Tarin Cristino Frota Mont’Alverne (coord.)

Fernanda Castelo Branco Araujo (org.)

Gustavo Fernandes Meireles (org.)

Soberania, fragmentaçãoe pluralismo jurídico

1ª edição2015

Copyright © Alebe Linhares Mesquita, AliceRocha da Silva, Aline de Moura Teles, ÁlissonJosé Maia Melo, Ana Carolina Lessa Dantas,Augusto Oliveira da Silva Neto, Beatriz Azevêdode Araújo, Bruno Costa Marinho, Eliade BezerraDuarte Filho, Fernanda Castelo Branco Araujo,Germana Parente Neiva Belchior, LeonardoLeite Nascimento, Jana Maria Brito Silva, JoãoLuís Nogueira Matias, Larissa Maciel do Amaral,Lília Taveira Nunes, Márcia Correia Chagas,Paulo Augusto Carlos Monteiro Filho, PauloFernando Espíndola da Silva, Priscilla SaraivaAlves, Rafael Aguiar Nogueira e Franco eWilliam Magalhães Lessa.

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COORDENAÇÃOTarin Cristino Frota Mont’Alverne

ORGANIZAÇÃOFernanda Castelo Branco AraujoGustavo Fernandes Meireles

CAPABárbara Conte

REVISÃOManuela Ginz

DIAGRAMAÇÃO E CRIAÇÃO EPUB

Nicolas Brogglio

ISBN9788555850035

EDITORA CIA DO EBOOKRua Ataliba Souza Silva, 31118860-000 - Conjunto Ermínio MaranhoTimburi/SPWebsite: www.ciadoebook.com.brFacebook: @CiadoeBookTwitter: @CiadoeBookDúvidas ou sugestões:

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Este livro é financiado peloCNPq.

SUMÁRIO

CapaEspelhoPágina de créditosCNPqSumárioApresentação

CAPÍTULO 1DIREITO ADMINISTRATIVO GLOBAL:

QUEBRA DE PARADIGMAS PARA UMAMAIOR EFETIVIDADE DOS DIREITOSHUMANOS

CAPÍTULO 2A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

BRASILEIRO EM RELAÇÕESCONSUMERISTAS INTERNACIONAIS NOÂMBITO DO MERCOSUL

CAPÍTULO 3DIREITO HUMANO À ÁGUA POTÁVEL E

AO SANEAMENTO BÁSICO: AEFETIVIDADE DO DIREITOINTERNACIONAL PARA A REALIZAÇÃO DEPOLÍTICAS PÚBLICAS

CAPÍTULO 4GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO:

MERCADORIA GLOBAL?

CAPÍTULO 5ÁGUA MORRO ABAIXO... QUEM PODE

CONTER O E-COMMERCE? ASPECTOSLEGAIS E ECONÔMICOS DO COMÉRCIOINTERNACIONAL A PARTIR DO ADVENTODE NOVOS ATORES

CAPÍTULO 6A IMPLEMENTAÇÃO DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E OPAPEL DOS ATORES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO CONTEXTO DEGOVERNANÇA GLOBAL: ENFOQUE NAATUAÇÃO DAS ONGS VERDELUZ EENGAJAMUNDO

CAPÍTULO 7A INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA

PRECAUÇÃO NO TRATADO DECOOPERAÇÃO AMAZÔNICA

CAPÍTULO 8

O AVANÇO DAS NORMAS DEPROTEÇÃO DA PROPRIEDADEINTELECTUAL NOS ACORDOSPREFERENCIAIS DE COMÉRCIO E OREGIME JURÍDICO BRASILEIRO: AQUESTÃO DA PATENTE DE PLANTAS EANIMAIS

CAPÍTULO 9A ÁGUA EM FACE DO DIREITO

INTERNACIONAL E O DESENVOLVIMENTODE UMA NOVA ÉTICA: UMA ANÁLISE DAINDUÇÃO LOCAL POR PSA

CAPÍTULO 10A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE EM

PERSPECTIVA INTERNACIONAL

CAPÍTULO 11COOPERAÇÃO INTERNACIONAL: A

REDE IBERO-AMERICANA DECOOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL– IBERRED

CAPÍTULO 12BRASIL E ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO

COMÉRCIO: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOSPARA UM DESENVOLVIMENTOIGUALITÁRIO

CAPÍTULO 13O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO:

DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE

CAPÍTULO 14A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

INTERNACIONAL COMO ORDEMNECESSÁRIA À PROTEÇÃO DOS DIREITOSHUMANOS

CAPÍTULO 15UMA BREVE ANÁLISE DAS PRINCIPAIS

REUNIÕES INTERNACIONAIS AMBIENTAISPARA A PROMOÇÃO DASUSTENTABILIDADE

Sobre os autoresConheça outras obras da Cia do

eBookInformações sobre os próximos

lançamentos

APRESENTAÇÃO

As relações sociais atualmente seintensificam de maneira a desafiarjuristas e cientistas políticos na buscapor uma regulação capaz de acompanhara dinâmica de questões e fatos dedimensão global. O DireitoInternacional, diante desse contexto,ultrapassa sua conjuntura moderna,sobrevindo a incluir novos atores ediscussões. O resultado constitui um

quadro de diversos institutos normativosque, por vezes, desvelam aincompatibilidade entre o ordenamentojurídico dos Estados e o internacional.

Com vistas a investigar o fenômenoda fragmentação do DireitoInternacional, considerando a suatransversalidade e implicações noâmbito social, jurídico e políticonacional e propor estudos concretospara fomentar maior coerência nosposicionamentos políticos externos doBrasil, docentes e estudantes, sobretudodo Programa de Pós-Graduação stricto

sensu da Faculdade de Direito daUniversidade Federal do Ceará,propuseram o projeto intitulado “Osdesafios oriundos da fragmentação dodireito internacional”. Coordenada pelaProfa. Dra. Tarin Cristino FrotaMont’Alverne, a pesquisa obtevefinanciamento do CNPq por meio doEdital MCT/CNPq nº 014/2012.

Uma das etapas de execução doprojeto iniciado em 2013 consistiu naidealização e realização, em agosto de2014, de um inovador seminário noâmbito da Faculdade de Direito da UFC,

que foi fruto do esforço conjunto demembros dos grupos de estudos MundoDireito (PPGD-UFC) e Grupo deEstudos em Direito e AssuntosInternacionais (GEDAI-UFC).Chamando-se Simpósio de DireitoInternacional da UFC, sob o tema central“Direito Internacional: soberania,fragmentação e pluralismo jurídico”, oevento foi palco de instigantesdiscussões, travadas por grandesexpoentes da área, como o ProfessorDidier Bodin (Universidade Paris –Panthéon Sorbonne) e o Professor

Marcelo Dias Varella (CentroUniversitário de Brasília).

O presente livro trata dessa novarealidade fragmentada do direitointernacional, em seus variadosdesdobramentos jurídicos. Constitui umarica coletânea que reúne tanto alguns dostrabalhos decorrentes das reflexões dospesquisadores envolvidos com aexecução do projeto financiado peloCNPq, como aqueles oriundos doSimpósio de Direito Internacional daUFC.

Os trabalhos científicos ora

selecionados merecem especialdestaque pela atualidade e pelaqualidade dos temas abordados. Nessesentido, tem-se os estudosdesenvolvidos pelos professoresdoutores Alice Rocha da Silva,Germana Parente Neiva Belchior (emcoautoria com o mestrando AlebeLinhares Mesquita), João Luís NogueiraMatias e Márcia Correia Chagas (emcoautoria com a graduanda Ana CarolinaLessa Dantas); pelos mestres ÁlissonJosé Maia Melo, Augusto Oliveira daSilva Neto (em coautoria com Eliade

Bezerra Duarte Filho), Fernanda CasteloBranco Araujo (em coautoria com agraduanda Beatriz Azevêdo de Araújo),Jana Maria Brito Silva e Larissa Macieldo Amaral (coautoras no mesmo artigo),Leonardo Leite Nascimento (emcoautoria com o pesquisador BrunoCosta Marinho); e os pesquisadoresAline de Moura Teles, Lília TaveiraNunes, Paulo Augusto Carlos MonteiroFilho, Paulo Fernando Espíndola daSilva, Priscilla Saraiva Alves e RafaelAguiar Nogueira e Franco.

Mostra-se a presente obra, portanto,

recinto de importantes contribuições natarefa instigante e desafiadora de tentarencontrar meios para harmonizar umauniversalidade de normas tãodiferenciadas.

Fernanda Castelo Branco AraujoProfessora do Centro UniversitárioChristus (Unichristus); mestre em

Direito pela Universidade Federal doCeará (UFC), membro do Grupo de

Estudos Mundo Direito e do GEDAI-UFC; pesquisadora do projeto “Os

desafios oriundos da fragmentação do

direito internacional”.

DIREITOADMINISTRATIVO

GLOBAL: QUEBRA DEPARADIGMAS PARA UMA

MAIOR EFETIVIDADEDOS DIREITOS

HUMANOS

Alice Rocha da Silva1

Introdução

A metodologia desenvolvida pelo

direito administrativo global (GAL doinglês global administrative law) podeser utilizada como ferramenta para amelhoria da efetividade dos direitoshumanos. A atuação das chamadas“cortes” ou órgãos jurisdicionais nadefesa dos direitos humanos, seja nonível nacional, regional ouinternacional, é considerada uma dasmaneiras mais paradigmática para aefetivação destes direitos humanos, pelomenos nos países que aceitam ajurisdição de tais órgãos. Todavia, aprática tem demonstrado dificuldades

para a implementação dessas decisõesno âmbito interno dos Estados, além deoutros obstáculos, como por exemplo,um acúmulo de casos a serem tratadospelo Tribunal Europeu dos DireitosHumanos, acompanhado de umaalienação na vontade dos Estados em sesubmeter à jurisdição da CorteInteramericana de Direitos Humanos.

Com base neste panorama, podemosbuscar quebrar paradigmas e partir paraa análise da prática dos chamados“órgãos políticos” ou “órgãos decontrole” presentes nos diferentes

sistemas jurídicos (interamericano,europeu e onusiano) de proteção dosdireitos humanos como uma ferramentapara ajudar a superar as dificuldadesencontradas pelos órgãos jurisdicionaispara a efetiva proteção dos DireitosHumanos.

A atuação de tais órgãos está limitadapelas cartas e protocolos que orientam otrabalho de cada uma dessas esferas,todavia, parte-se do pressuposto de quea metodologia do direito administrativoglobal possa contribuir para o reforçodo trabalho destes em

complementaridade ao trabalho dosórgãos jurisdicionais. Isso porque oGAL atua não só na criação de normas,mas também na adoção de julgamentos eoutras decisões que não impliquemnecessariamente na conclusão detratados, nem no simples regramento decontrovérsias entre as partes. Devendo aisso ser acrescentado o fato de que osatores que participam do GAL vão alémdos sujeitos clássicos do direitointernacional público, Estados eOrganizações Internacionais,envolvendo sujeitos de direito privado

como empresas, agentes públicos eparcerias público-privado.

Diante de tais constatações, pretende-se verificar de que forma podemosreforçar a efetivação dos direitoshumanos não só no direito internacional,mas também no sistema interno de cadaEstado. Nesse sentido, acredita-se queuma saída possa ser a adaptação deelementos da doutrina do direitoadministrativo global, para a regulaçãotransnacional da aplicabilidade de taisnormas. Ou seja, busca-se analisar se odireito administrativo global pode

oferecer ferramentas de controle degestão e disciplina de práticas nacionaise internacionais na busca pela proteçãodos direitos humanos.

1 Breve panorama da metodologiado direito administrativo global

O direito administrativo está nocoração do direito público interno ecada vez mais atraído para o planointernacional. Juntamente com novastendências do direito internacional comoa questão da “responsabilidade deproteger” e do “direito internacional

social”, o direito administrativo globalfoi desenvolvido inicialmente na Itália2

e em Nova York3 e chegou a serapresentado como uma “ciência umpouco bizarra” em 2007.4

Alguns teóricos defendem que odireito administrativo global constituiuma evolução das técnicas de direitointernacional5, para outros ele não passade uma simples ferramenta paraimplementação desse direito.6 Em nossaanálise, consideramos o direitoadministrativo global como umaferramenta para implementação de um

direito pré-existente, que no casoespecífico se trata dos direitos humanos.Nesse sentido, o direito administrativoglobal pode ser considerado como umaresposta às consequências dainterdependência dos temas envolvendoa proteção dos direitos humanos, a partirdo desenvolvimento de regimesintergovernamentais de direitoadministrativo e de normas emecanismos aos quais, osadministradores nacionais devem sesubmeter para assegurar a eficácia etransparência na transposição entre

direito nacional e internacional.O direito administrativo global surgiu

recentemente em consequência doaumento das formas de regulação daadministração transgovernamental,destinada a resolver questõesdecorrentes do aumento da interelaçãoentre instituições, empresas, indivíduosem domínios como segurançainternacional, assistência financeira emovimento transnacional de pessoas,incluindo refugiados. Isso porque sepercebeu que órgãos e ordenamentosnacionais isolados não eram mais

suficientes para solucionar tais relações,surgindo sistemas transnacionais deregulação e de cooperação regulatóriaem tratados ou redes de cooperação.

A interdependência mundial emdiferentes domínios acabou por gerar aregulação transnacional de diversasáreas com uma crescente multiplicidadede relações jurídicas entrelaçadas. Apartir disso, evidencia-se a necessidadede um controle capaz de disciplinar taisrelações, inserindo-se novos atorescomo órgãos privados e parceriaspúblico-privado.

O direito administrativo global estádiretamente ligado com a organização daboa governança mundial, podendoinclusive ser considerado como uma“nova forma de governança”.7 Nessesentido, o direito administrativo globalse apresenta como uma resposta aos atospraticados no contexto interno dosEstados e que repercutem em escalaglobal em diversas áreas.

O conceito de governança é bastanteamplo e discutido. A primeira referênciaà noção de governança por umainstituição internacional foi em um

livreto difundido pelo Banco Mundialem abril de 1992.8 Por diversas vezesfoi utilizado nas resoluções do Conselhode Segurança da ONU.9 Todavia, valemencionar a concepção sistêmicaadotada na Convenção da ONU sobregovernança mundial realizada em 2010,onde se “estima que devem seraplicadas temáticas multilaterais abertasa todos, transparentes e efetivas paraatacar os problemas mundiais.” 10 Emseu documento de política geral de1997, o PNUD define governança como

o exercício da autoridade

política, econômica eadministrativa no contexto dagestão dos negócios de um paísem todos os níveis. Agovernança compreende osmecanismos, os processos, asrelações e as instituiçõescomplexas a partir das quais oscidadãos e os grupos articulamseus interesses, exercendo seusdireitos e assumindo suasobrigações e aos quais eles sedirigem para solucionar suascontrovérsias. A boa governançapossui diversas características,principalmente a participação, atransparência e aresponsabilidade. Ela prioriza aprimazia do direito. Agovernança compreende oEstado, mas transcende este

englobando o setor privado e asociedade civil.” (tradução livre)11

O direito administrativo globalorienta uma boa governança a partir daprática conjunta da pluralidade de atoresinternacionais, infranacionais etransnacionais, que a partir demecanismos de regulação própriaparticipam da administração global. Emoutras palavras, o Estado ao qual oagente pertence deve adotar medidasnecessárias para aplicar no planointerno as características essenciais para

uma boa governança, que deve serassociada ao esforço de outros atores esobre a supervisão de órgãos deregulação regionais e mundiais.

Entre as principais características dodireito administrativo global está: oreforço da regulação ao invés dadialética habitual entre direitos eobrigações; a transversalidade queprivilegia as redes administrativas e amultiplicidade de atores ao invés darelação clássica entre os Estados. Emparalelo, a boa governança apresentacomo características a participação, a

transparência e a responsabilidadeprivilegiando a primazia do direito.Entre seus princípios estão: a obrigaçãode entrega de resultados, transparência,eficiência e eficácia, receptividade,prospecção e a primazia do direito.12

Nesse sentido verifica-se que a boagovernança e o direito administrativoglobal defendem os mesmos pontos, nãoimportando neste momento definir se odireito administrativo global é vetorpara o desenvolvimento da boagovernança ou se a boa governança é ocenário ideal para a aplicabilidade do

direito administrativo global. Importareconhecer que ambos devem coexistir econtribuir para a melhor efetivação dosdireitos humanos.

Dentre os tipos de administraçãoglobal proposto pelo GAL temos:organizações internacionais formaiscomo o Alto Comissariado das NaçõesUnidas que possui competência deregulação nos procedimentos dedeterminação dos refugiados; os acordosde cooperação entre autoridadesnacionais, como o Comitê de Bale queconvoca diretores de banco central

informalmente para acordar questões depolítica econômica; a administraçãodistribuída, como os acordos dereconhecimento mútuo de normas ecertificados; instituições privadas compoder de regulamentação, como a ISO(do inglês International Organizationfor Standardization) com mais de 13mil normas de harmonização deprodutos e produção; e os acordoshíbridos público-privado, como aComissão do Codex alimentarius comparticipação de governos e órgãos nãogovernamentais na elaboração de regras

quase obrigatórias em função do Acordosobre Medidas Sanitárias eFitossanitárias (SPS do inglêsAgreement on the Application ofSanitary and Phytosanitary Measures).

2 Obstáculos à atuação dos órgãosjurisdicionais para a efetiva proteçãodos direitos humanos

A criação de órgãos jurisdicionaisnos sistemas interamericano e europeude proteção dos direitos humanos13 foium avanço importante para garantir asobrigações dos textos relativos aos

direitos humanos de forma efetiva econcreta14. Diversos métodos deimplementação internacional dosdireitos humanos foram desenvolvidosao longo do tempo sendo importante acoordenação dos mecanismos deproteção e uma complementaridade dosprocedimentos de investigação.15 Noentanto, atualmente, o trabalho destasCortes se vê comprometido porobstáculos de natureza diferente.

Por um lado, em quase meio século, aCorte Europeia de Direitos Humanos(CEDH) já apresentou mais de 10 mil

decisões. Estas decisões, que sãoobrigatórias para os Estados parte,conduzem seus respectivos governos amodificarem suas legislações e suaspráticas administrativas em diversasáreas. A jurisprudência da Corte faz daConvenção uma ferramenta dinâmica epoderosa para enfrentar novos desafiose reforçar o Estado de direito e ademocracia na Europa. No entanto, estaCorte sofre as consequências negativasdo seu sucesso. O número de demandascontinua a aumentar16 e o acúmulo detrabalho conduz inevitavelmente a um

aumento dos prazos para o julgamento:atualmente, a Corte se esforça paraoferecer uma resposta aos casos noprazo de três anos a partir daproposição do mesmo, mas este prazopode ser muito maior, especialmentequando o assunto é reenviado aoTribunal Pleno (Grande Chambre).Estamos testemunhando um gargalo realda Corte, impedindo, nesse sentido, oacesso efetivo a mesma. 17

Por outro lado, a CorteInteramericana de Direitos Humanos(CIDH) está atualmente enfrentando um

problema oposto, mesmo que a criaçãodo Sistema Interamericano de Proteçãodos Direitos Humanos tenha sido emgrande parte inspirado pelo sistemaeuropeu. 18 A CIDH é demandada, emmédia, quinze vezes por ano. 19 Sendo,portanto, uma das jurisdições menosdemandada no contexto das demaisjurisdições do direito internacional. 20.Isto não quer dizer que o SistemaInteramericano seja ineficaz. De fato, nocontexto desse sistema, a ComissãoInteramericana de Direitos Humanosefetua, antes do encaminhamento a Corte

Interamericana, uma primeira análise daadmissibilidade das demandasindividuais. Assim, a Comissão analisamais de 1.400 reclamações por ano. 21

Os cidadãos americanos utilizam osistema interamericano, mas o papel daCorte parece desaparecer em favor deum órgão considerado como quasejurisdicional. Mesmo se a intervençãoda Corte seja pequena, podemosconstatar um grande aumento dasdemanda para o Sistema Interamericanonos últimos anos. 22 Isso poderepresentar um problema em relação à

natureza e alcance das recomendaçõesda Comissão aos litígios, assim comocausar um impacto desta poucautilização do juiz interamericano sobre oacompanhamento material do sistema.Afinal, o aumento da demanda contribuipara o desenvolvimento do SIDH, mastambém aumenta as despesas, semaumentar o financiamento do Sistema.Além disso, o aumento do número decasos pode implicar na adoção de novosmétodos de julgamento na busca peloaumento da produtividade dos juízes. 23

3 Papel dos órgãos políticos para aefetivação da proteção dos direitoshumanos

Frente à ineficiência destas duasjurisdições regionais, causadas porrazões opostas (acúmulo de umajurisdição x pouca utilização da outra),qual seria o papel dos órgãos políticosdesses sistemas de proteção de direitoshumanos para trazer efetividade àproteção dos direitos humanos? 24

De fato, os sistemas interamericano,europeu e onusiano de proteção dosdireitos humanos estabeleceram, ao lado

de órgãos jurisdicionais, órgãospolíticos. Estes órgãos, com exceção doConselho de Direitos Humanos da ONU,não beneficiam da mesma publicidade edo mesmo reconhecimento dados aossistemas jurisdicionais, mesmo quetenham sido investidos de tarefasrelacionadas com a eficácia dosinstrumentos de proteção dos direitoshumanos. Para ilustrar, a ComissãoInteramericana de Direitos Humanos foicriada por uma resolução em 1959, edesde 1965, tem o poder de receberdenúncias e comunicações sobre as

violações dos direitos humanos. 25 Nostermos dos artigos 18 e 20 do Estatutoda Comissão, esta tem como objetivopromover a proteção, respeito e aimplementação dos direitos consagradosna Declaração Americana dos Direitos eDeveres do Homem de 1948. Para estefim, ela apresenta relatórios deobservação sobre a situação de umEstado; recebe e examina comunicações;solicita informação aos governos emrelação a supostas violações dosdireitos consagrados na Declaração.

Nesse mesmo sentido, o Comissário

para os Direitos Humanos do Conselhoda Europa, criado pela Resolução (99) /50 deste Conselho, é uma instância nãojurisdicional responsável pelapromoção da educação e pelasensibilização dos direitos humanos talcomo consagrados nos instrumentos doConselho da Europa, bem como o seurespeito. 26 Durante os trabalhospreparatórios, os representantes dosgovernos se mostraram obsecados com aideia de evitar qualquer usurpação dascompetências da Corte Europeia deDireitos Humanos.27 Este imperativo os

conduziu a elaborar o mandato doComissário em termos que contêmmuitas ambiguidades. A resoluçãocontém diretrizes muito gerais a respeitodo mandato deste órgão, que inclui: umdispositivo para visitas aos países e odiálogo com os poderes públicos e asociedade civil, os trabalhos temáticos eas atividades de sensibilização ecooperação com outros órgãos doConselho da Europa e instânciasinternacionais de proteção aos direitoshumanos. 28 Sobre este último elemento,desde a entrada em vigor do Protocolo

nº ١٤ na Convenção Europeia dosDireitos Humanos, o Comissário pode,por sua própria iniciativa, exercer umdireito de intervenção como terceiroperante a Corte formulando observaçõesescritas e participando nas audiências.Se o mandato do Comissário consiste deum conjunto de disposições ambíguas,ele soube, na prática, aproveitar aflexibilidade que o texto da resoluçãopermite para afirmar gradualmente o seupapel na proteção dos direitos humanos,auxiliando a Corte em diversasocasiões. 29

Finalmente, o principal órgão dasNações Unidas que trabalha para apromoção e proteção dos direitosfundamentais é o Conselho de DireitosHumanos, instituído pela AssembleiaGeral em 15 de março de 2006. OConselho define as grandes diretrizes deordem política, examina os problemasque surgem no campo dos direitoshumanos, elabora novas normasinternacionais e monitora a suaaplicação em todo o mundo. Sobre estaúltima atribuição, os Estados e as ONGsapresentam ao Conselho seus pontos de

vista sobre situações que julgampreocupantes, e os respectivos governosmuitas vezes exercem o seu direito deresposta. O Conselho pode, então,nomear grupos de investigação ouespecialistas, organizar visitas ao local,se colocar em relação com os governosem causa, propor ajuda e condenar asviolações. Se ele julga que a gravidadeda situação justifica, o Conselho podesolicitar uma investigação, que seráconfiada a um grupo de especialistasindependentes (grupo de trabalho) ou aum especialista (relator ou representante

especial). Com base nas conclusões dosperitos, o Conselho se dirige ao governoem questão para sugerir mudanças. OConselho possui, nesse particular, ummecanismo diplomático de resolução decontrovérsias que contribui para aefetividade dos vários textos relativosaos direitos humanos. Além disso, aONU possui procedimentos especiaispara a implementação de suas regras quepode contribuir para tornar o debateintergovernamental a respeito do temamais próximo da realidade, fortalecendoo fim da impunidade na violação dos

direitos humanos.30

As especificidades relacionadas aomandato e principalmente à práticadesses três órgãos que ultrapassambastante seus mandatos poderiamcontribuir para lidar com asdificuldades encontradas, nestemomento, pelos órgãos jurisdicionais naaplicação das normas interamericanas eeuropeias de proteção dos direitoshumanos. Isto porque não podemosesquecer o precedente histórico doprocesso de internacionalização euniversalização dos direitos humanos

baseado na interação entre tantos órgãose organismos internacionais de naturezapolítica como a Liga das Nações e aOrganização Internacional doTrabalho.31 Hoje possuímos uma vastaestrutura normativa do sistema global deproteção internacional dos direitoshumanos32 que deve ser harmonizadacom o relativismo cultural dos sistemasregionais na busca pelo bem maior deproteção dos direitos humanos. Assim,devemos analisar de qual modo estesórgãos políticos podem amenizar asdificuldades específicas enfrentadas por

cada uma dessas jurisdições. Ou seja,verificar a contribuição de um órgãopolítico para a eficácia de um órgãojurisdicional dentro de um determinadosistema jurídico.

4 A metodologia do direitoadministrativo global aplicada aoreforço da participação dos órgãospolíticos para a efetivação dos direitoshumanos

A partir da compreensão do papel decada um desses órgãos políticos dentrode seu sistema jurídico de origem33,

buscaremos delimitar os mecanismosque cada um deles dispõe paracontribuir para a superação dasdificuldades encontradas pelos órgãosjurisdicionais, tornando os instrumentosjurídicos mais efetivos. Sabe-se que omandato destes órgãos, como previstono texto constitutivo da organizaçãointernacional de referência, épropositalmente limitado pelos Estadosfundadores do sistema, de modo a nãointerferir na atividade dos respectivosórgãos jurisdicionais. Todavia, naprática, estes órgãos políticos

ultrapassam esse quadro limitativo eapresentam contribuições bastanteoriginais ao trabalho dos órgãosjurisdicionais na implementação dosdireitos humanos.

A partir de uma análisecomparativa34, podemos delinear acontribuição que cada um dessesmecanismos poderia trazer para aevolução do outro sistema jurídico,através de fertilização cruzada35. Destaforma podemos examinar e equivalênciaou diferença de soluções,proporcionando a circulação de

diferentes modelos de relação “órgãojurisdicional x político” para testar umapossível adaptação dos mesmos face àsdificuldades encontradas por outrossistemas jurídicos36.

A utilização do direito administrativoglobal será importante para essa análiseda real atuação de tais órgãos políticos,partindo do pressuposto de que possuemmecanismos que podem exceder asespecificidades do sistema jurídicooriginal e fornecer soluções práticaspara os problemas enfrentados pelosdemais. Como ilustração, por receio de

que o Comissário para os DireitosHumanos invadisse as competências daCorte, seu mandato não lhe ofereceunenhum papel especial naimplementação das decisões da CEDH,excluindo implicitamente qualquerprerrogativa nesta área, no momento quelhe ordenou a execução de outrasfunções diferentes das atribuídas aosórgãos de controle da CEDH37. Naprática, no entanto, e após a aprovaçãodo protocolo 14, o Comissário para osDireitos Humanos tem uma apreciaçãoda relevância das medidas nacionais de

execução. 38 Neste mesmo sentido, aatuação da Comissão Interamericanafunciona como um filtro para a CorteInteramericana39, o que poderia sertransposto para o sistema europeu a fimde superar o acúmulo atual da CorteEuropeia. A partir desta perspectivacomparativa, tendo em conta as trêsesferas – interamericana, europeia eonusiana, podemos verificar, por umlado, a especificidade de cada um dosórgãos políticos na sua missão de tornaras convenções de direitos humanosefetivas e, por outro, verificar se a

prática específica de cada um dessesórgãos poderia, concretamente, amenizaras dificuldades enfrentadas pelos órgãosjurisdicionais.

Vale ainda mencionar que uma análisehistórica das relações internacionaisdemonstra uma alternância entre ciclosde power-oriented (relaçõesinternacionais guiadas pela força) eciclos de rule oriented (relaçõesinternacionais guiadas por normas),podendo ser uma explicação para omomento atual de crise de legitimidadede diversas instâncias jurisdicionais

internacionais.40 Seria o retorno a umperíodo de power-oriented?

5 Conclusão

A metodologia e os elementosdesenvolvidos pelo GAL são de extremarelevância para a efetivação dos direitoshumanos, mesmo que para isso deva serconsiderado o aspecto regulatórioinformal do direito internacional,regional e nacional. Isso porque aglobalização dá origem a novosfenômenos de regulação envolvidos nodesenvolvimento da transparência na

prestação de contas e contribuem pararesponsabilizar cada participante nocontexto supranacional (accountability)41. A transparência e accountability sãodois dos pilares centrais de nossaanálise: a transparência é uma condiçãonecessária para o exercício da prestaçãode contas, pois sem o acesso àinformação atualizada, clara e precisa,éimpossível julgar se o padrão prometidofoi cumprido – se o sistema jurídico éefetivo42. Nesse sentido, transparência eaccountability são os dois elementos deanálise utilizados para melhor

compreender, de modo comparativo, acontribuição dos órgãos políticos naprática dos direitos humanos43.

Um estudo mais aprofundado sobretais órgãos e sistemas deve serdesenvolvido, tendo em vista o grandeimpacto que representam para aproteção dos direitos humanos, em nívelregional e internacional. Dificuldadesconcretas são enfrentadas pelas Cortesinteramericana e europeia na efetividadede seus instrumentos normativos ligadosà proteção dos direitos humanos. Aexpectativa é de que essa análise possa

trazer algumas alternativas de superaçãode tais dificuldades, visando oaprimoramento dos dois sistemasjurídicos e, consequentemente, oaumento da proteção dos direitoshumanos nos continentes americano eeuropeu.

Tal perspectiva demonstra bastanterelevância pela ligação a projetosdesenvolvidos, por exemplo, na ONUsobre a responsabilidade dasorganizações internacionais – econsequentemente a imputabilidade dosórgãos políticos dessas organizações

pelos atos contrários ao direitointernacional44 e sobre o papel dosórgãos políticos na governançamundial45.

A sugestão de uma quebra deparadigmas no sentido de partir dosinstrumentos do GAL na análise daatuação efetiva de cada um dessesórgãos políticos e de que forma elespodem auxiliar na superação dosobstáculos encontrados pelos órgãosjurisdicionais para a efetiva proteçãodos direitos humanos, pode contribuirpara a formação de um quadro

comparativo entre eles e consequenteconstrução de modelos ou fontes deinspiração para mudanças, envolvendomais cooperação e diálogo.

1 Professora do Programa de Mestrado eDoutorado em Direito do Centro Universitáriode Brasília (UniCEUB) e da graduação daFaculdade Processus. Doutora em DireitoInternacional Econômico pela Aix-MarseilleUniversité, França, Mestre em Direito dasRelações Internacionais pelo UniCEUB.Graduada em Direito pelo UniCEUB eGraduada em Relações Internacionais e CiênciaPolítica pela Universidade de Brasília-UnB.Email: rochaalice@yahoo.com.br.

2 Tendo como expoente o professor SabinoCassese da Universidade La Sapienza em

Roma.3 KINGSBURY, Benedict; KIRSCH, Nico;

STEWART, Richard B. “The Emergence ofGlobal Administrative Law.” Law andContemporary Problems, vol. 68, 2005.

4 AUBY, Jean-Bernard. La théorie du droitadministratif global: brève présentationcritique. Disponível emhttp://chairemadp.sciences-po.fr/pdf/seminaires/2007/Papier_JBA.pdfAcesso em 20/09/2014.

5 FORTEAU, Mathias. “Le droitadministrative global, signe d’une évollutiondes techniques du droit international?» InBORIES, Clémentine. (org.) « Un droitadministratif global ? » CahiersInternationaux, n. 28, Editions Pedone, 2012,p. 169-184.

6 BARBIER Sandrine. “La mise en oeuvredes règles internationals grâce au droitadministratif global. In BORIES, Clémentine.

(org.) «Un droit administratif global ?»Cahiers Internationaux, n. 28, EditionsPedone, 2012, p. 185-196.

7 ALVAREZ, José E. “The PublicInternational Law Regime GoverningInternational Investment.” Recueil des cours, v.344.

8 BANCO MUNDIAL. Governance anddevelopment, publ. de la Banque Mondiale,1992, 59 p.

9 Por exemplo, as resoluções 1746 (2007)par. 15 (Afeganistão) e 1756 (2007), par. 3.

10 ONU «Les Nations Unies e lagouvernance mondiale.» Resolução 65/94 de 8de dezembro de 2010, par. 1.

11 PNUD. Governança em favor dodesenvolvimento durável humano.Documento de política geral, 1997. Disponívelem:http://mirror.undp.org/magnet/Docs/!UN98-21.PDF/!GOVERNA.NCE/!GSHD.FRE/!gshdfro.pdf

Acesso em 20/09/2014.12 BODEAU-LIVINEC, Pierre. «Le droit

administratif global et l’organisation de labonne gouvernance.» In BORIES, Clémentine.(org.) «Un droit administratif global?” CahiersInternationaux, n. 28, Editions Pedone, 2012,p. 219-235, at. p. 226 e 227.

13 No âmbito desse artigo, um sistemajurídico será considerado como “um conjuntocujos elementos não se agregam ao acaso, masque constituem uma “ ordem “, estandoconectados uns aos outros de tal maneira que éimpossível estudar um desses elementosisolado dos outros” (COMBACAU, J.,” Droitinternational: bric-à-brac ou système?”,Archives de philosophie du droit, 1986, vol.31, p. 86) que governa “a existência e ofuncionamento de uma determinadacomunidade humana” (LEBEN, C., “« Dequelques doctrines de l’ordre juridique »,Droits, 2001, vol. 33, p. 20). Se o conceito de

sistema jurídico é frequentemente utilizado nocontexto da análise sistêmica de uma dadaordem social (LUHMANN, N., Law as a SocialSystem, Oxford, Oxford University Press,2004, 470 p.), esta análise usará o conceito desistema jurídico como uma ferramenta pararealçar o caráter coletivo e o aspectointerdependente e interativo dos elementos dodireito das organizações internacionais (verneste sentido ABI-SAAB, G., « Cours généralde droit international public », R.C.A.D.I.,1987/VII, t. 207, p. 107).

14 Nesse sentido COHEN-JONATHAN, G.,FLAUSS, J-F., Droit international, droits del’homme et juridictions internationales,Paris, Anthemis, COll. Droit & Justice, 2004,160 p. Para uma definição de efetividade emmatéria de proteção de direitos humanos, verLOCHAK, D. E CHAMPEIL-DESPLATS, V., Ala recherche de l’effectivité des droits del’homme, Paris, Presses Universitaires de

Paris, 2008, 270 p.15 TRINDADE, A.A.C. A proteção

internacional dos direitos humanos:fundamentos jurídicos e instrumentos básicos.São Paulo: Saraiva, 1991, p. 25 a 37.

16 A CEDH enfrenta a quinze anos umcrescimento exponencial do número dedemandas que lhe são submetidas: em 1999, 8400 casos foram atribuidos a um Comitê dejuízes ou à un tribunal (chambre); em 2003,este número passou a 27 200, sendo queaproximadamente 65 000 casos já estavampendentes ; em 2009, 57 200 casos foramatribuídos a uma formação jurisdicional e oscasos pendentes chegavam a 119 300. Em2011, 64 500 novas demandas foram atribuidasa formações jurisdicionais, representando umaumento global de 5% em relação a 2010 com61 300 casos.http://www.echr.coe.int/ECHR/FR/Header/Reports+and+Statistics/Statistics/Statistical+dataAcesso em 16/10/2014.

17 Em 31 de janeiro de 2013, existiam126.850 casos pendentes na CEDH.http://www.echr.coe.int/ECHR/FR/Header/Reports+and+Statistics/Statistics/Statistical+data/.Ver a respeito deste tema : Helfer, L. etSLAUGHTER, A-M., Why States CreateInternational Tribunals: A Response toProfessors Posner and Yoo, California. L.Rev., 2005.

18 A Comissão interamericana contou como modelo da Comissao europeia para iniciarseus trabalhaos em 1959. FIX-ZAMUDIO,Héctor. “Notas sobre el SistemaInteramericano de Derechos Humanos”In: Lajurisdicción constitucional em Iberoamérica.Madrid: D y Kinson, 1997, p. 174.

19 Relatório anual 2012.http://www.corteidh.or.cr/tablas/informe2012/portugues.pdfAcesso em 16/10/2014.

20 RUIZ FABRI, H. et SOREL, J.-M. (dir.),La saisine des juridictions internationales,Paris, Pedone, 2006, 317 p.

21 Relatório anual 2012.http://www.cidh.oas.org/annualrep/2009sp/cap.3b.09.sp.htmAcesso em 16/10/2014.

22 Relatório anual 2012.http://www.cidh.oas.org/annualrep/2009sp/cap.3b.09.sp.htmAcesso em 16/10/2014.

23 No caso Goiburú et al. v. Paraguay aCorte deixou de convocar audiência pública,para que fosse emitida uma decisão maisrapidamente. Ver MACHADO, Isabel Penido deCampos. “Sistema interamericano de proteçãodos direitos humanos: Comissao e corteinteramericana de direitos humanos.” In:OLIVEIRA, Bárbara da Costa Pinto; SILVA,Roberto Luiz.(org.) Manual de direitoprocessual internacional. São Paulo: Saraiva,2012, pp. 401 a 431, at. 429.

24 Para uma definição de órgão politico verOSTERDAHL, I., « InternationalOrganizations : Institutions and Organs », pp.156-189, In: KLABBERS, J. and

WALLENDAHL, A., Research Handbook onthe Law of International Organizations, pp.157-158.

25 “... A Comissão Interamericana originou-se de uma resolução e não de um tratado: aResolução VII da V Reunião de Consulta dosMinistros de Relações Exteriores (Santiago,1959). Tinha, segundo seu estatuto de 1960,um mandato limitado à promoção dos direitoshumanos e desfrutava de posição sui generisdentro do sistema regional. Após a ResoluçãoXXII (II Conferência InteramericanaExtraordinária, Rio de Janeiro, 1965) ospoderes da CIDH foram ampliados e ela passoua ter competência para receber petições oucomunicações sobre violações de diretoshumanos.”(TRINDADE, Antônio AugustoCançado. Tratado de direito internacional dosdireitos humanos. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris Editor, 2003. V. III, p. 35.

26 Art. 1 par. 1 da Résolution (99)/50 du

Conseil de l’Europe adoptée par le Comité desMinistres le 7 mai 1999.

27 AILINCAI, M., Le suivi du respect desdroits de l’homme au sein du Conseil del’Europe – Contribution à la théorie ducontrôle en droit international, Paris, Pedone,2012, p. 107.

28 Ver art. 2 e 3 da Resolução (99)/50 doConselho da Europa.

29 Ver sobre este assunto os diferentesrelatórios anuais disponíveis no site internet doComissário,http://www.coe.int/t/commissioner/WCD/annualreports_fr.asp#Acesso em 21/10/2014.

30 APOLINÁRIO, S.M.O.S. Osprocedimentos especiais do Sistema deDireitos Humanos das Nações Unidas. In:ALMEIDA, G.A. de; PERRONE-MOISÉS, C.Direito internacional dos direitos humanos:instrumentos básicos. 2 ed. São Paulo: Atlas,2007, p. 99-136.

31 PIOVESAN, F. Direitos humanos e odireito constitucional internacional. 13 ed.São Paulo: Saraiva, 2012, p. 175.

32 Entre os tratados centrais, destacam-se aConvenção sobre Direitos Civis e Políticos e aConvenção sobre Direitos Econômicos,Sociais e Culturais. Entre os tratados nuclearestemos a Convenção sobre Tortura e OutrasFormas Cruéis de Punição, de 2002 e seusprotocolos adicionais, a Convenção sobreTodas as Formas de Discriminação Contra asMulheres, de 1999, e seu protocolo adicional;a Convenção sobre Direitos da Criança, de1989, e seus protocolos adicionais; aConvenção sobre a Proteção dos Migrantes eseus Familiares, de 1990 e 2008, a Convençãosobre os Direitos das Pessoas Portadoras deNecessidades Especiais, de 2006, e seuprotocolo adicional, também de 2006 e aConvenção sobre a Proteção Contra oDesaparecimento Forçado, de 2006.

33 Sobre os sistemas jurídicos de origem,europeu e americano, ver, respectivamente,ERGEC, R., La protection européenne etinternationale des droits de l’homme,Bruylant, Bruxelas, 2006, 271 p. eHENNEBEL, L. E TIGROUDJA, H., Lesparticularisme interaméricain des droits del’homme, Paris, Pedone, 2009, 413 p.

34 A metodologia de análise comparativamencionada neste artigo é a desenvolvida porL-J; Constantinesco (ver CONSTANTINESCO,L-J., Traité de droit comparé – Introductionau droit comparé, t. I, Paris, LGDJ, 1972, 243p.)

35 No âmbito desta análise, a noção defertilização cruzada designa o processo deintegração normativa (harmonização,uniformização e unificação) e todos osresultados deste processo visando organizar opluralismo das ordens jurídicas. A integraçãonormativa é ao mesmo tempo uma meta e um

meio para servir a este propósito, uma ação e oresultado dessa ação. Ver nesse sentido:DELMAS-MARTY, M. Critiques del’intégration normative. Paris: PUF, 2004,330p, p. 26.

36 CONSTANTINESCO, L-J., Traité dedroit comparé – Introduction au droitcomparé, t. I, Paris, LGDJ, 1972, p. 183.

37 Ver art. 1 parágrafo 2 da Resolução(99)50.

38 Como ilustração, no relatório sobre avisita a Romênia, O Comissário manifestoupreocupações sobre a ampla autoridade doProcurador-Geral de interpor recursoextraordinário contra a decisão judicial comautoridade de coisa julgada, principalmente emmatéria civil. Ele ressaltou que a Corteconstatou, em vários de seus julgamentos,começando pela decisão Brumarescu c.Romênia (CourEDH, GC, 28 octobre 1999,req. N° 28342/95, Rec. 1999-VII.) que a

maneira pela qual o poder foi exercido emconflito com o artigo 6 § 1 da Convenção. Épor isso que ele examina as reformasimplementadas posteriormente a estasdecisões e constata que « as modificaçõestrazidas pela Seção 330 do Código de ProcessoCivil são insuficientes.». Ele enfatiza “anecessidade de limitar, pela via legislativa, oscasos de abertura de recurso para anulação deum sentença transitada em julgado em matériacivil” e acresceutou que «no aguardo dessasreformas, esforços devem ser realizados com oobjetivo de assegurar que a presente legislaçãoseja interpretada e aplicada de forma maisrestritiva pelos procuradores e tribunais paraevitar novas violações ao Artigo 6.1 da raçaConvenção Europeia (Ver, por exemplo,CommDH (2002) 13, 27 de novembro de2002, Relatório do Comissário de direitoshumanos sobre a sua visita na Romênia do 5 ao9 de outubro de 2002, parágrafo 8.)

39 É o caso, no Brasil, da Lei Maria daPenha, que mudou a prática penal decondenação do agressor a mulher criandomecanismos para prevenir violência domésticacontra a mulher (2006). A ComissãoInteramericana foi provocada por associações epela vítima. O Brasil decidiu acatar a resoluçãoda Comissão, evitando acionar a CorteInteramericana.

40 Para uma visão geral desse ciclo verSILVA, A. R.; VARELLA, M. D. A mudança deorientação da lógica de solução dascontrovérsias econômicas internacionais.Revista Brasileira de Política Internacional(Impresso),, v. 49, p. 24-40, 2006.

41 BARR, M. et MILLER, G., « GlobalAdministrative Law: The View From Basel »,EJIL, 2006, vol. 17, pp. 15-46. E BOISSON DECHAZOURNES, L., « Changing Roles ofInternational Organizations: GlobalAdministrative Law and the Interplay of

Legitimacies », Int’l Org. L. Rev., 2009, vol. 6,pp. 655-666.

42 BARBIER, S., « La mise en œuvre desrègles internationales grâce au droitadministratif global », pp. 185-197, In :BORIES, C. (org.), Un droit administratifglobal ? A Global Administrative Law ?,Paris, Pedone, 2012, 393 p.

43 Ver KINGSBURY, B., KRISCH, N. etSTEWART, R., « The Emergence of GlobalAdministrative Law », Law and ContemporaryProblems, 2005, vol. 68, pp. 15-61.

44 Verwww.untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/francais/.../9_11_2011_francais.pdfAcesso em 21/10/2014.

45 Ver http://www.un.org/News/fr-press/docs/2013/Conf130415-KAZAKHSTAN.doc.htm Acesso em21/10/2014.

A PROTEÇÃO DOCONSUMIDOR

BRASILEIRO EMRELAÇÕES

CONSUMERISTASINTERNACIONAIS NO

ÂMBITO DO MERCOSUL

Aline de Moura Teles1

Introdução

Por muito tempo desde o seu

surgimento, a grande maioria dasrelações comerciais internacionaisestabelecia-se entre dois comerciantesou entre comerciantes e o Estado (noprimeiro caso, representadas naexpressão inglesa business to businessou B2B, e, no segundo business togovernment ou B2G, empregadas ambaspor Cláudia Lima Marques2). Asrelações de consumo eram restritas aoterritório dos países, sem intervenção dainternacionalidade, sendo a proteção doconsumidor matéria de direito interno.3

Isso mudou, no entanto. As transações de

natureza consumerista têm tido umapresença cada vez mais marcante nocenário internacional, tanto emoperações realizadas quanto em volumesnegociados, passando a delas se ocupar,de forma crescente, o DiretoInternacional Privado.

O fenômeno de abertura dos mercadosa produtos e serviços estrangeiros,aliado à crescente integração e aoacelerado desenvolvimento tecnológico,fez com que o consumo passasse arotineiramente ultrapassar as fronteirasnacionais. Observa-se uma intrincada

relação em que elementos como aintensificação da formação de blocosregionais, a globalização e a evoluçãotecnológica são mutuamenteinfluenciados como causa econsequência uns dos outros. Visando amarcar posição em um mercado globalefetivamente fluido e instável, com abusca dos países por redução debarreiras alfandegárias e por maiorcompetitividade, ganhou força aformação de blocos regionais eeconômicos, o que foi um fatorprimordial para o aumento do fluxo de

produtos e pessoas pelas fronteiras.Nesse novo contexto global, tem se

intensificado a inserção dosconsumidores, inclusive brasileiros, noambiente do comércio internacional, noqual adquirem produtos ou serviços deforma imediata, sem a necessidade dequalquer intermediário ou atravessador.Para tanto, têm hoje à disposição umavasta gama de recursos4 advindos dodesenvolvimento e sofisticação docomércio eletrônico que lhes permitemconsumir produtos nacionais ouinternacionais diretamente do conforto

do seu lar, com apenas alguns cliques,seja com o uso da internet, seja portelefone.

Para o entendimento do cenáriocontemporâneo não se pode, ainda,desconsiderar o intenso movimento deconsumidores que se dirigem aoestrangeiro e lá consomem. Isso ocorrenão só em atividade regular de turismocom o propósito de lazer, como tambémna categoria do turismo mercantil, emque se organizam viagens com oobjetivo principal de realizar compras.Interessante o estudo desenvolvido por

Featherstone5, que aborda aspectos dofenômeno de consumo pós-moderno,analisando “questões de desejo e prazer,as satisfações emocionais e estéticasderivadas das experiências deconsumo”6. Nesse sentido, Marques7

afirma que “consumir de formainternacional é típico de nossa época. Oserviço ou produto estrangeiro é status,é bem simbólico na atual cultura deconsumo”.

Observa-se, assim, a existência dedois perfis de consumidoresinternacionais: aquele que adquire

produtos e/ou serviços de um fornecedordomiciliado em outro país numa relaçãocontratual realizada à distância, a partirde seu próprio domicílio (por issodenominado “passivo”); e o que sedesloca para um país estrangeiro e láconsome (denominado, por sua vez,“consumidor ativo”).

Importante ressaltar que, além dosaspectos que vulnerabilizam oconsumidor em uma relação de consumoempreendida em um único territórionacional, interferem fatores inerentes àinternacionalidade da transação. Há, por

exemplo, a possibilidade de que adiferença de idioma e de legislaçãorepresente uma barreira para a obtençãode informações, assim como asdificuldades de se manter uma demandajudicial internacional, devido ao fato deenvolver geralmente valores baixosfrente aos custos de se empreender essetipo de litígio. Dessa forma, o avanço ea disseminação do turismo internacional,assim como a maior vulnerabilidade doconsumidor nesse cenário, tornam oamparo aos envolvidos em relaçõesconsumeristas internacioansis uma

necessidade mais urgente.No entanto, seria superficial ou

precipitado afirmar que a orientaçãocontemporânea do Direito Internacionalem tratar da proteção do consumidoradvém tão somente da necessidade deresguardar os direitos dos envolvidosem relações transfronteiriças. Emborainegável a necessidade de seimplementar instrumentos e legislaçãovoltadas à solução de conflitos entreconsumidores e fornecedoresdomiciliados em países diferentes, taltendência provém também do processo

de “internacionalização do direito”.A esse respeito, Varella mostra como

o Direito Internacional se torna maiscomplexo e se especializa, abarcandomais específica e profundamenteproblemas em diferentes ramos dodireito. Esse processo histórico maisrecente não se restringe ao Direito doConsumidor, mas a diferentes áreas àmedida que “as modalidades e aintensidade de relações jurídicas entrediferentes atores envolvidos seampliam8”, com a atenuação dasfronteiras entre o nacional e o

internacional.

1 Tutela do consumidor no DireitoInternacional

Vários autores relatam manifestaçõesincipientes de preocupação doslegisladores com o consumidor aindamesmo em civilizações antigas, comindícios na Mesopotâmia, Egito Antigo eRoma9. No entanto, foi apenas namodernidade que a necessidade deproteção do consumidor ganhou carátermais público e urgente, percebendo-seque, nesse campo, o preceito da

autonomia da vontade não se sustentavaisoladamente, visto tratar-se de umarelação em que não havia igualdadejurídica entre os contratantes.

Tal fenômeno foi acompanhado daexaltação da boa-fé e da função socialdo contrato, que passaram a atuar comobalizadores em situações marcadas porposições de visível desigualdade entreos contratantes. Embora determinantepara a segurança jurídica, a autonomiada vontade experimentou umarelativização com a propagação doEstado Social, podendo sua

manifestação ser reavaliada quandoresultar em proveito injustificado parauma das partes10.

Assim, a proteção ao consumidorpassou a receber atenção nacircunscrição global com o ShermanAntitrust Act, de 1890, e com a“Declaração dos Direitos Essenciais doConsumidor”, proferida pelo presidenteKennedy ao Congresso dos EstadosUnidos, em 1962, por meio da qualestabeleceu-se a noção de sua tutela,elencando os direitos básicos desegurança, informação, escolha e o de

ser ouvido.Tais direitos foram reconhecidos

como fundamentais e universais doconsumidor na 29ª sessão da Comissãode Direitos Humanos das Organizaçõesdas Nações Unidas (ONU), durante adécada de 70. Foi nesse mesmo períodoque ocorreram manifestações sobre oassunto por meio do Conselho daEuropa, em 1973, e da ComunidadeEconômica Europeia, em 1975.

Esse movimento de afirmaçãoculminou com a edição da resolução n.39/248, de 10 de abril de 1985, pela

Assembleia Geral da ONU sobre aproteção ao consumidor, que teve opapel primordial de positivar oprincípio da vulnerabilidade no planointernacional. Esse princípio é deaplicação fundamental não só na esferado direito do consumidor como emmatéria trabalhista, em que há anecessidade de se perseguir orestabelecimento do equilíbrio derelações essencialmente desiguais.Newton De Lucca11 concebe avulnerabilidade como a pedra angularde toda a disciplina tutelar, enquanto

João Batista de Almeida12 afirma que “oprincípio da vulnerabilidade é a espinhadorsal da proteção ao consumidor, sobreo qual se assenta toda a linha filosóficado movimento”.

O texto da referida resolução trouxediretrizes que, aprovadas pelaAssembleia Geral da ONU, elencaramlinhas de atuação para os Estados queabordavam os riscos para a saúde esegurança dos consumidores, a proteçãode seus interesses econômicos, o acessoà informação, a compensação de danos ea liberdade de organização, com a

exposição de opiniões em processosdecisórios que os afetassem. Essasdiretrizes tiveram profunda repercussãoem praticamente todos os paísesinteramericanos, como bem demonstraMarques13:

Após a resolução 39/248, daAssembleia geral da ONU, de09.04.1985, e os esforços doPNUD14, promulgaram-se leisespecíficas sobre o tema noBrasil, em Honduras, naArgentina, no Equador, no Chile,na Costa Rica, no México, noParaguai, no Peru e no Uruguai,e incluíram a proteção doconsumidor em suas

Constituições o Brasil, aArgentina, o Peru e também ElSalvador.

Não só o continente americanoexperimentou esse movimento deregulamentação das relações deconsumo. Pode-se até dizer que aEuropa estava bem à frente nessesentido, tendo sido a Constituiçãoespanhola a primeira a se ocupar dotema, ainda em 1978.

2 Blocos regionais e econômicos e oDireito do Consumidor

Quando se considera o âmbito de ummercado comum, ou de um blocoeconômico ou regional, presume-se umesforço uniformizado no sentido de sebuscar soluções comuns para aresolução de conflitos. Espera-se,inclusive, que tal esforço se estenda àmatéria das relações consumeristas.Entretanto, há ainda, de outro lado, apercepção de que a proteção doconsumidor poderia se tornar umdificultador ao comércio, tanto de benscomo de serviços, dentro dos blocos deintegração.

Esse embate, na verdade, não serestringe ao entendimento de que odireito do consumidor e o comérciorepresentariam interesses divergentes,tal visão aponta uma oposição entre osdireitos humanos e a busca pelo lucro daatividade mercantil, muitas vezesentendidos como antagônicos. Reside aía noção de que uma regulamentaçãomais protetiva poderia acarretaraumento dos custos e consequenteredução na margem de lucro, afastandoinvestidores internacionais e seconstituindo em um obstáculo para a

integração dos mercados.Paula Santos de Abreu15 mostra como

apenas após o crescimento dos gruposde defesa do consumidor e um longoperíodo de mobilização da opiniãopúbica para chamar a atenção doslegisladores para a adoção de medidasprotetivas é que o papel do consumidorfoi levado em consideração nos tratadosde integração. Cláudia Lima Marques,citada por Del’Olmo16, por sua vez,argumenta que normas para a defesa dosdireitos dos consumidoresinternacionais “interessam tanto à

competitividade do mercado internoquanto à competitividade internacional,assim como contribuem para a criaçãode um mercado com concorrência leal”.

E assim, aos poucos, foi sendosuperada a ideia da proteção aoconsumidor como mero entrave para ocomércio internacional, passando-se àcompreensão de sua relevância emproporcionar a segurança jurídica, oque, por sua vez, contribuipositivamente para o aumento narealização de negócios. Nesse sentido,Marques17 afirma que “representa

juridicamente a garantia de um standardmínimo de segurança e adequação dosserviços e produtos, nacionais ouimportados, comercializados nosmercados abertos de hoje”.

Nesse contexto, tem-se que atendência contemporânea é deimplementação de normas nacionais –inclusive de ordem públicainternacional, com aplicação imediata –assim como a aproximação e aharmonização das regras nacionais, queasseguram a proteção do consumidor,nos organismos internacionais

dedicados à integração econômica,como a União Europeia e o Mercosul.Ao mesmo tempo, a legislação queaborda o comércio internacional e asnormas de Direito Internacional Privadomuitas vezes não contemplam oconsumidor, disponibilizandomecanismos jurídicos para sua efetivaproteção em relações litigiosas.

2.1 A União Europeia e a proteçãodo consumidor

Embora o objeto do presente trabalhoconcentre-se na região sul no continente

americano, ocupando-se dosmecanismos postos à disposição doconsumidor no âmbito do blocomercosulino, é importante para a análiseempreendida a observação dotratamento dado à matéria pela UniãoEuropeia, por se mostrar esta umaexperiência bem-sucedida.

A primeira oportunidade em que adefesa do consumidor figurou nasmanifestações do bloco foi naConvenção de Bruxelas de 1968, quetrouxe um artigo específico sobre ajurisdição de litígios com o consumidor

na União Europeia. A Cimeira de Paris,em 1972, apresentou o primeiroprograma de ação aplicado à relaçãoconsumerista. Por meio dele, alegislação a respeito da matéria deveriaser baseada em cinco categorias dedireitos fundamentais, quais sejam: àproteção da saúde e da segurança; àproteção dos direitos econômicos, àreparação de danos; à informação e àeducação; e à representação. Importanteressaltar que, a esse tempo, estesprogramas se compunham de normasmeramente diretivas.

A Convenção de Roma, que data de1980, ao abordar a lei aplicável aoscontratos internacionais, protege oconsumidor passivo, impondo acomparação entre a proteção concedidapelas normas imperativas de foro e a dalei escolhida pelas partes edeterminando a aplicação da maisfavorável ao consumidor.

O Ato Único Europeu possibilitou aintrodução da tutela do consumidor notratado, fixando o propósito de se buscaro mais alto nível de proteção possível,mas foi a partir do Tratado de

Maastricht que houve a efetivapositivação das normas protetivas doconsumidor. Isso porque foi ele queconferiu à UE competência paraestabelecer a política de proteção dosconsumidores, ainda que limitada aoprincípio da subsidiariedade, ou seja, sóintervindo quando os Estados-membrosnão apresentarem ações apropriadaspara garantir o objeto primordial domercado comum, qual seja, a livrecirculação de pessoas e mercadoriassem discriminação.

As orientações do Tratado de

Maastricht foram ampliadas com aentrada em vigor do Tratado deAmsterdã, em 1997, que fortaleceu apolítica comunitária de proteção aoconsumidor. Além de conter normasabordando a proteção de diversosaspectos da relação consumerista, noque concerne à saúde, segurança einteresses econômicos dosconsumidores, por exemplo, aindadispõe da inter-relação entre as medidasprotetivas dos consumidores com asoutras políticas comunitárias europeias.

Assim, houve o crescimento da

competência da União Europeia paralegislar sobre a proteção do consumidor,chegando ao ponto de uma transferênciade competência direta e flexível noTratado de Maastricht para aharmonização do Direito doConsumidor. Deve-se apontar também aexistência de todo um aparatoinstitucional de órgãos de representaçãodos interesses dos consumidores, como,por exemplo, o Comitê Consultivo deConsumidores.

2.2 Breve Retrospecto do Mercosul

Antes de analisarmos a forma como oMercosul trata a questão do consumidor,urge contextualizarmos sua formação eproposta de integração, por intermédiodos tratados firmados para esse fim.Del’Olmo18 aponta a cooperaçãoeconômica entre Brasil e Argentinacomo precursora da integração regionalque posteriormente se implantaria. Oauge dessa aproximação deu-se com aassinatura da “Ata de Buenos Aires”pelos dois países, em 1990, estipulandoa criação de um mercado comum até oano de 1994. Assim, “devido às

articulações argentina e brasileira para acriação de um bloco regional, a elaslogo aderiu o Uruguai e, pouco depois, oParaguai, preocupados com omovimento que ameaçava deixá-loseconomicamente isolados”19.

A integração entre os países da regiãofoi firmada com a assinatura do Tratadode Assunção, em 1991, que reafirmou oobjetivo de constituição do MercadoComum do Sul, agora tendo aparticipação dos quatro Estados-Partes,com propósitos comuns e enunciaçõesprogramáticas, como o estabelecimento

de uma data para a instituição doreferido mercado comum (31 dedezembro de 1994). Quanto à proteçãodos consumidores, deve-se apontar quenão havia referência expressa quanto àmatéria.

Outro importante passo no sentido daconsolidação do grupo deu-se com oProtocolo de Las Leñas (assinado emjunho de 1992), acerca das regras decooperação e assistência jurisdicionalem matéria civil, trabalhista, comerciale administrativa, assim como doreconhecimento e execução de decisões

e cooperação judicial internacional.Aprovado no Brasil pelo DecretoLegislativo nº 55, de 19 de abril de1995 e promulgado pelo Decreto nº1.901, de 09 de maio de 1996, como severá adiante, é uma das ferramentasnormativas de que dispõe o consumidorno âmbito do grupo mercosulino, poisrepresentou um mecanismo para facilitaro acesso à justiça.

Em dezembro de 1994, veio oprotocolo de Ouro Preto que, mesmosem efetivar a livre circulação depessoas, mercadorias e serviços do

mercado comum, trouxe importantesavanços. Não só regulou a tarifa externacomum, como estabeleceu apersonalidade jurídica do bloco ereiterou a opção pelo caráterintergovernamental do processo, sendoas decisões tomadas por consenso e coma presença de todos os Estados-Partes.Isso significa que não há órgãossupranacionais, com poder para emanardecisões que vinculem os participantes.

Outra importante contribuição foiestabelecer a estrutura institucional dobloco, composta pelo Conselho do

Mercado Comum (CMC), o GrupoMercado Comum (GMC), a Comissãode Comércio do Mercosul (CCM- sóreconhecida a partir deste tratado), aComissão Parlamentar Conjunta, o ForoConsultivo Econômico e a SecretariaAdministrativa, sendo os três primeirosos órgãos com poder de decisão e oprimeiro o de mais alto nívelhierárquico, responsável pela conduçãodo processo de integração. Já o GMC éo órgão executivo do bloco e tem opoder de propor e implementar regras.

Na organização interna do Mercosul,

destacam-se, ainda, o Departamento deProteção e Defesa do Consumidor e oCT – 7, Comitê Técnico que trata dadefesa do consumidor. Este último estásubordinado à Comissão de Comércio,órgão assessor do GMC que semanifesta por diretrizes.

3 A proteção do consumidor noMercosul

Cláudia Lima Marques coloca que “sena União Europeia pode ser consideradaum sucesso a harmonização das normasmateriais de proteção do consumidor,

cobrindo muitos temas atuais, nasAméricas, o approach não tem sidomais que uma integração ‘negativa’ dotema.” Além disso,

Harmonizar (ou ainda maisunificar) normas materiais dedefesa do consumidor é umatarefa teórica difícil, quenecessita um mandato claroquanto aos objetivos a alcançar eo nível de proteção desejado (se“terceiro-mundista” ouinternacional). Tarefa que exigelegitimação para legislar e fazerincorporar nos DireitosNacionais as normas materiaiselaboradas. Tarefa que, porexemplo, o Mercosul não

conseguiu realizar e que foicumprida com êxito pela UniãoEuropeia nestes últimos 40anos. 20

Com efeito, o desenvolvimento depolíticas para a proteção dosconsumidores nos Estados-Partes doMercosul acabou se efetivando tão-somente através da atividade legislativade cada nação. Em nosso ordenamentojurídico, a matéria integra o textoconstitucional e recebeu tratamento emlegislação específica. Na ConstituiçãoFederal, não só se encontra elencado

como princípio de ordem econômica21,como foi positivado pelo art. 5º, XXXII,figurando entre os direitos e garantiasfundamentais, cuja efetivação deve serbuscada pelo Poder Público22. Alémdisso, o art. 48 do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias (ADCT)estabelecia a elaboração de um códigode defesa do consumidor, o que seconcretizou com a Lei 8.078, de 11 desetembro de 1990.

Embora todos os Estados-Partespossuam legislação específica sobre otema, um dos problemas que dificulta a

harmonização das normas é o diferentenível de proteção conferido pelaslegislações nacionais. Isso fica evidenteao se analisar a questão do Protocolo deSanta Maria, que buscou tratar dajurisdição internacional em matéria derelações de consumo. Ele não está emvigor justamente por estar vinculado àaprovação do “Protocolo de Defesa doConsumidor do Mercosul”, que asseguradireitos muito inferiores aos constantesna legislação brasileira, e, por isso, .Assim, tem-se a aplicação da Resoluçãonº 126/94 do Grupo Mercado Comum,

que dispõe que, até a aprovação de umregulamento comum para a defesa doconsumidor, cada Estado-parte aplicarásua própria legislação sobre a matériaem relações de consumointracomunitárias.

A consequência é que, na prática, aolitigar com fornecedor estrangeirosituado no Mercosul, as condições doconsumidor brasileiro não sãosignificativamente melhores do quequando litiga com fornecedorestrangeiro externo ao bloco, uma vezque não existe uma norma comunitária

específica para consumidores sobrematéria processual entre os Estados-sócios.23

A seu favor, tal consumidor terá odisposto no Protocolo de Las Leñas, nosentido de que “se adquirir um produtoou serviço em outro Estado-Parte quelhe cause dano, ele poderá, na defesa deseus direitos, exigir a prestaçãojurisdicional em qualquer país doMercosul em que a relação de consumotenha se realizado. Há ainda acordossobre o benefício da justiça gratuita e daassistência jurídica gratuita entre

Estados-sócios ou associado e para adefesa do consumidor visitante.24

No entanto, não se tem umposicionamento uniforme acerca dalegislação aplicável nesse tipo dedemanda. Na tentativa de chegar a umadecisão justa, a construçãojurisprudencial combina as regras deconexão presentes na Lei de Introduçãoàs Normas do Direito Brasileiro com oCódigo de Defesa do Consumidor, sendoa solução mais eficaz quando ofornecedor possui filial ou parte dogrupo empresarial domiciliada no

Brasil. Caso contrário, resta tentar obtera execução de uma decisão nacional noestrangeiro, mediante o precedimentoprevisto na legislação daquele país.

Além da legislação aplicável, outroaspecto primordial em relação a litígiosinternacionais envolvendo consumidoresdiz respeito ao foro competente. Issoporque, nesses casos, a necessidade deprocessar o fornecedor ou de sedefender em processo que este últimotenha contra ele fora de seu domicíliopode se constituir em verdadeiroobstáculo para o acesso à justiça.

No entanto, não basta ao consumidorobter uma decisão para a sua demanda,ou quanto a ela poder agir, é preciso quenão pairem quaisquer dúvidas sobre ojuízo competente, uma vez que taldecisão deve ter efetividade e serpassível de execução no estrangeiro.Klausner25 bem mostra que:

para o reconhecimento eexecução da sentençaestrangeira, o tribunalcompetente faz o controle decompetência indireto, ou seja,verifica se o tribunal prolator dadecisão é competente e se nãoferiu norma nacional de

atribuição de competênciaexclusiva dos órgãos judiciáriosnacionais para conhecer e julgara demanda.

O foro privilegiado para consumidorinternacional, cujo reconhecimento,como se viu, pode ser essencial para seuacesso à justiça, não figura entre asnormas sobre a competênciainternacional brasileira, que seencontram nos artigos 88 e 89 doCódigo de Processo Civil. Diante dessalacuna, um dos recursos utilizados porparte dos estudiosos é aplicar as normasde competência interna, recorrendo ao

art. 101, I, do Código de Defesa doConsumidor, pelo fato de o referidocódigo trazer normas de ordem pública,não se limitando, por isso, àsdisposições sobre jurisdiçãointernacional trazidas pelo Código deProcesso Civil.

Embora tal decisão fundamente-se nocritério da efetividade da decisão e noprincípio do maior interesse, éimportante destacar que se trata deentendimento bastante controvertido nadoutrina, sendo a argumentaçãofavorável no sentido de que “o direito

processual civil brasileiro assegura foroprivilegiado a determinados sujeitos emcaráter protetivo”26, este o caso, porexemplo, da mulher para a ação deanulação do casamento e conversão deseparação em divórcio. Analogamente, ajurisprudência tem reconhecido o foroprivilegiado do consumidor em litígioscom o fornecedor, o que se verificanesta decisão27:

COMPETÊNCIA TRANSPORTEAÉREO INTERNACIONAL.FORO DE DOMICÍLIO DOCONSUMIDOR. PERDA DEBAGAGEM. Ementa: A ação de

indenização do consumidor queteve sua bagagem perdida emvoo internacional pode serpromovida no foro do seudomicílio, como permitido noart. 100. I, do CDC. Recurso nãoconhecido. (j. 25.04.2000 –DJU 12.06.2000)

O reconhecimento como privilegiadodo foro do domicílio do consumidor jáse deu na União Europeia, e,internamente, nos demais países doMercosul28. No entanto, para aefetividade dos atos decisórios acercadessas demandas, principalmente emrelações consumeristas envolvendo

consumidores e fornecedoresdomiciliados em países diferentes noâmbito do Mercosul, faz-se mister aexistência de uma harmonização entre aslegislações dos Estados-Partes.

Posicionando-se tambémfavoravelmente a respeito danecessidade de criação de um DireitoComunitário de caráter supranacionaldefendida por De Lucca29, Marques30

assim desenvolve sua argumentação:

Se de um lado o Mercosulmostrou-se um fenômenopolítico dinâmico e umfenômeno econômico real e

complexo, no campo do Direitoessa integração sub-regionalcontinua incipiente: sem basejurídica definitiva, seminstrumentos suficientes para aharmonização das legislações,sem uma instituição dedicada àinterpretação e à aplicação dasnovas regras, sem assegurar aoindivíduo o efetivo direito dereclamação e recurso frente aação ou omissão de seu Estadoou de terceiros, sem criar enfimum mecanismo internacionalindependente, comcompetências reconhecidas,com força coercitiva, compersonalidade jurídicainternacional.

Apesar de tal análise de Marques já

datar de mais de dez anos, percebe-sesua atualidade no que concerne aocaráter incipiente da integração jurídicaentre os Estados-partes, principalmentequanto à ausência de um tribunal, umórgão julgador com poder coercitivo.

Considerando-se, do exposto, ainexistência de mecanismos protetivosno Mercosul e as controvérsias acercada legislação aplicável e do forocompetente para julgar tais litígios, oque se constata é a insegurança jurídicaa que estão expostos consumidores efornecedores. Não se apresentando, até

o momento, uma solução interna aobloco, resta buscar outras iniciativasque possam representar uma alternativapara a proteção de consumidores emrelações transfronteiriças.

4 Conclusão: outras perspectivaspara a proteção do consumidorinternacional

A partir do exposto, depreende-sequão longo é o caminho a ser percorridopara o estabelecimento de mecanismospara a efetiva proteção do consumidorbrasileiro nas relações de consumo com

fornecedor domiciliado em outro dosEstados do Mercosul. Somente no casode o fornecedor, ou empresário eempresa a ele assemelhados (porparticiparem da oferta do produto ouserviço no mercado ou por fazer partedo mesmo grupo empresarial) poderemser alcançados em território nacional éque se pode dizer que haja concretoacesso à justiça nesse tipo de matéria.

Caso contrário, terá de enfrentar todasas dificuldades inerentes à necessidadede demandar ou ser demandado noestrangeiro ou da prática de atos no

exterior, por meio de cartas rogatórias ebuscando o reconhecimento e aexecução da decisão aqui obtida emoutro país, sujeitando-se à legislação eprocedimento ali previstos. Isso porquenão há distinção entre essa relaçãointernacional de consumo comfornecedor domiciliado em país doMercosul ou fora dele.

Faz-se necessária e urgente aharmonização da legislação dosEstados-Partes, para que o consumidortenha os mesmos direitos e nível deproteção nas relações de consumo

ocorridas dentro do Mercosul. A partirdaí, tornar-se-ia mais viável a adoçãode medidas no âmbito do bloco, como areedição do Protocolo de Las Leñas, oua criação de órgãos mais representativosdos interesses desses consumidores.

Enquanto isso não ocorre, não se deveolvidar que esforços para aimplementação de legislação e outrosmecanismos que contemplem a matériatambém estão sendo envidados emoutras esferas. Na Organização dosEstados Americanos (OEA), está emandamento a Sétima Conferência

Interamericana Especializada em DireitoInternacional Privado (CIDP-VII), emcuja agenda consta a Proteção doConsumidor, incluindo a Lei Aplicável àRelação de Consumo, Jurisdição eCompensações Monetárias (Convençõese Leis Modelo).

E, dentre as propostas apresentadas,figuram a da delegação brasileira acercada lei aplicável às relações de consumoe um projeto da delegação canadensesobre jurisdição e proteção doconsumidor no comércio eletrônico,além de um esboço dos Estados Unidos

para um projeto de Lei modelo sobremecanismos de compensação ereparação monetária. Tais propostasencontram-se ainda em fase dediscussão, sob a análise pelos Estados,com a possibilidade de intervenções ealterações.

