação dos jovens, dos adultos, dos velhos, das lideranças políticas (cacique), dos professores e da comunidade indígena de cada aldeia considerando todo o saber tradicional da sociedade kaingang. Onde estiver prevista a sua implantação para as comunidades indígenas nos territórios indígenas kaingang haverá uma reflexão envolvendo a comunidade. Alguns dos saberes tradicionais do conhecimento kaingang deverão ser pro-porcionalmente inseridos no contexto escolar, porque se for assim, de acordo com a perspectiva de cada comunidade, este aspecto do cognitivo kaingang será de muita valia para o sucesso da Educação de Jovens e Adultos integrada ao ensino profissionalizante (PROEJA) nas comunidades indígenas do RS.

Formular um currículo voltado para as peculiaridades da cultura in-dígena kaingang, que tem esta diversidade de conhecimentos, requer práticas e saberes dos velhos, que são considerados a biblioteca viva deste povo. Agora em pleno século XXI este saber tem por objetivo e finalidade ser implantado no seguimento da EJA, com possibilidades e alternativa do desenvolvimento dos jovens e adultos indígenas ao mundo científico e escolar, com eficácia as tecnologias voltadas para a formação do sujeito indígena, também nos termos do seguimento do ensino profissionalizante. E este deve, proporcionalmente, considerar as perspectivas do desenvolvimento sustentável e de proteção dos territórios indígenas, possibilitando a inserção dos jovens e adultos indígenas na execução de projetos de acordo com as necessidades e interesse de cada comunidade indígena kaingang.

A associação que defendo entre a educação de jovens e adultos e a sustentabilidade nos territórios indígenas é a falta de oferta de formação técnica e tecnológica que forneça subsídios para apoiar os projetos de autossustentação baseado na interculturalidade, ou seja, na ciência do povo indígena kaingang e em conhecimentos científicos e tecnológicos dos povos não indígenas. Para tanto é necessário implantar programas de formação

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profissional adequados às necessidades socioambientais e as especificidades deste povo nas escolas localizadas em terras indígenas kaingang. Este é o sonho do pesquisador referente a esta modalidade.

A proposta pedagógica a ser composta parte do princípio de que a construção de uma educação escolar indígena específica e diferenciada para jovens e adultos indígenas deverá ter em sua formulação o ensino básico de qualidade voltada para a sociedade kaingang, baseando-se na cultura enfocada na interdisciplinaridade de acordo com a realidade de cada comunidade kaingang. Pois só com a oferta desta modalidade não se garante a perfeição do desenvolvimento deste seguimento de educação, ela deve estar proporcionada ao ensino dos velhos com a busca da qualidade, da diversidade e do conhecimento ancestral. A educação de Jovens e Adultos e o ensino profissionalizante precisa impreterivelmente ser ministrado por professores indígenas, capazes de incorporar em suas práticas escolares os avanços nas diferentes áreas do conhecimento e estar atentos às dinâmicas sociais e suas implicações no âmbito do mundo escolar.

Atualmente, a busca para terminar com a simples transferência de processos e procedimentos educativos empregados a sociedade indígena, depois de cinco séculos vem sendo debatida pelo pesquisador junto às comu-nidades indígenas, com anseio de construir com os professores, lideranças, com os velhos, com a comunidade, com os jovens e adultos indígenas a busca de uma abordagem a partir do saber tradicional que absorveram nos rituais de cerimônia que aconteceram e ainda acontecem nas aldeias.

Este conhecimento, ao dar ênfase ao mundo científico, trará mais res-peito e coerência que é o que os povos indígenas desejam na atualidade. Esta é a ideologia, ou seja, esta é a educação escolar indígena diferenciada que o protagonista deste trabalho quer para a sua descendência. Desta maneira, pretende possibilitar aos jovens indígenas se sentirem e se conhecerem nas suas relações sociais, sentindo-se parte integrante da construção da história da educação de jovens e adultos direcionada para o seu povo kaingang aqui no

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RS. Além disso, possibilitar o acesso à construção de conhecimentos e mediar para que esses conhecimentos construídos sejam significativos para suas vidas.

Vejamos o relato e a afirmação do professor kaingang Amilton Mello, estudante de educação física da UFRGS.

