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Tapuias
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A contribuição da cultura indígena e africana na formação étnica e cultural dos habitantes da Serra do Machado no município de Itatira
José Vandeir Torres Viana
Contexto histórico, político e econômico
O município de Itatira está localizado na microrregião sertões de Canindé, com
área de 783,347 Km2, sua população atual é de aproximadamente 18 894
habitantes, segundo dados do IBGE 2010. Faz limites ao Norte e Leste com o
município de Canindé, ao Sul faz limites com Madalena, a Oeste com o
município de Santa Quitéria. Fica à 176 km da capital cearense.
Uma parte do território do município de Itatira fica em cima da Serra do
Machado, que antes era conhecida pelos indígenas como Serra da
Samambaia, e a outra parte situa-se na depressão sertaneja. Nesta serra
nascem três importantes bacias hidrográficas do Ceará, que são as bacias do
Banabuiu, Curu e Acaraú. Seguindo os caminhos desses rios populações
nativas e colonizadores portugueses povoaram essa região.
Quando os colonizadores portugueses chegaram por esta região a Serra
ganhou novos nomes. A parte que foi desbravada pelo coronel Jerônimo
Machado Freire passou a ser chamada de Serra do Machado, e o lado que foi
explorado por Antônio Ferreira Braga ficou conhecida com Serra do Braga.
Com o passar do tempo a denominação Serra do Machado se sobrepôs as
demais e hoje toda essa serra é conhecida por esse nome.
Após o coronel Jerônimo Machado Freire ter desbravado essas serranias e ter
iniciado o conflito indígena-colonizador, outros bandeirantes se aventuraram
por ela e estabeleceram vários sítios. O primeiro deles foi o Sítio São Gonçalo
de Antônio José de Sousa, depois o Sítio São Pedro fundado por Inácio Alves
Guerra, o filho deste, Antônio Alves Guerra fundou o Sítio Belém onde foi
construída a capela no ano de 1870 em homenagem a Menino Deus. Também
são desse mesmo período os Sítios Jacu de Antônio de Paula Tavares e Olho
D`água do coronel Antônio José Veloso.
2
Até meados do século XX, o povoado que deu origem a sede do município de
Itatira, era chamado de Belém do Machado. Com o decreto lei de número 1 114
de 30 de dezembro de 1943 este nome foi substituído por Itatira. Segundo
publicações oficiais Ita significa pedra ou terra e tira espigões ou alta, a
redundância mais próxima da realidade geográfica desse município é que este
topônimo venha significar terra alta, fazendo referência à região serrana1.
Por muito tempo a região que hoje compreende a Serra do Machado pertenceu
ao território do município de Canindé. Por outro lado a Região onde hoje fica os
Distritos de Cachoeira, Bandeira, Morro Branco e Lagoa do Mato ficavam
dentro do território de Quixeramobim. Por vezes essas duas partes juntas
passaram, por lei, a fazer parte só de Quixeramobim, em outro momento só de
Canindé2.
Com o crescimento de Belém do Machado e de Lagoa do Mato esta região
começa a ganhar importância econômica e política. Pessoas influentes
politicamente desses dois povoados começaram a buscar a emancipação
política desta região. Com o apoio de alguns políticos de Quixeramobim e a
contra gosto de outros políticos quixeramobienses conseguiram tornar Itatira
um município no dia 22 de novembro de 19513.
Formada pelo tripé europeu, índio, africano a população de Itatira e a de muitos
municípios brasileiros traz a marca da miscigenação. Esta por sua vez, se
formou no conflito étnico-racial onde uma raça dita superior “branca” impôs sua
religião, suas leis, regras, filosofia de vida e dominou nativos e negros africanos
sob égide da escravidão.
Como bem frisa Michel de Certeau4 “a tática é arte do fraco” diante do domínio
português, indígenas e africanos escravizados, usaram esta arte para
preservar suas culturas, cultuar suas divindades e resistir à crueldade do
sistema escravocrata. É dessa maneira que vamos encontrar resquícios da
cultura africana e indígena presente nas práticas cotidianas de nossa gente.
A isso esse trabalho se propõe evidenciar os aspectos da cultura indígena e
africana presente no cotidiano de nosso povo. Para isso resgata toda a
3
trajetória histórica desses povos pontuando sua participação no crescimento
econômico, cultural, político e social do município de Itatira.