Outro fato que deve ser considerado éa entrada em vigor, no Brasil, em 1º deabril de 2014, da Convenção dasNações Unidas sobre Contratos deCompra e Venda Internacional deMercadorias (CISG, na sigla nascida deseu nome em inglês, United Nations

Convention on Contracts of InternationalSale of Goods). A Convenção de Viena,como é mais conhecida, havia sidoaprovada pelo Congresso Nacional emoutubro de 2012, com o DecretoLegislativo nº 538/12.

Sua aplicação está condicionada àadoção pelos Estados de domicílio daspartes e desde que as partes contratantesnão expressem sua vontade em contráriono texto do contrato, sendo seu silêncioentendido como consentimento. Apesarde alguns produtos não terem suacomercialização alcançada pela

Convenção (mercadorias adquiridas emhasta pública ou em execução judicial;valores mobiliários, títulos de crédito,moeda, navios, embarcações,aerobarcos, aeronaves e eletricidade), aexclusão que mais relevância tem paranosso estudo diz respeito àsmercadorias adquiridas para usopessoal, familiar ou doméstico, porqueexclui justamente as relaçõesconsumeristas. No entanto, existe aressalva para o caso de o vendedor nãosaber que a aquisição do bem teria essafinalidade, havendo possibilidade de

que fosse aplicada no caso dodesconhecimento do fornecedor. Se essaaplicação para o consumidor seriarealmente positiva ainda é algo emdiscussão por estudiosos edoutrinadores.

Assim, embora as perspectivas nãosejam promissoras para a efetivação demedidas protetivas no blocomercosulino de modo mais imediato,pode-se perceber que ainternacionalização dos direitoshumanos – o do consumidor entre eles –é uma realidade no cenário global. Seja

a partir de convenções e tratados, seja apartir do movimento de regionalizaçãodos mercados, a proteção doconsumidor é matéria que tem recebidodestaque na esfera internacional, e atendência é a inclusão de normas para adefesa dos envolvidos em relaçõesconsumeristas internacionais.

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_____. Lei no 8.078, de 11 desetembro de 1990. Dispõe sobre aproteção do consumidor e dá outrasprovidências. Portal da Legislação.Disponível em:

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1 Graduada em Direito pela UniversidadeFederal do Ceará (UFC).

2 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança nocomércio eletrônico e proteção do consumidor(um estudo dos negócios jurídicos de consumono comércio eletrônico). São Paulo: Revistados Tribunais, 2004. p. 39

3 Idem, 2001. p. 11.4 Dada a longa enumeração e a rapidez com

que surgem e passam a ser utilizados, resta-nosapenas citar alguns, como aparelhos de fax ecomputadores, a internet, meios eletrônicos depagamento – que podem ser utilizados emdiferentes dispositivos, como aparelhoscelulares e aparelhos de televisão chamados“smart” - e tablets.

5 Para aprofundamento da tese apresentada,buscar a obra Cultura de consumo e pós-modernismo, de Mike Featherstone.

6 FEATHERSTONE, Mike. Cultura deconsumo e pós-modernismo. Trad. Júlio AssisSimões. São Paulo: Studio Nobel, 1990. p. 32.

7 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança nocomércio eletrônico e proteção do consumidor(um estudo dos negócios jurídicos de consumono comércio eletrônico). São Paulo: Revistados Tribunais, 2004. p. 309.

8 VARELLA, Marcelo Dias.Internacionalização do Direito: direitointernacional, globalização e complexidade.

Brasília: UniCEUB, 2013. p. 472.9 Veja obras de PERIN JÚNIOR, Écio. A

globalização e o direito do consumidor:aspectos relevantes sobre a harmonizaçãolegislativa dentro dos mercados regionais.Barueri: Manole, 2003. p. 6 e FILOMENO,José Geraldo Brito. Manual de Direitos doConsumidor. Sãu Paulo: Atlas, 2012. p. 22.

10 Para aprofundar o tema, veja: VEIGA,Fábio Rodrigues. UNIVERSIDADE TUIUTIDO PARANÁ. FACULDADE DE CIÊNCIASJURÍDICAS. Crise da autonomia da vontadenuma visão civil-constitucional. 2005. TCC(Graduação em Direito) – Universidade Tuiutido Paraná. Faculdade de Ciências Jurídicas,Curitiba-PR, 2005. Disponível em<http://tcconline.utp.br/wp-content/uploads//2013/06/CRISE-DA-AUTONOMIA-DA-VONTADE-NUMA-VISAO-CIVIL-CONSTITUCIONAL.pdf>.Acesso em 18 ago. 2014.

11 DE LUCCA, Newton. Direito doConsumidor: Mercosul e a defesa dosconsumidores brasileiros. Disponível em:<http://www2.cjf.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/128/216>Acesso em: 13 ago. 2014. p. 51.

12 ALMEIDA, João Batista de. A proteçãojurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva,2002. p. 16.

13 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança nocomércio eletrônico e proteção do consumidor(um estudo dos negócios jurídicos de consumono comércio eletrônico). São Paulo: Revistados Tribunais, 2004. p. 323.

14 O Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento é a rede de desenvolvimentoglobal da Organização das Nações Unidas quecoordena atividades com o objetivo demelhorar os níveis de desenvolvimentohumano, produzindo relatórios deacompanhamento e executando ações para amelhoria das condições de vida nos 166 países

onde possui representação.15 ABREU, Paula Santos. A proteção do

consumidor no âmbito dos tratados da UniãoEuropeia, Nafta e Mercosul. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_73/artigos/Paula_rev73.htm>. Acesso em: 20 abr. 2014.

16 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Cursode direito internacional privado. 10. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2014. p. 198.

17 Confiança no comércio eletrônico eproteção do consumidor (um estudo dosnegócios jurídicos de consumo no comércioeletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais,2004. p. 342-343.

18 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Cursode direito internacional privado. 10. ed. Rio deJaneiro: Forense, 2014. p. 296.

19 Op. cit, p. 297.20 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no

comércio eletrônico e proteção do consumidor(um estudo dos negócios jurídicos de consumo

no comércio eletrônico). São Paulo: Revistados Tribunais, 2004. p. 314.

21 Art. 170 – A ordem econômica, fundadana valorização do trabalho humano e na livreiniciativa, tem por fim assegurar a todosexistência digna, conforme os ditames dajustiça social, observados os seguintesprincípios: […] V – defesa do consumidor.

22 COMPARATO, Fábio Konder. A proteçãodo consumidor na Constituição Brasileira de1988. Revista de Direito Mercantil, n. 80.p.66-75.

23 KLAUSNER, Eduardo Antônio.Perspectivas para a proteção do consumidorbrasileiro nas relações internacionais deconsumo. Brasília: Revista CEJ, Ano, XII, n.42, p.59-76, jul./set. 2008. Disponível em:http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1052/1203.Acesso em: 05 maio 2014. p. 65.

24 Vide decisão do Conselho do MercosulCMC/DEC 49/00 e 50/00, assim como o

“Acordo Interinstitucional de Entendimentoentre os órgãos de defesa do consumidor dosEstados-Partes do Mercosul para a Defesa doConsumidor Visitante”, firmado no dia 03 dejunho de 2004, na Argentina.

25 Op. cit, p. 63.26 Op. cit., p. 64.27 Rec. esp. n. 247.724/SP, acórdão

prolatado pela 4ª Turma do Superior Tribunal deJustiça, Relator Minstro Ruy Rosado deAguiar;

28 Regulamento n. 44/2001/CE, arts. 15 a17, Protocolo de Santa Maria, art 40 eordenamento interno dos Estados-Sócios doMercosul.

29 DE LUCCA, Newton. Direito doConsumidor: Mercosul e a defesa dosconsumidores brasileiros. Disponível em:<http://www2.cjf.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/128/216>Acesso em: 13 ago. 2014, 1998.

30 MARQUES, Cláudia Lima. O Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor e oMercosul. Revista de Direito do Consumidor.n. 8, p. 40-57, out./dez. 1993. Disponível em:<http://www.academiadederecho.org/upload/biblio/contenidos/ID_N_23__O_CB_de_D_do_C_e_o_Mercosul__Claudia_L_Marques.pdf>Acesso em: 20 maio 2014. p. 40-41.

DIREITO HUMANO ÀÁGUA POTÁVEL E AO

SANEAMENTO BÁSICO: AEFETIVIDADE DO

DIREITOINTERNACIONAL PARA A

REALIZAÇÃO DEPOLÍTICAS PÚBLICAS

Álisson José Maia Melo1

Introdução

O acesso a fontes de água seguras epotáveis e a tecnologias de saneamentobásico sanitárias são dois dos principaisdéficits mundiais para conferirdignidade aos seres humanos, eespecialmente às mulheres. Estudosapontam que políticas públicas queinvistam seriamente nessas áreasprovocam externalidades positivasexpressivamente maiores quanto àprevenção de doenças associadas à água(especialmente diarreia), melhoria geralda saúde das pessoas, facilitação doacesso à educação e redução de

desigualdades de gênero e de riqueza.Traz, portanto, desenvolvimentos sociale econômico aos países mais carentes2.Essas políticas públicas têm sido objetode atenção da comunidade internacionaljá há muitos anos, recebendo especialreforço nos últimos 15 anos.

O objetivo deste trabalho é investigarse o Direito Internacional temapresentado sinais de efetividade,particularmente no tocante às políticaspúblicas internacionais de fomento doacesso universal à água segura e potávele ao saneamento básico, tendo como

norte o cumprimento das metas dosobjetivos do milênio — MilleniumDevelopment Goals (MDGs) —específicas para esse setor. A pesquisa éexclusivamente documental, através daanálise dos relatórios emitidos peloPrograma de Monitoramento Conjunto— Joint Monitoring Programme (JMP)—, uma parceria entre a OrganizaçãoMundial de Saúde (WHO) e o Fundo dasNações Unidas para a Infância (Unicef).

O trabalho está dividido em oitopartes que, além desta introdução,discute os seguintes tópicos: uma

discussão histórica da formação dosMDGs e do JMP; a mudançametodológica empreendida pelo JMPnos anos 2000, bem como as vantagens edesvantagens do modelo; um exameacerca das definições de tecnologias“melhoradas” e “não melhoradas”; e,com detalhes, da metodologia utilizadapelo JMP; novas técnicas paracontrastar os dados obtidos e identificarpossibilidades de melhorias; finalmente,uma análise da evolução dos resultadosapontados nos oito relatórios elaboradosa partir de 2000 com discussão de

eventuais causas e implicações práticas;e, no final, a efetividade do DireitoInternacional e à verificação deeventuais relações entre acontecimentosno Direito Internacional e resultadosapresentados nos relatórios.

1 Os primórdios dos MDGs e o JMP

A Década Internacional deAbastecimento de Água Potável eSaneamento, realizada nos anos 80, foitida como um período de notáveisesforços para ampliar o acesso à águapotável e ao esgotamento sanitário para

as populações ainda mal servidas. Aofinal desse tempo, a WHO e o Unicefresolveram unir esforços para estimularinstituições nacionais e estabelecerprogramas internacionais quepromovessem a universalização doacesso a esses serviços. Comoconsequência, na década de 1990, foipossível garantir acesso à água potávela mais de 800 milhões pessoas, e aosaneamento para cerca de 750 milhões.No entanto, a despeito disso, cerca de1,1 bilhão de pessoas ainda careciam deum acesso à água segura e potável e 2,4

bilhões estavam completamente semqualquer forma de serviços sanitários dequalidade.3

Em 1990, a Assembleia Geral daOrganização das Nações Unidas (ONU)reconheceu formalmente, na Resoluçãonº 45/181,4 a participação do ConselhoColaborativo de Água Potável eSaneamento — Water Supply &Sanitation Collaborative Council(WSSCC) —, uma organizaçãocomposta de profissionais da área deágua, saneamento e higiene (WASH) domundo todo, para completar o trabalho

não finalizado na década anterior. AWSSCC, em 1997, começou a esboçarum projeto ambicioso, consistente naelaboração de um documento que seria ofundamento para uma política públicainternacional de água, saneamento ehigiene.5 Vision 21 é a visão de ummundo limpo e saudável e um quadro deação para alcançar tal visão. Nesserelatório, que foi formalmenteapresentado no Fórum Mundial da Águade Haia, em março de 2000, destacam-se quatro metas que podem serresumidas em duas:

a) para 2015, redução pela metadedos percentuais de pessoas sem acesso àágua e a saneamento;

b) para 2025, água potável esaneamento adequado para todas aspessoas.6

Tal documento teve tamanharepercussão, que seu teor foiamplamente considerado na reunião daAssembleia Geral da ONU que ocorreuno mesmo ano, culminando com ainclusão da meta de redução pelametade dos percentuais das pessoas semacesso à água e ao saneamento dentro da

Declaração do Milênio,7 no item 19. Porconseguinte, a meta estipulada naqueledocumento foi contemplada dentro dosMDGs, mais especificamente, noobjetivo de garantir a sustentabilidadeambiental: objetivo 7, meta 7.C.

Foi ainda em 1990 que aquelas duasinstituições resolveram criar o JMP,cujo objetivo era, precisamente,elaborar uma metodologia quepermitisse acompanhar, a partir dedados locais, como os países estãotrabalhando a universalização do acessoa esses serviços. Embora tenha iniciado

seus diagnósticos na primeira década,com três relatórios em 1991, 1993 e1996,8 foi somente a partir dadivulgação das metas da Vision 21 e,com maior força, depois da posteriorinclusão da meta de 2015 nos MDGs,que o JMP passou a servir comoinstrumento de controle dos resultados.

2 A mudança de metodologia apartir dos anos 2000: pesquisas dedomicílios, tecnologia “melhorada” e adefinição do momento inicial

O JMP, nos relatórios da década de

1990, iniciou seu monitoramento a partirde dados coletados diretamente dosprestadores de serviços e dasautoridades públicas responsáveis peloacesso à água e ao esgotamentosanitário, o que levava ao recebimentode dados que frequentementemascaravam a realidade, dificultando-seassim um acompanhamento comcertificação de dados. Um grande passodado a partir do relatório de 2000 foi asubstituição dessa metodologia pelacoleta de dados a partir dos censos, ouseja, a partir das pesquisas realizadas

nas próprias residências.Pesquisas de domicílios fornecem

dados mais precisos, elaborados porinstituições especializadas na realizaçãode pesquisas — portanto, com maiorisenção de ânimo em relação aosresultados —, e possibilitam asegregação de dados a partir de níveisde infraestrutura, áreas urbanas e ruraise renda; entretanto, diante da natureza dacoleta, há também certas limitações,como não segregar dados em relação adistritos, pequenas comunidades rurais efavelas ou periferias, sexo ou idade.9

Outras dificuldades emergem a partirda consideração de que os dados sãocoletados por terceiros, significando,portanto, que os conceitos (p. ex.,urbano e rural) podem variar,indicadores não são exatamente iguais.Surgiu a necessidade, portanto, deestabelecer com os países umaparametrização dos indicadores parapermitir um acompanhamento maishomogêneo. Diante do atraso naturalpara a produção desses relatórios emnível nacional e para a obtenção ecertificação dos dados, os relatórios

passaram a remeter a dados relativos àspesquisas realizadas dois anos antes.

Ademais, a coleta de dados a partirdas residências dificulta umaaproximação em relação à quantidade eà qualidade da fonte de água e doserviço de esgotamento servido àpopulação. Em outras palavras, não épossível estabelecer critérios seguros deque o uso de determinada tecnologiaimplicará o acesso a uma água maispotável ou a um serviço adequado desaneamento básico. Por conta disso, oJMP entendeu por bem afastar a

aplicação de conceitos valorativoscomo “seguro” e “adequado”, optandopor um padrão mais objetivo (sob penade por em risco a própria iniciativa) apartir da escolha de determinadastecnologias como viáveis para sealcançar a segurança ou adequação.10

Dessa maneira, as instituições do JMPnão se comprometem nos relatórios coma qualidade da água, mas simplesmentecom a adoção do critério de “melhoria”(improvement) das tecnologias,considerando-se como atendida apopulação que tem acesso a fontes de

água e a saneamento “melhorados”. Naprática, a escolha das tecnologiasmelhoradas leva em consideração o graude segurança em favor da higiene e adisponibilidade do serviço.

Mesmo assim, ainda há informaçõesque não são constatáveis a partir dosdados utilizados como referência nametodologia, como a continuidade dosserviços ou a ocorrência de variaçõessazonais no fornecimento, que podemcomprometer a segurança da água paraconsumo humano, ou também o tempogasto para a coleta de água em razão de

a fonte hídrica ficar em local distante e aquantidade coletada.

Nesse sentido, o JMP foiprogressivamente buscando, junto àsentidades nacionais responsáveis pelacoleta de dados, a uniformização deparâmetros de pesquisa, bem como aviabilidade de inclusão de novos dadospara permitir um diagnóstico maispreciso da realidade do acesso à águapotável e ao saneamento básico.11

Outro aspecto que pode ser alvo decríticas é que a meta de redução pelametade do percentual de pessoas sem

acesso à água potável e ao saneamentoaté 2015, como prevista nos MDGs,embora elaborado em 2000, consideracomo ponto de referência os dados de1990.12 Isso porque, em regra, o customarginal para a ampliação dauniversalização dos serviços é crescente— ou seja, para assegurar o próximoponto percentual de acesso à águapotável e ao saneamento será maiscustoso que o anterior.

3 Uma discussão sobre astecnologias “melhoradas” e “não

melhoradas”

A adoção do critério “melhorado”(improved) como representante (proxy)de expressões mais ambíguas ecomprometedoras como “adequado” e“seguro” não afasta ainda discussõesrelativas a que tecnologias podem serconsideradas como “melhoradas”. OJMP estabeleceu definições e listou astecnologias consideradas “melhoradas”e “não melhoradas” (unimproved).

Com efeito, uma fonte de água“melhorada” é definida como a que, emvirtude de sua construção e desenho, é

mais propensa a proteger a fonte decontaminação hídrica externa,especialmente de matéria fecal.13 Sãoconsideradas tecnologias “melhoradas”em matéria de captação de água: águacanalizada residencial, torneira pública,poço de tubo com sistema debombeamento, poço cavado protegido,nascente protegida e coleta de água dachuva. Já são consideradas tecnologias“não melhoradas”: poço cavadodesprotegido, nascente desprotegida,reservatório portátil, caminhão-pipa,água engarrafada e a água superficial.14

A adoção irrestrita da água canalizadacomo tecnologia “melhorada” não levaem consideração a possibilidade deinexistir no sistema de abastecimento deágua a etapa de tratamento da água paraenquadramento nos padrões depotabilidade exigidos pela WHO, ouainda quanto à disponibilidade da águaem quantidade e pressão adequadas.Essa dificuldade não é de todoesquecida pelo JMP, que constata quemesmo as tecnologias “melhoradas” sãofrequentemente contaminadas combactérias como os coliformes; mas, a

despeito disso, se admite que, emcomparação com as demais tecnologias,o abastecimento canalizado oferecemaiores indícios de qualidade da água.15

Já quanto ao uso de poços, poder-se-iacontemplar a possibilidade decontaminação do lençol freático, o quedemandaria a análise da qualidade daágua coletada em todas as fontes, algoque soa impraticável através dametodologia então utilizada. Há umadistinção entre poços e nascentesprotegidas e desprotegidas através daverificação quanto à existência de certos

equipamentos que evitem acontaminação por material fecal.

Outras questões afetam reservatórioportátil, caminhão-pipa e águaengarrafada. Isso porque a “nãomelhoria” dessas tecnologias envolveprincipalmente a quantidade de águapara o consumo humano. Ademais, háinsegurança de dados quanto aotratamento residencial da água captadaatravés dessas tecnologias. No caso daágua engarrafada, esta somente seriaconsiderada “melhorada” se estiverassociada a uma fonte “melhorada” de

água para os demais usos (higienepessoal e cozimento de alimentos).16 Aágua superficial é, de longe, a pior dassoluções “não melhoradas”, já que nãopossui qualquer tecnologia que tragauma presunção de segurança.

No que toca às tecnologias desaneamento, uma estrutura deesgotamento sanitário “melhorada” édefinida como a que, por sua estrutura edesenho, higienicamente separa aexcreta humana do contato humano.17

Logo, são tecnologias “melhoradas”:descarga para sistemas encanados de

esgotos, para tanque séptico ou paralatrina de fossa; latrina de fossaventilada ou com revestimento ebanheiro de compostagem. Sãotecnologias “não melhoradas” dedisposição de fezes: descarga paraoutros destinos, latrina de fossa semrevestimento, uso de balde, banheiro oulatrina suspensa, e defecação “a céuaberto” (sem qualquer estrutura).

Da mesma forma quanto ao que foidito em relação à captação de águaencanada, não há certificação quanto àexistência da etapa de tratamento dos

esgotos antes do despejo final nosserviços de esgotamento sanitárioencanado. Nada obstante, ainda seconfigura como a tecnologia que melhorsugere a presunção de mínimo contatoentre material fecal e ser humano. Outrasdiscussões surgem quanto aoenquadramento de certas tecnologias.

De um lado estão as estruturas debanheiros públicos ou compartilhadosentre duas ou mais residências, maisfrequentes nas regiões urbanas emvirtude da aglomeração demográfica edificuldades de espaço urbano.18

Embora tais estruturas se enquadrassemno conceito de tecnologias“melhoradas”, a condição depublicidade ou compartilhamentocompromete a garantia da separaçãohigiênica do contato humano com asfezes, sem contar, no caso dos banheirospúblicos, a inacessibilidade einsegurança no horário noturno.19

De outro lado, discute-se quanto à“melhoria” de tecnologias como fossoraso e latrina seca.20 Trata-se de umatemática que afeta principalmente aChina, já que há uma pluralidade desses

tipos de tecnologia. Embora taisestruturas pudessem se enquadrar noconceito de tecnologias “melhoradas”, aconsideração delas como fora doscritérios nacionais de banheiro sanitárioimpede uma consideração segura delascomo “melhoradas”.

4 Compreendendo melhor ametodologia

A partir de 2008, os relatóriospassam a tentar explicar como funcionaa metodologia adotada pelo JMP paraaprimorar a precisão das estimativas de

cobertura para cumprimento da meta doMDG a partir dos dados das pesquisasde domicílios coletados pelasinstituições nacionais responsáveispelas estatísticas. Os primeirosrelatórios explicam que, para cada país,os dados das pesquisas e censosnacionais são plotados numa escala detempo de 1980 até o presente e, a partirdaí é desenhado uma linha de tendêncialinear com base no método dos mínimosquadrados.21

Ademais, a cada biênio, esses dadossão cumulativamente alimentados com

novas pesquisas e censos, inclusivealgumas relativas a períodos pretéritos,o que acaba por implicar a modificação,a cada relatório, dos índices decobertura no ponto de partida.22 Éconveniente observar que a quantidadede novos relatórios a cada biênio ébastante expressiva:exemplificativamente, enquanto orelatório de 2008 contava com mais de600 pesquisas e censos,23 o relatório de2014 já foi elaborado com quase 1500bases de dados.24 Em outras palavras, osdados referenciados em cada relatório

sucessivo não são diretamentecomparáveis com o anterior, já que osúltimos redefinem o ponto de partidacom maior precisão.25

Entretanto, somente a partir dorelatório de 2012 foi possívelcompreender com mais cuidado ametodologia utilizada. Isso porque não éapenas quando são acrescidas novaspesquisas e censos relativos a períodosanteriores que modificam o ponto departida; mesmo pesquisas domiciliaresrecentes podem acarretar modificaçõesna partida. Segundo os relatórios

posteriores, a estimativa é feita a partirde linhas de regressão, sendo que esseprocesso envolve a retroalimentação detoda a série histórica, outra razão pelaqual as estimativas anteriores nãopodem ser comparáveis com as atuais.26

O Gráfico 1 mostra como se apresentavisualmente o arquivo do JMP relativo aum país e como o acréscimo de umcenso em 2010 pode alterar a linha deregressão (a linha de cor preta era avigente em 2008; a linha de corvermelha é a atualizada para 2010) eredefinir a evolução desde 1990.

Gráfico 1 - Exemplo de um arquivo deum país com linhas de regressão

Fonte: WHO; UNICEF, 2012, p. 33.

A partir dessa constatação, é possívellevantar alguns problemas de ordemmetodológica, especialmente quanto à

viabilidade de utilização de linhas detendências curvas em oposição àslineares, de modo a refletir melhor aevolução das coberturas de água eesgoto. Contra essa crítica, o JMPapresenta alguns argumentos:primeiramente, a escassez de pontos dedados para muitos países acabatornando inconsistente a utilização deum procedimento mais complexo; emsegundo lugar, considerando-se operíodo de tempo relativamente curtoutilizado para o cumprimento da meta doMDG — o período de 25 anos —, não

havia no início do programa aexpectativa de se encontrar muitaspesquisas domiciliares e censos. Comoconsequência negativa, a metodologianão permite que mudanças rápidas nacobertura do acesso à água potável esaneamento sejam consideradas.27

5 Os sucessivos aprimoramentosdas técnicas de tratamento dos dados:as “escadas”, os gráficos de tendênciaregional urbano-rural e de renda, osmapas de cobertura-equidade e ostatus do progresso

Ao longo da série histórica dosrelatórios, a análise mais atenciosa dosdados permitiu encontrar técnicas maissensíveis e eficientes para aidentificação de situações relevantespara o escopo do JMP. Algumas dessastécnicas são discutidas nesta seção.

No relatório de 2008,coincidentemente definido como o anointernacional do saneamento, foiestabelecido um novo parâmetro para oestudo das tendências das populaçõesem relação ao aprimoramento dastecnologias de fontes de água e de

saneamento básico. Foram estabelecidasas denominadas “escada de saneamento”e “escada de água potável”, que nadamais significam do que umescalonamento específico dastecnologias dentro dos critérios de“melhorada” e “não melhorada”.28 A“escada de saneamento” possui quatrodegraus: o mais baixo é o da defecação“a céu aberto”, passando pelas demaistecnologias “não melhoradas”, pelastecnologias compartilhadas, culminandocom as tecnologias “melhoradas”.29 Já“escada de água potável” inicialmente

possuía somente três degraus:tecnologias “não melhoradas”, outrastecnologias “melhoradas” e águaencanada residencial;30 entretanto,aprimoramentos dos dados permitiram ainserção posterior de um quarto degrau,como nível mais baixo, ocupado pelacoleta de água superficial, sem qualquerestrutura básica.31

As “escadas” foram uma excelenteinovação técnica no tratamento dosdados, por diversas razões.Primeiramente, permite a compreensãodos dados mundiais dentro de etapas que

podem ser progressivamente atendidas;em segundo lugar, o próprio relatóriopassa a dedicar maior atenção a cada umdos degraus, possibilitando aidentificação de tendências particularespara cada um dos degraus epossibilidades de enfrentamentoespecífico. Como efeito colateral, acada ano as tabelas contendo os dadosestimativos de cobertura vão adquirindomaior complexidade para atender aosdegraus. Ademais, a separaçãopreconizada viabiliza uma dedicaçãoainda mais especial para os degraus

mais baixos, a saber, a defecação “a céuaberto” e a coleta de água superficial,denunciando a relevância que deve serdada a esses níveis que atentam àdignidade humana e levando a novasanálises dos dados.32

Exemplificativamente, voltando-separa a coleta de água em tecnologias“melhoradas”, passou-se a introduzirdois novos critérios de exame: oprimeiro quanto a disparidades degênero acerca da responsabilidade nabusca de água para os domicílios,apresentando dados claros de que a

mulher tem um ônus preponderante nessatarefa em comparação com o homem;33 eo segundo refere-se ao percentual depessoas que se localizam a mais de 30minutos de distância para a captação deágua em fontes distantes — estudosapontam uma correlação direta de queem distâncias maiores há uma tendênciaà coleta de água em quantidade inferioràs necessidades diárias, o que, no fimdas contas, poderia contar paradesqualificar determinada fonte de águacomo “melhorada”.34

Outra consequência impactante nos

futuros relatórios, conferida pela técnicadas “escadas”, foi a concentração deesforços em torno do problema dadefecação “a céu aberto”. Talvez a faltade acreditação de que o mundo iriacumprir a meta do MDG relativa aosaneamento básico tenha provocado umamudança relativa de foco da ampliaçãoda cobertura de saneamento“melhorado” para o combate à completaausência de tecnologia, como oprincipal inimigo a ser enfrentado. Osrelatórios subsequentes dedicaramatenção especial para demonstrar o

declínio na total ausência de soluçãosanitária.35 Aliás, o JMP apontou comouma das metas a ser propostas após asmetas do MDG, que até 2025 ninguémpratique mais a defecação “a céuaberto”.36 Da mesma forma, foi prestadamaior atenção para a situação dasinfraestruturas compartilhadas desaneamento, como uma realidade socialbastante corriqueira principalmente naszonas urbanas.37

A definição das “escadas” permitiu aformulação de outra apresentação dosdados que se perpetuou nos relatórios

seguintes, através dos chamadosgráficos de tendência. Os gráficos detendência mostram a evolução de cadaum dos degraus ao longo do tempo emtermos relativos, desconsiderando dadosabsolutos como o crescimentovegetativo e a ampliação numérica deinfraestruturas, de modo que o somatóriode cada um dos degraus em determinadoano cubra 100% da população mundialdo ano de referência. Assim, é possívelobservar qual modalidade estáavançando. Inicialmente, foramdesenhados gráficos de tendência

considerando apenas as regiões domundo,38 mas posteriormente foiagregada a separação, dentro de cadaregião, entre áreas urbanas e rurais,39

possibilitando, assim, a identificaçãomais aprimorada de disparidadesurbano-rurais e dos maiores déficitsregionais e permitindo a concentraçãode esforços. O Gráfico 2 apresentaexemplificativamente a tendênciahistórica do uso das tecnologias deesgotamento sanitário, de 1990 a 2012,entre os degraus, separados apenas porregião.

Gráfico 2 - Tendência (%) de coberturado saneamento básico por região, 1990-

2012

Fonte: WHO; UNICEF, 2014, p. 9.

Posteriormente, esses gráficos detendência também passaram a serutilizados, também dentro da mesma

região ou país, para separar asevoluções de acordo com a renda dapopulação (dividida em quintis), paraidentificar também características daspolíticas públicas adotadas em cadapaís quanto ao acesso às populações demais baixa renda em comparação com asde mais alta renda. Aliás, no relatóriode 2014, foi possível fazer uma espéciede classificação de tipologias daspolíticas públicas adotadas pelos paísesem torno dos investimentos e do acesso,com relação à renda da população.40

Dessa forma, foi possível apontar quatro

padrões: 1) progresso desigual — osmais ricos tiveram progressivamentemais acesso a tecnologias “melhoradas”que os mais pobres; 2) progressoequitativo — todos os quintis de riquezativeram uma evolução isonômica noacesso às tecnologias “melhoradas”; 3)nivelamento — nesse tipo, as camadasmais pobres possuem uma evoluçãomais acentuada de modo a se aproximarmais das camadas mais ricas; e 4)estagnação — em que não se visualizamprogressos em nenhum dos quintis,sinalizando uma total ausência de

política pública.No mesmo relatório de 2014, foi

apresentada uma nova técnica devisualização do progresso da cobertura,com enfoque nas disparidades urbano-rurais e as disparidades de riqueza,especialmente tendo em vista a tipologiade políticas públicas antes mencionada,através de mapas de dispersão dospaíses dentro de quadrantes. Trata-se demapas de cobertura-equidade, quepermitem verificar se a evolução dacobertura, mesmo a despeito deocorrência de diminuição de serviços

“melhorados” (especialmente em razãode crescimento demográficodesacompanhado de política pública deconstrução de estruturas adequadas),promoveu ou reduziu disparidadesurbano-rurais ou de renda. O Gráfico 3mostra, exemplificativamente, como seapresenta o mapa do progresso dacobertura do saneamento urbano comequidade das rendas (entre os maispobres e os mais ricos).

Gráfico 3 - Mapa de cobertura-equidadede riqueza no saneamento urbano

Fonte: WHO; UNICEF, 2014, p. 22

A título elucidativo, verifica-se que amaioria dos países analisados apresentauma política de ampliação da coberturado esgotamento sanitário em âmbitorural, com redução das disparidadesentre ricos e pobres. Um exame domesmo mapa para a zona rural mostra

um cenário distinto: embora a grandemaioria dos países apresentaramcrescimentos de cobertura dastecnologias “melhoradas”, a maior partedesta teve políticas que conferiramacesso às camadas mais ricas emdetrimento das mais pobres.41

Um último aprimoramento, digno denota, também ocorrido no relatório2014, foi o acréscimo, nas planilhas dedados, de uma coluna contendo umstatus dos países e regiões em relaçãoao cumprimento das metas do MDG,divididos em quatro padrões: 1) alvo

atingido (met target); 2) no caminho (ontrack); 3) progresso insuficiente(progress insufficient); e 4) fora docaminho (not on track). A inclusãodessa coluna facilitouconsideravelmente a análise das tabelasde dados quanto à redução dospercentuais segundo as metas do MDG.

Em síntese, ao longo das pesquisas,além de ampliar a precisão dos dados, épossível constatar o esforço contínuo doJMP para melhor diagnosticar situaçõesrelevantes para a realização deinvestimentos e esforços no sentido do

cumprimento das metas do MDG deágua e esgoto. Vê-se que o enfoquesecundário foi dado especialmente paraa análise das disparidades internas emcada um dos segmentos. A equipe não secontentou em simplesmente alimentar osgráficos já utilizados, mas passou aestudar novas formas de contrastardisparidades nacionais e regionais.

6 Discussão dos resultados obtidos

Os dados relativos ao ano 2002, quepode ser considerado como o meiocaminho da meta (se levado em conta o

ponto de partida em 1990), dão aprincipal tônica para os rumos daspolíticas públicas internacionais deuniversalização do acesso à águapotável a ao saneamento: enquanto, porum lado, se tem a notícia de que, com83% de universalização do acesso àágua potável, o mundo caminhava paraatingir a meta do MDG, por outro, haviapouco progresso no quesito saneamentobásico, restando cerca de 2,6 bilhões depessoas (42% da população mundial)carentes de tecnologias melhoradas.42

Outrossim, foi possível observar que

alguns países de baixo PIB obtiveramresultados bastante satisfatórios, como aTanzânia que praticamente dobrou acobertura de água potável (de 38% em1990 para 73% em 2002)43 e o Myanmarque mais que triplicou a cobertura deesgotamento sanitário (de 21% em 1990para 73% em 2002).44

Fato complicador se observa naconsideração do crescimento vegetativoda população mundial e oacompanhamento da necessidade deprover o acesso às pessoas que nascemem lugares e famílias já desprovidas de

tecnologias melhoradas. Aliás, há umarelação direta entre a renda da família eo grau de melhoria no acesso aosserviços de água e esgoto, e tambémuma relação inversa entre a renda dafamília e o número de filhos. Enquantoem 1990 estima-se que havia no mundocerca de 5,3 bilhões de pessoas, já em2012 se tinha mais de 7 bilhões,45 o queamplia o desafio para os países emdesenvolvimento de promover auniversalização sem se esquecer docrescimento natural.

Embora os relatórios recomendem

que não sejam utilizados os dados maisrecentes para se comparar com os dadosde relatórios pretéritos, pelas razões jáabordadas (seção 5), é possível ensaiaruma aproximação, desde que conscientedessas limitações. Há uma dificuldadeextra em se fazer uma comparação entreos resultados obtidos nos diversosrelatórios, porque a cada relatório oleiaute das tabelas variouconsideravelmente, embora nos últimosanos tenha havido uma estabilização emsua estruturação. A Tabela 1 apresentauma tentativa de aproximação entre

esses relatórios, apresentando umasíntese da evolução dos índices deuniversalização mundial do acesso àágua potável e a tecnologias adequadasde esgotos.

Tabela 1 - Evolução da universalizaçãomundial de água e saneamento

Fonte: adaptado de WHO; UNICEF,2004, 2006, 2008, 2010, 2012, 2013,

2014.

Da análise da Tabela 1, é possívelconcluir que as previsões feitas a meiocaminho estavam bem adequadas: a metado MDG para a universalização de água(88% até 2015) foi cumprida; noentanto, a meta estabelecida para auniversalização do saneamento básico(75% até 2015), se respeitada a curvade evolução, não será atingida a tempo.Razões podem ser apontadas para a

discrepância nos resultados. Emprimeiro plano, tem-se que o acesso àágua potável, sob o ponto de vista do serhumano, configura-se como necessidademais imediata do que um despejoadequado de fezes e urina, o que implicamaior interesse político nacional e localna provisão daquela necessidade.46 Adespeito do resultado parcial, trata-sede um mérito para o JMP nessa pesquisaestimativa e na projeção de cenários.Uma discussão mais detida em relaçãoaos resultados alcançados pede umexame mais ponderado de alguns

aspectos.Primeiramente, uma análise regional

permite observar que, desde o início dasérie histórica, três regiõesapresentavam maiores problemas e,portanto, maiores desafios: a ÁfricaSubsaariana (excluídos os paísesafricanos que são banhados pelo MarMediterrâneo), o sul da Ásia (que vai doIrã até Bangladesh, incluindo a Índia), ea Oceania (da qual é excluída aAustrália). O sul da Ásia tem especialimpacto negativo nos resultados para acobertura de tecnologias de esgotos

“melhoradas”, já que atinge a meta doMDG para a água. Mas as principaispreocupações recaem na ÁfricaSubsaariana, que é a região queconcentra ainda alto índice de acesso afontes de água “não melhoradas”;47 doisquintos das pessoas que não possuemacesso a fontes de água “melhorada” nomundo estão nessa região, enquantooutros dois quintos estão na Ásia.48 Jáem relação aos resultados de acesso atecnologias “melhoradas” de esgoto, osul da Ásia é o principal responsávelpelo déficit ainda existente.49 É curioso

observar que em ambos os casos, asduas regiões apresentaram excelentesresultados na ampliação da cobertura —exceto a África Subsaariana em matériade tecnologias “melhoradas” de esgotos—, mas o impacto desses resultadospara o atingimento da meta do MDG nãofoi suficiente.

Em segundo lugar, um exame maisdetido pode ser feito em relação aospaíses mais populosos do mundo, Chinae Índia. Esses dois países, aliás,passaram a ter maior atenção nosúltimos relatórios, já que o crescimento

demográfico conferia um desafioextraordinário, sem prejuízo do baixoíndice no ponto de partida. O que épossível verificar é que tais paísesapresentaram os principais progressosem termos absolutos no mundo — emtecnologias “melhoradas” de água, aChina ampliou o acesso para 488milhões de pessoas, e a Índia para 534milhões; já em matéria de esgotos, aChina conferiu acesso a 623 milhões depessoas, e a Índia a 291 milhões.50

Entretanto, ainda são os países quepossuem o maior déficit a ser

recuperado de situações “nãomelhoradas”: China e Índia aindapossuem, em média, cerca de 100milhões de pessoas sem acesso atecnologias melhoradas de água; emesgotos, a Índia ainda possui um déficitde 792 milhões de pessoas, enquanto aChina desatende a 478 milhões; maispreocupante, a Índia lideradisparadamente a defecação “a céuaberto”, com 597 milhões de pessoasnessa condição, respondendo a cerca de60% de pessoas nessa condição.51 Nessesentido, pode-se afirmar que a Índia foi

a principal responsável pelo péssimoresultado do sul da Ásia no cumprimentoda meta do MDG para saneamentobásico. Fatores culturais podeminfluenciar na consideração dosaneamento como um tabu oupreconceito para quem venha a fornecertais serviços à população.52

Uma terceira perspectiva se obtém doexame das disparidades urbano-rurais. Ébastante clara a dedicação dos esforçospara as zonas urbanas em detrimento daszonas rurais como uma tendênciamundial. Cerca de 70% da cobertura de

tecnologias “melhoradas” foi através deágua encanada, sendo que mais de 70%das pessoas que tiveram acesso a essatecnologia são da região urbana; nasregiões rurais outras tecnologias“melhoradas” de água tiveram o mesmoimpacto que a água encanada; 70% daspessoas no mundo sem tecnologia deesgoto “melhorada” vivem na zona rural;aliás, 90% das pessoas que praticamdefecação “a céu aberto” são da zonarural.53 Algumas justificativas podem serapontadas para esses resultados.Primeiramente, questões demográficas e

sanitárias sugerem a preferência para aszonas urbanas e a concentração deesforços nessas áreas em detrimento dasrurais, já que é a zona que sofre maiorcrescimento demográfico, inclusive porconta do êxodo rural, e onde há o maioradensamento de seres humanos,apresentando maiores riscos de contágiode doenças. Em segundo lugar, há umforte fator político envolvido napreferência das zonas urbanas às zonasrurais, já que, havendo o maior númerode pessoas, a dedicação de políticasàquelas zonas é indicador de mais votos

e manutenção das posições de poder.Uma terceira questão merece atenção,que diz respeito à adequação dastecnologias à realidade e cultura rurais,sugerindo-se que a implantação de ummodelo tipicamente urbano à situaçãorural de muitos países pode ser ineficaz.

Um último dado relevante que mereceser destacado é que, se observado emtermos absolutos, a ampliação do acessoaos serviços de esgotos está muitopróxima do de fontes hídricas, haja vistaque, de 1990 a 2000, houve a ampliaçãode acesso de saneamento para 800

milhões de pessoas contra 1,1 bilhão emágua; já em 2000 a 2010, 900 milhõescontra cerca de 1 bilhão.Comparativamente entre as décadas,também não se vislumbra grandes saltos,sendo bem próximos os resultadosdecenais. O Gráfico 4 apresentavisualmente essa evolução.

Tendo em vista que a defasagempercentual do índice de cobertura deesgoto apresentava-se muito mais aquémdo que o de água, o crescimentoparitário das evoluções de coberturapossibilita a mesma conclusão geral, de

que a meta para água foi cumprida comsatisfação, enquanto a de esgoto não.Vê-se que a progressão que foi adotadaglobalmente em ambas as coberturas nãoé exponencial em razão da necessidadeconstatada, mas possui uma limitação nocrescimento vegetativo que confere certaparidade na evolução. Pode ser que hajaalgo de significativo nesses resultados,que sugere a impraticabilidade da metado MDG estipulada para o saneamento.

Gráfico 4 - Evolução do atendimento detecnologias “melhoradas”

Fonte: adaptado de WHO; UNICEF,2004, 2006, 2008, 2010, 2012, 2013,

2014.

7 Conclusão

Um exame rápido do Gráfico 4permite inferir, ademais, que oprogresso das metas de cobertura detecnologias de água e de esgoto“melhoradas”, desde 1990 até 2012, foi

proporcionalmente constante, sugerindo,assim, que não houve impactos decrescimento causados pelas váriasinvestidas internacionais. Tal conclusãovai de encontro à hipótese inicial desteestudo. No entanto, duas questões podemser apontadas como possíveis respostascríticas a essa conclusão.Primeiramente, pode-se justificar aausência de mudanças na evolução dascoberturas de água e esgoto porque osesforços no âmbito do DireitoInternacional já estavam ocorrendodesde 1980, razão pela qual as metas do

MDG e os programas sucessivossomente deram continuidade ao espíritodaquela época.

Contudo, uma segunda crítica pareceser mais pertinente. Parece que oproblema de se concluir que não houveavanços a partir dos relatórios estájustamente em considerar os relatórioscomo dados precisos. Acontece que osrelatórios do JMP não têm a pretensãode identificar se houve ou não umesforço maior da comunidadeinternacional para a universalização doacesso à água segura e potável e a

esgotos sanitários higiênicos, massimplesmente de apresentar ocumprimento das metas do MDG. Emtermos mais técnicos, uma revisão dametodologia adotada (cf. seção 5)denuncia que a técnica utilizada, qualseja, a das linhas de regressão, porqueadotada a fórmula linear, e não atravésde curvas de tendência a cada intervalode dados disponíveis, exclui apossibilidade de exame de eventuaisavanços consideráveis realizados naúltima década.

Nada obstante, embora declarações

da Assembleia Geral da ONU como aDécada Internacional para Ação “Águapara Vida” (2005-2015), aprovada pelaResolução nº 58/217,54 e a do direitohumano de acesso à água segura epotável e ao saneamento adequado(2010), na Resolução nº 64/292,55

possam não ter surtido impactossignificativos na evolução dos índicesde universalização, não se pode deixarde reconhecer os expressivos avançosrealizados nos últimos 20 anos. Asorganizações internacionais, em especialas normativas da ONU, os relatórios do

JMP, e os financiamentos da WHO, doUnicef e do Banco Mundial, têmexercido um papel fundamental napromoção dos direitos humanos.

Assim, o Direito Internacional,especificamente no âmbito documprimento de políticas públicas deacesso à água potável e ao saneamentobásico, a despeito do caráter de softlaw, é capaz de promover, conquantoatravés de mecanismos que sesobrepõem, efetividade a políticaspúblicas aprovadas pelos seusnormativos, desde que observado que

buscar essa efetividade demanda aexistência de um complexo institucionaljurídico — desde normas internacionaisque forneçam padrões consensuaismínimos a um jogo diversificado deorganizações nacionais e internacionaispara finalidades diversas (normatização,financiamento, pesquisas e censos,diagnóstico e benchmarking,executivos, educativos etc.)

Referências

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_______; _______. _______: 2013update. New York: Unicef, 2013.Disponível em:<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/JMPreport2013.pdf>.

Acesso em: 19 ago. 2014.

1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federaldo Ceará (PPGD/UFC). Mestre e Bacharel emDireito pela Universidade Federal do Ceará(UFC). Analista de Regulação da AgênciaReguladora de Serviços Públicos Delegados doEstado do Ceará (ARCE).

2 WORLD HEALTH ORGANIZATION(WHO); UNITED NATIONS CHILDREN’SFUND (UNICEF). Progress on drinkingwater and sanitation: special focus onsanitation. New York: Unicef, 2008. Disponívelem:<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/1251794333-JMP_08_en.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2014, p.2.

3 WORLD HEALTH ORGANIZATION(WHO); UNITED NATIONS CHILDREN’S

FUND (UNICEF). Global water supply andsanitation assessment 2000 report. NewYork: Unicef, 2000. Disponível em:<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/1198254475-JMP_00.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2014, p. v.

4 UNITED NATIONS. General Assembly.A/RES/45/181. International Drinking WaterSupply and Sanitation Decade. New York: UN,21 dec. 1990. Disponível em:<http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/45/181>. Acesso em: 19 ago.2014.

5 WATER SUPPLY & SANITATIONCOLLABORATIVE COUNCIL (WSSCC).About us / Our past, present and future. 5may 2013. Disponível em:<http://www.wsscc.org/about-us/past-present-future>. Acesso em: 19 ago. 2014.

6 WATER SUPPLY & SANITATIONCOLLABORATIVE COUNCIL (WSSCC).Vision 21: a shared vision for Hygiene,

Sanitation and Water Supply and a frameworkfor action. Geneva: WSSCC, 2000. Disponívelem:<http://www.wsscc.org/sites/default/files/publications/wsscc_vision_21_shared_vision_and_framework_for_action_2000.pdf>.Acesso em: 19 ago. 2014, p. 35.

7 UNITED NATIONS. General Assembly.A/RES/55/2. United Nations MilleniumDeclaration. New York: UN, 18 sep. 2000.Disponível em:<http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/55/2>. Acesso em: 19 ago.2014.

8 WHO; UNICEF, 2000, p. vii.9 WORLD HEALTH ORGANIZATION

(WHO); UNITED NATIONS CHILDREN’SFUND (UNICEF). Meeting de MDGdrinking water and sanitation target: theurban and rural challenge of the decade. NewYork: Unicef, 2006. Disponível em:<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/1198239354-JMP_06.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2014, p. 24.

10 WHO; UNICEF, 2000, p. 4.11 WORLD HEALTH ORGANIZATION

(WHO); UNITED NATIONS CHILDREN’SFUND (UNICEF). Meeting de MDGdrinking water and sanitation target: a mid-term assessment of progress. New York:Unicef, 2004. Disponível em:<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/1198252607-JMP_04_en.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2014, p.26.

12 WHO; UNICEF, 2004, p. 5.13 WHO; UNICEF, 2008, p. 39.14 WHO; UNICEF, 2008, p. 39.15 WORLD HEALTH ORGANIZATION

(WHO); UNITED NATIONS CHILDREN’SFUND (UNICEF). Progress on drinkingwater and sanitation: 2014 update. NewYork: Unicef, 2014. Disponível em:<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/JMP_report_2014_webEng.pdf>.Acesso em: 19 ago. 2014, p. 34.

16 WHO; UNICEF, 2008, p. 31.

17 WHO; UNICEF, 2008, p. 39.18 WHO; UNICEF, 2008, p. 15.19 WHO; UNICEF, 2008, p. 14.20 WORLD HEALTH ORGANIZATION

(WHO); UNITED NATIONS CHILDREN’SFUND (UNICEF). Progress on sanitationand drinking-water: 2010 update. New York:Unicef, 2010. Disponível em:<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/1278061137-JMP_report_2010_en.pdf>. Acesso em: 19ago. 2014, p. 24.

21 WHO; UNICEF, 2008, p. 38; 2010, p. 35.22 WHO; UNICEF, 2010, p. 35.23 WHO; UNICEF, 2008, p. 38.24 WHO; UNICEF, 2014, p. 41.25 WHO; UNICEF, 2008, p. 38.26 WORLD HEALTH ORGANIZATION

(WHO); UNITED NATIONS CHILDREN’SFUND (UNICEF). Progress on drinkingwater and sanitation: 2012 update. NewYork: Unicef, 2012. Disponível em:

<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/JMP-report-2012-en.pdf>. Acesso em: 19 ago.2014, p. 33; Progress on sanitation anddrinking-water: 2013 update. New York:Unicef, 2013. Disponível em:<http://www.wssinfo.org/fileadmin/user_upload/resources/JMPreport2013.pdf>.Acesso em: 19 ago. 2014, p. 12; 2014, p. 40.

27 WHO; UNICEF, 2012, p. 34; 2013, p. 12;2014, p. 40-41.

28 WHO; UNICEF, 2008, p. 3.29 WHO; UNICEF, 2008, p. 6.30 WHO; UNICEF, 2008, p. 22; 2010, p. 13.31 WHO; UNICEF, 2012, p. 5; 2013, p. 13;

2014, p. 40.32 WHO; UNICEF, 2012, p. 5.33 WHO; UNICEF, 2008, p. 35.34 WHO; UNICEF, 2008, p. 37.35 WHO; UNICEF, 2008, p. 18; 2010, p. 22;

2012, p. 19-21; 2013, p. 6; 2014, p. 11-12.36 WHO; UNICEF, 2013, p. 10.37 WHO; UNICEF, 2008, p. 14; 2010, p. 23;

2012, p. 21.38 WHO; UNICEF, 2008, p. 7 e 23; 2010, p.

12-13.39 WHO; UNICEF, 2010, p. 54-55; 2012, p.

56-57; 2013, p. 36-37; 2014, p. 4, 9 e 66-67.40 WHO; UNICEF, 2014, p. 24-25.41 WHO; UNICEF, 2014, p. 23.42 WHO; UNICEF, 2004, p. 6.43 WHO; UNICEF, 2004, p. 11.44 WHO; UNICEF, 2004, p. 17.45 WHO; UNICEF, 2014, p. 64.46 WHO; UNICEF, 2000, p. 29.47 WHO; UNICEF, 2014, p. 2.48 WHO; UNICEF, 2014, p. 6.49 WHO; UNICEF, 2014, p. 9.50 WHO; UNICEF, 2014, p. 6 e 10.51 WHO; UNICEF, 2014, p. 6, 9 e 12.52 WHO; UNICEF, 2000, p. 29.53 WHO; UNICEF, 2014, p. 16-17.54 UNITED NATIONS. General Assembly.

A/RES/58/217. International Decade for

Action, “Water for Life”, 2005-2015. NewYork: UN, 23 dec. 2003. Disponível em:<http://www.un.org/es/comun/docs/?symbol=A/RES/58/217&lang=E>. Acesso em:19 ago. 2014.

55 UNITED NATIONS. General Assembly.A/RES/64/292. The human right to water andsanitation. New York: UN, 28 july 2010.Disponível em:<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/64/292>. Acesso em: 19 ago.2014.

GESTAÇÃO DESUBSTITUIÇÃO:

MERCADORIA GLOBAL?

Ana Carolina Lessa Dantas1

Márcia Correia Chagas2

Introdução

Não são poucos os trabalhosdesenvolvidos, ao longo dos últimosanos, acerca da globalização e de seusimpactos na maneira de produzir,

consumir e se relacionar da sociedade.Cada vez mais, tem-se a impressão deque os limites humanos não só cruzaramfronteiras, mas reduziram-nas asformalidades, no mais das vezes,inconvenientes.

Dentro deste contexto, não é difícilimaginar que o direito local tem, emdiversas situações, perdido espaço ecoercibilidade, ficando, frequentemente,à margem dos processos sociais que sedesenvolvem dentro e fora de seu país.

Essa nova configuração jurídica esocial já é um lugar comum em

praticamente todas as áreas da vidahumana, e com a reprodução não seriadiferente. A partir do surgimento epopularização das técnicas dereprodução assistida (TRAs ouTRHAs), em meados do século XX, osavanços tecnológicos têm assumidoposição de destaque na maneira com quehomens e mulheres planejam sua prole esuas famílias. Desde então, surgiu aoDireito o desafio de pensar a respeitodessas práticas, bem como deregulamentá-las.

A tarefa, porém, não é fácil. Se, por

um lado, as tecnologias estãoconstantemente se renovando ereinventado per si, seu espaço físico deabrangência também tem se tornado cadavez maior, chegando a constituir umfenômeno singular: o turismoreprodutivo.

Dentro de um fenômeno tão amplo,porém, faz-se necessário se debruçarsobre um tema específico - dos maispolêmicos e contraditórios -, qual seja,a gestação de substituição, em especialno que se refere à sua modalidaderemunerada, e as suas atuais

configurações do mercado global.Partindo destas considerações, o

presente trabalho, realizado por meio doPrograma Institucional de Bolsas deIniciação Científica (PIBIC), daFundação Cearense de Apoio aoDesenvolvimento Científico eTecnológico (Funcap), com a orientaçãoda Profa. Dra. Márcia Correia Chagas,visa tratar da sub-rogação de útero emuma perspectiva globalizada e integradaao fenômeno do turismo reprodutivo. Emum primeiro momento, elaborar-se-á umpanorama geral acerca do turismo

reprodutivo e seu desenvolvimento; emseguida, enfocar-se-á a temática dagestação de substituição em seusaspectos conceituais, legais e,evidentemente, no que se refere àstransações internacionais que aperpassam. Por fim, expor-se-ãoalgumas considerações a respeito dastemáticas abordadas, procurando-sechegar a um denominador final.

1 Turismo reprodutivo

Ao longo dos últimos anos, em funçãodo barateamento e desenvolvimento dos

meios de transportes, da evolução dastecnologias médicas e do maior acesso ainformações a nível mundial, observou-se o surgimento de novas modalidadesde tratamentos de saúde. Entre elas, vemse destacando, cada vez mais, umacategoria denominada pelo meioacadêmico como “cuidadosreprodutivos transfronteiriços”3, epopularmente chamada de “turismoreprodutivo” ou “exílio reprodutivo”.

Sinteticamente, os cuidadosreprodutivos transfronteiriços (CRTs)consistem em um fenômeno migratório

temporário que tem como motivaçãobasilar a busca por tratamentos médicosde fertilização e reprodução. Ainda queesse tipo de processo pareça obscuro epouco abordado pela mídia, suapresença é notória quando algunsnúmeros são colocados na balança. Em2010, por exemplo, 5% de todas TRHAsda Europa estavam relacionados a essetipo de migração4, enquanto em 2012,nos Estados Unidos, 4% dos tratamentosreprodutivos foram oferecidos a não-americanos5.

Os serviços contemplados são os

mais diversos e vão desde simplesfertilizações in vitro até doações deóvulos, perpassando seleções decaracterísticas genéticas e outraspráticas polêmicas. Os países-destinotampouco ficam atrás em variabilidade,sendo as principais “atrações turísticas”Tailândia, Índia e Coréia do Sul, naÁsia; Bélgica, Espanha, RepúblicaTcheca e Chipre, na Europa; África doSul, no continente africano; Jordânia eIsrael, no Oriente Médio; e EstadosUnidos, na América do Norte6.

Muitas são as razões que, atualmente,

levam indivíduos solteiros e casais asair de seus países ou estados de origema fim de buscar tratamentos reprodutivosno exterior. Entre eles, pode-se citar, emprimeiro lugar, a procura por serviçosde melhor qualidade; não raro,indivíduos que já passaram portentativas frustradas de fertilização emseus países migram em busca de novastécnicas ou de tratamentos com médicosrenomados.

A celeridade dos processos também éum fator de forte influência. Em paísescujos tratamentos reprodutivos são

oferecidos gratuitamente ou subsidiadospelo Estado, bem como naqueles quedeterminam políticas de não-anonimatoou não-remuneração a doadores degametas – e, portanto, nos quais a ofertade óvulos e espermatozoides é menor -,observam-se tendências migratóriasmotivadas pela busca de serviços maisrápidos. Em 2010, por exemplo, 80%das emigrações canadenses por CRTsapresentaram essa motivação7; nomesmo ano, em algumas regiões daInglaterra, o tempo de espera para aobtenção de um óvulo doado poderia

chegar a 2 anos8.Outro aspecto determinante para as

viagens de cuidado transfronteiriço é acompetitividade mercadológica. Em umaesfera em que circulam quantias tãoelevadas como a dos tratamentosreprodutivos, a oferta de serviços abaixo custo é, certamente, um atrativoirrecusável. Frequentemente, os paísesem que as TRHAs atingem os menoresvalores são, também, locais em que aqualidade de vida geral da população éreduzida. Em 2009, a título de exemplo,enquanto um ciclo completo de

fertilização in vitro custava entre 10 e15 mil dólares nos Estados Unidos, omesmo serviço, na Índia, seria custeadopor 690 a 1.800 dólares9.

Por fim, faz-se necessário mencionaraquele que, provavelmente, ocupa oposto de fator motivacional maisimportante para o turismo reprodutivo: apossibilidade jurídica de acesso adeterminadas técnicas. Tambémchamada de turismo fraudulento10, estamodalidade de CRTs tem como objetivorealizar, no país-destino, procedimentosreprodutivos não permitidos pelo

sistema legal do país-origem. Asrestrições legais podem recair sobre aspráticas em si ou sobre os sujeitos quedesejam se submeter a elas. Na Espanha,por exemplo, práticas como a sub-rogação de útero e a cessão de gametas,em suas qualidades remuneradas, sãovedadas, mas indivíduos solteiros ecasais homoafetivos têm direito a buscartodos os demais serviços disponíveis;ao mesmo tempo, na Índia, tais práticassão permitida, mas apenas casaisheterossexuais em matrimônio ou uniãoestável podem se submetes às técnicas

de reprodução humana assistida comoum todo.

Ademais, aspectos como ainfraestrutura turística do país-destino, adispensabilidade de visto, a facilidadede comunicação em função de idiomacomum e a busca por conforto eprivacidade fora do país-origem tambéminfluenciam, em menor grau, a decisãofinal de se utilizar do turismoreprodutivo como forma de efetivaçãodo planejamento familiar.

Isto posto, e ainda que o turismoreprodutivo venha, de fato, expandindo

as possibilidades de realização parentalpara um imenso número de pessoas, nãoé difícil prever que muitas críticasnegativas estejam sendo levantadas emrelação ao fenômeno.

Em primeiro lugar, faz-se misterquestionar qual parcela da populaçãomundial tem real acesso aos serviçosdisponibilizados de modotransfronteiriço. Uma vez quepraticamente todas as técnicas dereprodução assistida envolvem umasérie de cuidados e procedimentosmédicos de médio e alto nível de

complexidade, tais práticas apresentamcustos proibitivos para a esmagadoramaioria dos indivíduos. Mesmo empaíses cujos custos por procedimentoestão abaixo da média, existem despesasadicionais que precisam serconsideradas, como transporte,hospedagem e demais serviçosrelacionados a estadias em paísesestrangeiros, estadias estas que,dependendo dos objetivos intentadoscom os CRTs, podem durar de duassemanas a três meses11.

No que se refere à possibilidade de

acesso, também é preciso considerarque, uma vez que o turismo reprodutivotem se comportado como um mercadointernacional, a demanda pordeterminados serviços tende a elevar oseu preço. Em função disso,procedimentos que, no passado,poderiam ser mais acessíveis àpopulação local, tornam-sedemasiadamente caros para seremcusteados. Em contrapartida a essa tese,porém, alguns autores afirmam quemaiores oportunidades de emprego e degeração de renda através de venda de

gametas e de gestação de substituiçãosão geradas nos países-destino maisprocurados12.

Para muitos, contudo, o carátermercadológico dos CRTs, por si só, éum problema. De acordo com Whittakere Speier13, o turismo reprodutivo temtransformado os tratamentosreprodutivos em commodities, isto é, emmercadorias fungíveis e desprovidas dequalidades pessoais, as quais podem sercomercializadas a nível global. Issoexclui do âmbito de reflexão todos osfatores humanos envolvidos no

processo, sejam eles os indivíduos quedepositam suas esperanças emtratamentos no exterior e, via de regra,encontram-se em uma situação defragilidade, sejam aqueles quecomercializam seus gametas ouoferecem serviços de gestação desubstituição e, muitas vezes, prestam-sea essa função devido a umavulnerabilidade econômica.

Ademais de subjugar e expor osindivíduos relacionados aos tratamentos,a relação de compra e vendaestabelecida através desses laços

também reforçaria paradigmashistóricos, como os de classe e raça,criando divisões entre ricos e pobres,ocidentais e não-ocidentais, elite esubalternos e países desenvolvidos enão desenvolvidos, na medida em queaqueles que adquirem um serviço sãocolocados em posição de superioridadeàqueles que o oferecem14.

Na visão de Ferraretti et al.15, essefenômeno é uma consequência de doisproblemas principais:

a sociedade pós-moderna,caracterizada por uma

pluralidade de visões morais ereligiosas, as quais, no que tangeà reprodução, produzem ummosaico de diferentes leismesmo entre países comculturas e valores similares(como a Europa); e um limitadoserviço público de tratamentoscontra a infertilidade, o queacaba por promover umamedicina reprodutiva baseada nosistema privado (traduçãonossa).

O conflito, portanto, não perpassaapenas o campo social ou comercial. Odireito, seja ele global ou local, tambémse vê implicado nas discussões. Se,atualmente, um dos fatores cruciais para

o fomento do turismo reprodutivo é adiferença de legislação entre países, nãobastaria a uniformização de diretivaspara frear o fenômeno?

Sistemas jurídicos e legislações são,em teoria, um reflexo de costumes etradições, bem como de anseios morais,de uma população. Resguardar as leis deum país é também resguardar suaautonomia. Dentro de um mercadoglobalizado, porém, em que indivíduospodem “fugir” do alcance das leis deseu país-origem viajando para um paísvizinho, que espaço ocuparia a

soberania nacional?Correntes teóricas há que defendam

que as migrações fomentadas pelo“turismo fraudulento” são, em verdade,uma concretização do direito deautonomia reprodutiva do indivíduo,direito este que seria subjugado peloEstado através de leis restritivas16. Taiscorrentes também tendem a defender quea diferença de legislação entre países énecessária como uma “válvula desegurança”, que impediria que críticaspolíticas fossem elaboradas às leisvigentes, uma vez que os cidadãos

insatisfeitos (ou, pelo menos, aquelesque podem pagar) poderiam,simplesmente, buscar os tratamentosdesejados em outro lugar17.

A despeito disso, em 1997, períodoem que as discussões acerca do turismoreprodutivo ainda eram extremamenteesparsas, realizou-se, em Oviedo, aConvenção Europeia sobre DireitosHumanos e Biomedicina, a qualproduziu o primeiro documentointernacionalmente vinculante a versarsobre os usos adequados de técnicasbiomédicas. Apesar de não oferecer

diretivas muito específicas e deixar decitar uma série de aspectos importantesrelativos às TRHAs, a Convenção deOviedo, como ficou conhecida, buscoupropagar o princípio de que osinteresses do ser humano vêm antes dosinteresses da ciência ou da sociedade.De acordo com Nikoletta18, taldocumento foi fundamental para garantirque as leis europeias atendessem a umminimum principiológico e procurassemresguardar a dignidade de todos osenvolvidos nos processos reprodutivos.

Infelizmente, na realidade atual, tais

princípios não são zelados em toda partee muitos são os tratamentos que colocamem cheque nossos atuais parâmetrosmorais. A gestação de substituição, semdúvidas, é um deles.

2 Gestação de substituição

Em termos técnicos, a sub-rogação deútero (vulgarmente conhecida no Brasilcomo “barriga de aluguel”) constitui-sena gestação, no útero de uma terceirapessoa, de um filho requerido por umindivíduo ou por um casal. De maneiragenérica, ela pode ser subdividida em

sub-rogação total (gestacional) ouparcial (genética). Na gestaçãosubstituta total, o material genético do(s)embrião(ões) implantado(s) provéminteiramente do casal requerente, isto é,óvulos e espermatozoides do casal sãofecundados em laboratório, através defertilização in vitro (FIV), e implantadosno útero da mãe sub-rogada, quedando-se a esta apenas a função de gestar. Naparcial, por sua vez, uma parcela domaterial genético da criança geradapertence à mãe de substituição, de formaque apenas os espermatozoides

provenham do pai requerente e sejaminjetados na futura gestante.

A primeira adoção oficial de talprática como procedimento médico datade 1985, numa tentativa de superação dainfertilidade feminina decorrente dehisterectomias por indicaçõesoncológicas. Indícios apontam, porém,sua prática informal desde meados dosanos 1950, quando, nos Estados Unidos,casais inférteis pagavam milhares dedólares a prostitutas para que gerassemseus filhos19. Desde então, a questão daremuneração da sub-rogação uterina

caiu nas graças do debate acadêmicoque, até os tempos presentes, nãoconseguiu chegar a um consenso acercado tema.

A legislação brasileira é omissa emrelação ao assunto, de modo que há umaconsiderável ausência jurídica deinstrumentos específicos de regulaçãoda prática. Tem-se, pois, que aregulamentação de maior alcance nestaseara é a Resolução n. 2.013/2013 doConselho Federal de Medicina (CFM),que dispõe sobre técnicas de reproduçãohumana assistida.

No que concerne à gestação desubstituição, o CFM é favorável a suaprática em dois casos: dada a existênciade um problema médico que impeça oucontraindique a gestação na doadoragenética ou em caso de uniãohomoafetiva masculina. É, ademais,completamente vedado o caráterpecuniário da sub-rogação, exigindo-seque a doadora temporária de úteropertença à família de um dos requerentesnum parentesco consanguíneo até oquarto grau e que não ultrapasse a idadelimite de 50 anos.

Apesar dessas normativas nãovincularem senão a parcela médica dapopulação e não terem sido levadas adebate em nenhum outro âmbito dasociedade civil, elas são, em maior oumenor grau, a expressão de umapreocupação ética razoável e condizentecom os valores morais majoritários nopaís. Isso não impede, contudo, quesejam sumariamente desrespeitadas. Emjulho de 2014, por exemplo, em rápidapesquisa feita através do site“SurrogateFinder.com”, o qual agregaofertas de mães substitutas e de

doadoras de óvulos do mundo inteiro,foram encontrados aproximadamente1.150 resultados para o termo “braziliansurrogate” (em inglês, “gestante desubstituição brasileira”).

O caso é bastante distinto da sub-rogação voluntária e suscita um númerodeveras maior de questionamentoséticos. Há, mesmo, quem considere agestação de substituta remunerada comopossuindo uma “natureza anômala”, umavez que, “construindo famílias atravésda lei de mercado, ela rompe adicotomia presumida entre público e

privado, entre produção ereprodução”20. Daí a necessidade demaior investigação a respeito do tema.

3 Gestação remunerada e mercadoglobal

Primeiramente, cabe oquestionamento sobre qual o intuitoprimeiro do pagamento remuneratório dasub-rogação uterina, isto é, o que,especificamente, ele remunera. De umlado, encontra-se uma teoria que afirmaque o pagamento seria destinado aobebê, objeto sine qua non para quitar a

prestação; do outro, a corrente quedefende ser o pagamento referente aoserviço prestado pela gestante – daídecorreria, portanto, a ausência denecessidade de um “produto” concreto,a criança, para que o acordo gestacionalfosse cumprido. Há, ainda, quem assumaa posição de que o pagamento é, emverdade, dirigido ao aluguel do útero damãe substituta, enquadrando, portanto,em uma interpretação extensiva, aprática da sub-rogação uterina no tipodescrito no art. 15 da Lei 9.434/97, quepenaliza a compra e venda de órgãos,

tecidos ou partes do corpo humano. Porfim, coloca-se em discussão se opagamento não seria destinado àrenúncia da mulher geradora de ser mãe,objeto mais abstrato e de difícilcaracterização que os demais21.

Partindo para o campo fático, depara-se com uma desventura bastante objetiva– e, tanto quanto objetiva, complexa –:dá-se que, na esmagadora maioria doscasos, senão em todos, a mãegestacional remunerada é uma mulher decondição social substancialmenteinferior a do(s) requerente(s). O

pagamento envolvido é, portanto, nomais das vezes, determinante. Não éabsurdo presumir, pois, que o acréscimode tal elemento pecuniário no contratode gestação viciaria o consentimento damãe hospedeira, a qual se sujeitaria nãosó à prática em si, mas a cláusulascontratuais mais restritivas de suaautonomia22. O problema, porém, nemsempre assume contornos meramentepessoais, uma vez que atinge cadagestante substituta individualmente, epode acabar criando uma redesistemática de exploração econômica

baseada no serviço das mulhereshospedeiras. Será? O que, a princípio,pode parecer uma dedução esdrúxula eexagerada, torna-se deveras palpávelquando confrontado com a realidade.

Desde 2002, a sub-rogação uterinaremunerada é legal na Índia. Lá, bemcomo em algumas regiões dos EstadosUnidos23, os acordos entre mãegestacional e pais requerentes sãorealizados através de contratosvinculantes. Há cerca de 12 anos,portanto, começaram a brotar no paíscentros de reprodução humana

especializados em gestação desubstituição, que ofereciam o serviçopor até um quinto do valor cobrado nosEstados Unidos e na Europa24. Logo,formou-se uma enorme indústriacentrada no turismo reprodutivo,indústria esta composta não só porcentros e clínicas de reproduçãoassistida, mas também por agências deviagem e seguradoras, que possuempacotes especializados para estrangeirosque viajam à Índia em busca de uma mãegestacional. Em 2008, estimava-se quetal mercado gerasse cerca de 445

milhões de dólares por ano25; em 2012,tal estimativa já girava em torno de 2,3bilhões de dólares anuais26.

Em meio a um boom econômico tãoimpressionante, “todos saem ganhando”,afirmam médicos e diretores clínicosindianos27, afinal, os casais inférteis28

realizam seu projeto parental e as mãessubstitutas recebem seu pagamento – quevaria de 5 a 10 mil dólares, de fato, umasoma bastante alta para mulheres que,quando trabalham, costumam receberentre 300 e 500 dólares por ano.

Mas há alguns problemas nesse

processo que não costumam sermencionados. A começar, tal discursodo “mutualmente benéfico”, na maioriadas vezes, esconde um terceiro (ou“terceiros”) sujeito, interessado; nocaso, não se beneficiam apenas os quelucram diretamente com a intermediaçãoentre casal e gestante, como as clínicas,seguradoras e agências de viagem; oEstado indiano já recebeu – e continuarecebendo – muito dinheiro nesse meiotempo. Não tão surpreendente, talvez, ademora na aprovação de uma legislaçãoregulatória29 das TRHAs no país. Mas

não é, exatamente, neste ponto quereside a resistência à indústria degestação de substituição indiana.

O problema do caso indiano, pois, éseu processo turvo e alheio à esfera dagestante, no qual esta não apenas éprivada de seu direito à informação, mastambém de sua autonomia. Desde omomento da assinatura do contrato –negociado entre a clínica e os paisrequerentes – a mulher hospedeira estarávinculada a uma série de regras dasquais, frequentemente, ela não tomouconhecimento previamente e que a

vincularão durante vários meses. Muitasvezes, sendo a fecundação bem sucedida– o que é bastante comum, dado quemuitas clínicas ultrapassam o limite deinseminação de três embriões, chegandoa implantar até seis de uma vez30 – essamulher passará a viver, enquanto durarsua gravidez, em dormitórios coletivos,gerenciados pelas clínicas que fizeram aintermediação. Os quartos dosdormitórios chegam a abrigar até 10mulheres por vez, as quais são proibidasde manter relações sexuais e só podemreceber visitas de seus familiares aos

domingos. Além disso, lhes é imputada aresponsabilidade por qualquer tipo decomplicação relacionada à gravidez; se,por exemplo, a gestante sofre um abortoespontâneo até o terceiro mês degestação, só lhe serão entregues cercade 6% a 12% do que receberiainicialmente.

