27
315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci 1 Resumo Realizaremos neste trabalho uma análise da teoria estoica dos axíōmata. Partindo de uma apresentação histórica sobre a redescoberta da lógica proposicional estoica, apresentaremos as definições de lógica do Pórtico e sua taxonomia dos axíōmata. Os axíōmata são os equivalentes estoicos das proposições da lógica contemporânea e distinguem-se destas por terem valor de verdade associado ao tempo, bem como por, no caso da implicação e da disjunção exclusiva, terem um critério de verdade que vai além da verofuncionalidade, que é aquele do conflito. Além disso, os estoicos estavam cientes de algumas equivalências lógicas. Palavras-chave: Estoicismo. Lógica proposicional. Axíōma. Abstract We will make in this paper an analysis of the Stoic theory of axíōmata. Starting from a historical presentation about the rediscovery of Stoic propositional logic, we will present the definitions of Stoic logic and its taxonomy of axíōmata. Axíōmata are the equivalent of the propositions of contemporary logic and differ from these by having its truth-value associated with time, and also, as in the case of implication and exclusive disjunction, have a criterion of truth that goes beyond the verofunctional one: the notion of conflict. Furthermore, Stoics were aware of some logical equivalences. Keywords: Stoicism. Proposicional logic. Axíōma. Introdução: O Estoicismo foi o berço de uma dos dois grandes sistemas de lógica da Antiguidade. O outro sistema foi o confeccionado por Aristóteles e seguido e desenvolvido pelos peripatéticos, assim chamados relativamente ao Peripatos, colunata que havia nas proximidades do Liceu 2 , no qual se reuniam e pesquisavam Aristóteles e seus alunos e, posteriormente, os alunos dos alunos de Aristóteles. A lógica estoica foi desenvolvida primeiramente por Crisipo de Solis 3 , que, por sua vez, foi aluno dos megáricos. A 1 Doutor em filosofia pela PUC-RJ, professor associado do DFL/UFS, Membro permanente do Mestrado em Filosofia/UFS. 2 O Liceu iniciou suas atividades em 335 a.C., só encerrando-as no século III. A escola tinha esse nome (Lyceum) porque se encontrava nas proximidades do templo de Apolo Lykeios. 3 Crisipo viveu aproximadamente entre 280 a.C. e 208 a.C. Cf. Cícero, De Finibus, 4.9 (= SVF, 1.47): “A dialética foi desenvolvida por Crisipo, mas por Zenão muito menos que pelos filósofos anteriores” ( de quibus etsi a Chrysippo maxime est elaboratum, tamen a Zenone minus multo quam ab antiquis ).

Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

  • Upload
    ngoque

  • View
    231

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

315 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Taxonomia dos axiacuteōmata da loacutegica proposicional estoica

Aldo Dinucci1

Resumo

Realizaremos neste trabalho uma anaacutelise da teoria estoica dos axiacuteōmata Partindo de uma

apresentaccedilatildeo histoacuterica sobre a redescoberta da loacutegica proposicional estoica apresentaremos as

definiccedilotildees de loacutegica do Poacutertico e sua taxonomia dos axiacuteōmata Os axiacuteōmata satildeo os equivalentes

estoicos das proposiccedilotildees da loacutegica contemporacircnea e distinguem-se destas por terem valor de

verdade associado ao tempo bem como por no caso da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo exclusiva

terem um criteacuterio de verdade que vai aleacutem da verofuncionalidade que eacute aquele do conflito

Aleacutem disso os estoicos estavam cientes de algumas equivalecircncias loacutegicas

Palavras-chave Estoicismo Loacutegica proposicional Axiacuteōma

Abstract

We will make in this paper an analysis of the Stoic theory of axiacuteōmata Starting from a

historical presentation about the rediscovery of Stoic propositional logic we will present the

definitions of Stoic logic and its taxonomy of axiacuteōmata Axiacuteōmata are the equivalent of the

propositions of contemporary logic and differ from these by having its truth-value associated

with time and also as in the case of implication and exclusive disjunction have a criterion of

truth that goes beyond the verofunctional one the notion of conflict Furthermore Stoics were

aware of some logical equivalences

Keywords Stoicism Proposicional logic Axiacuteōma

Introduccedilatildeo

O Estoicismo foi o berccedilo de uma dos dois grandes sistemas de loacutegica da Antiguidade O

outro sistema foi o confeccionado por Aristoacuteteles e seguido e desenvolvido pelos

peripateacuteticos assim chamados relativamente ao Peripatos colunata que havia nas

proximidades do Liceu2 no qual se reuniam e pesquisavam Aristoacuteteles e seus alunos e

posteriormente os alunos dos alunos de Aristoacuteteles A loacutegica estoica foi desenvolvida

primeiramente por Crisipo de Solis3 que por sua vez foi aluno dos megaacutericos A

1 Doutor em filosofia pela PUC-RJ professor associado do DFLUFS Membro permanente do Mestrado

em FilosofiaUFS 2 O Liceu iniciou suas atividades em 335 aC soacute encerrando-as no seacuteculo III A escola tinha esse nome

(Lyceum) porque se encontrava nas proximidades do templo de Apolo Lykeios 3 Crisipo viveu aproximadamente entre 280 aC e 208 aC Cf Ciacutecero De Finibus 49 (= SVF 147) ldquoA

dialeacutetica foi desenvolvida por Crisipo mas por Zenatildeo muito menos que pelos filoacutesofos anterioresrdquo (de

quibus etsi a Chrysippo maxime est elaboratum tamen a Zenone minus multo quam ab antiquis)

316 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Escola Megaacuterica foi fundada por Euclides de Meacutegara4 que teve alunos como Eubuacutelides

de Mileto5 autor de sete ceacutelebres paradoxos loacutegicos

6 e Trasiacutemaco de Corinto professor

de Stilpo7 ceacutelebre professor do fundador do estoicismo Zenatildeo de Ciacutetio

8 Eubuacutelides

por seu turno teve como alunos Apolocircnio Crono Diodoro Crono9 autor do ceacutelebre

Argumento Mestre10

e que teria formulado argumentos contra o movimento (Cf Sexto

Empiacuterico Adversus Mathematicos 1085) e Philo o Dialeacutetico11

Diodoro e Philo

debateram questotildees relativas agrave modalidade loacutegica e agraves condicionais12

sobre o que

tinham visotildees distintas e contrastantes De forma sinteacutetica podemos atribuir aos

megaacutericos (i) a invenccedilatildeo de paradoxos (ii) o exame da questatildeo da modalidade loacutegica e

(iii) a criaccedilatildeo do debate sobre as condicionais (Kneale amp Kneale 1962 p 114) Desse

debate como veremos agrave frente participou Crisipo o segundo fundador do estoicismo

sem o qual afirma Dioacutegenes Laeacutercio (Vida dos Filoacutesofos Ilustres 7183) natildeo haveria

estoicismo Crisipo a quem como notamos acima atribui-se a criaccedilatildeo da loacutegica estoica

Dioacutegenes Laeacutercio nos diz que Crisipo adquiriu tamanho reconhecimento como loacutegico que a opiniatildeo geral

naqueles tempos era que se os deuses usassem loacutegica usariam a de Crisipo (Vida dos Filoacutesofos Ilustres

7180 = SVF 21) 4 Viveu aproximadamente entre 435 aC ndash 365 aC

5 Viveu no seacuteculo IV a C

6 Cf Dioacutegenes Laeacutercio Vida dos Filoacutesofos Ilustres 2108 Satildeo eles

-O Paradoxo do Mentiroso Algueacutem diz ldquoO que digo agora eacute uma mentirardquo Se a proposiccedilatildeo eacute verdadeira

ele estaacute mentindo Se eacute falsa ele natildeo estaacute mentindo Logo se diz a verdade estaacute mentindo se estaacute

mentindo diz a verdade

-O Paradoxo do Mascarado ldquoConheces este mascaradordquo ldquoNatildeordquo ldquoEle eacute o teu pai Logo natildeo conheces o

teu proacuteprio pairdquo

-O paradoxo de Electra Electra natildeo sabe que o homem que se aproxima eacute seu irmatildeo Orestes Mas

Electra conhece seu irmatildeo Conhece entatildeo Electra o homem que se aproxima

-O Paradoxo do ignorado Algueacutem ignora quem se aproxima dele e o trata como um estranho O homem eacute

seu pai Aquele entatildeo ignora quem seja seu proacuteprio pai e o trata como um estranho

-O paradoxo do Sorites Um uacutenico gratildeo natildeo eacute um monte Nem a adiccedilatildeo de um soacute gratildeo eacute o suficiente para

transformar um tanto de areia num monte Mas sabemos que adicionando-se gratildeos um a um em algum

momento teremos um monte

-O Paradoxo do Careca um homem com muitos cabelos na cabeccedila natildeo eacute careca Nem a supressatildeo de um

fio de cabelo o tornaraacute careca Mas se arrancarmos seus fios de cabelo um a um eventualmente ele ficaraacute

careca

-O paradoxo dos Chifres ldquoO que natildeo perdeste ainda tens Natildeo perdeste teus chifres Logo ainda os tensrdquo 7 Que viveu aproximadamente entre 360 aC e 280 aC

8 Que viveu aproximadamente entre 334 aC e 262 aC

9 Falecido aproximadamente em 284 aC Zenatildeo de Ciacutetio teria sido tambeacutem aluno de Diodoro Crono (Cf

Plutarco Das Contradiccedilotildees dos Estoicos 1034 e) 10

O argumento chamado Mestre parece ter sido proposto a partir de princiacutepios como os tais haacute de fato

uma contradiccedilatildeo comum entre uma e outra nestas trecircs proposiccedilotildees cada par em contradiccedilatildeo com a

terceira As proposiccedilotildees satildeo (1) toda verdade passada deve ser necessaacuteria (2) uma impossibilidade natildeo

segue de uma possibilidade (3) algo que natildeo eacute verdade nem o seraacute eacute possiacutevel Diodoro observando essa

contradiccedilatildeo empregou a forccedila probativa dos dois primeiros para a demonstraccedilatildeo desta proposiccedilatildeo Que

nada que eacute nem seraacute verdade eacute possiacutevel (Cf Epicteto Diatribes 2191) 11

Floresceu por volta de 300 aC 12

Sobre o debate acerca das condicionais na Antiguidade falaremos brevemente adiante

317 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

teria escrito 705 livros 118 dos quais tratavam exclusivamente de loacutegica13

mas nenhum

deles nos chegou exceto em fragmentos Na verdade com exceccedilatildeo dos estoicos do

periacuteodo imperial romano todas as obras dos estoicos nos chegaram em fragmentos o

que gera a questatildeo das fontes que devem ser consultadas para o estudo da loacutegica estoica

sobre o que falaremos a seguir

1 Principais autores e fontes para o estudo da loacutegica estoica

Devido ao caraacuteter fragmentaacuterio das fontes antigas e ao fato destas fontes soacute terem sido

organizadas por volta do iniacutecio do seacuteculo XX por muito tempo natildeo se teve uma clara

noccedilatildeo sobre o que realmente eacute a loacutegica estoica Apenas em 1903 foi publicada uma obra

que agrupou e organizou o pensamento dos estoicos antigos o Stoicorum Veterum

Fragmenta14

trabalho monumental de Hans von Arnim que foi publicado entre 1903 e

1905 em trecircs volumes aos quais Maximilian Adler adicionou um quarto em 1924 com

os iacutendices15

A ausecircncia de evidecircncias reunidas e a incompreensatildeo sobre o que significam as

variaacuteveis da loacutegica estoica levaram comentadores importantes como Prantl e Zeller a

emitir juiacutezos bastante desfavoraacuteveis quanto a essa loacutegica Prantl chega a afirmar que

uma era como a heleniacutestica que designou Crisipo como o maior dos loacutegicos16

deveria

necessariamente ser decadente e corrompida (Prantl 1855 p 404) pois Crisipo natildeo

inventara absolutamente nada em loacutegica (Prantl 1855 p 408) asserccedilatildeo para qual como

observa Benson (1961 p 87) Prantl natildeo oferece qualquer evidecircncia Zeller (1880 p

123-4) aparentemente segue Prantl repetindo em linhas gerais as reflexotildees deste uacuteltimo

quanto agrave loacutegica estoica e natildeo oferecendo igualmente qualquer evidecircncia como suporte

ao seu juiacutezo

O passo inicial para a redescoberta da loacutegica estoica deu-se anos depois com Peirce

(1931-1934 volume 3 p279-280)17

que foi o primeiro a notar que a noccedilatildeo de

13

E sete destes tratavam do Argumento do Mentiroso Cf Dioacutegenes Laeacutercio Vida dos Filoacutesofos Ilustres

7180 14

Doravante SVF 15

Estas obras estatildeo disponiacuteveis para download em

httpptwikipediaorgwikiStoicorum_Veterum_Fragmenta 16

Clemente de Alexandria observa que entre os loacutegicos o mestre eacute Crisipo como entre os poetas

Homero (Stromata vii 16) Dioacutegenes Laeacutercio por sua vez afirma que ldquoSe os Deuses usassem a dialeacutetica

eles natildeo usariam nenhuma outra senatildeo a de Crisipordquo (Vida dos Filoacutesofos Ilustres 7180) 17

Em um texto de 1898 presente na obra citada referindo-se agrave controveacutersia das condicionais Peirce

declara-se philocircnico Diz-nos ele Cicero informs us that in his time there was a famous controversy

between two logicians Philo and Diodorus as to the signification of conditional propositions Philo held

318 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

implicaccedilatildeo do megaacuterico Philo coincidia com a contemporacircnea noccedilatildeo de implicaccedilatildeo

material e que o debate das condicionais que ocorrera no periacuteodo heleniacutestico

correspondia ao que transcorria em sua proacutepria eacutepoca

Entretanto soacute em 1927 a loacutegica estoica foi propriamente redescoberta e esse feito se

deve ao loacutegico polonecircs Lukasiewicz (1970) que percebeu que os estoicos anteciparam

natildeo somente questotildees relativas agrave implicaccedilatildeo mas muitos outros pontos concernentes agrave

loacutegica moderna Lukasiewicz (1970 p 199) foi o primeiro a compreender que

enquanto na loacutegica aristoteacutelica as variaacuteveis devem ser substituiacutedas por termos na

estoica elas devem ser substituiacutedas por proposiccedilotildees Em outras palavras Lukasiewicz

compreendeu que a loacutegica estoica eacute na verdade uma loacutegica proposicional similar em

muitos aspectos agrave contemporacircnea A partir daiacute sucederam-se os estudos sobre a loacutegica

estoica sendo que os principais que nortearatildeo nosso trabalho satildeo aqueles de Benson

Mates Suzanne Bobzien Kneale amp Kneale e Long amp Sedley18

Voltemo-nos agrave questatildeo relativa agraves fontes antigas Como dito acima natildeo nos chegaram

obras completas dos antigos estoicos e os manuais de loacutegica estoica que circulavam

entatildeo19

haacute muito se perderam com exceccedilatildeo de fragmentos muitos dos quais em obras

de opositores dos estoicos

Nossa principal fonte eacute indubitavelmente Sexto Empiacuterico20

do qual nos chegaram duas

obras Esboccedilos de Pirronismo21

em trecircs livros (doravante HP) e Contra os

Matemaacuteticos22

(doravante AM) Sexto eacute o uacutenico comentador antigo que demonstra real

compreensatildeo da loacutegica estoica chegando a nos informar sobre discussotildees e debates

sobre a loacutegica entre os proacuteprios estoicos Nossa segunda melhor fonte eacute Dioacutegenes

Laeacutercio em sua obra Vida dos Filoacutesofos Ilustres (doravante DL) Laeacutercio posterior a

Sexto jaacute que o menciona (DL 9116) cita verbatim trechos de um manual de loacutegica de

certo Diocles de Magneacutesia estudioso acerca do qual natildeo temos qualquer outra

that the proposition if it is lightening it will thunder was true if it is not lightening or if it will thunder

and was only false if it is lightening but will not thunder Diodorus objected to this Either the ancient

reporters or he himself failed to make out precisely what was in his mind and though there have been

many virtual Diodorans since none of them have been able to state their position clearly without making

it too foolish Most of the strong logicians have been Philonians and most of the weak ones have been

Diodorans For my part I am a Philonian but I do not think that justice has ever been done to the

Diodoran side of the question The Diodoran vaguely feels that there is something wrong about the

statement that the proposition If it is lightening it will thunder can be made true merely by its not

lighteningrdquo 18

Cf referecircncias bibliograacuteficas 19

As Introduccedilotildees agrave Loacutegica (Eisagōgḗ Dialektikḗ) 20

Meacutedico grego e ceacutetico que viveu aproximadamente entre 160 e 210 dC 21

HP trata da loacutegica estoica sobretudo no livro 2 22

AM trata da loacutegica estoica sobretudo no livro 8

319 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

informaccedilatildeo fora da obra de Laeacutercio23

Haacute tambeacutem referecircncias agrave loacutegica estoica na obra

de Galeno24

Seus comentaacuterios sobre a loacutegica estoica aparecem sobretudo em suas obras

Historia Philosopha e Institutio Logica Esta uacuteltima obra eacute atribuiacuteda a Galeno no

manuscrito atribuiccedilatildeo entretanto agraves vezes posta em duacutevida25

Temos ainda referecircncias

e informaccedilotildees sobre a loacutegica estoica em Ciacutecero26

Aulo Geacutelio27

Apuleio28

Alexandre de

Afrodiacutesias29

Temiacutestio30

Boeacutecio31

Amocircnio32

Simpliacutecio33

e Filopono34

2 Divisatildeo estoica da Loacutegica

Dioacutegenes Laeacutercio (741-4) nos informa que os estoicos natildeo tem uma concepccedilatildeo

unificada sobre a divisatildeo da loacutegica Alguns a dividem em duas ciecircncias retoacuterica e

dialeacutetica outros em um ramo concernente agraves definiccedilotildees e outro aos criteacuterios haacute

tambeacutem os que eliminam o ramo relativo agraves definiccedilotildees Laeacutercio nos apresenta a

definiccedilatildeo estoica de retoacuterica ciecircncia de bem falar em discursos contiacutenuos (DL

742535

) Quanto agrave dialeacutetica os estoicos a definem seja como ldquoo discorrer corretamente

acerca de discursos por meio de perguntas e repostasrdquo (DL 7425)36

seja como ldquoa

ciecircncia do verdadeiro do falso e de nenhum destesrdquo (DL 7425)37

A dialeacutetica por sua

vez divide-se assim

[] No toacutepico relativo aos significados e agraves vozes o toacutepico relativo

aos significados [se divide] no [toacutepico] acerca das representaccedilotildees e

dos diziacuteveis38

subjacentes a elas assertiacuteveis39

[diziacuteveis] completos

23

Cf DL 282 612 13 20 36 87 91 99 103 748 162 166 179 181 961 65 1012 24

Claacuteudio Galeno ou Eacutelio Galeno tambeacutem conhecido como Galeno de Peacutergamo viveu entre c 129 e c

217 foi famoso meacutedico e filoacutesofo romano de origem grega 25

A Institutio Logica apresenta uma curiosa siacutentese da loacutegica estoica e da peripateacutetica 26

Marco Tuacutelio Ciacutecero (3 de Janeiro de 106 aC mdash 7 de Dezembro de 43 aC) filoacutesofo orador escritor

advogado e poliacutetico romano 27

Aulo Geacutelio (125 - 180) autor da ceacutelebre obra Noites Aacuteticas 28

Luacutecio Apuleio (c 125 - c 170) escritor e filoacutesofo romano 29

Alexandre de Afrodiacutesias (fl c 198ndash209 dC) filoacutesofo peripateacutetico 30

Temiacutestio (c 317 - c 387) peripateacutetico tardio 31

Aniacutecio Macircnlio Torquato Severino Boeacutecio (c 480 mdash 524 ou 525) filoacutesofo estadista e teoacutelogo romano

famoso por sua traduccedilatildeo comentada da Isagogḗ de Porfiacuterio 32

Amocircnio Sacas (175 mdash 242) filoacutesofo grego neoplatocircnico alexandrino 33

Simpliacutecio (c 490 ndash c 560) filoacutesofo neoplatocircnico bizantino 34

Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) ou Joatildeo o Gramaacutetico filoacutesofo neoplatocircnico cristatildeo 35

τήν τε ῥητορικὴν ἐπιστήμην οὖσαν τοῦ εὖ λέγειν περὶ τῶν ἐν διεξόδῳ λόγων Quanto agrave concepccedilatildeo de

Crisipo acerca da retoacuterica cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos Estoicos 1047 a-b (= SVF 2297-8) 36

καὶ τὴν διαλεκτικὴν τοῦ ὀρθῶς διαλέγεσθαι περὶ τῶν ἐν ἐρωτήσει καὶ ἀποκρίσει λόγων Todos os

textos citados aqui do grego e do latim foram diretamente traduzidos por noacutes a partir dos idiomas em que

foram originalmente escritos 37

ἐπιστήμην ἀληθῶν καὶ ψευδῶν καὶ οὐδετέρων 38

Lektaacute (cf definiccedilatildeo abaixo) 39

Axiacuteōmata (cf definiccedilatildeo abaixo)

320 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

predicados e de semelhantes ativos e passivos gecircneros e espeacutecies e

igualmente tambeacutem de argumentos modos silogismos e sofismas

que dependem da voz e dos estados de coisas (DL 7435- 7441)40

Como vemos os estoicos incluem muito mais coisas do que atualmente se concebe

como fazendo parte da loacutegica Caber-nos-aacute aqui como dissemos acima apresentar os

princiacutepios do que denominaremos loacutegica proposicional estoica loacutegica cujas inferecircncias

tratam das relaccedilotildees entre entidades que tecircm a estrutura de proposiccedilotildees (os axiacuteōmata41

os portadores primaacuterios de valor de verdade) e que se divide em duas partes a teoria

dos axiacuteōmata e a teoria dos argumentos

Os estoicos consideram tal loacutegica indispensaacutevel para que o saacutebio (o filoacutesofo ideal) seja

infaliacutevel na argumentaccedilatildeo (DL 747-8 (= SVF 2130) 783 (= SVF 2130))42

Diferentemente de Aristoacuteteles e dos peripateacuteticos e com exceccedilatildeo do estoico Ariston43

estimam ser a loacutegica uma ciecircncia uma parte integrante da filosofia e natildeo mero estudo

propedecircutico agraves ciecircncias44

A concepccedilatildeo tradicional estoica da filosofia eacute tripartida loacutegica fiacutesica e eacutetica distinccedilatildeo

que Dioacutegenes atribui a Zenatildeo de Ciacutetio Crisipo de Solis Dioacutegenes da Babilocircnia45

e

Posidocircnio de Rhodes (DL 739-41)46

Os estoicos comparam a filosofia a um animal no

qual os ossos e tendotildees satildeo a loacutegica a eacutetica a carne e a fiacutesica a alma47

Alguns

estoicos dizem que nenhuma parte tem precedecircncia em relaccedilatildeo agrave outra Outros poreacutem

datildeo prioridade ao estudo da loacutegica seguido pelo estudo da fiacutesica e da eacutetica Segundo

40

Τὴν δὲ διαλεκτικὴν διαιρεῖσθαι εἴς τε τὸν περὶ τῶν σημαινομένων καὶ τῆς φωνῆς τόπον καὶ τὸν μὲν

τῶν σημαινομένων εἴς τε τὸν περὶ τῶν φαντασιῶν τόπον καὶ τῶν ἐκ τούτων ὑφισταμένων λεκτῶν

ἀξιωμάτων καὶ αὐτοτεe λῶν καὶ κατηγορημάτων καὶ τῶν ὁμοίων ὀρθῶν καὶ ὑπτίων καὶ γενῶν καὶ εἰδῶν

ὁμοίως δὲ καὶ λόγων καὶ τρόπων καὶ συλλογισμῶν καὶ τῶν παρὰ τὴν φωνὴν καὶ τὰ πράγματα

σοφισμάτων 41

Cf abaixo 42

Cf Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os Toacutepicos de Aristoacuteteles I 8-14 (= SVF 2124) Epicteto

Diatribes 4812 172-5 10 1177-8 22344-6 43

Ariston de Quios (fl c 260 aC) considerava que ao filoacutesofo cabia apenas estudar eacutetica (cf DL 7160-

1 = SVF 1351) 44

Amocircnio (Sobre os Primeiros Analiacuteticos de Aristoacuteteles 820-2 e 91-2 (= SVF 249)) observa que os

estoicos natildeo consideram a loacutegica como mero instrumento nem como mera sub-parte da filosofia mas

como uma parte primaacuteria desta 45

c 230 aCndashc 150140 aC 46

Crisipo e Eudromus (estoico de florescimento incerto) chamam tais partes de ldquoespeacuteciesrdquo Apolodoro de

Atenas de ldquotoacutepicosrdquo os outros de ldquogecircnerosrdquo Cleanto entretanto divide a filosofia em seis partes

dialeacutetica retoacuterica eacutetica poliacutetica fiacutesica teologia Outros ainda como Zenatildeo de Tarso (fl 200 aC) dizem

que a filosofia natildeo tem partes 47

Sexto observa que Posidocircnio apresenta concepccedilatildeo divergente comparando a fiacutesica agrave carne e a eacutetica agrave

alma (Cf AM 719 Posidocircnio frag 88) Os estoicos comparam tambeacutem as partes da filosofia a um ovo

do qual a casca seria a loacutegica a clara a eacutetica a gema a fiacutesica E ainda a um campo feacutertil do qual a

cerca seria a loacutegica a terra ou as aacutervores a fiacutesica e os frutos a eacutetica (DL 739-41) Long amp Sedley (1987

(1) p 25) observam que os estoicos inauguram a ideia de filosofia como sistema embora Xenoacutecrates

possa tecirc-los precedido com a divisatildeo tripartite (loacutegica eacutetica e fiacutesica)

321 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 739-41) professam essa concepccedilatildeo estoicos como Zenatildeo

Crisipo Arquedemo de Tarso48

e Eudromo49

Paneacutecio de Rhodes50

e Posidocircnio

comeccedilam pela fiacutesica Poreacutem com a jaacute mencionada exceccedilatildeo de Ariston de Quios todos

os estoicos consideram fundamental o estudo da loacutegica A seguinte diatribe de Epicteto

ilustra a importacircncia que os estoicos datildeo aos estudos loacutegicos

(1) Quando algum dos presentes indagou ndash Persuade-me que a loacutegica

eacute uacutetil ndash Queres disse Epicteto que te demonstre isso (2) ndash Sim ndash

Portanto eacute-me preciso selecionar um argumento demonstrativo

Quando o outro concordou ltEpicteto dissegt ndash E como saberaacutes se eu

te apresentar um sofisma (3) Quando o homem se calou Epicteto

disse ndash Vecircs como tu mesmo concordas que a loacutegica eacute necessaacuteria jaacute

que sem ela natildeo eacute possiacutevel saber se eacute necessaacuteria ou natildeo (Epicteto

Diatribes 225)51

3 Lektoacuten

A primeira noccedilatildeo que precisa ser esclarecida ao tratarmos dos axiacuteōmata da loacutegica

estoica eacute a de lektoacuten Este termo eacute adjetivo verbal de leacutegō (falar) e significa ldquoo

exprimiacutevelrdquo ldquoo diziacutevelrdquo ldquoo significadordquo Dioacutegenes Laeacutercio quanto ao conceito de

lektoacuten diz-nos

A voz difere da fala porque a voz eacute tambeacutem som mas somente a fala

eacute articulada E a fala difere da linguagem porque a linguagem tem

significado mas a fala eacute tambeacutem sem significado como blituri

enquanto a linguagem jamais Difere tambeacutem o dizer do proferir Pois

as vozes satildeo proferidas mas as coisas que satildeo afinal lektaacute satildeo ditas