Felizmente, o conceito vem mudando e, entre os grandes desafios des-sa modalidade de ensino, agora pretende incluir também na escola indígena, com intenção de preparar os alunos indígenas para o mundo contemporâneo por fim a busca da releitura ao conhecimento dos velhos kaingang. Hoje sabemos do valor da aprendizagem contínua, em todas as fases da vida, e não somente durante a infância e juventude. Os professores indígenas ao longo de sua caminhada vêm lutando para mudar essas abordagens nas escolas. Estamos felizes por que a nossa diversidade é rica e a gente que conhece a diversidade do saber do nosso povo é uma riqueza e tanto, não um entulho como os brancos sempre falaram de nós. O conhecimento do saber dos velhos através da natureza é que nos faz refletir. Além disso, queremos valorizar essa riqueza de outras maneiras e não apenas dando destaque para a dimensão do sofrimento e violência que nós sofremos. A EJA, com a formulação que você „pesquisador‰ está fazendo, vai dar este enfoque para o nosso povo e posteriormente a liberdade de buscar novos conhecimentos lá no mundo tecnológico, científico dos brancos, assim nós vamos ser invencíveis por que conhecemos os dois lados da moeda.

Esta proposta curricular para Educação de Jovens e Adultos, que está sendo debatida com possibilidade de ser construída com a colaboração desta pesquisa, está sendo referenciada no campo do Estudo da Cultura e visa atender uma parcela da população indígena, que um dia já foi excluída soci-almente, sendo obrigada a sair da escola regular após seu casamento. Esta Proposta Pedagógica e Curricular está intitulada como „A Constituição His-tórica do Sujeito Indígena‰ e compreende que os jovens e adultos indígenas, devem ser lapidados construindo-se em suas tramas históricas, nas suas rela-

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ções sociais e culturais, os lugares que ocupam e o tempo em que vivem por serem indivíduos sabedores de sua história.

Uma escola indígena com uma proposta curricular enfocada no saber coletivo direcionado à EJA servirá de base para vários segmentos institucio-nais, tornando-se, assim, uma referência estadual e nacional para a educação de jovens e adultos, por apresentar características específicas, diferentes de outras propostas ou correntes de pensamentos. Diante disso, pretende-se fazer um estudo criterioso e minucioso, respeitando todas as especificidades da cultura, dos costumes da tradição kaingang, buscando e analisando como as referências e forma de implementação irão viabilizar seus objetivos. Além disso, o estudo deve buscar evidências para avaliar a relação entre a teoria científica e o conhecimento empírico. Ao mesmo tempo, buscar através da teoria formalizada, a construção da proposta para a prática interdisciplinar, responsável pela produção do currículo, por meio da percepção dos alunos, das alunas, dos velhos e da comunidade para este seguimento, onde a escola esta inserida.

Várias tentativas de implantação de programas e cursos para a socie-dade kaingang, realizadas por instituições universitárias, não tem tido efeito. Essas tentativas, seguidas de fracassos, vieram confirmar que os processos de construção de conhecimento e de aprendizagem direcionadas aos povos indí-genas não tem nada a ver com os conhecimentos tradicionais transmitidos pelos velhos e pelo kujá.

Trabalhos voluntários e outras abordagens têm demonstrado a vonta-de de se trabalhar com a sociedade kaingang. Algumas tentativas têm dado certo, surtido efeito, mas muitos professores desta área, „os não indígenas‰, com experiência da EJA, até mesmo professores universitários tentaram buscar uma aproximação e acabaram se frustrando, não conseguindo manter os alunos indígenas na escola. Em relação às especificidades dos jovens e adultos, não era a perspectiva que queriam para obter um bom relacionamento e sucesso nesta área. É preciso, sobretudo, abordar todos os saberes tradicionais

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que os mesmos têm, para junto deles construir uma base teórica voltada para a sua sociedade.

Nesse sentido, faltou experiência e uma pesquisa direcionada para esta modalidade de ensino, também por existir carência de material didático, a especificidade da EJA acabaram sem sucesso. Para garantir o sucesso, o planejamento e a gestão da educação intercultural indígena, de acordo com o direito dos povos indígenas, é necessário que a educação direcionada para esta modaliade construa um programa de formação permanente de gestores e técnicos sobre pluralidade cultural nas políticas públicas de educação, diria eu, com toda a audácia do sucesso desta modalidade de educação escolarizada para o povo indígena kaingang.