Apesar disso e de outros dissaboresmais, como a hostilidade social à qualestarão submetidas em função dospreceitos do hinduísmo (que equipara agestação substituta ao adultério), muitasindianas submetem-se mais de uma vez à

sub-rogação de útero, por ser esta aúnica chance que se lhes apresenta deascensão social.

À revelia dessa avaliação, osdefensores da sub-rogação de úteroremunerada, referindo-se ao casoindiano, clamam que o conflito está, emverdade, na regulação inapropriada, enão no caráter pecuniário em si.Ademais, afirma-se que, ao se suprimirde tal forma a remuneração – sendo aoferta, portanto, drasticamente limitada–, surgiria um mercado clandestino de“venda” de gestantes, muito mais

agressivo e perigoso para osenvolvidos31.

Tal visão, como a dos opositores aopagamento, não é, tampouco, infundada.Os casos reais variam desde as ofertasindividuais e marginais - ainda que não,de todo, desconhecidas (mesmo pelojudiciário) –, praticadas no Brasil32, naInglaterra e em diversos outros países,até redes de comércio clandestino de“barrigas de aluguel” e verdadeirosesquemas de tráfico internacional,sediados, muitas vezes, na China ou naTailândia.

Em 2011, por exemplo, 13 mulheresvietnamitas foram encontradas em umacasa na região de Ramkhamhaeng, naTailândia. Elas estavam sendo mantidasem cativeiro por um grupo de chinesesde Tawain, administradores de um redede tráfico de mulheres para gestação desubstituição ilegal. De acordo com asvítimas, lhes foi prometida umarecompensa de 5,5 mil dólares, mas, aochegar à Tailândia, elas foram presas etiveram seus passaportes apreendidospelos traficantes33. Já Johnson e Li,sobre o serviço realizado na China,

apontam:Casais chineses voam para a

Tailândia, onde a gestação substituta élegal, para doar seus esperma e óvulo.Uma gestante substituta chinesa é levadapara lá, também, e recebe o implante. Ostrês retornam para a China e a gestante éinstalada em um apartamento privadocom uma assistente disponível em tempointegral. Para ter certeza de que ahospedeira não tenha ideias de fugir como feto dos clientes, ela é isolada de suafamília e recebe visitas diárias de umconselheiro psicológico. 34

Tal situação de ilegalidade acrescentaníveis de instabilidade e insegurançamuito maiores ao processo, e não sãoraros os casos em que os paisrequerentes sofrem ameaças, chantagensou outros tipos de golpes35 por parte desupostas gestantes. E vice-versa36.

Frente a isso, legisladores e juristasdo mundo inteiro deparam-se com umgrande, talvez enorme, desafio: comochegar a um equilíbrio e evitar aexploração? Seria legalizar a gestaçãode substituição remunerada a melhorsolução? Se não, como evitar que surja

um mercado clandestino do serviço?

4 Considerações finais

Ainda que os cuidados reprodutivostransfronteiriços sejam um fenômenorelativamente novo, seus efeitos jácomeçam a ser notados, positiva ounegativamente, em diversos países eentre os mais variados grupos humanos.

Dentro deste complexo e diversocosmo – que, como o Cosmos original,só tende a se expandir -, torna-seextremamente difícil prever como e emque velocidade os processos sociais

evoluirão. Sabe-se, porém, que,enquanto os países envolvidos com osCRTs, individualmente ou de maneiracoletiva, não se organizarem no sentidode ajustar suas legislações a fim deresguardar os direitos fundamentais desua população, a “mão invisível domercado” tenderá a suprimi-los.

Se, atualmente, esse já é um fenômenonotável no que tange à gestação desubstituição em países como a Índia ou aTailândia, não dificilmente, a tendênciase disseminará para locais que assim opermitirem.

Neste aspecto, o Brasil tem assumidouma das piores posições possíveis: a deomissão, que, ao contrário do que sepode pensar, também é umposicionamento moral. Embora algunspassos já tenham sido dados, ainda nãohá perspectiva, a curto prazo, depresenciar um avanço da discussãoacerca das técnicas de reproduçãohumana assistida no poder legislativo.Enquanto isso, uma parcela considerávelda população de nosso país ficadesassistida de seus direitos e à mercêde um sistema judiciário moroso e,

muitas vezes, conservador.

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1 Graduanda em Direito pela UniversidadeFederal do Ceará. Bolsista do ProgramaInstitucional de Bolsas de Iniciação Científica(PIBIC), com projeto denominado “AEfetivação dos Princípios Bioéticos Diante doDireito Fundamental ao Planejamento Familiarcomo Livre Decisão do Casal em RelaçãoHomoafetiva Masculina”.

2 Doutora em Direito pela UniversidadeFederal de Pernambuco, UFPE, Brasil. Mestreem Direito (Direito e Desenvolvimento) pelaUniversidade Federal do Ceará, UFC, Brasil.Graduada em Direito pela Universidade deFortaleza – UNIFOR. Professora Adjunta, dosprogramas de graduação e pós-graduação daFaculdade de Direito da Universidade Federal

do Ceará – UFC. Ex-Professora na Graduaçãoem Direito da Universidade de Fortaleza dasdisciplinas: Direito das Famílias e SESEDPrático. Pesquisadora na área de Biodireito,Bioética, Direitos Fundamentais e Relações deGêneros. Desenvolve pesquisas sobre ostemas: “Mulher: Sujeito ou Objeto dosMecanismos de Implementação do DireitoFundamental ao Planejamento Familiar?” e “Aviolência doméstica/familiar e suasrepercussões nos direitos de personalidade”.

3 Tradução livre do inglês “cross-borderreproductive care”.

4 SORENSON, Corinna. ART in theEuropean Union. Euro Observer - The HealthPolicy Bulletin of the European Observatoryon Health Systems and Policies, vol. 8, n. 4,2006

5 NATIONAL CENTER FOR CHRONICDISEASE PREVENTION AND HEALTHPROMOTION. Assisted Reproductive

Technology: fertility clinic success ratesreport, 2012. Disponível em: <http://www.cdc.gov/art/pdf/2012-report/art_2012_clinic_report-full.pdf>.Acesso em: 20 fev. 2015

6 WHITTAKER, Andrea; SPEIER, Amy.“Cycling Overseas”: care, commodification,and stratifiction on cross-border reproductivetravel. Medical Anthropology, v. 4, n. 29,2015.

7 HUGHES, Edward G.; DEJEAN, Deirdre.Cross-border Fertility Services in NorthAmerica: a survey of Canadian and Americanproviders. Fertility and Sterility, v. 94, n. 1,2010.

8 SODRÉ, Iracema. Grã-Bretanha tem boomde mães com mais de 50 anos. BBC Brasil,2010. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/11/101104_mulheresfiv_is.shtml>.Acesso em: 06 fev. 2014.

9 ETHICS COMMITTEE OF THE

AMERICAN SOCIETY FOR REPRODUCTIVEMEDICINE. Cross-border Reproductive Care:a committee opinion. Fertility and Sterility,v. 100, n. 3, 2013.

10 Tradução livre do inglês “circumventiontourism”.

11 WHITTAKER, Andrea; SPEIER, Amy.Op. cit.

12 ETHICS COMMITTEE OF THEAMERICAN SOCIETY FOR REPRODUCTIVEMEDICINE. Op. cit.

13 WHITTAKER, Andrea; SPEIER, Amy.Op. cit.

14 Idem.15 FERRARETTI et al. Assisted

reproductive technology in Europe, 2009:results generated from European registers byESHRE. Human Reproduction, v. 28, n. 9,2013

16 PENNINGS, Guido. LegalHarmonization and Reproductive Tourism in

Europe. Human Reproduction, v. 19, n. 12,2004.

17 FERRARETTI et al. Op. Cit.18 NIKOLETTA, Pikramenou.

Reproductive Tourism In Europe: legal andethical issues – the case of Sweden andGreece. 2014. 108f. Dissertação (Mestradoem Direitos Humanos e Democratização).Uppsala Universitet, Upsala, 2014.

19 OLIVEIRA, Guilherme Freire Falcão de.Mãe só há uma duas!: o contrato de gestação.Coimbra: Coimbra Editora. 1992.

20 PANDE, Amrita. Transnational comercialsurrogacy in India: gifts for global sisters?.Reproductive Biomedicine Online, v. 23,2011, p. 619, tradução livre.

21 OLIVEIRA, Guilherme Freire Falcão de.Op. Cit.

22 Idem.23 Em função de sua forma federativa,

alguns estados dos Estados Unidos possuem

legislação a respeito da gestação desubstituição, enquanto outros se utilizam deregimes de common law para lidar com oassunto. Esta pode, portanto, ser remunerada ounão. Legalmente, o que define a relaçãojurídica são os locais onde o contrato é feito,onde a mãe gestacional reside e onde a criançanasce. Os estados em que a sub-rogação deútero é pecuniária são Califórnia, Illinois,Arkansas, Florida, Vermont, Massachussetts,Texas e Maryland.

24 SHETTY, Priya. India’s unregulatedsurrogacy industry. The Lancet, v. 380. 2012.

25 SURROGACY a $445 mn business inIndia. India Today, Mumbai, 25 agosto 2008.Disponível em: <http://indiatoday.intoday.in/story/’Surrogacy+a+$445+mn+business+in+India’/1/13810.html>. Acesso em: 19 jul. 2014.

26 SHETTY, Priya. Op. cit.27 Idem.28 Na Índia, as técnicas de reprodução

humana assistida são acessíveis apenas a casaiscujo relacionamento é reconhecido legalmenteno país. Indivíduos solteiros e casaishomoafetivos, portanto, são inaptos ao acessoàs TRHAs.

29 Desde 2002, o país tem percorrido – outentado percorrer – um caminho rumo àregulação das TRHA. Em 2005, o Conselho dePesquisa Médica indiano lançou uma série dediretivas sobre técnicas de reproduçãoassistida, as quais, porém, não vinculam apopulação não-médica. Três anos depois, aSuprema Corte do país emitiu um pedido paraque o Poder Legislativo elaborasse umalegislação específica sobre TRHA, trabalhoiniciado no mesmo ano. Desde 2010, está emtramitação o projeto de lei, “AssistedReproduction Technologies (Regulation) Bill”,que visa atender ao pedido da Suprema Corte,mas que, em função de seu caráter polêmico,ainda está em estágio de discussão e

aprimoramento.30 SHETTY, Priya. Op. cit.31 Idem.32 Em janeiro de 2014, o Supremo Tribunal

de Justiça impediu que o Ministério PúblicoEstadual do Paraná retirasse a guarda de umafilha gerada através de gestação de substituiçãode seu pai biológico. De acordo com o MP, oacordo entre requerente e gestante teriaenvolvido negociações pecuniárias. O ministroLuis Felipe Salomão, porém, levou emconsideração o melhor interesse da criança,que já vivia há 7 meses com os pais afetivos Onúmero do processo é desconhecido emfunção do segredo judicial.

33 WENTZEL, Marina. Polícia liberamulheres grávidas de “fazenda de bebês” naTailândia. BBC Brasil, 2011. Disponível em:<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/02/110225_tailandia_gang_barrigas_mw.shtml>.Acesso em: 02 fev. 2014.

34 JOHNSON, Ian; LI, Cao. China

experiences a booming underground market insurrogate motherhood. New York Times,2014. Disponível em:<http://www.nytimes.com/2014/08/03/world/asia/china-experiences-a-booming-black-market-in-child-surrogacy.html?_r=0>. Acesso em 2 ago.2014. Tradução livre.

35 Vide: SHETTY, Priya. India’s unregulatedsurrogacy industry. The Lancet, v. 380. 2012;JOHNSON, Ian; LI, Cao. China experiences abooming underground market in surrogatemotherhood. New York Times, 2014; e FAKEsurrogate mother Louise Pollard jailed. BBCNews Devon. 16 junho 2014. Disponível em: <http://www.bbc.com/news/uk-england-devon-27868511>. Acesso em: 15 jul. 2014.

36 Em meados de 2014, ganhou extensanotoriedade o caso do bebê Gammy, portadorde Síndrome de Down, abandonado com suagestante tailandesa por uma agência de sub-rogação ilegal na Tailândia. O irmão gêmeo de

Gammy, que nasceu sem complicações, foientregue ao casal de australianos que haviacontratado os serviços de gestação, e queafirma não ter tido conhecimento da existênciado outro rebento. A mãe gestacional afirma terse negado a realizar um abortamento, exigênciada agência que a contratou e que, ao final doprocesso, deixou de pagar U$ 2.431,00 dovalor acordado.

ÁGUA MORRO ABAIXO...QUEM PODE CONTER O

E-COMMERCE?ASPECTOS LEGAIS E

ECONÔMICOS DOCOMÉRCIO

INTERNACIONAL APARTIR DO ADVENTO DE

NOVOS ATORES

Augusto Oliveira da Silva Neto1

Eliade Bezerra Duarte Filho2

Introdução

O comércio internacional é práticaconsolidada há vários séculos e remontaà era das grandes navegações, que foramestimuladas tanto pelos governos doVelho Mundo, ávidos pela expansão deseus mercados e fontes de riquezas,quanto pelo espírito empreendedor eaventureiro do ser humano, que ousou selançar ao mar na procura de novosportos.

Desde então o comércio internacionalde mercadorias se estabeleceu eaperfeiçoou, garantindo aos habitantes

de todas as partes do planeta o acesso abens das mais variadas origens,possibilitando a difusão de novastecnologias e materiais e fazendo surgirgrandes empresas dedicadas a estaatividade, que dominam por largoespaço de tempo a atividade de comprare vender em países distantes.

Este cenário, contudo, vem sofrendomudanças importantes, principalmentenas duas últimas décadas, por conta dodesenvolvimento exponencial de novastecnologias que permitiram o acesso dosindivíduos a ambientes antes restritos às

corporações, tornando possível aeliminação de intermediários nasnegociações e desestruturando as regrasestabelecidas para uma realidade que jáse mostra ultrapassada.

O objetivo deste artigo é fazer umaanálise da evolução da internet comoplataforma de negociação entreindivíduos e empresas localizados empaíses distintos, alargando aspossibilidades de comercialização debens, obrigando as empresas e osgovernos a novas configurações quesejam adequadas para atender a este

novo público que cada dia se revelamaior.

O trabalho tem como método a análiseexploratória da bibliografia e dalegislação disponíveis a respeito docomércio eletrônico, buscandoestabelecer um diálogo entre os estudose as normas existentes para o comérciointernacional em geral, cotejando assituações encontradas e buscando umaaproximação que permita vislumbrar orumo a ser seguido por este nicho aindapouco explorado.

1 Das navegações à internet, umsalto de 500 anos

Muito embora o comércio seja umaprática milenar, a partir das GrandesNavegações dos séculos VX e XVI estaatividade começou a ganhar impulso,ocasionada pela descoberta de novasterras e a colonização das Américas. Jáneste momento alguns institutos doDireito passaram a ter força, como asletras de câmbio, úteis para realizaçãodo pagamento de mercadorias sem otransporte de grandes somas em espécie.

Nos séculos vindouros, com o

advento da Revolução Industrial, houveum fortalecimento do comérciointernacional, principalmente entre ospaíses da Europa Ocidental, como épossível notar nas palavras deHobsbawm3 que se refere ao períodocomo uma era de supremacia dosnegócios, sendo possível identificartodas as características do comérciointernacional.

Com o advento da globalização,novas formas de atividade econômicapassaram a estar disponíveis,aproximando as pessoas e reduzindo as

fronteiras entre as nações, que aliado aorápido desenvolvimento tecnológico,possibilitou a realização de operaçõesde compra e venda diretamente doambiente doméstico, por meio da redemundial de computadores.

Segundo Guerra (2004), estaglobalização se apresenta em momentoshistóricos determinados, definidos peloautor como “ondas globalizantes”,estabelecidas como a expansão doImpério Romano, as grandesnavegações, a segunda guerra mundial eo neoliberalismo da década de 80 do

século passado, que se tornou a quartaonda globalizante, auxiliada em grandeparte pelo desenvolvimento da internet.

Para Giddens, “a globalização podeassim ser definida como a intensificaçãodas relações sociais em escala mundial,que ligam localidades distantes de talmaneira que acontecimentos locais sãomodelados por eventos ocorrendo amuitas milhas de distância e vice-versa”4.

O surgimento da internet e as novasformas de comunicação desafiaram alógica das nações em vários aspectos,

sejam econômicos, culturais oupolíticos, possibilitando o acesso de umnúmero cada vez maior de pessoas àsinformações disponíveis e antes restritasa grupos reduzidos. Mas esta revoluçãoainda necessita de ajustes,principalmente no que diz respeito àconectividade das pessoas a estastecnologias.

2 Expansão do acesso à internet eàs novas tecnologias

A expressão e-commerce pode sertraduzida como comércio eletrônico e é

aquela realizada entre empresas,governos ou pessoas físicas, a partir deuma plataforma eletrônica conectada àrede mundial de computadores,excluindo a utilização de compras portelefone, fax ou troca de e-mails,conforme definição da OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC)5:

[…] e-commerce is the sale orpurchase of goods or servicesconducted over computernetworks by methodsspecifically designed for thepurpose of receiving or placingof orders. Even though goods orservices are ordered

electronically, the payment andthe ultimate delivery of thegoods or services do not have tobe conducted online.An e-commerce transaction canbe between enterprises,households, individuals,governments, and other public orprivate organizations. Includedin these electronic transactionsare orders made over the web,extranet or electronic datainterchange. The type oftransaction made is defined bythe method of placing the order.Normally excluded are ordersmade by telephone calls, fax ormanually typed e-mails.

Segundo a OMC, o e-commerce é uma

ferramenta capaz de alavancar novasoportunidades de negócios no mundointeiro, por sua agilidade e pela reduçãode custos, possibilitando o acesso demais pessoas ao mercado e favorecendoa expansão de empresas, principalmentedas pequenas e médias empresas.

Esta forma de atividade comercialtem sido cada vez mais utilizada emtodos os níveis de negociaçãoprincipalmente pela expansão do acessoà internet, que vem crescendovigorosamente a partir do início doséculo XXI, quando a tecnologia passou

a estar disponível para um número cadavez maior de pessoas ao redor domundo.

Fonte: WTO. E-commerce in developingcountries: opportunities and challengesfor small and medium-sized enterprises

Segundo dados divulgados norelatório anual da União Internacionalde Telecomunicações (ITU)6, que é a

agência das Nações Unidasespecializada em tecnologias dainformação e comunicação, este númeroalcançou no final de 2014 a marca de2,7 bilhões de pessoas em todo omundo. A distribuição deste acessopelas diversas regiões, contudo, aindarevela um número bastante elevado depessoas sem acesso à internet.

Apenas 28% (vinte e oito por cento)das pessoas dos países emdesenvolvimento possuem acesso àinternet, frente aos quase 78% (setenta eoito por cento) daqueles que vivem em

países desenvolvidos, mostrando haverum gap considerável entre as regiões aser preenchido nos próximos anos e umaconsiderável potencialidade deexpansão do mercado para a atividadecomercial com utilização da redemundial de computadores.

Fonte: International Telecommunication

Union (ITU).

O Brasil insere-se neste contexto deforma significativa, uma vez que oacesso à internet também vem seexpandindo no país, e algumas regiõesse aproximam das taxas de paísesdesenvolvidos no quesito inclusãotecnológica, permitindo supor porinferência direta que quanto maior onúmero de usuários da internet, maior onúmero de transações de e-commerce.

Conforme dados do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (IPEA)7

o Brasil possui a seguinte configuração

de distribuição da sua população emtermos de acesso à internet

Fonte: SIPS – IPEA

Estas potencialidades do e-commercesão possíveis de serem percebidas nonúmero de transações comerciaisrealizadas internamente, apuradas pormeio de relatórios de empresasespecializadas de monitoramento daatividade no país, que, ainda que não

mostrem a atividade internacional,servem para demonstrar a adesão dosbrasileiros a este tipo de comércio.

Fonte: E-BIT informação.

Segundo dados da E-bit8, quepromove o acompanhamento destasoperações entre consumidores eempresas nacionais, o número depedidos no primeiro semestre de 2014foi superior a 48 milhões, superando em

35% (trinta e cinco por cento) o númerode pedidos do mesmo período do anoanterior. Ademais, a E-bit categoriza osvendedores de acordo com avaliaçõesdos consumidores, permitindo que hajaum esforço na melhoria dos serviçosprestados.

Não há nas transações comerciaisrealizadas entre pessoas físicasbrasileiras e empresas estrangeiras omesmo tipo de acompanhamento, nãosendo possível verificar os númerosreferentes às transações realizadas namodalidade, mas alguns endereços

especializados possuem avaliação dasempresas anunciantes, tornando atransação menos arriscada.

3 Segurança das transaçõeseletrônicas

Há no mundo endereços eletrônicosdisponíveis que servem de vitrine paraas empresas que lá desejam anunciarseus produtos e para clientes quedesejam comprar, facilitando o ato decompra e permitindo a escolha dosprodutos e do tipo de transporte, alémde categorizar as empresas vendedoras

por sua performance positiva naconclusão das vendas.

Um exemplo deste tipo de endereço éo site e-bay (www.ebay.com), quepermite a escolha de produtos ofertadospor empresas cadastradas em qualquerparte do mundo, a contratação do fretepara entrega no país de escolha docomprador e o pagamento com autilização de cartão de crédito.

Em um país com forte tributação ebaixa concorrência como é o caso doBrasil, os preços de mercadoriasidênticas no exterior revelam-se

economicamente viáveis, chegando, emmuitos casos, a ficar próximos dametade daqueles encontrados no paíspara o mesmo produto. Mas esta escolhanão está completamente segura por nãoser ofertada ao importador a mesmaproteção do comprador doméstico.

Neste sentido, nota-se que as comprasrealizadas por brasileiros no exterior –sejam via internet ou não – estãoinseridas em um contexto que as tornamalvo do Direito Internacional, tantopúblico quanto privado, pois asfronteiras entre ambos são frágeis no

que diz respeito aos seus conceitos equanto ao seu objeto de estudo.

Se por um lado o e-commerce podeser do interesse do DI Público peloaspecto econômico das regulações queenvolvem a soberania dos países,também pode estar dentro da área dealcance do DI Privado, por abordarcasos típicos de seu objeto de estudo,envolvendo particulares sujeitos àlegislação de países diversos.

Para Del’Olmo o DireitoInternacional Privado propõe umdiálogo entre ordenamentos jurídicos de

países diferentes, além de conceituar oobjeto central do seu estudo como “oconflito de leis no espaço, visto esteespaço como de ordenamentos jurídicosdiversos.”9

Já no Direito Internacional Público épossível encontrar um ramo específicode estudo denominado DireitoInternacional Econômico que cuida dastransações internacionais com cunhoeconômico ou financeiro e visaregulamentar juridicamente a circulaçãode riquezas entre os países.10

A própria concepção de DI

Econômico é questionada por autoresque o consideram não apenas um ramoautônomo do DI Público, mas que naverdade contém uma formação mista denormas de DI Público, DI Privado etécnicas financeiras, não permitindo odelineamento exato da fronteira entre oobjeto de estudo do DI Público e do DIPrivado.

Uma transação comercial realizadapor uma empresa estrangeira que vendea uma pessoa física no Brasil comportauma série de etapas que estarão sujeitasàs regras legais do país de origem e do

Brasil, até mesmo a de terceiros países,dependendo do momento em que seencontre a mercadoria importada.

Quando a operação é realizada, umcomprador no Brasil, considerado pelalegislação como vulnerável ouhipossuficiente possui a proteção dalegislação brasileira, maisespecificamente da Lei n° 8.078, de 11de setembro de 1990, o Código deDefesa do Consumidor, mas pode estardesamparado no que diz respeito aosseus direitos frente à legislação do paísde origem da mercadoria adquirida11.

No momento em que este produtoembarca no exterior com destino aoBrasil, encontra-se sob regulamentaçãodo Direito Internacional que cuida doscontratos de transporte marítimo ouaéreo, sujeitando o consumidor, uma vezmais, à legislação internacional quecuida deste tema.

Havendo a passagem da mercadoriapor um terceiro país durante o transporteinternacional estará à relação jurídicainiciada sujeita às normas estabelecidaspor este Estado, e na chegada ao Brasilsofrerá o tratamento dispensado aos

produtos originários do exterior, sendoremetidos inicialmente para locaisespecíficos de triagem e dificultando orecebimento pelo comprador.

Quando uma compra é realizada pelainternet, cujo vendedor é uma empresalocalizada dentro do país, atransportadora escolhida se encarregaráde realizar a entrega diretamente noendereço do comprador, possibilitandoo estabelecimento de prazos commargem de confiança elevado e aproteção em caso de qualquereventualidade.

No caso da compra de consumidordireto no exterior, a mercadoria apóschegar ao país é direcionadaautomaticamente para a cidade deCuritiba, no estado do Paraná,independentemente do local de chegadaao Brasil, por exigência do órgãoaduaneiro nacional, a Secretaria daReceita Federal.

Pela legislação brasileira, todas asimportações devem entrar por um doslocais alfandegados, seja porto,aeroporto ou ponto de fronteira, nãosendo possível a destinação do produto

diretamente do exportador ao endereçodo importador, por questões tributárias ede controle dos bens que entram no paíse que possam ter algum tipo derestrição.

Também os bens adquiridos noexterior, mesmo que da mesma marca,sofrem restrições quanto à assistênciatécnica no Brasil, uma vez que asempresas, em tentativa de forçar aaquisição do produto fabricado no país,se recusam a prestar qualquer tipo deauxílio aos compradores de produtosimportados, obrigando o consumidor

nacional a recorrer à esfera judicialpara garantir o direito de assistênciatécnica, conforme decisão abaixo.

CONSUMIDOR. VÍCIO DOPRODUTO. NOTEBOOKIMPORTADO. PRELIMINARDE ILEGITIMIDADE DASEMPRESAS NACIONAISAFASTADA. SUBSTITUIÇÃODO BEM VICIADO. DANOMORAL EXISTENTE. Têmlegitimidade passiva as empresasque ostentam a marca doproduto adquirido no estrangeiroporquanto elas integram umarede de negócio globalizado,com extensão mundial,auferindo largos lucros namedida em que têm clientes em

decorrência da confiança porestes depositada na marca. Se aempresa nacional beneficia-seda marca do produto viciado,deve, por outro lado, cumprir agaranta contratual, sobretudoporque já havia substituídodeterminadas peças viciadas docomputador importado. Osvícios alegados pelo autor sãoincontroversos ante adocumentação acostada, aausência de contestaçãoespecífica e a substituição nãoimpugnada de algumas peçasviciadas realizada a título degarantia prestada no Brasil. Essecontexto determina asubstituição do bem, nos termos

do art. 18 do CDC. O dano

moral resta caracterizado peladesconsideração ao consumidor,que, além de ficar privado porcerca de quatro meses donotebook período em que esteverecolhido para fins de conserto,se vê frustrado em relação àmarca em que tanto confiava.RECURSO PROVIDO.SENTENÇADESCONSTITUÍDA. (TJRS.Recurso Cível Nº71001339670, Segunda TurmaRecursal Cível, TurmasRecursais, Relator: Maria JoséSchmitt Sant Anna, Julgado em04/07/2007).

Vê-se, pois, que as transaçõescomerciais havidas entre pessoas físicas

brasileiras e empresas estrangeiras coma utilização da internet estão sujeitas aregras de DI Público, de DI Privado,mas que ainda não há expressa previsãona legislação pátria que cuida daproteção do consumidor, tornando aatividade cercada de riscos, apesar dascompensações financeiras.

4 Direito internacional doconsumidor. A quem recorrer?

Se até pouco tempo as relaçõescomerciais internacionais envolviamquase que unicamente os Estados entre

si, e as empresas sediadas nos diversospaíses adquirindo seus insumos e/ourevendendo seus produtosmanufaturados, hoje em dia cada vezmais com a popularização do comércioeletrônico, notadamente em sua vertenteinternacional, um consumidor localizadogeograficamente distante pode comprare vender quase que tanto quanto umaempresa, embora sujeito a restrições decunho alfandegário e tributáriodiferentes, suscitando questões relativasà proteção dos direitos envolvidos, sejano âmbito da relação empresa-

consumidor, ou indivíduos uns com osoutros.

Não é preciso explicitar que asproteções a duras penas conseguidaspara o consumidor nacional, em suasrelações com as empresas no comércioconvencional, ainda não gozam, senãodos mesmos direitos, o que não seriabem verdade, da mesma proteçãoprática, uma vez que nem sempre ocliente insatisfeito pode fazer valer suaqueixa quando solicita, por exemplo, adevolução de um produto, tendo seupedido negado muitas vezes, ou ainda

tendo que arcar com os custos do envio,dirá mesmo quando requisita a troca deum produto por um vício redibitório, ousolicita conserto estando ou não omesmo na garantia.

Esse é o retrato do direito doconsumidor no Brasil, embora sejacediço que os diversos serviços eórgãos de proteção ao consumidor(PROCONs, por exemplo) têmempreendido lutas diárias naconscientização tanto destes comrelação ao exercício dos seus direitos,quanto também em processos

inicialmente conciliatórios, buscando aomáximo a não judicialização dependências que poderiam, de outromodo, ser resolvidas com menorestresse, gasto, esforço e tempodespendidos.

As relações entre consumidores eempresas no âmbito da internet, onde,depois de realizada uma compra, torna-se dificultoso o contato com a empresapara sanar dúvidas, efetuar uma troca ouestorno de uma compra, enfim, tudo oque já não é fácil quando envolve umarelação imediata, pela proximidade

geográfica, pela presença física doconsumidor e da empresa, é muitopiorado pela distância, onde o risco defraudes aumenta consideravelmente.

Mesmo que não chegue a tanto,qualquer litígio envolveránecessariamente questões relacionadasao foro competente para ajuizamento deações, demora e incerteza na resoluçãodo conflito que afeta todo o judiciáriobrasileiro e termina por desestimular oseu acesso pelo consumidor que acaba,na maioria das vezes, permanecendolesado em seu direito sem ter

efetivamente a quem recorrer.Não bastasse esse cenário desolador,

quando envolvemos atores num contextoconsumerista internacional, a coisa nãomuda de figura senão para adquirir umcaráter ainda maior de incerteza, poistraz agora em seu bojo questõesconcernentes ao Direito InternacionalPrivado, quais sejam, onde ajuizar umaação, sob qual diploma legal recorrer,onde executar o direito porventurareconhecido, disciplinas nãouniformizadas no direito internacional,embora haja esforços nesse sentido12.

Nas palavras do professor SidneyGuerra:

O funcionamento e adistribuição da informação nainternet foram programadas paraque se processassem de formailimitada, mas, na medida emque o Estado somente podeexercer jurisdição sobre seuterritório, problemas diversostêm ocorrido em razão destalimitação. Daí a dificuldade deaplicar controles judiciais narede e surge o problema daaplicação de regras.13

Assim, faz bastante sentido a perguntada professora Claudia Lima Marques,

“se o nosso ordenamento jurídico estápreparado para esta internacionalizaçãodas relações de consumo”14, ao que elamesma responde, dando a real dimensãodo problema:

A realidade da maioria dospaíses das Américas é que asleis nacionais de proteção dosconsumidores, de direito civil ede direito comercial, e asnormas gerais raramentepossuem normas especiais dedireito internacional privadopara a tutela efetiva doscontratantes mais fracos, dasvítimas dos acidentes comprodutos e serviços defeituosos,dos turistas, dos que recebem a

publicidade, o marketingagressivo e emocional de nossostempos, enfim, dosconsumidores domiciliados ounacionais destes países. Asnormas nacionais de DireitoInternacional Privado (aquidenominado DIPr.) destes paísesgeralmente é antiga e a únicaatualização veio através dasConferências Interamericanas deDireito Internacional Privado(CIDIPs), organizadas no seio daOEA.15

Com esse tipo de problemática emmente, cabe destacar o modelo europeuonde há um conselho e um parlamento demodo a, entre outras atribuições, tentar

disciplinar no plano supranacional e demaneira uniforme entre seus estadosmembros, as legislações internasreferentes à, por exemplo, proteção aomeio ambiente e à defesa doconsumidor.

No entanto, este modelo é umdesenvolvimento histórico que levouaproximadamente 50 anos para se atingiro estado atual, começando desde acriação da Comunidade Europeia doCarvão e do Aço, em 1951, Tratado deRoma de 1957 que deu origem àComunidade Comum Europeia, em

seguida o Ato Único Europeu de 1987, oTratado da União Europeia de 1992(Tratado de Maastricht), e o Tratado deAmsterdã de 1997, sendo que apenasnos dois últimos foram realmentepositivadas as normas protetivas aosconsumidores.

Isso clarifica uma das “incertezas”que diz respeito à qual legislação usar,embora seja necessário haver um passoalém, de um tribunal ou sistema dejustiça comum ao bloco europeu quejulgue questões de direito doconsumidor envolvendo reclamações de

consumidores e empresas de diferentespaíses-membros.

O MERCOSUL trilha passossemelhantes ao desenvolvido na Europa,muito embora a “padronização” daslegislações de Direito do Consumidor sedê não através de um parlamento dobloco, mas por meio de tratados que sãoposteriormente incorporados aossistemas jurídicos nacionais de cadapaís integrante, muito embora estestenham o caráter mais de recomendaçãodo que regulamentador per si, uma vezque dependem ainda da participação

legislativa interna de cada país.Tão ou mais importante é também o

acesso dos cidadãos de cada país dobloco ao sistema judiciário de outroEstado-membro de maneira igualitária,em condições de ter um reconhecimentojusto de sua demanda frente a umterceiro local. Nesse sentido, destaca-seo Protocolo de Las Leñas, celebrado em1992 na Argentina pelos paísesmembros do MERCOSUL, que, em seuartigo 3º diz: “Os cidadãos e osresidentes permanentes de um dosEstados Partes gozarão, nas mesmas

condições dos cidadãos e residentespermanentes do outro Estado Parte, dolivre acesso à jurisdição desse Estadopara a defesa de seus direitos einteresses”16.

Ainda no contexto internacionaltambém é possível encontrar outrasmedidas que visam a proteção doconsumidor, como a adotada pelaOrganização para a Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE),que na Conferência17 “Empowering E-consumers Strengthening ConsumerProtection in the Internet Economy”,

realizada em 2009, deliberou sobreformas de proteção a serem aplicadasaos consumidores que utilizam ocomércio eletrônico.

As preocupações dos países membrosda OCDE com o crescimento do e-commerce demonstram que este tipo deatividade deve estar calcada naconfiança do consumidor quando realizauma transação comercial a partir dainternet, que deve ter respeitada suasegurança e privacidade de informações,conforme revela no relatório final daconferência.

Given the significant benefits ofe-commerce to the economyand to consumers, it is importantfor governments andstakeholders to work together toensure that the benefits are fullyrealized, which includes findingways to boost consumerconfidence in onlinetransactions. Adequatedisclosure and assured privacyand security are key in thisregard.

A iniciativa contém aspectos doDireito Internacional Econômico e doDireito Internacional Privado no que dizrespeito à regulação internacional deatividades transnacionais, buscando um

arcabouço de políticas capazes de lidarcom esta nova realidade e difundir boaspráticas de comércio que promovam oaumento da confiança dos consumidores.

Tais políticas, segundo a OCDE,devem conter em seu núcleo algunselementos como a adequada divulgaçãode informações, a proteção deconsumidores que compram on-linecontra as práticas desleais efraudulentas, e mecanismos efetivos deresolução de disputas, a fim deincrementar o número de transaçõescomerciais que, apesar de crescentes,

ainda se revelam baixas se comparadasàs compras via internet no mercadointerno dos países.

Neste sentido, pode ser visto que noano de 2008 na União Europeia, 33%(trinta e três por cento) dosconsumidores compraram on-line, masapenas 7% (sete por cento) realizaramtransações internacionais. No mesmoano, 51% (cinquenta e um por cento) dasempresas americanas realizaram vendason-line, mas apenas 21% (vinte e um porcento) fizeram vendas para outrospaíses.

Os consumidores dos países membrosda OCDE enfrentam diversos problemasem suas compras eletrônicas, que vão danão entrega das mercadorias até o usoindevido de dados pessoais, conformeesquematizado no gráfico abaixo.

Fonte: OCDE Empowering E-consumers: strengthening consumerprotection in the internet economy.

Estes mesmos problemas afligem osconsumidores brasileiros que buscam ainternet para realização de suastransações comerciais, com a agravanteque o Brasil não é membro da OCDE –e, portanto, não faz parte das políticasinternacionais de proteção estabelecidaspor aquele organismo internacional parasuas transações – ficando à mercê daprópria sorte quando decidem por estetipo de operação.

5 Tributação e barreiras invisíveis

Para tornar mais grave a situação, o

governo brasileiro, como forma dedificultar as importações realizadas porpessoas físicas, que em tese afetam aindústria nacional e o saldo da balançacomercial com reflexos sobre toda aeconomia, possui uma política derestrições alfandegárias e nãoalfandegárias que tornam a atividadecomercial internacional um verdadeirosuplício para os consumidores.

A legislação nacional que trata dasencomendas vindas do exterior, pormeio de compras realizadas por pessoasfísicas com utilização da internet,

restringe a entrada de produtos ao limitede US$ 3.000,00 (três mil dólaresamericanos), incluído o custo dotransporte, sobre o qual se calculará ovalor do tributo a ser pago com aaplicação de uma alíquota de 60%(sessenta por cento).

Distingue também as encomendas emduas modalidades, a Remessa PostalInternacional (RPI) e a RemessaExpressa (RE)18. No primeiro caso, asmercadorias são transportadas desde oexterior pelas empresas de correios dosrespectivos países, enquanto que, no

segundo caso, por empresasespecializadas no transporte depequenas encomendas, conhecidas comoempresas de courier.

Se a mercadoria adquirida no exteriorfor transportada pela modalidade RPI,ela será destinada a uma das trêsunidades centralizadoras da Alfândegalocalizadas no país, em Curitiba/PR, noAeroporto Internacional deGuarulhos/SP ou no AeroportoInternacional do Rio de Janeiro/RJ; casovenha pela modalidade RE serádirecionada para Curitiba/PR,

Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, Aeroporto Internacional do Rio deJaneiro /RJ ou Aeroporto Internacionalde Viracopos em Campinas/SP.

Desta forma, uma pessoa localizadaem qualquer outra cidade do Brasil, quefaça uma compra no exterior a partir desua internet, verá sua mercadoria serremetida a um destes quatro postos deAlfândega para aguardar a fiscalizaçãode seu conteúdo, a tributação e aliberação para envio para a residênciado encomendante, em um processologístico inapropriado, custoso e

demorado.A quantidade de importações de

brasileiros por meio da internet vemcrescendo em ritmo acelerado nosúltimos anos, havendo informaçõesdivulgadas pela Receita Federal que em2010 o total de importações era de cercade 300 mil encomendas por mês,saltando em 2011 para um milhão deencomendas mensais. Em 2013 estevolume alcançou a marca de 1,7 milhõesde encomendas realizadas por pessoasfísicas a cada mês.

Como o número de importações

realizadas por brasileiros por meio doe-commerce vem batendo recordessucessivos, crescendo cerca de 400%(quatrocentos por cento) nos últimoscinco anos, a Empresa Brasileira deCorreios e Telégrafos19 (EBCT)elaborou uma cartilha de orientação aosconsumidores que realizam este tipo deimportação, a fim de amenizar aspressões dos cidadãos.

6 conclusão

Foi possível perceber ao longo doartigo que a internet se tornou, em curto

espaço de tempo, uma plataforma denegócios robusta, propiciando aalavancagem de negócios edesenvolvimento econômico. Mas aindahá muito que ser feito, tanto em termosde expansão tecnológica, pois a falta deacesso é ainda uma realidade para quasemetade da população mundial, como emtermos de proteção ao consumidor.

Ainda assim, o comércio realizadodentro dos próprios países tem semostrado mais promissor do que orealizado entre pessoas de paísesdiferentes, causado por diversos fatores

como a falta de confiança dosconsumidores e as barreiras impostaspelos países de destino dasmercadorias, como é o caso do Brasil,que se mostra refratário à aberturacomercial que afeta as contas públicas ea própria indústria nacional.

Algumas iniciativas por parte deorganismos internacionais, como aOCDE e a OMC, lançam luz sobre aquestão e demonstram a necessidade deinvestimentos legais, econômicos etecnológicos que permitam aosconsumidores realizarem suas operações

de e-commerce de forma segura, comproteção de suas informações e a certezaque terão amparo legal para eventuaisquebras contratuais.

A necessidade de novas regras dedireito internacional, como seguros maiseficientes, contratos de transportesimplificados, segurança nospagamentos, rastreabilidade dasencomendas, proteção aosconsumidores, tributação justa, sãoalguns dos problemas com que sedeparam os importadores eexportadores, brevemente tratados neste

artigo, e que merecerão atenção cadavez maior de estudiosos, empresários egovernantes em todo o planeta.

Referências

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1 Possui graduação em Estatística pelaUniversidade do Estado do Rio de Janeiro(1991), especialização em Comércio Exterior(MBE) pelo Instituto de Economia daUniversidade Federal do Rio de Janeiro eMestrado em Administração pela UniversidadeFederal do Espírito Santo. Atualmente éAuditor Fiscal da Receita Federal.Bacharelando em Direito pela Faculdade deDireito da UFC.

2 Perito criminal no Departamento dePolícia Federal. Bacharelando em Direito pelaFaculdade de Direito da UFC.

3 Para HOBSBAWM, “Os bancos e o papel-moeda, as letras de câmbio, apólices e ações,as técnicas do comércio ultramarino eatacadista, assim como o marketing, erambastante conhecidos e os homens que os

controlavam ou facilmente aprendiam a fazê-loeram em número abundante”. HOBSBAWM,Eric J. A era das revoluções. Rio de Janeiro:Ed. Paz e Terra, 2002, p. 81.

4 GIDDENS, Anthony. As consequênciasda modernidade. São Paulo: Editora UNESP,1991, p. 60.

5 WTO. E-commerce in developingcountries: Opportunities and challenges forsmall and medium-sized enterprises.Disponível em:<http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/ecom_brochure_e.pdf>.Acesso em: 08 ago. 2014.

6 INTERNATIONALTELECOMMUNICATION UNION - ITU.Measuring the information society.Disponível em: <http://www.itu.int>. Acessoem: 11 ago. 2014.

7 INSTITUTO DE PESQUISAECONÔMICA APLICADA - IPEA. Sistema deIndicadores de Percepção Social: serviços

de telecomunicações. Disponível em:<http://www.ipea.gov.br>. Acesso em: 10 ago.2014.

8 E-BIT. Relatório WebShoppers 2014.Disponível em:<http://img.ebit.com.br/webshoppers/pdf/WebShoppers2014_2oSeme.pdf>.Acesso em: 11 ago. 2014.

9 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Cursode Direito Internacional Privado. Rio deJaneiro: Ed. Forense, 2014, p. 3.

10 MELLO, Celso D. De Albuquerque.Curso de Direito Internacional Público.Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001.

11 NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manualde direito do consumidor: à luz dajurisprudência do STJ, 9.ed. Rio de Janeiro:Editora Juspodivm, 2014

12 Como exemplo, United NationsConvention on the Use of ElectronicCommunications in International Contracts –Convenção das Nações Unidas sobre o Uso de

Comunicações Eletrônicas em ContratosInternacionais, disponível on-line emhttp://www.uncitral.org/pdf/english/texts/electcom/06-57452_Ebook.pdf, publicação das NaçõesUnidas, especificamente da Comissão doDireito do Comércio Internacional.

13 GUERRA, Sidney. A internet e osdesafios para o direito internacional. Revistada Faculdade de Direito de Campos.Disponível em<http://fdc.br/Arquivos/Revista/10/01.pdf>.Acesso em 17 ago. 2014.

14 MARQUES, Claudia Lima. A insuficienteproteção do consumidor nas normas de DireitoInternacional Privado: Da necessidade de umaConvenção Interamericana (CIDIP) sobre a leiaplicável a alguns contratos e relações deconsumo. RT, v. 788, p. 11-56, jun. 2001.Disponível em:<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33001-41354-1-PB.pdf>. Acesso em 17 ago. 2014.

15 Ibidem.16 MERCOSUL. Protocolo de Las Leñas.

Disponível em:<http://www.mercosul.gov.br/normativas/default.asp?Key=364>. Acesso em: 18 ago. 2014.

17 Empowering E-consumers:Strengthening Consumer Protection in theInternet Economy. Disponível em:http://www.oecd.org/ict/econsumerconference/44047583.pdf.Consultado em: 15/08/2014.

18 SECRETARIA DA RECEITA FEDERALDO BRASIL. Manuais aduaneiros. Disponívelem: <http://www.receita.fazenda.gov.br>.Acesso em: 16 ago. 2014.

19 EMPRESA BRASILEIRA DECORREIOS E TELÉGRAFOS. Orientaçõesaos consumidores na importação deprodutos. Disponível em:<http://www.correios.com.br>. Acesso em: 16ago. 2014.

A IMPLEMENTAÇÃO DODESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL E O PAPELDOS ATORES NÃO-

GOVERNAMENTAIS NOCONTEXTO DE

GOVERNANÇA GLOBAL:ENFOQUE NA ATUAÇÃODAS ONGS VERDELUZ E

ENGAJAMUNDO

Fernanda Castelo Branco Araujo1

Beatriz Azevêdo de Araújo2

Introdução

A condição de norma de direitointernacional do desenvolvimentosustentável, apesar de ser permeada poropiniões divergentes quanto ao seuconteúdo, é amplamente defendida noâmbito do Direito Internacional do MeioAmbiente, tanto pela base normativa emque se sustenta, formada pelasdeclarações e convenções decorrentesdas grandes conferências internacionais

de meio ambiente3, como pelajurisprudência internacional4. Oconceito, em geral, é visto comoprincípio complexo, composto porvários outros mais específicos e, ainda,como afirma Varella5, por regrasimplícitas.

A juridicização do conceito dedesenvolvimento sustentável, por si só,não é capaz de realizá-lo no planoconcreto. A emergência da noção deeconomia verde6, impulsionada nosúltimos anos, a seu turno, emboracarregue o lema de objetivar a

metodologia de implantação desteobjetivo da sociedade contemporânea,tem avançado na seara pragmáticaapenas no que concerne a ações comgarantida e imediata viabilidadeeconômica.

Assim, pode-se afirmar que o maiorproblema relacionado aodesenvolvimento sustentável dizrespeito à sua (não) correspondênciacom a realidade. Podem ser elencadoscomo obstáculos comumente presentes:a insuficiência de meios definanciamento e a resistência de alguns

grupos sociais (que pode serrepresentada até mesmo pela existênciade intenções “de fachada” entre ospróprios mentores das leis).7

Ante esse déficit de efetivação dodesenvolvimento sustentável, torna-serelevante o conceito de governançaglobal. Segundo Barros-Platiau, a idéiade governança no âmbito dodesenvolvimento do direito intenacionalambiental pode ser analisada sob duascorrentes: a primeira relaciona-a à ideiade patrimônio comum da humanidade,que encara o meio ambiente como

pertencente à humanidade, que devepreservá-lo às presentes e futurasgerações; a segunda, em sentido oposto,afirma que, devido à fragmentação dopoder e das fontes reguladoras globais,os Estados tornam-se incapazes degerenciar de modo mais aprofundado odireito internacional, motivo pelo qualganha importância a influência dosatores não-governamentais8.

Para compreender como o conceito degovernança se encaixa no contexto deimplementação do desenvolvimentosustentável, alguns indicadores se

mostram bastante úteis. Três deles sãoos de Governança Ambiental Global(Participação em Tratados), GovernançaAmbiental Doméstica e Boa Governança(Percepção da Corrupção)9, os quaistêm sido considerados como fatores quecontribuem para a compreensão do queleva países a implementarem ações deadaptação às mudanças climáticas, porexemplo. É importante perceber arelação que existe entre esses índices degovernança e o nível de implementaçãode ações adaptativas nos diferentesEstados, conforme será abordado

posteriormente.Na análise da relação entre o conceito

de boa governança e a efetivaimplementação do conceito dedesenvolvimento sustentável, ganharelevo a atuação de entes não-estatais.Por conhecerem profundamente arealidade local e regional onde seestabelecem, bem como pela articulaçãopolítico-social que conseguem alcançar,eles têm obtido grandes avanços naimplementação desse conceito holístico.

Dado o contexto da governança noBrasil e mediante apresentação da teoria

do desenvolvimento sustentável aliada àdemonstração de casos práticos, opresente trabalho busca analisar de queforma esses atores têm contribuido paraa concretização da sustentabilidade.

Foram selecionadas duas convençõesdas Nações Unidas e duas organizaçõesda sociedade civil no presente estudo decaso, assim como dois âmbitos deanálise: o internacional e o local. Noâmbito internacional, dá-se a concepçãode diretrizes para a implementação deáreas específicas do desenvolvimentosustentável (como mudanças climáticas

e desertificação), implementação estaque ocorre no âmbito local.

Dessa forma, as organizações desociedade civil Verdeluz eEngajamundo, ambas voltadas para opúblico jovem, serão analisadas quantoà sua influência na tomada eimplementação das decisões realizadasno âmbito das Convenções de MudançasClimáticas (UNFCCC) e de Combate àDesertificação das Nações Unidas(UNCCD), que compreendem umaparcela dos aspectos internacional elocal do desenvolvimento sustentável.

1 A efetividade do DesenvolimentoSustentável no Direito internacionaldo meio ambiente e o contexto degovernança global

Para Leff10, a situação de ausência demudanças sociais efetivas no trato dasquestões ambientais revela que oprocesso de conscientização ecológicanão foi suficiente para gerar umatransformação sensível na sociedade,haja vista que os pontos de vistaformados, ou são demasiadoespecíficos, que não ultrapassam umarealidade limitada, ou são

homogeneizados ao ponto de seremconsiderados por demais distantes docampo de atuação de cada um.

A existência de tais dificuldadesevidencia uma característica dasociedade contemporânea decorrente daglobalização11 iniciada com oneoliberalismo econômico, que seconfigurou ao final da década de 1980: ainabilidade de os Estados,tradicionalmente considerados os únicosdetentores da legitimidade para elaborarnormas, diante de problemas e riscosglobais, regularem e resolverem a

contento as questões que se passamdentro de seus territórios.12

A crise ambiental, que revela, logo nasua origem, sua natureza complexa, fezsurgir um conceito tambémmultifacetado, que vê na concretizaçãode, pelo menos, três objetivosinterligados a possibilidade de suasuperação ou mitigação13. Alcançá-los,portanto, impõe que os Estadosremodelem os mecanismos de pensar eexecutar as políticas públicas locais,assim como a política internacional.

Assim, a materialização do conceito

jurídico do desenvolvimentosustentável, aqui considerado norma deDireito Internacional do Meio Ambiente(DIMA) e do ordenamento jurídicobrasileiro, mostra-se dependente defatores não-estatais. Varella14 divide-osem atores econômicos, cívicos ecientíficos15.

Neste trabalho, será ressaltado opapel das organizações não-governamentais (ONGs) e das outrasformas de sociedade civil organizada,compreendidas entre os atores não-estatais cívicos. Por se tratar de

expressão observada sob diferentesaspectos, adotar-se-á, conceito própriode ONG, construído sob o escólio deVarella16 e Soares17: entidades sem finslucrativos, formadas por várias ouapenas uma pessoa que partilhamobjetivos comuns, em conformidade comas regras estatuídas pelo direito internode um determinado Estado.

Vale ressaltar que os atores nãogovernamentais fazem parte, ainda, deoutro grupo relevante no contextomundial hodierno: o dos atores regionaise locais. Estes têm apresentado também

crescente participação em conferênciasinternacionais, não só pela importânciado conhecimento das especificidadeslocais na efetivação do desenvolvimentosustentável, mas também pelo impactoglobal que pequenas incursões no meioambiente podem causar.

No contexto de governança global, asorganizações não governamentaisassumem dois papéis principais nocenário internacional. O primeiro, deimplementar, por meio de trabalhos debase, as determinações aprovadas anível internacional pelos Estados,

ajudando a criar uma consciênciaverdadeiramente ecológica a nível local.O segundo papel é o de influenciar asnegociações internacionais por meio deseu status de observadoras no âmbitodas Nações Unidas. As duas formas deatuação são complementares, podendo amesma ONG, tanto advogar emconferências internacionais, comodesenvolver trabalhos de base.

Lesnikowski et al estabeleceram aligação entre indicadores de governançae a implementação de ações deadaptação às mudanças climáticas em

países do Anexo 1 da UNFCCC. Paísescom bons índices de participação emtratados (Governança AmbientalGlobal) e de Governança AmbientalDoméstica demonstraram ter melhoresíndices de adaptação às mudançasclimáticas, levando em consideração ostipos de atividades adaptativas que opaíses implementaram e asvulnerabilidades compreendidas.Ademais, países com baixos índices depercepção da corrupção (indicador deBoa Governança) tiveram altos índicesde adaptação às mudanças climáticas, o

que sugere que Estados com melhorgovernança têm um papel mais ativopromovendo iniciativas adaptativas.18

Já Berrang-Ford et al19 confirmaramtal sugestão, ao analisar 117 países e arelação entre diversos indicadores coma implementação de ações de adaptaçãoàs mudanças climáticas pelos Estados.Chegou-se à conclusão de que, mesmoem países com Produto Interno Bruto(PIB) e população maiores, se nãohouvesse bons indicadores degovernança, a implementação deiniciativas adaptativas seria baixa. Por

outro lado, países com boa governança,independentemente de renda epopulação, reportaram alto nível deadaptação.

Interpretando tais conclusões deforma holística, percebe-se quegovernança é um fator determinante paraque os países se engajem naimplementação de aspectos práticos doconceito abstrato do desenvolvimentosustentável. Dessa forma, conclui-se queum contexto de boa governança, cominstituições fortes e participação ativade vários setores da sociedade na

tomada e implementação de decisões éabsolutamente necessário para aefetivação da sustentabilidade.

O Brasil apresentou, nos estudosdivulgados em 2014, pontuação denúmero 43 no Índice de Percepção daCorrupção, principal indicador de boagovernança, o qual varia de 0 a 100,sendo 0 atribuído a um país altamentecorrupto e 100 a um país sem corrupção.De um total de 175 países analisadospelo índice, o Brasil ficou em 69º lugar,com índice abaixo da média dos paísesdo continente americano, mas com

índice igual à média global.20

A ausência de boa governança noBrasil tem dois resultados distintos: oprimeiro é que o governo fica limitadoem sua função de promover políticaspúblicas efetivas e condizentes com seuscompromissos internacionais no âmbitodo desenvolvimento sustentável; osegundo é que, na falta de uma posturagovernamental mais proativa, asorganizações de sociedade civilassumem o papel de cobrar iniciativasestatais e de implementarem ações que,a princípio, deveriam ser objeto de

políticas públicas. Nesse sentido, sedestacam as formas de atuação dasONGs dentro desse panorama, o queserá discutido adiante.

2 As espécies de atuação das ONGsna implementação da governançaglobal do DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL

Segundo Varella, a atuação das ONGsno cenário internacional se divide emduas vias: a cooperação com os Estadose a ação judicial contra esses mesmosEstados21. No presente trabalho, será

explorada a perspectiva da cooperação,a qual se divide ainda em quatro outrasmodalidades: a participação nasnegociações internacionais, aparticipação por meio do apoio àsorganizações internacionais, aparticipação na implementação dodireito internacional e a participação nocontrole da eficácia das convençõesinternacionais22. Dentre as quatromodalidades apresentadas, será feito umestudo mais aprofundado sobre aparticipação nas conferênciasinternacionais e a participação na

implementação do direito internacional.No âmbito de participação na política

internacional, Betsill e Corell23

apresentam várias possibilidades deatuação, como a sensibilização dopúblico quanto aos assuntos negociados,o lobby realizado com os tomadores dedecisão quanto a pautas específicas, arealização de boicotes a corporaçõesque desempenham funções prejudiciaisao meio ambiente, a participação strictosensu nas conferências e negociaçõesinternacionais, assim como oacompanhamento e monitoramento da

implementação por parte dos Estadosdaqueles compromissos assumidos poreles internacionalmente.

Quanto à implementação do DireitoInternacional do Meio Ambiente, focar-se-á em ações relacionadas às decisõesno âmbito das UNFCCC sobreadaptação às mudanças climáticas.Adaptação é definida pelo IPCC comoos ajustes feitos em sistemas naturais ouhumanos em resposta a estímulosclimáticos ou seus feitos, atuais ouesperados, de forma a moderar osprejuízos causados e a explorar as

oportunidades benéficas que seapresentarem.24 As iniciativasadaptativas serão utilizadas como umparâmetro para se averiguar o nível deimplementação do conceito dedesenvolvimento sustentável em temasespecíficos e a efetividade das decisõesadotadas no âmbito Direito Internacionaldo Meio Ambiente, notadamente naseara das mudanças climáticas, um deseus temas mais debatidos atualmente.

Dessa forma, partindo das definiçõesacima de participação políticainternacional e de medidas adaptativas

às mudanças climáticas, faremos aanálise de duas organizações dasociedade civil, voltadas para o públicojovem, que trabalham com uma ouambas as formas de participação, quaissejam, Verdeluz e Engajamundo.

3 A construção e a implementaçãodo desenvolvimento sustentável e opapel das ONGs Verdeluz eEngajamundo

Levando em consideração que odesenvolvimento sustentável éregulamentado por meio das

determinações estabelecidas peloDireito Internacional do Meio Ambiente,se uma ONG exerce influência sobre aformulação desse direito,consequentemente, estará moldando asregras que caracterizam a noção dedesenvolvimento sustentável.

Dessa forma, com o objetivodeterminar se as organizaçõesselecionadas para o presente estudo têminfluência na construção do DireitoInternacional do Meio Ambiente e,consequentemente, nas regrasrelacionadas ao Desenvolvimento

Sustentável, é necessário, a princípio,estabelecer o conceito de influência napolítica internacional e, a partir desseparâmetro, analisar os outros aspectosda participação das duas ONGs nosprocessos internacionais.

Betsill e Corell definem a noção deinfluência por meio de duas dimensões:uma relacionada às informaçõesdisponibilizadas pelas ONGs e a outrarelacionada à mudança (ou não) decomportamento dos outros atores nasnegociações de acordo com oinformado.25 É possível que somente um

dos fatores do binômio esteja presenteem um caso concreto, mas, segundo osautores, para que a influência possa serconsiderada efetiva, é necessário que seprove o nexo causal entre a informaçãofornecida e a mudança posterior nocenário político afetado. Ou seja, paraanalisar se uma organização dasociedade civil está efetivamenteinfluenciando a formulação do DIMA e,consequentemente do DS, é necessárioestabelecer parâmetros claros eobjetivos.

Devido ao seu status de observadora

nas Nações Unidas, como já salientadoanteriormente, é impossível para asociedade civil influenciar asnegociações diretamente por meio datomada de decisões, prerrogativa quecompete aos Estados. Logo, para moldaros resultados de acordo com as suasestipulações, as ONGs precisam atuarno sentido de mudar o comportamentode atores do DIMA com poder dedecisão. Assim, se uma ação dedeterminado Estado puder ser rastreada,de forma clara e objetiva, até umainformação fornecida pela sociedade

civil, estará caracterizada a influênciada organização nas negociações.

3.1 A construção do DireitoInternacional do meio Ambiente porONGs sob a perspectiva das ONGSEngajamundo e Verdeluz

O mero acesso às negociações éconsiderado de extrema importânciapara a atuação das organizações dasociedade civil, mesmo que não hajacomprovação de influência, segundo osparâmetros apresentados. Ademais, opoder de influência dessas ONGs na

realidade local é potencializado pelasua participação no cenáriointernacional, vez que têm acesso ainformações e networking que sãoinacessíveis na escala local.

Ocorre, nesses casos, uma ligaçãoentre o que acontece no âmbitointernacional com a realidade local, deforma que, tanto as ONGs levam para asnegociações a realidade das bases,quanto levam para as bases, de formacontextualizada, a realidade dasnegociações internacionais, em umprocesso de construção da consciência

ecológica. Sendo o Verdeluz tanto ummovimento de base quanto internacional,sua atuação assume revelância emambos os contextos por realizar essaconexão necessária para que asustentabilidade seja efetivada.

A ONG Engajamundo ganhounotoriedade dentro do cenário políticodas negociações de mudanças climáticaspor ter sido a primeira organização dejuventude brasileira a levar um númeroconsiderável de jovens para umaConferência das Partes (COP) daUNFCCC, fato que ocorreu na COP 20,

realizada em 2014 no Peru. Na ocasião,15 jovens tiveram acesso àsnegociações26.

O estudo de caso, no entanto, seráfocado no episódio de participaçãoconjunta das ONGs Verdeluz eEngajamundo, durante a COP11 daConvenção de Combate à Desertificaçãodas Nações Unidas (UNCCD), realizadaem 2013, na Namíbia. As organizaçõesnegociaram com a delegação brasileiraa criação das primeiras constituências27

da Convenção, que, até então, não tinharepresentatividade de grupos

majoritários, enquanto que outrasconvenções das Nações Unidas, como aUNFCCC e a Convenção deBiodiversidade, já apresentavamespaços para a sociedade civil bemdesenvolvidos e organizados.

Influenciada pela proposição das duasONGs, o Estado brasileiro colocou empauta a criação de uma constituência dejuventude no âmbito da UNCCD,proposta que foi aceita pelas Partes eampliada para incluir comunidadeslocais e povos indígenas, culminando nadecisão 5/COP11.28 Pode-se, no caso em

estudo, traçar um nexo de causalidadeclaro entre as informações fornecidaspela sociedade civil e a mudança decomportamento da delegação brasileira.Logo, conclui-se que as ONGsefetivamente exerceram sua influênciana formulação do DIMA e,consequentemente, na regulamentação doDS.

3.2 A implementação dodesenvolvimento sustentável a nívellocal: o trabalho de base do Verdeluz

A ONG Verdeluz trabalha com jovens

em quatro áreas de atuação: trabalho debase em comunidades locais, atuaçãopolítica em temáticas dodesenvolvimento sustentável, produçãoacadêmica a partir do conhecimentoempírico gerado e desenvolvimentopessoal dos voluntários de forma aampliar sua consciência ambiental. Pormeio dessas quatro vertentes, ainstituição objetiva implementar odesenvolvimento sustentável narealidade em que atua.

A temática das mudanças climáticas étratada pela ONG de forma transversal,

abrangendo todas as quatro áreas deatuação. O trabalho de base édesenvolvido de forma a tornar ascomunidades mais resilientes a futuras epresentes alterações climáticas, situaçãoque pode ser categorizada comoadaptação. Já o trabalho políticoconsiste na participação em espaços dedecisão que abordam a temática nosníveis municipal, estadual, federal einternacional. Por sua vez, odesenvolvimento dos voluntários édirecionado no sentido de incentivarpráticas que reduzam as emissões de

carbono na atmosfera ou tornem arealidade pessoal de cada um maisresiliente para um futuro climáticoadverso. Por fim, a produção acadêmicase dá no sentido de qualificar o trabalhoem desenvolvimento e reportá-lo deforma relevante para a sociedade, comoo caso de adequar as atividades emcurso à perspectiva da adaptação àsmudanças climáticas.29

Berrang-Ford defende que, ondehouver governança fraca, oplanejamento e o financiamento paraadaptação às mudanças climáticas

devem ser focados na promoção e nodesenvolvimento de uma boagovernança.30 Dessa forma, aimplementação de trabalhos de base e aparticipação política se complementamna promoção de uma sociedade maisresiliente.

Vê-se que, em um contexto em quebons mecanismos de governança semostram essenciais para aimplementação do desenvolvimentosustentável, como defendidoanteriormente, a participação de umaparcela da juventude, por meio da

sociedade civil, nos mais diversosprocessos políticos concernentes asustentabilidade se mostra essencial. Otrabalho político como o desenvolvidopor ambas as ONGs Verdeluz eEngajamundo se torna, então, necessáriopara promover a governança nosprocessos de tomada de decisão políticarelativos, mais especificamente, àsmudanças climáticas.

4 Conclusão

Se o caráter jurídico dodesenvolvimento sustentável no plano

do Direito Internacional do MeioAmbiente é cada vez mais aceito, não sepode dizer o mesmo quanto à suaimplementação. Por outro lado, nocontexto de globalização econômico-social, complexificação social efragmentação jurídica em que se vive, écrescente a influência de autores alémdos Estados no desempenho da funçãode implementar a sustentabilidade.

Nesse cenário, mostra-se salutarestimular a governança dodesenvolvimento sustentável. Esseprocesso, não só permite que as

organizações não governamentais setornem atores mais ativos na suaimplementação, como também atua comofator determinante para que os Estadosconcretizem suas decisões a nívelinternacional, por meio de iniciativaspráticas de governança global.

No âmbito específico da mitigação eda adaptação às mudanças climáticas,pesquisas sistematizadas porindicadores internacionais e casospráticos como os das ONGSEngajamundo e Verdeluz têmdemonstrado a influência positiva das

ONGs para a efetividade dodesenvolvimento sustentável. Mostra-seessencial, portanto, incentivar a atuaçãodesses atores cívicos, por meio daampliação de mecanismos definanciamento e de participação política,para que tornar as comunidades maisresilientes às futuras e presentesalterações climáticas.

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1 Mestre e bacharel em Direito pelaUniversidade Federal do Ceará. Professora deDireito Ambiental e Ecologia do CentroUniversitário Christus. Coordenadora doEscritório de Direitos Humanos daUnichristus. Diretora da ONG InstitutoVerdeluz.

2 Bacharelanda em Direito pelaUniversidade Federal do Ceará. Trainee depesquisa da . Diretora da ONG Instituto

Verdeluz.3 Nesse sentido: BIRNIE, Patricia B.;

BOYLE, Alan E. International law & theenvironment. 2. ed. Nova Iorque: OxfordUniversity Press Inc., 2002. p. 94-95.

4 Na jurisprudência internacional, destacam-se as decisões do caso Gabcikovo-Nagymaros,pela Corte Internacional de Justiça e do casoUS Shrimp, no âmbito do Órgão de Apelaçãoda Organização Mundial do Comércio,comentadas por Amaral Júnior. No primeirojulgado, ocorrido em 1997, a maioria dosmembros limitou-se a enquadrar odesenvolvimento sustentável como umconceito relevante, salvo o juiz Weeramantry,que salientou a natureza de princípio jurídicode direito internacional costumeiro do termo.Já no segundo, restou entendido como umconceito integrador do desenvolvimentosocioeconômico à proteção ambiental(AMARAL Júnior, Alberto do. Comércio

internacional e a proteção do meioambiente. São Paulo: Atlas, 2011. p. 67-69).

5 “[...] o desenvolvimento sustentável não éum princípio específico, mas um princípiogeral, composto por vários princípios maisespecíficos e regras implícitas.” (VARELLA,Marcelo Dias. La formation d’un droit dudéveloppement durable: la renaissance du droitdu développement au sein du droit internationalde l´environnement. L´Observateur desNations Unies - Revue de l’Associationfrançaise pour les Nations Unies, Aix-en-Provence, v. 22, 2007, p. 257).

6 Economia verde é definida pelo PNUMAcomo “aquela que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, aomesmo tempo em que reduz significativamenteriscos ambientais e escassez ecológica. Emoutras palavras, uma economia verde pode serconsiderada como tendo baixa emissão decarbono, é eficiente em seu uso de recursos e

socialmente inclusiva”. (UNITED NATIONS.UNEP. Towards a green economy: pathwaysto sustainable development and povertyeradication, Nairobi: UNEP, 2011. Disponívelem: <www.unep.org/greeneconomy>. Acessoem: 25 fev. 2014. p. 16).

7 KENIG-WITKOWSKA, Maria Magdalena.Sustainable Development in Polish Law.SCHRIJVER, Nico; WEISS, Friedl (Orgs). In:Sustainable development: principles andpractice. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers,2004. p. 697, identifica como recorrentes osmencionados problemas, a partir de umaanálise da implementação do desenvolvimentosustentável na Polônia, os quais, contudo,podem ser estendidos a muitos outros países:“Polish problems are to a certain extent similarto common weaknesses encountered by othercountries in the process of the implementationof law, due both to insufficient financialresources and to resistance of certain interest

groups, which no doubt slow down theenforcement of law. Well developed countriescope better, but in countries where theimplementation mechanisms do not follow thelegislation requirements, the law can besatisfied with its facade-like character,particularly when the will of the ruling politicalclass is also facade-like”.

8 BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. Novosatores, governança global e direitointernacional ambiental. In: Série GrandesEventos - Meio Ambiente. Brasilia: ESMPU,2000. Disponível em:http://escola.mpu.mp.br/linha-editorial/outras-publicacoes/serie-grandes-eventos-meio-ambiente/AnaFlaviaBarrosPlatiau_Novos_atores.pdf.Acesso em 10 jun. 2014. p. 6.

9 Traduzidos, respectivamente, do inglês:Global environmental governance (treatyparticipation), Domestic environmentalgovernance, Good governance (perception of

corruption).10 Nesse sentido: “Sem dúvida,

praticamente todo mundo tem hoje consciênciade problemas ecológicos que afetam suaqualidade de vida; mas estes se encontramfragmentados e segmentados segundo suaespecificidade local. Mais ainda, nem todas asformas e graus de consciência gerammovimentos sociais. Ou melhor, prevalece ocontrário, e os problemas mais gerais como oaquecimento global, são percebidos a partir deconcepções muito diferentes, desde aquelasque veem ali a fatalidade de catástrofesnaturais, até as que os entendem comomanifestação da lei-limite da entropia e efeitoda racionalidade econômica” (LEFF, Enrique.Racionalidade ambiental: a reapropriaçãosocial da natureza. Tradução de Luis CarlosCabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2006, p. 324)

11 Globalização pode ser definida como

“los procesos en virtud de los cuales losEstados nacionales soberanos se entremezclane imbrican mediante actores transnadonales ysus respectivas probabilidades de poder,orientaciones, identi-dades y entramadosvários”. (BECK, Ulrich. ¿Qué es laglobalización? Falacias del globalismo,respuestas a la globalización, Barcelona:Paidós, 2008. p. 34).

12 Tratando do fenômeno dainternacionalização do direito internacional, oqual se mostra intrinsecamente relacionado àglobalização econômica, Varella (2013, p.65-83) apresenta a influência das associações derepresentação da sociedade civil organizada, deempresas e de cientistas nesse processo eressalta, em diversas oportunidades, oenquadramento do direito internacional domeio ambiente na conjuntura descrita.

13 Trata-se aqui do conceito dedesenvolvimento sustentável, cuja definição

mais conhecida internacionalmente encontra-se no Relatório “Nosso Futuro Comum”, queafirma ser “aquele que atende às necessidadesdo presente sem comprometer a possibilidadede as gerações futuras atenderem a suaspróprias necessidades” e que, desde 1995, coma Declaração e o Programa de Ação da CúpulaMundial sobre Desenvolvimento Social,estabelecida em Copenhague, teve reconhecidaexpressamente a interdependência dos aspectossocial, econômico e ambiental para o seualcance. (ONU. Assembleia Geral A43/427.Comissão Mundial sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento. Nosso futuro comum.Organização das Nações Unidas, 1987.Disponível em: <http://www.un-documents.net/ocf-02.htm#I>. Acesso em 24jan. 2014; ONU. Assembleia GeralA/CONF.166/9. World Summit for SocialDevelopment. Copenhague, 1995. Disponívelem:

<http://www.un.org/documents/ga/conf166/aconf166-9.htm>. Acesso em: 02 fev. 2014).

14 Tratando do fenômeno dainternacionalização do direito internacional, oqual se mostra intrinsecamente relacionado àglobalização econômica, o autor apresenta ainfluência das associações de representação dasociedade civil organizada, de empresas e decientistas nesse processo e ressalta, emdiversas oportunidades, o enquadramento dodireito internacional do meio ambiente naconjuntura descrita, em VARELLA, MarceloDias. Internacionalização do Direito: direitointernacional, globalização e complexidade.Brasília: UniCEUB, 2013. p. 66-83.

15 “Por atores econômicos, consideramosempresas nacionais e estrangeiras, associaçõesempresariais, ainda que sem fins lucrativos emsi, mas que têm por finalidade promover, diretaou indiretamente, os interesses de lucro deseus associados. Por atores cívicos,

compreendemos organizações não-governamentais que atuam com base emvalores altruístas, como a proteção dos direitoshumanos ou do meio ambiente, por exemplo.Existem várias definições para essa categoria,que estabelecem a possibilidade ou o nível definanciamento público para suas atividades, osobjetos defendidos pelas associações. Osatores científicos podem ser tanto atoresprivados, como públicos, com ou sem finslucrativos, mas seu principal objetivo é apromoção da ciência, dentro de um sistemacientífico de produção do conhecimento. Cadaum desses grupos tem suas próprias formas decomunicação, de reproduzir o saber e de atestaro pertencimento a seu grupo.” (VARELLA,Marcelo Dias. Internacionalização doDireito: direito internacional, globalização ecomplexidade. Brasília: UniCEUB, 2013. p.66-67).