(DL 7574)52

Sexto Empiacuterico por sua vez informa-nos que

48

Floresceu em 140 aC 49

Florescimento incerto 50

c 185 aC - c 11009 aC 51

Diatribe intitulada ldquoQuatildeo necessaacuteria eacute a loacutegicardquo Τῶν παρόντων δέ τινος εἰπόντος Πεῖσόν με ὅτι τὰ

λογικὰ χρήσιμά ἐστιν Θέλεις ἔφη ἀποδείξω σοι τοῦτο (2) ndash Ναί ndash Οὐκοῦν λόγον μ

ἀποδεικτικὸν διαλεχθῆναι δεῖ ndash Ὁμολογήσαντος δὲ Πόθεν οὖν εἴσῃ ἄν σε (3) σοφίσωμαι ndash

Σιωπήσαντος δὲ τοῦ ἀνθρώπου Ὁρᾷς ἔφη πῶς αὐτὸς ὁμολογεῖς ὅτι ταῦτα ἀναγκαῖά ἐστιν εἰ χωρὶς

αὐτῶν οὐδ αὐτὸ τοῦτο δύνασαι μαθεῖν πότερον ἀναγκαῖα ἢ οὐκ ἀναγκαῖά ἐστιν 52

διαφέρει δὲ φωνὴ καὶ λέξις ὅτι φωνὴ μὲν καὶ ὁ ἦχός ἐστι λέξις δὲ τὸ ἔναρθρον μόνον λέξις δὲ λόγου

διαφέρει ὅτι λόγος ἀεὶ σημαντικός ἐστι λέξις δὲ καὶ ἀσήμαντος ὡς ἡ βλίτυρι λόγος δὲ οὐδαμῶς

διαφέρει δὲ καὶ τὸ λέγειν τοῦ προφέρεσθαι προφέρονται μὲν γὰρ αἱ φωναί λέγεται δὲ τὰ πράγματα ἃ δὴ

καὶ λεκτὰ τυγχάνει

322 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Havia tambeacutem outro desacordo entre eles [os filoacutesofos] segundo o

qual alguns sustentaram que o verdadeiro e o falso [eacute] acerca do

significado outros acerca da fala outros ainda acerca do movimento

do pensamento E os [filoacutesofos] do Poacutertico defenderam a primeira

opiniatildeo dizendo que trecircs coisas unem-se umas agraves outras o significado

(toacute sēmainoacutemenon) o signo (toacute sēmaicircnon) e que eacute o caso (toacute

tynchaacutenon) dos quais o que significa eacute a voz (como por exemplo

ldquoDionrdquo) e o significado a coisa mesma evidenciada pela voz que

recebemos subsistindo em nosso pensamento (mas os baacuterbaros

embora ouvindo a voz natildeo a compreendem) O que eacute o caso eacute o

substrato exterior como o proacuteprio Dion Por um lado dois desses satildeo

corpos a voz e o que ocorre Mas um eacute incorpoacutereo a coisa

significada ie o diziacutevel (lektoacuten) que eacute ou verdadeiro ou falso (AM

8115-1210 8111 (= SVF 2166))53

Sexto Empiacuterico informa-nos ainda a definiccedilatildeo estoica de lektoacuten segundo a qual este eacute

ldquoo que subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional (phantasiacutea logikḗ) e a

representaccedilatildeo racional aquela segundo a qual o que eacute representado eacute por palavras

apresentado [agrave mente]rdquo (AM 870 (= SVF 2187))54

Assim vemos que os estoicos distinguem trecircs acircmbitos da linguagem o signo o

significado e o objeto exterior O signo diremos em terminologia moderna tem uma

conotaccedilatildeo (um sentido ou uma intensatildeo) e uma denotaccedilatildeo (ou extensatildeo) Tanto o signo

quanto sua extensatildeo (o que ocorre a realidade exterior) satildeo corpoacutereos enquanto o

lektoacuten (o diziacutevel ou o sentido do signo55

) eacute incorpoacutereo O incorpoacutereo por sua vez

subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional Natildeo cabe aqui um estudo detalhado sobre

a noccedilatildeo de corpoacutereo e incorpoacutereo no sistema estoico mas contentar-nos-emos em dizer

que de acordo com a tinologia estoica56

haacute trecircs categorias fundamentais para as coisas

existentes57

(1) algo existente ou corpoacutereo (2) algo inexistente ou incorpoacutereo (3) natildeo-

algo As coisas materiais se encaixam na categoria (1) na categoria (2) temos o tempo

53

ἦν δὲ καὶ ἄλλη τις παρὰ τούτοις διάστασις καθἣν οἱ μὲν περὶ τῷ σημαινομένῳ τὸ ἀληθές τε καὶ

ψεῦδος ὑπεστήσαντο οἱ δὲ περὶ τῇ φωνῇ οἱ δὲ περὶ τῇ κινήσει τῆςδιανοίας καὶ δὴ τῆς μὲν πρώτης δόξης

προεστήκασιν οἱ ἀπὸ τῆς Στοᾶς τρία φάμενοι συζυγεῖν ἀλλήλοις τό τε σημαινόμενον καὶ τὸ σημαῖνον

καὶ τὸ τυγχάνον ὧν σημαῖνον μὲν εἶναι τὴν φωνήν οἷον τὴν Δίων σημαινόμενον δὲ αὐτὸ τὸ πρᾶγμα τὸ

ὑπαὐτῆς δηλούμενον καὶ οὗ ἡμεῖς μὲν ἀντιλαμβανόμεθα τῇ ἡμετέρᾳ παρυφισταμένου διανοίᾳ οἱ δὲ

βάρβαροι οὐκ ἐπαΐουσι καίπερ τῆς φωνῆς ἀκούοντες τυγχάνον δὲ τὸ ἐκτὸς ὑποκείμενον ὥσπερ αὐτὸς ὁ

Δίων τούτων δὲ δύο μὲν εἶναι σώματα καθάπερ τὴν φωνὴν καὶ τὸ τυγχάνον ἓν δὲ ἀσώματον ὥσπερ τὸ

σημαινόμενον πρᾶγμα καὶ λεκτόν ὅπερ ἀληθές τε γίνεται ἢ ἢ ψεῦδος 54

λεκτὸν δὲ ὑπάρχειν φασὶ τὸ κατὰ λογικὴν φαντασίαν ὑφιστάμενον λογικὴν δὲ εἶναι φαντασίαν καθ ἣν

τὸ φαντασθὲν ἔστι λόγῳ παραστῆσαι 55

Bobzien diz-nos que ldquoos lektaacute satildeo os sentidos subjacentes a tudo o que pensamos ou dizemos

subjazendo a toda representaccedilatildeo racional que tenhamos e subsistem mesmo quando ningueacutem pensa neles

ou os pronunciardquo (Bobzien 2003 p 86) 56

O termo tinologia refere-se ao fato de que os estoicos ao contraacuterio de Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo elegem

o ser como categoria uacuteltima do real mas o algo (ti) ndash cf Areas 2012 57

Por exemplo Secircneca Ad Lucilium 5813-15 (= SVF 2332) Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os

Toacutepicos de Aristoacuteteles 301 19-25 (= SVF 2329)

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 2: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

316 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Escola Megaacuterica foi fundada por Euclides de Meacutegara4 que teve alunos como Eubuacutelides

de Mileto5 autor de sete ceacutelebres paradoxos loacutegicos

6 e Trasiacutemaco de Corinto professor

de Stilpo7 ceacutelebre professor do fundador do estoicismo Zenatildeo de Ciacutetio

8 Eubuacutelides

por seu turno teve como alunos Apolocircnio Crono Diodoro Crono9 autor do ceacutelebre

Argumento Mestre10

e que teria formulado argumentos contra o movimento (Cf Sexto

Empiacuterico Adversus Mathematicos 1085) e Philo o Dialeacutetico11

Diodoro e Philo

debateram questotildees relativas agrave modalidade loacutegica e agraves condicionais12

sobre o que

tinham visotildees distintas e contrastantes De forma sinteacutetica podemos atribuir aos

megaacutericos (i) a invenccedilatildeo de paradoxos (ii) o exame da questatildeo da modalidade loacutegica e

(iii) a criaccedilatildeo do debate sobre as condicionais (Kneale amp Kneale 1962 p 114) Desse

debate como veremos agrave frente participou Crisipo o segundo fundador do estoicismo

sem o qual afirma Dioacutegenes Laeacutercio (Vida dos Filoacutesofos Ilustres 7183) natildeo haveria

estoicismo Crisipo a quem como notamos acima atribui-se a criaccedilatildeo da loacutegica estoica

Dioacutegenes Laeacutercio nos diz que Crisipo adquiriu tamanho reconhecimento como loacutegico que a opiniatildeo geral

naqueles tempos era que se os deuses usassem loacutegica usariam a de Crisipo (Vida dos Filoacutesofos Ilustres

7180 = SVF 21) 4 Viveu aproximadamente entre 435 aC ndash 365 aC

5 Viveu no seacuteculo IV a C

6 Cf Dioacutegenes Laeacutercio Vida dos Filoacutesofos Ilustres 2108 Satildeo eles

-O Paradoxo do Mentiroso Algueacutem diz ldquoO que digo agora eacute uma mentirardquo Se a proposiccedilatildeo eacute verdadeira

ele estaacute mentindo Se eacute falsa ele natildeo estaacute mentindo Logo se diz a verdade estaacute mentindo se estaacute

mentindo diz a verdade

-O Paradoxo do Mascarado ldquoConheces este mascaradordquo ldquoNatildeordquo ldquoEle eacute o teu pai Logo natildeo conheces o

teu proacuteprio pairdquo

-O paradoxo de Electra Electra natildeo sabe que o homem que se aproxima eacute seu irmatildeo Orestes Mas

Electra conhece seu irmatildeo Conhece entatildeo Electra o homem que se aproxima

-O Paradoxo do ignorado Algueacutem ignora quem se aproxima dele e o trata como um estranho O homem eacute

seu pai Aquele entatildeo ignora quem seja seu proacuteprio pai e o trata como um estranho

-O paradoxo do Sorites Um uacutenico gratildeo natildeo eacute um monte Nem a adiccedilatildeo de um soacute gratildeo eacute o suficiente para

transformar um tanto de areia num monte Mas sabemos que adicionando-se gratildeos um a um em algum

momento teremos um monte

-O Paradoxo do Careca um homem com muitos cabelos na cabeccedila natildeo eacute careca Nem a supressatildeo de um

fio de cabelo o tornaraacute careca Mas se arrancarmos seus fios de cabelo um a um eventualmente ele ficaraacute

careca

-O paradoxo dos Chifres ldquoO que natildeo perdeste ainda tens Natildeo perdeste teus chifres Logo ainda os tensrdquo 7 Que viveu aproximadamente entre 360 aC e 280 aC

8 Que viveu aproximadamente entre 334 aC e 262 aC

9 Falecido aproximadamente em 284 aC Zenatildeo de Ciacutetio teria sido tambeacutem aluno de Diodoro Crono (Cf

Plutarco Das Contradiccedilotildees dos Estoicos 1034 e) 10

O argumento chamado Mestre parece ter sido proposto a partir de princiacutepios como os tais haacute de fato

uma contradiccedilatildeo comum entre uma e outra nestas trecircs proposiccedilotildees cada par em contradiccedilatildeo com a

terceira As proposiccedilotildees satildeo (1) toda verdade passada deve ser necessaacuteria (2) uma impossibilidade natildeo

segue de uma possibilidade (3) algo que natildeo eacute verdade nem o seraacute eacute possiacutevel Diodoro observando essa

contradiccedilatildeo empregou a forccedila probativa dos dois primeiros para a demonstraccedilatildeo desta proposiccedilatildeo Que

nada que eacute nem seraacute verdade eacute possiacutevel (Cf Epicteto Diatribes 2191) 11

Floresceu por volta de 300 aC 12

Sobre o debate acerca das condicionais na Antiguidade falaremos brevemente adiante

317 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

teria escrito 705 livros 118 dos quais tratavam exclusivamente de loacutegica13

mas nenhum

deles nos chegou exceto em fragmentos Na verdade com exceccedilatildeo dos estoicos do

periacuteodo imperial romano todas as obras dos estoicos nos chegaram em fragmentos o

que gera a questatildeo das fontes que devem ser consultadas para o estudo da loacutegica estoica

sobre o que falaremos a seguir

1 Principais autores e fontes para o estudo da loacutegica estoica

Devido ao caraacuteter fragmentaacuterio das fontes antigas e ao fato destas fontes soacute terem sido

organizadas por volta do iniacutecio do seacuteculo XX por muito tempo natildeo se teve uma clara

noccedilatildeo sobre o que realmente eacute a loacutegica estoica Apenas em 1903 foi publicada uma obra

que agrupou e organizou o pensamento dos estoicos antigos o Stoicorum Veterum

Fragmenta14

trabalho monumental de Hans von Arnim que foi publicado entre 1903 e

1905 em trecircs volumes aos quais Maximilian Adler adicionou um quarto em 1924 com

os iacutendices15

A ausecircncia de evidecircncias reunidas e a incompreensatildeo sobre o que significam as

variaacuteveis da loacutegica estoica levaram comentadores importantes como Prantl e Zeller a

emitir juiacutezos bastante desfavoraacuteveis quanto a essa loacutegica Prantl chega a afirmar que

uma era como a heleniacutestica que designou Crisipo como o maior dos loacutegicos16

deveria

necessariamente ser decadente e corrompida (Prantl 1855 p 404) pois Crisipo natildeo

inventara absolutamente nada em loacutegica (Prantl 1855 p 408) asserccedilatildeo para qual como

observa Benson (1961 p 87) Prantl natildeo oferece qualquer evidecircncia Zeller (1880 p

123-4) aparentemente segue Prantl repetindo em linhas gerais as reflexotildees deste uacuteltimo

quanto agrave loacutegica estoica e natildeo oferecendo igualmente qualquer evidecircncia como suporte

ao seu juiacutezo

O passo inicial para a redescoberta da loacutegica estoica deu-se anos depois com Peirce

(1931-1934 volume 3 p279-280)17

que foi o primeiro a notar que a noccedilatildeo de

13

E sete destes tratavam do Argumento do Mentiroso Cf Dioacutegenes Laeacutercio Vida dos Filoacutesofos Ilustres

7180 14

Doravante SVF 15

Estas obras estatildeo disponiacuteveis para download em

httpptwikipediaorgwikiStoicorum_Veterum_Fragmenta 16

Clemente de Alexandria observa que entre os loacutegicos o mestre eacute Crisipo como entre os poetas

Homero (Stromata vii 16) Dioacutegenes Laeacutercio por sua vez afirma que ldquoSe os Deuses usassem a dialeacutetica

eles natildeo usariam nenhuma outra senatildeo a de Crisipordquo (Vida dos Filoacutesofos Ilustres 7180) 17

Em um texto de 1898 presente na obra citada referindo-se agrave controveacutersia das condicionais Peirce

declara-se philocircnico Diz-nos ele Cicero informs us that in his time there was a famous controversy

between two logicians Philo and Diodorus as to the signification of conditional propositions Philo held

318 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

implicaccedilatildeo do megaacuterico Philo coincidia com a contemporacircnea noccedilatildeo de implicaccedilatildeo

material e que o debate das condicionais que ocorrera no periacuteodo heleniacutestico

correspondia ao que transcorria em sua proacutepria eacutepoca

Entretanto soacute em 1927 a loacutegica estoica foi propriamente redescoberta e esse feito se

deve ao loacutegico polonecircs Lukasiewicz (1970) que percebeu que os estoicos anteciparam

natildeo somente questotildees relativas agrave implicaccedilatildeo mas muitos outros pontos concernentes agrave

loacutegica moderna Lukasiewicz (1970 p 199) foi o primeiro a compreender que

enquanto na loacutegica aristoteacutelica as variaacuteveis devem ser substituiacutedas por termos na

estoica elas devem ser substituiacutedas por proposiccedilotildees Em outras palavras Lukasiewicz

compreendeu que a loacutegica estoica eacute na verdade uma loacutegica proposicional similar em

muitos aspectos agrave contemporacircnea A partir daiacute sucederam-se os estudos sobre a loacutegica

estoica sendo que os principais que nortearatildeo nosso trabalho satildeo aqueles de Benson

Mates Suzanne Bobzien Kneale amp Kneale e Long amp Sedley18

Voltemo-nos agrave questatildeo relativa agraves fontes antigas Como dito acima natildeo nos chegaram

obras completas dos antigos estoicos e os manuais de loacutegica estoica que circulavam

entatildeo19

haacute muito se perderam com exceccedilatildeo de fragmentos muitos dos quais em obras

de opositores dos estoicos

Nossa principal fonte eacute indubitavelmente Sexto Empiacuterico20

do qual nos chegaram duas

obras Esboccedilos de Pirronismo21

em trecircs livros (doravante HP) e Contra os

Matemaacuteticos22

(doravante AM) Sexto eacute o uacutenico comentador antigo que demonstra real

compreensatildeo da loacutegica estoica chegando a nos informar sobre discussotildees e debates

sobre a loacutegica entre os proacuteprios estoicos Nossa segunda melhor fonte eacute Dioacutegenes

Laeacutercio em sua obra Vida dos Filoacutesofos Ilustres (doravante DL) Laeacutercio posterior a

Sexto jaacute que o menciona (DL 9116) cita verbatim trechos de um manual de loacutegica de

certo Diocles de Magneacutesia estudioso acerca do qual natildeo temos qualquer outra

that the proposition if it is lightening it will thunder was true if it is not lightening or if it will thunder

and was only false if it is lightening but will not thunder Diodorus objected to this Either the ancient

reporters or he himself failed to make out precisely what was in his mind and though there have been

many virtual Diodorans since none of them have been able to state their position clearly without making

it too foolish Most of the strong logicians have been Philonians and most of the weak ones have been

Diodorans For my part I am a Philonian but I do not think that justice has ever been done to the

Diodoran side of the question The Diodoran vaguely feels that there is something wrong about the

statement that the proposition If it is lightening it will thunder can be made true merely by its not

lighteningrdquo 18

Cf referecircncias bibliograacuteficas 19

As Introduccedilotildees agrave Loacutegica (Eisagōgḗ Dialektikḗ) 20

Meacutedico grego e ceacutetico que viveu aproximadamente entre 160 e 210 dC 21

HP trata da loacutegica estoica sobretudo no livro 2 22

AM trata da loacutegica estoica sobretudo no livro 8

319 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

informaccedilatildeo fora da obra de Laeacutercio23

Haacute tambeacutem referecircncias agrave loacutegica estoica na obra

de Galeno24

Seus comentaacuterios sobre a loacutegica estoica aparecem sobretudo em suas obras

Historia Philosopha e Institutio Logica Esta uacuteltima obra eacute atribuiacuteda a Galeno no

manuscrito atribuiccedilatildeo entretanto agraves vezes posta em duacutevida25

Temos ainda referecircncias

e informaccedilotildees sobre a loacutegica estoica em Ciacutecero26

Aulo Geacutelio27

Apuleio28

Alexandre de

Afrodiacutesias29

Temiacutestio30

Boeacutecio31

Amocircnio32

Simpliacutecio33

e Filopono34

2 Divisatildeo estoica da Loacutegica

Dioacutegenes Laeacutercio (741-4) nos informa que os estoicos natildeo tem uma concepccedilatildeo

unificada sobre a divisatildeo da loacutegica Alguns a dividem em duas ciecircncias retoacuterica e

dialeacutetica outros em um ramo concernente agraves definiccedilotildees e outro aos criteacuterios haacute

tambeacutem os que eliminam o ramo relativo agraves definiccedilotildees Laeacutercio nos apresenta a

definiccedilatildeo estoica de retoacuterica ciecircncia de bem falar em discursos contiacutenuos (DL

742535

) Quanto agrave dialeacutetica os estoicos a definem seja como ldquoo discorrer corretamente

acerca de discursos por meio de perguntas e repostasrdquo (DL 7425)36

seja como ldquoa

ciecircncia do verdadeiro do falso e de nenhum destesrdquo (DL 7425)37

A dialeacutetica por sua

vez divide-se assim

[] No toacutepico relativo aos significados e agraves vozes o toacutepico relativo

aos significados [se divide] no [toacutepico] acerca das representaccedilotildees e

dos diziacuteveis38

subjacentes a elas assertiacuteveis39

[diziacuteveis] completos

23

Cf DL 282 612 13 20 36 87 91 99 103 748 162 166 179 181 961 65 1012 24

Claacuteudio Galeno ou Eacutelio Galeno tambeacutem conhecido como Galeno de Peacutergamo viveu entre c 129 e c

217 foi famoso meacutedico e filoacutesofo romano de origem grega 25

A Institutio Logica apresenta uma curiosa siacutentese da loacutegica estoica e da peripateacutetica 26

Marco Tuacutelio Ciacutecero (3 de Janeiro de 106 aC mdash 7 de Dezembro de 43 aC) filoacutesofo orador escritor

advogado e poliacutetico romano 27

Aulo Geacutelio (125 - 180) autor da ceacutelebre obra Noites Aacuteticas 28

Luacutecio Apuleio (c 125 - c 170) escritor e filoacutesofo romano 29

Alexandre de Afrodiacutesias (fl c 198ndash209 dC) filoacutesofo peripateacutetico 30

Temiacutestio (c 317 - c 387) peripateacutetico tardio 31

Aniacutecio Macircnlio Torquato Severino Boeacutecio (c 480 mdash 524 ou 525) filoacutesofo estadista e teoacutelogo romano

famoso por sua traduccedilatildeo comentada da Isagogḗ de Porfiacuterio 32

Amocircnio Sacas (175 mdash 242) filoacutesofo grego neoplatocircnico alexandrino 33

Simpliacutecio (c 490 ndash c 560) filoacutesofo neoplatocircnico bizantino 34

Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) ou Joatildeo o Gramaacutetico filoacutesofo neoplatocircnico cristatildeo 35

τήν τε ῥητορικὴν ἐπιστήμην οὖσαν τοῦ εὖ λέγειν περὶ τῶν ἐν διεξόδῳ λόγων Quanto agrave concepccedilatildeo de

Crisipo acerca da retoacuterica cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos Estoicos 1047 a-b (= SVF 2297-8) 36

καὶ τὴν διαλεκτικὴν τοῦ ὀρθῶς διαλέγεσθαι περὶ τῶν ἐν ἐρωτήσει καὶ ἀποκρίσει λόγων Todos os

textos citados aqui do grego e do latim foram diretamente traduzidos por noacutes a partir dos idiomas em que

foram originalmente escritos 37

ἐπιστήμην ἀληθῶν καὶ ψευδῶν καὶ οὐδετέρων 38

Lektaacute (cf definiccedilatildeo abaixo) 39

Axiacuteōmata (cf definiccedilatildeo abaixo)

320 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

predicados e de semelhantes ativos e passivos gecircneros e espeacutecies e

igualmente tambeacutem de argumentos modos silogismos e sofismas

que dependem da voz e dos estados de coisas (DL 7435- 7441)40

Como vemos os estoicos incluem muito mais coisas do que atualmente se concebe

como fazendo parte da loacutegica Caber-nos-aacute aqui como dissemos acima apresentar os

princiacutepios do que denominaremos loacutegica proposicional estoica loacutegica cujas inferecircncias

tratam das relaccedilotildees entre entidades que tecircm a estrutura de proposiccedilotildees (os axiacuteōmata41

os portadores primaacuterios de valor de verdade) e que se divide em duas partes a teoria

dos axiacuteōmata e a teoria dos argumentos

Os estoicos consideram tal loacutegica indispensaacutevel para que o saacutebio (o filoacutesofo ideal) seja

infaliacutevel na argumentaccedilatildeo (DL 747-8 (= SVF 2130) 783 (= SVF 2130))42

Diferentemente de Aristoacuteteles e dos peripateacuteticos e com exceccedilatildeo do estoico Ariston43

estimam ser a loacutegica uma ciecircncia uma parte integrante da filosofia e natildeo mero estudo

propedecircutico agraves ciecircncias44

A concepccedilatildeo tradicional estoica da filosofia eacute tripartida loacutegica fiacutesica e eacutetica distinccedilatildeo

que Dioacutegenes atribui a Zenatildeo de Ciacutetio Crisipo de Solis Dioacutegenes da Babilocircnia45

e

Posidocircnio de Rhodes (DL 739-41)46

Os estoicos comparam a filosofia a um animal no

qual os ossos e tendotildees satildeo a loacutegica a eacutetica a carne e a fiacutesica a alma47

Alguns

estoicos dizem que nenhuma parte tem precedecircncia em relaccedilatildeo agrave outra Outros poreacutem

datildeo prioridade ao estudo da loacutegica seguido pelo estudo da fiacutesica e da eacutetica Segundo

40

Τὴν δὲ διαλεκτικὴν διαιρεῖσθαι εἴς τε τὸν περὶ τῶν σημαινομένων καὶ τῆς φωνῆς τόπον καὶ τὸν μὲν

τῶν σημαινομένων εἴς τε τὸν περὶ τῶν φαντασιῶν τόπον καὶ τῶν ἐκ τούτων ὑφισταμένων λεκτῶν

ἀξιωμάτων καὶ αὐτοτεe λῶν καὶ κατηγορημάτων καὶ τῶν ὁμοίων ὀρθῶν καὶ ὑπτίων καὶ γενῶν καὶ εἰδῶν

ὁμοίως δὲ καὶ λόγων καὶ τρόπων καὶ συλλογισμῶν καὶ τῶν παρὰ τὴν φωνὴν καὶ τὰ πράγματα

σοφισμάτων 41

Cf abaixo 42

Cf Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os Toacutepicos de Aristoacuteteles I 8-14 (= SVF 2124) Epicteto

Diatribes 4812 172-5 10 1177-8 22344-6 43

Ariston de Quios (fl c 260 aC) considerava que ao filoacutesofo cabia apenas estudar eacutetica (cf DL 7160-

1 = SVF 1351) 44

Amocircnio (Sobre os Primeiros Analiacuteticos de Aristoacuteteles 820-2 e 91-2 (= SVF 249)) observa que os

estoicos natildeo consideram a loacutegica como mero instrumento nem como mera sub-parte da filosofia mas

como uma parte primaacuteria desta 45

c 230 aCndashc 150140 aC 46

Crisipo e Eudromus (estoico de florescimento incerto) chamam tais partes de ldquoespeacuteciesrdquo Apolodoro de

Atenas de ldquotoacutepicosrdquo os outros de ldquogecircnerosrdquo Cleanto entretanto divide a filosofia em seis partes

dialeacutetica retoacuterica eacutetica poliacutetica fiacutesica teologia Outros ainda como Zenatildeo de Tarso (fl 200 aC) dizem

que a filosofia natildeo tem partes 47

Sexto observa que Posidocircnio apresenta concepccedilatildeo divergente comparando a fiacutesica agrave carne e a eacutetica agrave

alma (Cf AM 719 Posidocircnio frag 88) Os estoicos comparam tambeacutem as partes da filosofia a um ovo

do qual a casca seria a loacutegica a clara a eacutetica a gema a fiacutesica E ainda a um campo feacutertil do qual a

cerca seria a loacutegica a terra ou as aacutervores a fiacutesica e os frutos a eacutetica (DL 739-41) Long amp Sedley (1987