As pinturas rupestres e as machadinhas de pedra polida
Muito antes dos colonizadores europeus povoarem a Serra do Machado o
homem pré-histórico tratou de registrar sua passagem nesta região através das
pinturas rupestres. Essas pinturas são encontradas na parte oeste da Serra do
Machado, distante pouco mais de 5 km da sede deste município. São várias
pinturas zoomórficas e grafismos puros dispostos aleatoriamente na parte
frontal de uma rocha. Elas ficam bem próximas a um olho d’água, isso sugere
que esse local tenha sido utilizado como habitação dos povos nativos, mesmo
que temporária, ou talvez lugar de culto perto da aldeia do grupo.
Historicamente as machadinhas de pedra polida não estão relacionadas a
nenhum povo em especial, elas aparecem praticamente em todo o mundo com
formas e feições variadas. A confecção desse instrumento está ligada ao
Paleolítico, período da Pré-história. Mas há referências historiográficas de que
quando os colonizadores europeus chegaram ao Brasil, no século XVI
encontraram tribos indígenas se utilizando de tais machadinhas de pedra. Elas
tinham formas e tamanhos variados, além de serem usadas para diversos fins.
Algumas machadinhas eram chamadas de batedores, usados para quebrar
coquinhos, sementes e ossos para o aproveitamento do tutano. Outras eram
usadas em combates ou na derrubada de árvores. Em algumas tribos
indígenas só o chefe podia conduzir consigo uma machadinha5.
Em muitas residências em cima da Serra do Machado e nos Distritos do
município de Itatira há pessoas que guardam pedaços de pedra polida nas
estantes de suas casas ou utilizam como peso para papel. Poucos sabem do
significado histórico desse pedaço de rocha. Alguns chamam de corisco á
essas machadinhas. Essa foi uma história que se criou para explicar a origem
dessas pedras polidas. Dizia a lenda que o corisco se formava quando um raio
atingia o chão, e que quem encontrasse tal pedra teria um atraso na vida
motivo pelo qual as pessoas que encontravam essas pedras atiravam-na o
4
mais longe que pudesse. Já as pessoas que não tiveram conhecimento dessa
lenda levavam para suas casas e guardavam com maior cuidado.
A arte rupestre e as machadinhas de pedra polida são os sinais da presença do
homem pré-histórico na região onde hoje está localizado o município de Itatira.
Portanto a ligação dos itatirenses com os povos nativos já vem desde a pré-
história.
Os povos indígenas da Serra do Machado
Segundo a tradição oral os índios Kanindé e Jenipapo foram os primeiros
habitantes da Serra do Machado. Segundo esses relatos o Serrote Jacu,
situado no interior desta serra era morada desses grupos indígenas6. As louças
com características indígenas como potes, telhas, jarras e os fusos de barro
encontrados por populares no quintal de casa, nas roças ou mesmo próximo
das estradas derrubam por terra toda e qualquer dúvida da presença de índios
por essa região.
A lenda do “Buraco da princesa” é mais uma prova da presença indígena na
Serra do Machado. Reza a lenda que uma princesa vivia num buraco, que
segundo populares era uma enorme gruta, quem quisesse desencantá-la teria
que entrar na gruta, correndo o risco de não mais voltar. Deveria levar consigo
alguns objetos que para serem arremessados em direção ao fundo do buraco.
Toda vez que o objeto era arremessado a princesa aparecia pegava o objeto e
se dirigia mais para o fundo da gruta, o herói deveria seguir seus passos
sempre arremessando um objeto todas as vezes que não visse mais a
princesa, quem conseguisse ir até o final desencantava a princesa e casaria
com ela.
Segundo populares essa gruta existiu de fato. Contam que ela tinha três salas
com espaço amplo. Outros afirmam que quando eram meninos costumavam
brincar de esconde-esconde nas salas da gruta. Alguns amigos se reuniam
pegavam os instrumentos musicais e iam tocar e dançar no interior da gruta.
Depois que foi feito a pavimentação das ruas da cidade de Itatira a gruta foi
soterrado, mas muitos ainda contam as histórias daquele lugar cheio de
mistério.
5
Os Kanindé e Jenipapo fazem parte do grupo tapuia. Este termo se refere aos
índios que viviam no sertão ou nas serras do Nordeste ao contrário de seus
inimigos, os índios tupi, que viviam próximo ao litoral. Além dos Kanindé e
Jenipapo também eram Tapuias os Anassés, Guanassés, Rerius, Paiacus,
Icós, Calabaços, Quixelôs, Cariris, Jucás dentre outros7.