16 “[...] une organisation non-

gouvernementale sera comprise comme unepersonne morale, formée par un groupementorganisé de personnes ou par une seulepersonne, sans but lucratif, portant desobjectifs communs, et ne comprenant pas lesassociations d’entreprises dont la finalité estla promotion de leurs activités. (VARELLA,Marcelo Dias. Le rôle des organisations non-gouvernementales dans le développement dudroit international de l’environnement,Journal du Droit International, Paris, v. 132,jan./mar, 2005. p. 42).

17 “Trata-se, assim, de entidades criadas poratos de particulares, com ou sem ainterveniência de órgãos oficiais, econstituídas segundo a lei de um Estadodeterminado que, em geral, as sedia”(SOARES, Guido Fernando Silva. Direitointernacional do meio ambiente:emergências, obrigações e responsabilidades.2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 63)

18 LESNIKOWSKI, Alexandra N. et al.National-level factors affecting planned,public adaptation to health impacts ofclimate change. 2013. GlobalEnvironmental Change, v. 23, n. 5, p. 1153-1163 Disponível em:<http://www.researchgate.net/publication/267926913_National-level_factors_affecting_planned_public_adaptation_to_health_impacts_of_climate_change>.Acesso em: 10 jun 2014.

19 BERRANG-FORD, Lea et al. Whatdrives national adaptation? A globalassessment. Climatic Change, v. 124, p. 441-450, 2014. Disponível em:<http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10584-014-1078-3#page-1>. Acesso em: 12 jun.2014.

20 Disponível em:<https://www.transparency.org/cpi2014/results>.Acesso em 23 jun. de 2014.

21 No original : En dépit des difficultésqu’elles rencontrent, on montrera que les

organisations non-gouvernementalesagissent en tant qu’acteurs du droitinternational, selon deux modalités: tantôtpar la coopération avec les États (I), tantôtpar la voie judiciaire avec ces mêmes États(II). (VARELLA, Marcelo Dias. Le rôle desorganisations non-gouvernementales dans ledéveloppement du droit international del’environnement, Journal du DroitInternational, Paris, v. 132, jan./mar, 2005. p.45).

22 No original: Lorsqu’elles coopèrentavec l’État à la formation du droitinternational, les ONG agissent selon quatremodalités: participation aux négociationsinternationales (A), participation par le biaisdu soutien aux organisation internationales(B), participation à la mise en oeuvre du droitinternational (C) et, enfin participation àtravers l’aide apportée au contrôle desconventions internationales (D). (VARELLA,

Marcelo Dias. Le rôle des organisations non-gouvernementales dans le développement dudroit international de l’environnement,Journal du Droit International, Paris, v. 132,jan./mar, 2005. p. 46)

23 No original: NGOs participate in globalenvironmental politics in a number of ways:they try to raise public awareness ofenvironmental issues; they lobby statedecisionmakers hoping to affect domestic andforeign policies related to the environment;they coordinate boycotts in efforts to altercorporate practices harmful to nature; theyparticipate in international environmentalnegotiations; and they help monitor andimplement international agreements.(BETSILL, Michele M.; CORELL, Elisabeth.NGO Infuence in international environmentalnegotiations: a framework for analysis. Globalenvironmental politics, MIT, v. 1, n. 4, p. 67,2001. Disponível em:

<http://www.mitpressjournals.org/doi/pdfplus/10.1162/152638001317146372>.Acesso em: 10 jun. 2014).

24 No orginal: […] the adjustment innatural or human systems in response toactual or expected climatic stimuli or theireffects, which moderates harm or exploitsbeneficial opportunities. (IPCC. Fourthassessment report: Climate change -Glossary. 2007. Disponível em:<http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg2/en/annexessglossary-a-d.html>. Acesso em 25 jun. 2014).

25 No original: We contend that the notionof influence has two important dimensions —one related to what NGOs do to makeinformation available and the other relatedto whether and how other actors change theirbehaviors accordingly. Scholars must thuscollect evidence that addresses bothdimensions in order to get a more accurateindication of NGO influence in any given setof negotiations. In addition, we note that

NGO influence may be observed both in theoutcome of the negotiations as well as in thenegotiating process. (BETSILL, Michele M.;CORELL, Elisabeth. NGO Infuence ininternational environmental negotiations: aframework for analysis. Globalenvironmental politics, MIT, v. 1, n. 4, p. 67,2001. Disponível em:<http://www.mitpressjournals.org/doi/pdfplus/10.1162/152638001317146372>.Acesso em: 10 jun. 2014)..

26 Informações disponíveis em:engajamundo.org

27 “During the intergovernmental climatechange process under the auspices of theUnited Nations Framework Convention onClimate Change, non-governmentalorganizations admitted as observers atsessions of the Convention bodies haveformed themselves into loose groups withdiverse but broadly clustered interests orperspectives. In the early days of the climate

change convention process the business andindustry organizations and theenvironmental groups were particularlyactive and initiated systematic channels ofcommunications with the secretariat and theParties. This resulted in the acknowledgmentof ìconstituenciesî, with their own focalpoints. A flexible and manageable systemevolved which enhanced the participation oflarge numbers of observer organizations.There are currently more than 1,400 admittedobserver organizations. Without thecooperation of ëconstituencyí focal points, itwould not be possible for the secretariat tomaintain effective interaction with interestedstakeholders” Disponível em:<https://unfccc.int/files/parties_and_observers/ngo/application/pdf/constituency_2011_english.pdf>.

28 A decisão está disponível em:<http://www.unccd.int/en/about-the-convention/official-documents/Pages/SessionDisplay.aspx?

k=COP(11)>.29 Informações retiradas do organograma

interno da ONG, não documentado até aconclusão deste trabalho.

30 No original: Where governance is poor,yet vulnerability is high, adaptation planningand financing should focus on promotion anddevelopment of good governance. Notably,many of the world’s most vulnerable nationsalso have poor governance. Given financingcommitments to support adaptation in low-income nations through the UNFCCC, ourresults have significant implicationsregarding the importance of the readiness ofnations to effectively implement adaptation,and highlight the critical value of focusingnational adaptation planning on buildinggovernance and adaptive capacity.(BERRANG-FORD, Lea et al. What drivesnational adaptation? A global assessment.Climatic Change, v. 124, 2014. p. 448-449.

Disponível em:<http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10584-014-1078-3#page-1>. Acesso em: 12 jun.2014).

A INOBSERVÂNCIA DOPRINCÍPIO DA

PRECAUÇÃO NOTRATADO DE

COOPERAÇÃOAMAZÔNICA

Bruno Costa Marinho1

Leonardo Leite Nascimento2

Introdução

A Bacia Amazônica é uma das

maiores bacias hidrográficas do mundo.Conforme Santos3, ela ocupa mais de40% do território brasileiro e estende-se para Bolívia, Peru, Colômbia,Venezuela, Guianas e Suriname. Seuprincipal rio é o Amazonas, comextensão de aproximadamente 6.500km,dos quais 3.100 km estão dentro doterritório brasileiro.

O Rio Amazonas nasce no Peru, como nome de Vilcanota, passando a sechamar Ucaiali, Urubamba, Marañón eSolimões e recebe a denominação deAmazonas após o encontro com o Rio

Negro, na Cidade de Manaus, no Brasil,desaguando no Oceano Atlântico.

A área ocupada pela BaciaAmazônica é dotada de grandediversidade biológica, além de riquezasminerais que ainda não podem sercalculadas com precisão, o que sempretrouxe a preocupação, por parte dospaíses que a compõem, acerca da cobiçainternacional sobre estes bens. Aindanas palavras de Santos4:

Presentemente, no que se referea minérios, os potenciaisestimados na área são osseguintes: 4,6 bilhões de

toneladas de bauxita, 18 bilhõesde toneladas de hematita, 1bilhão de toneladas de minériode cobre associadas a 4 milhõesde toneladas manganês e outrastantas de níquel, estanho,cassiterita, ouro fluvial,minérios estratégicos deocorrência rara, petróleo e gáscom potenciais ainda nãoestimados.

A fim de reafirmar suas soberaniasnacionais, os países da BaciaAmazônica firmaram o Tratado deCooperação Amazônica (TCA), em 3 dejulho de 1978, visando a promoção deações conjuntas para o desenvolvimento

da bacia, incentivando processos decooperação regional entre seusparticipantes, conforme lecionamCavalcanti e Torquato5. Dentre essasações conjuntas, ainda em seupreâmbulo, o TCA (1978) cita anecessidade de ampliação dos esforçosconjuntos em matéria de conservaçãoecológica, afirmando que para que sejalogrado um desenvolvimento integraldos territórios da Amazônia, énecessário manter o equilíbrio entre ocrescimento econômico e a preservaçãodo meio ambiente.

Dentre os princípios do DireitoAmbiental, citamos os elencados porMachado6: princípio do direito ao meioambiente equilibrado; princípio dodireito à sadia qualidade de vida;princípio da sustentabilidade; princípiodo acesso equitativo aos recursosnaturais; princípios do usuário-pagadore do poluirdor-pagador; princípio daprecaução; princípio da prevenção;princípio da reparação; princípio dainformação; princípio da participação; eprincípio da obrigatoriedade daintervenção do Poder Público.

Granziera7 leciona que existiriamprincípios, específicos aplicáveis àságuas: meio ambiente como direitohumano; desenvolvimento sustentável;prevenção; precaução; cooperação;valor econômico da água; poluidor-pagador e usuário-pagador; baciahidrográfica como instrumento deplanejamento e gestão; e equilíbrio entreos diversos usos da água.

O princípio da precaução, segundoMachado8, não tem por objetivoinviabilizar as atividades humanas, massim promover a “durabilidade da sadia

qualidade de vida das gerações humanase a continuidade da natureza existente noplaneta”. Conforme Granziera9, oprincípio da precaução determina que,“na dúvida, é melhor tomar providênciasdrásticas, a fim de evitar danos futuros,por ignorância das consequências quecertos empreendimentos e substânciaspodem causar”.

Dentro da extensa área fluvial daBacia Amazônica, composta por riosfronteiriços e transfronteiriços, épossível que empreendimentos oupráticas consideradas danosas ao meio

ambiente, no território de um país,possam ter seus efeitos danosos noterritório de outro país. Exemplo típicodisto seria o caso do desvio do curso deum rio em um país a montante, o quepoderia causar sérios danos no país queestá rio abaixo, devido à diminuição dovolume de águas que se deslocam paraseu território.

Outro caso clássico seria acontaminação da água de um rio amontante, que poderia causar doençasem habitantes do país ribeirinho ajusante. Em sentido inverso, podemos

citar o caso de uma barragem em umpaís a jusante que causetransbordamento das águas do mesmorio em um país a montante.

No presente trabalho será apresentadoo Tratado de Cooperação Amazônica,passando pelo histórico de suaassinatura até a efetividade queapresenta atualmente, verificando seeste, utiliza-se dos conceitos inerentesao princípio da precaução, mesmo queimplicitamente, para evitar que atosefetuados em um Estado causem efeitosdanosos ao meio ambiente no território

do país vizinho.Para tanto, foi realizado levantamento

bibliográfico e documental, além dalegislação pertinente, a fim de sersolucionada a seguinte problemática: oTratado de Cooperação Amazônicapreviu, mesmo que de forma implícita, oprincípio da precaução para evitar aocorrência de danos ambientais naBacia Amazônica?

1 Meio ambiente

Antes de tratarmos do princípio daprecaução na proteção jurídica do meio

ambiente, é necessário conceituá-lo everificar qual a natureza jurídica do bemambiental a ser protegido. No Brasil, aconceituação jurídica de meio ambientepode ser encontrada na Lei nº 6.938, de1981, que dispõe sobre a PolíticaNacional do Meio Ambiente, em seu art.3º, I, segundo a qual, “meio ambiente é oconjunto de condições, leis, influênciase interações de ordem física, química ebiológica que permite, abriga e rege avida em todas as suas formas”.

Derani10 assevera que, dentre osobjetos que constituem o meio ambiente

equilibrado, existem aqueles, materiaise imateriais, que já se encontraminseridos em relação de propriedadetuteladas pelo direito e os que nãoencontram a mesma tutela, mas passam ater essa proteção por serem constitutivosdo meio ambiente ecologicamenteequilibrado, por estarem integrados aomeio ambiente vivo.

A mesma autora entende, ainda, que oconceito de meio ambiente não “se reduza ar, água, terra, mas deve ser definidocomo o conjunto das condições deexistência humana, que integra e

influencia o relacionamento entre oshomens, sua saúde e seudesenvolvimento”11. Em seuentendimento, a proteção do meioambiente só pode ser pensada onde sedesenvolve a relação homem-natureza.

Esse pensamento é criticado porCretella Neto, segundo o qual, “o meioambiente é protegido não apenas porqueseres humanos nele vivem, mas porquetodas as formas de vida são importantes,como também são importantes ascondições em que se encontram aspropriedades que revelam a identidade

cultural e a paisagem”12.Em nosso entendimento, é o

pensamento de Cretella Neto que deveprosperar, pois não é somente a relaçãodo meio ambiente com o homem quedeve nortear a proteção ao meioambiente. No entanto, é importante que oser humano não fique excluído desseprocesso, já que também estamosinseridos no meio ambiente e não farianenhum sentido pensar na conservaçãoda natureza sem a preocupação com amelhoria das condições de existênciahumana.

Essas duas visões da proteção aomeio ambiente podem ser entendidas, aprimeira, defendida por Derani, comouma visão antropocêntrica e a segundacomo ecologia profunda. Sobre oassunto, assevera que oantropocentrismo pode ser divididoainda em economicocentrismo eantropocentrismo alargado. Em suaspalavras:

O economicocentrismo reduz obem ambiental a valores deordem econômica, fazendo comque qualquer consideraçãoambiental tenha como “pano de

fundo” o proveito econômicopelo ser humano.

Já o antropocentrismo alargado,mesmo entrando as discussões arespeito de ambiente na figurado ser humano, propugna pornovas visões do bem ambiental.Assim, centra a preservaçãoambiental na garantia dadignidade do próprio serhumano, renegando uma estritavisão econômica do ambiente. O“alargamento” dessa visãoantropocêntrica residejustamente em condições queimprimem ideias de autonomiado ambiente como requisito paraa garantia de sobrevivência daprópria espécie humana. Aqui, oambiente não é visto como

passaporte à acumulação deriquezas, sendo compreendidocomo elementar à vida humanadigna.13

Segundo esta visão antropocêntrica, ohomem estaria em um posição desuperioridade em relação à natureza, oque contrasta com a visão da ecologiaprofunda, segundo a qual o homem deveestar integrado à natureza e não emposição de domínio. Ainda segundoLeite, essa concepção rompe com oconceito da proeminência humana e, nocampo do direito, traz novas categorias

como a do direito dos animais e plantas.Para o autor:

A Carta de 1988 adotou o“antropocentrismo alargado”porque considerou o ambientecomo bem de uso comum dopovo, atribuindo-lhe inegávelcaráter de macrobem. O art. 225estabelece uma visão ampla deambiente, não restringindo arealidade ambiental a meroconjunto de bens materiais(florestas, lagos, rios) sujeitosao regime jurídico privado, oumesmo público stricto sensu;pelo contrário, confere-lhecaráter de unicidade detitularidade difusa. Nessaperspectiva difusa de macrobem,

o ambiente passa a possuir umvalor intrínseco. São todostitulares e necessitam do bemambiental para a sua dignidade, oambiente deixa de ser vistocomo entidades singularesconcretas (árvores, animais,lagos) que dependam, para a suapreservação, de sujeitosdeterminados, passando a serconcebido como um bemabstrato de valor intrínseco –pois seu valor não estádiretamente ligado a ninguémisoladamente -, sendonecessário, contudo, para que sepossa atingir a própria qualidadede vida humana.14

Na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, no art.225, existe a previsão de que o meioambiente equilibrado é direito de todos.No entanto, o termo “equilibrado”merece ser estudado com um pouco maisde atenção, visto que a natureza não estáem equilíbrio e a tão combatida extinçãode espécies ocorre continuamente, desdeo início da vida na Terra.

Portanto, não seria razoável esperarque o Direito Ambiental promova o fimdo processo de mutação que ocorre nanatureza. Nas palavras de Benjamin(2012, p. 133-134):

[...] cada vez mais os cientistasse dão conta de que os sistemasnaturais não são tão previsíveiscomo dão a entender asexpressões populares, do tipo“equilíbrio ecológico” ou“equilíbrio da natureza”. Naverdade o equilíbrio ecológico,no sentido utilizado pelaConstituição, antes de serestático, é um sistema dinâmico.Não é objetivo do DireitoAmbiental fossilizar o meioambiente e estancar suaspermanentes e comunstransformações, que vêmocorrendo a milhões de anos. Oque se busca é assegurar que talestado dinâmico de equilíbrio,em que se processam osfenômenos naturais, seja

conservado, deixando que anatureza siga seu próprio curso.

Decerto, o Planeta está em constantemutação, mas também não deve sermodificado de maneira agressiva pelohomem, pois é um processo natural. Seisso não ocorresse, é provável que nãoestivéssemos vivos, pois as condiçõesda Terra talvez não fossem compatíveiscom a vida humana, ou então, caso nãoocorressem extinções de espécies,estaríamos convivendo com dinossaurosnas portas de nossas casas.

Finalmente, pode-se aduzir que esse

processo de extinção, oriundo daprópria natureza e da impossibilidadede algumas espécies se adaptarem àscondições do Planeta é um processolento, que leva milhares de anos. O quedeve ser combatida, na verdade, é ainfluência negativa que o homem temnesse processo. Hoje não pode mais seraceito que uma espécie animal sejaextinta pelo simples fato de ser caçadapara que sua pele adorne pessoas comgrande poder aquisitivo, ou que florestassejam devastadas para que seja feita aexploração de minérios, visando

primordialmente fins econômicos deuma minoria abastada.

2 O Tratado de CooperaçãoAmazônica

Para analisar o Tratado deCooperação Amazônica é necessárioque seja entendido o contextogeopolítico nacional e mundial à épocadas tratativas e assinatura do acordo,sob pena de incorrermos emanacronismo, que se trata do errocronológico no julgamento de fatosocorridos no passado, segundo as

conjunturas atuais, e nos traz uma visãodistorcida da realidade.

Com efeito, a partir da Conferênciade Estocolmo, a questão ambiental foiinserida como um tema de agendaimportante nas relações internacionais eno Direito Internacional, sendoreconhecida a distinção entre osproblemas ambientais dos paísesdesenvolvidos e dos emdesenvolvimento, o que acarretou naadoção de normas amplas, possíveis deserem acatadas por todos, cabendodestacar o Princípio n. 21, in verbis:

Em conformidade com a Cartadas Nações Unidas e com osprincípios de direitointernacional, os Estados têm odireito soberano de explorarseus próprios recursos emaplicação de sua própria políticaambiental e a obrigação deassegurar-se de que as atividadesque se levem a cabo, dentro desua jurisdição, ou sob seucontrole, não prejudiquem omeio ambiente de outrosEstados ou de zonas situadasfora de toda jurisdiçãonacional.15

Segundo Antiquera16, a Amazôniaganhou destaque na agenda interna dos

governos militares, implantados em1964, de forma que o TCA (Decreto nº85.050/80) surgiu em um momento depreocupação por parte do Brasil, emface de uma possível exclusão de umsubsistema em criação no norte daAmérica do Sul, materializada em 1969,com a formação do Pacto Andino, e daqual realmente o Brasil não fez parte.Surgiu, ainda, em um momento em queexistia o entendimento de que a defesada preservação ambiental seria umaforma de impedir o crescimento dospaíses menos desenvolvidos, mantendo

o status quo da economia mundial.Grande preocupação em relação à

Amazônia emergiu quando países maisdesenvolvidos levantaram a ideia de quealgumas áreas de interesse ecológicodeveriam ficar sob controleinternacional, de forma a evitar que aexploração da natureza em um paístrouxesse efeitos negativos a outro.Além disso, o Brasil àquela épocabuscava se afirmar como potênciaregional e aumentar sua influência emâmbito mundial e assim, chegou-se àconclusão de que seria necessário

integrar, ocupar, proteger e vitalizareconomicamente a Amazônia. Conformeo mesmo autor:

As questões específicas daAmazônia: o tratado pretendeser um instrumento para ajudaros signatários a incorporar oterritório amazônico a suasrespectivas economias,compartilhar experiências,aumentar a qualidade de vida daspopulações, desenvolvertecnologias específicas,melhorar a infraestrutura daregião, fazer da Amazônia umelo e não um fosso entre ospaíses, garantir a preservação domeio ambiente, proteger umespaço frágil contra pretensões

externas, e, principalmente,incorporar a região aos esforçosnacionais de desenvolvimento.17

Segundo Lins18, o Tratado deCooperação Amazônica foi celebradocom a finalidade de reafirmar asoberania dos países que o compõem,além de incentivar, institucionalizar eorientar o processo de integração ecooperação regional entre esses países.Sua área de abrangência engloba aBacia Amazônica e áreas que possuamcaracterísticas geográficas, ecológicasou econômicas que se considerem

estreitamente vinculadas à mesma.Ainda segundo esse autor, a Guiana e oSuriname foram incluídos no tratado poreste último critério e a Guiana Francesafoi excluída do mesmo por se tratar deum território ultramarino da França e,por este motivo, não possuir soberaniapara ser defendida no Tratado.

Essa exclusão da Guiana Francesareflete o receio existente na época emrelação as ingerências externas naregião amazônica, visto que, caso fosseaceita, seria a França a responsável peladiplomacia daquele território francês

situado na América do Sul.Ressalta-se que o TCA não alterou a

livre navegação nos rios da BaciaAmazônica, que já vigorava desde ostempos do Império, quando, naspalavras de Aciolly, Casella e Silva19

“em 7 de dezembro de 1866, o Brasildeclarou aberta aos navios mercantes detodas as nações a navegação do rioAmazonas, até a fronteira com o Peru, ede outros rios que cortam o territóriobrasileiro”. Nesta senda, assimcapitulou o artigo do TCA (1978), quetrata sobre a navegação:

ARTIGO IIIDe acordo com e semdetrimento dos direitosoutorgados por atos unilaterais,do estabelecido nos tratadosbilaterais entre as Partes e dosprincípios e normas do DireitoInternacional, as PartesContratantes asseguram-se,mutuamente, na base dareciprocidade, a mais amplaliberdade de navegaçãocomercial no curso doAmazonas e demais riosamazônicos internacionais,observando os regulamentosfiscais e de políciaestabelecidos ou que seestabelecerem no território decada uma delas. Taisregulamentos deverão, na

medida do possível, favoreceressa navegação e o comércio eguardar entre si uniformidade.

Ocorre que o TCA não possui nenhumartigo que imponha condutas ou cominesanções a condutas consideradas ilegais,configurando-se em um tratado deintenções, onde os países secomprometem a cooperar para odesenvolvimento da Bacia Amazônica,sem nenhuma outra obrigação. Isso fazcom o que o mesmo possa serconsiderado soft law, que, segundoAbbott et al20, pode ser compreendido

como um sistema onde não existe aobrigatoriedade da presença de todos oselementos presentes na hard law, quaissejam, condutas de fazer ou não fazerbem definidas, com sanções previstascivil ou penalmente para aqueles quenão obedecerem essas condutas, massim princípios vagos, cuja aplicaçãodepende muitas vezes da diplomacia.

Na soft law falta a coerção, o poderde sanção, de exigir e/ou punir aquelesque não seguem suas determinações.Dessa forma não podem ser chamadasde normas, regras ou leis, mas de guias

de procedimentos. A soft law apresentaum caráter inteiramente voluntário e seuprincipal objetivo é estabelecerdiretrizes deixando a escolha daestratégia nacional mais apropriada àdisposição dos Estados-membros.Segundo Cavalcanti e Torquato:

O TCA possui artigos precisos eelaborados, mas em nenhummomento eles são coercivos,eles são entendidos como umguia de cooperação entre aspartes, onde fica bem clara aafirmação da soberania eresponsabilidade dos paísescontratantes sobre suasrespectivas bacias amazônicas.

Por exemplo, o art. 25 diz que aspartes contratantes seesforçarão por manter umintercâmbio permanente deinformações e colaboraçãoentre si e com os órgãos decooperação latinos -americanos, nos campos em quese relacionam com as matériasque são objeto deste tratado,contudo, se algum país serecusar ou não tiver interesseem fazer o intercâmbio emdeterminada área, o tratado nãopossui nenhum mecanismo queo obrigue a cumpri-lo.Com essa descrição não restadúvida acerca de constituir-se oTCA em soft law sendo umaespécie de guideline, nãotrazendo nenhum tipo de sanção

ou coerção em caso dedescumprimento de suasrecomendações, delegandofunções, mas não criandonenhum tipo de regra.21

Entende-se que essa falta deobrigações no TCA é decorrente doesforço do governo brasileiro em minaras oposições e desconfianças entre ospaíses da Bacia Amazônica, o que fezcom que fosse priorizada a adesão dospaíses, em detrimento a uma maiorefetividade do Tratado com artigos querealmente integrassem a região demaneira mais efetiva. Nesse sentido,

segue o pensamento de Antiquera:

É notável que o período denegociações (o documento foiassinado no dia 3/7/1978 eentrou em vigor em 1980, apóso último país tê-lo ratificado, aVenezuela), surpreendentementecurto, resultou numa drásticaredução do alcance do TCA,inclusive naquilo que talvezfosse a essência da ideiabrasileira: a criação deinfraestrutura na região. Assim,pode-se enxergar o sucessodiplomático da assinatura doTratado em tão pouco tempo,bem como a relativa derrota empontos cruciais do projeto.Dessa constatação é possíveltirar já uma importante

conclusão, o Brasil priorizou aadesão dos países amazônicos,em detrimento da defesaenfática (inclusivo com umapossível utilização de recursosde poder) da sua propostaoriginal.22

Nessa ótica, de primar pela assinaturado tratado, em detrimento de suaproposta inicial, segundo Sant’Anna23, aquestão dos recursos hídricos nunca foiresolvida no TCA, uma vez que,segundo o mesmo, é necessário apenasque se informe sobre as atividades emseus territórios, sem a previsão de

responsabilidade sobre a reparação depossíveis danos, o que se torna atéperigoso para o próprio Brasil, uma vezque se encontra em posicionamento ajusante na Bacia Amazônica.

Além disso, com o passar de váriosanos sem que os Estados conseguissem,harmonicamente, promover odesenvolvimento sustentável, econômicoe social da região e garantissem apreservação dos recursos naturais, aefetividade do TCA foi colocada emdúvida. De tal forma, esta situaçãoresultou, em 1998, na assinatura de um

protocolo de Emenda, promulgado peloDecreto n. 4.387/02, que transformou oTCA em Organismo Internacional,buscando dar sentido mais estratégico edinâmico as ações desenvolvidas em seuâmbito. Neste sentido, Aragón e Diasinferem que:

A OTCA deverá implementarprogramas para conhecer alegislação ambiental dos oitopaíses amazônicos, sobretudo douso das águas, de forma que asnormas estabelecidas num paísnão se inviabilizem por leisexistentes em outros. De igualforma, ações conjuntas, no quese refere ao transporte tanto de

mercadorias como depassageiros, devem serestabelecidas. Enfim, a OTCA éo instrumento ideal paraidentificar as verdadeiraspotencialidades da região,formular programas para aGrande Amazônia e implementarações que leem a um verdadeirodesenvolvimento sustentável,principalmente através deparcerias com ONGs,universidades, institutos depesquisa e órgãosgovernamentais em todo nível.24

Cabe por fim, ressaltar que, apesardas conjecturas que forjaram a criaçãodo TCA e os entraves peculiares ao seu

desenvolvimento, atualmente, a OTCAestá atenta à conjuntura internacional, aopasso que tem tratado como prioridade ouso e a preservação dos recursoshídricos transfronteiriços da BaciaAmazônica, estando inclusive,desenvolvendo um projeto específicosobre o tema com participação de todosos membros, buscando efetivar o artigoV do TCA.

3 O princípio da precaução

O princípio da precaução foiformulado pelos gregos e significa ter

cuidado e estar ciente. A precauçãorelaciona-se com a associaçãorespeitosa e funcional do homem com anatureza; e trata das ações antecipatóriaspara proteger a saúde das pessoas e dosecossistemas (MMA, 2014).

Na era moderna foi primeiramentedesenvolvido e consolidado naAlemanha, nos anos 70 (VorsorgePrinzip), em resposta à poluiçãoindustrial. Na Bergen Conferencerealizada nos Estados Unidos, em 1990,recebeu também a seguinte definição: “Émelhor ser grosseiramente certo no

tempo devido, tendo em mente asconsequências de estar sendo errado doque ser completamente errado muitotarde”25.

No âmbito internacional, o princípioda precaução foi estabelecido comgrande vigor na Declaração do Rio deJaneiro sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, de 13 de junho de1992, que estabeleceu:

Princípio 15Com o fim de proteger o meioambiente, o princípio daprecaução deverá seramplamente observado pelos

Estados, de acordo com suascapacidades. Quando houverameaça de danos graves ouirreversíveis, a ausência decerteza científica absoluta nãoserá utilizada como razão paraadiamento de medidaseconomicamente viáveis paraprevenir a degradaçãoambiental.26( grifo nosso)

Machado27 cita ainda a Convenção deParis para a Proteção do Meio Marinhodo Atlântico Nordeste, de 1992, que,mesmo não tendo sido assinada peloBrasil, pode ser citada como tendoprevisto o princípio da precaução. Para

essa Convenção, em consonância com oprincípio da precaução, devem sertomadas medidas de prevenção quandoexistam motivos de se inquietar do fatode introduzir substâncias no mar quecausem riscos à saúde humana, prejuízoaos recursos biológicos e aosecossistemas marinhos, se referindo aoprincípio da prevenção, e determina quetais medidas preventivas devem seradotadas ainda que não existam provasacerca da relação de causalidade entreas causas e efeitos, momento em quepassa a prever o princípio da precaução.

Com isso, se depreende que oreferido Princípio afirma que a ausênciada certeza científica formal e aexistência de um risco de um dano sérioou irreversível requer a implementaçãode medidas que possam prever estedano. Desta maneira, a precaução sefundamenta em uma série de ideiasprimárias, entre as quais:

[...] é melhor prevenir do queremediar; o poluidor deve pagar;nós devemos reconhecer o valorinerente da vida não humana –assim como a humana; acomplexidade e variabilidade domundo real limita a habilidade

do conhecimento científicofazer previsões; nós temos dereconhecer a vulnerabilidade domeio ambiente natural; osdireitos daqueles que sãoafetados por uma atividadedevem ser priorizados, em vezde priorizar aqueles que sãobeneficiados por tal atividade;deve haver um exame minuciosode todas as alternativas e análisedas justificativas e benefícios,assim como os riscos e custos;perspectivas em longo prazo,holísticas e inclusivas sãonecessárias para proteçãoambiental.28

Decerto, o princípio da precauçãovisa avaliar as incertezas, as ignorâncias

e buscar alternativas, atingindo umescopo muito maior que a simplesavaliação do risco convencional, quelimita-se a negar o potencial dassurpresas e avaliar a extensão do danorestrito a alguns fatores.

3.1 Características fundamentais

Dentre as características elencadaspor Machado29, que o fazem único efundamental à tutela do meio ambiente,em especial dos recursos hídricostransfronteiriços, merecem serdestacadas: a incerteza do dano

ambiental; a obrigatoriedade do controledo risco; a inversão do ônus da prova; aimplementação imediata e o custo dasmedidas de prevenção.

A incerteza do dano ambiental, serelaciona a distinção de perigo e risco,considerando-se que para a aplicaçãodo princípio da precaução, basta aexistência do risco e da sua incerteza.30

A diferença entre perigo e riscoambiental, é que os perigos sãogeralmente proibidos, em contrapartida,os riscos não. Os riscos não poderão serexcluídos, porque há sempre a

possibilidade de um dano menor.Portanto, se a legislação proíbequaisquer ações perigosas, porémpossibilita a mitigação dos riscos, estar-se-á aplicando o princípio daprecaução, o qual requer a redução daextensão, da frequência ou da incertezado dano.31

Sendo assim, o risco apresenta umapossibilidade de perigo, ou seja, existeum perigo mais ou menos previsível etal perigo pode ser definido como umasituação de fato da qual decorre o temorde uma lesão física ou moral a uma

pessoa, ou uma ofensa aos direitos dela,portanto, essa situação que define operigo trata-se de uma situação queinspira cuidado.32

O controle do risco representa nãoaceitar a incidência de nenhumapossibilidade de sua ocorrência, deforma que a obrigatoriedade do controledo risco para a vida e sua qualidade epara o meio ambiente são elementosessenciais que não podem seresquecidos pelo Poder Público.33

Quanto a inversão do ônus da prova,o interessado em iniciar quaisquer

atividades que possam vir a serprejudiciais ao meio ambiente, deveprovar que a atividade que ele pretendeimplementar não resultará em prejuízoao meio ambiente e para a sociedade;contrariamente, ao Princípio daPrevenção, no qual o ônus é do PoderPúblico.34

Outrossim, a implementação imediatae os custos das medidas preventivas nãojustificam a inércia, o deixar paradepois, em que pese que o danoambiental se efetivado, possui umpassivo que dificilmente poderá ser

saneado, no sentido da grandedificuldade de ser alcançado o statusquo ante do bem, outrora degradado.Machado assevera que: “na dúvida,opta-se pela solução que protejaimediatamente o ser humano e conserveo meio ambiente (in dubio pro salute ouin dubio pro natura)”35.

Por fim, cabe ainda destacar, suadiferença em relação ao princípio daprevenção, no sentido de que este, seatém aos efeitos já conhecidos, ou seja,aos riscos e aos impactos dedeterminada ação que já são de

conhecimento geral; ao passo, que aprecaução lida com a incerteza e falta deconcretude científica, sendo medidaantecipatória fundamental para se evitaralgum tipo de degradação ao ambiente.

3.2 Previsão no ordenamentojurídico pátrio

No ordenamento jurídico brasileiro, oprincípio da precaução, em matériaconstitucional, é previsto de formaimplícita, uma vez que foi recepcionadopela Constituição Federal de 1988(CF/88), in verbis:

Art. 225. Todos têm direito aomeio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comumdo povo e essencial à sadiaqualidade de vida, impondo-seao Poder Público e àcoletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para aspresentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar aefetividade desse direito,incumbe ao Poder Público:[...]V – controlar a produção, acomercialização e o emprego detécnicas, métodos e substânciasque comportem risco para avida, a qualidade de vida e aomeio ambiente.

Convém citar que o supracitado

inciso foi regulamentado pela Lei nº11.105/05 (Lei da Biossegurança), queassevera:

Art. 1o Esta Lei estabelecenormas de segurança emecanismos de fiscalizaçãosobre [...] OGM e seusderivados, tendo como diretrizeso estímulo ao avanço científicona área de biossegurança ebiotecnologia, a proteção à vidae à saúde humana, animal evegetal, e a observância doprincípio da precaução para aproteção do meio ambiente.

Na seara infraconstitucional, sua

previsão se deu expressamente na Lei nº9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais),inclusive com aplicação de penaidêntica ao crime de poluiçãoqualificada pelo resultado, in verbis:

Art. 54. Causar poluição dequalquer natureza em níveis taisque resultem ou possam resultarem danos à saúde humana, ouque provoquem a mortandade deanimais ou a destruiçãosignificativa da flora:[...]§ 3º Incorre nas mesmas penasprevistas no parágrafo anteriorquem deixar de adotar, quandoassim o exigir a autoridadecompetente, medidas de

precaução em caso de risco dedano ambiental grave ouirreversível. (grifo nosso)

Outrossim, cumpre destacar que oreferido princípio também foi elencadona Convenção sobre DiversidadeBiológica, ratificada pelo Brasil e emvigor desde 29 de maio de 1994, quecontém em seus considerandos, noPreâmbulo, o seguinte:

Observando também que quandoexista ameaça de sensívelredução ou perda de diversidadebiológica, a falta de plenacerteza científica não deve serusada como razão para postergar

medidas para evitar ouminimizar essa ameaça.Observando igualmente que aexigência fundamental para aconservação da diversidadebiológica é a conservação in situdos ecossistemas e dos habitatsnaturais e a manutenção depopulações viáveis de espéciesno seu meio natural.36 (grifonosso)

A precaução também se encontra naConvenção-Quadro das Nações Unidassobre a Mudança do Clima, ratificadapelo Brasil e em vigor desde 29 de maiode 1994, que dispõe em seu 3º Artigo,no princípio 3:

As partes devem adotar medidasde precaução para prever, evitarou minimizar as causas damudança do clima e mitigar seusefeitos negativos. Quandosurgirem ameaças de danossérios ou irreversíveis, a falta deplena certeza científica não deveser usada como razão parapostergar essas medidas,levando em conta que aspolíticas e medidas adotadaspara enfrentar a mudança doclima devem ser eficazes emfunção dos custos, de modo aassegurar benefícios mundiaisao menor custo possível.

Com isso, se depreende que oprincípio da precaução, estabelecido no

princípio 15 da Declaração do Rio de1992, é, efetivamente, um dos princípiosgerais do Direito Ambiental Brasileiro,assim como do Internacional, integrante,assim, do nosso ordenamento jurídicovigente. No entanto, observa-se que aabordagem dada a este princípio não sedá de forma unificada, uma vez que cadaConvenção que o Brasil participa trazum contorno diferenciado ao mesmo, oque dificulta por vezes sua valoração eefetivação nas situações concretas.

3.3 Efeitos de sua inobservância na

tutela dos recursos hídricostransfronteiriços

A inobservância do princípio daprecaução no Tratado de CooperaçãoAmazônica pode ser atestada da leiturasimples de seu texto, visto que emnenhum momento o previuexpressamente ou mesmo tacitamente emseus artigos. Apesar de ter utilizado,segundo Silveira:

[...] boa parte da suaregulamentação para priorizar ‘amais ampla liberdade denavegação comercial’ (art. III); a‘utilização racional dos recursos

hídricos’ (art. V); o‘melhoramento e habilitação’das ‘vias navegáveis’ (art. VI) e acriação de ‘uma infraestruturafísica adequada’ para ‘transportee comunicações’ (art. X).A ênfase nos rios se justifica emrazão da sua multiplicidade defunções no processo dedesenvolvimento econômico esocial da região. 37

Outrossim, essa falta de precauçãotraz várias consequências maléficas paraa preservação do meio ambiente naregião da Bacia Amazônica, pois é umaexcelente oportunidade para queempreendimentos ou atividades

potencialmente poluidoras, no âmbitodos países que a compõem, seestabelecessem.

Tendo em vista a quantidade de riosfronteiriços e transfronteiriços presentesna região, seria possível conseguir queos países se comprometessem a realizarestudos ambientais e priorizar aprecaução, não efetivando projetos emcaso de incerteza sobre os possíveisefeitos poluidores do empreendimento.Sobre isto, Caubet aponta que:

[...] a questão não consistia maisem possuir o acervo necessário

para fazer uma boa gestão dosrecursos hídricos ou do conjunto daAmazônia, mas implementarpolíticas públicas que levem emconsideração todos osparâmetros sócio-ambientaisefetivamente disponíveis e oserros já cometidos. Quem nãosabe que a UHE de Balbina foium desastre ambiental e deengenharia? Quem não sabe queo gigantismo de outras UHEs, jáplanejadas para a regiãoamazônica apesar de suasprevisíveis consequênciasnegativas em muitas dimensõesda qualidade de vida, não é maisadmissível? E se sabemos dosprováveis impactos negativos,por que teimarmos em realizar

projetos contraproducentes?Para dar péssimos, masideologicamente eficientes,pretextos de intervenção aterceiros Estados, que já nãotêm mais o que degradar emseus próprios territórios?38

Parece que a história se repete, seráque realmente há incertezas?Novamente, acontece o embate entre apreservação do meio ambiente e o seuuso para fins econômicos, por vezesdesconsiderando riscos de extremaimportância e grande incerteza, que sevalorados e quiçá limitados, os danos

poderiam ter sido evitados.Nesta senda, um assunto que gerou

grande discussão em âmbitointernacional foi a construção das usinasde Santo Antônio e Jirau, na calha do rioMadeira, cuja nascente provém deterritórios da Bolívia e do Peru. Até omomento, não se tem dados concretossobre o relacionamento das enchentesque assolaram a região, com as obrasafetas as barragens das referidasrepresas. Contudo, o fenômeno “natural”que impactou as regiõestransfronteiriças amazônicas afetas

provocou muitos danos socioambientais,no que tange a alagamentos de áreasurbanas e rurais, ao lançamento dedespejos urbanos nos cursos d’água, aincidência de doenças tropicais, eprejuízos e perdas sofridas pelaspopulações ribeirinhas e pelosmoradores locais.

Outro aspecto pertinente que cumpredestacar diz respeito ao impacto nopróprio curso d’água, em especial, adegradação dos ecossistemas afetos, queinfluem na própria sobrevivência daspopulações tradicionais, seja pela

redução da oferta de pescados quantopela perda da qualidade da água, econsequentes doenças que influemdiretamente em sua qualidade de vida.

A fim de ilustrar o que foi tratadoneste trabalho, cabe apresentar umaafirmação feita por Sant’Anna, atestandoque o TCA não está sendo capaz defazer nem mesmo que os paísesrespeitem o princípio da prevenção emrelação aos rios da Bacia Amazônica,muito menos o princípio da precaução,que é mais restritivo que o anterior:

A região amazônica boliviana

tem apresentado uma crescentedemanda por matérias-primas,resultando em uma exploraçãocada vez maior dos seusrecursos naturais. Entre osfatores atuais que tem causadopressões em torno dos recursosda bacia amazônica bolivianaestão: os incêndios derivados decertas práticas agrícolas;contaminação hídrica pormercúrio proveniente damineração do ouro (a presençade mercúrio foi confirmada norio Beni); [...].39

Essa citação nos mostra de que formaum país a montante pode afetar o país ajusante e confirma o que falamos em

relação à falta de observância doprincípio da precaução, presenteimplicitamente no dever de proteção epreservação a ser praticado pelosEstados do TCA, já que um danoambiental causado na Bolívia estendeseus efeitos até o Brasil, já que as águasdo Rio Beni correm para o territóriobrasileiro.

Entendemos que o TCA, como seupróprio nome nos indica, primou pelacooperação, sem dar maior importânciaà precaução. Segue o entendimento deGranziera acerca do princípio da

cooperação:

Cooperar é agir conjuntamente.É somar esforços. A cooperaçãosurge como uma palavra-chavequando há um inimigo acombater, seja a pobreza, seja apoluição, a seca, ou ainda areconstrução de um Estado ouregião, em período de pós-guerra. Na luta contra a poluiçãoe a degradação do meioambiente, e considerando que,por sua natureza, os recursosnaturais não se submetemnecessariamente às fronteiraspolíticas, cabe aos Estados queos compartilham atuar de formacoordenada, mesmo no que serefere às ações internas, paraevitar a ocorrência de danos,

assim como para racionalizar asmedidas de proteção que sefizerem necessárias.40

No entanto, ainda em nossoentendimento, nem mesmo a cooperaçãoestá efetivada, já que, por se tratar deum acordo-quadro, não contém normasregulamentares, de forma que tem sebuscado alcançá-la por meio dodesenvolvimento de projetos através daOTCA. Estes com o objetivo de coletare compartilhar informações acerca dascaracterísticas socioambientais afetas aimensidão da região, para que no futuro,

por certo, serem adotadas políticaspúblicas comuns pelos membros dotratado. Nesta feita, segundo artigopublicado na Revista Jurídica daPresidência da República:

Numa visão de futuro, o TCAdeve incrementar novosmodelos de cooperação e desolidariedade, contribuindoainda mais para o fortalecimentode suas bases institucionais, poisé importante que o pacto seconsolide como espaço regionalde cooperação e de decisão dosassuntos relativos à Amazônia.Os países signatários do TCAestão conscientes de que aAmazônia é uma área de

extremo valor estratégico e quea manutenção de sua soberania équestão imperativa.41

Por todo o exposto, o princípio daprecaução está implícito nos artigos doTCA, contudo sua aplicação não temsido considerada quando da tomada dedecisões pelos países signatários no quetange ao uso dos recursos hídricostransfronteiriços da Hiléia, uma vez queo interesse econômico por certo temsobressaltado ao ecológico, causandodanos inestimáveis a biota conexa aBacia Amazônica.

4 Considerações finais

Não restam dúvidas sobre as riquezasescondidas por toda a Bacia Amazônica,seja em minérios, em animais silvestres,em seres invertebrados, em plantasmedicinais, e principalmente em água,que é um bem insubstituível eindispensável para a manutenção detodas as formas de vida. Inegável,também, é que, motivados por interessespecuniários, “criminosos” causamdiversos danos ao meio ambiente nessaregião, quase diariamente, seja notráfico de animais, na biopirataria, no

garimpo ilegal, na caça e pescapredatória de animais em extinção ou napoluição das águas dos rios.

Este trabalho teve como objetivoverificar se o TCA se utiliza doprincípio da precaução comofundamento para a proteção do meioambiente, podendo ser verificado queeste não está explícito no texto doTratado Amazônico, todavia, há deforma clara a preocupação e opioneirismo dos países signatários, naproteção e utilização racional dosrecursos ambientais disponíveis, entre

os quais os recursos hídricos.Outrossim, cabe ressaltar, que o viés

principal do TCA foi garantir asoberania dos amazônidas na disposiçãodos bens ambientais disponíveis, e sebuscar um desenvolvimento da regiãoparalelo a sua preservaçãosocioambiental, no entanto, a sua faltade efetividade e a dificuldade decooperação entre os países temprejudicado o alcance de tais objetivos.

Cabe ainda inferir, que odesenvolvimento regional não pode serjustificativa para a não aplicação de

condutas pautadas na precaução, portodos os atores envolvidos na dinâmicasocioambiental da Amazônia, afinal estanão é obstáculo à sustentabilidade,apenas objetiva que seja valorado ereconhecido que o conhecimentocientífico não responde todos osquestionamentos atualmente existentes,mas, no caso do meio ambiente, sempredeve buscar desvendar e aclarar algoincerto para a não ocorrência dadegradação.

Os princípios da informação, dodever de proteção e preservação, bem

como a obrigação de não danificar comsuas condutas os demais paísesribeirinhos destacam a relevância e aconsideração do princípio da precaução,implicitamente, no TCA, ao passo queprevêem a necessidade de seremanalisados por todos os signatários, osimpactos que potenciais iniciativas noscursos d’água transfronteiriços podemprovocar ao meio ambiente como umtodo, mensurando se os riscos e asincertezas são aceitáveis ou não,inclusive estabelecendo, se assim forconsiderado, parâmetros limitativos.

Por certo, a aplicação do princípio daprecaução no contexto internacional éalgo complexo e lento, que dirá na searaamazônica, de grandes diferençassociais e econômicas, onde, por vezes,apesar de comprovados os elevadoscustos financeiros e socioambientais doempreendimento, as incertezas sãodesconsideradas em face dos interessesenvolvidos.

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1 Graduado em Direito pela UniversidadeEstácio de Sá (2006) e em Ciências Militarespela Academia Militar das Agulhas Negras(1999). Pós-graduado em CoordenaçãoPedagógica pela Universidade Federal Rural doRio de Janeiro (2007), em Ciências Militarespela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais(2007) e em Direito Militar pela UniversidadeCastelo Branco (2009). Atuou como AssessorJurídico do Comando Militar da Amazônia desetembro de 2008 a dezembro de 2010. Atuoucomo Chefe da Seção Técnica de Ensino e daSeção de Pós-Graduação da Escola deArtilharia de Costa e Antiaérea do ExércitoBrasileiro no ano de 2011 e como Chefe daSeção de Ensino à Distância da Escola deArtilharia de Costa e Antiaérea do ExércitoBrasileiro no ano de 2012. Atuou como Chefeda Assessoria Jurídica do Comando Militar daAmazônia e atualmente é adjunto da Agência deGestão e Inovação Tecnológica.

2 Bacharel em Direito pela Universidade doEstado do Amazonas (2012), emAdministração pela Universidade do Sul deSanta Catarina (2009) e em Ciências Militares(Curso de Formação de Oficial de Carreira doExército Brasileiro) pela Academia Militar dasAgulhas Negras (2004), com especializaçãoem Logística pela Universidade Gama Filho(2007) e em Direito do Trabalho e Processo doTrabalho pela Universidade do Sul de SantaCatarina (2015). Atualmente está finalizando oMestrado em Direito Ambiental daUniversidade do Estado do Amazonas (2014).

3 SANTOS, Sergio Rocha. Navegação. In:BRAGA, Benedito; REBOUÇAS, Aldo C.;TUNDISI, José Galizia. (orgs.) Águas doces noBrasil: capital ecológico, uso e conservação. 3.ed. Revisada e Ampliada. São Paulo: Escrituras,2006, p. 573-575.

4 Ibidem. p. 574.5 CAVALCANTI, Erivaldo; TORQUATO,

Carla Cristina Alves. Regimes internacionais esoft law: uma análise a partir da organização doTratado de Cooperação Amazônica. In: Direitointernacional [Recurso eletrônico].Organização: CONPEDI/ UNICURITIBA;Coordenadores: Wagner Menezes, ValescaRaizer Borges Moschen, Luiz Alexandre CartaWinter. Florianópolis: FUNJAB, 2013.

6 MACHADO, Paulo Affonso Leme.Direito ambiental brasileiro. 22. ed., revista,atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros,2014. p. 61-139.

7 GRANZIERA, Maria Luiza Machado.Direito de Águas: disciplina jurídica das águasdoces. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 42-63.

8 MACHADO, Paulo Affonso Leme.Direito ambiental brasileiro. 22. ed. revista,atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros,2014. p. 96.

9 GRANZIERA, Maria Luiza Machado.Direito de Águas: disciplina jurídica das águas

doces. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 51.10 DERANI, Cristiane. Tutela jurídica da

apropriação do meio ambiente e as trêsdimensões da propriedade privada. In: Revistade Direito Ambiental da Amazônia – Hiléia,n.1, ago-dez 2003. p. 66.

11 DERANI, Cristiane. Tutela jurídica daapropriação do meio ambiente e as trêsdimensões da propriedade privada. In: Revistade Direito Ambiental da Amazônia – Hiléia,n.1, ago./dez. 2003. p. 66.

12 CRETELLA NETO, José. Curso deDireito Internacional do Meio Ambiente.São Paulo: Saraiva, 2012. p. 79.

13 LEITE, José Rubens Morato. Sociedadede risco e Estado. In: CANOTILHO JoséJoaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato.(orgs). Direito constitucional ambientalbrasileiro. 5. ed. Revisada. São Paulo: Saraiva,2012. p. 163.

14 Ibidem. p. 164-167.

15 ONU. Declaração da Conferência dasNações Unidas sobre Meio AmbienteHumano. Estocolmo, 1972. Disponível em:<http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/estocolmo1972.pdf>.Acesso em: 08 maio 2014.

16 ANTIQUERA, Daniel de Campos. AAmazônia e a política externa brasileira:análise do Tratado de Cooperação Amazonica(TCA) e sua transformação em organizaçãointernacional (1978-2002). Dissertação(Mestrado em Relações Internacionais) –Programa San Tiago Dantas – ConvênioPUC/SP, UNESP e UNICAMP, Campinas,2006. Disponível em<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000393638>. Acesso em: 12 jul.2014. p. 49-52.

17 Ibidem, p. 57-58.18 LINS, Diogo de Oliveira. A efetividade

do Tratado de Cooperação Amazônica comotratado-quadro de proteção ambiental da fauna

e da flora do Brasil. In: Hiléia: revista dedireito ambiental da Amazônia. Ano-8. Nº14.Jan-Jun/2010. Manaus: UEA Edições, 2010, p.305.

19 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, GeraldoEulálio do Nascimento e; CASELLA, PauloBorba. Manual de direito internacionalpúblico. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 766.

20 ABBOTT, Kenneth W; KEOHANE,Robert O; MORAVCSIK, Andrew;SLAUGHTER Anne-Marie; SNIDAL, Duncan.The Concept of Legalization ininternational organization. v. 54, n. 3.Cambridge, Ma: IO Foundation and the MIT,summer, 2000. Disponível em<http://www.princeton.edu/~amoravcs/library/concept.pdf>Acesso em 30 jun. 2014. p 402.

21 CAVALCANTI, Erivaldo; TORQUATO,Carla Cristina Alves. Regimes internacionais esoft law: uma análise a partir da organização doTratado de Cooperação Amazônica. In: Direito

internacional [Recurso eletrônico].Organização: CONPEDI/ UNICURITIBA;Coordenadores: Wagner Menezes, ValescaRaizer Borges Moschen, Luiz Alexandre CartaWinter. Florianópolis: FUNJAB, 2013.

22 ANTIQUERA, Daniel de Campos. AAmazônia e a política externa brasileira:análise do Tratado de Cooperação Amazonica(TCA) e sua transformação em organizaçãointernacional (1978-2002). Dissertação(Mestrado em Relações Internacionais) –Programa San Tiago Dantas – ConvênioPUC/SP, UNESP e UNICAMP, Campinas,2006. Disponível em<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000393638>. Acesso em: 12 jul.2014. p. 62.

23 SANT’ANNA, Fernanda Mello.Cooperação internacional e gestãotransfronteiriça da água na Amazônia. 2009.Dissertação (Mestrado em Geografia Humana)

- Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas, Universidade de São Paulo, SãoPaulo, 2009. Disponível em:<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-23112009-094606/>. Acesso em: 27 jul.2014. p. 112.

24 ARAGÓN, Luis E.; Dias, Marco AntonioR..Amazônica para o conhecimento e o uso dosrecursos hídricos da região. In: ARAGÓN, LuisE.; CLÜSENER-GODT, Miguel (orgs).Problemática do uso local e global da água daAmazônia. Belém: NAEA, 2003. p. 464.

25 MMA. Princípio da precaução.Disponível em:<http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biosseguranca/item/7512-princ%C3%ADpio-da-precau%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 25maio 2014.

26 ONU, Organização das Nações Unidas.Convenção-Quadro das Nações Unidassobre a Mudança do Clima. Rio de Janeiro,

1992. Disponível em:<http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/convencao_clima.pdf>.Acesso em: 20 maio 2014.

27 MACHADO, Paulo Affonso Leme.Direito ambiental brasileiro. 22. ed., revista,atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros,2014. p. 99.

28 GREENPEACE. O Princípio dePrecaução e os Transgênicos: umaabordagem científica do risco. Disponívelem:<http://www.greenpeace.org.br/transgenicos/pdf/principio_precaucao.pdf>.Acesso em: 25 maio 2014.

29 MACHADO, Paulo Affonso Leme.Direito ambiental brasileiro. 22. ed., revista,atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros,2014. p. 104-115.

30 Ibidem. p. 105.31 Ibidem. p. 9532 SILVA, Solange Teles da. Princípio da

precaução: uma nova postura em face dos

riscos e incertezas científicas In: VARELLA,M.D. (Org.) Princípio da precaução. BeloHorizonte: Del Rey, 2004. p. 83.

33 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op.Cit. p. 105.

34 Ibidem. p. 114.35 Ibidem. p. 111.36 MMA, Ministério do Meio Ambiente. A

Convenção sobre Diversidade Biológica.Brasília, DF, 2000. Disponível em:<http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/cdbport.pdf>.Acesso em: 27 maio 2014.

37 SILVEIRA, Edson Damas. Direitosocioambiental – Tratado de CooperaçãoAmazônica. Curitiba: Juruá, 2005. p. 65.

38 CAUBET, Christian Guy. A água docenas relações internacionais. Barueri, SP:Manole, 2006. p. 186.

39 SANT’ANNA, Fernanda Mello.Cooperação internacional e gestãotransfronteiriça da água na Amazônia. 2009.

Dissertação (Mestrado em Geografia Humana)- Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas, Universidade de São Paulo, SãoPaulo, 2009. Disponível em:<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-23112009-094606/>. Acesso em: 27 jul.2014. p. 137.

40 GRANZIERA, Maria Luiza Machado.Direito de Águas: disciplina jurídica das águasdoces. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 52.

41 DOMINGUES, Leyza Ferreira. O tratadode cooperação amazônica e sua repercussão noprocesso de integração/cooperação dos países-membros na expressão de sua soberania frenteà ameaça internacional. Revista Jurídica daPresidência da República, Brasília: [s.n.], v.8, n. 78, abr/maio, 2006. p. 69.

O AVANÇO DAS NORMASDE PROTEÇÃO DA

PROPRIEDADEINTELECTUAL NOS

ACORDOSPREFERENCIAIS DE

COMÉRCIO E O REGIMEJURÍDICO BRASILEIRO:A QUESTÃO DA PATENTEDE PLANTAS E ANIMAIS

Germana Parente Neiva Belchior1

Alebe Linhares Mesquita2

Introdução

A economia mundial é pautada peladesarticulação da cadeia produtiva esuperação das fronteiras nacionais, a fimde se diminuir os custos da produção.Na hodierna prática capitalista, o bemde consumo não é mais pensado,produzido e vendido em um único país.Cada uma dessas práticas pode serrealizada em um país diferente, de talforma que cada fase é regulada por um

regime jurídico diverso. Ainternacionalização do processoprodutivo transforma o mundo atual emuma grande linha de produção, tornandoas relações econômicas, sociais ehumanas cada vez mais complexas.

Diante dessa nova dinâmicamercantil, os direitos de propriedadeintelectual se destacam como um dosprincipais instrumentos para garantir aestabilidade e a segurança jurídicanecessária à internacionalização doprocesso produtivo. Por conseguinte,devido a sua importância, os países

adotaram o Agreement on Trade-Related Aspects of IntellectualProperty Rights, mais conhecido comoAcordo TRIPS, no âmbito daOrganização Mundial do Comércio(OMC).

O Tratado estabelece padrõesmínimos de proteção dos direitos depropriedade intelectual, facultando aosEstados-Membros, em suas legislaçõesnacionais, conceder proteção maisampla que a convencionada. Entretanto,devido ao impasse das negociaçõescomerciais da Rodada Doha, lançada em

novembro de 2001, e ainda nãofinalizada com sucesso, o mundo tempresenciado o aumento significativo deAcordos Preferenciais de Comércio(APCs), concluídos em paralelo aosistema da OMC.

Essa nova geração de acordos nãotrata apenas de normas já reguladas noâmbito da OMC, mas aprofunda aregulação já existente, bem como avançaem temas ainda não regulados no âmbitomultilateral. No entanto, oaprofundamento dos dispositivos depropriedade intelectual no plano dos

APCs, que excedem o convencionado noTRIPS (trips-plus) ou que criam novasregras (trips-extra) não sãonecessariamente mais vantajosas àcomunidade internacional.

Nesse sentido, especial atenção deveser dada ao avanço de cláusulas quepermitem patenteabilidade de plantas eanimais. A questão é bastante polêmica,uma vez que transcende aos direitosindividuais do inventor, envolvendotanto aspectos éticos e morais, comoquestões de ordem científica eeconômica, muito complexas ao Direito.

Lida com questões que envolvem a vidade diversas espécies da atual e dasfuturas gerações e a suacomercialização, cuja complexidade élatente. O diálogo entre o DireitoAmbiental, Comércio Internacional eDireito Internacional se faz presente,estando em constate movimento eevolução. Referido diálogo, entretanto,não envolve relações maniqueístas edualistas, postas em situação deoposição, do tudo ou nada, a partir deuma dialética excludente e cartesiana.

Nesse contexto, insere-se a discussão

sobre as possíveis dissonâncias doordenamento jurídico nacional em faceda expansão das cláusulas depatenteabilidade de plantas e animaispactuadas no âmbito dos APCs. Cumpredestacar que o Brasil sempre privilegioua esfera multilateral como principal forode negociações, envidando poucosesforços nas negociações de APCsdurante as décadas de 1990 e 2000.Atualmente, o país dispõe apenas dedoze3 tímidos acordos em vigor quetratam basicamente de normas járeguladas na OMC, não trazendo

grandes inovações em outros campos.Assim, o isolamento do Brasil nessa

nova dinâmica de negociaçõescomerciais levanta preocupações.Independentemente de aprová-la ou não,a multiplicação dos AcordosPreferenciais é um fato, provavelmenteduradouro, com o qual país precisa lidare se posicionar firmemente. Porconseguinte, insta promover um diálogoentre as novas fontes do DireitoInternacional da Propriedade Intelectuale do Direito Ambiental e com oarcabouço jurídico pátrio, a fim de

mensurar os reais custos de transação eos seus impactos nas políticas voltadasao desenvolvimento nacional.

Esse trabalho se justifica pelaimportância que o tema apresenta naatualidade. Os direitos de propriedadeintelectual devem ser protegidos demodo a contribuir para a inovação,criatividade e o desenvolvimentosustentável das presentes e futurasgerações. Eles não podem ser vistos pormeio de lentes puramente economicistas,que reduzem plantas e animais a valoresmeramente econômicos. Pelo contrário,

demanda-se uma visão que englobe areal complexidade das trocas mercantise as suas consequências para o serhumano e o meio ambiente que oenvolve.

Por meio de uma pesquisa teórica,bibliográfica, descritiva e exploratória,o artigo tem como objetivo geralinvestigar o avanço das cláusulas depatenteabilidade de plantas e animaisnos Acordos Preferenciais de Comércioem face do ordenamento jurídicobrasileiro. Para tanto, o presentetrabalho é dividido em três momentos

distintos. Primeiramente, analisa-se ainserção do tema da propriedadeintelectual no sistema multilateral docomércio. Posteriormente, evidencia-sea problemática da proliferação dosAcordos Preferenciais de Comércio edas suas cláusulas de patenteabilidadede plantas e animais. Por fim, reflete-sesobre o arcabouço jurídico brasileiroem face do avanço dessas novas normascomerciais internacionais, a partir doolhar da complexidade ambiental.

1 A propriedade intelectual no

Sistema Multilateral do Comércio

O termo propriedade intelectual éuma expressão genérica utilizada paradesignar o grupo de regimes jurídicosque confere direitos de posse sobre aexploração de uma determinadainformação específica.4 A propriedadeintelectual, afirma Sherwood, derivaessencialmente da combinação entre aatividade privada - traduzida em ideias,invenções e expressões criativas - e ointeresse público de dar status depropriedade a essas criações.5 SegundoSpence, o direito de propriedade

intelectual pode ser conceituado como odireito de propriedade para controlar osusos particulares de um determinadotipo de ativo intangível.6

A origem dos direitos de propriedadeintelectual está intrinsecamente ligadaao emaranhado de regras corporativas,práticas de censura e atividadesgovernamentais destinadas a estimular aindústria local e garantir moralidadecomercial. Inicialmente, as demandas deproteção eram atendidas por meio daslegislações nacionais nas formas depatentes, direitos autorais e marcas

registradas. No entanto, à medida que ocomércio internacional foi seexpandindo, uma maior proteção tornou-se cada vez mais imprescindível. Sem aproteção internacional, os inventoresnacionais competiam em desvantagemem seu mercado interno, uma vez queperdiam suas vendas para asmercadorias estrangeiras funcionalmenteequivalentes e mais baratas.7

Assim, assevera Lowenfeld, essasdemandas levaram à adoção de umasérie de tratados nos âmbitos bilaterais,regionais e multilaterais que culminaram

na Convenção de Paris de 1883(Proteção da Propriedade Industrial) ena Convenção de Berna de 1886(Proteção das Obras Literárias eArtísticas).8 Essas convenções, afirmaMay, caracterizam-se como a primeiratentativa de promover a harmonização ea proteção da propriedade intelectualinternacionalmente.9

A princípio, cada uma dasconvenções foi administrada por umpequeno secretariado específico, porém,em 1893, seus trabalhos foram reunidospara formar o Escritório Internacional

Unificado pela Proteção da PropriedadeIntelectual, mais conhecido pela siglaem francês BIRPI.10

Todavia, devido à crescenteimportância da propriedade intelectualpara a economia mundial e à ascendentemultiplicação das convençõesinternacionais sobre a matéria, o BIRPIfoi transformado em OrganizaçãoMundial da Propriedade Intelectual(OMPI) por meio da celebração, em1967, do Tratado de Estocolmo.11 Comsede em Genebra, a entidade compõe oquadro de organizações especializadas

das Nações Unidas, apresentando-secomo o principal organismointernacional de promoção dos direitosde propriedade intelectual no mundo.12

No âmbito do sistema multilateral decomércio, a questão da propriedadeintelectual se insere, de fato, no contextoda Rodada Uruguai de negociaçõescomerciais do Acordo Geral de Tarifase Comércio.13 Apesar de o texto doGATT de 1947 já apresentar,timidamente, alguns dispositivospertinentes à matéria,14 foi nessemomento que o tema foi tratado de forma

categorizada. Essa mudança, esclareceBasso, decorreu do reconhecimento,principalmente nas décadas de 70 e 80,da estreita relação entre proteção dapropriedade intelectual e aumento docomércio mundial, bem como daimportância desse vínculo para apromoção dos investimentosestrangeiros e do desenvolvimentotecnológico.15

Não obstante as razões expedidas, asconcepções sobre os níveis de proteçãoda propriedade intelectual entre ospaíses desenvolvidos e os em

desenvolvimento eram bem distintas.Índia e Brasil lideravam a coalizãocontra a inclusão do tema no mandatonegociador, alegando que aregulamentação do tema beneficiariaprincipalmente os países ricos,dificultando a difusão de novastecnologias que promovessem odesenvolvimento dos países periféricos.Já os Estados Unidos e União Europeiaobjetivavam introduzir reformassistêmicas de proteção da propriedadeintelectual a fim de favorecer a criaçãode um ambiente propício ao

investimento estrangeiro.Na barganha final, afirma

Thorstensen, os países emdesenvolvimento aceitaram a inclusãodo tema nas negociações da Rodada,desde que alguma liberalização do setoragrícola fosse concedida.16 A tensãoentre países desenvolvidos e emdesenvolvimento, assevera Rosenberg,perdurou durante todo o período denegociação, de modo que um consensosó foi atingindo a partir da adoção decontrapartidas em temas como limitaçãode subsídios agrícolas à exportação e

acesso a mercados nos setores têxtil eagrícola.17

Assim, após longa negociação e trocade concessões entre os países, astratativas resultaram na adoção doAcordo sobre Aspectos dos Direitos dePropriedade Intelectual Relacionadasao Comércio, usualmente referido porseu acrônimo em inglês TRIPS.18 Eleintegra o Acordo Constitutivo da OMC,assinado em Marraqueche, em 15 deabril de 1994, como seu anexo 1C,vinculando todos os Estados-Membrosda Organização.19

O Acordo TRIPS tem por objetivo aproteção e a aplicação de normas deproteção dos direitos de propriedadeintelectual de modo a contribuir para apromoção da inovação tecnológica e àtransferência e difusão de tecnologia, embenefício mútuo de produtores eusuários de conhecimento tecnológico ede uma forma conducente ao bem-estarsocial e econômico e a um equilíbrioentre direitos e obrigações (Art. 8).

Dentre as várias motivações quejustificaram a inclusão do AcordoTRIPS, Basso destaca duas razões

fundamentais: “o interesse de completaras deficiências dos sistemas depropriedade intelectual da OMPI e anecessidade de vincular,definitivamente, o tema ao comérciointernacional.”20 A finalidade doAcordo, afirma Thorstensen, consiste em“estabelecer um quadro de referênciapara as negociações multilaterais deprincípios, regras e disciplinasrelacionados com os direitos depropriedade intelectual, de forma queessas medidas não se transformem embarreiras ao comércio.”21

Nesse sentido, assevera AmaralJúnior, os signatários concordaram emestabelecer um padrão mínimo deproteção da propriedade intelectual emcampos, tais como direitos do autor,marcas, patentes, indicaçõesgeográficas, topografia de circuitosintegrados, informações confidenciais edesenhos industriais.22 As obrigaçõesacordadas representam um standardmínimo de proteção, permitindo aosEstados-Membros, em suas legislaçõesnacionais, concederem proteção maisampla que a convencionada no

Acordo.23

Cabe destacar que o TRIPS foiarquitetado com base em váriasconvenções internacionais sobre osdireitos de propriedade intelectual.24 Deacordo com Váldes e McCann, o Acordoleva adiante muitas das garantiasestabelecidas nas Convenções de Paris ede Berna, aplicando-as a todos osmembros da OMC, independentementede serem signatários ou não.25 Porconseguinte, argumenta May, o escopoda governança global em propriedadeintelectual foi consideravelmente

ampliado e seus mecanismos deexecução legal aprimorados.26

Ademais, nota-se que o TRIPSconsagra princípios basilares do GATT,como o do tratamento nacional27 e o danação mais favorecida28; destaca atransparência e a notificação nosprocedimentos; e cria o conselho dosDireitos de Propriedade Intelectual como objetivo de fiscalizar o cumprimentodo Acordo e garantir aos membros daOMC um fórum para consultas.29

No que tange mais especificamente àpossibilidade de se patentear plantas e

animais, o TRIPS deixa essa escolha aosEstados-Membros. Segundo seu artigo27.3.b, as partes podem considerarcomo não patenteáveis plantas eanimais, excetuando-se microrganismose processos essencialmente biológicospara produção de plantas ou animais,excetuando-se os processos nãobiológicos e microbiológicos. Assim, oAcordo permite a exclusão depatenteabilidade de plantas e animaisem geral.

Impõe-se ainda destacar que o TRIPSdelegou ao Sistema de Solução de

Controvérsias da OMC a tarefa dedirimir eventuais litígios que porventuravenham a surgir.30 A transição para ummecanismo de solução de controvérsiasmais efetivo e rigoroso dentro daestrutura da OMC representa uma dasmaiores mudanças provocadas pelaadoção do Acordo. Segundo May, aOMPI não possuía autoridade suficientepara dirimir questões relacionadas àexecução internacional de uma formaeficaz.31 Nesse aspecto, assevera Basso,o TRIPS “dotou a legislaçãointernacional elaborada pela OMPI, e

mesmo antes dela, de defesa e de ataque,na medida em que se somou aosinstrumentos internacionais preexistentessobre a matéria e, ao mesmo tempo,acrescentou dados novos.”32

Por fim, cumpre ressaltar que oAcordo não possui aplicação imediatanos ordenamentos jurídicos internos dosEstados-Membros, haja vista que, nacondição de tratado-contrato, osdestinatários das suas normas são osmembros da OMC que assumiram ocompromisso de implementar em suaslegislações nacionais os padrões

mínimos de proteção.33

Assim, salienta Amaral Júnior, oTRIPS não cria nenhum direitosubjetivo, mas delega a cada sistemajurídico a incumbência de efetuar,mediante normas adequadas, aregulamentação pertinente.34 Todavia,esclarece May, a inação do legislativonacional pode resultar em umareclamação perante o Órgão de Soluçãode Controvérsias da OMC.35 Destarte,estabeleceu-se o prazo de um ano parapaíses desenvolvidos e de cinco anospara países em desenvolvimento para a

implementação do Acordo, a contar dadata da criação da OMC (Art. 65).36

Por ocasião do lançamento da RodadaDoha em 2001, a sua DeclaraçãoMinisterial reitera que o Acordo TRIPSnão pode impedir membros de adotaremmedidas para a proteção da saúdepública, devendo ser interpretado eimplementado de maneira a favorecer oacesso a medicamentos de formauniversal. O mandato também determinao estudo da relação entre o TRIPS e aConvenção sobre Diversidade Biológica(CDB), assim como a discussão sobre a

extensão do sistema de registro deindicações geográficas para além devinhos e destilados.37

Em suma, o TRIPS representa umdocumento essencial na compilação dosdireitos de proteção da propriedadeintelectual na sociedade internacionalcontemporânea, vinculandodefinitivamente esses direitos aocomércio internacional. Entretanto,recentemente, os níveis de proteção porele estabelecidos têm sidosignificativamente aumentados noâmbito dos Acordos Preferenciais de

Comércio, impondo-se, assim, a análisedessa nova tendência regulatória.

2 A proliferação dos AcordosPreferenciais de Comércio

Nas últimas décadas, o mundo tempresenciado um aumento significativo deAcordos Preferenciais de Comércio(APCs)38, negociados em paralelo aosistema da OMC. Segundo o WorldTrade Report de 2013, esses acordospreferenciais mais que triplicaram entre1990 e 2010, passando de cerca de 70no início desse período para mais de

300.39 Em 2013, o número de APCsnotificados à OMC chegou a 546, dentreos quais, 356 já se encontram emvigor.40

Dentre os fatores que explicam adifusão desses acordos, Baccini e Dürressaltam a “estagnação do processo deliberalização do comércio multilateral, abusca por economias de escala, o desejode demonstrar comprometimento compolíticas econômicas e comerciaisespecíficas e a proteção deinvestimentos estrangeiros diretos.”41 Damesma forma, Baldwin entende essa

nova onda de acordos comerciais comouma resposta às demandas doregionalismo do século 21 que tem comonúcleo o nexo comércio-investimento-serviço (trade-investment-servicenexus).42

Embora aparentemente incompatívelcom a ideia central do sistemamultilateral de comércio, os AcordosPreferenciais não são proibidos pelasregras da OMC. Pelo contrário, o artigoXXIV do GATT permite a suacelebração, desde que certas regrassejam seguidas. No entanto, é importante

ressaltar que esta disposição é umaclara exceção à cláusula da nação maisfavorecida, estabelecida no artigo I doGATT. A lógica por de trás dessacondição consiste em permitir que ospaíses negociem e reduzam as tarifas emgrupos menores, de modo que seja maisfácil de promover a liberalização docomércio mundial como um todo.