Quero registrar também, que a riqueza deste estudo, foi o caminho percorrido até aqui e não o que nesse momento posso chamar de „final‰. Este certamente não foi um fim, mas uma etapa alcançada. As considerações aqui descritas, não são definitivas. São considerações que sofreram influências do momento em que o estudo foi realizado. Essas conclusões estão sujeitas a outras mudanças, pois outros pesquisadores que passarem por esse percurso da EJA terão outras bagagens e consequentemente outras percepções, podendo vislumbrar novas perspectivas e com isso abrir outros caminhos e outras possibilidades. Com esse estudo espero poder contribuir na produção teórica específica para educação de jovens e adultos indígenas kaingang e estimular a construção de propostas alternativas para o PROEJA/IND¸GENA.

Considerações Finais

Todo o assunto que aqui foi exposto, relacionado à educação escolar indígena, serve para entender a importância do respeito e valorização da identidade étnica cultural do povo indígena kaingang. O extermínio de gran-de parte da cultura desta sociedade é observado neste trabalho, o mesmo serve

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de exemplo para que outras culturas não sejam mais sufocadas ou vistas como inferiores ou de menor importância e prestígio.

A cultura indígena kaingang serve como um manual de sobrevivência. Então, o respeito a essa diversidade deve ser algo indispensável, pois, com a educação escolarizada, podemos transformar o nosso país em algo melhor. Os preconceitos identificados através da discriminação e das individualidades são pertinentes ao mundo desconhecido, porque ninguém respeita aquilo que não conhece. Então esta é, e foi uma oportunidade de se conhecer um pouco mais sobre esta sociedade, que ao longo de sua existência foi sufocada, marginaliza-da. É necessário conhecer a cultura e com isso receber o respeito pleno, por-que esta não é e nunca foi uma das personagens do folclore gaúcho e muito menos brasileiro. As sociedades indígenas buscam permanentemente afirma-ção e reconhecimento de sua forma de ser e da vida anterior ao mundo capi-talista.

Este é um trabalho de incentivo ao conhecimento educacional do po-vo indígena kaingang que aqui vive e foram na história do Rio Grande do Sul, junto de outros povos, os donos desta terra. E, o mais importante, de onde estiver lendo este trabalho, em pé ou sentado, este lugar já nos pertenceu e por ganância dos grandes latifundiários, parte deste território nos foi tirado. Mesmo assim lutamos para sermos vistos, porque nossas raízes encontram-se desde a nossa origem, antes da invasão de nossos territórios, até finalmente ser colonizado. Esta guerra perdura há aproximadamente cinco séculos. Busca-mos através da educação escolar indígena um mundo melhor, sem exclusão e preconceito para as futuras gerações do povo indígena kaingang, por que não conseguiram nos exterminar nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX e XX eu acredi-to vamos vencer esta luta e vamos seguir adiante.

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Referências

a) Da tradição oral indígena

Felipe Rëtón da Silva. Terra Indígena Kaingang Fag Nhin – Lomba do Pinheiro, Porto Alegre, RS. Depoimento gravado em abril de 2010.

João Carlos Kanheró. Terra Indígena Rio da Várzea – Liberato Salzano, Rodeio Bonito, RS. Depoimento registrado no CD ˙MÄ M˘G - Aldeia Grande, 2008.

Danilo Braga. Terra Indígena Ligeiro – Charrua, RS. Depoimento concedido ao autor do texto em maio de 2010.

Selvino Kókaj Amaral. Terra Indígena Guarita – Redentora, RS. Depoimento conce-dido ao autor do texto em maio de 2010.

Cleverson Nïvénh-mág Claudino. Terra Indígena Kaingang Fág Nhin – Lomba do Pinheiro, Porto Alegre, RS. Depoimento concedido ao autor do texto em abril de 2010.

Amilton Mello. Terra Indígena Guarita – Redentora, RS. Depoimento concedido ao autor do texto em maio de 2010.

b) Da tradição escrita acadêmica

BERGAMASCHI, Maria Aparecida (org.) Povos indígenas & Educação. Porto Alegre: Mediação, 2008.

BONIN, Iara. Educação escolar indígena e docência: princípios e normas na legisla-ção em vigor. In: BERGAMASCHI, Maria Aparecida (org.) Povos indígenas & Edu-cação. Porto Alegre: Mediação, 2008, p. 95-107.