Renomados pesquisadores da história das tribos indígenas do Ceará afirmam
que os Kanindé e os Jenipapo eram parentes próximos e falavam a mesma
língua. Em muitas ocasiões aparecem juntas na luta contra os invasores
portugueses, em outros momentos aldeados na mesma missão.
Os Jenipapos foram chamados assim devido ao costume de untarem o corpo
com a tinta do jenipapo, planta típica do sertão. Os Kanindé, segundo alguns
historiadores, fazem parte de um ramo dos Tararius, grupo tapuia que
pertencia aos Cariris. Para estes pesquisadores os Jenipapos também teriam
esta mesma origem8.
Para outros estudiosos das nações indígenas, a origem histórica da etnia
Kanindé remonta ao chefe Kanindé, principal da tribo dos Janduins, que liderou
a resistência de seu povo no século XVII, obrigando o então rei de Portugal a
assinar com ele tratado de paz, firmado em 1692, mas descumprido da parte
dos portugueses. Seus descendentes passaram a ser conhecidos como
Kanindé, alusão ao chefe e a ancestralidade9.
Os povos tapuias do sertão cearense viviam pelas cabeceiras do rio Curu e
pelas margens dos rios Quixeramobim e Banabuiu, defendendo suas terras dos
invasores portugueses e lutando contra nações inimigas. Nestas lutas contra os
invasores portugueses eles atacavam as vilas e fazendas, furtavam gados dos
fazendeiros que ocupavam suas terras, tocavam fogo nessas propriedades
espalhando o medo e o terror pela região. Um exemplo disso foi o assalto a vila
de Aquiraz, por volta de 1726, que causou a morte de muitos colonos e
moradores10.
Devido ao ataque dos índios à Vila de Aquiraz as tropas do governo acossaram
os índios Kanindé e Jenipapo que fugiram para outras regiões fora do alcance
das armas dos brancos. Muitos deles se refugiaram em igrejas da região e
pediram proteção aos padres missionários que nada puderam fazer11.
6
Os que conseguiram fugir espalharam-se pelo sertão e um desses grupos
vieram se refugiar em uma das nascentes do Rio Banabuiu, na Serra do
Machado. Esses tapuias não acreditavam mais ser possível viver em paz
depois de tantos conflitos e tantas mortes e preferiram se embrenhar pelo
sertão procurando um lugar mais isolado para viver em paz. Chegaram à Serra
do Machado na primeira metade do século XVIII e possivelmente só foram
desalojados no início do século XIX, com a chegada dos colonizadores
portugueses.
Em busca de terras férteis para plantar e criar seus gados e fugindo da
escassez de água no sertão os colonos portugueses que viviam nas
proximidades da Serra do Machado, nos sertões do Acaraú, de Canindé ou de
Quixeramobim, subiram a serra. Os índios Jenipapo e Kanindé acostumados a
lutar contra os colonos portugueses pegaram nas armas mais uma vez para
defender suas terras. A luta foi mortífera, mas as armas dos portugueses eram
superiores às dos nativos que não tendo outra alternativa fugiram.
Muitos dos sobreviventes indígenas da guerra contra os colonizadores foram
pegos “a dente de cachorro” e possivelmente foram escravizados por estes.
Populares utilizam tal expressão se referindo a parentes distantes que só se
renderam quando não havia mais possibilidade de escapar e que os
colonizadores utilizaram inclusive cães para capturá-los.
Os sobreviventes que conseguiram fugir se juntaram aos seus parentes na
Serra da Gameleira no sertão de Canindé, outros foram mais longe e se
estabeleceram no Maciço de Baturité, no Sítio Fernandes no município de
Aratuba. Nessas duas comunidades vivem famílias que assumiram
recentemente sua identidade de índio Kanindé.
No município de Itatira não existe nenhum grupo de pessoas que se assumam
como descendentes da etnia Kanindé ou Jenipapo. Mas a herança indígena
está evidente nos traços fisionômicos e nas manifestações culturais da
população desse município.
7
A escravidão na Serra do Machado A Serra do Machado se insere no contexto do povoamento dos sertões de fora,
feito por bandeiras pernambucanas e baianas. Estes povoadores seguiam os
cursos dos rios e estabeleciam-se às suas margens. Muito deles, por falta de
terras no sertão, subiam as serras e lá se estabeleciam. Em cima da Serra
supracitada a produção de café, cana-de-açúcar e algodão além da criação de
gado foram a base da economia dessa região no início de sua ocupação. A lida
com o gado geralmente era feita por índios ou descendentes destes, já
trabalho nas lavouras eram realizado por escravos mestiços, acaboclados,
pretos ou africanos.