Entretanto, Rollo ressalta que, cadavez mais, APCs vão além do simplesdesmantelamento das barreirasaduaneiras do comércio de bens.Atualmente, esses acordos incluem

serviços e outros elementos deintegração, como liberalizaçãoregulatória, política de concorrência,investimentos e proteção da propriedadeintelectual.43

Em recente estudo elaborado porValdés e McCann, identificou-se umatendência de aceleração na celebraçãode APCs com dispositivos depropriedade intelectual. Segundo osautores, aproximadamente 65% dosAPCs atualmente em vigor contém algumtipo de disposição sobre propriedadeintelectual que aborda desde cláusulas

gerais até comprometimentos em áreasespecíficas. Os maiores sistemas sãoaqueles em torna da União Europeia edos Estados Unidos.44

Dentre as razões para incorporarnormas de propriedade intelectual aosAPCs, Fink destaca as significativasmudanças ocorridas nessa área desde acelebração do TRIPS, a sua relevânciacomo contrapartida necessária em umpacote global de negociaçõescomerciais, e a crescente tendência deincluir propriedade intelectual nadefinição de investimento.45

Dentre a pluralidade de APCscelebrados nas últimas décadas, asnegociações de cláusulas que preveem apossibilidade de se patentear plantas eanimais têm chamado especial atençãoda comunidade internacional. O Acordode Livre Comércio celebra por EstadosUnidos e Chile (2003), por exemplo,prevê em seu artigo 17.9 que: cada parteempreenderá os melhores esforços paradesenvolver e aprovar legislação paraproteção de patentes disponíveis para asplantas que são novas, envolvem umaatividade inventiva e são capazes de

aplicação industrial.46

Em sentido semelhante, o Acordo deLivre Comércio celebrado entreRepública Dominicana, América Centrale Estados Unidos (2004) estabelece, emseu artigo 15.9, que qualquer Estado-Membro que não forneça proteção depatentes de plantas até a data de entradaem vigor do Acordo deve envidar todosos esforços para tornar essa proteçãodisponível. Ademais, também se exigeque qualquer parte que forneça proteçãode patentes para plantas e animais apartir de, ou após, a data de entrada em

vigor do Acordo deve manter essaproteção.47

Essas medidas, esclarecem Roffe eSpennemann, são uma clara derrogaçãoda flexibilidade do TRIPS, uma vez quevedam a possibilidade de se alterar aslegislações nacionais em caso demudança das condições e circunstânciasdo Acordo.48 Essa mesma abordagemtambém é adotada nos APCs celebradospelos Estados Unidos com Peru (2006),Colômbia (2006) e Panamá (2007).

Já o Acordo celebrado entre EstadosUnidos e Marrocos (2004) estabelece,

explicitamente, em seu artigo 15.9, quecada parte tornará disponível patentespara plantas e animais.49 Na mesmalinha, mas de forma intermediária, oAcordo celebrado entre Estados Unidose Bahrein (2006) institui, em seu artigo14.8, a obrigatoriedade dadisponibilidade de patentes paraplantas, não a estendendo, contudo, paraanimais.50

Percebe-se, assim, que a proliferaçãode Acordos Preferencias de Comércioestá estabelecendo cláusulas quepossibilitam a patenteabilidade de

plantas e animais. Nessa nova dinâmicade negociações comerciais, os MegaAcordos Regionais de Comércio(Mega-Regional Trade Agreements)têm, cada vez mais, ganhado destaque nodebate público.

De acordo com Meléndez-Órtiz, essesacordos podem ser definidos comoprofundas parcerias de integração entrepaíses ou regiões que dispõem de umagrande participação no comérciomundial e no investimento estrangeirodireto, e na qual duas ou mais partesestão em uma posição de condução

primordial ou servem como hubs paraas cadeias globais de valor.51

Caso adotados com sucesso, essesAcordos terão um significativo impactono regime internacional de comércio.Logo, faz-se necessário analisar,brevemente dois importantes MegaAcordos atualmente em negociação como intuito de se compreender os rumos daregulamentação internacional dapropriedade intelectual nas próximasdécadas: o Trans-Pacific Partnership eo Trans-Atlantic Trade and InvestmentParnership.

O (i) Trans-Pacific Partnership –TPP busca alcançar uma amplaliberalização de bens e serviços,implicando em uma abrangentecobertura do comércio de serviços,investimento, compras governamentais,medidas não tarifárias, propriedadeintelectual e outros tópicosregulatórios.52 A parceria une onzeeconomias da Ásia e do Pacífico àeconomia norte-americana.53

Originalmente um Acordo de LivreComércio entre Brunei, Chile, NovaZelândia e Singapura (Pacific-4), o TPP

engloba mais oito países: EstadosUnidos, Austrália, Canadá, Japão,Malásia, México, Peru e Vietnã (TPP-12).54 Nota-se que os 12 paísesparticipantes do TPP sãoeconomicamente e demograficamentediversos, apresentando uma grandevariação em seus níveis dedesenvolvimento e em interessesestratégicos e econômicos.

No entanto, apesar dessasdisparidades, o objetivo continua sendoa adoção de um extenso acordo únicoque envolva todos os Estados-Membros.

Atualmente, as negociações sobrepropriedade intelectual no âmbito doTPP incluem a possibilidade de sedisponibilizar patentes para plantas eanimais.55

De acordo com Frankel, o potencialalcance do capítulo do Acordo sobrepropriedade intelectual tem gerado umasérie de polêmicas. A autora ressaltaque o TPP busca um nível de proteçãoda propriedade intelectual muito maiselevado do que o do TRIPS e muitosmais extenso do que o de outros APCsem que os Estados Unidos são parte.56

O (ii) Trans-Atlantic Trade andInvestment Parnership (TTIP) é umanova tentativa de superar as históricasdisparidades e harmonizar o comércioentre os Estados Unidos e a UniãoEuropeia. Em termos de Produto InternoBruto, o TTIP é o mais importante dentreos Mega Acordos, representando 45%do PIB mundial. A parceria objetivaestabelecer um abrangente acordocomercial entre os EUA e a UniãoEuropeia voltada à liberalização docomércio e à eliminação das barreirasnão tarifárias.57

As negociações do TTIP sãoorganizadas em três seções, abordandocada uma as seguintes questões: acessoa mercado; regulamentação e barreirasnão tarifárias; e normas. O tema dapropriedade intelectual é tratado naseção relativa às normas, abordandotópicos como aprofundamento do regimede propriedade intelectual e o aumentoda efetividade e do nível de medidascoercitivas.58

No que se refere à previsão decláusulas de patenteabilidade de plantase animais, o Parlamente Europeu

manifestou a discordância dos pontos devista dos Estados Unidos (pró-patente) eo europeu (contra patente) nessa matériaem específico. Enquanto os EstadosUnidos advogam essa possibilidade, aUnião Europeia ainda é cética quanto aoassunto. Entretanto, a questão ainda nãofoi retirada da mesa, encontrando-se emdiscussão.59

Diante do exposto, torna-se evidente acomplexidade do conteúdo dos APCs.Como observado por Van Langenhove,esses novos Acordos tornaram-se ummero instrumento estratégico de acesso a

mercados utilizado por países,individualmente, sem reais motivos deintegração. Eles são empregados emparcerias preferenciais conduzidas porvetores políticos e econômicos, mas semrelação com as dinâmicas regionais.Ademais, eles contêm, frequentemente,aspectos discriminatórios queprejudicam terceiros países devido aodesvio do comércio.60

Na mesma linha de raciocínio, Stiglitze Charlton afirmam que os países menosdesenvolvidos já reconheceram que,nessas negociações bilaterais, sua

posição de barganha ainda é mais fracado que já é no cenário multilateral.61

Para Rodrick, “esses acordos são, naverdade, um meio para que os EstadosUnidos e a União Europeia exportemsuas próprias abordagens regulatóriaspara as nações em desenvolvimento.”62

No que concerne à questão dapropriedade intelectual, Drahosassevera que os países emdesenvolvimento se encontramatualmente encurralados no paradigmade elaboração das normasinternacionais, as quais são dominadas

por Estados Unidos, União Europeia egrandes transnacionais.63 No mesmosentido, Joseph argumenta que oaumento de APCs está retirando dospaíses em desenvolvimento o espaço demanobra suficiente para implementarpolíticas públicas necessárias paracombater a pobreza, promover odesenvolvimento e cumprir com as suasobrigações no âmbito dos DireitosHumanos.64

Nesse contexto, no sentido depreparar o Brasil para tomar decisõesacertadas, faz-se necessário avaliar o

arcabouço jurídico interno, de modo afazer prevalecer os seus objetivos dedesenvolvimento nacional diante domutável cenário da regulamentaçãointernacional da propriedade intelectual.

3 O regime jurídico brasileiro deproteção da propriedade intelectual ea patenteabilidade de plantas eanimais

O princípio da propriedade privadaretrata a adoção pelo sistema capitalistade produção, fundado na livre iniciativa,evidenciando que o crescimento

econômico é objetivoconstitucionalmente assegurado. Noentanto, na perspectiva adotada peloEstado brasileiro, o direito depropriedade não é absoluto (assim comonenhum direito fundamental), estandocondicionado ao cumprimento da funçãosocial.65 Sob a égide da ConstituiçãoFederal de 1988, o direito àpropriedade é consagrado como umdireito fundamental, garantindo a suainviolabilidade aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no país.

Referida função social se alarga para

incluir critérios ambientais, o que fazalguns doutrinadores defenderem umafunção socioambiental da propriedade,como Figueiredo66, ou uma funçãoecológica, nos moldes propostos porBenjamin.67

No que tange mais especificamenteaos direitos de propriedade intelectual,o art. 5o, da Carta Magna, em seusincisos XXVII, XXVIII e XXIX,estabelece, respectivamente, que:

XXVII – Aos autores pertence odireito exclusivo de utilização,publicação ou reprodução desuas obras, transmissíveis aos

herdeiros pelo tempo que a leifixar;XXVIII – São assegurados, nostermos da lei: (a) a proteção àsparticipações individuais emobras coletivas e à reproduçãoda imagem e voz humanas,inclusive nas atividadesdesportivas; (b) o direito defiscalização do aproveitamentoeconômico das obras quecriarem ou de que participaremaos criadores, aos intérpretes eàs respectivas representaçõessindicais e associativas;XXIX – A lei assegurará aosautores de inventos industriaisprivilégio temporário para a suautilização, bem como proteçãoàs criações industriais, àpropriedade das marcas, aos

nomes de empresas e outrossignos distintivos, tendo emvista o interesse social e odesenvolvimento tecnológico doPaís.

Observa-se, portanto, que o mais altoinstrumento da pirâmide normativabrasileira consagra o direito àpropriedade e, por conseguinte, osdireitos de propriedade intelectual,como direitos do ser humanopositivamente reconhecidos. Logo,conforme Piovesan, o direito àpropriedade intelectual demanda umaleitura “capaz de transitar da ótica

individual, privatista, inspirada,sobretudo, na proteção do direitoexclusivo do autor/inventor, para umaótica social coletivista, que assegura orespeito aos direitos humanos,particularmente dos direitos sociaisconstitucionalmente garantidos.”68

Ademais, convém notar que a ordemeconômica, estabelecida pela CartaMagna de 1988, funda-se na livreiniciativa e tem por finalidade assegurarexistência digna a todos. Dentre osprincípios a serem observados, destaca-se os da garantia da propriedade

privada, da função social dapropriedade, da livre concorrência, aproteção do meio ambiente e o da defesado consumidor (Art. 170, CF/88).

A propriedade intelectual éclassificada, para efeitos legais doCódigo Civil Brasileiro, como bensmóveis (mobiliários), enquadrando-secomo direitos pessoais de caráterpatrimonial (art. 82, III, CC) , sendo-lhes reservados os direitos de usar,gozar e dispor (art. 1.228, CC). Valeressaltar que a propriedade,notadamente aquela resultante das

patentes e demais direitos industriais,não é absoluta. Nesse aspecto, Barbosaressalta que a propriedade intelectual sóexiste em atenção ao seu interesse sociale para propiciar o desenvolvimentotecnológico e econômico do país.69

A instituição de um regime jurídico deproteção da propriedade intelectual nãoé recente na história do direitobrasileiro. A sua origem remonta aoperíodo Colonial, no qual vigorava oAlvará de 1809, do Príncipe RegenteDom João VI, que “previa a concessãodo privilégio de exclusividade aos

inventores e introdutores de novasmáquinas e invenções, como umbenefício para a indústria e as artes.”70

Esta norma coloca o Brasil como umadas quatro primeiras nações no mundo ater uma legislação sobre o tema. TalAlvará Régio, ressalta Barbosa, “foiprovavelmente o nosso primeiro Planode Desenvolvimento Econômico.”71

Segundo Barral e Pimentel, essa lei eoutras promulgadas a partir de 1822colocaram o Brasil na vanguarda daregulamentação dos direitos depropriedade intelectual no mundo.72

Desde então, acompanhando odinâmico funcionamento da produção edo desenvolvimento tecnológico, oBrasil vivenciou uma grande evoluçãodo seu arcabouço jurídico em matéria deproteção da propriedade intelectual.Hodiernamente, “o Direito dePropriedade Intelectual positivobrasileiro compreende a Constituição eo conjunto da legislação federal, oriundado Legislativo e do Executivo, e doórgão da administração pública, decaráter material, processual eadministrativo”73

Nesse sentido, foi promulgada a Lei9.276/96, cujo escopo é regular osdireitos e as obrigações relativos àpropriedade industrial. Segundo o seuartigo 8o, é patenteável a invenção queatenda aos requisitos de novidade,atividade inventiva e aplicaçãoindustrial. Esses condições, esclareceLoureiro, são “distintas, cumulativas eordenadas.”74 Assim, “pode serpatenteada a matéria que não incida nasproibições legais e atenda aos requisitosprevistos nos artigos 8o e 9o da Lei depropriedade Industrial.”75 A patente de

invenção vigorará por 20 anos e a demodelo de utilidade pelo prazo de 15anos (Art. 40).

No que se refere maisespecificamente à possibilidade de sepatentear plantas e animais, o artigo 10,inciso IX, da lei ora analisa é claro.Segundo o dispositivo, não se considerainvenção nem modelo de utilidade otodo ou parte de seres vivos naturais emateriais biológicos encontrados nanatureza, ou ainda que dela isolados,inclusive o genoma ou germoplasma dequalquer ser vivo natural e os processos

biológicos naturais.Destarte, o arcabouço jurídico

brasileiro veda claramente apatenteabilidade de plantas e animaispor não considerá-los invenções. Aocomentar o artigo 10, Rayol elucida que“não seria matéria patenteável qualquersubstância isolada da natureza, seja elaum extrato natural de plantas ou animais,ou mesmo uma enzima, ou umasequência de DNA ou gene, pois,segundo a interpretação dada aomencionado artigo, constituiria umaparte de ser vivo.”76

Entretanto, cumpre destacar queorganismos geneticamente modificadossão passíveis de serem patenteados. Emconsonância com o artigo 18, inciso III,da Lei da Propriedade Industrial, sãopatenteáveis os microrganismostransgênicos que atendam aos trêsrequisitos de patenteabilidade –novidade, atividade inventiva eaplicação industrial – previstos no art.8o e que não sejam mera descoberta.Assim, assevera Boff, “a legislaçãobrasileira não proíbe a concessão depatentes aos processos microbiológicos

e aos produtos obtidos por essesprocessos, mas excluem da proteção osmicrorganismo tais como se encontramna natureza.”77

Ademais, destaca-se a Lei deProteção de Cultivadores (Lei nº9.456/97) como outro importanteinstrumento legal à temática oraanalisada. A Lei, de acordo com seu oartigo 3o, inciso IV, tem por objeto aproteção do cultivar, definido como: avariedade de qualquer gênero ouespécie vegetal superior que sejaclaramente distinguível de outras

cultivares conhecidas por margemmínima de descritos, por suadenominação própria, que sejahomogênea e estável quanto aosdescritos através de gerações sucessivase seja de espécie passível de uso pelocomplexo agroflorestal, bem como alinhagem componente de híbridos.

Assim, a Lei tem por propósito aproteção de qualquer gênero ou espécievegetal superior, obtido por algumprocesso autogâmico continuado, ouseja, continuada auto-polinização comos elementos genéticos da mesma

espécie. Destarte, esclarece Barbosa,não se protegem espécies animais nemelementos infracelulares, ou tidos pelaciência aplicasse como espécies ougêneros vegetais inferiores.78

A proteção da cultivação, segundo art.11 da Lei dos Cultivadores, vigorarápelo prazo de 15 (quinze) anos,excetuado as videiras, as árvoresfrutíferas, as árvores florestais e asárvores ornamentais, para as quais aduração será de 18 (dezoito) anos. Valeressaltar que essa proteção não seenquadra na figura jurídica da patente. A

proteção assegura apenas a seu titular odireito à reprodução no territóriobrasileiro, ficando vedados a terceiros,durante o prazo de proteção, a produçãocom fins comerciais, o oferecimento àvenda ou a comercialização, do materialde propagação da cultivar, sem suaautorização (Art. 9).

No plano internacional, o Brasil émembro da Organização Mundial daPropriedade Intelectual e signatário dediversos acordos multilaterais sobre otema, como a Convenção de Paris(Propriedade Industrial), desde 1998,

Convenção de Berna (TrabalhosArtísticos e Literários), desde 1928, e oTratado de Cooperação em Patentes,desde 1998, a Convenção sobre aDiversidade Biológica, desde 1994.Como Estado-Membro da OMC, oBrasil também faz parte do TRIPS79,tendo, desde meados dos anos 1990, jáadequado sua legislação doméstica aoAcordo.80

O Instituto Nacional da PropriedadeIndustrial (INPI) é a autarquia federalresponsável pelo aperfeiçoamento,disseminação e gestão do sistema

brasileiro de concessão e garantia dedireitos de propriedade intelectual.Dentre as suas atribuições, pode-sedestacar o registro de marcas, desenhosindustriais, indicações geográficas,programas de computador e topografiasde circuitos, as concessões de patentes eas averbações de contratos de franquia edas distintas modalidades detransferência de tecnologia.81

A temática, entretanto, deve serdiscutida à luz da complexidade quepermeia a questão ambiental e nãoapenas limitada à legislação do Direito

Internacional. O diálogo de fontes,sistemas e de ciências acaba exigindoum novo perfil de comérciointernacional (e de sua própriaregulamentação), cujas respostas não seencontram dentro de uma “caixacodificada”. É preciso estar atento esensível aos novos desafios planetários,éticos e globais, em busca de novasregulamentações internacionais quesejam alinhadas à complexidade.

Os arts. 170 e 225 da ConstituiçãoFederal de 1988 fundamentam oprincípio do desenvolvimento

sustentável, tão difundido nos tratados edocumentos internacionais desde aConferência Rio-92, que buscaequilibrar o desenvolvimentoeconômico, a equidade social e oequilíbrio ambiental. Dessa forma, aquestão econômica é indissociável daproteção do meio ambiente, não serevelando, assim, como elementosopostos e excludentes, mas que podem edevem se fortalecer mutuamente, sendoo pensamento complexo um caminhopossível (e nunca a solução) paraviabilizar a busca de respostas sobre o

problema levantado.O pensamento complexo, segundo

Edgar Morin, pode ser apresentado porsete princípios basilares à suaformação.82 Alerta-se, desde já, que umamudança de forma de pensar não ocorreda noite para o dia, ela é processual econtínua.83

O primeiro é o princípio sistêmico ouorganizacional que une o conhecimentoindividualizado ao conhecimentocomplexo, é a junção da parte ao todo.Sua fundamentação maior é baseada naideia de que é insuficiente conhecer o

todo sem conhecer a parte e que de nadavale conhecer a parte sem conhecer otodo.84 Tudo vai depender do referenciale da lente pela qual se vê.

Como princípio segundo, tem-se ohologramático, ao defender que, assimcomo a parte está no todo, o todo seencontra na parte, havendo umainterdependência de funcionalidade,pois um locupleta o outro, não há comodissociá-los.

O terceiro é o princípio do círculoretroativo que rompe com o pensamentoda causalidade linear em que a causa

age sobre o efeito e esta sobre aquela.Referido princípio influencia, porexemplo, nos elementos daresponsabilidade civil por danoambiental, como a questão do nexocausal e do ônus da prova. É oconhecimento de um processoautorregulador, ou seja, um sistemacomplexo e cíclico em que há umamanutenção automática adaptativa.85

O princípio do círculo recursivoapresenta-se como o quarto sustentadopor Morin.86 Afirma o autor que, pormeio deste, desprende-se da ideia de

regulagem para a de auto-organização.Aqui é um sistema em que o produto e oefeito são os próprios produtores ecausadores daquilo que os produz.

O quinto é o princípio da autoeco-organização: autonomia e dependência;os seres vivos são auto-organizadores ese autoproduzem de forma autônoma. Noentanto, dependem de outros seres e domeio em que vivem. Segundo o autor, arelação com o meio ambiente é deautonomia e de dependência, estandoinserido na ideia de um direito/dever aomeio ambiente equilibrado, pois, ao

mesmo tempo em que ele é de todos, nãopertence a ninguém. Os seres vivoscompõem-no, mas precisam dele paraexistir.87

O sexto (e penúltimo) é o princípiodialógico que realiza um paralelo entrea ordem, a desordem e a organização. Aordem e a desordem são princípiosinterligados desde a origem do universo.Tudo nasce de uma desordem para entãoingressar em um processo de ordempara, finalmente, organizar-se. Há umaassociação das ações contraditórias nabusca de um fenômeno complexo.

Por fim, o sétimo trata do princípioda reintrodução do conhecimento em simesmo, fazendo uma reestruturação dohomem quando busca renovar o sujeito etrazer à tona a problemática cognitivacentral. Há um envolvimento dapercepção com a teoria científica,ocasião em que todo o conhecimento éuma tradução de um cérebro inserido emuma cultura e em um determinado tempo.Segundo Morin, “jamais poderemos terum saber total. A totalidade é a nãoverdade”.88

Como se vê, referidos princípios

regerão, segundo a lição de Morin, alógica do pensamento complexo quetranscende as variadas formas do pensare quebra de paradigmas científicos.Elimina as certezas pelas incertezas,havendo uma marcha entre esta e aquela.Existe uma linha tênue entre o elementare o global, entre o separável e oinseparável.

Pensar complexo, portanto, éabandonar o pensamento linearfundamentado no paradigma moderno,passando a entender o mundo sob umavisão global, não uniforme e líquida; é

perceber que o pensamento científicodeve estar sempre acessível a novasperspectivas, como é o caso dapatenteabilidade de plantas e animais. 89

Em síntese, pode-se inferir que oarcabouço jurídico brasileiro deproteção dos direitos de propriedadeintelectual apresenta um denso conjuntonormativo e conta com robustasinstituições, cujo diálogo de fontes econexões é necessário. De acordo com alegislação nacional, não é possível de sepatentear plantas e animais. A proteçãoda propriedade intelectual de matéria

viva concede proteção apenas paraorganismos geneticamente modificados epara cultivadores de plantas.

4 Considerações finais

A proliferação de AcordosPreferenciais de Comércio enfraquece efragmenta o sistema multilateral. Essesacordos não só criam vários regimesjurídicos ao redor do mundo, comotambém tiram o interesse dos paísesenvolvidos em promover negociaçõesmultilaterais mais amplas, como asrodadas da OMC. Destarte, a expansão

temática dos APCs constitui um dosprincipais desafios enfrentados pelosistema multilateral de comércioatualmente.

Dentre as principais questõesacordadas, destaca-se a da propriedadeintelectual, mais especificamente, apatenteabilidade de plantas e animais.Essa possiblidade não é vedada peloAcordo TRIPS que, pelo contrário,delega aos Estados-Membros adiscricionariedade para adotar alegislação nacional que melhor osconvenha. Os países desenvolvidos, em

sua grande maioria, impõe esse tipo decláusula aos países emdesenvolvimento, usualmente, ricos embiodiversidade, a fim de assegurar aexploração dos seus recursos naturais.

Destarte, essas medidas não refletemo ótimo de Pareto entre a proteção dapropriedade privada e a difusão doconhecimento, dificultando odesenvolvimento sustentável dos paísesricos em biodiversidade. Essas ações sóvisam à precificação de ativos naturaispara torná-los passíveis decomercialização. A controvérsia reside

no fato de que a matéria viva, por jáexistir na natureza, não se caracterizacomo invenção, uma vez que lhe falta orequisito de novidade.

Como demonstrado, o arcabouçojurídico brasileiro veda apatenteabilidade de plantas e animais. Aproteção da propriedade intelectual dematéria viva concede proteção apenaspara organismos geneticamentemodificados e para cultivadores deplantas. Assim, o regime brasileiro deproteção da propriedade intelectualdiverge dessa nova tendência das

normas de propriedade intelectual queestão sendo adotadas no âmbito dosAPCs. Cabe ao Brasil adotar as medidasnecessárias para garantir seus interessesdiante dessa nova dinâmica denegociações comerciais.

O diálogo de fontes, sistemas e deciências acaba exigindo um novo perfilde comércio internacional, cujasrespostas não se encontram dentro deuma “caixa codificada”. É preciso estaratento e sensível aos novos desafiosplanetários, éticos e globais, em buscade novas regulamentações internacionais

que sejam alinhadas à complexidade.Em suma, conclui-se que o regime

jurídico brasileiro veda a possibilidadede se patentear plantas e animais, indode encontro com as novas normas deproteção da propriedade intelectualpactuadas no âmbito de alguns AcordosPreferenciais de Comércio.

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1 Doutora em Direito com área deconcentração em Direito, Estado e Sociedadepela Universidade Federal de Santa Catarina.Mestre em Direito com área de concentraçãoem Ordem Jurídica Constitucional pelaUniversidade Federal do Ceará. Pesquisadorado Grupo de Pesquisa Direito Ambiental eEcologia Política na Sociedade de Riscocadastrado no CNPq/GPDA/UFSC. Professorauniversitária.

2 Mestrando em Direito Internacional eComparado pela Universidade de São Paulo(USP). Pesquisador do Centro de ComércioGlobal e Investimento (CCGI) da FunçãoGetúlio Vargas (FGV/EESP).

3 No plano regional, o Brasil é membrofundador do (i) Mercosul, com o qual ésignatário, no âmbito da Associação Latino-

Americana de Integração – ALADI, de APCscom o (ii) Chile, (iii) Bolívia, (iv)México(geral); (v) México (setor automotivo); (vi)Peru, (vii) Colômbia, Equador e Venezuela;(viii) Cuba, (ix) Guiana e (x) Suriname (apenasarroz), todos atualmente em vigor. No planoextra-regional, o Brasil, em conjunto com oMercosul, é signatário de APCs com Índia;Israel, União Aduaneira do Sul da África –SACU, Egito e Palestina, dentre os quaisapenas os dois primeiros estão em vigor.Cumpre ainda ressaltar a retomada dasnegociações de um Acordo entre Mercosul eUnião Europeia. Vide: THORSTENSEN, Vera;FERRAZ, Lucas (Coord.). A Multiplicaçãodos Acordos Preferenciais de Comércio e oIsolamento do Brasil. São Paulo: Instituto deEstudos para o Desenvolvimento Industrial,2013, p. 1.

4 DRAHOS, Peter. The Universality ofIntellectual Property Rights: origins and

development. World Intellectual PropertyRights Organization, Panel Discussion onIntellectual Property and Human Rights,Geneva, 30 set. 1998. Disponível em: <http://www.wipo.int/edocs/mdocs/tk/en/wipo_unhchr_ip_pnl_98/wipo_unhchr_ip_pnl_98_1.pdf>.Acesso em: 1 out. 2014.

5 SHERWOOD, Robert M. PropriedadeIntelectual e Desenvolvimento Econômico.São Paulo: Editora da Universidade de SãoPaulo, 1992, p. 21-22.

6 SPENCE, Michael. IntellectualProperty. Oxford: Oxford University Press,2007, p. 12-13.

7 LOWENFELD, Andreas. InternationalEconomic Law. 2 ed. New York: OxfordUniversity Press, 2008, p. 338.

8 Ibid., p. 338.9 MAY, Christopher. A Global Political

Economy of Intellectual Property Rights:the new enclosures? London: Routledge, 2000,p. 68.

10 Bureaux Internationaux Réunis pour laProtection de la Propriété Intellectuelle.

11 A Convenção de Estocolmo de 1967, emseu artigo 2o, inciso VIII, define propriedadeintelectual como a soma dos direitos relativosàs obras literárias, artísticas e científicas; àsinterpretações dos artistas intérpretes e àsexecuções dos artistas executantes, aosfonogramas e às emissões de radiodifusão; àsinvenções em todos os domínios da atividadeshumana; às descobertas científicas; aosdesenhos e modelos industriais; às marcasindustriais, comerciais e de serviço, bem comoàs firmas comerciais e denominaçõescomercias; à proteção contra a concorrênciadesleal e todos os outros direitos inerentes àatividade intelectual nos domínios industrial,científico, literário e artístico.ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DAPROPRIEDADE INTELECTUAL. Convençãode Estocolmo de 1967. OMPI. Disponível em:

< http://www.wipo.int/treaties/en/text.jsp?file_id=283854#P50_1504> . Acesso em: 15set. 2014.

12 BASSO, Maristela. O RegimeInternacional de Proteção da PropriedadeIntelectual da OMC/TRIPS. In: AMARALJÚNIOR, Alberto (Coord.). OMC e oComércio Internacional. São Paulo:Aduaneiras, 2006.

13 ROSENBERG, Barbara. PropriedadeIntelectual. In: THORSTENSEN, Vera; JANK,Marcos (Coord.). O Brasil e os GrandesTemas do Comércio Internacional. SãoPaulo: Aduaneiras, 2005.

14 Os Artigos do GATT 1947 que fazemreferência ao tema dos investimentos são osseguintes: IX (6); XII (3), iii; XVIII (10) e XX(d).

15 BASSO, Maristela, 2006, op. cit., p. 116.16 THORSTENSEN, Vera; CASTELAN,

Daniel; RAMOS, Daniel; MÜLLER, Carolina.

Propriedade Intelectual. In: THORSTENSEN,Vera; OLIVEIRA, Ivan (Org.). Os BRICS naOMC: políticas comerciais comparadas deBrasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.Brasília: Ipea, 2012, p. 194.

17 ROSENBERG, Barbara, op. cit., p. 274.18 Agreement on Trade-Related Aspects of

Intellectual Property Rights – TRIPS.19 ORGANZIAÇÃO MUNDIAL DO

COMÉRCIO. Acordo sobre Aspectos dosDireitos de Propriedade IntelectualRelacionadas ao Comércio. OMC. Disponívelem:<http://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/t_agm0_e.htm>.Acesso em: 5 out. 2014.

20 BASSO, Maristela, 2006, op. cit., p. 116.21 THORSTENSEN, Vera, 2005, op. cit., p.

221.22 AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Curso

de Direito Internacional Público. 4. ed. SãoPaulo, 2013, p. 660.

23 O artigo 1.1 do Acordo TRIPSestabelece que: “Os membros poderão, masnão estarão obrigados a promover, em sualegislação, proteção mais ampla que a exigidaneste Acordo, desde que tal proteção nãocontrarie as disposições deste Acordo. OsMembros determinarão livremente a formaapropriada de implementar as disposiçõesdeste Acordo no âmbito de seus respectivossistema e prática jurídicos.”

24 THORSTENSEN, Vera, 2005, op. cit., p.220.

25 VALDÉS, Raymundo; MCCANN,Maegan. Intellectual Property Provisions inRegional Trade Agrements: revision and update.World Trade Organization: EconomicResearch and Statistic Division, StaffWorking Paper ERSD-2014-14, 23 sep. 2014.Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/reser_e/ersd201414_e.pdf>.Acesso em: 10 out. 2014.

26 MAY, Christopher, op. cit., p. 68.27 O princípio do tratamento nacional

estabelece que cada membro deve acordar aosnacionais de outro membro tratamento nãomenos favorável do que é concedido aos seuspróprios nacionais (Artigo 3, Acordo TRIPS).

28 O princípio da nação mais favorecidaprevê que qualquer vantagem, favor, privilégioou imunidade concedida a uma das partescontratantes deve ser imediatamente eincondicionalmente concedido aos nacionaisde todos os outros membros (Artigo 4, AcordoTRIPS).

29 AMARAL JÚNIOR, Alberto, 2013, op.cit., p. 660-661.

30 A solução de controvérsias do TRIPS éregida pelos Artigos XXII e XXIII do GATT,aplicados nos Entendimentos Relativos àsNormas e Procedimentos sobre Solução deControvérsias, previstos no Anexo 2 do AcordoConstitutivo da OMC. Vide: BASSO, Maristela,

2006, p. 148.31 MAY, Christopher, op. cit., p. 67.32 BASSO, Maristela, 2006, op. cit., p. 149.33 BASSO, Maristela. O Direito

Internacional da Propriedade Intelectual.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.305.

34 AMARAL JÚNIOR, Alberto, 2013, op.cit., p. 667.

35 MAY, Christopher, op. cit., p. 70.36 THORSTENSEN, Vera, 2005, op. cit., p.

221.37 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO

COMÉRCIO. Declaração Ministerial de Doha– 2001. OMC. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_e.htm>.Acesso em: 10 out. 2014.

38 Pesquisadores e formuladores depolíticas públicas têm usado o termo AcordosPreferenciais de Comércio – APCs(Preferential Trade Agreements - PTAs) e

Acordos Regionais de Comércio – ARC(Regional Trade Agreements - RTAs) mais oumenos como sinônimos devido ao fato de queos APCs, tradicionalmente, terem uma forteorientação regional.

39 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DOCOMÉRCIO. 2013 World Trade Report. OMC.Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/world_trade_report13_e.pdf>.Acesso em: 31 jul. 2014.

40 THORSTENSEN, Vera; FERRAZ, Lucas(Coord.). A Multiplicação dos AcordosPreferenciais de Comércio e o Isolamentodo Brasil. São Paulo: Instituto de Estudos parao Desenvolvimento Industrial, 2013.Disponível em:<http://retaguarda.iedi.org.br/midias/artigos/51d18e9168afa9d0.pdf>.Acesso: em 15 set. 2014.

41 BACCINI, Leonardo; DÜR, Andreas. TheNew Regionalism and Policy Interdependence.British Journal of Political Science,

Cambridge, v. 42, n. 1, p. 57-79, jun. 2011, p.57.

42 BALDWIN, Richard. 21st CenturyRegionalism: filling the gap between 21st

century trade and 20th century trade rules.World Trade Organization – EconomicResearch and Statistic Division, Geneva,Staff Working Paper ERSD-2011-08, p. 1-18,may 2011.

43 ROLLO, Jim. The Challenge ofNegotiating RTAs for Developoing Countries:what could the WTO do to help? In:BALDWIN, Richard; LOW, Patrick (Edt.).Multilateralizing Regionalism: Challengesfor the Global Tranding System. CambridgeUniversity Press, Cambridge, 2009.

44 VALDÉS, Raymundo; MCCANN,Maegan, op. cit.

45 FINK, Carsten. Intellectua PropertyRights. In: CHAUFFOUR, J.; MAUR, J.Preferential Trade Agreements Policies for

Development: a handbook. Washington: WorldBank, 2011.

46 UNITED STATES TRADEREPRESENTATIVE OFFICE. Free TradeAgreement Chile – US. USTR. Disponível em:<http://www.ustr.gov/sites/default/files/uploads/agreements/fta/chile/asset_upload_file912_4011.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2015.

47 UNITED STATES TRADEREPRESENTATIVE OFFICE. DominicanRepublic – Central America – United StatesFree Trade Agreement. USTR. Disponível em:< http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/cafta-dr-dominican-republic-central-america-fta>. Acesso em: 10 jan. 2015.

48 ROFFE, Pedro; SPENNEMANN,Christoph. Preferentials Trade Agreements andIntellectual Property Rights. In: CIMOLI,Mario; DOSI, Giovanni; MASKUS, Keith;OKEDIJI, Ruth; REICHMAN, Jerome (Edit.).Intelectual Property Rights: Legal and

Economic Challenges for Development.Oxoford: Oxford University Press, 2014.

49 UNITED STATES TRADEREPRESENTATIVE OFFICE. Marocco –United States Free Trade Agreement. USTR.Disponível em: < http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/morocco-fta>. Acesso em: 10 jan. 2015.

50 UNITED STATES TRADEREPRESENTATIVE OFFICE. Bahrein – UnitedState Free Trade Agreement. USTR. Disponívelem: < http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/bahrain-fta>. Acesso em: 10 jan. 2015

51 MELÉNDEZ-ORTIZ, Ricardo. Mega-regionals: what is going on? In: WORLDECONOMIC FORUM. Mega-Regional TradeAgreements: game-changers or costlydistractions for the World Trading System?Global Agenda Council on Trade & ForeignDirect Investment, Report 160414, jul. 2014.

52 Ibid.53 THORSTENSEN, Vera; FERRAZ, Lucas,

op. cit.54 DRAPER, Peter; MÉLENDEZ-ORTIZ,

Ricardo. The Trans-Pacific Partnership (TPP)and the Trans-Atlantic Trade and InvestmentPartnership (TTIP): key issues and potentialimpact on members. In: WORLD ECONOMICFORUM. Mega-Regional Trade Agreements:game-changers or costly distractions for theWorld Trading System? Global AgendaCouncil on Trade & Foreign DirectInvestment, Report 160414, jul. 2014.

55 Ibid.56 FRANKEL, Susy. The Intellectual

Property Chapter in the TPP. In: LIM, C.;ELMS, Deborah; LOW, Patrick. The Trans-pacific Partnership: a quest for a twenty-first-century trade agreement. Cambridge:Cambridge University Press, 2012, p. 157.

57 DRAPER, Peter; MÉLENDEZ-ORTIZ,

Ricardo, op. cit.58 Ibid.59 EUROPEAN PARLIAMENTARY

RESEARCH SERVICE. OvercomingTransatlantic Differences on IntellectualProperty. 2014. EPRS. Disponível em:http://www.europarl.europa.eu/RegData/bibliotheque/briefing/2014/140760/LDM_BRI(2014)140760_REV1_EN.pdf>.Acessso em: 10 jan. 2015.

60 VAN LANGENHOVE, Luk. BuildingRegions: The Regionalization of the WorldOrder. Surrey: Ashgate Publishing Company,2013, p. 107.

61 STIGLITZ, Joseph; CHARLTON, Andrew.Fair Trade for All: How Trade can PromoteDevelopment. Oxford: Oxford UniversityPress, 2005, p. 5.

62 RODRIK, Dani. The GlobalizationParadox: why global markets, states anddemocracy can’t coexist. Oxford: OxfordUniversity Press, 2011, p. 191

63 DRAHOS, Peter. Developing Countries

and International Intellectual PropertyStandard-Setting. The Journal of WorldIntellectual Property, v. 5, n. 5, p. 765 – 789,nov. 2005, p. 788.

64 JOSEPH, Sarah. Blame it on the WTO?A Human Rights Critique. Oxford: OxfordUniversity Press, 2013, p. 283.

65 MATIAS, João Luis Nogueira;BELCHIOR, Germana Parente Neiva.Propriedade, meio ambiente e empresa: doscondicionamentos ao exercício da empresa emrazão do Direito Ambiental, p. 22-52. In:WACHOWICZ, Marcos; MATIAS, João LuisNogueira (org.). Propriedade e meioambiente: da inconciliação à convergência.Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011.

66 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Apropriedade no Direito Ambiental. 4. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

67 BENJAMIN, Antônio Herman.Constitucionalização do ambiente e

ecologização da Constituição brasileira. In:LEITE, José Rubens Morato; CANOTILHO,José Joaquim Gomes (org.). DireitoConstitucional Ambiental Brasileiro. 2. ed.São Paulo: Saraiva, 2008.

68 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos ePropriedade Intelectual: Proteção Internacionale Constitucional. In: CARVALHO, PatríciaLuciane de (Coord.). PropriedadeIntelectual: estudos em homenagem àProfessora Maristela Basso. Curitiba: Juruá,2008, p. 37.

69 BARBOSA, Denis. Uma Introdução àPropriedade Intelectual. 2 ed. Rio deJaneiro: Lúmen Júris, 2003, p. 16.

70 BARRAL, Welber; PIMENTEL, LuizOtávio. Direito à Propriedade Intelectual eDesenvolvimento. In: BARRAL, Welber;PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). PropriedadeIntelectual e Desenvolvimento.Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007, p. 13.

71 BARBOSA, Denis, op. cit., p. 13.72 BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz

Otávio, op. cit., p. 13.73 BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz, op.

cit., p. 13.74 LOUREIRO, L.G de A. V. A Lei da

Propriedade Industrial: comentada. SãoPaulo: Lejus, 1999, p. 44.

75 BOFF, Salete Oro. Patentes naBiotecnologia e Desenvolvimento. In:BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otávio(Org.). Propriedade Intelectual eDesenvolvimento. Florianópolis: FundaçãoBoiteux, 2007, p. 266.

76 RAYOL, A. Tendências de exame dospedidos de Patente na Área da Biotecnologia.Revista ABPI, n. 63, mar./abr., 2003, p. 30.

77 BOFF, Salete Oro, op. cit., p. 268.78 BARBOSA, Denis, op. cit., p. 731.79 O Congresso Nacional aprovou o Acordo

Constitutivo da OMC, pelo Decreto Legislativo

30, de 15 de dezembro de 1994, promulgadopelo Decreto Presidencial n 1.355, de 30 dedezembro de 1994 e publicado no DiárioOficial em da União de 31 de dezembrode1994.

80 THORSTENSEN, Vera; CASTELAN,Daniel; RAMOS, Daniel; MÜLLER, Carolina.Propriedade Intelectual. In: THORSTENSEN,Vera; OLIVEIRA, Ivan (Org.). Os BRICS naOMC: políticas comerciais comparadas deBrasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.Brasília: Ipea, 2012.

81 INSTITUTIO NACIONAL DEPROPRIEDADE INDUSTRIAL. Conheça oINPI. INPI. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/portal/artigo/conheca_o_inpi>.Acesso em: 20 set. 2014.

82 MORIN, Edgar. Introdução aopensamento complexo. 4. ed. Tradução deEliane Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2011.

83 BELCHIOR, Germana Parente Neiva.

Hermenêutica Jurídica Ambiental. SãoPaulo: Saraiva, 2011.

84 MORIN, Edgar; MOIGNE, Jean-LouisLe. A Inteligência da Complexidade. SãoPaulo: Peirópolis, 2000, p. 213.

85 MORIN, Edgar. Ciência comconsciência. 15. ed. Tradução de. Maria D.Alexandre e Maria Alice de Sampaio Doria.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

86 MORIN, Edgar, 2011, op. cit.87 Ibid.88 Ibid., p. 68.89 MORIN, Edgar. Introdução ao

pensamento complexo. 4. ed. Tradução deEliane Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2011;OST, François. A natureza à margem da lei: aecologia à prova do direito. Lisboa: Piaget,1997; LEFF, Enrique. Aventuras daEpistemologia Ambiental: da articulação dasciências ao diálogo de saberes. Tradução deSilvana Cobucci Leite. São Paulo: Cortez,

2012.

A ÁGUA EM FACE DODIREITO

INTERNACIONAL E ODESENVOLVIMENTO DEUMA NOVA ÉTICA: UMAANÁLISE DA INDUÇÃO

LOCAL POR PSA

Jana Maria Brito Silva1

Larissa Maciel do Amaral2

Introdução

A compreensão de água enquantoelemento indispensável a toda equalquer forma de vida, ainda queelementar, é insuficiente parasensibilizar comunidades, a fim deviabilizar ampla proteção e preservaçãodesse recurso. A má distribuição daágua, bem como o seu desperdício sãorecorrentes. O estudo “Cuidando doPlaneta Terra – Uma estratégia para ofuturo da vida”3 relata que a nossautilização da água está propiciando umacrise em grande parte do mundo.Segundo este estudo, estima-se que os

níveis atuais de uso de água doce nãopoderão ser mantidos se a populaçãohumana atingir 10 (dez) bilhões em20504.

Em suas variadas formas elocalizações, a água da terra épraticamente a mesma durante osmilhões de anos5. Alterações no ciclohidrológico, mudanças de local,qualidade e estado decorrem de fatoresnaturais ou humanos que acabamrecebendo influência humana paraamenizá-los segundo suas necessidadese possibilidades que se apresentam.

Essa influência direta em uma etapa dociclo, pode alterar todas as demaisetapas, comprometendo a qualidade daágua.

Em razão dessas alterações eposterior diminuição do recurso,emergiu, há algumas décadas, umapreocupação em relação à agua doce,destinada ao consumo humano, não sónos países, isolada ou regionalmente,mas também no âmbito internacional, emespecial por parte da Organização dasNações Unidas, que após eventosposteriores à Conferência de Mar del

Plata, e tendo em vista as disposiçõesdo capítulo 18 da Agenda 216, adotadana Conferência do Meio Ambiente eDesenvolvimento (Rio-92), instituiu odia 22 de março como o Dia Mundial daÁgua7, a ser observado a partir de 1993.

Inúmeros são os tratadosinternacionais que visam à proteção domeio ambiente aquático, o Brasil ésignatário em inúmeros documentosinternacionais que envolvem a questãoda problemática que envolve a proteçãode recursos marítimos.

Os graves problemas que afetam as

águas em todo o mundo conduziram acomunidade internacional a elegeralguns princípios fundamentais para asuperação da ideia de inesgotabilidadedo recurso hídrico, bem como para autilização sustentável da água econservação para as próximas gerações.

Os princípios ora referidos foramestabelecidos pela ConferênciaInternacional sobre Água eDesenvolvimento, realizada em Dublin,Irlanda, no ano de 19928. Os princípios9

trazem a ideia de que a água é umrecurso finito e vulnerável, essencial

para a manutenção de qualquer forma devida e do desenvolvimento. Prosseguemafirmando que o desenvolvimento e aadministração da água devem estarbaseados em uma abordagemparticipativa em todos os níveis.Mencionam ainda que a mulherdesenvolve um papel central naadministração, proteção e provisão daágua. Por fim afirma que a água temvalor econômico em todos os seus usose deve ser reconhecida como um bemeconômico.

A presente principiologia se mostra

fundamental para, uma vez além deincorporar o setor hídrico ao direitoambiental, menciona especificidadesque devem ser ressaltadas. A água aindaé tida em grande parte do imagináriosocial global, como um recurso infinitoe sem nenhum valor. Aprender avalorizar a água enquanto recursoescasso é fundamental para evitar odesperdício e para atingir esse fim, sefaz necessário o desenvolvimento deuma postura ética global que incorporereferido valor. É sobre odesenvolvimento dessa ética para a

proteção que o presente estudo sedebruçará.

1 A água e o direito: umaabordagem proteiforme da água

Para iniciar qualquer análise queaborde um objeto complexo eproteiforme é necessário queanteriormente sejam definidos seuscontornos, considerando suas múltiplasfunções e propriedades.

A proteção internacional da água, porsua complexidade e múltiplas funções,requer ações autônomas e integradas

uma vez que a completude de suaregulamentação irá influenciardiretamente na proteção e preservaçãode demais elementos quais sejam: osolo, o ar e a fauna.

É indispensável que inicialmente sejafeita essa análise das diversas formas deanalisar o elemento água para que sepossa compreender que o presenteestudo conduz a diversas temáticas –social, política, filosófica etc –,colocando em evidencia a noção dadimensão do objeto, o alcance dalegislação e a necessidade que, para

além da legislação positiva, sedesenvolva uma ética global para fins deproteção.

Tamanha riqueza de usos10 e funções11

revela a importância da preservaçãodesse recurso, que hoje se mostra finitoe escasso. Ainda que a quantidade deágua permaneça a mesma, acontaminação e poluição tem sidomatéria latente. Acidentes em águasmarinhas e ausência de saneamentobásico se apresentam como alguns dosfatores que inviabilizam o uso econsumo da água e de demais recursos

que se relacionam no mesmo ambiente.Como já ressaltado, uma boa

delimitação da abrangência do temafavorece uma ampla proteção, razãopela qual segue o presente estudodelimitando alguns contornos doelemento água em suas diversas funçõese acepções.

Segundo Clarissa D’isep12, a água,enquanto elemento natural integra anoção de bem ambiental e sob essaperspectiva ambiental, três abordagensdevem ser consideradas.

A primeira abordagem é de agua

enquanto elemento natural,13 superficiale subterrâneo. Trata-se de um microbemambiental que, ainda segundo a autora,ensejam um tratamento específico emrelação a políticas de gestão, gerandouma ideia de autonomia que foiincorporada pela racionalidade jurídicacomo “direito de águas”.

A segunda abordagem a serconsiderada é a de água enquanto meio,ou seja, enquanto um ecossistemaecológico. Quando se considera águanessa perspectiva de ecossistema,considera-se por consequência

elementos como fauna aquática,paisagens hídricas e zonas úmidas, porexemplo14.

A terceira e ultima abordagem dizrespeito à água enquanto elementoessencial à sadia qualidade de vida dohomem, ou seja, uma dimensãoantropocêntrica que, uma vezincorporada à uma constituição,assegura a “função hídricaantropocêntrica”15 que nos conduz anoção de que o direito à água constituium direito humano. Essa visão decorredos diversos usos que se faz do recurso,

considerando-o essencial para a vida dacriatura humana

2 Direito à água enquanto direitofundamental: uma análise do tema nopanorama internacional

Segundo Caubet16 já se fazemreflexões acerca dos conflitos e disputasque envolvem acesso e distribuição daágua, tendo em vista que já se identificararidade em qualidade da água.

Em todos os continentes do planeta jáse pode identificar conflitos sociais queenvolvem a escassez da água e a

tendência para as próximas décadas éque esses conflitos aumentem e ganhemcomplexidade17 em virtude dosinteresses diversos que compõe oproblema.

Uma questão essencial a serdiscutida, visando à proteçãointernacional, é a que envolve a águaenquanto bem humano fundamental paraa existência da humanidade ou não.Existem dois caminhos a seremconsiderados. O primeiro é considerar aágua como um bem, um patrimônio dahumanidade18, assim como demais

elementos naturais19. O segundo éconsiderar a água como bem patrimoniala ser comercializado ou mesmoprivatizado. Para fins deste estudo,parte-se da ideia de água enquanto bemcomum da humanidade.

Considerando que a água constituibem essencial para manutenção davida20, retira-se a noção de que por suaessencialidade não há de se falar emcomercialização ou mesmo privatizaçãodesse direito, tendo em vista que não sepode subordiná-lo aos interesseseconômicos, como fonte de riqueza para

particulares, mas sim, de domíniopúblico. Nesse sentido a constituição doEquador (art.12) determina:

Constituição do Equador(2008):El derecho humano al agua esfundamental e irrenunciable.El agua constituye patrimônionacional estratégico de usopúblico, iinalienable,imprescriptible, inembatgabley essencial para la vida.

Como se sabe, grande parte dasprivatizações das águas ocorreram nosanos de 1990, considerada a décadaperdida com relação ao tema. O

relatório de Brundtland, a Conferênciainternacional sobre água e meioambiente, o Relatório “Cuidando daterra”, e a Agenda 21 se apresentaramcomo importantes iniciativas para apropositura de uma nova forma depercebermos a água e demaisecossistemas, gerando uma expectativade que o século XXI deverá representaruma nova era do direito humano à água.

Ressalta-se que diversos atoressociais se mobilizam com a finalidadede efetivar comandos dedesenvolvimento sustentável, o que nos

permite identificar uma ligação direitado direito das águas ao pluralismojurídico.

Muitas são as associações, grupos deestudo, órgãos integrantes do poderpúblico, se mobilizam e refletem aformação de uma verdadeira “redehídrica”21, nos impondo a necessidadede se repensar a água como um bempúblico, essencial, raro e finito – bemdotado de interesse geral planetário.

A vontade dos Estados de discutir otema pode ser identificada nasconferências e eventos internacionais,

contudo as convenções hídricasapresentam natureza contratual,primando pela ascensão do sistema dasoft low que tende a se transformar emhard low por ato legal, ou mesmoatravés de decisões judiciais22. Diantedessa constatação, pode-se perguntar: hádireito internacional das águas? Quemecanismo poderia ser utilizado para acriação de uma consciência depreservação global?

Segundo D’Isep23, ainda que de formaembrionária pode-se afirmar que existeum direito internacional das águas que é

provido de fontes e fundamentos, quaissejam:

(i) fontes do direito: asconvenções, cartas edeclarações que regulamentam aágua e subsidiariamente o meioambiente; (ii) natureza jurídicadas fontes: contrato de direitopúblico internacional, de queparticipam não só os Estadossoberanos, mas a sociedadecivil, notadamente as ONGs;(iii) regime: gestão conduzidapelos princípios e estabelecidanas convenções internacionais;(iv) metodologia: negociações edeclarações formadas porconsenso.

Resta evidenciada a expectativa dedesenvolvimento de um regime jurídicointernacional voltado para a utilizaçãoequitativa e razoável o que nos leva arefletir sobre instrumentos capazes degerar esse comportamento global. É combase nesse questionamento que seinvestiga uma dimensão ética para aproteção do direito à água.

Ainda segundo D’isep, essa“hidroética” seria reflexo da garantiaisonômica de acesso, distribuição; dadignidade humana e cooperação; bemcomo da possibilidade de se assegurar a

democracia hídrica24. Diversosdocumentos elencam orientações quenos conduz ao desenvolvimento de umaética planetária como forma depreservação do meio ambiente, quaissejam25:

1) todos têm direito à água; 2) aágua é patrimônio dahumanidade; 3) a gestão deve sersustentável e cooperativa; 4) opúblico tem direito àinformação e participação nagestão das águas; 5) deve-seaplica o princípio do poluidor-pagador; 6) deve haversolidariedade hídrica, por meiode gestão global; 7) deve existir

justiça hídrica26.

Lastreados na essência da finalidade,surgem princípios hidroéticos que irãoalimentar noções de consumoconsciente, sustentável e equilibrado.Partindo dessa noção de ética comoinstrumento para a proteçãointernacional da água, prossegue-seanalisando a ética ambiental como umaalternativa para a preservação global.

3 Recuperação socioambiental deespaços e estratégias locais: umaanálise do Pagamento por Serviços

Ambientais (PSA) a partir do projeto“produtor(es) de água”

Toda a necessidade de solidariedadeem relação aos que vivem nesta geraçãoe nas que ainda virão para apreservação ambiental se baseia nacontinuidade da vida no planeta, e vidasaudável. É imperioso proteger epreservar para que a vida seja possível.Desse modo, surge uma verdadeiraobrigação para toda a sociedade, e nãoum comportamento opcional.Necessária, portanto, a configuração deum dever jurídico-constitucionalmente

determinado, um “dever fundamental desolidariedade, alicerçado emcomportamento ético e consciente” 27.

A partir da nova tendência mundial decriação de mecanismos de efetivação aproteção do meio ambiente, o Brasiltem, tradicionalmente, adotado diversosinstrumentos de controle como estratégiade conservação, sendo a principal delas,a criação de espaços territoriaisespecialmente protegidos.

Essa estratégia, todavia, requer odesenvolvimento de um amplo aparatode fiscalização, uma vez que restringe

de forma significativa atividadeshumanas. Não se pode ignorar o fato deque a demanda alimentícia é crescente eacompanha o crescimento populacional,o que demanda um aumento no uso dosrecursos naturais. Outro fator que não sepode ignorar se relaciona com odesenvolvimento econômico do país queainda possui como atividade principal aexportação de commodities, atividadeque é por essência exploradora derecursos naturais.

É nesse contexto que medidaseconômicas passam a ser utilizadas,

partindo da tendência internacional doestabelecimento de standards deproteção como a concessão do selo ISO14001.

Os standards ambientais conseguemconciliar interesses constitucionais àpartida díspares (ambiente por um ladodesenvolvimento econômico eempresarial por outro), balizando a suaconvivência de forma a proteger anatureza não deixando de promover odesenvolvimento industrial.

A utilização de instrumentoseconômicos e, especificamente, o

surgimento do Pagamento por ServiçosAmbientais (PSA) no cenário nacionalrepresentaram uma grande mudança deparadigma e uma nova abordagem nagestão ambiental.

Esquemas de PSA são derivados doTeorema de Coase, de 1960, o qualafirma que através de negociações osagentes internalizam as externalidades eatingem eficiência, independentementeda dotação inicial dos direitos depropriedade e na ausência de custos detransação28. Segundo Coase29,externalidades ocorrem quando uma

pessoa age provocando efeitos a outraspessoas, sem o consentimento destas,podendo o efeito ser benéfico –externalidade positiva – ou prejudicial –externalidade negativa

Partindo de uma nova perspectiva queextrapola o ambiente meramenteeconômico, incentivos guiados pelasustentabilidade e pelo princípio doprotetor-recebedor, o Pagamento porServiços Ambientais busca induzircomportamentos socialmente desejáveismediante a oferta de incentivoseconômicos concedidos mediante o

comprometimento com a proteçãoambiental que envolve efetivas práticasde recuperação, conservação oumelhoramento dos serviçosecossistêmicos.

Os projetos que envolvem o PSAatualmente em desenvolvimento noBrasil surgiram de forma experimental,partindo de problemas pontuais,regionais específicos como a proteçãodas matas ciliares30 em São Paulo31.Referido projeto se denomina “Mina D´Água” e está inserido no ProgramaReflorestar, instituído pela Lei de

Mudança Climática do Estado de SãoPaulo32 e oferece incentivos monetáriosdiferenciados, conforme o custo deoportunidade e o grau de proteção danascente, a produtores rurais pelaadoção de práticas de conservação nasÁreas de Preservação Permanente(APP).

Projetos como esse rapidamente semultiplicaram e amadureceram.Infelizmente o Brasil ainda não possuium marco legal federal que institua umarcabouço normativo, mas, desde 2007,tramita no Congresso Nacional o PL nº

792/2007 e o PL nº 5.487/2009,instituindo a Política Nacional deServiços Ambientais. Além disso,recentemente, foi aprovado o novoCódigo Florestal Brasileiro, que prevê autilização de PSA. No vácuo normativofederal, diversos Estados e Municípioseditaram leis prevendo a criação dePSA, sem que se conhecesse como e emque medida esta política vinha sendoaplicada nos diferentes Estados, bemcomo a sua efetividade33.

Diante desta carência de informações,nasceu o Projeto “Sistemas Estaduais de

PSA: diagnóstico, lições aprendidas edesafios para a futura legislação”, umainiciativa do Instituto o Direito por umPlaneta Verde, com recursos do Fundode Direitos Difusos (FDD), objetivandobuscar estas respostas. O presentetrabalho irá refletir sobre a utilizaçãodesse instrumento para a efetivação daproteção à água e, em razão dissoescolheu fazer uma breve exposiçãosobre o projeto desenvolvido noEspírito Santo, “ProdutorES de Água”que influenciados pela tendênciainternacional de proteção às águas e

manutenção das fontes objetivouconservar e melhorar a quantidade equalidade dos recursos hídricos doEstado, mediante o oferecimento deincentivos monetários variáveis aosprodutores rurais, conforme ascaracterísticas da propriedade.

Os recursos hídricos nas bacias vêmenfrentando uma série de problemas,tanto quantitativos como qualitativos.No primeiro grupo, a principal ameaça éa demanda crescente de água,especialmente do setor de saneamento,causado pelo aumento populacional. Do

lado da oferta, a degradação dos rios –provocada pelas diversas fontes depoluição – agrava o problema em razãoda diminuição dos mananciaisadequados ao abastecimento humano.34

Bacias hidrográficas vêm sendoestudadas como escala geográfica para aprovisão de uma série de serviçosambientais, sendo que a regulação davazão e a melhoria da qualidade daságuas são consideradas as maistangíveis e valiosas. Estes autoresdividem os serviços hidrológicos dasbacias em quatro categorias: purificação

da água, regulação do fluxo sazonal,controle de erosão e sedimentação, epreservação de habitats.

Uma série de trabalhos estudam arelação do uso do solo e/ou de práticasagrícolas como custo do tratamento deágua35. Também são diversos os estudossobre florestas usadas como provedorasde serviços ambientais para proteção debacias, sendo que os principais serviçosambientais são: regulação do fluxo deágua (controle de enchentes e aumentoda vazão na época seca), manutenção daqualidade da água (controle de carga de

sedimentos, controle de carga denutrientes, controle de químicos, econtrole da salinidade), controle deerosão e sedimentação, redução dasalinidade e de terras e regulação dolençol freático, e manutenção do habitataquático.

Apesar de uma percepção geral dosbenefícios de florestas para bacias, hápouca evidencias cientificas e muitaincerteza a respeito. Os impactos dasflorestas dependem muito decaracterísticas próprias do local, do usoalternativo do solo, e do manejo

adotado. Na maior parte dos casos,florestas podem adicionar mais valor seincorporadas dentro de estratégias maisamplas de manejo de bacias, incluindooutros usos de solo, e outras medidasconservacionistas.36

O projeto teve início em 2008 e em2012, a partir de uma mudança napolítica ambiental do Estado, a lei queservia de fundamento ao ProgramaProdutorES de Água foi revogada37,alterando-se substancialmente o foco e aestrutura do PSA no Estado.

O órgão gestor do Programa é o

Instituto Estadual de Meio Ambiente eRecursos Hídricos (IEMA), contudotodo o desenvolvimento decorre emregime de parceria com as PrefeiturasMunicipais, Agência Nacional dasÁguas (ANA), Instituto Bio Atlântica(Ibio), Secretaria de Estado deAgricultura e Pesca (Seag), InstitutoCapixaba de Pesquisa, AssistênciaTécnica e Extensão Rural (Incaper),Instituto de Defesa Agropecuária eFlorestal (IDAF), Banco deDesenvolvimento do Espírito Santo(Bandes) e Comitês de Bacias

Hidrográficas (CBH’s).Na vigência da Lei nº 8.995/08, o

serviço ecossistêmico objeto deremuneração era a preservação econservação da cobertura florestal38

com o objetivo de conservação emelhoria da qualidade e disponibilidadehídrica (art. 2º, I da Lei nº 8.995/08 eDecreto nº 2.168- R/08). Cumpreobservar que a preservação econservação da cobertura florestaltambém resulta no serviço ecossistêmicode redução dos processos erosivosprevisto no inciso III do art. 2º da Lei nº

8.995/08 e enquadram o ProgramaProdutorES de Água na categoria de umPSA- Água. O foco inicial na proteçãohídrica resultou da opção dos gestoresem buscar resultados pontuais e maisimediatos em vez de instituir umapolítica de abrangência maior em escalasinóptica, necessária para se perceberos efeitos de mudanças climáticas.

O pagamento pelos serviçosambientais prestados não é fixo, variaconforme as características dapropriedade, sendo limitado a um tetomáximo39. Seu cálculo é aferido

mediante a utilização de uma equaçãotrazida pelo Decreto nº 2.182-R/2008(art.13)40.

Do valor total apurado, faz-se adivisão em parcelas pelo número deanos de vigência do contrato, quepoderia ser de, no mínimo, 2 e, nomáximo, 10 anos, podendo ser renovado(art. 6º, § 1º da Lei 8.995/08)41. Opagamento é feito anualmente por meiode depósito na conta bancária dobeneficiário ou mediante ordem depagamento. O pagamento somente éautorizado após a reavaliação das

propriedades contratadas e a emissão deparecer declarando o fiel cumprimentodo contrato por parte do IEMA-ES.

Desta forma, a valorização e acompreensão da importância dosserviços ecossistêmicos precisamalcançar maior abrangência e sertrabalhadas fora do círculo restrito deespecialistas e acadêmicos, alcançandouma parcela maior da sociedade. OPSA, como instrumento de valorizaçãodas práticas que protegem o capitalnatural, tem o potencial de aumentar aconscientização, a demanda e a oferta de

serviços ambientais. Portanto, para queo tema chegue à compreensão do grandepúblico, recomenda-se, inicialmente,que ele seja inserido nos currículos ecampanhas de educação ambiental. Paraque lhe seja atribuída a relevância quemerece e adquira escala, recomenda-seque seja inserido na agenda dos trêspoderes, mobilizando e capacitando oPoder Público neste tema novo.Recomenda-se que sejam empenhadosesforços para utilização do PSA nosEstados que ainda não o fizeram.

4 Conclusão

O direito humano à água é umaconquista muito recente da comunidadeinternacional. Esse reconhecimento podeser compreendido dentro da evoluçãonormativa como proteção da vida emsuas mais diversas dimensões. Protegera água é garantir não somente o direito àvida, mas garantir a proteção diante deuma lógica de privatizações eprevalência do lucro.

Nesse contesto, a água se insere noquadro de uma abordagem integrada aosdireitos humanos e ao desenvolvimento

sustentável. Emerge a noção de águaenquanto recurso essencial para a sadiaqualidade de vida, escasso e finito. Apartir dessa conscientização anecessidade de proteção transfronteiriçaganha contornos mais bem definidosatravés de inúmeros tratados econvenções internacionais. O séculoXXI representa, pois, um marco nodesejo de preservação e distribuiçãoequitativa do recurso hídrico. Para issodemonstrou-se que esforços estritamentetratados por soft law não sãosuficientemente eficientes. Demonstrou-

se que a problemática que envolve aágua possui uma dimensão ética e exigeuma pré-compreensão ambientaldiferenciada. O favorecimento de umaética ambiental se apresenta como umaimportante ferramenta paraimplementação e proteção do direitofundamental ao meio ambiente saudávele equilibrado, tendo em vista que sedesenvolve uma obrigação para toda asociedade, e não um comportamentoopcional.

Diante da importância de evoluir naadoção de instrumentos de incentivo

para a proteção ambiental, recomenda-se a criação de um marco legalprevendo os objetivos, elementos econdições gerais de funcionamento dapolítica, assim como sua fonte derecursos. Muito embora um contrato dePSA entre particulares não demande aelaboração de um marco legalespecífico, podendo ser resolvido pornormas contratuais e demaisdispositivos do ordenamento jurídico noqual ele estiver inserido, o PoderPúblico é o principal “comprador” detais serviços42. A Lei de

Responsabilidade Fiscal impõe que arealização de despesas seja feitasomente com a previsão de recursosorçamentários e financeiros43. Ademais,inúmeras experiências demonstram queo ingresso do poder público na relaçãoimpulsiona e confere escala à política44.Portanto, para que o poder públicoparticipe, é essencial a existência deuma previsão normativa orçamentáriaque assegure a transferência de recursospúblicos45.

Referências

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1 Doutoranda em Direito pela UniversidadePresbiteriana Mackenzie. Mestre em DireitoConstitucional pela Universidade Federal doCeará (UFC), pós-graduanda em Direitoambiental e novas tendências pela FGV,Bolsista pela Fundação Cearense de Apoio aoDesenvolvimento Científico e Tecnológico

(FUNCAP), pesquisadora do grupo de estudos“Mundo Direito” da Universidade Federal doCeará, Pesquisadora do projeto “A Estratégiabrasileira para a gestão sustentável dosrecursos vivos e não vivos marinhos”UFC/Mackenzie/UNB.

2 Mestre em Direito e OrdemConstitucional pela UFC. Professorauniversitária. Advogada. Especialista emDireito Público pela UCAM-RJ e institutoPRAETORIUM de ensino.

3 PNUMA - Programa das Nações Unidaspara o Meio Ambiente, UICN – UniãoInternacional para a Conservação da Natureza eWWF - Fundo Mundial para a Natureza.Cuidando do Planeta Terra, Uma Estratégia parao Futuro da Vida, (tradução de IUCN-UNEP-WWF. Caring for the Earth. A Strategy forSustainable Living. Ed. Earthscan, 1991. 228p.) 2ª tiragem. São Paulo: Editora CL- ACultural, 1992.

4 Ibidem.5 REBOUÇAS, Aldo. Uso inteligente da

água. São Paulo: Escrituras, 2004. p.22.6 Disponível em:

<http://www.ibot.sp.gov.br/pesquisa_cientifica/restauracao_ecologica/agenda_21.pdf>acesso em 10 de julho de 2013.

7 O Dia Mundial da Água é comemoradoanualmente em 22 de março como meio parachamar a atenção sobre a importância da águadoce e defender a gestão sustentável dosrecursos hídricos. Disponível em:<http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/2013-international-year-of-water-cooperation/world-water-day/> acesso em 18 de jul. 2013.

8 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕESUNIDAS. Conferência Internacional sobre águae desenvolvimento. Dublin, 1992. Disponívelem: <http://www.meioambiente.uerj.br/emrevista/documentos/dublin.htm>.acesso em 10 de jul. de 2013.

9 Princípio N° 1 - A água doce é um recurso

finito e vulnerável, essencial para sustentar avida, o desenvolvimento e o meio ambiente jáque a água sustenta a vida, o gerenciamentoefetivo dos recursos hídricos demanda umaabordagem holística, ligando desenvolvimentosocial com o econômico e proteção dosecossistemas naturais. Gerenciamento efetivoliga os usos da terra aos da água nas áreas dedrenagem ou aquífero de águas subterrâneas.Princípio N° 2 - Gerenciamento edesenvolvimento da água deverá ser baseadonuma abordagem participativa, envolvendousuários, planejadores legisladores em todosos níveis. A abordagem participativa envolveuma maior conscientização sobre a importânciada água entre os legisladores e o público emgeral. Isto significa que as decisões sãotomadas no menor nível possível comparticipação total do público e envolvimento deusuários no planejamento e implementação deprojetos de água.

Princípio N° 3 - As mulheres formam papelprincipal na provisão, gerenciamento eproteção da água. Este papel de pivô que asmulheres desempenham, como provedoras eusuárias da água e guardiãs do ambiente diárionão tem sido refletido na estrutura institucionalpara o desenvolvimento e gerenciamento dosrecursos hídricos. A aceitação eimplementação deste princípio exige políticaspositivas para atender as necessidadesespecíficas das mulheres e equipar e capacitarmulheres para participar em todos os níveis dosprogramas de recursos hídricos, incluindotomada de decisões e implementação, de mododefinido por elas próprias.Princípio N° 4 - A água tem valor econômicoem todos os usos competitivos e deve serreconhecida como um bem econômico. Nocontexto deste princípio, é vital reconhecerinicialmente o direito básico de todos os sereshumanos do acesso ao abastecimento e

saneamento à custos razoáveis. O erro nopassado de não reconhecer o valor econômicoda água tem levado ao desperdício e usos desterecurso de forma destrutiva ao meio ambiente.O gerenciamento da água como bem de valoreconômico é um meio importante para atingiro uso eficiente e equitativo, e o incentivo àconservação e proteção dos recursos hídricos.

10 São exemplos de uso: abastecimentohumano, geração de energia, irrigação,navegação, diluição de despejos etc.

11 Deve-se considerar que o uso da água émúltiplo, sendo a agricultura o maior usuário,com 75%, a indústria com 20% o usodoméstico com 5%. Disponível em:<http://www.unep.org/vitalwater/summary.htm>acesso em: 10 de jul. de 2013.

12 D’ISEP, Clarissa Ferreira Machado. Águajuridicamente sustentável. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2010. p. 52.

13 Ibidem. p.53.

14 Ibidem. p.53.15 Ibidem. p.5316 CAUBET, Christian Guy. Domínio da

água ou direito à água? Rivalidades nas relaçõesinternacionais do século XXI. In: Proteçãointernacional do meio ambiente. VARELLA,Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia(orgs.). Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB,2009. p.161.

17 Ibidem. p.16218 Nesse sentido, ver a obra de Ferrajoli:

FERRAJOLI, Luigi. Por uma teoria dosdireitos e dos bens fundamentais. In: Por umateoria dos direitos e dos bens fundamentais.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.pp.49-88.

19 Como o ar.20 Nesse sentido, ver campanha da

UNESCO. Disponívelem http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/2013-international-year-of-water-cooperation/2005-

2015-international-decade-for-action-water-for-life. Acesso em 15 jul. 2013.

21 D’ISEP, Clarissa Ferreira Machado.Op.cit. p.89.

22 Ibidem. p.8823 Ibidem. p.8824 Ibidem. p.56.25 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco;

DIAFÉRIA, Adriana. Biodiversidade epatrimônio genético no direito ambientalbrasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1999.p.80 et seq.

26 D’ISEP, Clarissa Ferreira Machado.Op.cit. pp. 56 e 57.

27 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontourade; PETTERLE, Selma Rodrigues.Biodiversidade: uso inclusivo e sustentável doambiente. In: Direito Ambiental I -CONPEDI UNICURITIBA. [Recursoeletrônico] Florianópolis: FUNJAB, 2013, v. 1,p. 182.

28 KOSOY et al. Payments forEnvironmental Services in Watersheds: Insightsfrom a comparative study of three cases inCentral America. Ecological Economics. Vol.61, n. 2- 3, pp. 446-455, mar, 2006.