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PENSANDO A EDUCAÇ‹O PROFISSIONAL E TECNOLŁGICA INTEGRADA ¤ EDU-

CAÇ‹O ESCOLAR IND¸GENA

Caetana Juracy Rezende Silva1

Para os governantes que são responsáveis de executar esta política e precisam

entender que com isto estamos querendo viver com respeito e dignidade nas nossas co-

munidades e fora dela quando sairmos. E esta parte é o que o Brasil precisa aprender a

fazer e respeitar: Viver intercultural.

André Baniwa

Pensar a integração da educação profissional e tecnológica com a educação escolar indígena em âmbito nacional exige que o pensamento seja sempre formulado no plural. Não existe modelo único de educação escolar indígena, nem uma única fórmula para a gestão do conhecimento pelos povos

                                                       1 Mestre em Música. Técnica em Assuntos Educacionais do Ministério da Educação. Coorde-nadora-Geral de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica na Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC/MEC. E-mail: [email protected]

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indígenas. A concepção de educação profissional vinculada à idéia de empre-go, de meio de subsistência pela venda da força de trabalho, não é somente estranha aos universos indígenas tradicionais como estapafúrdia ao se consi-derar os modos de vida e produção das várias etnias, seus projetos para o atendimento das suas necessidades dentro das terras indígenas, suas concep-ções de trabalho. A aproximação só se torna possível a partir da concepção de educação profissional e tecnológica em um projeto de formação humana integral, emancipatória, capaz de respeitar as culturas e os modos de vida em suas especificidades.

Se as questões educacionais sempre estiveram presentes entre os po-vos indígenas, pensar a aprendizagem escolar ainda é um grande desafio. Conforme André Baniwa, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN, os povos indígenas foram educados para a sociedade envol-vente e deseducados de suas culturas. Para entender a proposta da educação escolar indígena, se faz necessário inverter essa lógica: Nos deseducar primeiro novamente, para podermos mergulhar profundamente na nossa história e recuperar parte dela, porque muitos já se perderam (FOIRN, 2006). Em artigo publicado na primeira edição dos Cadernos PROEJA, Andila Nĩvygsãnh, Professora kaingang Especialista em PROEJA, destaca: se eles quiserem ser bons professores kaingang, eles terão que ouvir os nossos „velhos‰! Pois é neles que está a essência da escola diferenciada. São, pois, a base para um Projeto Político-Pedagógico (Inácio, 2010). Ressalta ainda, que o avivamento e valorização das formas tradicionais de aprendizagem possibilitam a utilização de metodologias aperfeiçoadas ao longo de séculos nas trajetórias sociocultu-rais desses povos.

Em sociedades em que a base da produção e das decisões sociais é organizada no e para o coletivo, todos se ocupam com o ensinar. Percebe-se neste ato a unidade entre as várias dimensões da vida. Trata-se de uma forma-ção integral por excelência. A preocupação com a formação se dá em todos os sentidos, inclusive no afetivo. A concepção fundamental é a de que a criança

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deve ser auxiliada e incentivada, considerando seus níveis de amadurecimento físico e emocional, dominando gradativa e naturalmente as técnicas, os co-nhecimentos aprendendo o útil e necessário a sua comunidade.

Enquanto seres histórico-sociais, homens e mulheres indígenas pro-duzem conhecimentos através do trabalho de apropriação dos potenciais da natureza para satisfação de suas necessidades subjetivas e sociais, do grupo familiar, do coletivo, da cultura. Como mediação ontológica na produção do conhecimento, o trabalho é, sobretudo, a base dos processos educacionais indígenas. O trabalho deve servir à vida coletiva com o objetivo de produzir o suficiente para que se viva bem, sem a preocupação com o acúmulo de riquezas, portanto, sem a necessidade de sobrecarga sobre os indivíduos. É meio de vida, sabedoria, garantia de inserção no espaço sociocultural, reco-nhecimento do pertencimento individual ao coletivo (Freitas, 2010).

A compreensão da realidade como uma totalidade surge como uma das características das pedagogias indígenas. Os Tuyuka, da região do Alto Rio Tiquié, na fronteira do Brasil com a Colômbia, ao discorrerem sobre a origem e transformação de seu povo explicam

A estrutura da Casa Ritual e de Moradia representam os ossos que sustentam o corpo da pessoa (...)