Os africanos eram poucos e geralmente eram provenientes de Angola ou do
Congo12, a maioria dos escravos eram descendentes de africanos comprados
nas fazendas ou engenhos de Pernambuco, da Bahia ou do Rio Grande do
Norte. Um exemplo da presença de escravos africanos nesta região está no
inventário do capitão José dos Santos Lessa que pediu uma sesmaria na
ribeira do Rio Barrigas, extremando ao Norte com a Serra do Machado, consta
em seu inventário, de 1834, que tinha sete (7) escravos, um deles era Pedro,
negro, de Nação Angola, de idade mais ou menos 35 (tinta e cinco) anos,
avaliado por 250$000 (duzentos e cinqüenta mil réis).13. O inventário de Antônio de Paula Tavares, morador do Sítio Jacu, no interior da
Serra do Machado demonstra que a maioria dos escravos que vieram para
essa região eram descendentes de africanos:
“Na declaração de bens, o procurador afirma que o Sr. Antônio de Paula
Tavares deixou para sua esposa a Sra. Victorina Maria de Paula, cinco
escravos: Uma escrava por nome Benedita de 38 anos, preta, custando
800$000; outro escravo de nome Luiz, criolo, com 12 (doze) anos,
valendo 800$000; outra escrava de nome Bernardina, acaboclada, com
50 anos de idade, esta escrava prende uma ação de liberdade que se
acha em grau de apelação ainda mal decidida, por isso só valendo
500$000; um quarto escravo também de nome Luiz, cabra, com 44 anos
de idade, custa 800$000; mais um escravo de nome Benedito, de 12
(doze) anos, acaboclado, este escravinho prende uma ação de liberdade
ainda mal decidida, valendo 400$00014”.
8
A partir desses dados pode se dizer que estes escravos formavam
praticamente uma ou duas famílias. A escrava de 38 anos de nome Benedita,
poderia ser a mãe de Benedito de 12 anos, pois ambos prendiam uma ação de
liberdade e tinham nomes semelhantes. Bernardina de 50 anos poderia ser a
mulher de Luiz de 44 anos e serem os pais de Luiz de 12 anos. Pode-se
afirmar também que esses escravos eram descendentes de africanos dado a
nomenclatura referente a sua raça acaboclado (a), cabra, preto (a), criolo (a)
isso mostra a miscigenação que ocorreu nesta região entre negros, índios e
brancos.
Esses escravos geralmente não eram utilizados na lida com o gado mais eram
indispensáveis em muitas outras obrigações como, por exemplo, no cultivo do
café, legumes e algodão. Eram poucos, por ter um custo elevado e ser um
investimento bastante arriscado dado à facilidade de fuga ou o não
aproveitamento da força de trabalho devido às incertezas no estabelecimento
da fazenda e da produtividade numa região tão castigada pelas secas.
Por ocasião do povoamento da Serra do Machado o Brasil sofria pressão da
Inglaterra para acabar o Tráfico de escravos africanos, isso intensificou o
tráfico interprovincial trazendo para o Ceará e consequentemente para esta
região muitos escravos das províncias de Pernambuco, Bahia e Rio Grande do
Norte, isso porque foram dessas províncias de onde vieram a maioria dos
bandeirantes que povoaram essa região.
Sinais da cultura afro e indígena em Itatira A pesquisa sobre a contribuição dos índios e escravos africanos ou
descendentes destes na formação étnica e cultural da população que habita o
município de Itatira ainda está no seu início, mas já é possível destacar alguns
elementos.
Visitando as comunidades em cima da Serra do Machado e próximas a ela no
sertão pode-se perceber pelos traços fisionômicos a descendência africana ou
indígena dessa população. O que salta aos olhos não é só o fato de serem
negros ou terem características nativas, mas a peculiaridade dos seus
costumes, hábitos alimentares, as festas regrada a muita cachaça, confusões,
a paixão pelo batuque do pandeiro, do triângulo, da sanfona e do zabumba.
9
O primeiro elemento é notável em várias comunidades deste município desde
os nomes dos lugares que geralmente são de plantas ou de animais nativos
como Maniçoba, Oiticica, Tatajuba, Juá, Pitombeira, Trapiazeiro, Jacu, Piaba,
Curimatã, Macaco, Raposa, Quati, nomes referentes as fontes de água ou
riachos como Olho D`Água, Barriga, Cachoeira, Cavalo além dos alimentos de
origem indígena como a farinha de mandioca, a macaxeira, o cuscuz de milho,
frutas silvestres, animais de caça, mel de abelha e tantos outros. O costume
dos chás com plantas medicinais, as crenças de que o espírito do morto pode
voltar, que alguns animais invertebrados trazem sorte ou simbolizam fartura
tudo isso nos liga diretamente a cultura indígena.