29 COASE, R. The Problem of Social Cost.Journal of Law and Economics, n.3, p. 1-44,october, 1960.

30 SÃO PAULO. Decreto Estadual nº55.947, de 24 de junho de 2010. Regulamentaa Lei nº 13.798, de 9 de novembro de 2009,que dispõe sobre a Política Estadual deMudanças Climáticas. Diário Oficial do Estadode São Paulo: São Paulo, 2010a

31 No Estado de São Paulo, o PSA foicriado por meio da Lei Estadual nº13.798/2009 que instituiu a Política Estadualde Mudanças Climáticas (PEMC) e, em seuartigo 23, criou o Programa de RemanescentesFlorestais, no qual se permite o pagamento porserviços florestais ambientais aos proprietários

rurais conservacionistas, bem como incentivoseconômicos a políticas voluntárias de reduçãode desmatamento e proteção ambiental.

32 SÃO PAULO. Decreto Estadual nº55.947, de 24 de junho de 2010. Regulamentaa Lei nº 13.798, de 9 de novembro de 2009,que dispõe sobre a Política Estadual deMudanças Climáticas. Diário Oficial do Estadode São Paulo: São Paulo, 2010ª.

33 TEJEIRO, Guillermo; STANTON ;LAVRATTI, Paula (org.). Sistemas Estaduaisde Pagamento por Serviços Ambientais:Diagnóstico, lições aprendidas e desafios paraa futura legislação. São Paulo: Instituto ODireito por um Planeta Verde, 2014. p. 157.

34 COPLAENGE – Projetos de Engenharia.Plano de Bacia Hidrográfica 2000-2003 -UGRHI- PCJ. Piracicaba: Comitê das BaciasHidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari eJundiaí, 180p. Relatório Final

35 REIS, 2004, ORTIZ LÓPEZ, 1997,

POSTEL; THOMPSON, 200536 LANDELL-MILLS, Natasha e PORRAS,

T. Ina. Silver bullet or fools’ gold? A globalreview of markets for forest environmentalservices and their impact on the poor.Instruments for sustainable private sectorforestry series. International Institute forEnvironment and Development, Londres, 2002.

37 Id. Lei Estadual nº 8.995 de 23 desetembro de 2008. Institui o Programa dePagamento por Serviços Ambientais no Estadodo Espírito Santo. Diário Oficial do Estado doEspírito Santo: Vitória, 2008b. [Alterada pelaLei nº 9.607/08 e Revogada pela Lei nº9.864/12

38 Importante notar que o programaProdutorES de Água, inicialmente, previa aremuneração tão somente pela preservação econservação da cobertura florestal. Apossibilidade de remuneração pela recuperaçãoda cobertura florestal somente foi admitida

com a edição da Lei Estadual n. 9.607/10 quealterou dispositivos da Lei n. 8.995/08.ESPÍRITO SANTO, 2008b.

39 510 VTRE – Valor de Referência doTesouro Estadual (Id., 2008b, art. 3º)

40 Equação: VSrh = 200 VRTE x (1-z) x KtOnde: (i) 200 VRTE é o custo de oportunidadepara 01 serviço ambiental, acrescido deadequações orçamentárias; (ii) VSrh é o valordo serviços ambientais de conservação eincremento e da qualidade e da disponibilidadehídrica em R$/ha/ano; (iii) z é o coeficiente depotencial erosivo referente ao estágio dedesenvolvimento da floresta; (iv) Kt é ocoeficiente de ajuste topográfico.

41 A Lei nº 9.607/10 alterou o prazomínimo para 1 ano. ESPÍRITO SANTO. LeiEstadual nº 9.607 de 27 de dezembro de 2010.Altera e acrescenta dispositivos na Lei nº8.995, de 22.9.2008, que institui o Programade Pagamento por Serviços Ambientais —

PSA. Diário Oficial do Estado do EspíritoSanto: Vitória, 2010a, art. 1º.

42 Pela característica de bem público deuso não exclusivo e não rival mencionadaacima.

43 BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4de maio de 2000. Estabelece normas definanças públicas voltadas para aresponsabilidade na gestão fiscal e dá outrasprovidências. Diário Oficial da União, Brasília,2000. Art. 16.

44 WUNDER, Sven; ENGEL, Stefanie;PAGIOLA, Stefano. Taking Stock: acomparative analysis of payments forenvironmental services programs in developedand developing countries. EcologicalEconomics, v.65, 2008. p.834- 852

45 STANTON, Marcia. O papel do Direitona Proteção dos Serviços Ecossistêmicos, p.14. In: LAVRATTI, Paula; TEJEIRO, Guillermo(Orgs.). Direito e Mudanças Climáticas:

Pagamento por Serviços Ambientais,fundamentos e principais aspectos jurídicos.São Paulo: Instituto o Direito por um PlanetaVerde, 2013. p. 149.

A PROTEÇÃO AO MEIOAMBIENTE EMPERSPECTIVA

INTERNACIONAL

João Luís Nogueira Matias1

Introdução

Na atualidade, a proteção ao meioambiente assume caráter de valorprevalente em inúmeras sociedades.Trata-se de direito humano, que deve ser

efetivado com o objetivo depreservação da vida.

Se não há divergência sobre aimportância da preservação do meioambiente e sobre o papel central que aordem jurídica exerce para o alcance detal objetivo, há bastante discussão sobreo melhor modo de sua concretização.Diversos são os modos de efetivação daproteção ao meio ambiente.

Em alguns países, o modo de proteçãoao meio ambiente eleito foi a suainclusão como direito fundamental. Emoutros, deu-se a previsão constitucional

de parâmetros para a elaboração econtrole de políticas públicas ou afixação de normas procedimentais deatuação.

Pode-se afirmar que uma das opçõesde abordagem jurídica é mais eficaz doque as outras? É o que se pretendediscutir ao longo do presente texto.

É certo que, em perspectiva dedireito internacional, em que não háum sistema de governança que facilitea preservação do meio ambiente, aharmonização dos meios seria ideal.Contudo, as diferenciadas condições

sociais, políticas, econômicas eculturais de cada país afastam umasolução única, como será demonstrado.

1 A opção pelo direito ao meioambiente sadio como direitofundamental

Como comentado, em diversas ordensjurídicas2 o modelo de proteção ao meioambiente se perfaz pela definição dodireito ao meio ambiente sadio comodireito fundamental.3 O que caracteriza afundamentalização de direitos e qual aopção brasileira para a proteção ao

meio ambiente serão analisados nopresente tópico.

1.1 Caracterização dafundamentalização de direitos

Para entender a escolha pelafundamentalização do direito ao meioambiente sadio, importa compreender anoção exata de direitos fundamentais.

Segundo a doutrina mais abalizada,possível é desdobrar a idéia defundamentalidade em dois aspectos,formal e material. Fundamentais, noponto de vista formal, são os direitos

elencados no topo da pirâmidenormativa, ou seja, na Constituição. AFundamentalidade material, por sua vez,identifica os direitos fundamentais apartir de seu conteúdo, definido comoconstitutivo das estruturas básicas doEstado e da sociedade.

A concepção material de direitosfundamentais permite abranger outrosdireitos que não os expressamentealbergados pela Constituição Federal,desde que equiparados em dignidade erelevância. A fundamentalidade évinculada ao conteúdo do direito, não à

sua localização topográfica.4

Os direitos fundamentais são aquelessem os quais a pessoa humana não sedesenvolve em toda a sua plenitude,sendo frequente que o seu rol sejaacrescido de novos direitos,5 reflexo dastransformações sociais e de novospapeis assumidos pelo Estado.6

A técnica de fundamentalização dedireitos, que justifica a sua previsão,enseja a exigência de prestações doEstado; a proteção dos particularesdiante do Poder Público e de terceiros; aparidade entre os indivíduos e a

irradiação dos valores fundantes daordem jurídica.

1.2 A Caracterização do direito aomeio ambiente sadio como direitofundamental no Brasil.

A Constituição Federal de 1988estipula, no artigo 225, que todos têmdireito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de usocomum do povo e essencial à sadiaqualidade de vida, impondo-se ao PoderPúblico e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações.Trata-se, de forma inegável, de

direito fundamental, direito fundamentalde terceira geração.7 A afirmação dodireito ao meio ambiente sadio comodireito fundamental é resultado da firmeatuação do Supremo Tribunal Federal –STF, que não tergiversou em talcaracterização.O STF assim o definiu noAcórdão proferido no MS 22164/SP,cujo relator foi o Ministro Celso deMello, publicado no Diário da Justiça,em 30 de outubro de 1995:

O direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado -direito de terceira geração –constitui prerrogativa jurídica detitularidade coletiva, refletindo,dentro do processo de afirmaçãodos direitos humanos, aexpressão significativa de umpoder atribuído não ao indivíduoidentificado em suasingularidade, mas num sentidoverdadeiramente maisabrangente, a própriacoletividade social. Enquanto osdireitos de primeira geração(direitos civis e políticos) quecompreendem as liberdadesclássicas, negativas ou formais,realçam o princípio da liberdadee os direitos de segunda geração(direitos econômicos, sociais eculturais), que se identificam

com as liberdades positivas,reais ou concretas, acentuam oprincípio da igualdade, osdireitos de terceira geração, quematerializam poderes detitularidade coletiva atribuídosgenericamente a todas asformações sociais, consagram oprincípio da solidariedade econstituem um momentoimportante no processo dedesenvolvimento, expansão ereconhecimento dos direitoshumanos, caracterizadosenquanto valores fundamentaisindisponíveis, pela nota de umaessencial inexauribilidade..8

Hermann Benjamin, comentando osefeitos da abordagem da proteção ao

meio ambiente como direitofundamental, destaca: “Assim posta, aproteção ambiental deixa,definitivamente, de ser um interessemenor ou acidental no ordenamento,afastando-se dos tempos em que, quandomuito, era objeto de acaloradas, masjuridicamente estéreis, discussões noterreno não jurígeno das ciênciasnaturais ou da literatura. Pela via danorma constitucional, o meio ambiente éalçado ao ponto máximo doordenamento, privilégio que outrosvalores sociais relevantes só depois de

décadas, ou mesmo séculos, lograramalcançar”.9

Efetivamente, a principal vantagem dacaracterização do direito ao meioambiente sadio como direitofundamental é o seu “enforcement”, ouseja, a possibilidade de sua exigênciapor meio do Poder Judiciário. Espera-sedo Poder Judiciário, no contexto doEstado democrático de direito, que torneefetivas as promessas constitucionais, asprevisões abstratas previstas naConstituição Federal.10

Assim, a caracterização de um direito

como fundamental não é mero exercícioteórico, mas se configura como umimportante mecanismo de suaefetivação. No Brasil, foi, e tem sido umimportante meio de concretizá-lo. Talconstatação pode ser comprovada porinúmeras decisões dos Tribunaisbrasileiros, especialmente do SuperiorTribunal de Justiça - STJ, que tem acompetência de harmonizar a legislaçãofederal.11

Pode-se afirmar, a partir das decisõesantes aludidas, que há em construção noBrasil todo um sistema de proteção ao

meio ambiente sadio, munido deinstrumentos hermenêuticos específicos,adequados ao seu fim, que tem renovadoa ciência do direito.

Veja-se, a seguir, como se dá aproteção ao meio ambiente na Américado Sul.

2 A proteção ao meio ambiente nospaíses da América do Sul

Passa-se a analisar o modelo deproteção ao meio ambiente na Américado Sul. Pode-se apontar, pelo menos,três modelos diferenciados, como será

visto.12

Seguindo a tendência global, diversosdos países da América do Sulconstitucionalizaram a proteção aodireito ao meio ambiente sadio, amaioria deles considerando-o comodireito fundamental.13 Mas há países queoptaram por modelo diferenciado eassume destaque o giro ecocêntricopromovido no Equador e Bolívia.

2.1 A opção pela fundamentalizaçãoNos seguintes países, há a previsão

do direito fundamental ao meio ambientesadio:

ArgentinaPrimeira Parte, Capítulo II,Artigo 41: “Todos os residentesgozam do direito a um sadio eequilibrado ambiente, o qual sedireciona para odesenvolvimento humano,atendendo as necessidades dasatuais gerações sem ocomprometimento das futuras[...]ChileCapítulo III, Artigo 19: “Odireito a viver em um ambientelivre de contaminação.”ColômbiaTítulo II, Capítulo III, Artigo 79:“Todo individuo tem o direito degozar de um sadio ambiente.ParaguaiParte I, Tiítulo II, Capítulo I,

Seção II, Artigo 7: “Todos têm odireito a viver em um ambientesadio e ecologicamenteequilibrado.”República Bolivariana daVenezuelaTítulo III, Capítulo IX, Artigo127: “Todos têm o direito aindividual e coletivamenteusufruir a vida e a um ambientesadio e ecologicamenteequilibrado.

Em todos esses países o direito aomeio ambiente sadio foi tornado direitofundamental. Tal fato, por si, nãoassegura a sua efetivação, mas abre apossibilidade de provocação individual

do aparato estatal, assim como ensejaque haja resistência à atuação do Estadocontrária à preservação do meioambiente.

2.2 O meio ambiente como bem deinteresse geral

Caminho diverso foi o adotado porUruguai e Peru. Em ambos os países nãohá a previsão específica do direitofundamental ao meio ambiente sadio. Omeio ambiente é tratado como bem deinteresse geral, competindo ao Estadodefinir o modo de uso dos bens

ambientais e coibir a sua degradação:

PeruTÍTULO III – DO REGIMEECONÔMICOCAPITULO II - DO AMBIENTEE OS RECURSOS NATURAISart. 66. “Os recursos naturais,renováveis e não renováveis, sãopatrimônio da Nação. O Estado ésoberano em seuaproveitamento. Por lei orgânicase fixam as condições de suautilização e de sua outorga aparticulares. A concessãooutorga a seu titular um direitoreal sujeito a referido regimejurídico.Artículo 67. “O Estadodetermina a política nacional doambiente. Promove o uso

sustentável de seus recursosnaturais.Artículo 68. O Estado estáobrigado a promover aconservação da diversidadebiológica e das áreas naturaisprotegidas.Artículo 69. O Estado promoveo desenvolvimento sustentávelda Amazônia com umalegislação adequadaUruguaiArt. 47. A proteção do meioambiente é de interesse geral.As pessoas deverão abster-se dequalquer ato que causedepredação, destruição oucontaminação graves ao meioambiente. A lei regulamentaráesta disposição e poderá preversanções para os transgressores.

Tornar bens de interesse geral podeser um eficaz meio de protegê-los,contudo, a não previsão do direitofundamental ao meio ambiente podeenfraquecer a sua efetividade peladificuldade de autoexecutoriedade.

2.3 O giro ecocêntrico do Equador eBolívia

Inovadoras são as previsões sobredireito ambiental narradas nasConstituições do Equador e da Bolívia,após as reformas de 2008 e 2009,respectivamente. Foram inseridos

valores baseados nas raízes pré-colombianas, com os resgates dosvalores indígenas, principalmente, acultura do bem-viver e a proteção ànatureza. Veja-se:

EquadorArt. 10. A natureza será sujeitodos direitos que lhe reconheça aConstituição.art. 71. A natureza, ou PachaMama, onde se reproduz erealiza a vida, tem direito a quese respeite integralmente suaexistência e à manutenção eregeneração de seus ciclosvitais, estrutura, funções eprocessos evolutivos. Todapessoa, comunidade, povo ou

nação poderá exigir a autoridadepública o cumprimento dosdireitos da natureza. Para aplicare interpretar estes direitos seobservarão os princípiosestabelecidos na Constituição. OEstado incentivará as pessoasnaturais e jurídicas, e aos entescoletivos, para que protejam anatureza, e promoverá o respeitoa todos os elementos queformam um ecossistema.art. 72. A natureza tem direito àrestauração. Esta restauraçãoserá independente da obrigaçãoque tem o Estado e as pessoasnaturais ou jurídicas de indenizaraos indivíduos e coletivos quedependam dos sistemas naturaisafetados. Em casos de impactoambiental grave ou permanente,

incluídos os ocasionados pelaexploração dos recursos naturaisnão renováveis, o Estadoestabelecerá os mecanismosmais eficazes para alcançar arestauração e adotará as medidasadequadas para eliminar oumitigar as consequênciasambientais nocivas.art. 73. O Estado aplicarámedidas de precaução erestrição para as atividades quepossam conduzir a extinção deespécies, a destruição deecossistemas ou à alteraçãopermanente dos ciclos naturais.Se proíbe a introdução deorganismos e material orgânicoe inorgânico que possam alterarde maneira definitiva opatrimônio genético nacional.

art. 74. As pessoas,comunidades, povos e naçõesterão direito a beneficiar-se doambiente e das riquezas naturaisque os permita o bem viver. Osserviços ambientais não serãosusceptíveis de apropriação; suaprodução, prestação, uso eaproveitamento serão reguladospelo Estado.BolíviaLey de Derechos de la MadreTierra:art. 2º, 4, com a rubrica Respetoy defensa de los Derechos de laMadre Tierra: “O Estado equalquer pessoa individual oucoletiva respeitam, protegem egarantem os direitos da MadreTierra para o Viver Bem dasgeracões atuais e futuras”

art. 3º: “A Madre Tierra é osistema vivo, dinâmico,conformado pela comunidadeindivisível de todos os sistemasde vida e os seres vivos,interrelacionados,interdependentes ecomplementares, quecompartem um destino comum.”

Trata-se de verdadeiro giroecocêntrico, que abre novaspossibilidades na efetivação do direitoao meio ambiente sadio. Trata-se anatureza como sujeito de direito, cujaproteção é valor em si mesmo,desvinculada da condição humana.

Os dispositivos são novos e devemser maturados na prática para quetenham o seu alcance bem definido.Verifica-se que será necessário esforçohermenêutico próprio, para superar atradição de proteção focada em visãoantropocêntrica.

3 Proteção ao meio ambiente nospaíses africanos

Nos países africanos, a regra tem sidoa previsão do direito fundamental aomeio ambiente sadio.14 É o que serávisto a seguir.

ArgeliaTítulo I, Capítulo V, Artigo 66:“Todo cidadão tem o dever(duty) de proteger a propriedadepública e os interesses dacoletividade nacional e derespeitar a propriedade deterceiros.”AngolaParte II, Artigo 24: “Todocidadão devem ter o direito deviver em um ambiente sadio eimpoluto.”Burkina FasoTítulo I, Capítulo IV, Artigo 29:“O direito ao meio ambientesadio é reconhecido; A proteção,a defesa e a promoção do meioambiente são dever de todos.Título I, Capítulo IV, Artigo 30:“Todo cidadão tem o direito a

promover uma ação ou a aderir auma ação coletiva sob a formade petição, contra os atos queafetam ao meio ambiente ou opatrimônio cultural ouhistórico.”Cabo VerdeParte II, Título III, Articgo 70:“Todos devem ter o direito a umambiente sadio eecologicamente equilibrado, etem o dever de defendê-lo econservá-lo.CamarõesPreâmbulo: “Toda pessoa deveter o direito ao meio ambientesadio.Parte XII, Artigo 65: “OPreâmbulo compõe aConstituição.”República do Benin

Título II, Artigo 27: “Todapessoa tem o direito a umambiente sadio e duradouro etem o dever de defendê-lo.”Republica do ChadTítulo II, Capítulo I, Artigo 47:“Todos tem o direito a um meioambiente sadio.”República do CongoTítulo II, Artigo 35: “Todocidadão tem o direito a um meioambiente sadio e durável e tem odever de defendê-lo. O Estadozela pela proteção e conservaçãodo meio ambiente.MocambiqueParte II, Capítulo I, Artigo 72:“Todo cidadão deve ter o direitoa viver em um ambiente naturalequilibrado.”África do Sul

Capítulo 2, Artigo 24: “Todostêm direito (a) a um meioambiente que não sejaprejudicial à saúde ou ao bem-estar e (b) a ter o meio ambienteprotegido para as atuais e futurasgerações, por meo das medidaslegislativas e outras.TogoTítulo II, Subseção I, Artigo 41:“Todos têm o direito a umambiente sadio.”

Apesar da opção pelafundamentalização do direito ao meioambiente sadio, a eficácia do direito aomeio ambiente sadio não é efetiva. Éque, com a exceção da África do Sul, o

reconhecimento do direito fundamentalao meio ambiente não tem sidoreconhecido como auto-executável ejurisdicionável, o que temcomprometido a sua eficácia.15

4 Proteção ambiental no direitocomunitário europeu

Desde a assinatura do Tratado daUnião Europeia (TUE) em 1993, aUnião instituiu o desenvolvimentosustentável como um objetivo (ArtigoB), consolidando assim a políticaambiental europeia já prevista nos arts.

3º,1, e 6º do Tratado que institui aComunidade Europeia (TCE).

Além disso, a proteção ambiental éum direito fundamental de acordo com oart. 37 da Carta dos DireitosFundamentais da União Europeia, que,entretanto, não tem força vinculante16.Por esse motivo, a proteção ambientalem nível comunitário é realizada atravésde normas de conteúdo objetivo atravésdas medidas previstas nos arts. 174 a176 TCE, que visam concretizar apolítica ambiental europeia.

O grande problema do direito

ambiental europeu é a sua dificuldade deimplementação. Ele é reguladopreferencialmente através de diretivasdirecionadas aos Estados que, no casoda Alemanha e da maioria dos países-membros, para terem validade peranteos seus cidadãos devem serprimeiramente convertidas em normasde direito interno. Assim sendo, peranteas justiças nacionais, o direito ambientaleuropeu só entra em cena em questõesinterpretativas nos casos em que aconversão para o direito interno nãoexistiu ou foi insuficiente. Apenas em

casos excepcionalíssimos, quepressupõem a violação de um direitodireto e individual do autor, tem este emquestões ambientais um direito de açãoperante o Tribunal Europeu (arts. 230 IV,232 III TCE)17.

5 Considerações finais

É inegável a tendência atual deestabelecimento de regras de proteção ànatureza nas Constituições, o queexpressa o reconhecimento global daurgência da proteção ambiental. Emquase a totalidade dos países que o

fazem, o direito ao meio ambiente sadioé fundamentalizado.

Há uma nítida vinculação entre aopção pela fundamentalização e adificuldade de concretização do direitoao meio ao ambiente sadio por outrosmeios, principalmente a partir dalegislação meramenteinfraconstitucional.

Nos países da América do Sul eÁfrica, a opção predominante é pelaprevisão da proteção ao meio ambientecomo direito fundamental. Contudo, aefetiva proteção ao meio ambiente sadio

em tais países não é linear e temocorrido em diferentes níveis.

No Uruguai e no Peru, a proteção aomeio ambiente não é fundamentalizada.Torna-se o meio ambiente bem deinteresse geral, que merece serprotegido e resguardado.

Na África, em diversos países, apesarda fundamentalização do direito ao meioambiente sadio, a sua concretizaçãosofre limitações que decorrem, entreoutros fatores, das restrições de acessoao Poder Judiciário.

Na União Europeia, impõe-se uma

melhor regulação interna por cada país,a fim de dar maior eficácia ao direito aomeio ambiente sadio. É aqui que seestabelece o paradoxo de que, emboraem alguns países, como no Alemanha,não haja a previsão do direitofundamental ao meio ambiente sadio, asua efetividade alcança maior grau doque em outras ordens jurídicas.

A ordem jurídica da Bolívia e doEquador são as mais inovadoras sobre otema, propondo o reconhecimento dosdireitos da natureza (Pacha Mama), ouseja, propondo um verdadeiro giro

ecocêntrico. O pioneirismo dasregulações é alvissareiro e pode criarum novo paradigma, contudo, ainda seránecessário um grande esforçohermenêutico para que a novidade sereverta em efetiva ampliação daproteção ao meio ambiente.

O que se pode constatar é que não hámodelo mais ou menos eficiente deproteção ao meio ambiente, em cadapaís deve-se buscar um formatoapropriado às suas especificidades, apartir de suas características culturais,sociais, políticas e econômicas.

O que se tem por certo é que, embusca de uma maior efetividade daproteção ao meio ambiente, urge apromoção de um sistema de governançainternacional que empreenda esforçospara a sua concretização.

Referências

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TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. Odireito ao meio ambienteecologicamente equilibrado comodireito fundamental. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2006.

1 Juiz Federal. Professor do Programa dePós-Graduação da Faculdade de Direito daUniversidade Federal do Ceará. Pós-Doutorpela Universidade de Lisboa. Doutor emDireito Público pela Universidade Federal dePernambuco. Doutor em Direito Comercialpela Universidade de São Paulo.

2 CALVO, Trinidad Lázaro. Derecho

internacional del médio ambiente.Barcelona: Atelier Libros Jurídicos, 2005.

3 BIRNIE P. e ALAN B., International Law& The environment, 2° ed., New York: OxfordUniversity Press, 2002.

4 PADILHA, Norma Sueli. Fundamentosconstitucionais do direito ambientalbrasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier: 2010.

5 BURSTYN, Marcel; PERSEGONA. Agrande transformação ambiental. Umacronologia da dialética homem-natureza. Riode Janeiro: Garamond, 2008.

6 PONTING, Clive. Uma história verde domundo. Trad.: Ana Zelma Campos. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1995.

7 TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. Odireito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado como direito fundamental.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

8 Também no mesmo sentido: RE415454/SC, Relator Ministro Gilmar Mendes,

publicado no Diário de Justiça, em 08 fev.2007 e ADI-MC3540/DF, Relator o MinistroCelso de Mello. Publicado no Diário deJustiça, em 01 fev. 2005.

9 Em Constitucionalização do ambiente eecologização da Constituição Brasileira. In:CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE,José Rubens Morato (org.). Direitoconstitucional ambiental brasileiro. SãoPaulo: Saraiva, 2007, (57-130), página 73.

10 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontourade. Meio ambiente: direito e deverfundamental. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2004.

11 A efetivação do direito ao meio ambientesadio - uma perspectiva jurisprudencial. InMoraes, Germana; Marques Júnior, William eMelo, Álisson José Maia (Coords.). As águasda UNASUL na RIO + 20 - Direitofundamental à água e ao saneamento básico,sustentabilidade, integração da América do

Sul, novo constitucionalismo latino-americano e sistema brasileiro. Curitiba:Editora CRV, 2013.

12 SOARES, Guido Fernando Silva. Direitointernacional do meio ambiente:emergência, obrigações e responsabilidades.São Paulo: Atlas, 2001.

13 MAY, Janes R. Constituting FundamentalEnvironmental Rights Worldwide. PaceEnvironmental Law Review. Volume 23.Inverno 2005/2006, Janeiro de 2006. Páginas113-137.

14 MAY, Janes R. Constituting FundamentalEnvironmental Rights Worldwide. PaceEnvironmental Law Review. Volume 23.Inverno 2005/2006, Janeiro de 2006. Páginas113-137.

15 MAY, Janes R. Constituting FundamentalEnvironmental Rights Worldwide. PaceEnvironmental Law Review. Volume 23.Inverno 2005/2006, Janeiro de 2006. Páginas

113-137.16 “Artigo 37º. Proteção do ambiente.

Todas as políticas da União devem integrar umelevado nível de proteção do ambiente e amelhoria da sua qualidade, e assegurá-los deacordo com o princípio do desenvolvimentosustentável.”

17 BOHNE, Eberhard; KLOEPFER,Michael. Das Projekt einesUmweltgesetzbuchs 2009. Schriften zumUmweltrecht, Vol. 165. Berlin: Duncker &Humblot, 2009, p. 713.

COOPERAÇÃOINTERNACIONAL: A

REDE IBERO-AMERICANA DE

COOPERAÇÃO JURÍDICAINTERNACIONAL –

IBERRED

Lília Taveira Nunes1

Introdução

Considerando os grandes conflitos

armados do passado recente dasociedade internacional, como as duasguerras mundiais, percebemos que asrelações entre os Estados em muito têmavançado.

Os conflitos bélicos cada vez maistêm sido substituídos pela soluçãopacífica de controvérsias, através devias diplomáticas ou até mesmojudiciais.

O Direito Internacional Público e oDireito Internacional Privado muito sedesenvolveram para acompanhar essasmudanças. As relações cada vez mais

próximas e dinâmicas entre os Estadosfazem surgir situações fáticas querequerem do Direito Internacional novassoluções.

Em consonância com os laços, emregra, amistosos dessas relaçõesinternacionais, e tendo em vista a maiornecessidade de comunicação entre osEstados para a solução de questões deâmbito jurídico, cabe examinar aimportância, na atualidade, dacooperação jurídica internacional.

O presente trabalho busca fazer umabreve análise de aspectos gerais sobre a

cooperação jurídica internacional,destacadamente no campo cível, e seusprincipais instrumentos, para que, nessecontexto, possa tratar da estrutura e dofuncionamento da rede de cooperaçãojurídica internacional IberRED e,finalmente, traçar algumasconsiderações a seu respeito.

Criada em 2004, com o intuito defacilitar a cooperação jurídica entre osEstados, pode-se afirmar, sem receios,que a IberRED não é um mecanismo tãorecente. Ainda assim, poucas são asreferências a respeito do tema feitas em

livros, ou até mesmo artigos científicos,que em regra são instrumentos de estudode temas inéditos ou ainda poucoexplorados.

A principal fonte de informaçõessobre a IberRED é o seu portal oficialna internet e as notícias divulgadas nosmeios de comunicação sobre a referidarede de cooperação. Ainda que se tratede um tema de fontes muito restritas, aIberRED é um assunto extremamenteatual, o que faz despertar o interesse deexplorá-lo.

Entretanto, na literatura, é possível

encontrar textos relevantes sobe aquestão da cooperação jurídica de umaforma geral e o papel dos julgadores edas cortes nesse importante contexto.

Para a elaboração desse trabalho,foram utilizados notícias e artigospublicados na internet, livros e algumasreferências da Constituição Federal, dalegislação brasileira e dajurisprudência.

1 Cooperação jurídica internacional

As relações entre os Estadosfortaleceram-se e estão tornando-se

mais estreitas, através de interaçõespolíticas, econômicas e sociais, e écerto que essa maior interaçãointernacional também faz surgir questõesque produzem efeitos na esfera jurídicadesses países.

Na atualidade, já se consolida umcenário em que muitas são as situaçõesque acabam por conectar pessoasatravés de situações jurídicas. Comoconsequência disso, torna-se necessáriotambém relacionar sistemas jurídicos,cortes e julgadores para a soluçãodesses casos.

É certo que cada Estado temsoberania para exercer sua jurisdiçãoem seu território de forma exclusiva,segundo o princípio da territorialidade,podendo, em alguns poucos casosexcepcionais, exercê-la em territórioalheio, quando assim lhe for permitido.

Ocorre que, conforme já destacado,no cenário internacional acimaapontado, não é possível consideraresses Estados envolvidos apenas emsituações que se limitem às suasfronteiras. Daí a necessidade decooperação jurídica entre eles para a

solução de certas questões, uma vez queum Estado não pode agir em territórioestrangeiro conforme sua vontade, o queconsistiria em ofensa à soberanianacional.

Sob outra ótica, é possível apontaressa cooperação internacional comoreflexo da soberania, pois, no tocante aoaspecto externo, esta seria a liberdadeque têm os Estados de dispor quanto asuas vontades e decisões nas relaçõescom outros países, observado o bem-estar de todos e o fortalecimento dacomunidade internacional2. E o que é a

cooperação internacional, senão umexercício da vontade estatal?

Esse exercício de soberania deve serentendido desde a iniciativa do Estadoem celebrar tratados internacionais paragarantir a cooperação com outros paísesaté, quando não houver um documentointernacional que o obrigue, à suaprestação voluntária.

Além disso, independentemente se jáhá uma convenção entre as partes ou emse tratando de uma hipótese decooperação voluntária, a atuação estatalhá de fundamentar-se precipuamente no

princípio da reciprocidade.3

Segundo Nádia de Araújo, esse“intercâmbio internacional” pode sertido como um “mecanismo pelo qualautoridades competentes dos Estadosprestam auxílio recíproco para executarem seu país atos processuais quepertencem a processos que acontecemno estrangeiro”.4

A cooperação jurídica internacionalpode, pois, ser compreendida como umacolaboração mútua entre Estados,quando um necessita do auxílio de outropara a solução de determinada questão

em âmbito jurídico.Ela pode ser classificada como ativa,

quando um Estado é parte requerente doreferido auxílio, ou passiva, quandotomada a cooperação sob a ótica doEstado requerido.5

No Brasil, a Constituição Federal de1988 elencou, em seu art. 4º, IX, dentreos princípios que regem o país nas suasrelações internacionais, o dacooperação entre os povos para oprogresso da humanidade.

A condição de princípio atribuídapelo texto constitucional ao tema

evidencia a sua relevância, noção essaque, obviamente, estende-se àcooperação jurídica, uma vez que, emverdade, esta deve ser compreendidacomo uma espécie do gênero daquela.

A cooperação jurídica pode ir alémdessa conjuntura apresentada. Ainda quehaja no cenário internacional anecessidade de respeito à jurisdição decada Estado, as cortes e os juízes jácompreendem que tal comando não deveser interpretado como um isolamento desuas existências e seu funcionamento.Em relação a esse aspecto, Paul Schiff

Berman6 destaca que: “By consideringthe importance of the internationalsystem and by thinking of how courtsshould relate to each other and enforceeach other’s norms, judges might actmore cautiously and not reflexivelyapply their norms to every case withintheir jurisdiction”.

Já existe, portanto, a busca por umacomunicação entre os órgãos judiciáriosdos Estados no sentido de apoiar-se unsnos outros para tentar alcançar umdiálogo entre eles, seja para apoio deinterpretações em relação a

determinados casos, seja para obterauxílio na obtenção de alguminstrumento necessário para oandamento de caso judicial já existente.

1.1 Principais instrumentos decooperação internacional

A cooperação internacional pauta-se,portanto, no auxílio entre Estados. Osobjetos dessa relação podem serdiversos, bem como os instrumentosutilizados nesse processo, dentre osquais, cabe destacar como principais: aCarta Rogatória, a extradição, a

homologação de sentença e o auxíliodireto.

1.1.1. Carta RogatóriaÉ um mecanismo de cooperação entre

Estados, pelo qual uma autoridaderequer a outra, de nacionalidadeestrangeira, a realização dedeterminados atos processuais, a fim deauxiliar o desenvolvimento de processojudicial que tramita naquele país.

A legislação pátria classifica asCartas Rogatórias em ativas, quandoexpedidas pelo Brasil a autoridadeestrangeira, e passivas, quando

transmitidas por autoridades do exteriorpara serem cumpridas aqui.

Em regra, a forma pela qual a cartarogatória é transmitida e o seucumprimento são regulados pelo direitointerno e por tratados internacionais. É oque ocorre, por exemplo, no Brasil.

No plano nacional brasileiro, a cartarogatória pode basear-se em tratado outramitar por via diplomática. Noprimeiro caso, há comunicação direta. Acarta rogatória é encaminhada àAutoridade Central, que é responsávelpelo juízo de admissibilidade, sendo

vedada, entretanto, a apreciação domérito, e caso esteja em conformidade,será encaminhada ao órgão competentepara a concessão da exequatur.7

Segundo o art. 105, I, i, daConstituição Federal de 1988, competeao Superior Tribunal de Justiça aconcessão de exequatur às CartasRogatórias, o que também foidisciplinado na Resolução nº 9, de 04de maio de 2005, do STJ.8

No caso da carta rogatóriadiplomática, ela seguirá o mesmoprocedimento destinado àquela baseada

em tratado, mas ao invés de ser recebidapela autoridade central, ela éencaminhada ao Ministério dasRelações Exteriores.9

Em muitos casos, o pedidoencaminhado ao Brasil não ésubstancialmente uma carta rogatória,ainda que o Estado a apresente com taldenominação. Cabe, no momento dojuízo de admissibilidade, adiferenciação entre pedidos de naturezameramente administrativa daqueles queapresentem os aspectos específicos dacarta rogatória.10

Esse é um instrumento na práticademasiadamente utilizado e que englobadiversas possibilidades de cooperação,seja um ato de comunicação ou umadiligência necessária ao andamentoprocessual. É, pois, um mecanismo dedestaque no âmbito da cooperaçãojurídica internacional.

1.1.2. Extradição

A extradição está relacionada aorequerimento, por parte de Estadoestrangeiro, de indivíduo que tenhapraticado crime no território deste país

e lá deva responder a processo penal.Como já foi destacado, mas não é

demasiado recordar, os países pautam-se, em suas relações internacionais, noprincípio da reciprocidade. Maisespecificamente, em relação àextradição, na ausência de tratado,celebrado entre os Estados envolvidos,que regule o tema, a fundamentação parao pedido de extradição pauta-se nesseimportante princípio.

No Brasil, há ainda algumasprevisões do ordenamento jurídicointerno sobre a matéria. O texto

constitucional dispõe, em seu art. 5º, LI,que brasileiro nato não pode serextraditado, e o naturalizado poderáquando tenha praticado crime comumantes da naturalização ou no caso decomprovado envolvimento em tráficoilícito de entorpecentes e drogas afins.

1.1.3. Homologação de sentença

Embora não estejam obrigados areconhecer sentença estrangeira, emregra, os Estados o fazem, desde que oconteúdo dessas decisões não sejacontrário à ordem pública.

A Resolução nº 9, do SuperiorTribunal de Justiça, estabelece, em seuart. 6º, que não será reconhecidasentença estrangeira que seja contrária àsoberania e à ordem pública.

Nesse mesmo sentido, o art. 17 da Leide introdução às normas do Direitobrasileiro prevê que leis, atos esentenças de outro país, e tambémquaisquer declarações de vontade, nãoterão eficácia no Brasil, em caso dedesrespeito a soberania nacional, aordem pública ou os bons costumes.

A respeito do referido comando legal,

Jacob Dolinger11 esclarece que:

Primeiramente as leisestrangeiras, se ofenderem anossa ordem pública, não terãoeficácia no Brasil, significandoque não serão aplicadas noBrasil, e segundo, os atos,declarações de vontade esentenças originários doexterior, que representamsituações já consumadas,também não terão eficácia noBrasil se ofenderem nossaordem pública, mas aí em graumais grave do que na hipótese deaplicação direta da lei.

O máximo alcance dos efeitos doreconhecimento de sentença jurídica

estrangeira é o da sentença nacional,assim nos ensina Rechsteiner. Essesefeitos são a coisa julgada, aintervenção de terceiros e a própriasentença do Estado estrangeiro, àmedida que compatível com oordenamento jurídico interno.12

No Brasil, uma sentença remetida poroutro Estado só terá eficácia, perante aordem jurídica pátria, com a préviahomologação do Superior Tribunal deJustiça ou do seu Presidente, sem quelhe esteja autorizada a análise de méritoda decisão.

Além de uma forma de auxílio de umEstado para outro, a homologação desentença representa também o respeito àjurisdição de outro Estado, uma vez quereconhece e dá efeito a decisãoestrangeira, sem submetê-la à mudançaessencial de seu conteúdo.

1.1.4. Auxílio direto

Ainda que já existam os instrumentosde cooperação anteriormente apontados,que visam a trazer agilidade à soluçãode situações de caráter jurídico, osEstados acabaram por criar um

mecanismo que pudesse produzir efeitosainda mais céleres: o auxílio direto.

Esse instrumento possuiespecificidades importantes, secomparado aos demais aquiapresentados. Nesse sentido, oMinistério da Justiça13 aponta que:

O auxílio direto diferencia-sedos demais mecanismos porquenele as autoridades brasileirasnão proferem exequatur ouhomologam ato jurisdicionalestrangeiro. Por meio desteinstrumento as autoridadesbrasileiras conhecem dos fatosnarrados pela autoridaderequerente para daí proferir uma

decisão nacional.

Dessa forma, em caso de pedido deauxílio direto, havendo necessidade deuma ordem judicial, ela se originará doPoder Judiciário brasileiro. É nesseaspecto que reside uma importantediferença entre a carta rogatória e opedido de auxílio direto, uma vez queaquela dá cumprimento a decisãoestrangeira.

Em relação a esse aspecto, Nádia deAraujo14 nos ensina que:

Nessa nova modalidade,procura-se agilizar os

procedimentos de cooperaçãotradicional, em vista damorosidade a eles associada. Hápaíses, inclusive, que permitemtoda a cooperação entreautoridades administrativas. Nocaso do Brasil, embora o pedidopossa ser transmitidodiretamente à AutoridadeCentral brasileira, sempre haveránecessidade da ordem judicialpara seu cumprimento, a menosque a situação não seja de moldea exigi-la, como por exemplo,quando se requer informaçõesdisponíveis sem a necessidadede intervenção judicial.

A ideia aqui é que sejam superadas asbarreiras da morosidade da justiça,

através da superação de maioresentraves formais. O pedido de auxílio,portanto, atenderia a formalidades maissimplificadas de envio. Ocorre que, noBrasil, o pedido do Estado aindaprecisa passar pelo Poder Judiciário, oque, contudo, não impede o resultadopretendido pela forma de auxílio diretode maior celeridade.

1.2. Redes de cooperação jurídicainternacional

As redes de cooperação jurídicainternacional visam a uma atuaçãomenos burocrática, a fim de facilitar o

auxílio entre os Estados, através daformação de um grupo de Estadosparticipantes e de uma teia demecanismos capazes de relacioná-losem situações de ajuda mútua.

O Brasil, hoje, faz parte de duas redesde cooperação de matéria cível, a RedeIbero-Americana de CooperaçãoJurídica Internacional – IberRED e aRede de Cooperação JudiciáriaInternacional dos Países de LínguaPortuguesa – Rede Judiciária da CPLP.15

A Rede Judiciária da CPLP divide-se,por matéria, em duas unidades, uma que

dedica-se à área penal, e outra, à áreacível e comercial, e é formada pelospaíses integrantes da Comunidade dosPaíses de Língua Portuguesa (CPLP).

Essas duas redes de cooperaçãoenvolvem órgãos dos Poderes Executivoe Judiciário e do Ministério Público,trata-se, pois, de uma integraçãoinstitucional internacional pelacooperação jurídica entre Estados.

2 Rede ibero-americana decooperação jurídica internacional -IberRED

Como já ocorria no âmbito da UniãoEuropéia, 23 países ibero-americanosconstituíram, em outubro de 2004, emCartagena das Índias, Colômbia, a RedeIbero-Americana de CooperaçãoJurídica Internacional – IberRED.

Segundo o Regulamento que aconstituiu, a IberRED tem por objetivos:

a) aperfeiçoar a cooperaçãojudicial em matéria penal e cívelentre os países participantes daComunidade Ibero-Americanade Nações;b) estabelecer progressivamentee manter atualizado um sistemade informação sobre os

diferentes sistemas legais daComunidade Ibero-Americanade Nações;16

Consiste, pois, em um sistema decooperação em rede que visa asimplificar os mecanismos decooperação entre os países que acompõe, fortalecer a relação entre eles etornar mais ágil e efetiva a prestaçãojurisdicional.

Além do Brasil, estão envolvidosnesse projeto: Andorra, Argentina,Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica,Cuba, Equador, El Salvador, Espanha,

Guatemala, Honduras, México,Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru,Portugal, Porto Rico, RepúblicaDominicana, Uruguai e Venezuela.17

Por envolver mais de vinte paísesibero-americanos, pode-se dizer que setrata de uma rede ampla que seaproveitou da vantagem da similaridadede suas línguas oficias, espanhol eportuguês, para formar uma rede decooperação jurídica, com os fins, acimaapontados, de celeridade esimplificação.

Conforme nos ensina Paulo Henrique

Gonçalves Portela, A Rede Ibero-Americana de Cooperação Judiciária(IberRED) é uma rede formada porAutoridades Centrais e pontos decontato dos Ministérios da Justiça,Ministérios Públicos e órgãos dosPoderes Judiciários dos países queformam a Comunidade Iberoamericanade Nações e, também, da Suprema Cortede Porto Rico.18

As Autoridades Centrais sãoresponsáveis pelo juízo deadmissibilidade administrativo dospedidos de cooperação jurídica

internacional e sua coordenação, sendosua atribuição também remeter essespedidos a autoridade competente. NoBrasil, a autoridade central é oDepartamento de Recuperação deAtivos e Cooperação JurídicaInternacional – DCRI, e em alguns casosexcepcionais, a Procuradoria-Geral daRepública e a Secretaria de DireitosHumanos da Presidência da República.

Os pontos de contato, por sua vez, sãoresponsáveis pelas atribuições maisoperacionais. O Regulamento daIberRED destaca, como suas funções,

dentre outras, proporcionar toda ainformação necessária para a boacooperação judicial entre os Estados,facilitar a coordenação do examepreliminar dos pedidos de cooperaçãojurídica e colaborar para a realizaçãodas reuniões da rede.

Além das autoridades centrais, dospontos de contato e de outrasautoridades judiciárias ouadministrativas, faz parte também daestrutura da IberRED, segundo seuregulamento, a Secretaria-Geralpermanente, cujas atribuições devem ser

desempenhadas pela Secretaria-Geralda Conferência dos Ministros dasJustiça dos Países Ibero-Americanos.

Por envolver órgão independentes, nocaso do Brasil, o Ministério da Justiça,o Ministério Público Federal e oSuperior Tribunal de Justiça, a IberREDrequer um núcleo de coordenação anível nacional.

Em razão disso, a Portaria conjunta nº495, de 27 de fevereiro de 2007, criou aSeção Nacional da Rede Ibero-Americana de Cooperação Judicial.

A referida Seção Nacional deve ser

integrada, segundo o texto dodocumento, por dois representantes, umtitular e outro suplente, do SuperiorTribunal de Justiça, do MinistérioPúblico Federal e do Ministério daJustiça, a serem indicados pelostitulares dos órgãos, entidades e Poderesrepresentados.

A coordenação foi atribuída aoMinistro de Justiça, a ser exercida pormeio do Departamento de Recuperaçãode Ativos e Cooperação JurídicaInternacional – DCRI.

Em 2009, foi criado um documento

com intuito semelhante, a“Recomendação sobre o modelo decoordenação nacional de pontos decontato da IberRED”, uma tentativa deuniformizar a coordenação nosdiferentes regulamentos nacionais.19

A IberRED caracteriza-se como umsistema informal de cooperação, issoporque se destina, na verdade, à troca deinformação e solução de problemasacerca de questões que tenham umprocesso próprio já determinado.

Além disso, tem como outrascaracterísticas, a complementaridade,

pois não visa a interferir na competênciapara cooperação internacional dasautoridades, e sim estabelecer-se comoum instrumento adicional;horizontalidade, uma vez que não háhierarquia entre os Estados que formama rede; flexibilidade, para se adaptaraos diferentes ordenamentos jurídicosdos países; e cooperação mútua.20

É interessante notar o esforço dosorganismos de assuntos jurídicos, emâmbito internacional, para converter oavanço tecnológico em seu benefício. Otrabalho rápido e simultâneo é possível,

dentre outros instrumentos, graças àIber@, que permite a comunicação ágile virtual entre pontos de contato eautoridades centrais.

A criação da IberRED nada mais éque a elaboração de uma plataformamoderna a ser usada para comunicaçãode dados e informações no tocante àcooperação jurídica entre os paísesibero-americanos.

Prova de como pode ser eficaz essatroca, a IberRED teve papel importante,através dessa cooperação eletrônica, nasoperações internacionais Cervero, que

desarticulou quadrilhas transnacionaisde crimes cibernéticos, e Azahar, queinvestigou e prendeu dezenas de pessoasem vários países pelo crime depornografia infantil. 21

A rápida e fácil comunicação depessoas em diferentes partes do mundopermite a configuração de crimes queconectem essas pessoas, possivelmentetambém de nacionalidades diversas.

Daí a real necessidade decomunicação de sistemas jurídicos,cortes e julgadores na investigação, nocombate, no julgamento e na prevenção

destes crimes.

3 Considerações finais

Em regra, os Estados, eexclusivamente eles, exercem de formasoberana a jurisdição em seu território,e só é possível que outro Estado faça omesmo no território daquele se, em umcaso excepcional, estiver autorizadopelo ordenamento jurídico, ou se aquelepaís estiver obrigado, por tratado, acooperar com ele, ou o fizer de formavoluntária.

Por não poder intervir em território

estrangeiro quando for de sua vontade,um Estado depende da cooperaçãojurídica de outro para realização dediligência ou outro procedimento noterritório deste.

Muitos são os acordos que versamsobre a matéria, tanto bilaterais, quantomultilaterais. Dentre estes, contudo,cabe apontar a Rede Ibero-Americanade Cooperação Jurídica Internacional.

A IberRED é reflexo dos avançostecnológicos e da necessidade deaprimoramento e modernização dasorganizações judiciais para acompanhar

essas mudanças.A troca de dados, informações, a

comunicação célere entre os países,enfim, o trabalho mútuo e simultâneo dosEstados que compõe esta rede, por meiode uma plataforma eletrônica, permitetornar mais ágil e, consequentemente,mais eficaz a prestação judicial dessespaíses, bem como pode também auxiliarna solução de situações de interesseinternacional.

A rede também proporciona aintegração de países mais desenvolvidostecnologicamente com países menos

desenvolvidos nessa área, e a interaçãoentre eles certamente acrescentarápossibilidades de desenvolvimento emodernização a estes últimos.

A IberRED reflete os benefícios que ogrande avanço dos meios decomunicação, principalmente a internet,podem promover também no âmbito dasinstituições da Justiça, aliada àfacilidade proporcionada também pelosidiomas oficiais tão similares. AIberRED é um grande passo e um olharpra frente quanto à questão daceleridade processual dos países em

nível internacional.

Referências

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1 Graduada em Direito pela UniversidadeEstadual do Piauí - UESPI e pós-graduanda emDireito Internacional pela Universidade de

Fortaleza – UNIFOR.2 MORE, Rodrigo Fernandes. O moderno

conceito de soberania no âmbito do DireitoInternacional. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/07_716.pdf>.Acesso em: 1 jul. 2013.

3 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves.Direito Internacional Público e Privado. 5ed. rev. amp. e atual. Salvador: Juspodivm,2013. p. 698.

4 ARAUJO, Nadia de. A importância daCooperação Jurídica Internacional para aAtuação do estado Brasileiro no plano Internoe Internacional. In: BRASIL. Departamento deRecuperação de Ativos e Cooperação JurídicaInternacional. Secretaria Nacional de Justiça eMinistério da Justiça. Manual de CooperaçãoJurídica Internacional e Recuperação deAtivos. Brasília: Departamento deRecuperação de Ativos e Cooperação JurídicaInternacional, 2008. p. 39-48. Disponível em:

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5 BRASIL. Departamento de Recuperaçãode Ativos e Cooperação Jurídica Internacional.Secretaria Nacional de Justiça e Ministério daJustiça. Cartilha Cooperação JurídicaInternacional em matéria civil. Brasília:Departamento de Recuperação de Ativos eCooperação Jurídica Internacional, 2012.

6 BERMAN, Paul Schiff. Judges ascosmopolitan transnational actors.Disponível em:<http://lsr.nellco.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1037&context=uconn_wps>. Acessoem: 8 set. 2014. p. 102.

7 BRASIL. Cartilha Cooperação JurídicaInternacional em matéria civil. p. 18-19.

8 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005. Dispõe,

em caráter transitório, sobre competênciaacrescida ao Superior Tribunal de justiça pelaEmenda Constitucional nº 45/2004. AtosOficiais do STJ. Brasília, Disponível em:<http://www.stj.jus.br/SCON/legislacao/doc.jsp?numero=”9”&norma;=’RES’&&b;=LEGI&p=true&t=&l=20&i=1>.Acesso em: 18 jul. 2014.

9 BRASIL. Cartilha Cooperação JurídicaInternacional em matéria civil. Op. Cit. p. 19.

10 DIPP, Gilson Langaro. Carta Rogatória eCooperação Internacional. RevistaCej, Brasília, Ano XI, n. 38, p.39-43, jul/set,2007. Disponível em:<http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/929/1102>.Acesso em: 18 jul. 2014. p. 40.

11 DOLINGER, Jacob. A ordem públicainternacional em seus diversospatamares. Revista dos Tribunais, Curitiba, v.93, n. 828, p.33-42, out. 2004, p. 36.

12 RECHSTEINER, Beat Walter. DireitoInternacional Privado: teoria e prática. 13.

ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.13 BRASIL. Cartilha Cooperação Jurídica

Internacional em matéria civil. p. 17.14 ARAUJO, Nadia de. A importância da

Cooperação Jurídica Internacional para aAtuação do estado Brasileiro no plano Internoe Internacional. In: BRASIL. Departamento deRecuperação de Ativos e Cooperação JurídicaInternacional. Secretaria Nacional de Justiça eMinistério da Justiça. Manual de CooperaçãoJurídica Internacional e Recuperação deAtivos. Brasília: Departamento de Recuperaçãode Ativos e Cooperação Jurídica Internacional,2008. p. 39-48. Disponível em:<http://www.tjdft.jus.br/publicacoes/manuais/manuais-da-corregedoria/2009Manual_CooperacaoCivil.pdf#page=39>.Acesso em: 18 jul. 2014. p. 46.

15 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves.Op. cit. p. 717.

16 IBERRED. Reglamento De La Red

Iberoamericana De Cooperación JuridicaInternacional. Disponível em:<https://www.IberRED.org/sites/default/files/reglamento-de-la-red-iberoamericana-de-cooperacin-juridica-internacional.pdf>. Acesso em: 01 jul.2013.

17 IBERRED. Os paísesmembros. Disponível em:<https://www.IberRED.org/pt/paises-miembros>. Acesso em: 01 jul. 2013.

18 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves.Op. cit., p. . 717.

19 IBERRED. Regulamento da redeibero-americana de cooperação jurídicainternacional. Disponível em:<https://www.IberRED.org/sites/default/files/reglamento_IberRED_portugues.pdf>.Acesso em: 1 jul. 2013.

20 IBERRED. IberRED (Rediberoamericana de cooperación jurídicainternacional). Disponível em:<http://www.comjib.org/node/192>. Acesso

em: 1 jul. 2013.21 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

IberRED. Disponível em:<http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=726>. Acesso em: 1 jul. 2013.

BRASIL E ORGANIZAÇÃOMUNDIAL DOCOMÉRCIO:

CONTRIBUIÇÕES EDESAFIOS PARA UMDESENVOLVIMENTO

IGUALITÁRIO

Paulo Augusto Carlos MonteiroFilho1

Introdução

Durante os últimos anos, o fenômenoda globalização e as recentes inovaçõestecnológicas têm transformado o mundoem que vivemos. Para Giddens2, essaglobalização é nova e revolucionária,gerando efeitos que podem ser sentidosem todas as partes do mundo epossibilitando o surgimento de várias edivergentes formas de reações sobre osfenômenos globais, desde o planopolítico, até o econômico, o social e ocultural, todos potencializados pelosmeios de comunicação.

No início da expansão e do

desenvolvimento das práticascomerciais na Europa, entre o séculoXV e XVIII – período da históriadenominado de mercantilismocomercial, tido como essencial para apromoção do crescimento econômico eda opulência das nações, além de umaforma clara de demonstração de poder–, o comércio internacional tinha poucaou quase nenhuma normatização comum.

Com foco nas negociações bilaterais,prevalecia o que era pactuado entre aspartes negociadoras, conforme suasnecessidades e oportunidades.

Hodiernamente, frente à redução dasdistâncias e das barreiras advindas como fenômeno da globalização, os paísestêm preferido negociações plurais.3

Como resultado dessa nova forma decomércio, os Estados tornaram-se maisinterdependentes, aumentando ainfluência das organizações e de outrosagentes na conjuntura políticainternacional e criando uma dependênciamútua entre os países, com efeitosrecíprocos e que resultam de transaçõesinternacionais constituídas de “fluxos dedinheiro, pessoas e mensagens através

de fronteiras internacionais.” Assim,opõem-se o conceito de“interdependência” ao conceito realistade “poder”, essencialmente relacionadoao uso da força.4

Nesse novo panorama, o comércioabandonou a antiga visão de que seriaapenas um instrumento paraproporcionar a opulência e ocrescimento econômico do Estadomediante a concentração de riquezasadvindas com a sua prática a fim deenglobar o mais recente conceito dedesenvolvimento, que engloba não só o

crescimento econômico de uma nação,mas uma maior distribuição de riquezascom o intuito de promover umdesenvolvimento igualitário entre asnações.

O Brasil, ao longo da sua trajetóriacomercial, principalmente após afundação do Acordo Geral sobre Tarifase Comércio (GATT), em 1947, temconcedido relevante importância àsnegociações multilaterais. Atualmente,junto à Organização Mundial deComércio (OMC), a política externabrasileira tem ocupado posição de

destaque frente ao cenário mundialquando se trata de solução decontrovérsias e de influenciar nasnegociações multilaterais, semprebuscando defender os princípios queregem as relações comerciaisinternacionais, principalmente os queprivilegiam o desenvolvimentoigualitário dos países membros. Dessaforma, com um posicionamento em prolde um comércio internacional livre debarreiras e tratamentos discriminatórios,o Brasil, principalmente durante operíodo de crise da Rodada Doha e

durante o governo Lula (2002-2010),ampliou consideravelmente a suainfluência junto a outros paísesemergentes e formou uma verdadeiracoalizão contra os países com maiorinfluência dentro do organismointernacional.5

Frente a tamanha articulação políticado Estado brasileiro, este trabalho temcomo norte questionar quais foram asconquistas advindas da participação doBrasil junto à OMC, identificando emque elas contribuíram para odesenvolvimento dos países membros,

principalmente dos países emdesenvolvimento, e quais serão osdesafios ainda a serem enfrentados naconquista de um comércio multilateralmais democrático e igualitário, levando-se sempre em consideração acompetência da OMC para a obtençãodesses resultados.

1 O fenômeno do multilateralismocomercial e a Organização Mundial doComércio (OMC)

O Livre Comércio é um fenômenorecente na história das relações

internacionais que surgiu como forma desubstituição ao antigo sistema deresolução de conflitos firmado apenasem acordos bilaterais ou em decisõesunilaterais, eis que agora a maioria dasnegociações comerciais são plurais,multilaterais, envolvendo diferentespaíses com interesses e objetivos muitasvezes divergentes.6

No cenário internacional atual, frutode um processo histórico deinterconexão entre os países, osproblemas passaram a tomar proporçõesglobais, afetando a sociedade

internacional como um todo, sociedadeessa não mais caracterizada pelasubordinação, mas sim pelacoordenação de interesses entre seusmembros. Assim, nesse cenário, omultilateralismo surge como umaespécie de projeto político internacionalque privilegia um padrão de açõescoletivas em detrimento de soluçõesindividuais para os problemas,apoiando-se em uma percepção deindivisibilidade do espaço e norteadopor princípios que visam umacooperação entre os diversos atores

internacionais, como o da reciprocidadee da não discriminação, vejamos:

(...) O conceito expressa,portanto, um projeto político aser promovido por umainstitucionalidade internacionalou, ao menos, a preferência porum padrão de ação coletiva emdetrimento de soluçõesindividuais. A essa definiçãocabe também acrescentar asdimensões normativas doobjetivo da universalidade, deuma percepção deindivisibilidade do espaço e dosproblemas comuns, e deperspectivas futuras, na busca deprincípios ordenadores quegarantam um mínimo de

previsibilidade à interação entreos atores. O conceito demultilateralismo abarca assimuma extensa variedade desituações internacionais, comométodo de negociação, métodode ação, método deinstitucionalização de normas ede regulação do sistemainternacional, ao mesmo tempoem que remete a um certoconjunto de valores universaisfundados nos princípios da Cartada ONU. 7

Como termo, o “multilateralismo”surgiu no contexto da pós-SegundaGuerra Mundial, pelo governo norte-americano, para qualificar as

Instituições econômicas internacionaiscriadas durante a conferência de BrettonWoods, conferência que teve comoprincipal função restaurar a economiamundial abalada durante a SegundaGuerra.

Durante a conferência, reuniram-se730 delegados de 44 países quedeliberaram e finalmente assinaram oAcordo de Bretton Woods. No presenteacordo, criaram-se basicamente novosprocedimentos e novas instituições pararegular a nova política econômicainternacional do pós-guerra. Entre as

instituições criadas, tivemos o BancoInternacional para Reconstrução eDesenvolvimento (International Bank forReconstruction and Development, ouBIRD) e o FMI (Fundo MonetárioInternacional). Além dessas duasorganizações, a Conferência planejava acriação de uma outra voltada para oâmbito das negociações comerciais,denominada Organização Internacionaldo Comércio (OIC). No entanto, eis queo congresso norte-americano não chegoua aprovar a Carta de Havana, talorganização acabou não sendo criada.

Fruto do fracasso das negociaçõesque levariam à criação da OIC e diantede uma necessidade de regulaçãocomercial foi que, em 1947, surgiu odenominado GATT (General Agreementon Trade and Tariffs – Acordo Geralsobre Tarifas Aduaneiras e Comércio).O GATT, de início, nunca chegou a sertratado como organismo internacional,mas consistia num mero acordomultilateral de redução tarifária para serutilizado provisoriamente enquanto acarta que criaria a OIC não fosseaprovada. O GATT tinha como objetivo

principal estimular o comérciointernacional, defendendo comoprincípio básico a consagração daliberdade de circulação de mercadoriase o caráter excepcional das tarifas e dasdiversas barreiras existentes,alfandegárias ou não. As normas desteacordo estavam relacionadas à troca demercadorias, sendo que as mesmasacabavam por não possuir um grandepoder para evitar políticasprotecionistas. Dessa forma, com odecorrer dos anos, os fundamentos e aprópria atuação do GATT foi ficando

obsoleta, visto que enfatizava apenas ocomércio de bens.

O GATT teve o total de 8 rodadas, aprimeira sendo a Rodada de Genebra,que ocorreu em 1947; seguida pelaRodada de Annecy, em 1949; Torquay,em 1951; Genebra, em 1956; Dillon,entre 1960-1961; Kennedy, entre 1964-1967; Tóquio, entre 1973-1979; e, porfim, a Rodada do Uruguai, entre 1986-1994. Somente durante a RodadaUruguai, em 1994, o GATT sofreualterações com a elaboração da Ata deMarrakesh, transformando-se no

chamado GATT 1994, que abordou,entre outras questões, o comércio deserviços, de produtos agrícolas e têxteis.

O acordo comercial obtido após aRodada Uruguai é considerado como umdos mais importantes realizados dentrodo sistema de comércio internacional,não só pelo fato da matéria elencada emseu conteúdo abordar novos temasimportantes, mas também por ficardecidido que seriam incluídos nodocumento final todos os acordos earranjos concluídos desde 1947 (ano dacriação do GATT), além de anexos ao

acordo em particular que cria aOrganização Mundial do Comércio(OMC), cuja criação foi consideradaimportante para que abrigasse dentro deuma única moldura institucional todas asconquistas e progressos obtidos nosacordos criados nos mais de quarentaanos de rodadas sob o âmbito do GATT.

2 O desenvolvimento igualitário naOMC: princípio do tratamentoespecial e diferenciado

O surgimento da OMC deu-se, emmuito, para continuar a regulamentação

do comércio internacional, auxiliandopara que este flua pacificamente, deforma livre, previsível, eficiente e,principalmente, justa.

O principal objetivo da OMC é fazercom que a atual prática do comércioseja realizada da forma mais correta eleal possível, sendo importante, paraisso, a implementação de mecanismosde controle da concorrência que limitama própria dinâmica do comérciointernacional. Outros objetivos iam alémda liberalização comercial, sobretudo abusca do crescimento e do

desenvolvimento econômicointernacionais, reconhecendo aimportância do conceito dedesenvolvimento sustentável nocomércio internacional, além dereconhecer a necessidade de asseguraraos países em desenvolvimento umaparcela maior do comércio.8

Essa ideia de desenvolvimentoigualitário, ou solidário, conformeapregoa Paul Singer, surge com achamada economia solidária ecaracteriza-se por propor um uso bemdistinto das forças produtivas, que

deveriam ser postas à disposição detodos os produtores do mundo, de modoque nenhum país, região ou localidadeseja excluído de sua utilização e,portanto, dos benefícios que venha aproporcionar. O desenvolvimentosolidário visa então “[…] promover umprocesso sustentável de crescimentoeconômico, que preserve a natureza eredistribua os frutos do crescimento afavor dos que se encontrammarginalizados da produção social e dafruição dos resultados da mesma.”9

Buscando alcançar tais objetivos,

principalmente no que tange à busca dodenominado desenvolvimentoigualitário, a OMC serve hoje de foropara negociações comerciaisinternacionais, apresenta umprocedimento de solução decontrovérsias, fiscaliza o cumprimentode seus tratados e acordos de comércioe oferece cooperação e assistênciatécnica aos países membros em matériade comércio Internacional.

No entanto, nem sempre foi assim. Àépoca da criação dos princípios eobjetivos do GATT, os países membros

visavam apenas o desenvolvimentoeconômico de seus países,desenvolvimento esse que vinhainterligado à ampliação comercial e aoaumento de parceiros transacionais.

Com o passar dos anos e com aprópria mudança de pensamento acercado fenômeno desenvolvimentista e dopróprio sistema de comércio, deixandode privilegiar o crescimento econômicoindividualista em prol de umdesenvolvimento igualitário não só noplano econômico como no social e nopolitico, o GATT começou a se tornar

obsoleto e ineficaz, pois desprivilegiavaos países com menor potencialeconômico, os denominados países emdesenvolvimento e os menosdesenvolvidos.

Para se ter uma ideia do atraso doAcordo do GATT quanto à assistênciaaos países em desenvolvimento, aprópria Carta de Havana, em seupreâmbulo10, já reconhecia anecessidade de criar condições deestabilidade e bem-estar de forma bemmais ampla, com ênfase na capacidadeque o comércio internacional tem de

atuar como instrumento dedesenvolvimento11.

As mudanças em matéria de comérciocomeçaram a ocorrer, de fato, na décadade 60, quando os países menosdesenvolvidos, à época denominados depaíses do “Sul”, em oposição aos paísesdo “Norte”, ricos e desenvolvidos,conquistaram uma maioria naAssembleia Geral da ONU einfluenciaram a criação, em 1964, daConferência das Nações Unidas sobreComércio e Desenvolvimento (UNCTAD- United Nations Conference on Trade

and Development). Nesse novo contextode maior articulação política do Sul,pôde-se colocar em destaque diferentespossibilidades de se vincular a políticacomercial e creditícia no mundo àpromoção do desenvolvimentoequitativo, diminuindo a desigualdadede fato entre países pobres e paísesricos, à exemplo da criação do “SistemaGeneralizado de Preferências” no finaldos anos 1960 e das ideias sobre adestinação de 0,7% do PIB de paísesdesenvolvidos aos programas deassistência internacional para o

desenvolvimento.12

Hoje, após esse clima político quefavoreceu o florescimento de umapluralidade de opiniões sobre como e seera possível superar a desigualdadeentre as nações e sobre como promovero desenvolvimento equitativo dosdiversos países através de novaspolíticas multilaterais, os objetivos daOMC são bem mais abrangentes do queos objetivos do próprio GATT,consistindo na busca da elevação dosníveis de vida, o pleno emprego, aexpansão da produção e do comércio de

bens e serviços, a proteção do meioambiente, o uso responsável dosrecursos naturais, além de observar anecessidade de realização de esforçospositivos para assegurar umaparticipação mais efetiva dos países emdesenvolvimento no comérciointernacional.

Para essa última questão específica,que consiste no foco desse artigo, natentativa de reduzir as disparidadesexistentes entre seus países membros, aOMC, em seu Ato Constitutivo, mantevevários princípios já previstos pelo

GATT e que eram responsáveis porpromover um desenvolvimentoigualitário dos países membros, como oPrincípio da Não-Discriminação, quegarante tratamento não menos favorávela produtos ou serviços estrangeiros emcaso de concessão de benefícios aqualquer outro país; o próprio Princípioda Igualdade; o Princípio do TratamentoNacional, por meio do qual não cabediferenciação quanto ao tratamento aprodutos nacionais ou importados;Princípio da não-reciprocidade, queconsiste no fato de os países

desenvolvidos não deverem esperar dospaíses em desenvolvimento atitudes pormeio das quais assumam obrigaçõesincompatíveis com suas peculiaridadeseconômica e, por último, o Princípio doTratamento Especial e Diferenciadopara os países em desenvolvimento.

Denominado comumente de TED, oPrincípio do Tratamento Especial eDiferenciado trata de evitar que seexijam contrapartidas muito gravosas adeterminados países, de modo quepossam vir, em última instância, adistorcer do cenário internacional e ir

de encontro à proposição da OMC depromover o progresso mundial e odesenvolvimento igualitário entre osdiversos países membros. Para tanto, oTED visa prover uma maiorflexibilidade aos países emdesenvolvimento, tanto no que se refereaos acordos firmados quanto aoprocesso de solução de controvérsias,estabelecendo medidas especiaisvoltadas aos países emdesenvolvimento, como a previsão deprazos mais flexíveis para adaptaçãodos acordos ratificados, bem como a

extensão de prazos para implementaçãodas decisões do Órgão de Solução deControvérsias e também medidas deassistência técnica e educativa.

Acontece que, desde a criação daOMC e a implementação do seu atoconstitutivo, ou mesmo até antes, durantea implementação do próprio GATT, ospaíses menos desenvolvimentos e os emvias de desenvolvimento têm obtidopouco ou praticamente nenhum benefíciono cenário comercial internacional. Noâmbito organizacional, a história dessespaíses tem sido marcada por uma

constante batalha em prol de uma efetivaparticipação dentro do órgão.

Os princípios norteadores da OMC,como o próprio TED, que garantem umaorganização democrática e umdesenvolvimento igualitário ficaram delado em prol do enriquecimento dospaíses mais desenvolvidos. Somente em2001, em um cenário de insatisfação evisando acalmar os ânimos dos paísesem desenvolvimento que clamavam porresultados positivos em seus comércios,os membros da OMC decidiram darinício à denominada Rodada Doha, a

primeira rodada de negociaçõescomerciais sob a égide da OMC.Também denominada de Rodada doDesenvolvimento, a Rodada Doha tevecomo objetivo principal aperfeiçoar asregras e disciplinas do sistemamultilateral de comércio e promovernova rodada de compromissos deliberalização de políticas comerciaiscom ênfase nas necessidades einteresses dos países emdesenvolvimento.

No entanto, mesmo visando aprimorara movimentação, o desembaraço e a

liberação de bens, bem como prestar aassistência e a capacitação para ospaíses em desenvolvimento, asnegociações da Rodada Doha acabaramnão logrando tanto sucesso, prova dissoé que:

[...] nos principais documentosreferentes às negociações daRodada Doha da OMC, pouca ounenhuma referência foiencontrada sobre as novasdinâmicas do comérciointernacional e a necessidade deadaptação ou evolução dasregras do sistema multilateral decomércio em resposta à novarealidade. Não estão incluídos

na agenda negociadora temasmenos convencionais comonovas regras de origem parabens produzidos em cadeiasglobais; ou modernização dalegislação antidumping paraincluir maneiras de se taxar todauma cadeia de valor de umproduto. Em uma agenda que sedeclara ser “para odesenvolvimento”, não é focodas discussões incentivos paraque países pobres fomentem ainserção de pequenas e médiasindústrias em cadeias globais, ouaté mesmo subsídios quepudessem ser permitidos paraque empresas de determinadopaís possam assumir umaposição mais alta na cadeia devalor por meio do

desenvolvimento tecnológico.13

Durante a V Conferência Ministerialda OMC, realizada em Cancún, ofracasso se deveu a um recrudescimentona posição dos países emdesenvolvimento frente ao receio deserem novamente afastados dasnegociações, o que resultou na falta deuma agenda agrícola para as discussõese consequente congelamento dasnegociações durante todo o segundosemestre de 2003.

Somente em Genebra, na reunião do

Conselho Geral da OMC, em julho de2004, os países membros passaram apatrocinar a retomada das negociações,obtendo sucesso na preparação de umacordo prévio para a preparação daagenda para a reunião ministerial deHong Kong a ser realizada em 2005.Nessa reunião estipulou-se o ano de2013 como período final para a extinçãodos subsídios agrícolas, no entanto,fatores como o recrudescimento da crisefinanceira internacional desencadeadapelo problema do crédito subprime nosetor imobiliário dos EUA, assim como

a eleição de novembro de 2008 queconsagrou o democrata Barack Obamapresidente dos EUA, bem como adisputa entre China e EUA acerca dadesvalorização da moeda chinesa, afalta de programa e consenso dos BRICe a nova onda protecionista observadaem alguns países europeus,especialmente na França, tornaram ocenário das negociações ainda maiscarregado e imprevisível, estagnando aRodada Doha e mais uma vezconcedendo ao princípio do tratamentoespecial e diferenciado apenas um status

de princípio abstrato e vago.

3 Participação do Brasil

Desde o começo do século XIX, apolítica externa brasileira pautou-senuma política em defesa domultilateralismo, tanto no âmbitopolítico internacional, quanto no âmbitoeconômico e comercial. Foi a partir dadécada de 90, influenciado pela recenteabertura econômica brasileira, bemcomo após a criação do denominadoMERCOSUL, em 1991, que a políticacomercial brasileira começou a migrar

de uma política voltada ao comérciobilateral para atingir novos panoramasregionais e multilaterais. Classificadocomo “membro inicial”, por ter sido umdos 23 signatários do GATT, em 1947,uma espécie de “embrião” ao que viria aser hoje então denominada OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC), o Brasiltem ocupado posição de destaque nasnegociações e nos organismosinternacionais que versem sobrecomércio multilateral14.