(1) p 25) observam que os estoicos inauguram a ideia de filosofia como sistema embora Xenoacutecrates

possa tecirc-los precedido com a divisatildeo tripartite (loacutegica eacutetica e fiacutesica)

321 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 739-41) professam essa concepccedilatildeo estoicos como Zenatildeo

Crisipo Arquedemo de Tarso48

e Eudromo49

Paneacutecio de Rhodes50

e Posidocircnio

comeccedilam pela fiacutesica Poreacutem com a jaacute mencionada exceccedilatildeo de Ariston de Quios todos

os estoicos consideram fundamental o estudo da loacutegica A seguinte diatribe de Epicteto

ilustra a importacircncia que os estoicos datildeo aos estudos loacutegicos

(1) Quando algum dos presentes indagou ndash Persuade-me que a loacutegica

eacute uacutetil ndash Queres disse Epicteto que te demonstre isso (2) ndash Sim ndash

Portanto eacute-me preciso selecionar um argumento demonstrativo

Quando o outro concordou ltEpicteto dissegt ndash E como saberaacutes se eu

te apresentar um sofisma (3) Quando o homem se calou Epicteto

disse ndash Vecircs como tu mesmo concordas que a loacutegica eacute necessaacuteria jaacute

que sem ela natildeo eacute possiacutevel saber se eacute necessaacuteria ou natildeo (Epicteto

Diatribes 225)51

3 Lektoacuten

A primeira noccedilatildeo que precisa ser esclarecida ao tratarmos dos axiacuteōmata da loacutegica

estoica eacute a de lektoacuten Este termo eacute adjetivo verbal de leacutegō (falar) e significa ldquoo

exprimiacutevelrdquo ldquoo diziacutevelrdquo ldquoo significadordquo Dioacutegenes Laeacutercio quanto ao conceito de

lektoacuten diz-nos

A voz difere da fala porque a voz eacute tambeacutem som mas somente a fala

eacute articulada E a fala difere da linguagem porque a linguagem tem

significado mas a fala eacute tambeacutem sem significado como blituri

enquanto a linguagem jamais Difere tambeacutem o dizer do proferir Pois

as vozes satildeo proferidas mas as coisas que satildeo afinal lektaacute satildeo ditas

(DL 7574)52

Sexto Empiacuterico por sua vez informa-nos que

48

Floresceu em 140 aC 49

Florescimento incerto 50

c 185 aC - c 11009 aC 51

Diatribe intitulada ldquoQuatildeo necessaacuteria eacute a loacutegicardquo Τῶν παρόντων δέ τινος εἰπόντος Πεῖσόν με ὅτι τὰ

λογικὰ χρήσιμά ἐστιν Θέλεις ἔφη ἀποδείξω σοι τοῦτο (2) ndash Ναί ndash Οὐκοῦν λόγον μ

ἀποδεικτικὸν διαλεχθῆναι δεῖ ndash Ὁμολογήσαντος δὲ Πόθεν οὖν εἴσῃ ἄν σε (3) σοφίσωμαι ndash

Σιωπήσαντος δὲ τοῦ ἀνθρώπου Ὁρᾷς ἔφη πῶς αὐτὸς ὁμολογεῖς ὅτι ταῦτα ἀναγκαῖά ἐστιν εἰ χωρὶς

αὐτῶν οὐδ αὐτὸ τοῦτο δύνασαι μαθεῖν πότερον ἀναγκαῖα ἢ οὐκ ἀναγκαῖά ἐστιν 52

διαφέρει δὲ φωνὴ καὶ λέξις ὅτι φωνὴ μὲν καὶ ὁ ἦχός ἐστι λέξις δὲ τὸ ἔναρθρον μόνον λέξις δὲ λόγου

διαφέρει ὅτι λόγος ἀεὶ σημαντικός ἐστι λέξις δὲ καὶ ἀσήμαντος ὡς ἡ βλίτυρι λόγος δὲ οὐδαμῶς

διαφέρει δὲ καὶ τὸ λέγειν τοῦ προφέρεσθαι προφέρονται μὲν γὰρ αἱ φωναί λέγεται δὲ τὰ πράγματα ἃ δὴ

καὶ λεκτὰ τυγχάνει

322 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Havia tambeacutem outro desacordo entre eles [os filoacutesofos] segundo o

qual alguns sustentaram que o verdadeiro e o falso [eacute] acerca do

significado outros acerca da fala outros ainda acerca do movimento

do pensamento E os [filoacutesofos] do Poacutertico defenderam a primeira

opiniatildeo dizendo que trecircs coisas unem-se umas agraves outras o significado

(toacute sēmainoacutemenon) o signo (toacute sēmaicircnon) e que eacute o caso (toacute

tynchaacutenon) dos quais o que significa eacute a voz (como por exemplo

ldquoDionrdquo) e o significado a coisa mesma evidenciada pela voz que

recebemos subsistindo em nosso pensamento (mas os baacuterbaros

embora ouvindo a voz natildeo a compreendem) O que eacute o caso eacute o

substrato exterior como o proacuteprio Dion Por um lado dois desses satildeo

corpos a voz e o que ocorre Mas um eacute incorpoacutereo a coisa

significada ie o diziacutevel (lektoacuten) que eacute ou verdadeiro ou falso (AM

8115-1210 8111 (= SVF 2166))53

Sexto Empiacuterico informa-nos ainda a definiccedilatildeo estoica de lektoacuten segundo a qual este eacute

ldquoo que subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional (phantasiacutea logikḗ) e a

representaccedilatildeo racional aquela segundo a qual o que eacute representado eacute por palavras

apresentado [agrave mente]rdquo (AM 870 (= SVF 2187))54

Assim vemos que os estoicos distinguem trecircs acircmbitos da linguagem o signo o

significado e o objeto exterior O signo diremos em terminologia moderna tem uma

conotaccedilatildeo (um sentido ou uma intensatildeo) e uma denotaccedilatildeo (ou extensatildeo) Tanto o signo

quanto sua extensatildeo (o que ocorre a realidade exterior) satildeo corpoacutereos enquanto o

lektoacuten (o diziacutevel ou o sentido do signo55

) eacute incorpoacutereo O incorpoacutereo por sua vez

subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional Natildeo cabe aqui um estudo detalhado sobre

a noccedilatildeo de corpoacutereo e incorpoacutereo no sistema estoico mas contentar-nos-emos em dizer

que de acordo com a tinologia estoica56

haacute trecircs categorias fundamentais para as coisas

existentes57

(1) algo existente ou corpoacutereo (2) algo inexistente ou incorpoacutereo (3) natildeo-

algo As coisas materiais se encaixam na categoria (1) na categoria (2) temos o tempo

53

ἦν δὲ καὶ ἄλλη τις παρὰ τούτοις διάστασις καθἣν οἱ μὲν περὶ τῷ σημαινομένῳ τὸ ἀληθές τε καὶ

ψεῦδος ὑπεστήσαντο οἱ δὲ περὶ τῇ φωνῇ οἱ δὲ περὶ τῇ κινήσει τῆςδιανοίας καὶ δὴ τῆς μὲν πρώτης δόξης

προεστήκασιν οἱ ἀπὸ τῆς Στοᾶς τρία φάμενοι συζυγεῖν ἀλλήλοις τό τε σημαινόμενον καὶ τὸ σημαῖνον

καὶ τὸ τυγχάνον ὧν σημαῖνον μὲν εἶναι τὴν φωνήν οἷον τὴν Δίων σημαινόμενον δὲ αὐτὸ τὸ πρᾶγμα τὸ

ὑπαὐτῆς δηλούμενον καὶ οὗ ἡμεῖς μὲν ἀντιλαμβανόμεθα τῇ ἡμετέρᾳ παρυφισταμένου διανοίᾳ οἱ δὲ

βάρβαροι οὐκ ἐπαΐουσι καίπερ τῆς φωνῆς ἀκούοντες τυγχάνον δὲ τὸ ἐκτὸς ὑποκείμενον ὥσπερ αὐτὸς ὁ

Δίων τούτων δὲ δύο μὲν εἶναι σώματα καθάπερ τὴν φωνὴν καὶ τὸ τυγχάνον ἓν δὲ ἀσώματον ὥσπερ τὸ

σημαινόμενον πρᾶγμα καὶ λεκτόν ὅπερ ἀληθές τε γίνεται ἢ ἢ ψεῦδος 54

λεκτὸν δὲ ὑπάρχειν φασὶ τὸ κατὰ λογικὴν φαντασίαν ὑφιστάμενον λογικὴν δὲ εἶναι φαντασίαν καθ ἣν

τὸ φαντασθὲν ἔστι λόγῳ παραστῆσαι 55

Bobzien diz-nos que ldquoos lektaacute satildeo os sentidos subjacentes a tudo o que pensamos ou dizemos

subjazendo a toda representaccedilatildeo racional que tenhamos e subsistem mesmo quando ningueacutem pensa neles

ou os pronunciardquo (Bobzien 2003 p 86) 56

O termo tinologia refere-se ao fato de que os estoicos ao contraacuterio de Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo elegem

o ser como categoria uacuteltima do real mas o algo (ti) ndash cf Areas 2012 57

Por exemplo Secircneca Ad Lucilium 5813-15 (= SVF 2332) Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os

Toacutepicos de Aristoacuteteles 301 19-25 (= SVF 2329)

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 3: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

317 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

teria escrito 705 livros 118 dos quais tratavam exclusivamente de loacutegica13

mas nenhum

deles nos chegou exceto em fragmentos Na verdade com exceccedilatildeo dos estoicos do

periacuteodo imperial romano todas as obras dos estoicos nos chegaram em fragmentos o

que gera a questatildeo das fontes que devem ser consultadas para o estudo da loacutegica estoica

sobre o que falaremos a seguir

1 Principais autores e fontes para o estudo da loacutegica estoica

Devido ao caraacuteter fragmentaacuterio das fontes antigas e ao fato destas fontes soacute terem sido

organizadas por volta do iniacutecio do seacuteculo XX por muito tempo natildeo se teve uma clara

noccedilatildeo sobre o que realmente eacute a loacutegica estoica Apenas em 1903 foi publicada uma obra

que agrupou e organizou o pensamento dos estoicos antigos o Stoicorum Veterum

Fragmenta14

trabalho monumental de Hans von Arnim que foi publicado entre 1903 e

1905 em trecircs volumes aos quais Maximilian Adler adicionou um quarto em 1924 com

os iacutendices15

A ausecircncia de evidecircncias reunidas e a incompreensatildeo sobre o que significam as

variaacuteveis da loacutegica estoica levaram comentadores importantes como Prantl e Zeller a

emitir juiacutezos bastante desfavoraacuteveis quanto a essa loacutegica Prantl chega a afirmar que

uma era como a heleniacutestica que designou Crisipo como o maior dos loacutegicos16

deveria

necessariamente ser decadente e corrompida (Prantl 1855 p 404) pois Crisipo natildeo

inventara absolutamente nada em loacutegica (Prantl 1855 p 408) asserccedilatildeo para qual como

observa Benson (1961 p 87) Prantl natildeo oferece qualquer evidecircncia Zeller (1880 p

123-4) aparentemente segue Prantl repetindo em linhas gerais as reflexotildees deste uacuteltimo

quanto agrave loacutegica estoica e natildeo oferecendo igualmente qualquer evidecircncia como suporte

ao seu juiacutezo

O passo inicial para a redescoberta da loacutegica estoica deu-se anos depois com Peirce

(1931-1934 volume 3 p279-280)17

que foi o primeiro a notar que a noccedilatildeo de

13

E sete destes tratavam do Argumento do Mentiroso Cf Dioacutegenes Laeacutercio Vida dos Filoacutesofos Ilustres

7180 14

Doravante SVF 15

Estas obras estatildeo disponiacuteveis para download em

httpptwikipediaorgwikiStoicorum_Veterum_Fragmenta 16

Clemente de Alexandria observa que entre os loacutegicos o mestre eacute Crisipo como entre os poetas

Homero (Stromata vii 16) Dioacutegenes Laeacutercio por sua vez afirma que ldquoSe os Deuses usassem a dialeacutetica

eles natildeo usariam nenhuma outra senatildeo a de Crisipordquo (Vida dos Filoacutesofos Ilustres 7180) 17

Em um texto de 1898 presente na obra citada referindo-se agrave controveacutersia das condicionais Peirce

declara-se philocircnico Diz-nos ele Cicero informs us that in his time there was a famous controversy

between two logicians Philo and Diodorus as to the signification of conditional propositions Philo held

318 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

implicaccedilatildeo do megaacuterico Philo coincidia com a contemporacircnea noccedilatildeo de implicaccedilatildeo

material e que o debate das condicionais que ocorrera no periacuteodo heleniacutestico

correspondia ao que transcorria em sua proacutepria eacutepoca

Entretanto soacute em 1927 a loacutegica estoica foi propriamente redescoberta e esse feito se

deve ao loacutegico polonecircs Lukasiewicz (1970) que percebeu que os estoicos anteciparam

natildeo somente questotildees relativas agrave implicaccedilatildeo mas muitos outros pontos concernentes agrave

loacutegica moderna Lukasiewicz (1970 p 199) foi o primeiro a compreender que

enquanto na loacutegica aristoteacutelica as variaacuteveis devem ser substituiacutedas por termos na

estoica elas devem ser substituiacutedas por proposiccedilotildees Em outras palavras Lukasiewicz

compreendeu que a loacutegica estoica eacute na verdade uma loacutegica proposicional similar em

muitos aspectos agrave contemporacircnea A partir daiacute sucederam-se os estudos sobre a loacutegica

estoica sendo que os principais que nortearatildeo nosso trabalho satildeo aqueles de Benson

Mates Suzanne Bobzien Kneale amp Kneale e Long amp Sedley18

Voltemo-nos agrave questatildeo relativa agraves fontes antigas Como dito acima natildeo nos chegaram

obras completas dos antigos estoicos e os manuais de loacutegica estoica que circulavam

entatildeo19

haacute muito se perderam com exceccedilatildeo de fragmentos muitos dos quais em obras

de opositores dos estoicos

Nossa principal fonte eacute indubitavelmente Sexto Empiacuterico20

do qual nos chegaram duas

obras Esboccedilos de Pirronismo21

em trecircs livros (doravante HP) e Contra os

Matemaacuteticos22

(doravante AM) Sexto eacute o uacutenico comentador antigo que demonstra real

compreensatildeo da loacutegica estoica chegando a nos informar sobre discussotildees e debates

sobre a loacutegica entre os proacuteprios estoicos Nossa segunda melhor fonte eacute Dioacutegenes

Laeacutercio em sua obra Vida dos Filoacutesofos Ilustres (doravante DL) Laeacutercio posterior a

Sexto jaacute que o menciona (DL 9116) cita verbatim trechos de um manual de loacutegica de

certo Diocles de Magneacutesia estudioso acerca do qual natildeo temos qualquer outra

that the proposition if it is lightening it will thunder was true if it is not lightening or if it will thunder

and was only false if it is lightening but will not thunder Diodorus objected to this Either the ancient

reporters or he himself failed to make out precisely what was in his mind and though there have been

many virtual Diodorans since none of them have been able to state their position clearly without making

it too foolish Most of the strong logicians have been Philonians and most of the weak ones have been

Diodorans For my part I am a Philonian but I do not think that justice has ever been done to the

Diodoran side of the question The Diodoran vaguely feels that there is something wrong about the

statement that the proposition If it is lightening it will thunder can be made true merely by its not

lighteningrdquo 18

Cf referecircncias bibliograacuteficas 19

As Introduccedilotildees agrave Loacutegica (Eisagōgḗ Dialektikḗ) 20

Meacutedico grego e ceacutetico que viveu aproximadamente entre 160 e 210 dC 21

HP trata da loacutegica estoica sobretudo no livro 2 22

AM trata da loacutegica estoica sobretudo no livro 8

319 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

informaccedilatildeo fora da obra de Laeacutercio23

Haacute tambeacutem referecircncias agrave loacutegica estoica na obra

de Galeno24

Seus comentaacuterios sobre a loacutegica estoica aparecem sobretudo em suas obras

Historia Philosopha e Institutio Logica Esta uacuteltima obra eacute atribuiacuteda a Galeno no

manuscrito atribuiccedilatildeo entretanto agraves vezes posta em duacutevida25

Temos ainda referecircncias

e informaccedilotildees sobre a loacutegica estoica em Ciacutecero26

Aulo Geacutelio27

Apuleio28

Alexandre de

Afrodiacutesias29

Temiacutestio30

Boeacutecio31

Amocircnio32

Simpliacutecio33

e Filopono34

2 Divisatildeo estoica da Loacutegica

Dioacutegenes Laeacutercio (741-4) nos informa que os estoicos natildeo tem uma concepccedilatildeo

unificada sobre a divisatildeo da loacutegica Alguns a dividem em duas ciecircncias retoacuterica e

dialeacutetica outros em um ramo concernente agraves definiccedilotildees e outro aos criteacuterios haacute

tambeacutem os que eliminam o ramo relativo agraves definiccedilotildees Laeacutercio nos apresenta a

definiccedilatildeo estoica de retoacuterica ciecircncia de bem falar em discursos contiacutenuos (DL

742535

) Quanto agrave dialeacutetica os estoicos a definem seja como ldquoo discorrer corretamente

acerca de discursos por meio de perguntas e repostasrdquo (DL 7425)36

seja como ldquoa

ciecircncia do verdadeiro do falso e de nenhum destesrdquo (DL 7425)37

A dialeacutetica por sua

vez divide-se assim

[] No toacutepico relativo aos significados e agraves vozes o toacutepico relativo

aos significados [se divide] no [toacutepico] acerca das representaccedilotildees e

dos diziacuteveis38

subjacentes a elas assertiacuteveis39

[diziacuteveis] completos

23

Cf DL 282 612 13 20 36 87 91 99 103 748 162 166 179 181 961 65 1012 24

Claacuteudio Galeno ou Eacutelio Galeno tambeacutem conhecido como Galeno de Peacutergamo viveu entre c 129 e c

217 foi famoso meacutedico e filoacutesofo romano de origem grega 25

A Institutio Logica apresenta uma curiosa siacutentese da loacutegica estoica e da peripateacutetica 26

Marco Tuacutelio Ciacutecero (3 de Janeiro de 106 aC mdash 7 de Dezembro de 43 aC) filoacutesofo orador escritor

advogado e poliacutetico romano 27

Aulo Geacutelio (125 - 180) autor da ceacutelebre obra Noites Aacuteticas 28

Luacutecio Apuleio (c 125 - c 170) escritor e filoacutesofo romano 29

Alexandre de Afrodiacutesias (fl c 198ndash209 dC) filoacutesofo peripateacutetico 30

Temiacutestio (c 317 - c 387) peripateacutetico tardio 31

Aniacutecio Macircnlio Torquato Severino Boeacutecio (c 480 mdash 524 ou 525) filoacutesofo estadista e teoacutelogo romano

famoso por sua traduccedilatildeo comentada da Isagogḗ de Porfiacuterio 32

Amocircnio Sacas (175 mdash 242) filoacutesofo grego neoplatocircnico alexandrino 33

Simpliacutecio (c 490 ndash c 560) filoacutesofo neoplatocircnico bizantino 34

Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) ou Joatildeo o Gramaacutetico filoacutesofo neoplatocircnico cristatildeo 35

τήν τε ῥητορικὴν ἐπιστήμην οὖσαν τοῦ εὖ λέγειν περὶ τῶν ἐν διεξόδῳ λόγων Quanto agrave concepccedilatildeo de

Crisipo acerca da retoacuterica cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos Estoicos 1047 a-b (= SVF 2297-8) 36

καὶ τὴν διαλεκτικὴν τοῦ ὀρθῶς διαλέγεσθαι περὶ τῶν ἐν ἐρωτήσει καὶ ἀποκρίσει λόγων Todos os

textos citados aqui do grego e do latim foram diretamente traduzidos por noacutes a partir dos idiomas em que

foram originalmente escritos 37

ἐπιστήμην ἀληθῶν καὶ ψευδῶν καὶ οὐδετέρων 38

Lektaacute (cf definiccedilatildeo abaixo) 39

Axiacuteōmata (cf definiccedilatildeo abaixo)

320 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

predicados e de semelhantes ativos e passivos gecircneros e espeacutecies e

igualmente tambeacutem de argumentos modos silogismos e sofismas

que dependem da voz e dos estados de coisas (DL 7435- 7441)40

Como vemos os estoicos incluem muito mais coisas do que atualmente se concebe

como fazendo parte da loacutegica Caber-nos-aacute aqui como dissemos acima apresentar os

princiacutepios do que denominaremos loacutegica proposicional estoica loacutegica cujas inferecircncias

tratam das relaccedilotildees entre entidades que tecircm a estrutura de proposiccedilotildees (os axiacuteōmata41

os portadores primaacuterios de valor de verdade) e que se divide em duas partes a teoria

dos axiacuteōmata e a teoria dos argumentos

Os estoicos consideram tal loacutegica indispensaacutevel para que o saacutebio (o filoacutesofo ideal) seja

infaliacutevel na argumentaccedilatildeo (DL 747-8 (= SVF 2130) 783 (= SVF 2130))42

Diferentemente de Aristoacuteteles e dos peripateacuteticos e com exceccedilatildeo do estoico Ariston43

estimam ser a loacutegica uma ciecircncia uma parte integrante da filosofia e natildeo mero estudo

propedecircutico agraves ciecircncias44

A concepccedilatildeo tradicional estoica da filosofia eacute tripartida loacutegica fiacutesica e eacutetica distinccedilatildeo

que Dioacutegenes atribui a Zenatildeo de Ciacutetio Crisipo de Solis Dioacutegenes da Babilocircnia45

e

Posidocircnio de Rhodes (DL 739-41)46

Os estoicos comparam a filosofia a um animal no

qual os ossos e tendotildees satildeo a loacutegica a eacutetica a carne e a fiacutesica a alma47

Alguns

estoicos dizem que nenhuma parte tem precedecircncia em relaccedilatildeo agrave outra Outros poreacutem

datildeo prioridade ao estudo da loacutegica seguido pelo estudo da fiacutesica e da eacutetica Segundo

40

Τὴν δὲ διαλεκτικὴν διαιρεῖσθαι εἴς τε τὸν περὶ τῶν σημαινομένων καὶ τῆς φωνῆς τόπον καὶ τὸν μὲν

τῶν σημαινομένων εἴς τε τὸν περὶ τῶν φαντασιῶν τόπον καὶ τῶν ἐκ τούτων ὑφισταμένων λεκτῶν

ἀξιωμάτων καὶ αὐτοτεe λῶν καὶ κατηγορημάτων καὶ τῶν ὁμοίων ὀρθῶν καὶ ὑπτίων καὶ γενῶν καὶ εἰδῶν

ὁμοίως δὲ καὶ λόγων καὶ τρόπων καὶ συλλογισμῶν καὶ τῶν παρὰ τὴν φωνὴν καὶ τὰ πράγματα

σοφισμάτων 41

Cf abaixo 42

Cf Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os Toacutepicos de Aristoacuteteles I 8-14 (= SVF 2124) Epicteto

Diatribes 4812 172-5 10 1177-8 22344-6 43

Ariston de Quios (fl c 260 aC) considerava que ao filoacutesofo cabia apenas estudar eacutetica (cf DL 7160-

1 = SVF 1351) 44

Amocircnio (Sobre os Primeiros Analiacuteticos de Aristoacuteteles 820-2 e 91-2 (= SVF 249)) observa que os

estoicos natildeo consideram a loacutegica como mero instrumento nem como mera sub-parte da filosofia mas

como uma parte primaacuteria desta 45

c 230 aCndashc 150140 aC 46

Crisipo e Eudromus (estoico de florescimento incerto) chamam tais partes de ldquoespeacuteciesrdquo Apolodoro de

Atenas de ldquotoacutepicosrdquo os outros de ldquogecircnerosrdquo Cleanto entretanto divide a filosofia em seis partes

dialeacutetica retoacuterica eacutetica poliacutetica fiacutesica teologia Outros ainda como Zenatildeo de Tarso (fl 200 aC) dizem

que a filosofia natildeo tem partes 47

Sexto observa que Posidocircnio apresenta concepccedilatildeo divergente comparando a fiacutesica agrave carne e a eacutetica agrave

alma (Cf AM 719 Posidocircnio frag 88) Os estoicos comparam tambeacutem as partes da filosofia a um ovo

do qual a casca seria a loacutegica a clara a eacutetica a gema a fiacutesica E ainda a um campo feacutertil do qual a

cerca seria a loacutegica a terra ou as aacutervores a fiacutesica e os frutos a eacutetica (DL 739-41) Long amp Sedley (1987

(1) p 25) observam que os estoicos inauguram a ideia de filosofia como sistema embora Xenoacutecrates

possa tecirc-los precedido com a divisatildeo tripartite (loacutegica eacutetica e fiacutesica)

321 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 739-41) professam essa concepccedilatildeo estoicos como Zenatildeo

Crisipo Arquedemo de Tarso48

e Eudromo49

Paneacutecio de Rhodes50

e Posidocircnio

comeccedilam pela fiacutesica Poreacutem com a jaacute mencionada exceccedilatildeo de Ariston de Quios todos

os estoicos consideram fundamental o estudo da loacutegica A seguinte diatribe de Epicteto

ilustra a importacircncia que os estoicos datildeo aos estudos loacutegicos

(1) Quando algum dos presentes indagou ndash Persuade-me que a loacutegica

eacute uacutetil ndash Queres disse Epicteto que te demonstre isso (2) ndash Sim ndash

Portanto eacute-me preciso selecionar um argumento demonstrativo

Quando o outro concordou ltEpicteto dissegt ndash E como saberaacutes se eu

te apresentar um sofisma (3) Quando o homem se calou Epicteto

disse ndash Vecircs como tu mesmo concordas que a loacutegica eacute necessaacuteria jaacute

que sem ela natildeo eacute possiacutevel saber se eacute necessaacuteria ou natildeo (Epicteto

Diatribes 225)51

3 Lektoacuten

A primeira noccedilatildeo que precisa ser esclarecida ao tratarmos dos axiacuteōmata da loacutegica

estoica eacute a de lektoacuten Este termo eacute adjetivo verbal de leacutegō (falar) e significa ldquoo

exprimiacutevelrdquo ldquoo diziacutevelrdquo ldquoo significadordquo Dioacutegenes Laeacutercio quanto ao conceito de

lektoacuten diz-nos

A voz difere da fala porque a voz eacute tambeacutem som mas somente a fala

eacute articulada E a fala difere da linguagem porque a linguagem tem

significado mas a fala eacute tambeacutem sem significado como blituri

enquanto a linguagem jamais Difere tambeacutem o dizer do proferir Pois

as vozes satildeo proferidas mas as coisas que satildeo afinal lektaacute satildeo ditas

(DL 7574)52

Sexto Empiacuterico por sua vez informa-nos que

48

Floresceu em 140 aC 49

Florescimento incerto 50

c 185 aC - c 11009 aC 51

Diatribe intitulada ldquoQuatildeo necessaacuteria eacute a loacutegicardquo Τῶν παρόντων δέ τινος εἰπόντος Πεῖσόν με ὅτι τὰ

λογικὰ χρήσιμά ἐστιν Θέλεις ἔφη ἀποδείξω σοι τοῦτο (2) ndash Ναί ndash Οὐκοῦν λόγον μ

ἀποδεικτικὸν διαλεχθῆναι δεῖ ndash Ὁμολογήσαντος δὲ Πόθεν οὖν εἴσῃ ἄν σε (3) σοφίσωμαι ndash