Além de tudo isso que já foi mostrado temos os relatos de populares que dão
conta da lenda do “Buraco da Princesa” que possui fortes conotações
indígenas. Muitas pessoas contam que a bisavó era descendente de índio, não
sabe dizer a qual grupo étnico pertencia mas lembram que o pai ou a mãe
falou. Outros falam da história de pessoas que foram pegas a dente de
cachorro pelos colonizadores.
Outro indício da presença de índios nessa região são as louças de barro como
fusos, panelas, potes, telhas, jarras encontradas enterradas em muitos locais
da Serra do Machado ou no sertão, elas geralmente estão quebradas e isso
comprova outra história de populares que segundo eles ouviram falar que os
índios quando deixaram a Serra saíram quebrando tudo o que tinham
construído. Esse costume de quebrar, incendiar, destruir seus feitos, soterrar
fontes de água antes de fugir da perseguição do colonizador era prática comum
nas tribos indígenas, pois era uma estratégia de luta.
Um exemplo desse fato foi o grupo indígena que habitava o Pico do Jacu na
Serra do Machado e quando foram perseguidos pelos colonizadores aterraram
uma fonte de água que lá existe conhecida como olho d`água da onça. Essa
fonte só foi descoberta muito tempo depois porque alguns descendentes
indígenas que não conseguiram escapar na fuga relataram que existia esse
olho D’Água, mesmo assim o local onde ele está aberto hoje não é mesmo de
antes.
O segundo elemento está presente em todas as comunidades desse município
em umas menos e em outras mais. É o caso da comunidade Santana
localizada na parte Norte da Serra do Machado em que a maioria de sua
10
população são negras ou com aspectos indígenas. Nesta comunidade o
proprietário mais antigo abrigou muitos negros que após o fim da escravidão
saíram de suas antigas fazendas ou sítios em busca de um rancho e de
melhorias de vida.
No sítio Jacu, onde Antônio de Paula Tavares deu conta em seu inventário de
1870 de possuir 5 escravos, existem resquícios da cultura africana. A principal
delas foi o costume de jogar cacete e faca. Tanto os negros quanto os brancos
eram mestres nesta arte. Na cultura africana o cacete fazia parte do maculelê
que segundo José, citando Balbino do Carmo Cabral, é uma dança/luta com
música própria que sempre é um desafio a luta ou um lamento às vítimas de
um massacre, é feita com pedaços de madeira logo após é substituída por
facão15.
É no sítio Jacu que encontramos um pilão de 12 bocas sendo 6 de cada lado
do tronco de madeira que mede aproximadamente quatro metros. A mão-do-
pilão mede quase dois metros e era utilizado por escravos no trato do café, na
falta da bolandeira que moía o café movida por bois os escravos de seu
Antônio de Paula Tavares pilavam manualmente o café.
Os escravos de Antônio de Paula Tavares depois do fim da escravidão
continuaram vivendo no Sítio onde constituíram família e hoje seus
descendentes continuam morando por lá ou em sítios vizinhos.
Ao pé da Serra do Machado, ao sudoeste, há uma comunidade denominada
Laranjeira. Populares afirmam que no passado aquele lugar foi um quilombo.
Nenhum estudo antropológico foi feito nesta comunidade, mas quem passa por
lá logo percebe que é uma comunidade negra. Os homens têm traços
fisionômicos de africanos são altos, lábios grossos e cabelos pixains. As
mulheres têm traços afro-indígenas baixa estatura, pele negra e cabelos lisos.
As pessoas mais velhas desta comunidade afirmam que lá já existiu terreiro de
macumba, mas não sabem dizer se atualmente existe alguém que seja adepto
de alguma religião de matriz africana.
Um fato que chama atenção nesta comunidade é a baixa escolaridade da
maioria de seus habitantes. A maioria dos adultos são analfabetos, a maior
parte dos jovens não concluíram o Ensino Médio. E as crianças e adolescentes
que hoje estão estudando têm muita infrequência, notas baixas e muito deles já
desistiram antes de concluir o Ensino Fundamental.
11
Em todos os lugares desse município há a presença de afro-descendentes.