No início, juntamente com outrospaíses em desenvolvimento, na época

denominados NICs (Novos PaísesIndustrializados), o Brasil reivindicavamaior participação e maior notoriedadenas rodadas de negociações, que naépoca eram lideradas pelos países jádesenvolvidos. Dessa forma, vez quepossuía pouca ou quase nenhumainfluência nas discussões comerciais, oBrasil contribuiu de maneira irrisória epouco se beneficiou dos acordos enegociações firmados durante a RodadaKennedy (1964/1967) e a Rodada Tókio(1973/1974), os dois primeirosencontros sob o âmbito do GATT.

Durante a Rodada Uruguai em 1994,temendo a entrada dos novos temas docomércio internacional, que seriam ainclusão dos chamados comércio deserviços, investimentos, propriedadeintelectual e comércio agrícola, ospaíses desenvolvidos apresentaram forteoposição aos anseios do bloco doTerceiro Mundo para o início das novasnegociações, que, teoricamente, poucoteria a lhes beneficiar. Frente ao embategerado, uma das formas de resistênciaencontrada pelos países emdesenvolvimento para pressionarem os

outros membros pela inserção dos novostópicos de discussão, neste caso o daagricultura, foi a criação do denominadoCairns Group15. Formado por 19 paísesexportadores de produtos primários,entre eles o Brasil, esse grupobasicamente demandou perante aosdemais membros que incluíssem a pautado comércio agrícola nas novas rodadasde negociações, caso contrário, todos osseus signatários, os 19 países, firmariammais nenhum acordo no âmbito doGATT.

Com o término das discussões, os

avanços foram modestos. Apesar de osacordos resultantes da Rodada Uruguaiterem propiciado uma estruturafavorável ao comércio internacionalcom a inserção das novas discussões,tais mudanças acabaram por continuar abeneficiar os países que se encontravammais aptos a competir externamente.Dessa forma, após a Rodada Uruguai eapós a criação da OMC, maisespecificamente durante a TerceiraConferência Ministerial em Seattle-EUA, em novembro de 1999, que seriapreparatória da chamada “Rodada do

Milênio” de negociações da políticacomercial multilateral, houve novamenteuma forte resistência dos países em fasede desenvolvimento, agora tendo comoprincipal reivindicação o pouco ouquase nenhum avanço comercial obtidodesde a criação do órgão. Alguns dospaíses em desenvolvimento,principalmente Brasil e Índia, clamavampor uma maior facilitação comercial porparte dos países já desenvolvidos, quedeveriam reduzir as barreiras eprotecionismo alfandegário parapossibilitar o desenvolvimento

igualitário de todos os estados membros.Durante as negociações, enquanto

que, do lado de dentro, os países emdesenvolvimento tinham as suasexigências ignoradas, do lado de fora seencontravam um grande número demanifestantes que tambémreivindicavam por um sistema comercialmais democrático e alguns até a extinçãoda própria OMC. Ao final, uma vez queo evento fora frustrado pelos protestos,nada fora acordado.16

Ainda que importante esse “acordar”dos países em processo de

desenvolvimento e da população emgeral, não houve nenhuma soluçãoefetiva para o problema da desigualdadecomercial. O próprio Brasil, porexemplo, só peticionou pela manutençãoe desenvolvimento do mencionadoprincípio do tratamento especial eigualitário, não tendo muita repercussão.

É preciso reconhecer, noentanto, que a diplomacia dogoverno Lula foi bem-sucedidaao promover uma inflexão nadinâmica negociadora na OMC,abrindo caminho para aparticipação brasileira emprocessos de negociação e

consulta antes reservada apequeno grupo de paísesdesenvolvidos, em particular osEstados Unidos, o Japão e aUnião Europeia. Entretanto, ogoverno brasileiro não usou essaoportunidade para proporalternativas inovadoras quepudessem trazer a negociaçãomais perto da realidade docomércio internacional atual,mantendo um espíritonegociador baseado emconceitos e visões tradicionaisdo sistema internacional decomércio.17

Anos depois, assumindo posição deliderança dentro do G20, que surgiu

como uma tentativa de participação maisefetiva dos países em desenvolvimentonas negociações, o Brasil passou a termaior credibilidade e relevância nocenário internacional.

Durante o governo Lula da Silva(2003–2010), a estratégia de comérciointernacional a ser implementada peloBrasil deveria ser “a de mudar ageografia comercial do mundo”, pondofim a antigas classificações como:‘países ricos’, ‘Norte-Sul’, ‘economiasemergentes’, etc. Para isso, o governobuscou diversificar as parcerias

comerciais brasileiras, tornando o Paísmenos dependente de economiasdesenvolvidas, em especial dos EstadosUnidos. O período 2003–2010 foimarcado também pelo envolvimentobrasileiro em um grande número denegociações comerciais, mas compoucos resultados mensuráveis. Aestratégia do governo brasileiro emprivilegiar as negociações multilateraisno âmbito da OMC, especialmente naRodada Doha, que acabou mostrando-seinócua em vista do impasse nasnegociações. 18

Por conta disso, ao privilegiar emdemasia as negociações multilaterais, oBrasil pouco investiu na negociação doschamados Acordos Preferenciais deComércio (APCs), acordos firmados emparalelo às negociações da OMC, e hojese encontra distante de outras economiasrelevantes, vez que está presente emapenas dois vetores de integração deforma interligada ao Mercosul: umregional, no caso dos acordos entre ospaíses do Mercosul, e um extra regional,consistente em acordos e parcerias doMercosul com países como a Índia,

Israel, Egito, Palestina e outros.19

Visando dar andamento à RodadaDoha e atender a proposta de algunspaíses em desenvolvimento, PascalLamy, ex-Diretor-Geral da OMC,propôs o denominado “pacote Lamy”,pelo qual estabelecia a redução dastarifas impostas pelos paísesdesenvolvidos desde que,reciprocamente, os países emdesenvolvimento tornassem seuscomércios mais liberais. No entanto,obtendo adesão apenas dos paísesdesenvolvidos e do Brasil, que acabou

agindo contra a vontade dos demaispaíses emergentes, tal proposta nãovingou. Outra que também não logrouêxito foi a do acordo-quadro geral, aofinal das negociações de Hong-Kong,que previa a redução dos subsídiosagrícolas até 2011. No entanto,principalmente após a crise econômicaque abarcou o mundo ao fim de 2008,quando os países tornaram-se maisprotecionistas do que liberais, ao chegar2011, nenhuma redução foi efetivada.

Após a recente nomeação dobrasileiro Roberto Azevêdo a novo

Diretor-Geral da OMC e durante aConferência Ministerial em Bali, naIndonésia, em dezembro de 2013, asnegociações da Rodada Doha foramretomadas e alguns avanços foramfeitos. Para o Brasil, essa retomada dasnegociações que há muito estavaestagnada, não deixou de ser umavitória, visto que ocorreu logo após aeleição de Roberto Azevêdo. Noentanto, tirando-se o fato de que umdiretor-geral da OMC deva serimparcial na sua tomada de decisões, emmuito pouco seu cargo contribuiu e

contribuirá nos demais acordos queainda serão firmados em futurasnegociações, vez que os desafios aserem enfrentados pelo Brasil e osdemais países membros estão acima dopoder de apenas um líder, seja elebrasileiro ou não.

4 Principais desafios

Não é fácil conciliar interessesdiversos, principalmente no âmbito docomércio multilateral. Toda novanegociação vem com novasprerrogativas e novos problemas, de

forma que alguma dessas negociaçõesserá inevitavelmente mais benéfica paraum grupo específico de países ou paraapenas um deles.

Garantir um tratamento igualitário e odesenvolvimento comum de todos osseus membros, como já foi visto, é umprincípio basilar da OrganizaçãoMundial do Comércio. No entanto,desde a sua criação, vários foram osdesafios encontrados ao longo dasnegociações responsáveis por impedir odesenvolvimento dos países,principalmente os países mais pobres e

os em via de desenvolvimento.Superado alguns desses problemas,como a inserção de novos temasimportantes nas negociações, a exemplodo agronegócio, existem ainda muitosdesafios a serem enfrentados na luta porum comércio mais justo e democrático.

Um desses grandes desafios que passahoje o sistema multilateral, se não omaior, é resultado da crise econômicaque teve início em 2008 nos EstadosUnidos que gerou uma bolha no mercadoimobiliário norte-americano. Após acrise ter tomado proporções globais,

como forma de superar os efeitosdecorrentes da mesma, muitos paísesque antes eram considerados exemplosde países liberais, tornaram-se bastanteprotecionistas, levantando barreirascomerciais para se evitar a entrada deprodutos estrangeiros e,consequentemente, privilegiar oconsumo e a indústria local. Essasmedidas protecionistas tornaram-se,desde então, alvos da agenda denegociações da OMC.

Além de provocar uma fortequeda na demanda de bens de

consumo duráveis, levando aatividade econômica global arecuar 1,9% em 2009, a crisefinanceira deu início a umperíodo de recessão, deparalisia, no sistema de créditointernacional, e de contraçãonos fluxos de capital,provocando depreciação cambialnos países emergentes e, emconsequência, uma crise debalanço de pagamentos nospaíses com situação financeiramais frágil. A redução decréditos bancários coincidiucom o declínio das exportações,estimado em 25%, entre 2008 e2009 – chegando a 40% no casoda Rússia e do Chile.20

Em uma entrevista com RobertoAzevêdo, atual Diretor-Geral da OMC,este explica que “aproximadamente 20%das medidas protecionistas introduzidasa partir de 2008 já foram retiradas, masisso significa que 80% ainda estãopresentes”21. Com tudo isso, a OMCainda possui um cenário amplo deprotecionismo a ser combatido, vez queum dos objetivos da organização aindaconsiste na facilitação do livre comérciomundial.

Outro desafio a ser enfrentado noâmbito das negociações da OMC trata-

se o de manter as negociações daRodada Doha, que foram finalmenteretomadas recentemente na 9ªConferência Ministerial que aconteceuem Bali, Indonésia. O acordoconquistado em Bali, denominado deDoha Light, atende apenas a umapequena parcela do ambicioso programainiciado em Doha, no entanto, tal acordojá pode ser considerado um avanço, eisque desde 2008 nada se resolvia nasreuniões da OMC e esta já estavaperdendo a sua credibilidade mundial.Doha Light, compreende três pilares:

agricultura, com um compromisso dereduzir os subsídios às exportações; aajuda ao desenvolvimento, que prevêuma isenção crescente das tarifasalfandegárias para os produtosprocedentes dos países menosdesenvolvidos, e a facilitação deintercâmbios, que pretende reduzir aburocracia nas fronteiras.

Apesar dessas conquistas, muitoainda se tem a fazer para retomar orespeito do multilateralismo comercial einstrumentalizar o aqui debatidodesenvolvimento igualitário. A não

adoção do Protocolo do Acordo sobreFacilitação do Comércio, uma dasconquistas do Pacote de Bali na NonaConferência Ministerial da OMC econsiderado o primeiro acordomultilateral negociado no âmbito daOrganização Mundial do Comérciodesde a sua criação há 19 anos, porexemplo, pode ser considerado umagrande frustração para a retomada dasnegociações comerciais de Doha. Talacordo, uma vez implementado, poderiasignificar aumento em mais de umtrilhão de dólares na economia mundial,

pois previa a diminuição de entravesburocráticos às operações de comércioexterior em todos os países membros.22

Essa histórica falta de consensodentro da OMC deve-se principalmentea outro problema ainda a ser mitigadono âmbito da organização, que consisteno antagonismo de interesses existenteentre os Estados Unidos e a UniãoEuropeia de um lado e os denominadospaíses em desenvolvimento do outro. Ospaíses desenvolvidos já aceitaramreduzir o protecionismo imposto sobreos seus mercados, no entanto, como

retribuição, esperam que os países emdesenvolvimento tornem-se maisliberais e recebam seus produtos semmuitos impedimentos, o que tem sidoconstantemente rechaçado durante asnegociações. Na reunião de Bali, porexemplo, houve uma forte oposição daÍndia, que exigia aumentar seussubsídios agrícolas e de alguns paíseslatino-americanos, como Cuba,Nicarágua, Bolívia e Venezuela, que senegaram a selar o compromisso após aretirada do texto que se referia aoembargo americano à ilha23.

Além da Rodada de Doha, outrogrande desafio refere-se à atual guerracambial existente entre os diversospaíses membros da OMC. O termo“guerra cambial” é usado por diversosgovernos e economistas para descreveruma suposta disputa entre os paísesenvolvendo suas moedas. O argumento éde que alguns países estariam“forçando” a desvalorização de suasmoedas para beneficiar seus ganhos comexportação, como no caso dos EstadosUnidos e a China. Por um lado osEstados Unidos criticam a China por

manter sua moeda artificialmentedesvalorizada como forma de turbinarsuas exportações, por outro a Chinacritica os Estados Unidos por injetarbilhões de dólares no mercado comoforma de estimular artificialmente umaeconomia ainda em recuperação. Dessaforma, tem-se como resultado dessaspráticas o déficit americano e osuperávit chinês, ambos monumentais.

No entanto, tal tema ainda está emdiscussão para se avaliar a sua inserçãonas pautas de negociação da OMC, vistose tratar de uma prática que vem

gerando graves consequênciaseconômicas, principalmente desde acrise de 2008, vez que muitos países têmdesvalorizado artificialmente suasmoedas usando como desculpa o fato deser uma medida para contensão dosefeitos da crise. Roberto Azevêdo, poroutro lado, entende que tal discussãonão deve ser colocada no âmbito daOMC, Azevêdo evita chamar oprograma norte-americano deafrouxamento monetário (“quantitativeeasing”) e o controle cambial chinês de“guerra cambial”, apesar de reconhecer

que o preço da moeda afeta o comérciomundial. Para ele, a taxa de câmbioflutuante deve oscilar dentro de um certolimite a ser estabelecido pela políticaeconômica de cada governo, portantonão caberia à OMC estabelecer essesparâmetros.

Dessa forma, com todos essesimpasses apresentados, principalmenteno que se refere aos entraves dentro dasnegociações da Rodada Doha, o regimeinternacional de comércio, vempassando por muitas mudanças.Atualmente, a tendência tem sido deixar

de lado as negociações multilaterais eoptar pela utilização dos AcordosPreferenciais do Comércio, em que osEstados, além de retomar negociaçõesbilaterais e plurilaterais, buscam, naesfera preferencial foros de negociação,desenvolver novas regras de comércio,seja aprofundando as regras já existentes(WTO-PLUS) ou mesmo regulandotemas não abordados no âmbitomultilateral (WTO-EXTRA).24

Esse efeito adverso derivado dosAPCs e da retomada das negociaçõesbilaterais e plurilaterais, fora nomeado

de Spaghetti Bowl Effect por JagdishBhagwati e acabam prejudicando asiniciativas de acordos multilaterais porparte da OMC e, consequentemente,levam à perda do poder de barganha quedispõem os países em desenvolvimentono âmbito multilateral e que, conformefora demonstrado no presente artigo,fora fruto de uma luta histórica ao longodas diversas negociações de comércio.25

5 Considerações finais

Como se observou, no presentetrabalho foram apresentados alguns dos

problemas enfrentados pelos diversospaíses ao longo das negociações noâmbito da Organização Mundial doComércio, principalmente aquelesenfrentados pelos países emdesenvolvimento, impedindo que estestivessem suas prerrogativas e garantiasatendidas dentro da organização. Porserem países ainda com uma economiainstável, em processo deamadurecimento e de estabilização,esses países necessitam de um comérciointernacional mais democrático, quesaiba tratá-los de forma diferenciada,

para que todos se beneficiem.Diante dos fracassos das últimas

negociações no âmbito da OMC, aexemplo da Rodada Doha, conformevisto, muitas são as críticas quepodemos fazer ao sistema multilateral decomércio, o qual se trata de um sistemaque privilegia os membros com altopoder econômico, que não possibilita adiscussão de temas relevantes e que nãoconsegue promover um desenvolvimentoigualitário de seus membros. Dessaforma, muitos clamam por mudanças ealguns inclusive desejam a extinção da

organização.No entanto, tomando em perspectiva o

futuro, as negociações multilateraisainda são a forma mais democrática ejusta de se fazer comércio, basta quetodos os princípios e todos os objetivospropostos sejam efetivamenteimplementados, concretizados. Paratanto, incube à OMC proporcionar maiorfiscalização, bem como eliminar asdisparidades e viabilizar a equidadeentre os seus países membros.

Por fim, toda essa mudança só serápossível se tanto os países membros,

quanto os diretores e o Secretariado daOMC, em conjunto, visualizarem oconceito de desenvolvimento queprivilegia não só o crescimentoeconômico, mas um desenvolvimentosocial, democrático e igualitário. Comesse pensamento e com muito diálogo,qualquer desafio comercial seráresolvido sem que haja maioresescândalos e divergências, atingindoassim a harmonia plena de todos osprincípios norteadores do comérciointernacional.

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1 Graduado em Direito pela UniversidadeFederal do Ceará. Bolsista de IniciaçãoCientífica - PIBIC/CNPq. Membro pesquisadore diretor do Grupo de Estudos em Direito eAssuntos Internacionais da UFC (GEDAI -UFC) desde 2012. Coordenador do ProgramaVerdeluz da UFC e ex-diretor do ProgramaSimulação das Nações Unidas (SONU).

2 GIDDENS, Anthony. Mundo emdescontrole: o que a globalização está fazendode nós. 3.ed. Rio de Janeiro, Record, 2003.

3 PECEQUILO, Cristina Soreanu. APolítica externa do Brasil no século XXI:os eixos combinados de cooperação horizontale vertical, Ver. Bras. Polít. Int. 51 (2): 136-153, 2008, p. 137-139.

4 Keohane & Nye [1977], p. 7 apudCASTRO, M. F. de, 2001. De Westphalia aSeattle: a teoria das relações internacionaisem transição. Caderno do REL nº 20. Brasília,2011. p. 24.

5 OLIVEIRA, Ivan Thiago. Políticacomercial e política externa no Brasil: umaanálise da estratégia de negociação comercialbrasileira (1995-2010), Texto para discussão n°1765, Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada, Brasília, ago. 2012, p. 11.

6 PORTELA, Paulo Henrique. DireitoInternacional Público e Privado. 5.ed. SãoPaulo: JusPodivm, 2013.

7 MELLO, Flávia de Campos. O Brasil e oMultilateralismo Contemporâneo. Textopara discussão n° 1628, Instituto de PesquisaEconômica Aplicada. Rio de Janeiro, jun. 2011,p. 13.

8 FERREIRA SILVA, Cláudio. DO GATT ÀOMC: o que mudou, como funciona e

perspectivas para o sistema multilateral decomércio. Universitas. Relações Int., Brasília,v. 2, n.2, jul./dez. 2004, p. 116.

9 INGER, Paul. Desenvolvimentocapitalista e desenvolvimento solidário.Estud. Av. São Paulo, v. 18, n.51, Agosto 2004,p. 11.

10 The Parties to this Agreement,Recognizing that their relations in the field oftrade and economic endeavour should beconducted with a view to raising standards ofliving, ensuring full employment and a largeand steadily growing volume of real incomeand effective demand, and expanding theproduction of and trade in goods andservices, while allowing for the optimal useof the world’s resources in accordance withthe objective of sustainable development,seeking both to protect and preserve theenvironment and to enhance the means fordoing so in a manner consistent with their

respective needs and concerns at differentlevels of economic development,

Recognizing further that there is need forpositive efforts designed to ensure thatdeveloping countries, and especially the leastdeveloped among them, secure a share in thegrowth in international trade commensuratewith the needs of their economic development,Being desirous of contributing to theseobjectives by entering into reciprocal andmutually advantageous arrangements directedto the substantial reduction of tariffs and otherbarriers to trade and to the elimination ofdiscriminatory treatment in international traderelations,

Resolved, therefore, to develop anintegrated, more viable and durable multilateraltrading syste encompassing the GeneralAgreement on Tariffs and Trade, the results ofpast trade liberalization efforts, and all of theresults of the Uruguay Round of Multilateral

Trade Negotiations, Determined to preserve thebasic principles and to further the objectivesunderlying this multilateral trading system,

Agree as follows”.AGREEMENT ESTABLISHING THE

WORLD TRADE ORGANIZATION. Disponívelem<http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/04-wto.pdf>. Visualizado em 25 ago. 14.

11 FRAZÃO, Letícia; LEME, Alexandre deMoraes. O Tratamento especial ediferenciado dos países emdesenvolvimento. Do GATT à OMC, FundaçãoAlexandre de Gusmão, Brasília, 2011, p. 53.

12 CASTRO, Marcus Faro de. DeWestphalia a Seattle, op. cit., p. 29-31.

13 CESAR, Susan Elizabeth Martins; SATO,Eiiti. A Rodada Doha, as mudanças noregime do comércio internacional e apolítica comercial brasileira. Rev. bras.polít. int., Brasília, v. 55, n. 1, 2012, p. 181.

14 MELLO, Flávia de Campos, O Brasil e oMultilateralismo Contemporâneo. Op. cit.

15 “The Cairns Group is a unique coalitionof agricultural exporting countries with acommitment to reforming agricultural trade. Adiverse coalition bringing together developedand developing countries from Latin America,Africa and the Asia-Pacific region, the CairnsGroup has been an influential voice in theagricultural reform debate since its formationin 1986 and has continued to play a key role inpressing the WTO membership to meet in fullthe far-reaching mandate set in Doha.” TheCairns Group. Disponível em<http://cairnsgroup.org/Pages/default.aspx>.Acesso em 14/ set. 2014.

16 CASTRO, Marcus Faro de. 2001. DeWestphalia a Seattle. Op. cit. p. 44.

17 CESAR, Susan Elizabeth Martins. SATO,Eiiti. A Rodada Doha, as mudanças noregime do comércio internacional e a

política comercial brasileira. Rev. bras.polít. int., Brasília , v. 55,n. 1, 2012, p. 187.

18 Ibidem, p. 182.19 A MULTIPLICAÇÃO DOS ACORDOS

PREFERENCIAIS DE COMÉRCIO E OISOLAMENTO DO BRASIL. Conselho doInstituto de Estudos para o DesenvolvimentoIndustrial, jun. 2013, p. 1.

20 FARIA, José Eduardo. Poucas certezas emuitas dúvidas: o direito depois da crisefinanceira. Rev. direito GV, São Paulo, v. 5, n.2, Dec. 2009. p. 300.

21 Economia Terra. Novo Diretor, Azevêdoprevê caminho difícil para o Brasil naOMC. Disponível em<http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201305231421_TRR_82234639>.Acesso em 02 jul. 2014.

22 KANAS, Veras; KRAUSZ, Felipe. Qual ofuturo do Acordo sobre Facilitação doComércio? Disponível em:

<http://tozzinifreire.com.br/blog/comerciointernacional/2014/09/01/qual-o-futuro-do-acordo-sobre-facilitacao-do-comercio/#.VBBLjfldUYO>. Acesso em 07out. 2014.

23 G1 Economia. OMC fecha 1º acordoem quase 20 anos para facilitar comércioglobal. Disponível em<http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/12/omc-desbloqueia-rodada-de-doha-na-conferencia-ministerial-de-bali.html>. Acesso em 23 fev.2014.

24 A MULTIPLICAÇÃO DOS ACORDOSPREFERENCIAIS DE COMÉRCIO E OISOLAMENTO DO BRASIL. Conselho doInstituto de Estudos para o DesenvolvimentoIndustrial, jun. 2013. p. 2. Disponível em:<http://www.iedi.org.br/artigos/top/estudos_comercio/20130621_multiplicacao_acordos_preferenciais.html>.Acesso em 30 out. 2014.

25 CELLI JUNIOR, Umberto. A OMC e osAcordos Preferenciais de Comércio: Dacoexistência à coerência. Arraes Editores em

revista, São Paulo, set. 2012, p. 22-23.

O DIREITO AODESENVOLVIMENTO:DESENVOLVIMENTOCOMO LIBERDADE

Paulo Fernando Espíndola daSilva1

Introdução

Após o horror das duas GrandesGuerras Mundiais, a sociedadeinternacional estabeleceu uma série de

pactos para a construção de umaconvivência mais pacífica e harmoniosaentre as nações, síntese desse processo éa criação da Organização das NaçõesUnidas (ONU) e a constituição de umasérie de acordos e diretrizes quepassaram a orientar ainternacionalização dos direitoshumanos e a economia de seus Estadossignatários.

A globalização, marcadamente a dosmercados, foi outro fenômeno que seimpôs à sociedade internacional no pós-guerra, disseminando “padrões de

consumo, massificação ehomogeneização de estilo decomportamentos e modos de vida,lidando, portanto, com a dimensãocultural e a imposição de novos hábitossociais”2. Dessa forma, não se podedissociar o debate sobre os direitoshumanos do debate sobre a searaeconômica, visto que restriçõeseconômicas podem limitar a consecuçãode uma série de direitos fundamentais,como o primado da dignidade humana,por exemplo.

Assim, não obstante o progresso da

economia mundial experimentado noúltimo século, e não negando o papelque o crescimento econômicodesempenha como meio de ampliaçãodos bens materiais e do acréscimo àqualidade de vida das pessoas, acontemporaneidade, em particular, nassociedades menos dinâmicaseconomicamente, tem vivido à margemdos ganhos oriundos do processo deexpansão econômica, ou seja, o aumentoda riqueza das nações tem provocadouma série de violações à dignidadehumana, uma vez que tem imposto sérias

restrições à realização de direitos tidoscomo fundamentais.

A restrição a esses ganhos temcooperado para que à grande parcela dapopulação mundial seja, efetivamente,negado o usufruto de um conjunto dedireitos básicos necessários àsobrevivência humana, tais comomoradia, saúde, educação, dignidade,trabalho, renda, etc. O progressoeconômico não tem sido acompanhadopor um correspondente progresso social,fato que torna necessário umreposicionamento político da

comunidade internacional a fim detornar efetiva a consecução dospreceitos fundamentais dos direitoshumanos referentes à categoria dedireito ao desenvolvimento.

É nessa perspectiva que o conceito dedesenvolvimento, há muito associadosomente ao crescimento econômico e àindustrialização evoluiu para umadimensão mais holística. Hoje fatoressociais, políticos, ambientais e culturaissão indicativos básicos que orientam osrumos das políticas públicas dosdiversos Estados nacionais que

conjecturam estratégias maissustentáveis de progresso social eeconômico. Nas palavras de IgnacySachs:

Assim como os direitoshumanos, a noção dedesenvolvimento é central naspreocupações da ONU. Aolongo dos últimos 50 anos, elase enriqueceuconsideravelmente. A idéiasimplista de que o crescimentoeconômico por si só bastariapara assegurar odesenvolvimento foirapidamente abandonada emproveito de uma caracterizaçãomais complexa do conceito,

expressa pelas adiçõessucessivas de epítetos:econômico, social, cultural,naturalmente político, depoisviável [sustainable], enfim,último e recente acréscimo,humano, significando ter comoobjetivo o desenvolvimento doshomens e das mulheres em lugarda multiplicação das coisas.3

Como se sabe, a temática sobre osdireitos humanos tem despertado umamplo debate sobre a validade universalde tais direitos. No entanto, foge aoescopo deste trabalho a discussão sobrea sua universalidade ou relatividade. O

que se defende aqui é que o direito aodesenvolvimento é uma categoriafundamental do rol de direitos humanose que, em consequência, deve serpromovido em especial quandoconsiderado um processo de expansãoreal de liberdade, ou seja,desenvolvimento como liberdade.

Deve-se ponderar, ainda, queentender o desenvolvimento comoliberdade significa sopesar asdimensões individuais e coletivas de talinstituto. Todavia, discutir osfundamentos de uma teoria jusfilosófica

da liberdade não constitui objetivodesse artigo.

A dimensão da liberdade aquiadotada tem como perspectiva o bem-comum, ou seja, ao se dar primazia a uminteresse coletivo em diminuição de umindividual, julga-se subjetivamente aproteção do interesse de um númeromaior de pessoas, ainda que nãoindividualizadas. “Pode-se, pois, dizerque o direito mais se aproxima de suafinalidade quanto mais considere ohomem, em todas as suas dimensões,realizando os valores que lhe são mais

caros” 4.Tomando a liberdade na dimensão do

bem-comum o que se sustenta é que osindivíduos ao atribuírem juízosvalorativos a um bem ou a um conjuntode bens atribuirão maior valor àquelesque favorecerão a expansão de um maiornúmero de liberdades instrumentais5.

Neste trabalho, ao contrário de grandeparte da literatura sobre odesenvolvimento, não se emprega aexpressão “desenvolvimentoeconômico”, pois se considera oprocesso de desenvolvimento algo mais

complexo e completo do que ocrescimento econômico que pode virexpresso na construção do significadoda referida expressão. Também não éempregada a expressão“desenvolvimento sustentável”, hajavista que se considera a sustentabilidadecomo característica inerente aoprocesso.

O artigo está assim estruturado: naseção dois apresenta-se a origem dosdireitos humanos como categoriafundamental de direitos e se faz aexposição sobre a inclusão do direito ao

desenvolvimento como categoria deconsumação dos direitos humanos; naseção três apresenta-se o fundamentoteórico de uma teoria dodesenvolvimento fundada na perspectivade expansão de liberdade das pessoas esua consequência para o direitointernacional; segue a seção quatro comas considerações do autor sobre atemática em pauta e por fim asreferências bibliográficas.

1 O desenvolvimento como direitohumano fundamental

A construção jurídica desta categoriade direitos se iniciou sobre os auspíciosdo século das luzes. Inaugurou a fasedos valores reverenciados com validadede universalidade, tendo como núcleo adignidade da pessoa humana, herança dolema revolucionário francês liberdade,igualdade e fraternidade.

No entanto, como nos lembra “o valoratribuído à pessoa humana faz parte deuma tradição que remonta às origens dahumanidade, compreendendo umaconquista histórico-axiológica queencontrou expressão jurídica nos

direitos humanos”6 não sendo raros osmomentos de contestação de suavalidade universal.

Da “invenção” do Estado moderno àatualidade, os direitos humanosincluíram em seu rol uma série degarantias que, ainda que não efetivadas,direcionaram a comunidadeinternacional na busca de bases maisharmônicas de coexistência.

Assim, “os direitos humanosadquiriram simultaneamente o caráter deuniversalidade que repousa no consensoexpresso pela comunidade mundial

sobre a relevância do reconhecimento eda proteção destes direitos”7.

Como se constata na realidade social,os direitos humanos não são estáticos, acada dia um novo tipo não previsto faznecessária uma nova previsão legal queo abarque. O caráter dinâmico dosobredito direito é “devido ao seugrande potencial de inovação em face demudanças sociais, econômicas, políticase tecnológicas, que vêm se reproduzindointernacionalmente”.

Sobre a dinamicidade desse conjuntode direitos Heintze, assim os qualifica:

Os direitos humanos não sãoestáticos. Por via de regra, sãoconstruídos como uma reação asituações de ameaça e opressão.Assim, a liberdade de cultosurgiu como resposta àemergência do protestantismo,por meio da Reforma instauradapor Martim Lutero; a proibiçãoda escravidão surgiu da lutacontra as formas desumanas docolonialismo; a proteção dedados tornou-se tema com amoderna tecnologia dainformação; a proteção do meioambiente e a biotecnologialevantaram novas questõesacerca de direitos humanos.8

Pode-se afirmar, todavia, que os

direitos humanos como objeto do debatejurídico ganham maior relevância nasociedade global com a sua positivaçãopela Organização das Nações Unidas(ONU), na Carta Internacional dosDireitos do Homem9, de 1948, e em seuconjunto de “pactos”, a DeclaraçãoUniversal dos Direitos do Homem, oPacto Internacional sobre os DireitosEconômicos, Sociais e Culturais e oPacto Internacional sobre os DireitosCivis e Políticos e seus dois Protocolosfacultativos. Assim,

Desde 1948 que ela tem sido, e

continua justamente a ser, a maisimportante e ampla de todas asdeclarações das Nações Unidase uma fonte de inspiraçãofundamental para os esforçosnacionais e internacionaisdestinados a promover e aproteger os direitos humanos eas liberdades fundamentais.Definiu a orientação para todo otrabalho subsequente no campodos direitos humanos eproporcionou as basesfilosóficas de muitosinstrumentos internacionaisjuridicamente vinculativos quevisam proteger os direitos e asliberdades por ela proclamados.10

A Declaração de 1948 e seus

“pactos” anexos passaram a constituir oreferencial para o cumprimento dasnormas internacionais nesse campo dodireito, pois, dado o seu caráteruniversal, eles conseguem alcançar todaa comunidade internacional onde querque eles se encontrem eindependentemente de os Governosterem ou não formalmente aceitado osseus princípios ou ratificados. Alémdisso,

o enunciado do conjunto dedireitos previstos na referidaDeclaração consagrou a certezade direitos, exigindo que

houvesse uma fixação prévia dosdireitos e deveres; a segurançados direitos, ao impor normasque garantissem o respeito aosmesmos; a possibilidade dosdireitos, ao exigir que fosseassegurado a todos os meiosnecessários à fruição do direito,por parte daqueles que gozamapenas de uma igualdadeformal.11

Bobbio, ao se referir a Declaração de1948, afirma:

é ao mesmo tempo universal nosentido de que os destinatáriosdos princípios nela contidos nãosão mais apenas os cidadãosdeste ou daquele Estado, mas

todos os homens; positiva nosentido de que põe emmovimento um processo emcujo final os direitos do homemdeverão ser não mais apenasproclamados ou idealmentereconhecidos, porémefetivamente protegidos atémesmo contra o próprio Estadoque os tenha violado.12

Contudo, a construção de uma teoriasobre os direitos humanos ganha maiorrelevo no debate jurídico a partir de umentendimento de que tem havido umprocesso contínuo de expansão dedireitos absolutos e universais inerentes

ao ser humano, direitos essesgarantidores do direito à liberdade, àdignidade humana, dentre outros. Assim,ganhou destaque no estudo do Direito aTeoria dos Direitos Fundamentais.Conforme categorização dessa teoria, a“evolução” desses direitos se dá emquatros gerações, ou dimensões, comodefendem alguns doutrinadores.

A primeira geração é caracterizadapela promoção dos direitos à liberdade,característica do Estado liberal. São “osprimeiros a constarem do instrumentonormativo constitucional, a saber, os

direitos civis e políticos, que em grandeparte correspondem, por um prismahistórico, àquela fase inaugural doconstitucionalismo do Ocidente”13.

Os direitos de segunda geração “sãoos direitos sociais, culturais eeconômicos bem como os direitoscoletivos ou de coletividades,introduzidos no constitucionalismo dasdistintas formas de Estado social”14. Osdireitos fundamentais de terceirageração, por sua vez, são frutos de “ummundo partido entre naçõesdesenvolvidas e subdesenvolvidas ou

em fase precária de desenvolvimento”15.Ainda segundo o autor, “emergiram elesda reflexão sobre temas referentes aodesenvolvimento, à paz, o direito aomeio ambiente, à comunicação e aopatrimônio comum da humanidade”16.

Dotados de altíssimo teor dehumanidade e universalidade, osdireitos de terceira geração tendem acristalizar-se no fim do século XXenquanto direitos que não se destinamespecificamente à proteção dosinteresses de um indivíduo, de um grupoou de um determinado Estado.17

Há ainda uma quarta categoria dedireitos, os chamados direitos de quartageração, que correspondem ao direito àdemocracia, o direito à informação e odireito ao pluralismo. Bonavides18 osdefine como direitos infraestruturais.Segundo o constitucionalista, os direitosda quarta geração não somente culminama objetividade dos direitos das duasgerações anteriores antecedentes comoos absorvem – sem, todavia, removê-la– a subjetividade dos direitosindividuais, a saber, os direitos daprimeira geração. Tais direitos

sobrevivem, e não são apenassobrevivem, senão que ficamopulentados em sua dimensão principal,objetiva e axiológica, podendo,doravante, irradiar-se com a maissubida eficácia normativa a todos osdireitos da sociedade e do ordenamentojurídico.

Postulado na terceira geração dedireitos fundamentais, odesenvolvimento, enquanto direitohumano fundamental e enquanto item deinteresse do Direito é um fenômenorelativamente recente, do final do século

XX, tendo sido positivado naDeclaração sobre o Progresso eDesenvolvimento Social, da ONU, de1969. Segundo esse documento, em seuart. 1º, todos os povos e todos os sereshumanos, sem distinção, têm o direito deviver com dignidade e liberdade e degozar os frutos do progresso social.

Pode ser inferido do artigo 1º dessaDeclaração que o progresso econômiconão vinha, até então, sendo traduzido emmelhoria da qualidade de vida de grandeparte da população mundial, dividaentre os “desenvolvidos” e os

“subdesenvolvidos”, fato que feznecessário um novo direcionamento dosesforços da comunidade internacionalpara se vê concretizado o ideal deprogresso social.

Além da Declaração de 1969, outromomento importante para a positivaçãodo direito ao desenvolvimento foi o seureconhecimento como direitofundamental, pela Comissão dosDireitos do Homem das Nações Unidas,em 1977.19

Contudo, a Declaração sobre oDireito ao Desenvolvimento (1986) e

sua posterior adoção pela AssembleiaGeral das Nações Unidas, podem serdefinidos como marco para a sagraçãodo direito ao desenvolvimento.

A referida Declaração consagrou odireito ao desenvolvimento como “umdireito humano inalienável, em virtudedo qual toda pessoa e todos os povosestão habilitados a participar [...], noqual todos os direitos humanos eliberdades fundamentais possam serplenamente realizados”20.

Todavia, o conceito dedesenvolvimento, assim como outros

institutos do rol de direitos humanos, épermeado de matizes conceituais. Destaforma, os direitos de terceira geração,ao positivarem enfaticamente o papel dodesenvolvimento como fundamental paraa promoção dos direitos humanos,pretendia de fato tornar viáveis quaisaspectos da vida humana? E qualconceito de desenvolvimento poderiatornar isso possível?

2 O direito ao desenvolvimento:desenvolvimento como liberdade

O conceito de desenvolvimento

esteve durante muito tempo igualado àsua dimensão mais restritiva, qual seja ade crescimento econômico eindustrialização. Nessa abordagem,entendia-se o desenvolvimentounicamente como um processo deacumulação de riqueza, sendo a síntesedesse pensamento a busca desenfreadapelo aumento do Produto Interno Bruto(PIB).

Tal juízo impedia que sevislumbrassem mudanças estruturais equalitativas no arcabouço social, alémdisso, a ótica do processo econômico

impossibilitava a socialização dosbenefícios do progresso material, porexemplo, através de um correspondenteprocesso de redistribuição eficiente derendas.

Essa visão “economicista” eralimitante do caráter multidimensional dodesenvolvimento, apesar de aDeclaração de 1986 já o considerarcomo um amplo sistema de mudançasestruturais no tecido social. É o que setraduz da definição dada pelaAssembleia das Nações Unidas, aopromulgar a Declaração sobre o Direito

ao Desenvolvimento (1986). Entendia-se àquele momento o desenvolvimentocomo:

um processo econômico, social,cultural e político abrangente,que visa ao constanteincremento do bem-estar detoda a população e de todos osindivíduos com base em suaparticipação ativa, livre esignificativa no desenvolvimentoe na distribuição justa dosbenefícios daí resultantes.

Apesar deste conceito, era comum avelha tradição economicista definir osrumos do progresso social. Só em 1990,

com a publicação do primeiro“Relatório de DesenvolvimentoHumano” e depois a criação do Índicede Desenvolvimento Humano (IDH), doPrograma das Nações Unidas para oDesenvolvimento (PNUD), é que sepromove a reavaliação dos parâmetrosde aferição do desenvolvimento, quedeixava de ter caráter meramenteeconômico.

Conforme salienta José Eli daVeiga21:

A publicação do primeiro‘Relatório de Desenvolvimento

Humano’, em 1990, teve o claroobjetivo de encerrar umaambiguidade que se arrastavadesde o final da 2ª GuerraMundial, quando a promoção dodesenvolvimento passou a ser,ao lado da busca da paz, a própriarazão de ser da Organização dasNações Unidas (ONU).

O Relatório da ONU, de 1990,conseguiu que se arrefecesse o debatesobre a temática do desenvolvimento. Apartir de então a academia e acomunidade internacional passaram abuscar um novo ideal dedesenvolvimento que não se restringisse

apenas a seara econômica.Hoje, cada vez mais, ganha destaque a

concepção defendida por Amartya Sen,segundo a qual o desenvolvimento é umprocesso de expansão de liberdadesreais que as pessoas desfrutam,entendendo-se a expansão de liberdadescomo fim primordial e o principal meiodo desenvolvimento.

Podemos chama-los, respectivamente,o “papel constitutivo” e o “papelinstrumental” da liberdade nodesenvolvimento. O papel constitutivorelaciona-se à importância da liberdade

substantiva no enriquecimento da vidahumana. As liberdades substantivasincluem capacidades elementares comopor exemplo ter condições de evitarprivações como a fome, a subnutrição, amorbidez evitável e a morte prematura,bem como as liberdades associadas asaber ler e fazer cálculos aritméticos, terparticipação política e liberdade deexpressão etc. Nessa perspectivaconstitutiva, o desenvolvimento envolvea expansão dessas e de outrasliberdades básicas: é o processo deexpansão das liberdades humanas, e sua

avaliação tem de basear-se nessaconsideração 22

Com essa abordagem, Amartya Sen dáoutra dimensão para o entendimento doprocesso de desenvolvimento, pois aslimitações de renda, por exemplo, nãoconstituem apenas uma restriçãoeconômica, mas consistem na privaçãode determinadas características de vidaque as pessoas têm razão para valorizá-las, mas, no entanto, estão sendoprivadas de evitá-la. Mesmo que osindivíduos possuam uma liberdadeformal, de nada adianta esse instituo se

privações de outra natureza impedem asua realização.

Assim, “o desenvolvimento consistena eliminação de privações de liberdadeque limitam as escolhas e oportunidadesdas pessoas de exercer ponderadamentesua condição de agente”23. Esseentendimento fornecido por Amartya Senconjuga-se com os preceitos lançadospela Carta sobre o direito aodesenvolvimento, pois, ao declarar que“a pessoa humana é o sujeito central dodesenvolvimento e deverá serparticipante ativo e beneficiário do

direito ao desenvolvimento” e que“todos os seres humanos têmresponsabilidade pelo desenvolvimento,individual e coletivamente, levando-seem conta a necessidade de plenorespeito aos seus direitos humanos eliberdades fundamentais” e, além disso,afirmar que

Os Estados devem tomar, emnível nacional, todas as medidasnecessárias para a realização dodireito ao desenvolvimento, edevem assegurar, inter alia,igualdade de oportunidade paratodos no acesso aos recursosbásicos, educação, serviços de

saúde, alimentação, habitação,emprego e distribuiçãoequitativa da renda. 24

A Declaração deixa apreender que odesenvolvimento não é um processoconvergente a sistemas sociaisrestringentes de liberdades, uma vez queem tais sistemas a pessoa torna-seprivada de exercer “ponderadamente suacondição de agente”.

Entender o desenvolvimento como umprocesso de expansão de liberdadesreais é consentâneo com a defesa que sefaz da preponderância dos direitos

humanos, haja vista que ainda é muitofrequente, em diversos países, umnúmero grande de pessoas viverem emsistemas político-sociais restritivos deliberdades políticas, liberdades civis,liberdades sociais e outras dos maisvariados gêneros, fato esse que vai deencontro ao preceito fundamental de quetodos os cidadãos são livres e têmdireito a se autodeterminarem.

Além disso, esse conjunto deliberdades não consumadas resume-se anão condição de agente dessesindivíduos, pois esses ficam

impossibilitados de valorizar aquilo queacreditam que deva ser valorizado.Conforme Sen, “ter mais liberdadesmelhora o potencial das pessoas paracuidar de si mesmas e para influenciar omundo, questões centrais para oprocesso de desenvolvimento”25.

Na lição de Amartya Sen, o conjuntode liberdades das quais o indivíduodispõe reflete um sistema complexo eramificado de possibilidades daefetivação de sua condição de agente.Por exemplo, “a privação de liberdadeeconômica pode gerar a privação de

liberdade social, assim como a privaçãode liberdade social ou política pode, damesma forma, gerar a privação deliberdade econômica”26. Fica claro queesse sistema funciona porencadeamentos e que a não efetivaçãode um de seus elementos implica a nãoefetivação de um outro ou ainda a sualimitação.

Ao se avaliar o papel dos direitoshumanos no desenvolvimento énecessário considerar a importânciaconstitutiva e instrumental dos direitoscivis e as liberdades políticas, pois

estas estão encadeadas a outrasliberdades fundamentais, sendonecessário, na visão do autor, odesenvolvimento e fortalecimento de umsistema político democrático.27

Percebe-se que o processo dedesenvolvimento não se completa sepresentes quaisquer restrições àsdimensões de liberdade das pessoas e éexatamente por essa concepção que sedefende que o Direito deve intervir paraa consecução dos preceitosfundamentais dos direitos humanos edeve promover o desenvolvimento como

um direito humano fundamental, pois,O desenvolvimento tem de estar

relacionado sobretudo com a melhora davida que levamos e das liberdades quedesfrutamos. Expandir as liberdades quetemos razão para valorizar não só tornanossa vida mais rica e maisdesimpedidas, mas também permite quesejamos seres sociais mais completos,pondo em prática nossas volições,interagindo com o mundo que vivemos einfluenciando esse mundo.

José Eli da Veiga observa que oprocesso que leva ao desenvolvimento

exige um tipo especial de pessoa, oagente de transformação, e esse tipo, noentanto, não pode coexistir com sistemaslimitativos de liberdades:

O que o processo exige éessencialmente pessoascriativas. E os seres humanossão naturalmente criativos.Alguns mais do que outros, querseja por natureza, educação ouambos. Mas a criatividadeocorre permanentemente nosmais inesperados lugares.Infelizmente, grandes parcelasda população se veem impedidasde exercer a iniciativa e acriatividade econômica em razãode discriminações ligadas a

sexo, raça, casta, religião, classesocial, ideologia, etc.28

Dessa forma, completa o autor “oprocesso de desenvolvimento podeexpandir as capacidade humanas,expandindo as escolhas que as pessoastêm para viver vidas plenas e criativas”os que as torna “tanto beneficiáriascomo agentes do progresso e damudança que provocam”29.

Encarar o desenvolvimento comoliberdade significa, ainda, afastar-sedefinitivamente da armadilha que éconsiderá-lo como fenômeno exclusivo

das ditas economias desenvolvidas, poiscomo se sabe essas economiasenfrentam internamente problemas deexclusão social e restrição de liberdadede parte de suas populações, porexemplo, de minorias étnicas, como acomunidade cigana em alguns paíseseuropeus, de classes sociais menosfavorecidas como a comunidade negra,nos Estados Unidos, sem falar nas sériaslimitações às liberdades individuaisprovocadas pela recente criseeconômica na Europa e nos EstadosUnidos.

Assim, tomar o desenvolvimentocomo liberdade não se confunde com apromoção de padrões de consumo ou amassificação de padrões decomportamentais, tão pouco se confundecom a preservação de privilégios daselites econômicas internacionais, etc.,mas em garantir a todas as pessoas asoportunidades reais para elasvalorizarem aquilo que elas acreditamser o que deve ser valorizado.

Como observa Amartya Sen:

Mesmo uma pessoa muito ricaque seja impedida de se

expressar livremente ou departicipar de debates e decisõespolíticas está sendo privada dealgo que ela tem motivos paravalorizar. O processo dedesenvolvimento quando julgadopela ampliação da liberdadehumana, precisa incluir aeliminação da privação dessapessoa. Mesmo se ela nãotivesse interesse imediato emexercer a liberdade de expressãoou de participação, ainda assimseria uma privação de suasliberdades se ela não pudesse terescolha nessas questões. Odesenvolvimento comoliberdade não pode deixar delevar em conta essas privações.A relevância da privação deliberdades políticas ou direitos

civis básicos para umacompreensão adequada dodesenvolvimento não tem de serestabelecida por meio de suacontribuição indireta a outrascaracterísticas dodesenvolvimento.30

A riqueza de uma pessoa ou naçãonão é condição suficiente paraenquadrá-la como livre oudesenvolvida, antes é necessáriogarantir liberdades instrumentais para aspessoas e poder de autodeterminaçãopara a nação, de forma que, o que aspessoas possam “efetivamente realizar é

influenciado pelas oportunidadeseconômicas, pelas liberdades politicas,pelos poderes sociais e por condições epossibilidade como saúde, a educaçãobásica, e o incentivo e estímulos a suasiniciativas”31

Ademais, a concretização desobredito direito demanda completorespeito aos princípios do direitointernacional, concernentes às relaçõesamistosas de cooperação entre osEstados e o compromisso de todos paracom o processo de expansão deliberdade das pessoas, em particular,

nas áreas onde os direitos civis e asliberdades políticas são tão limitadas.

Assim, só há desenvolvimento quandoos frutos do progresso econômicoservem à ampliação das capacidadeshumanas o que lhes garante a liberdadede viverem vidas plenas e criativas.

3 Considerações Finais

Na perspectiva da liberdade, o direitoao desenvolvimento pode ser garantidose as pessoas forem agentes ativos detransformação. Dessa forma, pressupõe-se que lhes sejam garantidas liberdade

real de participar da tomada de decisãoque conduzem à vida que elas têm razãopara valorizar.

Adotando o desenvolvimento comoum processo de expansão de liberdadesé inadmissível que haja restrições àliberdade de ação das pessoas.

Encara-se a liberdade de ação edecisão, dada as circunstâncias pessoaise sociais, como oportunidades reais, ouseja, o processo de expansão deliberdade deve ser acompanhado deefetividade de ação sem limitações dequaisquer natureza, sejam elas

econômicas, sociais ou políticas.Essa perspectiva pressupõe também

que todos tenham acesso às outrasdimensões dos direitos humanos, aexemplo dos direitos civis, culturais eambientais, importando em gravesameaças à liberdade das pessoas e aconsecução de outros direitosfundamentais, visto que esse conjunto deliberdades funcionam porencadeamentos, ou seja elas secomplementam em um sistema deencaixe.

Essa visão requer que haja uma

transformação de mentalidade por parteda sociedade e das instânciasadministrativas governamentais. Faz-semister a adoção de políticas públicasque alcem o cidadão à condição deagente de transformação.

Qualquer restrição à liberdade daspessoas deve ser sanada, pois de outraforma não será possível o uso pleno dacapacidade transformadora do agentequando este tem restrições econômicas,por exemplo, para desempenhar a suafunção social.

Entende-se, nesse trabalho, que ao se

mitigarem as restrições às liberdades, osindivíduos passam a tornam-se seressociais mais completos e criativos,consequentemente mais ativossocialmente e efetivamenteprovocadores do desenvolvimento.

Todavia, não obstante o discursototalizante dos direitos humanos, sepercebe que grande parte da sociedadeainda vive sobre sérias restrições deliberdades, dessa forma, acredita-se,aqui, que em lugares onde se promove oprotagonismo social, refletido nasoportunidades reais de ação do

indivíduo, são espaços capazes de maisfacilmente alcançarem o progressosocial do desenvolvimento e emconsequência são nesses lugares que seconcretizam os direitos humanos emtodas as suas dimensões.

Logo, é imprescindível que acomunidade internacional e seus fórunsde debate passem a construir o caminhopara a realização do desenvolvimentoem nível mundial e que os Estadosnacionais efetivem a criação decondições favoráveis a esse processo aseus povos e indivíduos, pois são a

estes que o Estado se ligaprimariamente.

Referências

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VEIGA, José Eli da.Desenvolvimento sustentável: odesafio do século XXI. Rio de Janeiro,Garamond, 2010.

1 Bacharel em Ciências Econômicas egraduando em Direito pela UniversidadeFederal do Ceará.

2 DELGADO, Ana Paula Teixeira. O direitoao desenvolvimento na perspectiva daglobalização: paradoxos e desafios. Rio deJaneiro: Renovar, 2001. p. 6.

3 SACHS, Ignacy. O desenvolvimentoenquanto apropriação dos direitoshumanos. Estudos Avançados. São Paulo, v. 12,n. 33, Aug. 1998. Disponível em<http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141998000200011>. Acesso em: 15 ago.2014. p. 189.

4 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Oprincípio fundamental da dignidadehumana e sua concretização judicial.Disponível em:<http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=5005d7e7-eb21-4fbb-bc4d12affde2dbbe&groupId=10136.> Acessoem: 15 ago. 2014. p. 2.

5 Utiliza-se nesse artigo a abordagem dadapor Amartya Sen à problemática dodesenvolvimento. Segundo a categorização doreferido autor as liberdades instrumentais sãoclassificadas em: oportunidades econômicas;liberdades políticas; facilidades sociais;

garantias de transparência e segurança jurídica.6 DELGADO, Ana Paula Teixeira. O direito

ao desenvolvimento na perspectiva daglobalização: paradoxos e desafios. Rio deJaneiro: Renovar, 2001. p. 51.

7 DELGADO, Ana Paula Teixeira. O direitoao desenvolvimento na perspectiva daglobalização: paradoxos e desafios. Rio deJaneiro: Renovar, 2001. p. 52.

8 HEINTZE, Hans-Joachim. Introdução aoSistema Internacional de Proteção dos Direitoshumanos in PETERK , Sven (org.). Manualprático de direitos humanos internacionaisdo Ministério Público da União. Disponívelem <http://escola.mpu.mp.br/linha-editorial/outras-publicacoes/Manual_Pratico_Direitos_Humanos_Internacioais.pdfAcesso em: 15 ago. 2014. p. 23.

9 Ver ficha informativa nº 2 das FichasInformativas sobre Direitos Humanos dasNações Unidas, disponível em:

http://www.gddc.pt/direitos-humanos/Ficha_Informativa_2.pdf. Acesso em:15 ago. 2014.

10 Idem.11 DELGADO, Ana Paula Teixeira. O

direito ao desenvolvimento na perspectivada globalização: paradoxos e desafios. Rio deJaneiro: Renovar, 2001. p. 66.

12 BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos.Rio de Janeiro: ed. Campus, 1997. p. 30

13 BONAVIDES, Paulo. Curso de direitoconstitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros.2005. p. 563.

14 BONAVIDES, Paulo. Curso de direitoconstitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros.2005. p. 564.

15 BONAVIDES, Paulo. Curso de direitoconstitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros.2005. p. 569.

16 BONAVIDES, Paulo. Curso de direitoconstitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros.

2005. p. 569.17 Ibidem.18 Ibidem. p. 572.19 Ibidem. p. 57020 Eis o que diz o art. 1º, §1º da Declaração:

“O direito ao desenvolvimento é um direitohumano inalienável, em virtude do qual todapessoa e todos os povos estão habilitados aparticipar do desenvolvimento econômico,social, cultural e político, para ele contribuir edele desfrutar, no qual todos os direitoshumanos e liberdades fundamentais possam serplenamente realizados”.

21 VEIGA, José Eli da. Desenvolvimentosustentável: o desafio do século XXI. Rio deJaneiro, Garamond, 2010. p. 18.

22 SEN, Amartya. Desenvolvimento comoliberdade. São Paulo: Companhia das Letras,2010. p. 55.

23 SEN, Amartya. Desenvolvimento comoliberdade. São Paulo: Companhia das Letras,

2010. p. 10.24 Declaração sobre o Direito ao

Desenvolvimento – 1986. Artigo 2º §1. Apessoa humana é o sujeito central dodesenvolvimento e deveria ser participanteativo e beneficiário do direito aodesenvolvimento. §2. Todos os seres humanostêm responsabilidade pelo desenvolvimento,individual e coletivamente, levando-se emconta a necessidade de pleno respeito aos seusdireitos humanos e liberdades fundamentais,bem como seus deveres para com acomunidade, que sozinhos podem assegurar arealização livre e completa do ser humano edeveriam por isso promover e proteger umaordem política, social e econômica apropriadapara o desenvolvimento. §3. Os Estados têm odireito e o dever de formular políticasnacionais adequadas para o desenvolvimento,que visem ao constante aprimoramento dobem-estar de toda a população e de todos os

indivíduos, com base em sua participação ativa,livre e significativa, e no desenvolvimento e nadistribuição equitativa dos benefícios daíresultantes.

25 SEN, Amartya. Desenvolvimento comoliberdade. São Paulo: Companhia das Letras,2010. p. 33.

26 Ibidem. p. 23.27 Ibidem. p. 207.28 VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento

sustentável: o desafio do século XXI. Rio deJaneiro, Garamond, 2010. p. 55.

29 Ibidem.30 SEN, Amartya. Desenvolvimento como

liberdade. São Paulo: Companhia das Letras,2010. p. 53.

31 Ibidem. p. 19.

A JURISDIÇÃOCONSTITUCIONAL

INTERNACIONAL COMOORDEM NECESSÁRIA À

PROTEÇÃO DOSDIREITOS HUMANOS

Priscilla Saraiva Alves1

Introdução

A Declaração Universal dos DireitosHumanos, aprovada em dezembro de

1948, pela Assembleia Geral dasNações Unidas, e a Carta da ONU,lançada três anos antes, em SãoFrancisco, modificaram a ordemjurídica então vigente, implicando naquebra do velho paradigma, qual seja, omodelo Westifaliano, assinalando aconsolidação de um novo Direitointernacional, que, segundo LuigiFerrajoli, abandona sua anteriorestrutura de sistema pactício, paraadotar uma postura de pactumsubjectionis (pacto de sujeição)2.

Verificou-se uma abertura do Direito

constitucional ao Direito internacional,fazendo-se necessário ao Estado reversuas relações na comunidade dasnações, e firmar o seu compromisso coma autodeterminação dos povos,condizente com a Carta constituinte de1988, que institucionalizou os direitoshumanos e elevou à categoria deprincípio fundamental a dignidade dapessoa humana3, vinculando eorientando a interpretação de todo osistema constitucional a este princípio.

Nesse sentido, o Estado-nação,abandonando a personificação do

Estado todo-poderoso da filosofia deHegel, é obrigado a adotar uma posturaafirmativa ante a perspectiva deconcretização dos direitos humanosfundamentais, sobretudo por tratarem-seda plataforma emancipatória de nossotempo, pautada pela gramática dainclusão, havendo uma realocação doindivíduo como sujeito de Direitointernacional.

No âmbito regional de proteção dosdireitos humanos figura o SistemaInteramericano formado pela CorteInteramericana de Direitos Humanos –

CIDH, como principal órgão daOrganização dos Estados Americanos –OEA, e a Comissão Interamericana deDireitos Humanos, regendo-se em suasrelações pelo princípio da supremaciada Convenção Americana (Pacto de SanJosé da Costa Rica), que impõe aoEstado a obrigação de adaptar o seuordenamento jurídico de modo a dar fielcumprimento à Convenção, com oobjetivo de eliminar a cultura daimpunidade no que concerne àsviolações de direitos humanos. Foiratificada pelo Brasil em 1992, devendo

o país signatário assumir obrigaçõesjurídicas no plano externo quanto àintegral observância dos direitosdispostos naquele instrumento.

Neste cenário a discussão começa aganhar forma, e se incitou após asinovações do artigo 5º trazidas pelaemenda constitucional nº 45, com anecessidade de aproximação do Direitoconstitucional do Direito internacional,acompanhando a tendência moderna doconstitucionalismo global de prestigiaras normas internacionais destinadas aoser humano, implicando em uma

responsabilidade do Estado poreventuais violações de tratadosinternacionais, tratados estes, cujaposição hierárquica em relação aoordenamento interno vem sendo bastantediscutida na doutrina e najurisprudência.4

Este necessário diálogo entre odireito interno e o direito internacionalocasiona inevitavelmente a redefiniçãoda noção de soberania, a qual não podeser invocada para justificar o nãocumprimento dos tratados sobre direitoshumanos, devidamente incorporados ao

ordenamento do Estado-nação,conquanto seu conceito moderno traduza ideia de cooperação internacional parao alcance de objetivos comuns.

Metodologicamente, utilizou-se dapesquisa de cunho eminentementebibliográfico e jurisprudencial, com umaabordagem qualitativa com vistas aaprofundar o conhecimento acerca dotema. Procurou-se delimitar os tópicosque seguem de modo a construir umencadeamento lógico de ideias para afiel compreensão do que se propõe como presente trabalho.

Tem-se por escopo delinear qualdeverá ser a natureza jurídica internados atos jurisdicionais internacionais,bem como esclarecer as consequênciasda delegação da jurisdição a um entesupranacional, e de que modo asoberania e a exclusividade estatal paraa prestação jurisdicional são afetadas.Logo, se justifica o presente trabalhopelo destaque conquistado pelo Direitointernacional dos direitos humanos, cujomovimento de internacionalizaçãodestes direitos vislumbra auniversalização da proteção da pessoa

humana, a qual é reinserida em umcontexto onde detém personalidadeinternacional.

Apontar-se-á qual o momento atual daevolução do Estado, que reflete noconstitucionalismo que estamosvivenciando e que se pretendeaperfeiçoar, uma vez que diretamenteligado à limitação do poder estatal eprevalência dos direitos humanos.

1 A construção de um direitodialógico para a prevalência daproteção dos direitos humanos

O pós-II Guerra inaugurou uma ordemmundial de reconstrução dos direitoshumanos solapados pelas duas grandesguerras, e pelas atrocidades perpetradaspelos regimes nazi-facistas, colocando atemática de proteção destes direitoscomo tema de legítimo interesse doâmbito internacional.

O constitucionalismo tradicionalpassou a ser remodelado, e com aevolução do direito no sentido deconcretizar normas cada vez maishumanas, a constituição deixou de ser aúltima palavra em termos de direitos

fundamentais e passou a dialogar com oDireito Internacional, figurando comoverdadeira “porta de entrada pela qual oDireito Internacional interage com oordenamento jurídico pátrio.”5

O movimento de internacionalizaçãodos direitos humanos reposicionou o serhumano como sujeito de direitos noplano internacional, redefinindo osassuntos de jurisdição, exclusivamentedoméstica dos Estados. Asconsequências desse movimento foramapontadas por Flávia Piovesan como:

1ª: a revisão da noção

tradicional de soberania absolutado Estado, que passa a sofrer umprocesso de relativização, namedida em que são admitidasintervenções no plano nacionalem prol da proteção dos direitoshumanos; isto é, permitem-seformas de monitoramento eresponsabilização internacional,quando os direitos humanosforem violados; 2ª: acristalização da ideia de que oindivíduo deve ter direitosprotegidos na esferainternacional, na condição desujeito.6

O 1º ponto levantado pela referidaautora será discutido no próximo tópico

deste artigo, desse modo, observe-se oponto 2, acerca do novo papel adquiridopelo indivíduo, como sujeito de direitosinternacionais, e os percalçosencontrados pelo Brasil para aconsecução deste fim.

O Estado brasileiro no que concerneaos direitos humanos, teve seu lastroobstaculizado diversas vezes7, porditaduras civil e militar, sustentadas porcrimes de toda a sorte, de cunhoeminentemente político, perpetradospelos agentes do Estado na defesa doregime de exceção vigente à época, e

que não foram devidamente processadose punidos, haja vista a promulgação dalei de (auto)anistia que entrara em vigorem 1979, votada e aprovada por umcongresso ilegítimo, que deveria ter sidoabrogada em 05 de outubro de 1988,quando a atual Carta Magna entrou emvigor, por ser com ela incompatível.

A Carta constitucional instaurada em1988 coaduna com o ideal dedemocracia que se tenta construir esolidificar no Brasil, uma vez que, alémde consistir em uma carta coesa dedireitos, de forte carga axiológica,

trazendo em seu bojo a dignidade dapessoa humana como fundamento daRepública Federativa, propagou umsentimento constitucional nunca antesverificado, e dentro de sua vigência opaís superou diversas crises políticas ese estabilizou institucionalmente.Percebe-se que os processos deredemocratização ereconstitucionalização caminham lado alado, e ensejam um novo DireitoConstitucional fruto de dois aspectos

a) a busca da efetividade dasnormas constitucionais, fundada

na premissa da força normativada Constituição; b) odesenvolvimento de umadogmática da interpretaçãoconstitucional, baseada emnovos métodos hermenêuticos ena sistematização de princípiosespecíficos de interpretaçãoconstitucional. A ascensãopolítica e científica do direitoconstitucional brasileiroconduziram-no ao centro dosistema jurídico, ondedesempenha uma função defiltragem constitucional de todoo direito infraconstitucional,significando a interpretação eleitura de seus institutos à luz daConstituição.8

Verificou-se que o constituinte de1988 aderiu à visão kantiana do serhumano como fim em sim mesmo, comoraiz antropológica do Estado e nunca uminstrumento do mesmo. No entanto,como já proclamava Norberto Bobbio“o problema fundamental em relação aosdireitos do homem, hoje, não é tanto ode justificá-los, mas o de protegê-los”9,levando à organização de um complexoarcabouço de direitos internacionais,que se tornam exigíveis no momento emque o Estado, por ação ou omissão,descumpre as normas, que por tratados

ou convenções, se obrigou a respeitar –trata-se do Estado de DireitoConstitucional complementado esupervisionado pela ótica internacional.

É o que se denominou de Estado deDireito Internacional10, que surge dacomunhão coordenada de vontades entreas nações, constituindo o que Gomes eMazzuoli11 denominam de “terceira ondaevolutiva do Estado, do Direito e daJustiça: o Internacionalismo”. De acordocom o referido autor, quatro foram asondas evolutivas que sobrevieram desdeo período absolutista até a composição

do Estado Constitucional Humanista deDireito, qual sejam: o legalismo,constitucionalismo, internacionalismo euniversalismo.

A base principiológica desta terceiraonda evolutiva decorreu da passagem doprincípio do domestic affair (ou da nãoingerência) para o do internationalconcern, implicando umaresponsabilidade internacional no queconcerne à proteção dos direitos egarantia fundamentais, que é a finalidademaior de todos os ordenamentosjurídicos. Desse modo, as cortes

internacionais adquiriram o dever defiscalizar a jurisdição interna dospaíses, modificando o paradigma do queseriam os assuntos de jurisdiçãoexclusivamente doméstica.12

Observe-se que esta terceira ondavem juntamente com a segunda, qualseja, a do constitucionalismo, nãoapenas por terem surgido ao mesmotempo, no período pós-guerra, masporque a estrutura de uma complementaa da outra. No Estado de Direitoconstitucional, tem-se em sua base aconstituição; de outro modo, no Estado

de Direito internacional, acoplam-se asvontades de muitas nações, de maneiracoesa, complementando um ao outro.13

O Brasil tem obrigação ainda maiorperante a comunidade das nações, umavez que é signatário de quase todos osdocumentos internacionais de direitoshumanos, não havendo sentidodeterminadas ratificações caso o paísnão estivesse disposto a cumpri-las, oque gera um desconforto na situação dopaís aos olhos do sistemainteramericano. Não convém, portanto,que a ideia de integração no movimento

global que tutela os direitosfundamentais seja desenvolvida apenasformalmente, faz-se necessário que sejaimplementada, por meio do controle deconvencionalidade das leis. A própriaCorte Interamericana de DireitosHumanos, em sua jurisprudência, dispõeque:

[...] O Tribunal estima oportunorecordar que a obrigação decumprir as obrigaçõesinternacionais voluntariamentecontraídas corresponde a umprincípio básico do direito sobrea responsabilidade internacionaldos Estados, respaldado pela

jurisprudência internacional enacional, segundo o qual aquelesdevem acatar suas obrigaçõesconvencionais internacionais deboa-fé (pacta sunt servanda).Como já salientou esta Corte econforme dispõe o artigo 27 daConvenção de Viena sobre oDireito dos Tratados de 1969, osEstados não podem, por razõesde ordem interna, descumprirobrigações internacionais. Asobrigações convencionais dosEstados Parte vinculam todossus poderes e órgãos, os quaisdevem garantir o cumprimentodas disposições convencionais eseus efeitos próprios (effetutile) no plano de seu direitointerno.14

O sistema de proteção aos direitoshumanos, seja no nível regional, comono nível global, proporciona umagarantia a mais ao cidadão, em caso deomissão do Estado em relação àobservância dos direitos e liberdadesindividuais. Ao aceitarem a sistemáticainternacional, os Estados estão sujeitosao monitoramento internacional, o queafronta a antiga definição de soberania,que passa a ser redefinida de modo acoadunar com o atual modelointernacional dos direitos humanos, eserá abordada no tópico 1.3 do presente

trabalho. Ademais faz-se necessárioadentrar a questão da legitimidade dajurisdição interamericana no Brasil,para que se possa aprofundar acerca doconceito de soberania.

1.1 Legitimidade da jurisdição doSistema Interamericano

A Constituição de 1988 ganhou adenominação de “Constituição cidadã”,refletindo o processo deredemocratização vivenciado pelo país,e o reconhecimento de seu fundamentono princípio da dignidade da pessoa

humana.Devido ao destaque obtido pelos

direitos humanos no ordenamentojurídico pátrio, foi possível aratificação, por parte do Brasil, dediversos tratados, como a ConvençãoAmericana de Direitos Humanos – Pactode San José da Costa Rica – principalinstrumento do sistema interamericano.

Os sistemas regionais de DireitosHumanos – europeu, africano einteramericano – atuam ao lado dosistema global – ONU – objetivando nãosomente unir todas as nações, como

fortalecer regionalmente estes direitos,dada sua paridade cultural einstitucional. Os modelos regionais, aoinvés de fragmentar a universalidadedos direitos, ao contrário, trazhomogeneidade à busca da primazia dapessoa humana, apresentando umaestrutura subsidiária, de garantia extraaos sistemas internos de cada país,responsável inicial pela tutela dosdireitos fundamentais.

A Convenção, documento primordialdo sistema interamericano, somentepode ser ratificada pelos Estados-

membros da Organização dos EstadosAmericanos – OEA, e se consolidoucomo importante instrumento, ainda quecoadjuvante, na defesa da liberdadeindividual e justiça social, elencando umrol de direitos civil e políticos,contando com a integração de doisórgãos: a Comissão Interamericana deDireitos Humanos e a CorteInteramericana de Direitos Humanos.15

A Comissão, conta com sete membrose é sediada em Washington, atuando naconscientização dos povos acerca dosDireitos Humanos, preparando

relatórios, fiscalizando e fazendorecomendações aos governos, uma vezque sua competência abrange todos osEstados-membros da Convenção. Emcasos de recebimento de denúncias, aComissão atua pró-ativamente nasolução do problema junto ao Estado-denunciado, como nos diversos casosbrasileiros que já tramitaram no referidoórgão (caso Maria da Penha, Massacrede Eldorado dos Carajás, entreoutros).16

O órgão dotado de competênciajurisdicional é a Corte Interamericana

de Direitos Humanos, cujas decisõestêm força vinculante, devendo o Estado-membro dar fiel cumprimento eacompanhar a jurisprudência que vaisendo consolidada. Desse modo, a Cortejurisdicionalizou a proteção relativa aosdireitos humanos no âmbitointernacional, sempre observando oprincípio do esgotamento dos recursosinternos, pelo qual, só é possível buscaramparo legal no sistema interamericano,após o esgotamento das vias legaisinternas de casa país, evitandointerferências desnecessárias da Corte, e

preservando a soberania de cada nação.O Brasil se submeteu à competência

contenciosa da Corte, ao reconhecê-lapor meio do Decreto Legislativo nº 89,de 3 dezembro de 1998, devendo acataras decisões proferidas por este órgão aoadjudicar conflitos resultantes deviolações à Convenção, em número dequatro condenações, quais sejam: CasoXimenes Lopes, Caso Arley Escher,Caso Sétimo Garibaldi e Caso Guerrilhado Araguaia.

A decisão proferida, trata-se desentença internacional (e não sentença

estrangeira) por não necessitar dehomologação pelo Supremo Tribunal deJustiça e ter força de jus cogensinternamente. Isto decorre do processode adesão do Estado a um organismointernacional, que envolve ato detransferência do seu poder de império,objetivando a prevalência de um bemmaior, que é a tutela dos direitoshumanos.

As sentenças da Corte sãoautoexecutáveis, devendo o ordenamentode cada país recepcionar o entendimentoemanado do órgão, derivado da

responsabilização internacional à qualestá submetido. Nos termos do artigo63.1 da Convenção Americana deDireitos Humanos:

Quando decidir que houveviolação a um direito ouliberdade protegidos nestaConvenção, a Corte determinaráque se assegure ao prejudicado ogozo do seu direito ou liberdadeviolados. Determinará também,se isso for procedente, quesejam reparadas asconsequências da medida ousituação que haja configurado aviolação desses direitos, bemcomo o pagamento deindenização justa à parte lesada.