Σιωπήσαντος δὲ τοῦ ἀνθρώπου Ὁρᾷς ἔφη πῶς αὐτὸς ὁμολογεῖς ὅτι ταῦτα ἀναγκαῖά ἐστιν εἰ χωρὶς

αὐτῶν οὐδ αὐτὸ τοῦτο δύνασαι μαθεῖν πότερον ἀναγκαῖα ἢ οὐκ ἀναγκαῖά ἐστιν 52

διαφέρει δὲ φωνὴ καὶ λέξις ὅτι φωνὴ μὲν καὶ ὁ ἦχός ἐστι λέξις δὲ τὸ ἔναρθρον μόνον λέξις δὲ λόγου

διαφέρει ὅτι λόγος ἀεὶ σημαντικός ἐστι λέξις δὲ καὶ ἀσήμαντος ὡς ἡ βλίτυρι λόγος δὲ οὐδαμῶς

διαφέρει δὲ καὶ τὸ λέγειν τοῦ προφέρεσθαι προφέρονται μὲν γὰρ αἱ φωναί λέγεται δὲ τὰ πράγματα ἃ δὴ

καὶ λεκτὰ τυγχάνει

322 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Havia tambeacutem outro desacordo entre eles [os filoacutesofos] segundo o

qual alguns sustentaram que o verdadeiro e o falso [eacute] acerca do

significado outros acerca da fala outros ainda acerca do movimento

do pensamento E os [filoacutesofos] do Poacutertico defenderam a primeira

opiniatildeo dizendo que trecircs coisas unem-se umas agraves outras o significado

(toacute sēmainoacutemenon) o signo (toacute sēmaicircnon) e que eacute o caso (toacute

tynchaacutenon) dos quais o que significa eacute a voz (como por exemplo

ldquoDionrdquo) e o significado a coisa mesma evidenciada pela voz que

recebemos subsistindo em nosso pensamento (mas os baacuterbaros

embora ouvindo a voz natildeo a compreendem) O que eacute o caso eacute o

substrato exterior como o proacuteprio Dion Por um lado dois desses satildeo

corpos a voz e o que ocorre Mas um eacute incorpoacutereo a coisa

significada ie o diziacutevel (lektoacuten) que eacute ou verdadeiro ou falso (AM

8115-1210 8111 (= SVF 2166))53

Sexto Empiacuterico informa-nos ainda a definiccedilatildeo estoica de lektoacuten segundo a qual este eacute

ldquoo que subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional (phantasiacutea logikḗ) e a

representaccedilatildeo racional aquela segundo a qual o que eacute representado eacute por palavras

apresentado [agrave mente]rdquo (AM 870 (= SVF 2187))54

Assim vemos que os estoicos distinguem trecircs acircmbitos da linguagem o signo o

significado e o objeto exterior O signo diremos em terminologia moderna tem uma

conotaccedilatildeo (um sentido ou uma intensatildeo) e uma denotaccedilatildeo (ou extensatildeo) Tanto o signo

quanto sua extensatildeo (o que ocorre a realidade exterior) satildeo corpoacutereos enquanto o

lektoacuten (o diziacutevel ou o sentido do signo55

) eacute incorpoacutereo O incorpoacutereo por sua vez

subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional Natildeo cabe aqui um estudo detalhado sobre

a noccedilatildeo de corpoacutereo e incorpoacutereo no sistema estoico mas contentar-nos-emos em dizer

que de acordo com a tinologia estoica56

haacute trecircs categorias fundamentais para as coisas

existentes57

(1) algo existente ou corpoacutereo (2) algo inexistente ou incorpoacutereo (3) natildeo-

algo As coisas materiais se encaixam na categoria (1) na categoria (2) temos o tempo

53

ἦν δὲ καὶ ἄλλη τις παρὰ τούτοις διάστασις καθἣν οἱ μὲν περὶ τῷ σημαινομένῳ τὸ ἀληθές τε καὶ

ψεῦδος ὑπεστήσαντο οἱ δὲ περὶ τῇ φωνῇ οἱ δὲ περὶ τῇ κινήσει τῆςδιανοίας καὶ δὴ τῆς μὲν πρώτης δόξης

προεστήκασιν οἱ ἀπὸ τῆς Στοᾶς τρία φάμενοι συζυγεῖν ἀλλήλοις τό τε σημαινόμενον καὶ τὸ σημαῖνον

καὶ τὸ τυγχάνον ὧν σημαῖνον μὲν εἶναι τὴν φωνήν οἷον τὴν Δίων σημαινόμενον δὲ αὐτὸ τὸ πρᾶγμα τὸ

ὑπαὐτῆς δηλούμενον καὶ οὗ ἡμεῖς μὲν ἀντιλαμβανόμεθα τῇ ἡμετέρᾳ παρυφισταμένου διανοίᾳ οἱ δὲ

βάρβαροι οὐκ ἐπαΐουσι καίπερ τῆς φωνῆς ἀκούοντες τυγχάνον δὲ τὸ ἐκτὸς ὑποκείμενον ὥσπερ αὐτὸς ὁ

Δίων τούτων δὲ δύο μὲν εἶναι σώματα καθάπερ τὴν φωνὴν καὶ τὸ τυγχάνον ἓν δὲ ἀσώματον ὥσπερ τὸ

σημαινόμενον πρᾶγμα καὶ λεκτόν ὅπερ ἀληθές τε γίνεται ἢ ἢ ψεῦδος 54

λεκτὸν δὲ ὑπάρχειν φασὶ τὸ κατὰ λογικὴν φαντασίαν ὑφιστάμενον λογικὴν δὲ εἶναι φαντασίαν καθ ἣν

τὸ φαντασθὲν ἔστι λόγῳ παραστῆσαι 55

Bobzien diz-nos que ldquoos lektaacute satildeo os sentidos subjacentes a tudo o que pensamos ou dizemos

subjazendo a toda representaccedilatildeo racional que tenhamos e subsistem mesmo quando ningueacutem pensa neles

ou os pronunciardquo (Bobzien 2003 p 86) 56

O termo tinologia refere-se ao fato de que os estoicos ao contraacuterio de Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo elegem

o ser como categoria uacuteltima do real mas o algo (ti) ndash cf Areas 2012 57

Por exemplo Secircneca Ad Lucilium 5813-15 (= SVF 2332) Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os

Toacutepicos de Aristoacuteteles 301 19-25 (= SVF 2329)

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 4: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

318 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

implicaccedilatildeo do megaacuterico Philo coincidia com a contemporacircnea noccedilatildeo de implicaccedilatildeo

material e que o debate das condicionais que ocorrera no periacuteodo heleniacutestico

correspondia ao que transcorria em sua proacutepria eacutepoca

Entretanto soacute em 1927 a loacutegica estoica foi propriamente redescoberta e esse feito se

deve ao loacutegico polonecircs Lukasiewicz (1970) que percebeu que os estoicos anteciparam

natildeo somente questotildees relativas agrave implicaccedilatildeo mas muitos outros pontos concernentes agrave

loacutegica moderna Lukasiewicz (1970 p 199) foi o primeiro a compreender que

enquanto na loacutegica aristoteacutelica as variaacuteveis devem ser substituiacutedas por termos na

estoica elas devem ser substituiacutedas por proposiccedilotildees Em outras palavras Lukasiewicz

compreendeu que a loacutegica estoica eacute na verdade uma loacutegica proposicional similar em

muitos aspectos agrave contemporacircnea A partir daiacute sucederam-se os estudos sobre a loacutegica

estoica sendo que os principais que nortearatildeo nosso trabalho satildeo aqueles de Benson

Mates Suzanne Bobzien Kneale amp Kneale e Long amp Sedley18

Voltemo-nos agrave questatildeo relativa agraves fontes antigas Como dito acima natildeo nos chegaram

obras completas dos antigos estoicos e os manuais de loacutegica estoica que circulavam

entatildeo19

haacute muito se perderam com exceccedilatildeo de fragmentos muitos dos quais em obras

de opositores dos estoicos

Nossa principal fonte eacute indubitavelmente Sexto Empiacuterico20

do qual nos chegaram duas

obras Esboccedilos de Pirronismo21

em trecircs livros (doravante HP) e Contra os

Matemaacuteticos22

(doravante AM) Sexto eacute o uacutenico comentador antigo que demonstra real

compreensatildeo da loacutegica estoica chegando a nos informar sobre discussotildees e debates

sobre a loacutegica entre os proacuteprios estoicos Nossa segunda melhor fonte eacute Dioacutegenes

Laeacutercio em sua obra Vida dos Filoacutesofos Ilustres (doravante DL) Laeacutercio posterior a

Sexto jaacute que o menciona (DL 9116) cita verbatim trechos de um manual de loacutegica de

certo Diocles de Magneacutesia estudioso acerca do qual natildeo temos qualquer outra

that the proposition if it is lightening it will thunder was true if it is not lightening or if it will thunder

and was only false if it is lightening but will not thunder Diodorus objected to this Either the ancient

reporters or he himself failed to make out precisely what was in his mind and though there have been

many virtual Diodorans since none of them have been able to state their position clearly without making

it too foolish Most of the strong logicians have been Philonians and most of the weak ones have been

Diodorans For my part I am a Philonian but I do not think that justice has ever been done to the

Diodoran side of the question The Diodoran vaguely feels that there is something wrong about the

statement that the proposition If it is lightening it will thunder can be made true merely by its not

lighteningrdquo 18

Cf referecircncias bibliograacuteficas 19

As Introduccedilotildees agrave Loacutegica (Eisagōgḗ Dialektikḗ) 20

Meacutedico grego e ceacutetico que viveu aproximadamente entre 160 e 210 dC 21

HP trata da loacutegica estoica sobretudo no livro 2 22

AM trata da loacutegica estoica sobretudo no livro 8

319 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

informaccedilatildeo fora da obra de Laeacutercio23

Haacute tambeacutem referecircncias agrave loacutegica estoica na obra

de Galeno24

Seus comentaacuterios sobre a loacutegica estoica aparecem sobretudo em suas obras

Historia Philosopha e Institutio Logica Esta uacuteltima obra eacute atribuiacuteda a Galeno no

manuscrito atribuiccedilatildeo entretanto agraves vezes posta em duacutevida25

Temos ainda referecircncias

e informaccedilotildees sobre a loacutegica estoica em Ciacutecero26

Aulo Geacutelio27

Apuleio28

Alexandre de

Afrodiacutesias29

Temiacutestio30

Boeacutecio31

Amocircnio32

Simpliacutecio33

e Filopono34

2 Divisatildeo estoica da Loacutegica

Dioacutegenes Laeacutercio (741-4) nos informa que os estoicos natildeo tem uma concepccedilatildeo

unificada sobre a divisatildeo da loacutegica Alguns a dividem em duas ciecircncias retoacuterica e

dialeacutetica outros em um ramo concernente agraves definiccedilotildees e outro aos criteacuterios haacute

tambeacutem os que eliminam o ramo relativo agraves definiccedilotildees Laeacutercio nos apresenta a

definiccedilatildeo estoica de retoacuterica ciecircncia de bem falar em discursos contiacutenuos (DL

742535

) Quanto agrave dialeacutetica os estoicos a definem seja como ldquoo discorrer corretamente

acerca de discursos por meio de perguntas e repostasrdquo (DL 7425)36

seja como ldquoa

ciecircncia do verdadeiro do falso e de nenhum destesrdquo (DL 7425)37

A dialeacutetica por sua

vez divide-se assim

[] No toacutepico relativo aos significados e agraves vozes o toacutepico relativo

aos significados [se divide] no [toacutepico] acerca das representaccedilotildees e

dos diziacuteveis38

subjacentes a elas assertiacuteveis39

[diziacuteveis] completos

23

Cf DL 282 612 13 20 36 87 91 99 103 748 162 166 179 181 961 65 1012 24

Claacuteudio Galeno ou Eacutelio Galeno tambeacutem conhecido como Galeno de Peacutergamo viveu entre c 129 e c

217 foi famoso meacutedico e filoacutesofo romano de origem grega 25

A Institutio Logica apresenta uma curiosa siacutentese da loacutegica estoica e da peripateacutetica 26

Marco Tuacutelio Ciacutecero (3 de Janeiro de 106 aC mdash 7 de Dezembro de 43 aC) filoacutesofo orador escritor

advogado e poliacutetico romano 27

Aulo Geacutelio (125 - 180) autor da ceacutelebre obra Noites Aacuteticas 28

Luacutecio Apuleio (c 125 - c 170) escritor e filoacutesofo romano 29

Alexandre de Afrodiacutesias (fl c 198ndash209 dC) filoacutesofo peripateacutetico 30

Temiacutestio (c 317 - c 387) peripateacutetico tardio 31

Aniacutecio Macircnlio Torquato Severino Boeacutecio (c 480 mdash 524 ou 525) filoacutesofo estadista e teoacutelogo romano

famoso por sua traduccedilatildeo comentada da Isagogḗ de Porfiacuterio 32

Amocircnio Sacas (175 mdash 242) filoacutesofo grego neoplatocircnico alexandrino 33

Simpliacutecio (c 490 ndash c 560) filoacutesofo neoplatocircnico bizantino 34

Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) ou Joatildeo o Gramaacutetico filoacutesofo neoplatocircnico cristatildeo 35

τήν τε ῥητορικὴν ἐπιστήμην οὖσαν τοῦ εὖ λέγειν περὶ τῶν ἐν διεξόδῳ λόγων Quanto agrave concepccedilatildeo de

Crisipo acerca da retoacuterica cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos Estoicos 1047 a-b (= SVF 2297-8) 36

καὶ τὴν διαλεκτικὴν τοῦ ὀρθῶς διαλέγεσθαι περὶ τῶν ἐν ἐρωτήσει καὶ ἀποκρίσει λόγων Todos os

textos citados aqui do grego e do latim foram diretamente traduzidos por noacutes a partir dos idiomas em que

foram originalmente escritos 37

ἐπιστήμην ἀληθῶν καὶ ψευδῶν καὶ οὐδετέρων 38

Lektaacute (cf definiccedilatildeo abaixo) 39

Axiacuteōmata (cf definiccedilatildeo abaixo)

320 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

predicados e de semelhantes ativos e passivos gecircneros e espeacutecies e

igualmente tambeacutem de argumentos modos silogismos e sofismas

que dependem da voz e dos estados de coisas (DL 7435- 7441)40

Como vemos os estoicos incluem muito mais coisas do que atualmente se concebe

como fazendo parte da loacutegica Caber-nos-aacute aqui como dissemos acima apresentar os

princiacutepios do que denominaremos loacutegica proposicional estoica loacutegica cujas inferecircncias

tratam das relaccedilotildees entre entidades que tecircm a estrutura de proposiccedilotildees (os axiacuteōmata41

os portadores primaacuterios de valor de verdade) e que se divide em duas partes a teoria

dos axiacuteōmata e a teoria dos argumentos

Os estoicos consideram tal loacutegica indispensaacutevel para que o saacutebio (o filoacutesofo ideal) seja

infaliacutevel na argumentaccedilatildeo (DL 747-8 (= SVF 2130) 783 (= SVF 2130))42

Diferentemente de Aristoacuteteles e dos peripateacuteticos e com exceccedilatildeo do estoico Ariston43

estimam ser a loacutegica uma ciecircncia uma parte integrante da filosofia e natildeo mero estudo

propedecircutico agraves ciecircncias44

A concepccedilatildeo tradicional estoica da filosofia eacute tripartida loacutegica fiacutesica e eacutetica distinccedilatildeo

que Dioacutegenes atribui a Zenatildeo de Ciacutetio Crisipo de Solis Dioacutegenes da Babilocircnia45

e

Posidocircnio de Rhodes (DL 739-41)46

Os estoicos comparam a filosofia a um animal no

qual os ossos e tendotildees satildeo a loacutegica a eacutetica a carne e a fiacutesica a alma47

Alguns

estoicos dizem que nenhuma parte tem precedecircncia em relaccedilatildeo agrave outra Outros poreacutem

datildeo prioridade ao estudo da loacutegica seguido pelo estudo da fiacutesica e da eacutetica Segundo

40

Τὴν δὲ διαλεκτικὴν διαιρεῖσθαι εἴς τε τὸν περὶ τῶν σημαινομένων καὶ τῆς φωνῆς τόπον καὶ τὸν μὲν

τῶν σημαινομένων εἴς τε τὸν περὶ τῶν φαντασιῶν τόπον καὶ τῶν ἐκ τούτων ὑφισταμένων λεκτῶν

ἀξιωμάτων καὶ αὐτοτεe λῶν καὶ κατηγορημάτων καὶ τῶν ὁμοίων ὀρθῶν καὶ ὑπτίων καὶ γενῶν καὶ εἰδῶν

ὁμοίως δὲ καὶ λόγων καὶ τρόπων καὶ συλλογισμῶν καὶ τῶν παρὰ τὴν φωνὴν καὶ τὰ πράγματα

σοφισμάτων 41

Cf abaixo 42

Cf Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os Toacutepicos de Aristoacuteteles I 8-14 (= SVF 2124) Epicteto

Diatribes 4812 172-5 10 1177-8 22344-6 43

Ariston de Quios (fl c 260 aC) considerava que ao filoacutesofo cabia apenas estudar eacutetica (cf DL 7160-

1 = SVF 1351) 44

Amocircnio (Sobre os Primeiros Analiacuteticos de Aristoacuteteles 820-2 e 91-2 (= SVF 249)) observa que os

estoicos natildeo consideram a loacutegica como mero instrumento nem como mera sub-parte da filosofia mas

como uma parte primaacuteria desta 45

c 230 aCndashc 150140 aC 46

Crisipo e Eudromus (estoico de florescimento incerto) chamam tais partes de ldquoespeacuteciesrdquo Apolodoro de

Atenas de ldquotoacutepicosrdquo os outros de ldquogecircnerosrdquo Cleanto entretanto divide a filosofia em seis partes

dialeacutetica retoacuterica eacutetica poliacutetica fiacutesica teologia Outros ainda como Zenatildeo de Tarso (fl 200 aC) dizem

que a filosofia natildeo tem partes 47

Sexto observa que Posidocircnio apresenta concepccedilatildeo divergente comparando a fiacutesica agrave carne e a eacutetica agrave

alma (Cf AM 719 Posidocircnio frag 88) Os estoicos comparam tambeacutem as partes da filosofia a um ovo

do qual a casca seria a loacutegica a clara a eacutetica a gema a fiacutesica E ainda a um campo feacutertil do qual a

cerca seria a loacutegica a terra ou as aacutervores a fiacutesica e os frutos a eacutetica (DL 739-41) Long amp Sedley (1987

(1) p 25) observam que os estoicos inauguram a ideia de filosofia como sistema embora Xenoacutecrates

possa tecirc-los precedido com a divisatildeo tripartite (loacutegica eacutetica e fiacutesica)

321 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 739-41) professam essa concepccedilatildeo estoicos como Zenatildeo

Crisipo Arquedemo de Tarso48

e Eudromo49

Paneacutecio de Rhodes50

e Posidocircnio

comeccedilam pela fiacutesica Poreacutem com a jaacute mencionada exceccedilatildeo de Ariston de Quios todos

os estoicos consideram fundamental o estudo da loacutegica A seguinte diatribe de Epicteto

ilustra a importacircncia que os estoicos datildeo aos estudos loacutegicos

(1) Quando algum dos presentes indagou ndash Persuade-me que a loacutegica

eacute uacutetil ndash Queres disse Epicteto que te demonstre isso (2) ndash Sim ndash

Portanto eacute-me preciso selecionar um argumento demonstrativo

Quando o outro concordou ltEpicteto dissegt ndash E como saberaacutes se eu

te apresentar um sofisma (3) Quando o homem se calou Epicteto

disse ndash Vecircs como tu mesmo concordas que a loacutegica eacute necessaacuteria jaacute

que sem ela natildeo eacute possiacutevel saber se eacute necessaacuteria ou natildeo (Epicteto

Diatribes 225)51

3 Lektoacuten

A primeira noccedilatildeo que precisa ser esclarecida ao tratarmos dos axiacuteōmata da loacutegica

estoica eacute a de lektoacuten Este termo eacute adjetivo verbal de leacutegō (falar) e significa ldquoo

exprimiacutevelrdquo ldquoo diziacutevelrdquo ldquoo significadordquo Dioacutegenes Laeacutercio quanto ao conceito de

lektoacuten diz-nos

A voz difere da fala porque a voz eacute tambeacutem som mas somente a fala

eacute articulada E a fala difere da linguagem porque a linguagem tem

significado mas a fala eacute tambeacutem sem significado como blituri

enquanto a linguagem jamais Difere tambeacutem o dizer do proferir Pois

as vozes satildeo proferidas mas as coisas que satildeo afinal lektaacute satildeo ditas

(DL 7574)52

Sexto Empiacuterico por sua vez informa-nos que

48

Floresceu em 140 aC 49

Florescimento incerto 50

c 185 aC - c 11009 aC 51

Diatribe intitulada ldquoQuatildeo necessaacuteria eacute a loacutegicardquo Τῶν παρόντων δέ τινος εἰπόντος Πεῖσόν με ὅτι τὰ

λογικὰ χρήσιμά ἐστιν Θέλεις ἔφη ἀποδείξω σοι τοῦτο (2) ndash Ναί ndash Οὐκοῦν λόγον μ

ἀποδεικτικὸν διαλεχθῆναι δεῖ ndash Ὁμολογήσαντος δὲ Πόθεν οὖν εἴσῃ ἄν σε (3) σοφίσωμαι ndash

Σιωπήσαντος δὲ τοῦ ἀνθρώπου Ὁρᾷς ἔφη πῶς αὐτὸς ὁμολογεῖς ὅτι ταῦτα ἀναγκαῖά ἐστιν εἰ χωρὶς

αὐτῶν οὐδ αὐτὸ τοῦτο δύνασαι μαθεῖν πότερον ἀναγκαῖα ἢ οὐκ ἀναγκαῖά ἐστιν 52

διαφέρει δὲ φωνὴ καὶ λέξις ὅτι φωνὴ μὲν καὶ ὁ ἦχός ἐστι λέξις δὲ τὸ ἔναρθρον μόνον λέξις δὲ λόγου

διαφέρει ὅτι λόγος ἀεὶ σημαντικός ἐστι λέξις δὲ καὶ ἀσήμαντος ὡς ἡ βλίτυρι λόγος δὲ οὐδαμῶς

διαφέρει δὲ καὶ τὸ λέγειν τοῦ προφέρεσθαι προφέρονται μὲν γὰρ αἱ φωναί λέγεται δὲ τὰ πράγματα ἃ δὴ

καὶ λεκτὰ τυγχάνει

322 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Havia tambeacutem outro desacordo entre eles [os filoacutesofos] segundo o

qual alguns sustentaram que o verdadeiro e o falso [eacute] acerca do

significado outros acerca da fala outros ainda acerca do movimento

do pensamento E os [filoacutesofos] do Poacutertico defenderam a primeira

opiniatildeo dizendo que trecircs coisas unem-se umas agraves outras o significado

(toacute sēmainoacutemenon) o signo (toacute sēmaicircnon) e que eacute o caso (toacute

tynchaacutenon) dos quais o que significa eacute a voz (como por exemplo

ldquoDionrdquo) e o significado a coisa mesma evidenciada pela voz que

recebemos subsistindo em nosso pensamento (mas os baacuterbaros

embora ouvindo a voz natildeo a compreendem) O que eacute o caso eacute o

substrato exterior como o proacuteprio Dion Por um lado dois desses satildeo

corpos a voz e o que ocorre Mas um eacute incorpoacutereo a coisa

significada ie o diziacutevel (lektoacuten) que eacute ou verdadeiro ou falso (AM

8115-1210 8111 (= SVF 2166))53

Sexto Empiacuterico informa-nos ainda a definiccedilatildeo estoica de lektoacuten segundo a qual este eacute

ldquoo que subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional (phantasiacutea logikḗ) e a

representaccedilatildeo racional aquela segundo a qual o que eacute representado eacute por palavras

apresentado [agrave mente]rdquo (AM 870 (= SVF 2187))54

Assim vemos que os estoicos distinguem trecircs acircmbitos da linguagem o signo o

significado e o objeto exterior O signo diremos em terminologia moderna tem uma

conotaccedilatildeo (um sentido ou uma intensatildeo) e uma denotaccedilatildeo (ou extensatildeo) Tanto o signo

quanto sua extensatildeo (o que ocorre a realidade exterior) satildeo corpoacutereos enquanto o

lektoacuten (o diziacutevel ou o sentido do signo55

) eacute incorpoacutereo O incorpoacutereo por sua vez

subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional Natildeo cabe aqui um estudo detalhado sobre

a noccedilatildeo de corpoacutereo e incorpoacutereo no sistema estoico mas contentar-nos-emos em dizer

que de acordo com a tinologia estoica56

haacute trecircs categorias fundamentais para as coisas

existentes57

(1) algo existente ou corpoacutereo (2) algo inexistente ou incorpoacutereo (3) natildeo-

algo As coisas materiais se encaixam na categoria (1) na categoria (2) temos o tempo

53

ἦν δὲ καὶ ἄλλη τις παρὰ τούτοις διάστασις καθἣν οἱ μὲν περὶ τῷ σημαινομένῳ τὸ ἀληθές τε καὶ

ψεῦδος ὑπεστήσαντο οἱ δὲ περὶ τῇ φωνῇ οἱ δὲ περὶ τῇ κινήσει τῆςδιανοίας καὶ δὴ τῆς μὲν πρώτης δόξης

προεστήκασιν οἱ ἀπὸ τῆς Στοᾶς τρία φάμενοι συζυγεῖν ἀλλήλοις τό τε σημαινόμενον καὶ τὸ σημαῖνον

καὶ τὸ τυγχάνον ὧν σημαῖνον μὲν εἶναι τὴν φωνήν οἷον τὴν Δίων σημαινόμενον δὲ αὐτὸ τὸ πρᾶγμα τὸ

ὑπαὐτῆς δηλούμενον καὶ οὗ ἡμεῖς μὲν ἀντιλαμβανόμεθα τῇ ἡμετέρᾳ παρυφισταμένου διανοίᾳ οἱ δὲ

βάρβαροι οὐκ ἐπαΐουσι καίπερ τῆς φωνῆς ἀκούοντες τυγχάνον δὲ τὸ ἐκτὸς ὑποκείμενον ὥσπερ αὐτὸς ὁ

Δίων τούτων δὲ δύο μὲν εἶναι σώματα καθάπερ τὴν φωνὴν καὶ τὸ τυγχάνον ἓν δὲ ἀσώματον ὥσπερ τὸ

σημαινόμενον πρᾶγμα καὶ λεκτόν ὅπερ ἀληθές τε γίνεται ἢ ἢ ψεῦδος 54

λεκτὸν δὲ ὑπάρχειν φασὶ τὸ κατὰ λογικὴν φαντασίαν ὑφιστάμενον λογικὴν δὲ εἶναι φαντασίαν καθ ἣν

τὸ φαντασθὲν ἔστι λόγῳ παραστῆσαι 55

Bobzien diz-nos que ldquoos lektaacute satildeo os sentidos subjacentes a tudo o que pensamos ou dizemos

subjazendo a toda representaccedilatildeo racional que tenhamos e subsistem mesmo quando ningueacutem pensa neles

ou os pronunciardquo (Bobzien 2003 p 86) 56

O termo tinologia refere-se ao fato de que os estoicos ao contraacuterio de Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo elegem

o ser como categoria uacuteltima do real mas o algo (ti) ndash cf Areas 2012 57

Por exemplo Secircneca Ad Lucilium 5813-15 (= SVF 2332) Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os