Também as cerimônias de dança e entonações lembram da ter-ra de transformação e origem através da maloca. Por isso essa Casa Ritual e de Moradia é muito importante, reflete a ligação entre o contexto cultural e cerimonial de um povo. Atualmen-te, quando as pessoas adoecem, para benzê-las são lembradas todas as partes da maloca, associadas a seu próprio corpo.

São vários os tipos de caibros usados na construção desta Casa Ritual ou maloca (...). Os caibros de Envira são vulneráveis às brocas que destroem a madeira, não servem. Somente caibros compridos são usados na construção da Casa Ritual e de Mo-radia.

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Terminando de construir a estrutura da Casa, ela é coberta de caraná, ubim, ubim de espinho, palha branca (...). A cobertura de palha da casa representa as plumas da arara das quais se confecciona adornos cerimoniais como as faixas de plumas, mapoari. Quando bem colocada, numa cobertura bem densa pode durar até oito anos (AEITU, 2005).

Narrativas de outros povos indígenas demonstram igualmente um tratamento integrado de várias dimensões da vida em uma proposta educa-cional estruturada na compreensão relacional das partes em um todo. As ações de pensar, agir, planejar e executar se encontram unificadas, derivado de suas visões de mundo, em que a mística, a produção da existência, a constitui-ção da vida são inseparáveis nos processos de apreender o mundo.

Pensar integração entre a educação profissional e a educação escolar indígena exige fundamentalmente superar a visão evolucionista, reconhecendo a sabedoria milenar acumulada por esses povos. A apreensão e representação das relações que estruturam a realidade produzem-se, nas diferentes culturas indígenas, através de métodos próprios. Partindo do empírico, à luz de suas culturas, desenvolvem análises e elaboram sínteses para a representação do concreto.

A questão da integração entre a educação profissional e a educação escolar indígena deve ser colocada a partir da compreensão das dimensões do trabalho, da cultura, da tecnologia e do conhecimento indígenas, exigindo profundo conhecimento sobre essas sociedades. Por esta razão, a proposição de projetos de educação profissional e tecnológica necessita da participação dos povos indígenas em todas as suas dimensões, nas decisões políticas, na gestão pedagógica, administrativa e financeira. Pela garantia da participação viabiliza-se a construção de alternativas diferenciadas.

O acesso aos conhecimentos tecnológicos da sociedade nacional não pode significar a transição de um modo de produção coletivo e cooperado (tido ainda por muitos como rudimentar) para um capitalista. Tal visão

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apenas contribuiria para a destruição das culturas indígenas, reproduzindo o ideário de assimilação, oficialmente assumido durante oito décadas de políti-cas de proteção ao índio (1910-1980) e, infelizmente, ainda presente na socie-dade brasileira.

Uma educação profissional indígena alcança significado quando responde a questões cruciais para a sobrevivência desses povos e fortalecimen-to de suas comunidades, construindo alternativas viáveis para o gerenciamen-to autônomo de seus territórios, possibilitando sua sustentação econômica, segurança alimentar, saúde e atendimento às necessidades cotidianas. O pe-queno artigo Educação Escolar e a Gestão do Território de André Baniwa ajuda a ilustrar esta questão:

O que tem a ver a Educação escolar com Gestão Territorial? Estamos falando do assunto que não é bem comum na tradi-ção dos povos indígenas. Isto porque a educação nossa nunca foi escolar (dentro de casa). Mas a gestão de terra, cada povo entendia e vivia muito bem antes da colonização. (...) A gestão destas terras significa cuidar dela, dos seus recursos naturais, manejá-los tendo cuidado para não acabar com recursos que utilizamos no dia-a-dia nas nossas comunidades. (...)

Para fazer uma boa gestão precisamos também saber o que te-mos de recursos nas nossas terras antes mesmo de trabalhá-los no sentido econômico. Mas porque isso é importante Traba-lhar? Porque há mais de 300 anos formos contaminados com o capitalismo, aprendendo e gostando de consumir mercadorias de fora. Os críticos podem dizer, mas não é verdade, isso não é ruim. O fato é que não conseguimos mais deixar de comer quinhapira sem sal, andar de koeyo e outras formas. Como não temos meios apropriados de conseguir renda começamos por influência querer explorar nossos recursos de qualquer maneira. Aqui está o perigo de faltar como já está acontecendo em alguns lugares ficando escasso de peixe e outros recursos também como madeira.