Entende-se por legítima aresponsabilização internacional dosEstados, que os obriga a reparar o danocausado a particular, uma vez quenasceu do processo de adesão a umorganismo internacional, cujoinstrumento principal – a Convenção –os vincula, e cuja observância ereconhecimento de sua jurisdição pelospaíses signatários, fortalece e dácredibilidade ao sistema interamericano.No caso brasileiro, a própria legislaçãodispõe pela propugnação de um tribunalinternacional de direitos humanos17.

É o Estado a serviço do ser humano, enão ao contrário, como afirma CançadoTrindade:

Para Grotius, o Estado no es unfin en si mismo, sino más bienun medio para asegurar elordenamiento social enconformidad con la inteligenciahumana, de modo a perfeccionarla “sociedad común que abarcatoda la humanidad (…) En elpensamiento grociano, todanorma jurídica — sea dederecho interno o de derecho degentes — crea derechos yobligaciones para las personas aquienes se dirigen; I posibilidadde la protección internacional delos derechos humanos contra el

próprio Estado. 18

A tutela internacional dos direitoshumanos é uma realidade jurídica queexige a transição dos conceitostradicionais, de modo que o Direito nãofique obsoleto. Esta transição deparadigmas (como o da soberania) devevir acompanhada da formação de umaconvicção da comunidade internacionalacerca da insuficiência de suaslegislações para resguardar os direitoshumanos, fulminando os antigos dogmastão fortemente enraizados e que

desprestigiavam o Direito Internacional,emergindo a consciência dedesnacionalização da proteção do serhumano.19

1.2 O conceito de soberania noconstitucionalismo pós-positivista

A concepção do que hoje se entendepor soberania passou por diversasmodificações, tampouco aconteceu demaneira rápida, mas de modo gradual,acompanhando o contexto em que oEstado se encontrava. Juntamente com osurgimento do Estado Moderno, a noção

de soberania, que veio para fundamentá-lo, justificava o poder absoluto, que seperpetuaria no tempo sem perder sualegitimidade.

O princípio da soberania dos Estadosna teoria de Jean Bodin, no século XV,traz o conceito de um poder absoluto,perpétuo, independente, ilimitado eincondicionado, podendo o soberanoconceder a outrem, sem, no entanto, terseu posto maculado. Desta forma, deacordo com Bodin apud Barros20:

O uso do adjetivo absolutoimplica atribuir ao poder

soberano as características desuperior, independente,incondicional e ilimitado.Ilimitado porque qualquerlimitação é incompatível com aprópria ideia de um podersupremo: ‘A soberania não élimitada, nem em poder, nem emobrigações, nem em relação aotempo’ (República, I, 8, p. 181).Incondicional na medida em queeste poder deve estardesvinculado de qualquerobrigação: ‘A soberania dada porum príncipe sob condições eobrigações não é dependente,pois seu detentor deve ter plenaliberdade de ação: ‘Assim comoo papa não tem suas mãos atadas,mesmo se o desejar’ (RepúblicaI, 8, p. 192). Superior porque

aquele que possui o podersoberano não pode estarsubmetido ou numa posição deigualdade em relação a outrospoderes: ‘É preciso que ossoberanos não estejamsubmetidos aos comandos deoutrem’ (República I, 8. p. 191).

Duas são as possíveis acepçõesacerca da soberania na teoria de Bodin:a normativa, uma vez que este podersoberano monopolizava o uso da força,se incumbindo do poder legiferante e deexecução das leis; a descritiva, elementocaracterizador do próprio poder doEstado.

Para Miguel Reale, a soberaniatambém está intrinsecamente relacionadacom a ideia de fortalecimento do poder,sendo definida como “um poder deorganizar-se juridicamente e de fazervaler dentro de seu território auniversalidade de suas decisões noslimites dos fins éticos deconvivência”21, conceito este queperdurou mesmo com o pensamento deMontesquieu acerca da separação e, porconsequência, limitação dos poderes.

Oportuno destacar a diferença entre asoberania interna e externa. A primeira

diz respeito ao Estado em face de seuselementos, como o povo, território egoverno, sofrendo limitações frente aosdireitos humanos trazidos peloconstitucionalismo pós-positivista; asoberania externa se compõe na relaçãoentre os Estados da comunidadeinternacional.

No que toca à soberania externa,Ferrajoli observa que a soberania detodos os Estados no cenáriointernacional gera uma comunidade deLeviatãs, transformando-se em fator deguerra, quando na verdade deveriam

superar o bellum omnium (guerra detodos), causado pelo estado de naturaldesregramento hobbesiano a queretrocederam as nações, justamente porserem soberanas:

Quanto mais se limita – e,através de seus próprios limites,se auto-legitima – a soberaniainterna, tanto mas se absolutiza ese legitima, em relação aosoutros Estados e sobretudo emrelação ao mundo ‘incivil’, asoberania externa. Quanto maiso estado de natureza é superadointernamente, tanto mais éreproduzido e desenvolvidoexternamente. E, quanto mais oEstado se juridiciza como

ordenamento, tanto mais seafirma como entidadeautossuficiente, identificando-secom o direito mas, ao mesmotempo, hipostasiando-se comosujeito não-relacionado elegibus solutus. Explica-seassim também o destino dosdireitos fundamentais, ao menosaté a Declaração universal de1948. A universalidade dosdireitos humanos resolve-se,consequentemente, numauniversalidade parcial e de parte:corrompida pelo hábito dereconhecer o Estado como únicafonte de direito e, portanto,pelos mecanismos de exclusãopor este desencadeados paracom os não-cidadãos; e, aomesmo tempo, pela ausência,

também para os próprioscidadãos, de garantiassupraestatais de direitointernacional contra as violaçõesimpunes de tais direitos,cometidas pelos própriosEstados. Desse fato provêm duasordens de consequências. Aprimeira é a negação do própriodireito internacional,identificado por Hegel com o“direito externo de Estado”, istoé, com o conjunto de normasestatais que disciplinam asrelações entre os Estados.22

O paradigma da soberania externasurge nas lições de Luigi Ferrajoli, umavez que a ideia de soberania não se

coaduna com a sujeição do poder à lei, eigualmente é contrária à existência dasatuais cartas internacionais queproclamam direitos. Por acreditar naforça de um Direito internacional,embasado na autonomia dos povos, enão na soberania dos Estados, o referidoautor é deferente à adesão de valoresrelativos a um constitucionalismo decaráter mundial, munido de garantiasjurisdicionais globais acompanhados deuma filosofia política liberal-socialista23.

Em virtude da nova ordem mundial do

pós-Guerra ter gerado uma identidadede problemas entre as nações nuncaantes verificada, houve um necessárioextrapolamento do espaço em que osEstados exercem sua soberania. Aglobalização, de acordo com TheresaRachel Couto Correia acelerou a“transnacionalização das relaçõeseconômicas, financeiras, comerciais,tecnológicas [...] significaprincipalmente intensificação dasrelações sociais, enfraquecimento doEstado-Nação”24, conectando etransformando-os, em prol de um pacto

internacional pela proteção de direitosde caráter supranacionais.

Este caráter eleva o ser humano asujeito de Direito internacional,devendo a pessoa humana prevalecer emface do ente estatal, que ficaimediatamente vinculado às normas deproteção do indivíduo, ou seja, ao juscogens internacional. Desta forma, asoberania não pode mais significar aliberdade dos Estados de agirem deforma isolada, buscando interessespróprios, mas deve ser sinônimo decooperação internacional, destacando-se

o Estado como membro de umacomunidade internacional, exercendo,desse modo, um ato de escolhasoberana.

Contemplam-se assim os novos rumostrazidos pela globalização, redefinindoo que de fato é concernenteexclusivamente à jurisdição domésticados Estados, haja vista que a proteçãodos direitos humanos é legitimamenteuma preocupação internacional, o queconsequentemente ocasiona uma revisãono conceito tradicional de soberania,dada a possibilidade de intervenção no

plano nacional, e a responsabilizaçãointernacional do Estado.

Entende-se que não se trata dodeclínio ou fim da soberania, mas deuma evolução, em que o antigo conceitose moldou e se aperfeiçoou àsexigências do mundo contemporâneo.Esta metamorfose, deveras necessária,já fora prevista por Kelsen apudFerrajoli25 (2007, p.4), oitenta anosatrás, quando afirmou em seus ensaiosque o conceito de soberania deveria serradicalmente mudado, como parte darevolução na consciência cultural da

qual necessariamente deveria ocorrerem primeiro lugar.

2 Status legal dos tratados dedireitos humanos: entendimento doSupremo Tribunal Federal em virtudeda Emenda Constitucional nº 45/2004

O constitucionalismo contemporâneoé resultado da concatenação do Direitointernacional e do direito interno, comvistas a adaptar-se às novas exigênciasdo mundo globalizado em matéria dedireitos humanos, bem como aoentendimento que está sendo

consolidado pelos órgãos jurisdicionaisinternacionais sobre este assunto.

A dignidade da pessoa humana, éfundamento e princípio que rege o Brasilem suas relações internacionais,devendo ser reconhecido como meio delegitimar o texto constitucional, aindaque não estivesse nele positivado. Aatividade do intérprete último daConstituição deve necessariamente levarem consideração os valoresfundamentais do sistema, condicionandoa aplicação da norma à observância detais valores.26

Ainda nessa linha, ressalte-se osensinamentos do professor GomesCanotilho, ao afirmar que o Estadoconstitucional é apenas um ponto departida, nunca de chegada, devendoencontrar limites em princípios e regrasjurídicas internacionais, e se submeteràs normas de Direito Internacional nasrelações internacionais e no próprioatuar interno, não podendo ficar “out”da comunidade das nações. Acooperação e até mesmo a amizade, sãoformas de abertura ao DireitoInternacional que caracterizam o Estado

de direito, que tem início com aobservância do que se chama jus cogensinternacional, o direito cogente, queobriga.

Alguns princípios, ainda que bastantediscutidos na doutrina, são claramentelimitadores do Estado, como o princípioda paz, da independência nacional, dorespeito aos direitos do homem, daindependência e igualdade entre ospovos, da solução pacífica de conflitose da não-ingerência nos assuntosinternos de outros Estados.

Esta necessária limitação do ente

estatal pelo Direito Internacional é oponto de partida para que se identifiquede que forma as normas internacionaisintegram o ordenamento jurídicobrasileiro, quais mandamentosconstitucionais regulamentam os tratadosinternacionais (gerais ou sobre direitoshumanos) e o regime jurídico a que sesubmetem.

O Supremo Tribunal Federal seposicionou de diversas maneiras aolongo dos últimos anos sobre o regimejurídico dos tratados incorporados aoordenamento interno, contando com

divergências entre os ministros, e pormais das vezes, demonstrando umverdadeiro retrocesso em matéria dedireitos humanos no Brasil.

O sistema que vigorava no país, antesda Carta constituinte de 1988, era deacordo com o critério lex posteriorderogat priori, ou seja, o tratado ao serincorporado na normativa brasileiraadquiria status de lei ordinária,podendo ser revogado por lei posteriorcom ele incompatível. Desse modoprevalecia a mais recente das normas,como se observou no julgamento do

recurso extraordinário nº 80.004/SE,que versava sobre o conflito entre oDecreto-Lei 427 de 1969 e a leiuniforme sobre letras de câmbio e notaspromissórias aprovada na Convenção deGenebra.27

Desse modo, o STF ignorava a formaprópria de revogação de um tratado,qual seja, a denúncia, bem como asconsequências do descumprimento deum compromisso assumido no planointernacional.

O treaty override – revogação de umtratado pela edição de lei posterior com

ele incompatível – gera não sóinstabilidade no plano externo, uma vezque não há um mínimo de garantia deque o tratado pactuado perdurará notempo, como perde o seu valor por serfacilmente burlado pelo critériocronológico de solução de conflitos denormas.

Esta paridade normativa entre as leise os tratados internacionais passou a serrediscutida com a promulgação daConstituição de 1988, dado o seuparágrafo 2º do artigo 5º, dispondo que“Os direitos e garantias expressos nesta

Constituição não excluem outrosdecorrentes do regime e dos princípiospor ela adotados, ou dos tratadosinternacionais em que a RepúblicaFederativa do Brasil seja parte”,apontando para um caráterconstitucional de tais tratados.

No entanto, foi com a reforma dojudiciário autorizada pela emendaconstitucional nº 45, que os tratadosinternacionais foram diferenciados,ganhando destaque os que versavamsobre direitos humanos, dada aespecificidade própria que lhes é

inerente e exigirem uma interpretaçãoorientada por valores superiores, cujatutela não se esgota na ação do Estado.28

Logo, exige-se como pré-requisito paraincorporação no ordenamento pátriocom status de emenda à Constituição,que o tratado seja aprovado nos termosdo parágrafo 3º do artigo 5º daConstituição (votação de três quintos,em dois turnos em cada CasaLegislativa).

A perspectiva agora, era de que ostratados fossem incorporados comstatus constitucional, o que contou com

o apoio do Min. Celso de Melo, quandodo julgamento do HC 87.585 – TO,acerca da prisão civil do depositárioinfiel, que modificou radicalmente seuentendimento anterior, e reconheceu adistinção dos tratados de direitoshumanos dos demais tratadostradicionais:

[...] Esse preceito daConstituição brasileira, como sevê, contempla a possibilidade deo legislador comum, em duashipóteses - (a) inadimplementode obrigação alimentar e (b)infidelidade depositária -,limitar o alcance da vedação

constitucional pertinente àprisão civil. Ocorre, no entanto,Senhora Presidente, que aConvenção Americana sobreDireitos Humanos, ao disporsobre o estatuto jurídico daliberdade pessoal, prescreve, emseu art. 7º, n. 7, que “Ninguémdeve ser detido por dívidas. Esteprincípio não limita osmandados de autoridadejudiciária competente expedidosem virtude de inadimplementode obrigação alimentar” [...] AConvenção Americana sobreDireitos Humanos, instituídapelo Pacto de São José da CostaRica, a que o Brasil aderiu em25 de setembro de 1992, foiincorporada ao nosso sistema dedireito positivo interno pelo

Decreto nº 678, de 06 denovembro de 1992, e que,editado pelo Presidente daRepública, formalmenteconsubstanciou a promulgaçãodesse importante atointernacional. [...] Não se podedesconhecer, SenhoraPresidente, que se delineia,hoje, uma nova perspectiva noplano do direitointernacional. É que, aocontrário dos padrõesortodoxos consagrados pelodireito internacional clássico,os tratados e convenções,presentemente, não maisconsideram a pessoa humanacomo um sujeito estranho aodomínio de atuação dosEstados no plano externo.29

(grifo nosso)

O debate dentro do próprio STFperdura até hoje no que diz respeito aostratados que versarem sobre direitoshumanos, mas não forem aprovados nostermos do §3º do artigo 5º, com oentendimento prevalecente do Min.Gilmar Mendes, cuja tese defendida é ada supralegalidade dos tratados dedireitos humanos, reiterado diversasvezes nos julgados do RE 466.343-1-SP,HC 90.172-SP e HC 87.585-TO, sepronunciando em relação ao primeiro,da seguinte forma:

Por conseguinte, parece maisconsistente a interpretação queatribui a característica desupralegalidade aos tratados econvenções de direitoshumanos. Essa tese pugna peloargumento de que os tratadossobre direitos humanos seriaminfraconstitucionais, porém,diante de seu caráter especialem relação aos demais atosnormativos internacionais,também seriam dotados de umatributo de supralegalidade. Emoutros termos, os tratados sobredireitos humanos não poderiamafrontar a supremacia daConstituição, mas teriam lugarespecial reservado noordenamento jurídico. Equipará-

los à legislação ordinária seriasubestimar o seu valor especialno contexto do sistema deproteção dos direitos da pessoahumana.30

Apesar do Min. Gilmar Mendes teravançado em sua postura acerca doregime hierárquico dos tratados aodesconsiderar a paridade normativa eaderir à tese da supralegalidade, adoutrina majoritária ao interpretar oparágrafo 2º do artigo 5º, dispondo quea Constituição além de estabelecerdireitos e garantias, não exclui outrosporventura provenientes dos tratados

internacionais de que o país venha afazer parte, autoriza, de pronto, nãoapenas sua aplicação imediata como asua inclusão no nosso ordenamentojurídico, sendo consideradosmaterialmente constitucionais,independentemente do quórum de suaaprovação no Congresso, ampliandoconsideravelmente o bloco deconstitucionalidade. Assim, o parágrafo3º acrescido com a EC nº 45, representaapenas uma garantia adicional àmanutenção do status normativoconstitucional dos tratados, no entanto,

antes dela, eles já poderiam ser assimconsiderados.

O STF sufraga o entendimento, aindaultrapassado, do regime desupralegalidade dos tratados, destoantedo posicionamento dos demais países docone sul, corroborado recentemente peloMin. Joaquim Barbosa31, que ignora aautoridade do sistema interamericano,por entende-lo como órgão externo denatureza política, concebendo ainda umadefinição de soberania já deverasultrapassada na esteira do pensamentode John Austin segundo o qual “o

soberano não obedece a ninguém”, jábastante discutido no presente trabalho,considerando um dobrar-se de joelhohumilhante o acatamento do STF àsdecisões da Corte Interamericana, visãodeturpada e inadequada ao quadro quese tenta construir, idealisticamentetalvez, de um constitucionalismo global.

O STF não pode, discricionariamente,descumprir obrigações contraídas peloChefe do Executivo, dotado deautoridade delegada pelo povo eresponsável por declararinternacionalmente a vontade do Estado

perante a comunidade internacional,usurpando “o poder de exercer um juízode conveniência acerca dos termos dotratado – juízo esse que cabe mais aosdemais poderes do que ao Judiciário”32.

Este conflito de jurisdição entre oplano interno e o plano internacional,implica um retrocesso na proteção dosdireitos humanos, uma vez que oimpasse paralisa a efetiva concretizaçãoe reparação das eventuais violações aestes direitos, comprometendo aefetividade da função jurisdicional doEstado.

Observe-se que, impõe-se à produçãodo texto ordinário uma duplacompatibilidade vertical, ou seja, devecoadunar com o Direito Internacional,bem como com o Direito Constitucional,sob pena da lei passar a vigorar, masausente a sua validade. Apesar dacomplexa mudança de paradigma,constata-se uma evolução do velhoEstado legalista para o novo EstadoConstitucional Internacional, queprivilegia a norma que amplia oexercício do direito, abrindo as portaspara a 4ª onda evolutiva do Estado, do

Direito e da Justiça, qual seja, ouniversalismo.33

3 Considerações finais

O estudo do Direito constitucionalisoladamente, sem os diversos preceitostrazidos pelo Direito Internacional, éinsuficiente e ultrapassado. Amodernidade impôs, muito mais que ainternacionalização dos valoresfundamentais, a transnacionalidade dosordenamos jurídicos de forma a secomplementarem e se aperfeiçoarem.

O operador do Direito que se limitar

a manejar apenas códigos, serestringindo àquele Direito puramentelegalista, cuja interpretaçãodesconsiderava as normas-princípios,de conteúdo materialmenteconstitucional, tornar-se-á conhecedorde apenas parte do que deveria saberpara além da legalidade.

Delineou-se acerca do movimento deinternacionalização dos direitoshumanos, considerando que a finalidadeúltima de todos os sistemas jurídicoscoincide com a primazia da pessoahumana, conservando a sua dignidade

em todos os aspectos, e primando pelauniversalidade desta proteção, a qualultrapassou as fronteiras da jurisdiçãodos Estados e constituiu um dever deobservância internacional.

Para a efetivação dos direitoshumanos, os entes estatais renunciaram àexclusividade da prestação jurisdicionalno que concerne a esta matéria, não maisconstituindo a última instância no pleitopor justiça ante as violações de direitoshumanos, que teve seu ápice nasatrocidades perpetradas durante a IIGrande guerra. O desenvolvimento do

sistema global da ONU, juntamente comos sistemas regionais, destaque-se osistema interamericano, vieram comoforma de garantia adicional à proteçãodo indivíduo ante a omissão ou falha doEstado ao qual pertence. Discutiu-seacerca desta interferência, concluindo-se pela sua legitimidade, em relação aospaíses que, no exercício de suasoberania, emanaram ato de vontade queensejou a ratificação da ConvençãoInteramericana e por conseguinte aadesão à jurisdição da CorteInteramericana, podendo, eventualmente,

ser responsabilizado internacionalmente.O ato de constitucionalização da

jurisdição da Corte, enseja no dever doEstado de fazer cumprir suas decisõesinternamente, no entanto o Brasil estáatrasado em relação a regulamentaçãoda execução das sentenças proferidaspela Corte no exercício de suajurisdição.

A terceira onda evolutiva do Estado,do Direito e da Justiça, discutida nadoutrina de Valério Mazzuoli, aponta ascaracterísticas do que despontou comoEstado de Direito Internacional ou

Transnacional, estruturado a partir dacomunhão de vontades de muitosEstados que se exterioriza nanegociação de tratados e convenções, etem como finalidade a tutela dos direitoshumanos fundamentais34. É o diálogo quese tenta construir entre as normasinternas e externas, de modo a melhorproteger a pessoa humana.

Dado o contexto da evolução doEstado, houve uma necessáriareformulação do conceito de soberania,que durante muito tempo perdurou comoempecilho à cooperação entre os países,

sendo utilizado inclusive pela CorteConstitucional brasileira comojustificativa para a inobservância doentendimento emanado pelos organismosinternacionais ao qual o Brasil aderiu.

A compreensão de soberania deveconsistir no atributo fundamental doEstado que o conduz a cumprir asobrigações assumidas no planointernacional, como senhor de suasações, responsável pelas suas condutase pelos acordos que, livremente,concordou em pactuar.

Muito se discutiu acerca da natureza

jurídica interna que os tratados,tradicionais e de direitos humanos,assumem ao adentrarem no ordenamentointerno. Em suma, as opções seriam asseguintes: a) como emendaconstitucional; b) como direitosupralegal; c) como direitoconstitucional; d) e ainda, como vemganhando espaço na doutrina, comodireito supraconstitucional.

Apesar do posicionamento do Min.Celso de Melo conferir statusconstitucional aos tratados de direitoshumanos, por força do parágrafo 2º do

artigo 5º da Constituição, oentendimento predominante é o dasupralegalidade, defendido pelo Min.Gilmar Mendes, que apesar deretrógrado, configura um avanço najurisprudência do STF, que adotava aparidade normativa – tratados comstatus de lei ordinária.

Com a EC nº 45, houve o acréscimodo parágrafo 3º do artigo 5º, dispondoexpressamente acerca da hierarquia dostratados de direitos humanos, os quais seaprovados com o quórum de emendaconstitucional, seriam a ela

equivalentes. No entanto, o referidoacréscimo conferiu proteção adicionalaos tratados de direito humanos, osquais antes da referida emenda, pelaredação do parágrafo 2º do mesmoartigo, já deveriam ser recepcionadoscomo materialmente constitucionais.

Conclui-se, que os processos deconstitucionalização do DireitoInternacional e de internacionalizaçãodo Direito Constitucional secomplementam e devem caminhar lado alado, assegurando a justiciabilidade emtorno dos direitos humanos nos

contenciosos interno e externo.

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1 Advogada, Pós-Graduada (lato sensu), emDireito Processual Civil pela Universidade deFortaleza (2014)

2 FERRAJOLI. Luigi. A soberania nomundo moderno. São Paulo: Martins Fontes,2007, p. 10.

3 Artigo 1º, III, CF 1988.4 MENDES, Gilmar. A Justiça

Constitucional nos Contextos Supranacionais.In: NEVES, Marcelo (Coord.).Transnacionalidade do Direito: Novasperspectivas dos Conflitos entre OrdensJurídicas. São Paulo: Quartier Latin do Brasil,2010, p. 243-286.

5 OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza de.Conjuntura internacional, transformações

do estado, realinhamento edesubstancialização constitucional.Disponível em:<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em24/11/2013.

6 PIOVESAN, FLÁVIA. O DireitoInternacional dos Direitos Humanos e aRedefinição da Cidadania no Brasil. In:PIOVESAN, Flávia. Temas de DireitosHumanos. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2013,p.10.

7 O Estado atravessou, ao longo do séculoque vem de se encerrar, três fases diversas erazoavelmente bem definidas. A primeira delas,identificada como pré-modernidade ou Estadoliberal, exibe um Estado de funções reduzidas,confinadas à segurança, justiça e serviçosessenciais. É o Estado da virada do século XIXpara o XX. Nele vivia-se a afirmação, ao ladodos direitos de participação política, dosdireitos individuais, cujo objeto precípuo era o

de traçar uma esfera de proteção das pessoasem face do Poder Público. Estes direitos, emsua expressão econômica mais nítida,traduziam-se na liberdade de contrato, napropriedade privada e na livre iniciativa. Nasegunda fase, referida como modernidade ouEstado social (welfare state), iniciada nasegunda década do século que se encerrou, oEstado assume diretamente alguns papéiseconômicos, tanto como condutor dodesenvolvimento como outros de cunhodistributivista. Novos e importantes conceitossão introduzidos, como os de função social dapropriedade e da empresa, assim como seconsolidam os chamados direitos sociais,tendo por objeto o emprego, as condições detrabalho e certas garantias aos trabalhadores. Aquadra final do século XX corresponde àterceira e última fase, a pós-modernidade (…)Não se deve encobrir, artificialmente, acircunstância de que o Brasil chega à pós-

modernidade sem ter conseguido ser nemliberal nem moderno. De fato, no períodoliberal, jamais nos livramos da onipresença doEstado. A sociedade brasileira, historicamente,sempre gravitou em torno do oficialismo. Asbênçãos do poder estatal sempre foram –ressalvadas as exceções que confirmam a regra– a razão do êxito ou do fracasso de qualquerprojeto político, social ou empresarial que sepretendesse implantar. Este é um traçomarcante do caráter nacional, com raízes nacolônia, e que atravessou o Império,exacerbou-se na República Velha e ainda foialém. A modernidade teria começado com aRevolução de 30, institucionalizando-se com aConstituição de 1934 – que abriu um títulopara a ordem econômica e social – e sepervertido no golpe do Estado Novo, de 1937.Reviveu, fugazmente, no período entre 1946-1964, mas sofreu o desfecho melancólico dogolpe militar de 1964. Findo o ciclo ditatorial,

que teve ainda como apêndice o período entre1985-1990, chegou-se à pós-modernidade, queenfrentou, logo na origem, a crise existencialde ter nascido associada ao primeiro governoconstitucionalmente deposto da história dopaís. BARROSO, Luis Roberto. Agênciasreguladoras, Constituição, transformaçõesdo Estado e legitimidade democrática.Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 59, 1out. 2002. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/3209/agencias-reguladoras> Acesso em 10/01/2014.

8 BARROSO, Luis Roberto. A novainterpretação constitucional: ponderação,direitos fundamentais e relações privadas. Riode Janeiro: Renovar, 2003.

9 BOBBIO, Noberto. A era dos direitos.Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:Campus, 1992, p. 24.

10 Observe que, no Estado de Direitointernacional, não há exclusão de uma fonte em

prejuízo de outra, mas um verdadeiroentrelaçamento entre a legislação interna e ainternacional, constituindo um verdadeirodiálogo entre ambas.

11 GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI,Valério de Oliveira. DireitoSupraconstitucional: do absolutismo ao EstadoConstitucional e Humanista de Direito. 2 ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 81.

12 GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI,Valério de Oliveira (Org.). Crimes daditadura militar: uma análise à luz dajurisprudência atual da Corte Interamericana deDireitos Humanos. São Paulo: Revista dosTribunais, 2011, p. 59.

13 GOMES; MAZZUOLI, DireitoSupraconstitucional: do absolutismo ao EstadoConstitucional e Humanista de Direito, op. cit.,2013, p. 83.

14 CIDH, Sentença no Caso Guerrilha doAraguaia, para. 177.

15 MAZZUOLI, Valério de Oliveira.Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dosTribunais, 2011, p. 21-23.

16 FREITAS, Riva Sobrado de; LASCALA,Maria Carolina Florentino. O Brasil e acooperação jurídica internacional com a CorteInteramericana de Direitos Humanos. RevistaDireitos Fundamentais e Justiça. 2012; 6(18): p. 102.

17 Artigo 7ª do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias - ADCT

18 TRINDADE. Antonio Augusto Cançado.O Direito internacional em um mundo emtransformação. Rio de Janeiro: Renovar,2002, p. 542-543

19 RAMIREZ, Rosana Laura de CastroFarias. Jurisdição ConstitucionalInternacional: O Acesso à CorteInteramericana como Garantia Constitucional[dissertação]. São Paulo: PontifíciaUniversidade Católica, Mestrado em Direito,

2006, p.80.20 BARROS, Alberto Ribeiro. A teoria da

soberania de Jean Bodin. São Paulo:Unimarco, 2001, p. 236.

21 REALE, Miguel. Teoria do direito e doestado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127.

22 FERRAJOLI, A soberania no mundomoderno, 2007, op. cit., p. 35.

23 Idem, p. 9.24 CORREIA, Theresa Rachel Couto. Corte

Interamericana de Direitos Humanos:Repercussão Jurídica das OpiniõesConsultivas. Curitiba: Juruá, 2008, p. 26.

25 FERRAJOLI, A soberania no mundomoderno, 2007, op. cit., p. 4.

26 BARROSO, Luis Roberto.Fundamentos teóricos e filosóficos do novoDireito Constitucional brasileiro. BeloHorizonte: Fórum, 2012.

27 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitodos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011.28 TRINDADE, O Direito internacional em

um mundo em transformação, op. cit.29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto

do Ministro Celso de Melo no julgamento doHC 87.585 – TO. 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC87585VISTACM.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2013.

30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Votodo Ministro Gilmar Mendes no julgamento doRE 466.343-1-SP. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343.pdf>.Acesso em: 20 jan.2013.

31 Em sede de APn 470/MG de 25 deagosto de 2013.

32 QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. JustiçaSoberana ou Nação Soberana? : Anotações àmargem da autoimagem do STF perante oSistema Interamericano de Proteção dosDireitos Humanos na APn 470/MG. Revistados Tribunais.933, 2013; p. 412.

33 GOMES; MAZZUOL, DireitoSupraconstitucional, op. cit., p. 104-105.

34 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitodos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais,2011, p. 81.

UMA BREVE ANÁLISEDAS PRINCIPAISCONFERÊNCIAS

INTERNACIONAISAMBIENTAIS PARA A

PROMOÇÃO DASUSTENTABILIDADE

Rafael Aguiar Nogueira e Franco1

Introdução

O uso sustentável da biodiversidade

no contexto dos atuais problemasambientais é um tema que vem sendodebatido entre os principais países doplaneta desde a segunda metade doséculo XX, na conferência de Estocolmode 1972. Nas últimas décadas,sustentabilidade passou a ser um temaconstante nos encontros internacionais,contudo poucas medidas de efeitoimediato são adotadas, com o pretextode não prejudicar o desenvolvimento.

Desde a Revolução Industrial, noséculo XVIII, as ações humanas têmpoluído e devastado cada vez mais o

ambiente, tornando o ser humano umagrande ameaça à sobrevivência deincontáveis espécies da fauna e floraexistentes. A intensificação do efeitoestufa está provocando o aquecimentoda Terra, matando de calor váriosanimais que não sobrevivem a umatemperatura de um ou dois graus Célsiusa mais do que estão acostumados.Somando-se a isso, também ocorre oderretimento das calotas polares e,consequentemente, o aumento o nível deágua dos oceanos, tornando possível odesaparecimento de algumas ilhas.

Em vista do exposto, as naçõesresolveram se encontrar para debater otema ambiental pela primeira vez em1972, em Estocolmo. A ConferênciaInternacional sobre o Meio AmbienteHumano foi a responsável por instituirum órgão das Nações Unidas para aquestão ambiental: o PNUMA2.Seguindo-se a esta conferência, foiorganizada a Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento em 1992, reunião quedefiniu muitos dos paradigmasambientais que são seguidos atualmente.

Durante a ECO-92, como ficouconhecida a Conferência, foram criadosos documentos que iriam reger todo oDireito Internacional do Meio Ambiente.Após esta reunião, houve mais doisgrandes encontros desta natureza nomundo: a Cúpula Mundial sobreDesenvolvimento Sustentável (chamadade Rio+10) e a Conferência das NaçõesUnidas sobre DesenvolvimentoSustentável (conhecida como Rio+20),ambas apresentando características etraços de retrocesso, bem como deprogresso em determinadas áreas.

1 Industrialização e odesenvolvimento sustentável

Antes de fazermos uma análise maisaprofundada sobre as formas deadequação que os países devem tomarpara poder se chamar de “sustentáveis”ou de “países verdes”, temos queentender as mudanças globaisocasionadas pelas RevoluçõesIndustriais e o que significa e comosurgiu a teoria do DesenvolvimentoSustentável.

1.1 As Revoluções que originaram a

Atual Tecnologia de Informação

O ser humano começouverdadeiramente a poluir e devastar omeio ambiente natural a partir daRevolução Industrial, que iniciou-se nasegunda metade do século XVIII naInglaterra. Em sua primeira fase, aprincipal fonte de energia utilizadaainda era o vapor d’água e somentealguns países europeus a vivenciaramem sua plenitude, não causando dadosvisíveis ao meio ambiente.

A Segunda Revolução, no séculoseguinte, já teve maiores proporções.

Além de não se limitar a paíseseuropeus, suas principais fontesenergéticas foram os combustíveisfósseis (petróleo, gás natural e carvãomineral) para gerar eletricidade.Diferentemente da I RevoluçãoIndustrial, seus estragos ambientais jáforam tão extremos que se tornaram“palpáveis” para muitos pesquisadores.

É importante ressaltar que alegislação internacional para o MeioAmbiente nesta época era escassa,existindo a Convenção pararegulamentar a pesca de baleia (1931), a

Convenção Internacional da pesca debaleia (1946), Convenção Internacionalde proteção dos vegetais (1951), oTratado da Antártida (1959), entreoutras3.

Hoje, estamos vivendo a TerceiraRevolução Industrial, a revoluçãotécnico-científica. A principal marcadesta nova “era” é a tecnologia decomunicação, os telefones e televisõesse popularizaram e os celulares ecomputadores foram criados (epopularizados), além da grandeprotagonista, a Internet. Diferentemente

das outras fases da Revolução, esta é aúnica que se preocupa com a devastaçãoda natureza, contudo muitas grandesempresas ainda não encontraram ummétodo para se adequar aodesenvolvimento sustentável. Suasprincipais fontes energéticas continuamsendo poluentes, mas as fontesalternativas e, principalmente, asrenováveis têm se tornado cada vez maiscomuns nos países desenvolvidos, vistoque estes já esgotaram muitos de seusrecursos em três séculos deindustrialização.

1.2 O que é “Sustentabilidade”?

O termo “desenvolvimentosustentável” foi usado pela primeira vezalguns anos depois da Conferência deEstocolmo (1972), no Relatório deBrundtland de 1987, elaborado pelaComissão Mundial sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, órgãocriado em 1983 pela Assembleia Geraldas Nações Unidas.

Também conhecido como “NossoFuturo Comum”, o Relatório deBrundtland teve a frente a ex-PrimeiraMinistra da Noruega, Gro Harlem

Brundtland e representantes de outrosdez países desenvolvidos e dez paísesem desenvolvimento4. Nele, apontaram-se os principais problemas ambientais,divididos em três grupos: a poluição, adiminuição dos recursos naturais e osproblemas sociais que afetam o meioambiente.

O documento, como já dito, foi oresponsável por trazer a primeiradefinição de desenvolvimentosustentável (aparecendo esta expressãomais de 100 vezes em seu texto), sendodescrita como “o meio de

desenvolvimento necessário para umprogresso sustentável não apenas emalguns lugares por alguns anos, mas emtodo o planeta por um futuro longíquo”5.

Anos após a apresentação destedocumento, esta definição continuaválida para a maioria das nações,sofrendo poucas alterações com o tempoe constitui um dos grandes objetivos dahumanidade, constando nas metas da“Agenda 21” (explicitados nos capítulos7, 13 e 14)6 e dos “Objetivos doMilênio” (explicitados no Objetivo 7,“Garantir a Sustentabilidade

Ambiental”)7.Atualmente, a definição de

desenvolvimento sustentável foimoldada e aperfeiçoada, diferindo umpouco da apresentada em 1987. SidneyGuerra, por exemplo, conceitua odesenvolvimento Sustentável comosendo a “forma de desenvolvimento quesatisfaz as necessidades das geraçõespresentes sem comprometer acapacidade das gerações futuras dealcançar a satisfação de seus própriosinteresses”8.

2 A consciência de um mundobiodiverso

Como já dito, foi apenas na transiçãoente a II e a III Revoluções Industriaisque o ser humano começou a entender defato a dinâmica do meio ambiente emrelação a poluição, caça e extraçõespredatórias. Vamos analisar agora comoesta evolução de pensamento se deu nosgrandes encontros internacionais.

2.1 Década de 1960, o Início daConscientização

Pode-se afirmar que os anos de 1960

representaram “um grande salto parahumanidade” no sentido ecológico.Neste período, aflorou-se umaconsciência ambiental, o homem“descobriu” que os recursos naturaispoderiam acabar.

Esta década é considerada comosendo o marco do nascimento do DireitoAmbiental Internacional, visto quesomente neste período o tema daproteção internacional do meio ambienteaflorou.

Ainda sem apresentar normasespecíficas, o Direito Internacional do

Meio Ambiente apareceu como pautadas Nações Unidas como sendo partedos Direitos Humanos e do DireitoHumanitário. Foi somente em 1968 quea Assembleia Geral da ONU aprovou arecomendação de se convocar umaConferência Internacional sobre o MeioAmbiente Humano, o qual foi realizado,finalmente, em julho de 1972 emEstocolmo, na Suécia. Pela primeiravez, o mundo iria se reunir paraconversar sobre temas ambientais pormotivos ecológicos.

2.2 De Estocolmo72 a Rio92, osPrimeiros Passos

Como dito no tópico anterior, em1972 realizou-se a ConferênciaInternacional sobre o Meio AmbienteHumano em Estocolmo, sendo, deacordo com Guido Soares, o “fato queselou a maturidade do DireitoInternacional do Meio Ambiente”9. Oevento serviu de alerta para anecessidade de se estabelecer princípiosque fossem “consenso” para apreservação do meio ambiente humano.

Também foi estabelecida uma

caracterização de meio ambientehumano como sendo o meio ambientenatural10 e o meio ambiente artificial11,portanto a conservação de ambos éessencial para o desenvolvimentoadequado das sociedades.

Esta reunião internacional foi aresponsável por criar a mais importanteLegislação Internacional do MeioAmbiente da época (a Declaração deEstocolmo e um Plano de Ação para oMeio Ambiente) e instituir o Programadas Nações Unidas sobre o MeioAmbiente (PNUMA). Segundo Guido

Soares, o fato mais importante deEstocolmo 72 foi, além da Declaraçãoda qual falaremos em breve, a criaçãodo PNUMA, órgão centralizador deação e coordenação de várias outrasagências especializadas dentro da ONU12.

Após muitas discussões e embates deinteresses entre os países desenvolvidose os em desenvolvimento, foi aprovadaa Declaração das Nações Unidas sobreo Meio Ambiente (ou simplesmenteDeclaração de Estocolmo). Suaimportância foi tão grande que chegou a

ser comparada com a DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos (1945),trazendo as normas de proteção ao meioambiente que os Estados deveriamseguir. Um de seus principais pontos é aconsagração do direito soberano quecada Estado possui de intervir eexplorar seus recursos naturais deacordo com sua política interna e acooperação internacional.

Apesar de ter valor recomendatório eregras pouco objetivas (assim como asvagas legislações ambientais nacionais),recebendo muitas críticas por isso, a

Declaração de Estocolmo serviu para“abrir as portas” do DireitoInternacional Ambiental.

Nessas circunstâncias, a AssembleiaGeral da ONU aprovou a criação daComissão Mundial sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento em 1983.Tal comissão reunia representantes dedez países desenvolvidos e dez emdesenvolvimento e tinha a frente a ex-Primeira Ministra norueguesa GroHarlem Brundtland.

Após três anos de trabalhos eatividades, a Comissão publica seu

relatório (que ficaria conhecido comoRelatório de Brutdtland) e sistematiza osprincipais problemas ambientais daépoca e conceituando odesenvolvimento sustentável. ORelatório também sugeriu a organizaçãode uma nova Conferência Internacionalpara se discutir as questões ambientais,o que viabilizou a Conferência do Riode 1992.

Contando com a participação de 178Governos, a Conferência que entrariapara a história como ECO-92 se tornoua maior conferência da ONU até o

momento.13 Ao contrário da Conferênciade Estocolmo, esta possibilitou aabertura de um diálogo multilateral, semestar tão marcado pelos confrontosLeste-Oeste da Guerra Fria, mas peloNorte-Sul do desenvolvimentoindustrial.

A “Cúpula da Terra”, como tambémficou conhecida, foi responsável pelaprodução de alguns dos documentosmais importantes do DireitoInternacional do Meio Ambiente: aDeclaração de Princípios sobreFlorestas, a Convenção sobre

Diversidade Biológica, a Convençãosobre Mudanças Climáticas, a Agenda21 e a Declaração do Rio14.

A Declaração de Princípios sobreFlorestas é tratada como um “plano B”,visto que a meta inicial era a criação deuma Convenção para as florestas,rechaçada por países como Índia eMalásia que pregaram a nacionalidadesdas florestas. Apesar de consagraralguns postulados sobre a conservação eexploração das florestas, estaDeclaração não possui caráternormativo, portanto não pode ser

invocado perante um órgão jurídicointernacional.

A Convenção de DiversidadeBiológica surgiu devido a um grandeesforço do PNUMA com o objetivo depreservar as espécies animais e vegetaisem seu habitat. A Convenção visa “aconservação da diversidade biológica, ouso sustentável dos seus componentes ea divisão equitativa dos benefíciosprovenientes da utilização de recursosgenéticos.”15A Convenção conta,atualmente, com mais de cento ecinquenta ratificações.16

A Convenção-Quadro17 das NaçõesUnidas sobre Mudança do Clima foicriada sob o princípio da precaução18,com o objetivo de “estabilizar asconcentrações de gases de efeito estufana atmosfera em um nível que impeçauma interferência antrópica perigosa nosistema climático.”19 Após complexasnegociações, a Convenção sobreMudanças Climáticas foi assinada.

Com a finalidade de traçar metas parao século XXI, foi criada a Agenda 21.Dividido em quatro títulos (dimensõessociais e econômicas, conservação e

gestão dos recursos para odesenvolvimento, fortalecimento dopapel dos grupos principais e meios deimplementação), o documento buscaestabelecer os programas que asociedade internacional acredita serimportantes para alcançar e efetivar asustentabilidade.

Por fim, a Declaração do Rio sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento écomposta de 27 princípios, alguns jáestabelecidos pela declaração deEstocolmo, que podem ser organizadosde acordo com seu conteúdo:

Desenvolvimento sustentável:princípios 1, 3, 4, 5, 6, 8 e 9;

Proteção ao meio ambiente:princípios 2, 7, 10, 11, 12, 14, 15, 17,18, 19 e 25;

Responsabilidade: princípios 7,parágrafo 2, 13, e 16;

Outros princípios gerais: 23, 24, 26 e27.20

A Conferência das Nações Unidassobre Meio Ambiente eDesenvolvimento encerrou-se com estescinco documentos principais, os quaisdefiniram o molde das políticas a serem

empregadas para se alcançar odesenvolvimento sustentável.

As relações entre países ricos epobres também foram alteradas,devendo ser regidas pelos princípios do“poluidor pagador” e de “padrões desustentabilidade de produção econsumo”. As Organizações Não-Governamentais (ONGs) também foramincluídas, devendo fiscalizar epressionar os Estados para ocumprimento das metas da Agenda 21.Como diria o professor Sidney Guerra,“o desenvolvimento econômico está

cada vez mais atrelado às preocupaçõesuniversais de proteção ao meioambiente.”21

2.3 As Reuniões do Novo Milênio:Rio+10 e Rio+20

Dez anos após a ECO-92 as naçõesnovamente se reuniram para tratar sobretemas concernentes ao meio ambiente:em Joanesburgo ocorria a Cúpula sobreDesenvolvimento Sustentável, a Rio+10.

Durante este período de dez anostornou-se visível que, mesmo com o altonúmero de ratificações e compromissos

firmados, as mudanças não saíram dopapel e dos discursos. Os países nãoconseguiram atingir satisfatoriamente asmetas traçadas nas reuniões anteriores epouco mudaram suas posturas quanto aomeio ambiente.

Durante o evento em si, os debatescentrais eram sobre velhas decisões.Durante boa parte das sessões doencontro os diplomatas reservaram-se adebater sobre decisões já tomadas nosencontros anteriores, gerando um grandear de retrocesso em torno da reunião. Oretrocesso foi tamanho a ponto de a

Rio+10 ter sido chamada de Rio-20 emalguns aspectos.22

Em resumo, a Cúpula sobreDesenvolvimento Sustentável acabousem trazer grandes avanços ao DireitoInternacional do Meio Ambiente, noqual “o que se decidiu a respeito declima ou de biodiversidade poderiaperfeitamente ter sido adotado naschamadas Conferências das Partes àsconvenções respectivas”23, criadas dezanos antes.

As grandes expectativas em tornodessa reunião se resumiram a um

documento cuja grande contribuição foitrazer de forma mais detalhada osobjetivos já sonhados24. A Declaraçãode Joanesburgo traz em seu texto umapreocupação tanto com o meio ambiente,quanto com a sociedade: menciona aquestão do acesso aos recursos naturaispelos povos, entre eles o acesso a águapotável e alimentos. Em seus últimosartigos, a Convenção defende queinstituições multilaterais unam forçaspara sanar a problemática; contudo, aexemplo das Convenções anteriores, deforma bastante abstrata.

Os signatários do documentocompactuaram em três principaistópicos: acesso a água e saneamento;eficiência energética e outroscompromissos gerais. Quanto aoprimeiro ponto, ficou decidido aredução pela metade a proporção depessoas sem acesso a água potável nomundo e aumentar o saneamento básicoaté 201525. Esta medida seria tantoambiental quanto social para cumpriralgumas das metas da Agenda 21,contudo, faltando pouco mais de um anopara acabar o prazo, vê-se que este

objetivo entra para o rol dos “nãoalcançados”.

O segundo ponto seria para aumentaros investimentos em energias limpas eaumentar a eficiência energética,contudo sem prazos estabelecidos.Pode-se dizer que este é um dos pontosque realmente houve investimentoglobal, porém entende-se que isto ocorremais pela crescente escassez eencarecimento das fontes tradicionais deenergia, os combustíveis fósseis, do quepor empenho ambiental.

Por fim, os outros compromissos

gerais versam sobre problemas sociais,como os elencados nos artigos 11º ao15º da norma internacional: erradicaçãoda pobreza, desigualdade social,“sofrimento” do meio ambiente global,entre outros temas26.

Em 2012 ocorreu no Brasil aaguardada Rio+20, a Conferência dasNações Unidas sobre DesenvolvimentoSustentável. Vinte anos após a ECO 92,o Rio de Janeiro voltava a ser o foco doDireito Internacional Ambiental, mascom uma missão muito semelhante a daprimeira: fornecer as bases a serem

seguidas pelas mais de 190 naçõespresentes nas próximas décadas quanto abusca pela sustentabilidade.

A Conferência desenvolveu-seprincipalmente sobre dois temasprincipais: “a economia verde nocontexto do desenvolvimento sustentávele da erradicação da pobreza e aestrutura institucional para odesenvolvimento sustentável.”27. Aeconomia verde é definida pelo PNUMAcomo sendo a “economia que resulta emmelhoria do bem-estar da humanidade eigualdade social, ao mesmo tempo em

que reduz significativamente riscosambientais e escassez ecológica. Emoutras palavras, uma economia verdepode ser considerada como tendo baixaemissão de carbono, é eficiente em seuuso de recursos e socialmenteinclusiva.”28

Já o desenvolvimento sustentável,como já foi abordado várias vezes notópico 2.2 deste trabalho seria odesenvolvimento capaz de satisfazer asnecessidades presentes semcomprometer as gerações futuras desatisfazerem suas eventuais

necessidades. Instituir odesenvolvimento sustentável, portanto,necessita que vários camposestratégicos sejam afetados, como oscampos de energias e de agricultura.

Outro destaque das discussões daConferência foi sobre a governançaalimentar. O tema que refletediretamente nas áreas social e ambientalestá passando por uma revolução juntocom as ideias para reformulação daagricultura. Contudo os intensos debatesapenas serviram para a alteração donome para “intensificação da produção

sustentável de alimentos”, não havendonenhuma proposta concreta nodocumento final a respeito da produçãosustentável de alimentos ou sobre asegurança alimentar.29

Na questão econômica, foi-seapresentado o Índice de RiquezaInclusiva (IRI), um indicador alternativoao Produto Interno Bruto (PIB) que visacorrigir as lacunas deixadas por este.Enquanto o PIB relata apenas o que foigerado de riqueza no país durante umano, o IRI mostra a riqueza real danação e o nível de sustentabilidade do

desenvolvimento do Estado analisado.Infelizmente esta foi mais uma dasdiscussões praticamente esquecidas nodocumento final da Convenção.30

Temos ainda a economia verde. Estaproposta foi defendida arduamente porpaíses da União Europeia(principalmente) e era apontada comouma solução para a maioria dosproblemas abordados no encontro. Nodocumento final do evento, “O Futuroque Queremos”, a economia verde foitratada da mesma forma que as váriasoutras “soluções inovadoras e

messiânicas” que surgiram ao longo dosúltimos quarenta anos: um texto vago eabstrato, sem definir objetivos para asua adoção.31

A biossegurança é outro temaabordado no evento. Mesmo com oProtocolo de Nagoya32, as discussõessobre esta área ainda são bastanteembrionárias e não evoluíram muitodesde a ECO-92. O documento abordade forma superficial a biossegurança,referindo-se principalmente na questãodos alimentos transgênicos e seusimpactos no meio ambiente, na saúde

humana e na produção de alimentos,buscando uma agricultura mais inclusivae que possa ser exercida em regiões dedifícil cultivo.

Por fim, deve-se destacar osObjetivos do DesenvolvimentoSustentável (ODS). Os ODS são ao tododez e visam expandir os Objetivos deDesenvolvimento do Milênio33: acabarcom a pobreza; promover o crescimentosustentável e empregos; educação paratodos; proteção dos direitos humanos;saúde para todos; agriculturasustentável; cidades sustentáveis;

energia sustentável e mudançasclimáticas; biodiversidade sustentável eboa governança.34

A Rio+20, portanto, terminou damesma forma que as outras três reuniõesque a antecederam: muitos debatesacalorados, muitos discursosemocionantes, mas textos vagos eimprecisos.

2.4 De Estocolmo-72 a Rio+20: umamudança de paradigma para o meioambiente

Neste momento, após ver que as

poucas medidas tomadas para recuperaro equilíbrio ambiental são malcumpridas (ou não são cumpridas deforma alguma), resta a pergunta: o quemudou? Qual a diferença prática narelação entre o homem e o meioambiente ao longo dos últimos 50 anos?

O primeiro passo para responder aesta pergunta é analisar o nome dosquatro encontros e ver o que mudou.Conferência das Nações Unidas sobre oMeio Ambiente Humano; Conferênciadas Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento; Cúpula

Mundial sobre DesenvolvimentoSustentável e Conferência das NaçõesUnidas sobre DesenvolvimentoSustentável.

Em 1972 havia-se uma visãoeconomicocentrista35 ou antropocentristada natureza, no qual o ser humanopensava o meio ambiente como extensãodo próprio ser humano (nota-se estatendência no próprio título daConferência). Pode-se notar, entretanto,uma mudança de postura 20 anos maistarde. Com o título de “Meio Ambiente eDesenvolvimento”, percebe-se que esta

visão ainda se centra no homem, mas jáé mais voltada para o meio ambiente e,principalmente, personifica a busca peloequilíbrio ambiental, representado pelodesenvolvimento sustentável.

As reuniões que se seguem nãoapresentam uma evolução tão marcanteem seu nome quanto a esta mudança deparadigma antropocêntrica para umavisão ecocêntrica. Reflete-se, portanto,nas discussões pouco produtivas einovadoras.

Como um dos últimos destaques nestetema da mudança de paradigma,

devemos ainda fazer uma ponderação:nos Estados da América Latina,principalmente os da América do Sul,está-se desenvolvendo um novo modelojurídico, o “Novo ConstitucionalismoLatino Americano”36. Este novo modelode Estado democrático possui umaacentuada relação com o meio ambientenatural37 e pode ser um fatordeterminante nas futuras negociações.

3 Considerações finais

Vê-se que o Direito InternacionalAmbiental é ainda um bebê imaturo

perto de outros ramos do Direito, osquais alguns já constam de váriosséculos. Ao longo da história dahumanidade o homem utilizou-se sempredos recursos naturais para odesenvolvimento de suas tecnologias edurante grande parte dessa históriahouve uma convivência harmônica.

Somente durante o século XIX, com aSegunda Revolução Industrial é que oser humano começou a exigir mais domeio ambiente do que deveria,começando assim a explorardescontroladamente e

irresponsavelmente os recursos naturais,baseado na crença de que tais recursosseriam infinitos. Foi somente em meadosdo século XX que se passou a terconsciência dos estragos que estavamsendo causados ao planeta e aospróprios seres humanos, contudo aperspectiva com a qual se entendia esteproblema ainda era econômica.

Esta forma de entender e procurarsoluções para os problemas ambientaisperdurou ainda por vários anos e sócomeçou a mudar em 1972, durante aConferência Internacional sobre o Meio

Ambiente Humano. Este foi o primeiropasso para o desenvolvimento doDireito Internacional Ambiental.

Entre esta reunião e a que iria seseguir ocorreu a formulação de um dosconceitos mais importantes daatualidade, o de desenvolvimentosustentável. A sustentabilidade foidescrita pela primeira vez em 1987, noRelatório de Brudtland e foi um marconas discussões sobre o tema.

Durante as reuniões que se seguiria, aECO-92, Rio+10 e Rio+20, odesenvolvimento sustentável sempre

pautava todas as decisões e servia comouma bússola. Infelizmente, uma bússolasó é útil quando se sabe utilizá-lacorretamente. A sustentabilidade, quedeveria servir para nortear as decisõespassou a ser descrita como uma medidaa ser aplicada em vários documentosvagos e abstratos gerados pelasconvenções.

A vagueza das decisões é um dosgrandes entraves para que as decisõesacordadas entre os países surtam umefeito real e significativo nas relaçõesentre o ser humano e o meio ambiente

natural que o cerca. Deve-se notar,contudo, que os projetos resolutivos sóconseguem ser aprovados e ganhar aadesão de nações importantes no cenáriomundial por ter caráter de abstração ede recomendação. Caso contrário,dificilmente seriam aprovados, assinaise ratificados.

Tornar-se um “país verde”,ecologicamente correto, é dispendioso edeveras complexo. Necessita mudartoda a estrutura sobre a qual a economiae as sociedades, principalmenteocidentais, foram estruturadas. O temor

pelos prejuízos que tais mudançaspodem acarretar na economia é aindamaior do que o temor com a situação domeio ambiente num futuro de médioprazo.

As tentativas de conciliação entrecrescimento econômico e preservaçãoambiental ainda são muito incipientes,contudo já é visível o afloramento e oamadurecimento de uma solução viável:a economia verde. Esta talvez tenha sidouma das grandes contribuições daRio+20 para as futuras decisões doDireito Internacional Ambiental, assim

como o Índice de Riqueza Inclusiva(IRI). Ambos foram apresentados comoinstrumentos que preenchem lacunas, asquais não são poucas.

Nota-se que a forma de relacionar-secom o meio ambiente está mudando. Aevolução38 do atropocentrismo para oecocentrismo é, sem dúvidas, um marconas discussões diplomáticas sobre otema. Vê-se, entretanto, que jamaisdevemos esquecer que o principalobjetivo de proteger o meio ambientenatural é proteger não só a fauna e aflora, mas proteger também o ser

humano. O que deve ser buscado sempredeve ser o equilíbrio. Não se podedeixar a natureza de lado em prol dodesenvolvimento econômico, mas seriaigualmente desastroso deixar odesenvolvimento de lado em prol danatureza.

Enfim, é ainda perceptível o descasodo ser humano nesta área tão importantepara a sobrevivência de inúmerasespécies de seres vivos. Novas ideiastêm surgido para concretizar os camposabstratos, devendo ser aplicadas com amáxima urgência.

Referências

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1 Graduando em Direito pela UniversidadeFederal do Ceará (UFC); membro pesquisadorefetivo do Grupo de Estudos em Direito eAssuntos Internacionais, projeto de extensão daUFC, bolsista do programa Jovens Talentospara a Ciência da Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(CAPES).

2 Programa das Nações Unidas para o MeioAmbiente.

3 MATIAS, João Luis Nogueira.MONT’ALVERNE, Tarin Cristino Frota.Reflexões acerca dos objetivos da Convençãoda biodiversidade. Disponível em: <http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT15-215-233-20100908152946.pdf>. Acesso em20/08/2013.

4 GUERRA, Sidney Cesar Silva. Tradado deDireito Internacional. Rio de Janeiro. FreitasBastos Editoria. 2008. Página 494.

5 Tradução livre de “development path wasrequired, one that sustained human progress notjust in a few pieces for a few years, but for theentire planet into the distant future.” OurCommon Future. Disponível em: <http://www.un-documents.net/our-common-future.pdf>. Acesso em 18/08/2014.

6 Agenda 21. Disponível em <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/agenda21.pdf>,acessado em 28/05/2013.

7 Objetivos do Milênio. Disponível em <

http://www.pnud.org.br/Docs/3_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf>,acessado em 28/05/2013.

8 GUERRA, Sidney Cesar Silva. Tradado deDireito Internacional. Rio de Janeiro. FreitasBastos Editoria. 2008. Página 494.

9 SOARES, Guido Fernando Silva. O Brasile os Novos Desafios do Direito Internacional.1ª edição, Rio de Janeiro. Companhia EditoraForense, 2004. Página 347.

10 O meio ambiente natural é aqueleformado pelos recursos naturais, como água,solo, ar, etc. É o meio ambiente que não foialterado pelo ser humano.

11 O meio ambiente artificial é aqueleformado pelas zonar urbanas, incluindo osespaços fechados (como prédios) e os abertos(como as praças). É o meio ambienteconstruído ou alterado pelo homem.

12 SOARES, Guido Fernando Silva. O Brasile os Novos Desafios do Direito Internacional.1ª edição, Rio de Janeiro. Companhia Editora

Forense, 2004. Página 347.13 SOARES, Guido Fernando Silva. O Brasil

e os Novos Desafios do Direito Internacional.1ª edição, Rio de Janeiro. Companhia EditoraForense, 2004. Página 350.

14 GUERRA, Sidney Cesar Silva. Tradadode Direito Internacional. Rio de Janeiro.Freitas Bastos Editoria. 2008. Página 495.

15 Art. 1ª da CDB. Tradução livre de: “theconservation of biological diversity, thesustainable use of its components and thefair and equitable sharing of the benefitsarising out of the utilization of geneticresources”. Disponível em:<http://www.cbd.int/convention/articles/default.shtml?a=cbd-01>.Acesso em 8 de agosto de 2014.

16 Convention on Biological Diversity. Listof Parties. Disponível em:<http://www.cbd.int/information/parties.shtml>.Acesso em 8 de agosto de 2014.

17 De acordo com Guido Soares, as

Convenções-Quadro são “tratados queinstituem grandes campos normativos, comnormas pouco precisas, cujo detalhamento édeixado à decisão de reuniões periódicas dosEstados-Partes, as denominadas Conferênciasdas Partes, COPs, as quais têm apoiado suasdecisões nos estudos técnicos e científicos deórgãos subsidiários, igualmente instituídosnaqueles tratados multilaterais, com umacomposição restrita entre os Estados-Partes”.

18 A Declaração do Rio, em seu artigo 15,caracteriza o princípio da precaução comosendo a adoção de medidas economicamenteviáveis para prevenir a degradação ambiental,mesmo sem a certeza científica absoluta dosdanos.

19 Disponível em <http://www.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas>, acessado em 06/08/2013.

20 GUERRA, Sidney Cesar Silva. Tradadode Direito Internacional. Rio de Janeiro.

Freitas Bastos Editoria. 2008. Página 497.21 GUERRA, Sidney Cesar Silva. Tradado

de Direito Internacional. Rio de Janeiro.Freitas Bastos Editoria. 2008. Página 497.

22 GUIMARÃES, Roberto; FONTOURA,Yuna. Desenvolvimento sustentável na Rio+20:discursos, avanços, retrocessos e novasperspectivas. Cadernos Ebate.br, Rio deJaneiro, v. 10, n. 3, p.508-532, set. 2012.

23 Idem.24 DINIZ, Eliezer Martins. Os Resultados

da Rio+10. Disponpivel em:<http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/RDG/RDG_15/31-35.pdf>. Acesso em 19/08/2014.

25 Idem.26 Declaração de Joanesburgo sobre

Desenvolvimento Sustentável. Disponível em:<http://www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/DesenvolvimentoSustentavel/2002_Declaracao_Joanesburgo.pdf>.Acesso em 19/08/2014.

27 Sobre a Rio+20. Disponível em:<http://www.rio20.gov.br/sobre_a_rio_mais_20.html>.

Acesso em 18/08/2014.28 Rumo a uma Economia Verde.

Disponível em:<http://www.pnuma.org.br/admin/publicacoes/texto/1101-GREENECONOMY-synthesis_PT_online.pdf>. Acesso em19/08/2014. Página 2.

29 GUIMARÃES, Roberto; FONTOURA,Yuna. Desenvolvimento sustentável na Rio+20:discursos, avanços, retrocessos e novasperspectivas. Cadernos Ebate.br, Rio deJaneiro, v. 10, n. 3, p.508-532, set. 2012.

30 Idem.31 Idem.32 O Protocolo de Nagoya sobre Acesso a

Recursos Genéticos e Repartição deBenefícios decorrentes da sua utilização para aConvenção sobre Diversidade Biológica Justa eEquitativa é um acordo internacional que visa apartilha dos benefícios resultantes da utilizaçãodos recursos genéticos de uma forma justa e

equitativa, incluindo o acesso adequado aosrecursos genéticos e a transferência adequadade tecnologias pertinentes, levando em contatodos os direitos sobre esses recursos etecnologias, e mediante financiamentoadequado, contribuindo para a conservação dadiversidade biológica e o uso sustentável deseus componentes. Tradução livre de:“The Nagoya Protocol on Access to GeneticResources and the Fair and EquitableSharing of Benefits Arising from theirUtilization to the Convention on BiologicalDiversity is an international agreementwhich aims at sharing the benefits arisingfrom the utilization of genetic resources in afair and equitable way, including byappropriate access to genetic resources andby appropriate transfer of relevanttechnologies, taking into account all rightsover those resources and to technologies, andby appropriate funding, thereby contributing

to the conservation of biological diversityand the sustainable use of its components.”Disponível em: <http://www.cbd.int/abs/>.Acesso em 19/08/2014.

33 GUIMARÃES, Roberto; FONTOURA,Yuna. Desenvolvimento sustentável na Rio+20:discursos, avanços, retrocessos e novasperspectivas. Cadernos Ebate.br, Rio deJaneiro, v. 10, n. 3, p.508-532, set. 2012.

34 Saiba quais são os 10 objetivos domilênio. Disponível em:<http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2014/saiba-quais-sao-os-10-objetivos-de-desenvolvimento?tag=economia-e-politica>.Acesso em 19/08/2014.

35 BELCHIOR, Germana ParenteNeiva. Hermenêutica e MeioAmbiente: Uma Proposta Jurídica Ambientalpara a Efetivação do Estado de DireitoAmbiental. 2009. 238 f. Dissertação(Mestrado) - Curso de Direito, Universidade

Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. Página 33.36 Em resumo, o Novo Constitucionalismo

Latino Americano é uma proposta jurídicaalternativa ao modelo clássico (europeu) deEstado. Ele visa a incorporação dos valores eculturas dos diversos grupos que fazem parte daconstituição étnica dos países latino-americanos. Uma de suas principaiscaracterísticas é o conceito de bem viver. OBem Viver, entre outras coisas, prega seressencial a efetivação de uma nova relaçãoentre o ser humano e o meio ambiente, umarelação de pertencimento do homem ànatureza. PASTOR, Roberto Viciano eDALMAU, Rubén Martínez. El nuevoconstitucionalismo latinoamericano:fundamentos para uma construccióndoctrinal. 2011. 24f. Artigo da revista RevistaGeneral de Derecho Público Comparado 9.

37 MOURA, Luiza Diamantino. O NovoConstitucionalismo Latinoamericano e o

Meio Ambiente: as possibilidades deproteção face ao Direito AmbientalInternacional.Disponível em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=fcde14913c766cf3>. Acesso em: 19 set.2014. Páginas 16 e 17.

38 “Evolução” neste caso está sendoempregado no sentido darwiniano de adaptação,não significando propriamente que está-sesaindo do pior e indo para o melhor, mas simsaindo do “menos adaptado” e indo para umaconcepção mais adaptável a atual situação.

SOBRE OS AUTORES

Alebe Linhares MesquitaMestrando em Direito Internacional e

Comparado pela Universidade de SãoPaulo (USP). Pesquisador do Centro deComércio Global e Investimento (CCGI)da Função Getúlio Vargas (FGV/EESP).

Alice Rocha da SilvaProfessora do Programa de Mestrado

e Doutorado em Direito do CentroUniversitário de Brasília (UniCEUB) e

da graduação da Faculdade Processus.Doutora em Direito InternacionalEconômico pela Aix-MarseilleUniversité, França, Mestre em Direitodas Relações Internacionais peloUniCEUB. Graduada em Direito peloUniCEUB e Graduada em RelaçõesInternacionais e Ciência Política pelaUniversidade de Brasília-UnB. Email:rochaalice@yahoo.com.br.

Aline de Moura TelesGraduada em Direito pela

Universidade Federal do Ceará (UFC).

Álisson José Maia MeloDoutorando pelo Programa de Pós-

Graduação em Direito da UniversidadeFederal do Ceará (PPGD/UFC). Mestree Bacharel em Direito pelaUniversidade Federal do Ceará (UFC).Analista de Regulação da AgênciaReguladora de Serviços PúblicosDelegados do Estado do Ceará (ARCE).

Ana Carolina Lessa DantasGraduanda em Direito pela

Universidade Federal do Ceará.Bolsista do Programa Institucional de

Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC),com projeto denominado “A Efetivaçãodos Princípios Bioéticos Diante doDireito Fundamental ao PlanejamentoFamiliar como Livre Decisão do Casalem Relação Homoafetiva Masculina”.

Augusto Oliveira da Silva NetoPossui graduação em Estatística pela

Universidade do Estado do Rio deJaneiro (1991), especialização emComércio Exterior (MBE) pelo Institutode Economia da Universidade Federaldo Rio de Janeiro e Mestrado em

Administração pela UniversidadeFederal do Espírito Santo. Atualmente éAuditor Fiscal da Receita Federal.Bacharelando em Direito pelaUniversidade Federal do Ceará.

Beatriz Azevêdo de AraújoBacharelanda em Direito pela

Universidade Federal do Ceará. Traineede pesquisa da Université MCGill.Diretora da ONG Instituto Verdeluz.

Bruno Costa MarinhoGraduado em Direito pela

Universidade Estácio de Sá (2006) e em

Ciências Militares pela AcademiaMilitar das Agulhas Negras (1999). Pós-graduado em Coordenação Pedagógicapela Universidade Federal Rural do Riode Janeiro (2007), em CiênciasMilitares pela Escola deAperfeiçoamento de Oficiais (2007) eem Direito Militar pela UniversidadeCastelo Branco (2009). Atuou comoAssessor Jurídico do Comando Militarda Amazônia de setembro de 2008 adezembro de 2010. Atuou como Chefeda Seção Técnica de Ensino e da Seçãode Pós-Graduação da Escola de

Artilharia de Costa e Antiaérea doExército Brasileiro no ano de 2011 ecomo Chefe da Seção de Ensino àDistância da Escola de Artilharia deCosta e Antiaérea do ExércitoBrasileiro no ano de 2012. Atuou comoChefe da Assessoria Jurídica doComando Militar da Amazônia eatualmente é adjunto da Agência deGestão e Inovação Tecnológica.

Eliade Bezerra Duarte FilhoPerito criminal no Departamento de

Polícia Federal. Bacharelanda em

Direito pela Universidade Federal doCeará.

Fernanda Castelo Branco AraujoMestre e bacharel em Direito pela

Universidade Federal do Ceará.Professora de Direito Ambiental eEcologia do Centro UniversitárioChristus. Coordenadora do Escritório deDireitos Humanos da Unichristus.Diretora da ONG Instituto Verdeluz.

Germana Parente Neiva BelchiorDoutora em Direito com área de

concentração em Direito, Estado e

Sociedade pela Universidade Federal deSanta Catarina. Mestre em Direito comárea de concentração em Ordem JurídicaConstitucional pela UniversidadeFederal do Ceará. Pesquisadora doGrupo de Pesquisa Direito Ambiental eEcologia Política na Sociedade deRisco cadastrado noCNPq/GPDA/UFSC. Professorauniversitária.

Leonardo Leite NascimentoBacharel em Direito pela

Universidade do Estado do Amazonas

(2012), em Administração pelaUniversidade do Sul de Santa Catarina(2009) e em Ciências Militares (Cursode Formação de Oficial de Carreira doExército Brasileiro) pela AcademiaMilitar das Agulhas Negras (2004), comespecialização em Logística pelaUniversidade Gama Filho (2007) e emDireito do Trabalho e Processo doTrabalho pela Universidade do Sul deSanta Catarina (2015). Atualmente estáfinalizando o Mestrado em DireitoAmbiental da Universidade do Estadodo Amazonas (2014).

Jana Maria Brito SilvaDoutoranda em Direito pela

Universidade Presbiteriana Mackenzie.Mestre em Direito Constitucional pelaUniversidade Federal do Ceará (UFC),pós-graduanda em Direito ambiental enovas tendências pela FGV, Bolsistapela Fundação Cearense de Apoio aoDesenvolvimento Científico eTecnológico (FUNCAP), pesquisadorado grupo de estudos “Mundo Direito” daUniversidade Federal do Ceará,Pesquisadora do projeto “A Estratégiabrasileira para a gestão sustentável dos

recursos vivos e não vivos marinhos”UFC/Mackenzie/UNB.

João Luís Nogueira MatiasJuiz Federal. Professor do Programa

de Pós-Graduação da Faculdade deDireito da Universidade Federal doCeará. Pós-Doutor pela Universidade deLisboa. Doutor em Direito Público pelaUniversidade Federal de Pernambuco.Doutor em Direito Comercial pelaUniversidade de São Paulo.

Larissa Maciel do AmaralMestre em Direito e Ordem

Constitucional pela UFC. Professorauniversitária. Advogada. Especialistaem Direito Público pela UCAM-RJ einstituto PRAETORIUM de ensino.

Lília Taveira NunesGraduada em Direito pela

Universidade Estadual do Piauí - UESPIe pós-graduanda em DireitoInternacional pela Universidade deFortaleza – UNIFOR.

Márcia Correia ChagasDoutora em Direito pela

Universidade Federal de Pernambuco,

UFPE, Brasil. Mestre em Direito(Direito e Desenvolvimento) pelaUniversidade Federal do Ceará, UFC,Brasil. Graduada em Direito pelaUniversidade de Fortaleza – UNIFOR.Professora Adjunta, dos programas degraduação e pós-graduação daFaculdade de Direito da UniversidadeFederal do Ceará – UFC. Ex-Professorana Graduação em Direito daUniversidade de Fortaleza dasdisciplinas: Direito das Famílias eSESED Prático. Pesquisadora na áreade Biodireito, Bioética, Direitos

Fundamentais e Relações de Gêneros.Desenvolve pesquisas sobre os temas:“Mulher: Sujeito ou Objeto dosMecanismos de Implementação doDireito Fundamental ao PlanejamentoFamiliar?” e “A violênciadoméstica/familiar e suas repercussõesnos direitos de personalidade”.

Paulo Augusto Carlos MonteiroFilho

Graduado em Direito pelaUniversidade Federal do Ceará.Bolsista de Iniciação Científica -

PIBIC/CNPq. Membro pesquisador ediretor do Grupo de Estudos em Direitoe Assuntos Internacionais da UFC(GEDAI - UFC) desde 2012.Coordenador do Programa Verdeluz daUFC e ex-diretor do ProgramaSimulação das Nações Unidas (SONU).

Paulo Fernando Espíndola da SilvaBacharel em Ciências Econômicas e

graduando em Direito pela UniversidadeFederal do Ceará.

Priscilla Saraiva AlvesAdvogada, Pós-Graduada (lato

sensu), em Direito Processual Civil pelaUniversidade de Fortaleza (2014).

Rafael Aguiar Nogueira e FrancoGraduando em Direito pela

Universidade Federal do Ceará (UFC);membro pesquisador efetivo do Grupode Estudos em Direito e AssuntosInternacionais, projeto de extensão daUFC, bolsista do programa JovensTalentos para a Ciência da Coordenaçãode Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (CAPES).

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