Toacutepicos de Aristoacuteteles 301 19-25 (= SVF 2329)

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 5: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

319 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

informaccedilatildeo fora da obra de Laeacutercio23

Haacute tambeacutem referecircncias agrave loacutegica estoica na obra

de Galeno24

Seus comentaacuterios sobre a loacutegica estoica aparecem sobretudo em suas obras

Historia Philosopha e Institutio Logica Esta uacuteltima obra eacute atribuiacuteda a Galeno no

manuscrito atribuiccedilatildeo entretanto agraves vezes posta em duacutevida25

Temos ainda referecircncias

e informaccedilotildees sobre a loacutegica estoica em Ciacutecero26

Aulo Geacutelio27

Apuleio28

Alexandre de

Afrodiacutesias29

Temiacutestio30

Boeacutecio31

Amocircnio32

Simpliacutecio33

e Filopono34

2 Divisatildeo estoica da Loacutegica

Dioacutegenes Laeacutercio (741-4) nos informa que os estoicos natildeo tem uma concepccedilatildeo

unificada sobre a divisatildeo da loacutegica Alguns a dividem em duas ciecircncias retoacuterica e

dialeacutetica outros em um ramo concernente agraves definiccedilotildees e outro aos criteacuterios haacute

tambeacutem os que eliminam o ramo relativo agraves definiccedilotildees Laeacutercio nos apresenta a

definiccedilatildeo estoica de retoacuterica ciecircncia de bem falar em discursos contiacutenuos (DL

742535

) Quanto agrave dialeacutetica os estoicos a definem seja como ldquoo discorrer corretamente

acerca de discursos por meio de perguntas e repostasrdquo (DL 7425)36

seja como ldquoa

ciecircncia do verdadeiro do falso e de nenhum destesrdquo (DL 7425)37

A dialeacutetica por sua

vez divide-se assim

[] No toacutepico relativo aos significados e agraves vozes o toacutepico relativo

aos significados [se divide] no [toacutepico] acerca das representaccedilotildees e

dos diziacuteveis38

subjacentes a elas assertiacuteveis39

[diziacuteveis] completos

23

Cf DL 282 612 13 20 36 87 91 99 103 748 162 166 179 181 961 65 1012 24

Claacuteudio Galeno ou Eacutelio Galeno tambeacutem conhecido como Galeno de Peacutergamo viveu entre c 129 e c

217 foi famoso meacutedico e filoacutesofo romano de origem grega 25

A Institutio Logica apresenta uma curiosa siacutentese da loacutegica estoica e da peripateacutetica 26

Marco Tuacutelio Ciacutecero (3 de Janeiro de 106 aC mdash 7 de Dezembro de 43 aC) filoacutesofo orador escritor

advogado e poliacutetico romano 27

Aulo Geacutelio (125 - 180) autor da ceacutelebre obra Noites Aacuteticas 28

Luacutecio Apuleio (c 125 - c 170) escritor e filoacutesofo romano 29

Alexandre de Afrodiacutesias (fl c 198ndash209 dC) filoacutesofo peripateacutetico 30

Temiacutestio (c 317 - c 387) peripateacutetico tardio 31

Aniacutecio Macircnlio Torquato Severino Boeacutecio (c 480 mdash 524 ou 525) filoacutesofo estadista e teoacutelogo romano

famoso por sua traduccedilatildeo comentada da Isagogḗ de Porfiacuterio 32

Amocircnio Sacas (175 mdash 242) filoacutesofo grego neoplatocircnico alexandrino 33

Simpliacutecio (c 490 ndash c 560) filoacutesofo neoplatocircnico bizantino 34

Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) ou Joatildeo o Gramaacutetico filoacutesofo neoplatocircnico cristatildeo 35

τήν τε ῥητορικὴν ἐπιστήμην οὖσαν τοῦ εὖ λέγειν περὶ τῶν ἐν διεξόδῳ λόγων Quanto agrave concepccedilatildeo de

Crisipo acerca da retoacuterica cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos Estoicos 1047 a-b (= SVF 2297-8) 36

καὶ τὴν διαλεκτικὴν τοῦ ὀρθῶς διαλέγεσθαι περὶ τῶν ἐν ἐρωτήσει καὶ ἀποκρίσει λόγων Todos os

textos citados aqui do grego e do latim foram diretamente traduzidos por noacutes a partir dos idiomas em que

foram originalmente escritos 37

ἐπιστήμην ἀληθῶν καὶ ψευδῶν καὶ οὐδετέρων 38

Lektaacute (cf definiccedilatildeo abaixo) 39

Axiacuteōmata (cf definiccedilatildeo abaixo)

320 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

predicados e de semelhantes ativos e passivos gecircneros e espeacutecies e

igualmente tambeacutem de argumentos modos silogismos e sofismas

que dependem da voz e dos estados de coisas (DL 7435- 7441)40

Como vemos os estoicos incluem muito mais coisas do que atualmente se concebe

como fazendo parte da loacutegica Caber-nos-aacute aqui como dissemos acima apresentar os

princiacutepios do que denominaremos loacutegica proposicional estoica loacutegica cujas inferecircncias

tratam das relaccedilotildees entre entidades que tecircm a estrutura de proposiccedilotildees (os axiacuteōmata41

os portadores primaacuterios de valor de verdade) e que se divide em duas partes a teoria

dos axiacuteōmata e a teoria dos argumentos

Os estoicos consideram tal loacutegica indispensaacutevel para que o saacutebio (o filoacutesofo ideal) seja

infaliacutevel na argumentaccedilatildeo (DL 747-8 (= SVF 2130) 783 (= SVF 2130))42

Diferentemente de Aristoacuteteles e dos peripateacuteticos e com exceccedilatildeo do estoico Ariston43

estimam ser a loacutegica uma ciecircncia uma parte integrante da filosofia e natildeo mero estudo

propedecircutico agraves ciecircncias44

A concepccedilatildeo tradicional estoica da filosofia eacute tripartida loacutegica fiacutesica e eacutetica distinccedilatildeo

que Dioacutegenes atribui a Zenatildeo de Ciacutetio Crisipo de Solis Dioacutegenes da Babilocircnia45

e

Posidocircnio de Rhodes (DL 739-41)46

Os estoicos comparam a filosofia a um animal no

qual os ossos e tendotildees satildeo a loacutegica a eacutetica a carne e a fiacutesica a alma47

Alguns

estoicos dizem que nenhuma parte tem precedecircncia em relaccedilatildeo agrave outra Outros poreacutem

datildeo prioridade ao estudo da loacutegica seguido pelo estudo da fiacutesica e da eacutetica Segundo

40

Τὴν δὲ διαλεκτικὴν διαιρεῖσθαι εἴς τε τὸν περὶ τῶν σημαινομένων καὶ τῆς φωνῆς τόπον καὶ τὸν μὲν

τῶν σημαινομένων εἴς τε τὸν περὶ τῶν φαντασιῶν τόπον καὶ τῶν ἐκ τούτων ὑφισταμένων λεκτῶν

ἀξιωμάτων καὶ αὐτοτεe λῶν καὶ κατηγορημάτων καὶ τῶν ὁμοίων ὀρθῶν καὶ ὑπτίων καὶ γενῶν καὶ εἰδῶν

ὁμοίως δὲ καὶ λόγων καὶ τρόπων καὶ συλλογισμῶν καὶ τῶν παρὰ τὴν φωνὴν καὶ τὰ πράγματα

σοφισμάτων 41

Cf abaixo 42

Cf Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os Toacutepicos de Aristoacuteteles I 8-14 (= SVF 2124) Epicteto

Diatribes 4812 172-5 10 1177-8 22344-6 43

Ariston de Quios (fl c 260 aC) considerava que ao filoacutesofo cabia apenas estudar eacutetica (cf DL 7160-

1 = SVF 1351) 44

Amocircnio (Sobre os Primeiros Analiacuteticos de Aristoacuteteles 820-2 e 91-2 (= SVF 249)) observa que os

estoicos natildeo consideram a loacutegica como mero instrumento nem como mera sub-parte da filosofia mas

como uma parte primaacuteria desta 45

c 230 aCndashc 150140 aC 46

Crisipo e Eudromus (estoico de florescimento incerto) chamam tais partes de ldquoespeacuteciesrdquo Apolodoro de

Atenas de ldquotoacutepicosrdquo os outros de ldquogecircnerosrdquo Cleanto entretanto divide a filosofia em seis partes

dialeacutetica retoacuterica eacutetica poliacutetica fiacutesica teologia Outros ainda como Zenatildeo de Tarso (fl 200 aC) dizem

que a filosofia natildeo tem partes 47

Sexto observa que Posidocircnio apresenta concepccedilatildeo divergente comparando a fiacutesica agrave carne e a eacutetica agrave

alma (Cf AM 719 Posidocircnio frag 88) Os estoicos comparam tambeacutem as partes da filosofia a um ovo

do qual a casca seria a loacutegica a clara a eacutetica a gema a fiacutesica E ainda a um campo feacutertil do qual a

cerca seria a loacutegica a terra ou as aacutervores a fiacutesica e os frutos a eacutetica (DL 739-41) Long amp Sedley (1987

(1) p 25) observam que os estoicos inauguram a ideia de filosofia como sistema embora Xenoacutecrates

possa tecirc-los precedido com a divisatildeo tripartite (loacutegica eacutetica e fiacutesica)

321 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 739-41) professam essa concepccedilatildeo estoicos como Zenatildeo

Crisipo Arquedemo de Tarso48

e Eudromo49

Paneacutecio de Rhodes50

e Posidocircnio

comeccedilam pela fiacutesica Poreacutem com a jaacute mencionada exceccedilatildeo de Ariston de Quios todos

os estoicos consideram fundamental o estudo da loacutegica A seguinte diatribe de Epicteto

ilustra a importacircncia que os estoicos datildeo aos estudos loacutegicos

(1) Quando algum dos presentes indagou ndash Persuade-me que a loacutegica

eacute uacutetil ndash Queres disse Epicteto que te demonstre isso (2) ndash Sim ndash

Portanto eacute-me preciso selecionar um argumento demonstrativo

Quando o outro concordou ltEpicteto dissegt ndash E como saberaacutes se eu

te apresentar um sofisma (3) Quando o homem se calou Epicteto

disse ndash Vecircs como tu mesmo concordas que a loacutegica eacute necessaacuteria jaacute

que sem ela natildeo eacute possiacutevel saber se eacute necessaacuteria ou natildeo (Epicteto

Diatribes 225)51

3 Lektoacuten

A primeira noccedilatildeo que precisa ser esclarecida ao tratarmos dos axiacuteōmata da loacutegica

estoica eacute a de lektoacuten Este termo eacute adjetivo verbal de leacutegō (falar) e significa ldquoo

exprimiacutevelrdquo ldquoo diziacutevelrdquo ldquoo significadordquo Dioacutegenes Laeacutercio quanto ao conceito de

lektoacuten diz-nos

A voz difere da fala porque a voz eacute tambeacutem som mas somente a fala

eacute articulada E a fala difere da linguagem porque a linguagem tem

significado mas a fala eacute tambeacutem sem significado como blituri

enquanto a linguagem jamais Difere tambeacutem o dizer do proferir Pois

as vozes satildeo proferidas mas as coisas que satildeo afinal lektaacute satildeo ditas

(DL 7574)52

Sexto Empiacuterico por sua vez informa-nos que

48

Floresceu em 140 aC 49

Florescimento incerto 50

c 185 aC - c 11009 aC 51

Diatribe intitulada ldquoQuatildeo necessaacuteria eacute a loacutegicardquo Τῶν παρόντων δέ τινος εἰπόντος Πεῖσόν με ὅτι τὰ

λογικὰ χρήσιμά ἐστιν Θέλεις ἔφη ἀποδείξω σοι τοῦτο (2) ndash Ναί ndash Οὐκοῦν λόγον μ

ἀποδεικτικὸν διαλεχθῆναι δεῖ ndash Ὁμολογήσαντος δὲ Πόθεν οὖν εἴσῃ ἄν σε (3) σοφίσωμαι ndash

Σιωπήσαντος δὲ τοῦ ἀνθρώπου Ὁρᾷς ἔφη πῶς αὐτὸς ὁμολογεῖς ὅτι ταῦτα ἀναγκαῖά ἐστιν εἰ χωρὶς

αὐτῶν οὐδ αὐτὸ τοῦτο δύνασαι μαθεῖν πότερον ἀναγκαῖα ἢ οὐκ ἀναγκαῖά ἐστιν 52

διαφέρει δὲ φωνὴ καὶ λέξις ὅτι φωνὴ μὲν καὶ ὁ ἦχός ἐστι λέξις δὲ τὸ ἔναρθρον μόνον λέξις δὲ λόγου

διαφέρει ὅτι λόγος ἀεὶ σημαντικός ἐστι λέξις δὲ καὶ ἀσήμαντος ὡς ἡ βλίτυρι λόγος δὲ οὐδαμῶς

διαφέρει δὲ καὶ τὸ λέγειν τοῦ προφέρεσθαι προφέρονται μὲν γὰρ αἱ φωναί λέγεται δὲ τὰ πράγματα ἃ δὴ

καὶ λεκτὰ τυγχάνει

322 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Havia tambeacutem outro desacordo entre eles [os filoacutesofos] segundo o

qual alguns sustentaram que o verdadeiro e o falso [eacute] acerca do

significado outros acerca da fala outros ainda acerca do movimento

do pensamento E os [filoacutesofos] do Poacutertico defenderam a primeira

opiniatildeo dizendo que trecircs coisas unem-se umas agraves outras o significado

(toacute sēmainoacutemenon) o signo (toacute sēmaicircnon) e que eacute o caso (toacute

tynchaacutenon) dos quais o que significa eacute a voz (como por exemplo

ldquoDionrdquo) e o significado a coisa mesma evidenciada pela voz que

recebemos subsistindo em nosso pensamento (mas os baacuterbaros

embora ouvindo a voz natildeo a compreendem) O que eacute o caso eacute o

substrato exterior como o proacuteprio Dion Por um lado dois desses satildeo

corpos a voz e o que ocorre Mas um eacute incorpoacutereo a coisa

significada ie o diziacutevel (lektoacuten) que eacute ou verdadeiro ou falso (AM

8115-1210 8111 (= SVF 2166))53

Sexto Empiacuterico informa-nos ainda a definiccedilatildeo estoica de lektoacuten segundo a qual este eacute

ldquoo que subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional (phantasiacutea logikḗ) e a

representaccedilatildeo racional aquela segundo a qual o que eacute representado eacute por palavras

apresentado [agrave mente]rdquo (AM 870 (= SVF 2187))54

Assim vemos que os estoicos distinguem trecircs acircmbitos da linguagem o signo o

significado e o objeto exterior O signo diremos em terminologia moderna tem uma

conotaccedilatildeo (um sentido ou uma intensatildeo) e uma denotaccedilatildeo (ou extensatildeo) Tanto o signo

quanto sua extensatildeo (o que ocorre a realidade exterior) satildeo corpoacutereos enquanto o

lektoacuten (o diziacutevel ou o sentido do signo55

) eacute incorpoacutereo O incorpoacutereo por sua vez

subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional Natildeo cabe aqui um estudo detalhado sobre

a noccedilatildeo de corpoacutereo e incorpoacutereo no sistema estoico mas contentar-nos-emos em dizer

que de acordo com a tinologia estoica56

haacute trecircs categorias fundamentais para as coisas

existentes57

(1) algo existente ou corpoacutereo (2) algo inexistente ou incorpoacutereo (3) natildeo-

algo As coisas materiais se encaixam na categoria (1) na categoria (2) temos o tempo

53

ἦν δὲ καὶ ἄλλη τις παρὰ τούτοις διάστασις καθἣν οἱ μὲν περὶ τῷ σημαινομένῳ τὸ ἀληθές τε καὶ

ψεῦδος ὑπεστήσαντο οἱ δὲ περὶ τῇ φωνῇ οἱ δὲ περὶ τῇ κινήσει τῆςδιανοίας καὶ δὴ τῆς μὲν πρώτης δόξης

προεστήκασιν οἱ ἀπὸ τῆς Στοᾶς τρία φάμενοι συζυγεῖν ἀλλήλοις τό τε σημαινόμενον καὶ τὸ σημαῖνον

καὶ τὸ τυγχάνον ὧν σημαῖνον μὲν εἶναι τὴν φωνήν οἷον τὴν Δίων σημαινόμενον δὲ αὐτὸ τὸ πρᾶγμα τὸ

ὑπαὐτῆς δηλούμενον καὶ οὗ ἡμεῖς μὲν ἀντιλαμβανόμεθα τῇ ἡμετέρᾳ παρυφισταμένου διανοίᾳ οἱ δὲ

βάρβαροι οὐκ ἐπαΐουσι καίπερ τῆς φωνῆς ἀκούοντες τυγχάνον δὲ τὸ ἐκτὸς ὑποκείμενον ὥσπερ αὐτὸς ὁ

Δίων τούτων δὲ δύο μὲν εἶναι σώματα καθάπερ τὴν φωνὴν καὶ τὸ τυγχάνον ἓν δὲ ἀσώματον ὥσπερ τὸ

σημαινόμενον πρᾶγμα καὶ λεκτόν ὅπερ ἀληθές τε γίνεται ἢ ἢ ψεῦδος 54

λεκτὸν δὲ ὑπάρχειν φασὶ τὸ κατὰ λογικὴν φαντασίαν ὑφιστάμενον λογικὴν δὲ εἶναι φαντασίαν καθ ἣν

τὸ φαντασθὲν ἔστι λόγῳ παραστῆσαι 55

Bobzien diz-nos que ldquoos lektaacute satildeo os sentidos subjacentes a tudo o que pensamos ou dizemos

subjazendo a toda representaccedilatildeo racional que tenhamos e subsistem mesmo quando ningueacutem pensa neles

ou os pronunciardquo (Bobzien 2003 p 86) 56

O termo tinologia refere-se ao fato de que os estoicos ao contraacuterio de Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo elegem

o ser como categoria uacuteltima do real mas o algo (ti) ndash cf Areas 2012 57

Por exemplo Secircneca Ad Lucilium 5813-15 (= SVF 2332) Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os

Toacutepicos de Aristoacuteteles 301 19-25 (= SVF 2329)

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 6: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

320 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

predicados e de semelhantes ativos e passivos gecircneros e espeacutecies e

igualmente tambeacutem de argumentos modos silogismos e sofismas

que dependem da voz e dos estados de coisas (DL 7435- 7441)40

Como vemos os estoicos incluem muito mais coisas do que atualmente se concebe

como fazendo parte da loacutegica Caber-nos-aacute aqui como dissemos acima apresentar os

princiacutepios do que denominaremos loacutegica proposicional estoica loacutegica cujas inferecircncias

tratam das relaccedilotildees entre entidades que tecircm a estrutura de proposiccedilotildees (os axiacuteōmata41

os portadores primaacuterios de valor de verdade) e que se divide em duas partes a teoria

dos axiacuteōmata e a teoria dos argumentos

Os estoicos consideram tal loacutegica indispensaacutevel para que o saacutebio (o filoacutesofo ideal) seja

infaliacutevel na argumentaccedilatildeo (DL 747-8 (= SVF 2130) 783 (= SVF 2130))42

Diferentemente de Aristoacuteteles e dos peripateacuteticos e com exceccedilatildeo do estoico Ariston43

estimam ser a loacutegica uma ciecircncia uma parte integrante da filosofia e natildeo mero estudo

propedecircutico agraves ciecircncias44

A concepccedilatildeo tradicional estoica da filosofia eacute tripartida loacutegica fiacutesica e eacutetica distinccedilatildeo

que Dioacutegenes atribui a Zenatildeo de Ciacutetio Crisipo de Solis Dioacutegenes da Babilocircnia45

e

Posidocircnio de Rhodes (DL 739-41)46

Os estoicos comparam a filosofia a um animal no

qual os ossos e tendotildees satildeo a loacutegica a eacutetica a carne e a fiacutesica a alma47

Alguns

estoicos dizem que nenhuma parte tem precedecircncia em relaccedilatildeo agrave outra Outros poreacutem

datildeo prioridade ao estudo da loacutegica seguido pelo estudo da fiacutesica e da eacutetica Segundo

40

Τὴν δὲ διαλεκτικὴν διαιρεῖσθαι εἴς τε τὸν περὶ τῶν σημαινομένων καὶ τῆς φωνῆς τόπον καὶ τὸν μὲν

τῶν σημαινομένων εἴς τε τὸν περὶ τῶν φαντασιῶν τόπον καὶ τῶν ἐκ τούτων ὑφισταμένων λεκτῶν

ἀξιωμάτων καὶ αὐτοτεe λῶν καὶ κατηγορημάτων καὶ τῶν ὁμοίων ὀρθῶν καὶ ὑπτίων καὶ γενῶν καὶ εἰδῶν

ὁμοίως δὲ καὶ λόγων καὶ τρόπων καὶ συλλογισμῶν καὶ τῶν παρὰ τὴν φωνὴν καὶ τὰ πράγματα

σοφισμάτων 41

Cf abaixo 42

Cf Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os Toacutepicos de Aristoacuteteles I 8-14 (= SVF 2124) Epicteto

Diatribes 4812 172-5 10 1177-8 22344-6 43

Ariston de Quios (fl c 260 aC) considerava que ao filoacutesofo cabia apenas estudar eacutetica (cf DL 7160-

1 = SVF 1351) 44

Amocircnio (Sobre os Primeiros Analiacuteticos de Aristoacuteteles 820-2 e 91-2 (= SVF 249)) observa que os

estoicos natildeo consideram a loacutegica como mero instrumento nem como mera sub-parte da filosofia mas

como uma parte primaacuteria desta 45

c 230 aCndashc 150140 aC 46

Crisipo e Eudromus (estoico de florescimento incerto) chamam tais partes de ldquoespeacuteciesrdquo Apolodoro de

Atenas de ldquotoacutepicosrdquo os outros de ldquogecircnerosrdquo Cleanto entretanto divide a filosofia em seis partes

dialeacutetica retoacuterica eacutetica poliacutetica fiacutesica teologia Outros ainda como Zenatildeo de Tarso (fl 200 aC) dizem

que a filosofia natildeo tem partes 47

Sexto observa que Posidocircnio apresenta concepccedilatildeo divergente comparando a fiacutesica agrave carne e a eacutetica agrave

alma (Cf AM 719 Posidocircnio frag 88) Os estoicos comparam tambeacutem as partes da filosofia a um ovo

do qual a casca seria a loacutegica a clara a eacutetica a gema a fiacutesica E ainda a um campo feacutertil do qual a

cerca seria a loacutegica a terra ou as aacutervores a fiacutesica e os frutos a eacutetica (DL 739-41) Long amp Sedley (1987

(1) p 25) observam que os estoicos inauguram a ideia de filosofia como sistema embora Xenoacutecrates

possa tecirc-los precedido com a divisatildeo tripartite (loacutegica eacutetica e fiacutesica)

321 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 739-41) professam essa concepccedilatildeo estoicos como Zenatildeo

Crisipo Arquedemo de Tarso48

e Eudromo49

Paneacutecio de Rhodes50

e Posidocircnio

comeccedilam pela fiacutesica Poreacutem com a jaacute mencionada exceccedilatildeo de Ariston de Quios todos

os estoicos consideram fundamental o estudo da loacutegica A seguinte diatribe de Epicteto

ilustra a importacircncia que os estoicos datildeo aos estudos loacutegicos

(1) Quando algum dos presentes indagou ndash Persuade-me que a loacutegica

eacute uacutetil ndash Queres disse Epicteto que te demonstre isso (2) ndash Sim ndash

Portanto eacute-me preciso selecionar um argumento demonstrativo

Quando o outro concordou ltEpicteto dissegt ndash E como saberaacutes se eu

te apresentar um sofisma (3) Quando o homem se calou Epicteto

disse ndash Vecircs como tu mesmo concordas que a loacutegica eacute necessaacuteria jaacute

que sem ela natildeo eacute possiacutevel saber se eacute necessaacuteria ou natildeo (Epicteto

Diatribes 225)51

3 Lektoacuten

A primeira noccedilatildeo que precisa ser esclarecida ao tratarmos dos axiacuteōmata da loacutegica

estoica eacute a de lektoacuten Este termo eacute adjetivo verbal de leacutegō (falar) e significa ldquoo

exprimiacutevelrdquo ldquoo diziacutevelrdquo ldquoo significadordquo Dioacutegenes Laeacutercio quanto ao conceito de

lektoacuten diz-nos

A voz difere da fala porque a voz eacute tambeacutem som mas somente a fala

eacute articulada E a fala difere da linguagem porque a linguagem tem

significado mas a fala eacute tambeacutem sem significado como blituri

enquanto a linguagem jamais Difere tambeacutem o dizer do proferir Pois

as vozes satildeo proferidas mas as coisas que satildeo afinal lektaacute satildeo ditas

(DL 7574)52

Sexto Empiacuterico por sua vez informa-nos que

48

Floresceu em 140 aC 49

Florescimento incerto 50

c 185 aC - c 11009 aC 51

Diatribe intitulada ldquoQuatildeo necessaacuteria eacute a loacutegicardquo Τῶν παρόντων δέ τινος εἰπόντος Πεῖσόν με ὅτι τὰ

λογικὰ χρήσιμά ἐστιν Θέλεις ἔφη ἀποδείξω σοι τοῦτο (2) ndash Ναί ndash Οὐκοῦν λόγον μ

ἀποδεικτικὸν διαλεχθῆναι δεῖ ndash Ὁμολογήσαντος δὲ Πόθεν οὖν εἴσῃ ἄν σε (3) σοφίσωμαι ndash

Σιωπήσαντος δὲ τοῦ ἀνθρώπου Ὁρᾷς ἔφη πῶς αὐτὸς ὁμολογεῖς ὅτι ταῦτα ἀναγκαῖά ἐστιν εἰ χωρὶς

αὐτῶν οὐδ αὐτὸ τοῦτο δύνασαι μαθεῖν πότερον ἀναγκαῖα ἢ οὐκ ἀναγκαῖά ἐστιν 52

διαφέρει δὲ φωνὴ καὶ λέξις ὅτι φωνὴ μὲν καὶ ὁ ἦχός ἐστι λέξις δὲ τὸ ἔναρθρον μόνον λέξις δὲ λόγου

διαφέρει ὅτι λόγος ἀεὶ σημαντικός ἐστι λέξις δὲ καὶ ἀσήμαντος ὡς ἡ βλίτυρι λόγος δὲ οὐδαμῶς

διαφέρει δὲ καὶ τὸ λέγειν τοῦ προφέρεσθαι προφέρονται μὲν γὰρ αἱ φωναί λέγεται δὲ τὰ πράγματα ἃ δὴ

καὶ λεκτὰ τυγχάνει

322 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Havia tambeacutem outro desacordo entre eles [os filoacutesofos] segundo o

qual alguns sustentaram que o verdadeiro e o falso [eacute] acerca do

significado outros acerca da fala outros ainda acerca do movimento

do pensamento E os [filoacutesofos] do Poacutertico defenderam a primeira

opiniatildeo dizendo que trecircs coisas unem-se umas agraves outras o significado