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A importância da gestão está aqui. Planejar o uso destes recur-sos naturais. Mas como fazer isso? Como fortalecer essa práti-ca? É nesta área de como fazer é que as escolas devem entrar para ajudar esse desenvolvimento sustentável. Isto porque o de-senvolvimento sustentável que tanto falamos só vai acontecer na prática quando isso partir de nós mesmos. O desenvolvi-mento só cresce quando acontece de dentro para fora. A planta é assim, o homem e toda a reprodução e crescimento de qual-quer ser vivente é assim. (FOIRN, 2006).

Diferentes caminhos vêm sendo analisados no campo da formula-ção de políticas de educação profissional e tecnológica para os povos indíge-nas. Cada um apresenta diferentes desafios e possibilidades.

Uma das vertentes diz respeito à oferta de cursos diferenciados por instituições de ensino não indígenas como é o caso de escolas federais de educação profissional e tecnológicas localizadas próximas a territórios indíge-nas. As dificuldades encontradas vão desde a mudança de mentalidade, de concepção e de comportamentos e práticas enraizadas nos gestores, professo-res e demais servidores da instituição, passando pela constituição de condições administrativas, políticas, pedagógicas e estruturais para o desenvolvimento de propostas mais específicas, ao fato de que algumas destas unidades de ensino precisam atender várias etnias2.

A oferta realizada em ou por instituição escolar não indígena, mes-mo quando elaborada com a participação das comunidades indígenas, esbarra em dificuldades como as relatadas por Maria Inês Freitas:

                                                       2 Dois exemplos são o campus do Instituto Federal do Amazonas em São Gabriel da Cachoei-ra e o campus do Instituto Federal de Roraima em Amajari. Cerca de 90% da população do município de São Gabriel é composta por indígenas de 23 etnias. As atividades de ensino no campus de Amajari tiveram início em 2010 com o curso Técnico em Agricultura. Durante os anos de 2008 e 2009 foram realizadas audiências públicas para a escolha de seus cursos, das quais participaram diversas comunidades indígenas. A população do município tem uma representação de 58% de indígenas de diferentes etnias.

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Os jovens indígenas, para cursar o Ensino Médio, precisam se deslocar para escolas situadas na sede de municípios mais pró-ximo das aldeias, onde há oferta dessa modalidade de ensino. Desse modo encontram muitas dificuldades para realizarem seus estudos. As principais dificuldades que enfrentam são: a-quisição de material didático, transporte, discriminação racial entre colegas e, às vezes, com professores e aproveitamento in-satisfatório. Esse conjunto de situações desfavoráveis causa, frequentemente, o abandono dos estudos (Freitas, 2010).

A autora relata ainda as dificuldades provenientes dos conteúdos se-rem trabalhados apenas em português e o fato dos currículos e calendários serem estabelecidos pelo sistema de educação a que está vinculado, dificultan-do ou mesmo inviabilizando a aproximação com as realidades dos povos indígenas.

Algumas experiências, no entanto, têm mostrado possibilidades de se construir projetos interculturais viáveis com base no diálogo. A escola federal de São Gabriel da Cachoeira/AM, atualmente campus do Instituto Federal do Amazonas, foi instituída em 1993 com cursos voltados para a criação de animais de grande porte e agricultura com foco na industrialização. Somente a partir de 2005, após o I Seminário Interinstitucional Construindo Educação Escolar Indígena na região do Rio Negro, promovido pela FOIRN, que o diálogo intercultural e a parceria entre o campus e o movimento indí-gena organizado, a instituição passou a priorizar o reconhecimento das po-tencialidades locais para a criação de alternativas sustentáveis que viabilizas-sem ações para a valorização do patrimônio cultural e ambiental da região. Em 2007, foi implantado o curso Técnico em Etnodesenvolvimento, desen-volvido junto a Escola Kariamã, distrito de Assunção do Içana, situado no baixo rio Içana, habitado por índios da etnia Baniwa e Kuripaco e, em segui-da, o curso Técnico em Desenvolvimento Sustentável Indígena, em conjunto com a Escola Indígena Tukano YeÊpa Mahsã, na região do médio rio Waupés. Atualmente o campus desenvolve, além dos cursos técnicos diferenciados, pesquisas nas comunidades indígenas, cedendo sua estrutura física e de pesso-

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al para o desenvolvimento interinstitucional de cursos de formação de profes-sores indígenas.