Alguns são descendentes de escravos que viviam nas fazendas, sítios e
logradouros desse município, outros são filhos de negros livres que moravam
em outra microrregião ou estado e que com o fim da escravidão saíram a
procura de trabalho fora da região onde seus parentes foram escravos. E por
ser uma área com bastante fazendas e sítios e de localização privilegiada
Itatira foi receptora de muitas levas de pessoas a procura de trabalho, sendo a
maioria delas formada por ex-escravos ou descendentes destes a procura de
serviços e de um lugar para criar seus filhos.
Estes afro-descendentes que chegaram em nossa região, juntando-se aos que
já se encontravam por aqui mais os indígenas que sobreviveram ao colonizador
formaram uma população mestiça e trabalhadora. Não é por acaso que com 3
anos de emancipação política Itatira já despontava entre os 5 maiores
produtores de algodão do Ceará16. Isso se deveu principalmente ao espírito
guerreiro de nossa gente. Os cabras, criolos, pretos, acaboclados em minoria
os brancos cantarolando enquanto trabalham, revivendo os costumes dos
escravos nas lavouras de café e cana-de-açúcar, derrubam a mata, plantam,
capinam e colhem o algodão, carregam as trouxas de algodão na cabeça da
roça até a fazenda de lá o produto era levado para ser vendido em
Quixeramobim.
O vigor dos itatirenses para o trabalho vem de sua origem afro-indígena esses
povos conquistaram seu espaço na sociedade através do trabalho, da arte, da
música, danças, crenças, culinária e tantos outros fatores que ajudaram a
preservar a cultura afro e indígena em nosso município.
Ainda não foi possível identificar se houve ou não alguma irmandade do
Rosário dos homens pretos como as de Sobral e da Lapa17, mas já foi possível
perceber em muitas famílias do sertão itatirense a devoção a nossa Senhora e
o costume, típico das irmandades, de rezarem o terço, as novenas, cantar
ladainhas e fazer leilões.
Esta pesquisa tem muito a contribuir para o resgate da cultura afro-indígena no
município de Itatira. Pois geralmente o que se ver são folclorizações sobre as
culturas e os costumes desses povos. O dia do índio nada mais é do que uma
forma de folclorizar os costumes, as vestimentas e os rituais indígenas. O dia
da consciência negra se presta ao mesmo papel. O que é lamentável, pois
12
numa região tão rica em sinais da cultura indígena e africana o mínimo que se
poderia fazer era dar visibilidade e resgatar os valores culturais desses povos,
não há necessidade de se estereotipar tais culturas, pois quem olhar vai
perceber que somos descendentes de índios e de negros africanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 Enciclopédia Municípios do Ceará, 1959. 2 Idem. 3 Idem. 4CERTEAU, Michel de. Fazer com: usos e táticas . A invenção do cotidiano:
Estratégias e táticas. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. P.101.
5RYDÉN, Stig, Machados –âncoras brasileiros (1) Revista Trimensal do
Instituto do Ceará. Fortaleza. p. 87-97, 1966.
6Do Santuário da São Francisco. Dados históricos sobre a Serra do Machado.
Revista Trimensal do Instituto do Ceará. Fortaleza. p. 221-224. 7STUART, Carlos Pereira. As tribos indígenas do Ceará. Revista Trimensal do
Instituto do Ceará. Fortaleza. p. 39-54, 1926. 8 Idem. 9 Idem. 10 Idem. 11 Idem. 12 FERREIRA SOBRINHO. José Hilario. O Ceará no tráfico interprovincial –
1850- 1881. Dissertação de mestrado, UFC – 2005.
13 INVENTÁRIO de Joaquim dos Santos Lessa – Arquivo Público Estadual do
Ceará – Cx. Documentos do Cartório de Quixeramobim – Inventários de
1834. 14 INVENTÁRIO de Antônio de Paula Tavares, 1870 – Fórum da Comarca de
Canindé, arquivo de documentos antigos.
13 15 CABRAL. Balbino do Carmo. Raízes culturais: aspectos das culturas e
manifestações populares do Brasil. Rio de Janeiro. S: ed., 1992.
16LIMA, Antônio Cláudio Ferreira. A construção do Ceará: temas de histórias
econômicas. Fortaleza: Instituto Albanisa Sarasate, 2008. 161p. Coleção
Anuário do Ceará.
17 SOUSA. Raimundo Nonato Rodrigues de. Rosário dos Pretos: Irmandade e
Festa, 1854-1884. Dissertação para Mestrado. p. 64.