(toacute sēmainoacutemenon) o signo (toacute sēmaicircnon) e que eacute o caso (toacute

tynchaacutenon) dos quais o que significa eacute a voz (como por exemplo

ldquoDionrdquo) e o significado a coisa mesma evidenciada pela voz que

recebemos subsistindo em nosso pensamento (mas os baacuterbaros

embora ouvindo a voz natildeo a compreendem) O que eacute o caso eacute o

substrato exterior como o proacuteprio Dion Por um lado dois desses satildeo

corpos a voz e o que ocorre Mas um eacute incorpoacutereo a coisa

significada ie o diziacutevel (lektoacuten) que eacute ou verdadeiro ou falso (AM

8115-1210 8111 (= SVF 2166))53

Sexto Empiacuterico informa-nos ainda a definiccedilatildeo estoica de lektoacuten segundo a qual este eacute

ldquoo que subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional (phantasiacutea logikḗ) e a

representaccedilatildeo racional aquela segundo a qual o que eacute representado eacute por palavras

apresentado [agrave mente]rdquo (AM 870 (= SVF 2187))54

Assim vemos que os estoicos distinguem trecircs acircmbitos da linguagem o signo o

significado e o objeto exterior O signo diremos em terminologia moderna tem uma

conotaccedilatildeo (um sentido ou uma intensatildeo) e uma denotaccedilatildeo (ou extensatildeo) Tanto o signo

quanto sua extensatildeo (o que ocorre a realidade exterior) satildeo corpoacutereos enquanto o

lektoacuten (o diziacutevel ou o sentido do signo55

) eacute incorpoacutereo O incorpoacutereo por sua vez

subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional Natildeo cabe aqui um estudo detalhado sobre

a noccedilatildeo de corpoacutereo e incorpoacutereo no sistema estoico mas contentar-nos-emos em dizer

que de acordo com a tinologia estoica56

haacute trecircs categorias fundamentais para as coisas

existentes57

(1) algo existente ou corpoacutereo (2) algo inexistente ou incorpoacutereo (3) natildeo-

algo As coisas materiais se encaixam na categoria (1) na categoria (2) temos o tempo

53

ἦν δὲ καὶ ἄλλη τις παρὰ τούτοις διάστασις καθἣν οἱ μὲν περὶ τῷ σημαινομένῳ τὸ ἀληθές τε καὶ

ψεῦδος ὑπεστήσαντο οἱ δὲ περὶ τῇ φωνῇ οἱ δὲ περὶ τῇ κινήσει τῆςδιανοίας καὶ δὴ τῆς μὲν πρώτης δόξης

προεστήκασιν οἱ ἀπὸ τῆς Στοᾶς τρία φάμενοι συζυγεῖν ἀλλήλοις τό τε σημαινόμενον καὶ τὸ σημαῖνον

καὶ τὸ τυγχάνον ὧν σημαῖνον μὲν εἶναι τὴν φωνήν οἷον τὴν Δίων σημαινόμενον δὲ αὐτὸ τὸ πρᾶγμα τὸ

ὑπαὐτῆς δηλούμενον καὶ οὗ ἡμεῖς μὲν ἀντιλαμβανόμεθα τῇ ἡμετέρᾳ παρυφισταμένου διανοίᾳ οἱ δὲ

βάρβαροι οὐκ ἐπαΐουσι καίπερ τῆς φωνῆς ἀκούοντες τυγχάνον δὲ τὸ ἐκτὸς ὑποκείμενον ὥσπερ αὐτὸς ὁ

Δίων τούτων δὲ δύο μὲν εἶναι σώματα καθάπερ τὴν φωνὴν καὶ τὸ τυγχάνον ἓν δὲ ἀσώματον ὥσπερ τὸ

σημαινόμενον πρᾶγμα καὶ λεκτόν ὅπερ ἀληθές τε γίνεται ἢ ἢ ψεῦδος 54

λεκτὸν δὲ ὑπάρχειν φασὶ τὸ κατὰ λογικὴν φαντασίαν ὑφιστάμενον λογικὴν δὲ εἶναι φαντασίαν καθ ἣν

τὸ φαντασθὲν ἔστι λόγῳ παραστῆσαι 55

Bobzien diz-nos que ldquoos lektaacute satildeo os sentidos subjacentes a tudo o que pensamos ou dizemos

subjazendo a toda representaccedilatildeo racional que tenhamos e subsistem mesmo quando ningueacutem pensa neles

ou os pronunciardquo (Bobzien 2003 p 86) 56

O termo tinologia refere-se ao fato de que os estoicos ao contraacuterio de Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo elegem

o ser como categoria uacuteltima do real mas o algo (ti) ndash cf Areas 2012 57

Por exemplo Secircneca Ad Lucilium 5813-15 (= SVF 2332) Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os

Toacutepicos de Aristoacuteteles 301 19-25 (= SVF 2329)

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 7: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

321 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 739-41) professam essa concepccedilatildeo estoicos como Zenatildeo

Crisipo Arquedemo de Tarso48

e Eudromo49

Paneacutecio de Rhodes50

e Posidocircnio

comeccedilam pela fiacutesica Poreacutem com a jaacute mencionada exceccedilatildeo de Ariston de Quios todos

os estoicos consideram fundamental o estudo da loacutegica A seguinte diatribe de Epicteto

ilustra a importacircncia que os estoicos datildeo aos estudos loacutegicos

(1) Quando algum dos presentes indagou ndash Persuade-me que a loacutegica

eacute uacutetil ndash Queres disse Epicteto que te demonstre isso (2) ndash Sim ndash

Portanto eacute-me preciso selecionar um argumento demonstrativo

Quando o outro concordou ltEpicteto dissegt ndash E como saberaacutes se eu

te apresentar um sofisma (3) Quando o homem se calou Epicteto

disse ndash Vecircs como tu mesmo concordas que a loacutegica eacute necessaacuteria jaacute

que sem ela natildeo eacute possiacutevel saber se eacute necessaacuteria ou natildeo (Epicteto

Diatribes 225)51

3 Lektoacuten

A primeira noccedilatildeo que precisa ser esclarecida ao tratarmos dos axiacuteōmata da loacutegica

estoica eacute a de lektoacuten Este termo eacute adjetivo verbal de leacutegō (falar) e significa ldquoo

exprimiacutevelrdquo ldquoo diziacutevelrdquo ldquoo significadordquo Dioacutegenes Laeacutercio quanto ao conceito de

lektoacuten diz-nos

A voz difere da fala porque a voz eacute tambeacutem som mas somente a fala

eacute articulada E a fala difere da linguagem porque a linguagem tem

significado mas a fala eacute tambeacutem sem significado como blituri

enquanto a linguagem jamais Difere tambeacutem o dizer do proferir Pois

as vozes satildeo proferidas mas as coisas que satildeo afinal lektaacute satildeo ditas

(DL 7574)52

Sexto Empiacuterico por sua vez informa-nos que

48

Floresceu em 140 aC 49

Florescimento incerto 50

c 185 aC - c 11009 aC 51

Diatribe intitulada ldquoQuatildeo necessaacuteria eacute a loacutegicardquo Τῶν παρόντων δέ τινος εἰπόντος Πεῖσόν με ὅτι τὰ

λογικὰ χρήσιμά ἐστιν Θέλεις ἔφη ἀποδείξω σοι τοῦτο (2) ndash Ναί ndash Οὐκοῦν λόγον μ

ἀποδεικτικὸν διαλεχθῆναι δεῖ ndash Ὁμολογήσαντος δὲ Πόθεν οὖν εἴσῃ ἄν σε (3) σοφίσωμαι ndash

Σιωπήσαντος δὲ τοῦ ἀνθρώπου Ὁρᾷς ἔφη πῶς αὐτὸς ὁμολογεῖς ὅτι ταῦτα ἀναγκαῖά ἐστιν εἰ χωρὶς

αὐτῶν οὐδ αὐτὸ τοῦτο δύνασαι μαθεῖν πότερον ἀναγκαῖα ἢ οὐκ ἀναγκαῖά ἐστιν 52

διαφέρει δὲ φωνὴ καὶ λέξις ὅτι φωνὴ μὲν καὶ ὁ ἦχός ἐστι λέξις δὲ τὸ ἔναρθρον μόνον λέξις δὲ λόγου

διαφέρει ὅτι λόγος ἀεὶ σημαντικός ἐστι λέξις δὲ καὶ ἀσήμαντος ὡς ἡ βλίτυρι λόγος δὲ οὐδαμῶς

διαφέρει δὲ καὶ τὸ λέγειν τοῦ προφέρεσθαι προφέρονται μὲν γὰρ αἱ φωναί λέγεται δὲ τὰ πράγματα ἃ δὴ

καὶ λεκτὰ τυγχάνει

322 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Havia tambeacutem outro desacordo entre eles [os filoacutesofos] segundo o

qual alguns sustentaram que o verdadeiro e o falso [eacute] acerca do

significado outros acerca da fala outros ainda acerca do movimento

do pensamento E os [filoacutesofos] do Poacutertico defenderam a primeira

opiniatildeo dizendo que trecircs coisas unem-se umas agraves outras o significado

(toacute sēmainoacutemenon) o signo (toacute sēmaicircnon) e que eacute o caso (toacute

tynchaacutenon) dos quais o que significa eacute a voz (como por exemplo

ldquoDionrdquo) e o significado a coisa mesma evidenciada pela voz que

recebemos subsistindo em nosso pensamento (mas os baacuterbaros

embora ouvindo a voz natildeo a compreendem) O que eacute o caso eacute o

substrato exterior como o proacuteprio Dion Por um lado dois desses satildeo

corpos a voz e o que ocorre Mas um eacute incorpoacutereo a coisa

significada ie o diziacutevel (lektoacuten) que eacute ou verdadeiro ou falso (AM

8115-1210 8111 (= SVF 2166))53

Sexto Empiacuterico informa-nos ainda a definiccedilatildeo estoica de lektoacuten segundo a qual este eacute

ldquoo que subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional (phantasiacutea logikḗ) e a

representaccedilatildeo racional aquela segundo a qual o que eacute representado eacute por palavras

apresentado [agrave mente]rdquo (AM 870 (= SVF 2187))54

Assim vemos que os estoicos distinguem trecircs acircmbitos da linguagem o signo o

significado e o objeto exterior O signo diremos em terminologia moderna tem uma

conotaccedilatildeo (um sentido ou uma intensatildeo) e uma denotaccedilatildeo (ou extensatildeo) Tanto o signo

quanto sua extensatildeo (o que ocorre a realidade exterior) satildeo corpoacutereos enquanto o

lektoacuten (o diziacutevel ou o sentido do signo55

) eacute incorpoacutereo O incorpoacutereo por sua vez

subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional Natildeo cabe aqui um estudo detalhado sobre

a noccedilatildeo de corpoacutereo e incorpoacutereo no sistema estoico mas contentar-nos-emos em dizer

que de acordo com a tinologia estoica56

haacute trecircs categorias fundamentais para as coisas

existentes57

(1) algo existente ou corpoacutereo (2) algo inexistente ou incorpoacutereo (3) natildeo-

algo As coisas materiais se encaixam na categoria (1) na categoria (2) temos o tempo

53

ἦν δὲ καὶ ἄλλη τις παρὰ τούτοις διάστασις καθἣν οἱ μὲν περὶ τῷ σημαινομένῳ τὸ ἀληθές τε καὶ

ψεῦδος ὑπεστήσαντο οἱ δὲ περὶ τῇ φωνῇ οἱ δὲ περὶ τῇ κινήσει τῆςδιανοίας καὶ δὴ τῆς μὲν πρώτης δόξης

προεστήκασιν οἱ ἀπὸ τῆς Στοᾶς τρία φάμενοι συζυγεῖν ἀλλήλοις τό τε σημαινόμενον καὶ τὸ σημαῖνον

καὶ τὸ τυγχάνον ὧν σημαῖνον μὲν εἶναι τὴν φωνήν οἷον τὴν Δίων σημαινόμενον δὲ αὐτὸ τὸ πρᾶγμα τὸ

ὑπαὐτῆς δηλούμενον καὶ οὗ ἡμεῖς μὲν ἀντιλαμβανόμεθα τῇ ἡμετέρᾳ παρυφισταμένου διανοίᾳ οἱ δὲ

βάρβαροι οὐκ ἐπαΐουσι καίπερ τῆς φωνῆς ἀκούοντες τυγχάνον δὲ τὸ ἐκτὸς ὑποκείμενον ὥσπερ αὐτὸς ὁ

Δίων τούτων δὲ δύο μὲν εἶναι σώματα καθάπερ τὴν φωνὴν καὶ τὸ τυγχάνον ἓν δὲ ἀσώματον ὥσπερ τὸ

σημαινόμενον πρᾶγμα καὶ λεκτόν ὅπερ ἀληθές τε γίνεται ἢ ἢ ψεῦδος 54

λεκτὸν δὲ ὑπάρχειν φασὶ τὸ κατὰ λογικὴν φαντασίαν ὑφιστάμενον λογικὴν δὲ εἶναι φαντασίαν καθ ἣν

τὸ φαντασθὲν ἔστι λόγῳ παραστῆσαι 55

Bobzien diz-nos que ldquoos lektaacute satildeo os sentidos subjacentes a tudo o que pensamos ou dizemos

subjazendo a toda representaccedilatildeo racional que tenhamos e subsistem mesmo quando ningueacutem pensa neles

ou os pronunciardquo (Bobzien 2003 p 86) 56

O termo tinologia refere-se ao fato de que os estoicos ao contraacuterio de Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo elegem

o ser como categoria uacuteltima do real mas o algo (ti) ndash cf Areas 2012 57

Por exemplo Secircneca Ad Lucilium 5813-15 (= SVF 2332) Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os

Toacutepicos de Aristoacuteteles 301 19-25 (= SVF 2329)

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 8: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

322 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Havia tambeacutem outro desacordo entre eles [os filoacutesofos] segundo o

qual alguns sustentaram que o verdadeiro e o falso [eacute] acerca do

significado outros acerca da fala outros ainda acerca do movimento

do pensamento E os [filoacutesofos] do Poacutertico defenderam a primeira

opiniatildeo dizendo que trecircs coisas unem-se umas agraves outras o significado

(toacute sēmainoacutemenon) o signo (toacute sēmaicircnon) e que eacute o caso (toacute

tynchaacutenon) dos quais o que significa eacute a voz (como por exemplo

ldquoDionrdquo) e o significado a coisa mesma evidenciada pela voz que

recebemos subsistindo em nosso pensamento (mas os baacuterbaros

embora ouvindo a voz natildeo a compreendem) O que eacute o caso eacute o

substrato exterior como o proacuteprio Dion Por um lado dois desses satildeo

corpos a voz e o que ocorre Mas um eacute incorpoacutereo a coisa

significada ie o diziacutevel (lektoacuten) que eacute ou verdadeiro ou falso (AM

8115-1210 8111 (= SVF 2166))53

Sexto Empiacuterico informa-nos ainda a definiccedilatildeo estoica de lektoacuten segundo a qual este eacute

ldquoo que subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional (phantasiacutea logikḗ) e a

representaccedilatildeo racional aquela segundo a qual o que eacute representado eacute por palavras

apresentado [agrave mente]rdquo (AM 870 (= SVF 2187))54

Assim vemos que os estoicos distinguem trecircs acircmbitos da linguagem o signo o

significado e o objeto exterior O signo diremos em terminologia moderna tem uma

conotaccedilatildeo (um sentido ou uma intensatildeo) e uma denotaccedilatildeo (ou extensatildeo) Tanto o signo

quanto sua extensatildeo (o que ocorre a realidade exterior) satildeo corpoacutereos enquanto o

lektoacuten (o diziacutevel ou o sentido do signo55

) eacute incorpoacutereo O incorpoacutereo por sua vez

subsiste segundo uma representaccedilatildeo racional Natildeo cabe aqui um estudo detalhado sobre

a noccedilatildeo de corpoacutereo e incorpoacutereo no sistema estoico mas contentar-nos-emos em dizer

que de acordo com a tinologia estoica56

haacute trecircs categorias fundamentais para as coisas

existentes57

(1) algo existente ou corpoacutereo (2) algo inexistente ou incorpoacutereo (3) natildeo-

algo As coisas materiais se encaixam na categoria (1) na categoria (2) temos o tempo

53

ἦν δὲ καὶ ἄλλη τις παρὰ τούτοις διάστασις καθἣν οἱ μὲν περὶ τῷ σημαινομένῳ τὸ ἀληθές τε καὶ

ψεῦδος ὑπεστήσαντο οἱ δὲ περὶ τῇ φωνῇ οἱ δὲ περὶ τῇ κινήσει τῆςδιανοίας καὶ δὴ τῆς μὲν πρώτης δόξης

προεστήκασιν οἱ ἀπὸ τῆς Στοᾶς τρία φάμενοι συζυγεῖν ἀλλήλοις τό τε σημαινόμενον καὶ τὸ σημαῖνον

καὶ τὸ τυγχάνον ὧν σημαῖνον μὲν εἶναι τὴν φωνήν οἷον τὴν Δίων σημαινόμενον δὲ αὐτὸ τὸ πρᾶγμα τὸ

ὑπαὐτῆς δηλούμενον καὶ οὗ ἡμεῖς μὲν ἀντιλαμβανόμεθα τῇ ἡμετέρᾳ παρυφισταμένου διανοίᾳ οἱ δὲ

βάρβαροι οὐκ ἐπαΐουσι καίπερ τῆς φωνῆς ἀκούοντες τυγχάνον δὲ τὸ ἐκτὸς ὑποκείμενον ὥσπερ αὐτὸς ὁ

Δίων τούτων δὲ δύο μὲν εἶναι σώματα καθάπερ τὴν φωνὴν καὶ τὸ τυγχάνον ἓν δὲ ἀσώματον ὥσπερ τὸ

σημαινόμενον πρᾶγμα καὶ λεκτόν ὅπερ ἀληθές τε γίνεται ἢ ἢ ψεῦδος 54

λεκτὸν δὲ ὑπάρχειν φασὶ τὸ κατὰ λογικὴν φαντασίαν ὑφιστάμενον λογικὴν δὲ εἶναι φαντασίαν καθ ἣν

τὸ φαντασθὲν ἔστι λόγῳ παραστῆσαι 55

Bobzien diz-nos que ldquoos lektaacute satildeo os sentidos subjacentes a tudo o que pensamos ou dizemos

subjazendo a toda representaccedilatildeo racional que tenhamos e subsistem mesmo quando ningueacutem pensa neles

ou os pronunciardquo (Bobzien 2003 p 86) 56

O termo tinologia refere-se ao fato de que os estoicos ao contraacuterio de Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo elegem

o ser como categoria uacuteltima do real mas o algo (ti) ndash cf Areas 2012 57

Por exemplo Secircneca Ad Lucilium 5813-15 (= SVF 2332) Alexandre de Afrodiacutesias Sobre os

Toacutepicos de Aristoacuteteles 301 19-25 (= SVF 2329)

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 9: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

323 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

o espaccedilo o vazio e o lektoacuten na categoria (3) temos as entidades fictiacutecias e os limites O

incorpoacutereo como vimos acima embora natildeo existente subsiste Sellars (2006 p 85)

observa que com isso

Os estoicos querem ser capazes de dizer que esses incorpoacutereos satildeo

reais pois para serem objetos de pensamento devem ao menos ser

algo mas na medida em que natildeo satildeo corpos os estoicos natildeo podem

dizer que eles existem Ao inveacutes disso eles dizem que esses

incorpoacutereos subsistem eles satildeo reais mas satildeo realidades natildeo-

existentes58

Especificamente quanto ao lektoacuten Long amp Sedley (1987 (1) p 164-5) sugerem que sua

incorporeidade foi primariamente proposta no acircmbito da causalidade

Pois um efeito causal eacute um predicado incorpoacutereo ndash natildeo um corpo mas

isso que se torna verdade de um corpo ou que pertence a ele como

atributo [] Logo embora num contexto loacutegico os lektaacute possam ser

em alguma medida dependentes do pensamento no contexto causal

eles subsistem objetivamente

Em outros termos o lektoacuten eacute objetivo na medida em que se refere a certo atributo de um

corpo mas enquanto propriedade de uma representaccedilatildeo (que eacute algo corpoacutereo uma

modificaccedilatildeo do hēgemonikoacuten) eacute dependente e subsiste apenas subjetivamente59

Aleacutem disso sendo o lektoacuten o intermediaacuterio entre as palavras e as coisas podemos

afirmar junto com Drozdek (2002 p 99) que ao introduzir a noccedilatildeo de lektoacuten os

estoicos evitam os problemas de determinar como diferentes pensamentos ndash

modificaccedilotildees do hēgemoacutenikon de duas pessoas ou de uma pessoa em diferentes

momentos ndash podem ter o mesmo sentido Pois para os estoicos a comparaccedilatildeo de

pensamentos eacute possiacutevel porque haacute um tertio comparationis a saber o sentido objetivo

do pensamento o lektoacuten Em outros termos o lektoacuten eacute o conteuacutedo articulaacutevel em forma

linguiacutestica da phantasiacutea Esse conteuacutedo eacute o resultado da accedilatildeo do pensamento sobre a

percepccedilatildeo pela qual ele a classifica ou interpreta

58

Cf AM 117

59 Tomemos por exemplo a formulaccedilatildeo quiacutemica da essecircncia da baunilha Vanilina ou seriam

signos do lektoacuten que se refere agrave disposiccedilatildeo atocircmica que caracteriza a baunilha A baunilha eacute corpoacuterea

assim como os signos de sua composiccedilatildeo quiacutemica O lektoacuten referente aos signos que eacute expressatildeo objetiva

da composiccedilatildeo da baunilha eacute obviamente incorpoacutereo Eacute a expressatildeo dessa composiccedilatildeo e natildeo a proacutepria

composiccedilatildeo

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 10: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

324 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

22 Axiōma

Os lektaacute dividem-se em deficientes ou incompletos (ellipeacutes) e completos (autoteleacutes) Os

primeiros tecircm expressatildeo incompleta como ldquoescreverdquo ou ldquoandardquo casos em que

perguntamos ldquoQuemrdquo Os completos tecircm expressatildeo completa como ldquoSoacutecrates

escreverdquo Estes incluem axiacuteōmata questotildees inqueacuteritos comandos juramentos

invocaccedilotildees exortaccedilotildees saudaccedilotildees e semi-axiacuteōmata (DL 7 65-8)60

Um axiacuteōma por

sua vez eacute definido como ldquoum lektoacuten completo em si mesmo que pode ser afirmado no

quanto concerne a si mesmordquo (HP 2104)61

Assim de acordo com Sexto o que

distingue os axiacuteōmata dos demais lektaacute eacute (i) que podem ser afirmados (ii) na medida do

que se refere a eles mesmos Embora possam ser afirmados natildeo satildeo proposiccedilotildees mas

as proposiccedilotildees ocorrem quando se diz um axiacuteōma (DL 765 HP 2104 Aulo Geacutelio

Noites Aacuteticas 168) Ser afirmado (i) eacute a funccedilatildeo primaacuteria do axiacuteōma enquanto (ii) se

refere ao fato de que duas coisas satildeo necessaacuterias para se dizer um axiacuteōma o proacuteprio

axiacuteōma e algueacutem que o pronuncie (Bobzien 2003 p86)62

Haacute signos de diversos tipos que correspondem a distintos lektaacute incompletos que por sua

vez combinam-se para formar um axiacuteōma o verbo (rhḗma) o nome proacuteprio (oacutenoma63

)

o nome de uma classe (prosēgoriacutea64

) a frase (loacutegos) O lektoacuten correspondente ao verbo

60

Um inqueacuterito se distingue de uma questatildeo por natildeo poder ser respondido com um simples ldquosimrdquo ou

ldquonatildeordquo Um semi-axiacuteōma ocorre quando se pronuncia um axiacuteōma com emoccedilatildeo ou tom intensificado por

exemplo ldquoOacute como eacute belo o Partenonrdquo 61

καὶ τὸ μὲν ἀξίωμά φασιν εἶναι λεκτὸν αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ Em Dioacutegenes Laeacutercio

(7654-5) temos definiccedilatildeo proacutexima ldquoAxiacuteōma eacute o que eacute verdadeiro ou falso o lektoacuten completo que se

afirma no quanto concerne a si mesmo Como Crisipo diz em suas Definiccedilotildees Dialeacuteticas ldquoAxiacuteōma eacute o

que se afirma ou se nega no quanto concerne a si mesmo Por exemplo ldquoEacute diardquo ldquoDion caminhardquo

(Ἀξίωμα δέ ἐστιν ὅ ἐστιν ἀληθὲς ἢ ψεῦδος ἢ πρᾶγμα αὐτοτελὲς ἀποφαντὸν ὅσον ἐφ ἑαυτῷ ὡς ὁ

Χρύσιππός φησιν ἐν τοῖς 7655 Διαλεκτικοῖς ὅροις ldquoἀξίωμά ἐστι τὸ ἀποφαντὸν ἢ καταφαντὸν ὅσον ἐφ

ἑαυτῷ οἷον Ἡμέρα ἐστί Δίων περιπατεῖ) Como tambeacutem em Aulo Geacutelio (Noites Aacuteticas 168) Redimus

igitur necessario ad Graecos libros Ex quibus accepimus ἀξίωμα esse his uerbis λεκτὸν αὐτοτελὲς

ἀπόφαντον ὅσον ἐφ αὑτῷ 62

Dioacutegenes Laeacutercio observa que ἀξίωμα eacute derivado do verbo ἀξιόω que significa o ato de aceitar ou

rejeitar (DL 765) Nesse ensaio simplesmente transcreveremos o termo para evitar confusatildeo com a

proposiccedilatildeo moderna O axiacuteōma literalmente eacute o que eacute asserido sendo traduzido por lsquoassertiacutevelrsquo ou

lsquoasseriacutevelrsquo em portuguecircs Os romanos ofereceram algumas opccedilotildees para traduzir o termo Aulo Geacutelio

(Noites Aacuteticas 1688) nos informa que Varro o traduziu por proloquium Ciacutecero traduziu-o

provisoriamente por pronuntiatum (Questotildees Tusculanas 1714) optando mais tarde por enunciatio (Do

Destino I) 63

Um nome proacuteprio eacute uma parte da linguagem que se refere a uma qualidade de no maacuteximo um

indiviacuteduo Cf DL 758 AM 1133 64

Cumpre notar que o lektoacuten de uma classe (prosēgoriacutea) eacute uma propriedade comum a vaacuterios indiviacuteduos

(koinḗ poiotḗs) Cf DL 758 AM 1133 Para uma discussatildeo aprofundada sobre o tema remetemos o

leitor a Mates 1961 p 23-26

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 11: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

325 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

eacute o katēgoacuterēma65

(o predicado) O lektoacuten correspondente ao oacutenoma e agrave prosēgoriacutea eacute o

ptṓsis (sujeito) Tais lektaacute satildeo deficientes isto eacute incompletos e o axiacuteōma que eacute um

lektoacuten completo eacute composto por ptṓsis e katēgoacuterēma 66

Por fim O lektoacuten

correspondente agrave frase eacute evidentemente o axiacuteōma

Os axiacuteōmata satildeo os portadores primaacuterios de valores de verdade ou falsidade (Cf AM