Outra vertente, que não exclui necessariamente a primeira, diz respei-to à construção das condições necessárias para que as comunidades indígenas desenvolvam autonomamente suas propostas educacionais. Entre os desafios encontra-se a formação de professores diferenciada conforme a etnia, em núme-ro suficiente para o atendimento de suas demandas por escolarização, de forma a se alcançar uma educação bilíngue, específica, diferenciada e de qualidade, alicerçada na forma tradicional de ensinar de cada povo indígena.

Em geral, percebe-se que os projetos desenvolvidos nas comunidades indígenas, com a participação direta de professores indígenas e no diálogo contínuo com as comunidades, mesmo com falta de infraestrutura adequada, alcançam resultados muito mais significativos do que a integração de estudan-tes indígenas em cursos técnicos desenvolvidos nas unidades de ensino dos brancos. Mas as demandas dos povos indígenas passam por inúmeras forma-ções técnicas como Enfermagem, Eletrônica, Mecânica, Informática, Comuni-cações entre outras. A formulação de projetos e a constituição das condições concretas de oferta de cursos específicos, com proposta pedagógica e estrutura curricular diferenciada, intercultural e bilíngue nas diversas formações de nível médio/técnico demanda um grande trabalho de pesquisa e diálogo. É imprescindível a análise e reflexão sobre os modos de produção e as realidades indígenas em geral para a construção de propostas alternativas.

Uma das alternativas possíveis encontra-se delineada no Decreto 6.861, de 27 de maio de 2009, em que se estabelece que a educação escolar indígena seja organizada e gerida observada a territorialidade dos povos indí-genas, constituindo territórios etnoeducacionais, que independem da divisão político-administrativa do país. Sua implantação é pautada pelas demandas dos povos indígenas traduzidas em um plano de ação. Este plano deve ser elaborado, acompanhado e periodicamente revisto por uma comissão formada com representantes dos povos indígenas, entidades indígenas e indigenistas,

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órgãos governamentais vinculados à temática, gestores de educação estaduais e municipais, instituições de educação superior e de educação profissional e tecnológica, entre outros. Embora o texto deste documento legal proponha um forte esforço de mobilização e participação plural na definição dos planos de ação, sua promulgação antes do resultado de consultas e discussões com todos os povos indígenas e sem uma clara vinculação com o debate sobre um sistema próprio para a educação escolar indígena, provocou forte reação, em especial, dos povos da região Nordeste. Esse episódio ilustra os descompassos nos tempos necessários ao diálogo e as tensões existentes decorrentes das próprias diferenças culturais. Porém, na Nota de posicionamento dos Territó-rios Etnoeducacionais do Amazonas e do Mato Grosso do Sul evidencia-se a disposição dos povos indígenas desses estados ao diálogo e à superação dos obstáculos encontrados, recolocando o debate na perspectiva da plena partici-pação das comunidades. As etnias que subscrevem a nota afirmam:

Temos o entendimento de que todas as questões relacionadas aos territórios etnoeducacionais devem continuar sendo postas em discussão, de acordo com as necessidades dos povos indí-genas envolvidos, com a plena participação de suas bases co-munitárias

(...)

Defendemos que cada povo indígena tenha a liberdade de de-cidirem sobre a aceitação ou não da implantação do programa dos territórios etnoeducacionais, de acordo com suas necessi-dades e projetos societários, devendo o MEC respeitar essa de-cisão, dada a necessidade de maior esclarecimento e tomada de consciência sobre os resultados desta proposta de territorializa-ção etnoeducacional para os povos envolvidos, tendo-se em conta sua viabilidade e os marcos legais pertinentes em vigor e os que, eventualmente, entrarem em vigência no futuro... (2010).

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A integração da educação profissional e tecnológica com a educação escolar indígena deve ser pensada essencialmente como uma chance para a constituição da autonomia dos povos indígenas, não se tratando apenas de acesso à profissionalização. O que exige dos gestores e demais profissionais da educação a capacidade de ver o mundo com outros olhos, a compreensão e valorização de outras estruturas sociais, a releitura e a desconstrução das concepções tradicionalmente aceitas para a formação profissional. Exige a revisão de métodos e princípios e franca disposição para a construção dialógi-ca interessada no outro.

Referências

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