874 812 DL 765-66 Ciacutecero Do Destino 38) Para os estoicos verdade e falsidade

em sentido primaacuterio satildeo propriedades de axiacuteōmata ldquoquem diz que lsquoeacute diarsquo parece aceitar

que eacute dia assim quando eacute dia o presente axiacuteōma se torna verdadeiro e quando eacute noite

torna-se falsordquo (DL 765 Cf AM 874 8103 Ciacutecero Do Destino 38) Em outros

termos um axiacuteōma expresso por uma sentenccedila eacute verdadeiro quando o estado de coisas

correspondente a ele eacute a realidade e eacute falso quando se daacute o contraacuterio Pois como

observa Sexto ldquoo verdadeiro axiacuteōma eacute aquele que eacute (toacute hypaacuterchei) e eacute contraditoacuterio a

algo ie a outro axiacuteōma e o axiacuteōma falso eacute aquele que natildeo eacute (ouk toacute hypaacuterchei) e eacute

contraditoacuterio a algo ie a outro axiacuteōmardquo (AM 810 85 88)67

Para Kneale amp Kneale

(1962 p 153) a definiccedilatildeo de Sexto ldquosugere que o axiacuteōma verdadeiro tem uma estrutura

correspondente agrave estrutura similar no objeto descritordquo 68

Em outros termos o axiacuteōma

verdadeiro seria a afirmaccedilatildeo de uma estrutura ou propriedade estrutural de algo69

Segundo Bobzien (2003 p 87) a noccedilatildeo estoica de axiacuteōma parece-se de certa forma

com a proposiccedilatildeo fregeana diferenciando-se desta por ter o valor de verdade associado

65

DL 758 Quanto agrave definiccedilatildeo de katēgoacuterēma cf nota imediatamente abaixo 66

Cf DL 764 ldquoUm predicado eacute de acordo com os seguidores de Apolodoro o que eacute dito de algo em

outras palavras algo associado a um ou mais sujeitosrdquo (Ἔστι δὲ τὸ κατηγόρημα τὸ κατά τινος

ἀγορευόμενον ἢ πρᾶγμα συντακτὸν περί τινος ἢ τινῶν ὡς οἱ περὶ Ἀπολλόδωρόν φασιν) 67

ἀληθὲς γάρ ἐστι κατ αὐτοὺς τὸ ὑπάρχον καὶ ἀντικείμενόν τινι καὶ ψεῦδος τὸ μὴ ὑπάρχον καὶ

ἀντικείμενόν τινι Cf AM 885 888 68

Bobzien (2003 p 88) entretanto observa que ldquoO uacutenico acesso que haacute para os assertiacuteveis eacute via

linguagem mas natildeo haacute correspondecircncia biuniacutevoca entre essertiacuteveis e sentenccedilas declarativas Uma uacutenica

sentenccedila de certo tipo pode expressar lektaacute completos pertencentes a diferentes classes Igualmente duas

sentenccedilas de diferentes estruturas gramaticais podem expressar o mesmo assertiacutevel Como entatildeo sabemos

que assertiacutevel uma sentenccedila expressardquo Entretanto quanto a isto podemos responder tratar-se de uma

questatildeo de ambiguidade que pode ser resolvida de modo simples 69

Por exemplo o axiacuteōma (significado) referente agrave frase (signo) ldquoO diamante consiste numa rede

cristalina de carbonos com hibridaccedilatildeo sp3 formando 4 ligaccedilotildees que definem acircngulos de 1095ordm entre sirdquo eacute

verdadeiro na medida em que retrata a estrutura molecular das pedras de diamante O mesmo axiacuteōma

pode ser expresso pela imagem (signo)

Ambos os signos remetem-se evidentemente ao que significam a afirmaccedilatildeo da estrutura molecular dos

diamantes sendo tal estrutura propriedade molecular dos diamantes

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 12: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

326 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

agrave temporalidade (DL 765)70

Como vimos para os estoicos a proposiccedilatildeo expressa por

ldquoEacute diardquo eacute verdadeira quando eacute dia e ela mesma eacute falsa quando eacute noite ao passo que

Frege consideraria tratar-se de diferentes proposiccedilotildees expressas pela mesma frase

Os estoicos distinguem entre axiacuteōmata simples e natildeo-simples distinccedilatildeo anaacuteloga agrave das

proposiccedilotildees loacutegicas contemporacircneas que se dividem em atocircmicas e moleculares (DL

768-9)71

Os axiacuteōmata simples distinguem-se dos natildeo-simples por natildeo possuiacuterem

conectivos (syacutendesmos) partes indeclinaacuteveis da linguagem que unem outras partes da

linguagem (DL 758) Por essa definiccedilatildeo os estoicos natildeo consideram a negaccedilatildeo um

operador loacutegico embora reconheccedilam sua verofuncionalidade (cf abaixo) Assim a

negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute para os estoicos tambeacutem um axiacuteōma simples ao

contraacuterio do que vale para a loacutegica contemporacircnea segundo a qual a negaccedilatildeo de uma

proposiccedilatildeo simples eacute uma proposiccedilatildeo complexa Os axiacuteōmata natildeo-simples aleacutem de

possuiacuterem conectivos satildeo compostos por axiacuteōmata simples ou pela repeticcedilatildeo de um

mesmo axiacuteōma simples (DL 768-9)72

Os axiacuteōmata simples dividem-se em trecircs tipos afirmativos e trecircs tipos negativos (DL

769-70 AM 8 96-100) Dioacutegenes Laeacutercio (DL 769-70 (= SVF 2204)) e Sexto

Empiacuterico (AM 893-8 (= SVF 2205)) nos informam sobre essa classificaccedilatildeo com

pequena diferenccedila entre os relatos

Sexto nos diz que os axiacuteōmata simples afirmativos dividem-se em (i) definidos

(hōriacutesmena) (ii) indefinidos (aoacuterista) e (iii) meacutedios (meacutesa)73

Os definidos seriam os

expressos atraveacutes de referecircncia demonstrativa por exemplo ldquoEste caminhardquo Essa

referecircncia demonstrativa (kataacute deicircxin) seria o proacuteprio ato de apontar para alguma coisa e

referir-se a ela74

Os indefinidos seriam primariamente constituiacutedos por um pronome

indefinido por exemplo ldquoAlgueacutem estaacute caminhandordquo Os meacutedios satildeo aqueles que nem

satildeo definidos nem indefinidos por exemplo ldquoSoacutecrates caminhardquo ldquoUm homem estaacute

sentadordquo Este porque natildeo faz referecircncia a qualquer pessoa em particular Aquele por

70

Esses assertiacuteveis que sofrem mudanccedila em seu valor de verdade satildeo chamados pelos estoicos de

metapiptoacutenta axiacuteōmata O princiacutepio da bivalecircncia segundo o qual ldquotoda proposiccedilatildeo eacute ou verdadeira ou

falsardquo tambeacutem recebe a seguinte formulaccedilatildeo ldquoa disjunccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo com sua negaccedilatildeo eacute sempre

verdadeirardquo (cf Ciacutecero Academica 297) Tal princiacutepio na concepccedilatildeo de Crisipo e dos demais estoicos

aplica-se igualmente a todos axiacuteōmata sejam eles referentes ao passado ao presente ou ao futuro (Cf

Ciacutecero Do Destino 37 20-1) 71

Laeacutercio afirma ser tal classificaccedilatildeo adotada pelos seguidores de Crisipo como Arquedemos de Tarso

(fl c 140 aC) e Crinis (c seacuteculo II aC) 72

Exemplo deste uacuteltimo ldquoSe eacute dia eacute diardquo 73

τῶν δὲ ἁπλῶν τινὰ μὲν ὡρισμένα ἐστὶν τινὰ δὲ ἀόριστα τινὰ δὲ μέσα 74

Bobzien (2003 p 89) define deicircxis como ldquoo ato de fisicamente apontar para algo junto com a elocuccedilatildeo

da sentenccedila com o pronomerdquo

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 13: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

327 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

natildeo conter referecircncia demonstrativa ou pronome indefinido Dioacutegenes Laeacutercio por sua

vez (que como jaacute observamos acima cita verbatim um manual de loacutegica de Diocles de

Magneacutesia) apresenta divisatildeo similar (i) assertoacutericos (kategorikaacute) (ii) demonstrativos

(kategoreutikaacute) (iii) indefinidos (aoacuterista)75

Os assertoacutericos satildeo compostos de um caso

nominativo e um predicado por exemplo ldquoDion caminhardquo Os demonstrativos satildeo

compostos de um pronome demonstrativo no nominativo e um predicado por exemplo

ldquoEste caminhardquo Os indefinidos satildeo compostos por uma ou mais partiacuteculas indefinidas e

um predicado por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo Os indefinidos aparecem em ambas as

listas os demonstrativos correspondem aos definidos os assertoacutericos correspondem aos

meacutedios Somando os dois relatos temos o seguinte

(i) definidos (hōriacutesmena) ou demonstrativos (kategoreutikaacute) expressos com referecircncia

demonstrativa constituiacutedos por pronome definido e predicado76

(ii) indefinidos (aoacuterista) constituiacutedos por pronome indefinido e predicado

(iii) meacutedios (meacutesa) ou assertoacutericos (kategorikaacute) nem definidos nem indefinidos

Quanto agraves condiccedilotildees de verdade dos axiacuteōmata Sexto nos informa que um axiacuteōma

indefinido eacute verdadeiro quando seu correspondente definido tambeacutem o eacute77

Por outro

lado um axiacuteōma definido eacute verdadeiro quando o predicado pertence agravequilo a que se faz

a referecircncia demonstrativa (AM 8100 (= SVF 2205)) Haacute exceccedilatildeo poreacutem no caso de

um axiacuteōma definido como por exemplo ldquoEsse estaacute mortordquo (apontando para a Dion) e

o meacutedio correspondente ldquoDion estaacute mortordquo Para os estoicos esses dois axiacuteōmata ao

serem pronunciados ao mesmo tempo podem ter diferentes valores de verdade (Cf

Alexandre de Afrodiacutesias In An Pr 17725 - 1794) ldquoEsse estaacute mortordquo (referindo-se a

Dion) eacute falso quando Dion estaacute vivo Entretanto tal axiacuteōma eacute ldquodestruiacutedordquo quando Dion

estaacute morto (pois o objeto da referecircncia demonstrativa deixa de existir) enquanto ldquoDion

estaacute mortordquo apenas muda de valor quando Dion morre Quanto a isso Long amp Sedley

(1987 (1) p 206-7) argumentam que os estoicos concordariam com loacutegicos modernos

para os quais expressotildees como ldquoO atual rei da Franccedila eacute carecardquo satildeo carentes de valor de

75

κατηγορικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoΔίων περιπατεῖrdquo

καταγορευτικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ πτώσεως ὀρθῆς δεικτικῆς καὶ κατηγορήματος οἷον ldquoοὗτος

περιπατεῖrdquo ἀόριστον δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀορίστου μορίου ἢ ἀορίστων μορίων ltκαὶ κατηγορήματοςgt

οἷον ldquoτὶς περιπατεῖrdquo ldquoἐκεῖνος κινεῖταιrdquo 76

Nesse contexto eacute importante mencionar um fragmento de Crisipo do seu hoje perdido Acerca da Alma

citado por Galeno (Sobre as doutrinas de Platatildeo e Hipoacutecrates 229-11 = SVF 2895) quanto ao uso do

pronome egṓ (eu) Para Crisipo o uso do pronome ldquoeurdquo implica um axiacuteōma demonstrativo pois ldquoeurdquo faz

referecircncia ao lugar onde se encontra aquele que fala Em outros termos quando o usamos implicitamente

fazemos uma referecircncia demonstrativa a noacutes mesmos 77

Por exemplo ldquoAlgueacutem caminhardquo eacute verdadeiro quando ldquoEsse caminhardquo o for Cf AM 898 ( =

SVF2205)

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 14: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

328 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

verdade e que os axiacuteōmata correspondentes a tais frases satildeo ldquodestruiacutedosrdquo quer dizer

ldquodeixam de satisfazer as condiccedilotildees que qualquer diziacutevel completo deve cumprir para

serem proposiccedilotildees de qualquer tipordquo No axiacuteōma definido ldquoEsse estaacute mortordquo ldquoesserdquo estaacute

para ldquoesse homemrdquo e se Dion estaacute morto ldquoEsse estaacute mortordquo se torna impossiacutevel quando

referindo-se a Dion jaacute que natildeo haacute mais Dion para se fazer a referecircncia demonstrativa78

ldquoos estoicos pode-se supor como Russell tecircm razotildees epistecircmicas para dar tamanho

peso agrave referecircncia demonstrativa esse eacute o meio mais direto de indicar sem descrever

algo que um falante sabe ou crecirc existirrdquo

Kneale amp Kneale (1962 P 146) observam que duas peculiaridades dessa classificaccedilatildeo

devem ser notadas Primeiro nenhuma distinccedilatildeo eacute feita entre axiacuteōmata expressos por

sentenccedilas com nomes proacuteprios e os expressos por sentenccedilas que tecircm nomes de classe

como sujeito Isso porque para os estoicos em ambos os casos o lektoacuten significa uma

determinada qualidade Como vimos acima aos signos do nome proacuteprio (oacutenoma) e do

nome de uma classe (prosēgoriacutea) correspondem como lektoacuten o sujeito (ptṓsis) o nome

proacuteprio aponta para uma qualidade que pertence a no maacuteximo um indiviacuteduo enquanto o

nome de classe aponta para uma qualidade proacutepria a muitos indiviacuteduos Segundo natildeo

haacute espaccedilo aiacute para proposiccedilotildees como as universais aristoteacutelicas79

Para os estoicos

informa-nos Sexto (AM 898) definiccedilotildees distinguem-se dos axiacuteōmata apenas na

expressatildeo pois a definiccedilatildeo ldquohomem eacute um animal mortalrdquo corresponde ao axiacuteōma ldquoSe eacute

homem entatildeo eacute animal mortalrdquo Essa concepccedilatildeo sobre as universais em forma de

condicionais reflete o nominalismo estoico Para os estoicos natildeo haacute Formas platocircnicas

ou universais aristoteacutelicos Os nomes de classe natildeo se referem a qualquer entidade

extramental que exista por si mesma ou separadamente da mateacuteria Quando por

exemplo dizemos ldquoHomem eacute animal racionalrdquo podemos ser tentados a considerar o

sujeito ldquoHomemrdquo como algum tipo de realidade existente por si Mas esse problema se

dilui se pusermos na forma condicional ldquoSe eacute homem entatildeo eacute animalrdquo (Cf AM 28)

Nessa perspectiva Crisipo desenvolveu o que chamaremos de argumento ldquonenh-umrdquo

Se algum homem estaacute em Atenas natildeo estaacute em Meacutegara

homem estaacute em Atenas

Logo homem natildeo estaacute em Meacutegara

78

Como observa Joatildeo Filopono de Alexandria (c 490 ndash c 570) tambeacutem conhecido como Joatildeo o

Gramaacutetico ldquoA palavra esse sendo decircitica significa algo que existe mas a palavra morto significa algo

que natildeo existe Eacute impossiacutevel para o que existe natildeo existir Logo lsquoEsse homem estaacute mortorsquo eacute impossiacutevelrdquo

(apud Mates 1961 p 30 nota 1) 79

Ie ldquoTodo A eacute Brdquo e ldquoNenhum A eacute Brdquo onde A e B satildeo variaacuteveis que devem ser substituiacutedas por nomes

de classe (universais)

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 15: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

329 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

(Simpliacutecio Sobre as Categorias de Aristoacuteteles 1057-16 Cf DL

7187)80

Como observa Sellars (2006 p 85) Crisipo deseja com esse argumento direcionado

aos platocircnicos mostrar que o termo ldquohomemrdquo refere-se a coisa ldquonenh-umardquo De acordo

com a tinologia estoica uma coisa antes de ser o que for tem de ser algo (ti) Um

platocircnico aceitaria a primeira premissa e natildeo teria razatildeo para recusar a segunda mas a

conclusatildeo seria obviamente inaceitaacutevel Para evitar a conclusatildeo o platocircnico tem de

rejeitar a premissa entimemaacutetica segundo a qual ldquohomem eacute algo (ti)rdquo Poreacutem ao fazecirc-lo

eacute forccedilado a admitir que ldquohomemrdquo natildeo eacute algo

Passemos aos axiacuteōmata simples negativos Como vimos acima a negaccedilatildeo (apoacutephasis)

natildeo eacute um conectivo para os estoicos razatildeo pela qual a negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute

tambeacutem um axiacuteōma simples Sexto nos informa que para os estoicos as contraditoacuterias81

ldquosatildeo aquelas que excedem uma agrave outra pela negaccedilatildeordquo (AM 888-90 (= SVF 2214))82

Sexto esclarece ainda que tal negaccedilatildeo deve ser anteposta ao axiacuteōma para que possa

ldquocomandaacute-lordquo quer dizer para que possa negaacute-lo como um todo83

Segundo Dioacutegenes

Laeacutercio haacute trecircs tipos de axiacuteōmata simples negativos na loacutegica estoica

Entre os axiacuteōmata simples estatildeo o negativo (apophatikoacuten) o

assertoacuterico negativo (arnētikoacuten) o privativo (sterētikoacuten) [] O

negativo ltconsiste de uma negaccedilatildeo e um axiacuteōmagt por exemplo ldquoNatildeo

eacute diardquo Espeacutecie desse eacute a dupla negaccedilatildeo (hyperapophatikoacuten) A dupla

negaccedilatildeo eacute a negaccedilatildeo da negaccedilatildeo por exemplo ldquoNatildeo eacute o caso que natildeo

seja diardquo que equivale a ldquoEacute diardquo O assertoacuterico negativo eacute a uniatildeo de

uma partiacutecula negativa e um predicado por exemplo ldquoNingueacutem

caminhardquo O privativo eacute a uniatildeo de uma partiacutecula de privaccedilatildeo e de um

axiacuteōma potencial por exemplo ldquoEsse [homem] eacute desumanordquo (DL

769-70)84

Bobzien (2003 P 90) observa que o mais importante axiacuteōma negativo eacute a negaccedilatildeo

Uma negaccedilatildeo eacute formada pela adiccedilatildeo da partiacutecula ldquonatildeordquo a uma axiacuteōma (por exemplo

80

ldquoεἴ τις ἐστιν ἐν Μεγάροις οὐκ ἔστιν ἐν Ἀθήναις ἄνθρωπος δ ἐστὶν ἐν Μεγάροις οὐκ ἄρ ἐστὶν

ἄνθρωπος ἐν Ἀθήναιςrdquo 81

ἀντικείμενά 82

ἀντικείμενά ἐστιν ὧν τὸ ἕτερον τοῦ ἑτέρου ἀποφάσει πλεονάζει 83

Por exemplo a negaccedilatildeo (apoacutephasis) de ldquoEacute diardquo eacute ldquoNatildeo Eacute diardquo e natildeo ldquoEacute natildeo-diardquo Feita essa ressalva

usaremos nesse artigo o siacutembolo corrente para a negaccedilatildeo (~) pois embora natildeo vista pelos estoicos como

um conectivo reconhecem sua verofuncionalidade 84

Ἐν δὲ τοῖς ἁπλοῖς ἀξιώμασίν ἐστι τὸ ἀποφατικὸν καὶ τὸ καὶ τὸ ἀρνητικὸν καὶ τὸ στερητικὸν καὶ τὸ

κατηγορικὸν καὶ τὸ καταγορευτικὸν καὶ τὸ ἀόριστον [] καὶ ἀποφατικὸν μὲν οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα ἐστίνrdquo

εἶδος δὲ τούτου τὸ ὑπεραποφατικόν ὑπεραποφατικὸν δ ἐστὶν ἀποφατικὸν ἀποφατικοῦ οἷον ldquoοὐχὶ ἡμέρα

ltοὐκgt ἔστιrdquo τίθησι δὲ τὸ ldquoἡμέρα ἐστίνrdquo Ἀρνητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐξ ἀρνητικοῦ μορίου καὶ

κατηγορήματος οἷον ldquoοὐδεὶς περιπατεῖrdquo στερητικὸν δέ ἐστι τὸ συνεστὸς ἐκ στερητικοῦ μορίου καὶ

ἀξιώματος κατὰ δύναμιν οἷον ldquoἀφιλάνθρωπός ἐστιν οὗτοςrdquo ( lacuna)

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 16: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

330 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

ldquoNatildeo Dion caminhardquo) Isso se distingue de ldquoDion natildeo caminhardquo que na verdade conta

como uma afirmaccedilatildeo que ao contraacuterio de ldquoNatildeo Dion caminhardquo pressupotildee a existecircncia

de Dion para ser verdadeira (Cf Apuleio De Int 17722-31 Alexandre de Afrodiacutesias

In An Pr 4028-12) A negaccedilatildeo estoica eacute verofuncional adicionando a partiacutecula

negativa a um axiacuteōma verdadeiro se obteacutem um axiacuteōma falso e vice-versa (AM 7203)

A negaccedilatildeo de um axiacuteōma simples eacute um axiacuteōma simples85

Evidentemente a negaccedilatildeo de

um axiacuteōma natildeo-simples eacute um axiacuteōma natildeo-simples A dupla negaccedilatildeo tambeacutem eacute um

axiacuteōma simples O segundo tipo de negaccedilatildeo consiste em uma partiacutecula negativa e um

predicado O privativo eacute um axiacuteōma simples composto por uma partiacutecula privativa e um

axiacuteōma potencial

Passemos agora aos axiacuteōmata natildeo-simples Tais axiacuteōmata satildeo compostos por axiacuteōmata

simples ou pela repeticcedilatildeo de um mesmo axiacuteōma (DL 768-9) 86

Como vimos acima os

axiacuteōmata natildeo-simples satildeo unidos por conectivos partes indeclinaacuteveis da linguagem que

unem outras partes da linguagem (DL 758) Um axiacuteōma natildeo-simples pode ser

composto por dois ou mais axiacuteōmata simples (Cf Plutarco Das Contradiccedilotildees dos

Estoicos 1047 c-e) Aleacutem disso podem tambeacutem ser constituiacutedos por axiacuteōmata natildeo-

simples (embora em uacuteltima anaacutelise sejam evidentemente compostos por axiacuteōmata

simples) Por exemplo ldquoSe tanto eacute dia quanto o sol estaacute sobre a terra haacute luzrdquo Tambeacutem

conjunccedilotildees e disjunccedilotildees podem ter mais trecircs ou mais elementos Por exemplo ldquoOu a

sauacutede eacute boa ou eacute maacute ou eacute indiferenterdquo (AM 8434)

Dioacutegenes oferece-nos uma lista dos tipos de axiacuteōmata natildeo-simples que comentaremos a

seguir acrescentando informaccedilotildees obtidas por outras fontes primaacuterias

Em primeiro lugar Dioacutegenes Laeacutercio cita a condicional (DL 771)87

tomando uma

definiccedilatildeo que ele afirma estar presente nos Tratados de Dialeacutetica de Crisipo e na Arte

de Dialeacutetica de Dioacutegenes da Babilocircnia ambas obras hoje perdidas Segundo a

definiccedilatildeo um axiacuteōma condicional seria ldquoo que eacute unido atraveacutes do conectivo hipoteacutetico

ldquoserdquo (DL 771)88

Quanto agrave questatildeo das condicionais esse debate como observamos

acima iniciou-se entre os megaacutericos e tornou-se tatildeo inflamado que segundo Caliacutemaco

ldquomesmo os corvos nos cimos dos telhados corvejam sobre a questatildeo acerca de que

85

O mesmo vale para a dupla negaccedilatildeo 86

διαφορουμένου particiacutepio de διαφορέω que significa literalmente ldquoespalhadordquo ldquodisperso 87

συνημμένον particiacutepio perfeito do verbo συνάπτω (unir) Os gregos tambeacutem referem-se agrave condicional

como σημεῖον (Cf HP 2110) 88

τὸ συνεστὸς διὰ τοῦ ldquoεἰrdquo συναπτικοῦ συνδέσμου

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 17: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

331 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

condicional eacute verdadeirardquo (AM 1309-310)89

Esse debate parece ter-se iniciado com os

megaacutericos Philo90

e Diodoro Crono Sexto Empiacuterico nos informa que Philo ldquodiz ser uma

condicional verdadeira aquela em que natildeo eacute o caso que a antecedente 91

seja verdadeira

e a consequente92

falsa ndash por exemplo quando eacute dia e estou conversando lsquoSe eacute dia eu

conversorsquordquo (HP 21101)93

Essa concepccedilatildeo corresponde exatamente ao que se chama

hoje de implicaccedilatildeo material A segunda concepccedilatildeo sobre as condicionais mencionada

por Sexto eacute aquela de Diodoro Crono

[] que nem foi possiacutevel nem eacute possiacutevel a antecedente ltsergt

verdadeira e a consequente falsa segundo esta visatildeo parece ser falsa a

condicional dita acima94

jaacute que quando eacute dia e estou calado a

antecedente eacute verdadeira a conclusatildeo95

eacute falsa mas esta eacute verdadeira

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos

indivisiacuteveis das coisasrdquo Pois eacute sempre falsa a antecedente ldquonatildeo haacute

elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo e segundo ele verdadeira a

consequecircncia ldquohaacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo (HP 21105 ndash

1115)96

Segundo tal concepccedilatildeo uma condicional verdadeira eacute aquela para a qual eacute impossiacutevel

que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa Tal concepccedilatildeo envolve uma

teoria de modalidade97

A terceira concepccedilatildeo mencionada por Sexto eacute atribuiacuteda pelos

comentadores a Crisipo embora o nome deste natildeo seja mencionado na passagem

Os que introduzem lta noccedilatildeo degt conexatildeo98

dizem ser verdadeira a

condicional quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

89

Caliacutemaco foi um famoso gramaacutetico e poeta chefe da Biblioteca de Alexandria entre 260 e 240 aC e

professor de Eratoacutestenes e Apolocircnio de Rhodes Quanto ao debate das condicionais cf tambeacutem Ciacutecero

Academica 2143 (ldquoQue grande disputa haacute sobre o elementar ponto da doutrina loacutegica [das condicionais]

Diodoro tem uma visatildeo Philo outra e Crisipo uma terceirardquo) Cf tambeacutem AM 8113 ss HP 2110 90

Philo Dialeacutetico ou de Meacutegara (c 300 aC) Eacute dito de Meacutegara por sua associaccedilatildeo agrave escola megaacuterica mas

sua cidade natal eacute desconhecida 91

ἀρχόμενον sinocircnimo de ἡγούμενον 92

λῆγον oposto a ἡγούμενον a consequente 93

ὁ μὲν γὰρ Φίλων φησὶν ὑγιὲς εἶναι συνημμένον τὸ μὴ ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς καὶ λῆγον ἐπὶ ψεῦδος

οἷον ἡμέρας οὔσης καὶ ἐμοῦ διαλεγομένου τὸ lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἐγὼ διαλέγομαιrsquo 94

ldquoSe eacute dia eu conversordquo 95

Κατάληξις 96

ὁ δὲ Διόδωρος ὃ μήτε ἐνεδέχετο μήτε ἐνδέχεται ἀρχόμενον ἀπὸ ἀληθοῦς λήγειν ἐπὶ ψεῦδος καθ ὃν τὸ

μὲν εἰρημένον συνημμένον ψεῦδος εἶναι δοκεῖ ἐπεὶ ἡμέρας μὲν οὔσης ἐμοῦ δὲ σιωπήσαντος ἀπὸ

ἀληθοῦς ἀρξά μενον ἐπὶ ψεῦδος καταλήξει ἐκεῖνο δὲ ἀληθές lsquoεἰ οὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖα

ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo ἀεὶ γὰρ ἀπὸ ψεύδους ἀρχόμενον τοῦ lsquoοὐκ ἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων

στοιχεῖαrsquo εἰς ἀληθὲς καταλήξει καταὐτὸν τὸ lsquoἔστιν ἀμερῆ τῶν ὄντων στοιχεῖαrsquo 97

Natildeo discutiremos neste artigo as concepccedilotildees de modalidade seja a de Diodoro seja a de Crisipo Para

mais informaccedilotildees sobre a concepccedilatildeo de Diodoro sobre as condicionais cf Mates 1949 98

συνάρτησις que significa literalmente junccedilatildeo uniatildeo conexatildeo coesatildeo

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 18: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

332 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

com a antecedente segundo esses a condicional dita acima seraacute

falsa99

mas esta eacute verdadeira ldquoSe eacute dia eacute diardquo (HP 21115-1121)100

Bobzien (2003 p 94 Cf DL 781) nos diz que em meio a tal debate ldquoconcordava-se

[] que a condicional lsquoanunciarsquo uma relaccedilatildeo de consequecircncia [] que sua consequente

segue de sua antecedenterdquo e que numa condicional verdadeira ldquose a antecedente eacute

verdadeira a consequente tambeacutem o eacuterdquo o que de acordo com o princiacutepio da bivalecircncia

significa que ldquonatildeo eacute o caso que a antecedente seja verdadeira e a consequente falsardquo o

que equivale ao criteacuterio de Philo Quanto agrave identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo acima com aquela

de Crisipo e dos estoicos tal se faz cruzando outras citaccedilotildees acerca da concepccedilatildeo de

Crisipo sobre as condicionais Tomemos o que nos diz Ciacutecero em Do Destino

[1205] Sejam entatildeo as observaccedilotildees (percepta) dos astroacutelogos deste

modo ldquoSe algueacutem por exemplo nasceu quando Sirius101

despontou

natildeo morreraacute no marrdquo Cuidado Crisipo natildeo desertes a tua causa

sobre a qual grande disputa haacute entre tu e Diodoro o poderoso

dialeacutetico Se pois eacute verdadeiro que assim estaacute conectado ldquoSe algueacutem

nasceu quando Sirius despontou natildeo morreraacute no marrdquo tambeacutem isto eacute

verdade ldquoSe Faacutebio nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo

morreraacute no marrdquo [1210] Entatildeo entram em conflito (pugnant) entre si

ldquoFaacutebio nasceu quando Sirius despontou no Orienterdquo e ldquoFaacutebio morreraacute

no marrdquo e jaacute que eacute certo predicar de Faacutebio ter nascido ao despontar

de Sirius estas tambeacutem entram conflitam tanto Faacutebio existir [1215] e

estar para morrer no mar Entatildeo esta conjunccedilatildeo tambeacutem eacute conflituosa

ldquoTanto existe Faacutebio quanto Faacutebio morreraacute no marrdquo [] [151] Aqui

Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo [155] mas antes assim

falem ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius quanto

que morra no marrdquo (Ciacutecero Do Destino 12-15)102

99

ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das coisasrdquo 100

οἱ δὲ τὴν συνάρτησιν εἰσάγοντες ὑγιὲς εἶναί φασι συνημμένον ὅταν τὸ ἀντικείμενον τῷ ἐν αὐτῷ

λήγοντι μάχηται τῷ ἐν αὐτῷ ἡγουμένῳ καθ οὓς τὰ μὲν εἰρημένα συνημμένα ἔσται μοχθηρά ἐκεῖνο δὲ

ἀληθές lsquoεἰ ἡμέρα ἔστιν ἡμέρα ἔστινrsquo 101

Sirius (Alpha Canis Majoris ou Canicula em latim) localizada na constelaccedilatildeo de Canis Major eacute a

estrela mais brilhante no ceacuteu noturno 102

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 19: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

333 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Tal passagem parece supor a posiccedilatildeo mencionada por Sexto acima pois Crisipo

segundo Ciacutecero considera que natildeo havendo real conflito entre ldquoFaacutebio nasceu quando

Sirius despontourdquo e ldquoFaacutebio morreraacute no marrdquo natildeo cabe aqui a condicional ldquoSe Faacutebio

nasceu quando Sirius despontou Faacutebio natildeo morreraacute no marrdquo mas antes a conjunccedilatildeo

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto Faacutebio nasceu quando Sirius despontou quanto morreraacute no marrdquo

Confirmaccedilatildeo adicional temos por Dioacutegenes Laeacutercio que nos diz

Ainda dos axiacuteōmata quanto ao verdadeiro e ao falso satildeo

contraditoacuterios uns dos outros aqueles que satildeo um a negaccedilatildeo do outro

como por exemplo ldquoEacute diardquo e ldquoNatildeo eacute diardquo Com efeito eacute verdadeira a

condicional da qual a contraditoacuteria da consequente entra em conflito

(maacutechetai) como a antecedente por exemplo ldquoSe eacute dia haacute luzrdquo Isso eacute

verdadeiro pois ldquoNatildeo haacute luzrdquo contraditoacuteria da consequente entra em

conflito com ldquoEacute diardquo Mas eacute falsa a condicional da qual a contraditoacuteria

da consequente natildeo entra em conflito com a antecedente como por

exemplo ldquoSe eacute dia Dion caminhardquo Pois ldquoDion natildeo caminhardquo natildeo

entra em conflito com ldquoEacute diardquo (DL 773)103

Quanto agrave noccedilatildeo de conflito envolvida aqui Bobzien (2003 p 95) observa que eacute

historicamente inapropriado indagar se Crisipo se referia a um conflito empiacuterico

analiacutetico ou formal na medida em que faltava aparato conceitual para acomodar tais

noccedilotildees agrave loacutegica heleniacutestica Poreacutem podemos afirmar que o que se chama hoje de

incompatibilidade formal (ou loacutegica) eacute o que subjazia agrave noccedilatildeo de conflito de Crisipo jaacute

que axiacuteōmata como ldquoSe haacute luz haacute luzrdquo eram considerados verdadeiros (Cf Ciacutecero

Academica 298) Mas tambeacutem alguns casos de incompatibilidade empiacuterica eram

aceitos por alguns estoicos ndash por exemplo ldquoSe Teognis tem um ferimento no coraccedilatildeo

Teognis morreraacuterdquo (AM 8254-5)104

bem como alguns casos de incompatibilidade

analiacutetica ndash por exemplo ldquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moverdquo105

Passemos agora aos axiacuteōmata disjuntivos Os estoicos datildeo especial atenccedilatildeo ao que se

chama hoje de disjunccedilatildeo exclusiva que se distingue da disjunccedilatildeo inclusiva por natildeo ser

verdadeira no caso em que as proposiccedilotildees que a compotildeem satildeo verdadeiras Quanto a

103

ἔτι τῶν ἀξιωμάτων κατά τ ἀλήθειαν καὶ ψεῦδος ἀντικείμενα ἀλλήλοις ἐστίν ὧν τὸ ἕτερον

τοῦ ἑτέρου ἐστὶν ἀποφατικόν οἷον τὸ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo καὶ τὸ ldquoοὐχ ἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον οὖν ἀληθές

ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστιrdquo τοῦτ

ἀληθές ἐστι τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ φῶςrdquo ἀντικείμενον τῷ λήγοντι μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo συνημμένον δὲ

ψεῦδός ἐστιν οὗ τὸ ἀντικείμενον τοῦ λήγοντος οὐ μάχεται τῷ ἡγουμένῳ οἷον ldquoεἰ ἡμέρα ἐστί Δίων

περιπατεῖrdquo τὸ γὰρ ldquoοὐχὶ Δίων περιπατεῖrdquo οὐ μάχεται τῷ ldquoἡμέρα ἐστίrdquo 104

Cf Long amp Sedley 1987 (1) p 35 ldquoembora nenhuma definiccedilatildeo precisa de conflito tenha sobrevivido

[] eacute bem claro [hellip] que se trata de uma incompatibilidade conceitual e natildeo empiacutericardquo 105

Cf Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16891 Mas o que os gregos chamam de axiacuteōma alguns dos nossos

chamam ldquoadiunctumrdquo outros ldquoconexumrdquo Esse ldquoconexumrdquo eacute como lsquoSe Platatildeo anda Platatildeo se moversquordquo

(Sed quod Graeci συνημμένον ἀξίωμα dicunt id alii nostrorum adiunctum alii conexum dixerunt Id

conexum tale est si Plato ambulat Plato mouetur

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 20: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

334 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

isso Dioacutegenes Laeacutercio nos informa ldquoA disjunccedilatildeo ltexclusivagt eacute disjungida pelo

conectivo disjuntivo ldquoourdquo como por exemplo ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo Esse conectivo

proclama que um dos axiacuteōmata eacute falsordquo (DL 772)106

Aulo Geacutelio poreacutem acrescenta

outro criteacuterio para tal disjunccedilatildeo

(168121) Haacute igualmente outro ltaxiacuteōma natildeo-simplesgt que os gregos

chamam diezeugmeacutenon axiacuteōma107

e noacutes chamamos disiunctum108

Esse lt axiacuteōmagt eacute deste modo ldquoOu mal eacute o prazer ou eacute bom ou nem

bom nem maurdquo (168131) Eacute necessaacuterio que todos os axiacuteōmata que

satildeo disjungidos estejam em conflito entre si e que as contraditoacuterias

deles que os gregos chamam de antikeiacutemena109

tambeacutem se oponham

entre si De todos ltos axiacuteōmatagt (168141) disjungidos um deve ser

verdadeiro os demais falsos Porque se ou nenhum eacute verdadeiro ou

todos satildeo verdadeiros ou mais que um eacute verdadeiro ou os disjuntos

natildeo estatildeo em conflito ou suas contraditoacuterias natildeo se opotildeem

(168145) entatildeo essa proposiccedilatildeo disjuntiva eacute falsa e eacute chamada

paradiezeugmeacutenon110

assim como esta na qual as contraditoacuterias natildeo

se opotildeem ldquoOu corres ou caminhas ou ficas paradordquo Porque os

axiacuteōmata se opotildeem mas as contraditoacuterias deles natildeo estatildeo em conflito

pois ldquonatildeo andarrdquo e ldquonatildeo ficar paradordquo e ldquonatildeo correrrdquo (1681410) natildeo

satildeo contraditoacuterios entre si jaacute que satildeo chamados ldquocontraditoacuteriosrdquo os

ltaxiacuteōmatagt que natildeo podem ser simultaneamente verdadeiros pois

podes simultaneamente nem andar nem permanecer parado nem

correr (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 168121-1681410)111

Assim de acordo com esse testemunho de Aulo Geacutelio a disjunccedilatildeo exclusiva dos

estoicos continha como sua noccedilatildeo de implicaccedilatildeo um componente que vai aleacutem da mera

verofuncionalidade a necessidade de que as contraditoacuterias dos disjuntos estejam em

106

διεζευγμένον δέ ἐστιν ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἤτοιrdquo διαζευκτικοῦ συνδέσμου διέζευκται οἷον ldquoἤτοι ἡμέρα ἐστὶν ἢ

νύξ ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος οὗτος τὸ ἕτερον τῶν ἀξιωμάτων ψεῦδος εἶναι 107

διεζευγμένον ἀξίωμα 108

proposiccedilatildeo disjuntiva 109

ἀντικείμενα 110

Παραδιεζευγμένον essa equivale ao que se chama hoje de lsquodisjunccedilatildeo inclusivarsquo Sobre seu criteacuterio de

verdade temos o testemunho de Galeno (Inst Log 12) segundo o qual ela deveria ter um ou mais

disjuntos verdadeiros Tal eacute reafirmado por Apolocircnio Diacutesculo (Periacute Syndeacutesmōn 219) que assevera ser a

distinccedilatildeo entre essa disjunccedilatildeo e a exclusiva justamente poder ter mais de um disjunto verdadeiro aleacutem de

mencionar a comutatividade de ambos os tipos de disjunccedilatildeo (Periacute Syndeacutesmōn 484 493) Entretanto com

exceccedilatildeo dessas fontes a disjunccedilatildeo inclusiva natildeo eacute mencionada 111

Est item aliud quod Graeci διεζευγμένον ἀξίωμα nos disiunctum dicimus Id huiuscemodi est aut

malum est uoluptas aut bonum aut neque bonum neque malum est 168131 Omnia autem quae

disiunguntur pugnantia esse inter sese oportet eorumque opposita quae ἀντικείμενα Graeci dicunt ea

quoque ipsa inter se aduersa esse Ex omnibus quae 168141 disiunguntur unum esse uerum debet falsa

cetera Quod si aut nihil omnium uerum aut omnia pluraue quam unum uera erunt aut quae disiuncta

sunt non pugnabunt aut quae opposita eorum sunt contraria inter sese non erunt 168145 tunc id

disiunctum mendacium est et appellatur διεζευγμένον sicuti hoc est in quo quae opposita non sunt

contraria aut curris aut ambulas aut stas Nam ipsa quidem inter se aduersa sunt sed opposita eorum non

pugnant non ambulare enim et non stare et non currere 1681410 contraria inter sese non sunt

quoniam contraria ea dicuntur quae simul uera esse non queunt possis enim simul eodemque tempore

neque ambulare neque stare neque currere

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 21: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

335 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

conflito112

O proacuteprio Geacutelio nos informa ainda outra propriedade que a disjunccedilatildeo deve

possuir Segundo ele o seguinte raciociacutenio eacute equivocado

Ou casas com uma bela mulher ou com uma feia Se ela eacute bela a

dividiraacutes com outros Se ela eacute feia ela seraacute um castigo Mas ambas as

coisas natildeo satildeo desejaacuteveis Logo natildeo cases (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas

5111-2)

Geacutelio argumenta que a disjunccedilatildeo que serve de premissa maior para o argumento acima

natildeo eacute ldquojustardquo pois natildeo eacute necessaacuterio que um dos disjuntos seja verdadeiro o que para

ele eacute requerido numa disjunccedilatildeo verdadeira (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 511 9)113

Em

outra parte Aulo Geacutelio refere-se agrave seguinte disjunccedilatildeo como falsa pelo mesmo motivo

ldquoAs ordens de um pai satildeo ou dignas ou indignasrdquo pois a ela falta o terceiro disjunto

ldquonem dignas nem indignasrdquo (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 2721)

Entretanto o axiacuteōma conjuntivo (sympeplegmeacutenon) para os estoicos eacute puramente

verofuncional ldquoO axiacuteōma conjuntivo114

eacute um axiacuteōma que eacute conjungido por alguns

conectivos de conjunccedilatildeo como por exemplo lsquotanto eacute dia quanto haacute luzrsquordquo (DL 773)

Geacutelio salienta o criteacuterio de verdade de tais axiacuteōmata

[] O que eles chamam de sympeplegmeacutenon noacutes chamamos ou de

coniunctum ou de copulatum115

que eacute deste modo lsquoScipio filho de

Paulo tanto foi duas vezes cocircnsul quanto triunfou e foi censor e foi

colega como censor de L Mumiusrsquo Se em toda a conjunccedilatildeo um

ltaxiacuteōmagt eacute falso mesmo se os demais satildeo verdadeiros a conjunccedilatildeo

toda eacute dita falsa (Aulo Geacutelio Noites Aacuteticas 16810-11)116

Sexto Empiacuterico criticando esse criteacuterio de verdade da conjunccedilatildeo transmitiu-nos a

defesa estoica dele Segundo os estoicos assim como um casaco natildeo eacute dito lsquointactorsquo117

112

Sexto (HP 2191) parece referir-se a essa necessidade embora sua linguagem natildeo seja clara ldquoPois eacute

proclamada verdadeira a disjunccedilatildeo na qual um ltdos disjuntosgt eacute verdadeiro e o restante ou os restantes

falsos por conflito (metaacute maacutechecircs)rdquo --τὸ γὰρ ὑγιὲς διεζευγμένον ἐπαγγέλλεται ἓν τῶν ἐν αὐτῷ ὑγιὲς εἶναι

τὸ δὲ λοιπὸν ἢ τὰ λοιπὰ ψεῦδος ἢ ψευδῆ μετὰ μάχης 113

Non ratum id neque iustum diiunctiuum esse ait quoniam non necessum sit alterum ex duobus quae

diiunguntur uerum esse quod in proloacutequio diiunctiuo necessarium est 114

συμπεπλεγμένον 115

O que chamamos hoje de ldquoproposiccedilatildeo conjuntivardquo ou simplesmente ldquoconjunccedilatildeordquo 116

Item quod illi συμπεπλεγμένον nos vel coniunctum uel copulatum dicimus quod est huiuscemodi

P Scipio Pauli filius et bis consul fuit et triumphauit et censura functus est et collega in censura L

Mummii fuit In omni autem coniuncto si unum est mendacium etiamsi cetera uera sunt totum esse

mendacium dicitur Cf AM 8125 Epicteto Diatribes 298 117

ὑγιής termo entatildeo usado relativamente aos axiacuteōmata designando os verdadeiros e que significa

literalmente ldquosaudaacutevelrdquo Em inglecircs o termo eacute normalmente traduzido por ldquosoundrdquo Na falta de termo

melhor decidi traduzi-lo simplesmente por ldquoverdadeirordquo No caso presente referindo-se a um casaco

decido traduzi-lo por ldquointactordquo

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 22: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

336 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

se possuir um uacutenico furo assim tambeacutem um axiacuteōma conjuntivo natildeo seraacute verdadeiro se

contiver um uacutenico axiacuteōma falso (AM 2191)

Aleacutem desses axiacuteōmata natildeo-simples Dioacutegenes Laeacutercio refere-se tambeacutem ao pseudo-

condicional (parasynēmmeacutenon na forma ldquoJaacute que p qrdquo118

) O criteacuterio de verdade de tal

axiacuteōma eacute o seguinte (i) a consequente deve seguir da antecedente e (ii) a antecedente

deve ser verdadeira A concepccedilatildeo de tal axiacuteōma eacute atribuiacuteda por Dioacutegenes a Crinis que

teria falado sobre ele em sua obra (hoje perdida) Arte Dialeacutetica119

O exemplo dado por

Dioacutegenes eacute ldquoJaacute que eacute dia haacute luzrdquo que eacute verdadeiro quando eacute o caso que eacute dia e por

isso haacute luz Benson Mates (1961 p 54-5) observa que natildeo eacute claro o que o ldquoseguirrdquo

(akoloucircthein) significa aiacute pois referindo-se agrave implicaccedilatildeo material teria o mesmo valor

da conjunccedilatildeo o que natildeo parece ser o caso

Temos ainda o axiacuteōma causal120

no qual haacute uma relaccedilatildeo causal entre os axiacuteōmata que o

compotildeem ndash por exemplo ldquoPorque eacute dia haacute luzrdquo Tal conectivo evidentemente natildeo eacute

verofuncional (DL 77274) Embora outros tantos conectivos sejam mencionados por

fontes antigas121

eles natildeo possuem caraacuteter verofuncional Assim podemos dizer que a

negaccedilatildeo (embora natildeo vista como conectivo) a implicaccedilatildeo a conjunccedilatildeo e a disjunccedilatildeo

exclusiva formam a base do caacutelculo proposicional estoico

Vejamos agora a questatildeo da inter-definibilidade dos conectivos Como observa Mates

(1961 p 65) embora essa descoberta seja atribuiacuteda ora aos medievais ora a Leibniz

ela data pelo menos de 250 aC A primeira equivalecircncia entre axiacuteōmata natildeo-simples eacute

aquela mencionada na passagem citada acima do Do Destino de Ciacutecero

Aqui Crisipo agitando-se espera estar errados os caldeus e os demais

adivinhos e que natildeo usem conjunccedilotildees para que assim suas

observaccedilotildees pronunciem ldquoSe algueacutem nasceu ao despontar da

Caniacutecula no oriente natildeo morreraacute no marrdquo mas antes assim falem

ldquoNatildeo eacute o caso que tanto nasccedila ao despontar de Sirius e que morra no

marrdquo (Ciacutecero Do Destino 15-16)122

118

Em grego ldquoepeirdquo 119

A passagem em grego referente agrave pseudo-condicional eacute a seguinte παρασυνημμένον δέ ἐστιν ὡς ὁ

Κρῖνίς φησιν ἐν τῇ Διαλεκτικῇ τέχνῃ ἀξίωμα ὃ ὑπὸ τοῦ ldquoἐπείrdquo συνδέσμου παρασυνῆπται ἀρχόμενον ἀπ

ἀξιώματος καὶ λῆγον εἰς ἀξίωμα οἷον ldquoἐπεὶ ἡμέρα ἐστί φῶς ἐστινrdquo ἐπαγγέλλεται δ ὁ σύνδεσμος

ἀκολουθεῖν τε τὸ δεύτερον τῷ πρώτῳ καὶ τὸ πρῶτον ὑφεστάναι (DL 771-72) 120

αἰτιώδης 121

Cf DL 771-73 onde satildeo mencionados outros conectivos natildeo-verofuncionais 122

Sint igitur astrologorum percepta huius modi Si quis verbi causa oriente Canicula natus est is in mari

non morietur Vigila Chrysippe ne tuam causam in qua 125 tibi cum Diodoro valente dialectico

magna luctatio est deseras Si enim est verum quod ita conectitur Si quis oriente Canicula natus est in

mari non morietur illud quoque verum est Si Fabius oriente Canicula natus est Fabius in mari non

morietur 1210 Pugnant igitur haec inter se Fabium oriente Canicula natum esse et Fabium in mari

moriturum et quoniam certum in Fabio ponitur natum esse eum Canicula oriente haec quoque pugnant

et esse Fabium et in mari esse moriturum Ergo haec 1215 quoque coniunctio est ex repugnantibus Et

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 23: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

337 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Long amp Sedley (1987 (1) p 211) observam que essa passagem mostra que ldquoCrisipo

reteve o uso da condicional material de Philo para expressar uma forma mais fraca de

conexatildeo mas para evitar confusatildeo ele a reformulou como uma conjunccedilatildeo negadardquo ie

Crisipo estava ciente da equivalecircncia entre ab (implicaccedilatildeo material ou philonica) e

~(a~b)123

Galeno nos informa tambeacutem sobre a seguinte equivalecircncia

[] uma frase tal como ldquoOu eacute dia ou eacute noiterdquo lteacute chamada degt axiacuteōma

disjuntivo pelos filoacutesofos mais novos e proacutetasis hipoteacutetica descontiacutenua

pelos antigos A proacutetasis descontiacutenua pode ser igual a tal frase lsquoSe

natildeo eacute dia eacute noitersquo a qual quando dita na forma de condicional eacute

chamada de condicional pelos quantos que somente datildeo atenccedilatildeo aos

sons mas de disjunccedilatildeo pelos quantos que datildeo atenccedilatildeo agrave natureza das

coisas Do mesmo modo a forma de tal qualidade do dito ldquoSe natildeo eacute

noite eacute diardquo eacute um axiacuteōma disjuntivo pela proacutepria natureza das coisas

mas tem a forma de condicional segundo o que eacute dito (Galeno

Institutio Logica 34- 35)124

Mates (1961 p 56) observa que Galeno utiliza aqui natildeo o termo estoico para disjunccedilatildeo

inclusiva (paradiezeugmeacutenon) mas o usado para a disjunccedilatildeo exclusiva (diezeugmeacutenon)

e ele tem essa mesma disjunccedilatildeo em vista pelo exemplo que daacute e por remetecirc-la aos que

datildeo atenccedilatildeo ao que eacute dito que Galeno expressamente afirma serem os seguidores de

Crisipo em outra passagem (Galeno Institutio Logica 461)125

Assim natildeo teriacuteamos aiacute

a afirmaccedilatildeo da equivalecircncia entre (p v q) e (~p rarr q) como o pensa Lukasiewicz (Apud

Mates 1961 p 56) mas antes entre ~ (p v q) e p harr q Poreacutem como observa Mates

(1961 p 56) as evidecircncias satildeo inconclusivas e natildeo nos permitem afirmar que os

estoicos tivessem ciecircncia de tal equivalecircncia visto que em parte alguma a relaccedilatildeo

bicondicional eacute mencionada na Antiguidade

est Fabius et in mari Fabius morietur [hellip] 151 Hoc loco Chrysippus aestuans falli sperat Chaldaeos

ceterosque divinos neque eos usuros esse coniunctionibus ut ita sua percepta pronuntient Si quis natus

est oriente Canicula is in mari non morietur 155 sed potius ita dicant Non et natus est quis oriente

Canicula et is in mari morietur 123

Barnes (1997 p 31-2) propotildee uma releitura de um trecho de uma diatribe epicteteana (Diatribes

I81) pela qual seria afirmada a equivalecircncia entre proposiccedilotildees na forma (pq)rarrr e ~((pq) ~r) que eacute

formalmente idecircntica agrave afirmada na passagem acima 124

ὡς ὀνομάζεσθαι τὸν μὲν τοιοῦτον λόγον lsquoεἰ ἡμέρα ἐστίν ὁ ἥλιος ὑπὲρ γῆς ἐστινrsquo συνημμένον ἀξίωμα

κατά γε τοὺς νεωτέρους φιλοσόφους κατὰ μέντοι τοὺς παλαιοὺς πρότασιν ὑποθετικὴν κατὰ συνέχειαν

τοὺς δέ γε τοιούτους lsquoἤτοι γ ἡμέρα ἐστὶν ἢ νύξ ἐστιrsquo διεζευγμένον μὲν ἀξίωμα παρὰ τοῖς νεωτέροις

φιλοσόφοις πρότασιν δὲ ὑποθετικὴν κατὰ διαίρεσιν παρὰ τοῖς παλαιοῖς ἴσον δὲ ἡ διαιρετικὴ πρότασις

δύναται τῷ τοιούτῳ λόγῳ lsquoεἰ μὴ ἡμέρα ἐστί νύξ ἐστινrsquo ὃν ἐν σχήματι λέξεως συνημμένῳ λεγόμενον

ὅσοι μὲν ταῖς φωναῖς μόνον προσέχουσι συνημμένον ὀνομάζουσιν ὅσοι δὲ τῇ φύσει τῶν πραγμάτων

διεζευγμένον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ τοιοῦτον εἶδος τῆς λέξεως lsquoεἰ μὴ νύξ ἐστιν ἡμέρα ἐστίνrsquo διεζευγμένον

ἐστὶν ἀξίωμα τῇ φύσει τῶν πραγμάτων αὐτῇ συνημμένου δὲ ἰδέαν ἔχει τῇ λέξει 125

Entretanto como observa Mates (1961 p 57) natildeo eacute claro se a expressatildeo ldquoseguidores de Crisipordquo se

refere aos estoicos como um todo ou a uma facccedilatildeo destes

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 24: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

338 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

As equivalecircncias reconhecidas pelos estoicos dever-se-iam agrave distinccedilatildeo de Crisipo entre

sua concepccedilatildeo de condicional e aquela de Philo Crisipo insistiria em dispor a

implicaccedilatildeo material de Philo na forma de uma conjunccedilatildeo negada exatamente para

distingui-la de sua proacutepria concepccedilatildeo de condicional que supotildee conflito entre a

contraditoacuteria da consequente e a antecedente e que eacute o que hoje chamamos de uma

implicaccedilatildeo estrita

Podemos aprofundar essas reflexotildees contra-argumentando uma asserccedilatildeo de Kneale amp

Kneale (1962 p 148) segundo a qual os estoicos pareciam natildeo estar cientes da

diferenccedila que haacute entre proposiccedilotildees verofuncionais (cuja verdade ou falsidade depende

apenas da verdade e falsidade de seus componentes) e natildeo verofuncionais Na verdade

a apresentaccedilatildeo do debate sobre as condicionais feita por Sexto e apresentada acima (HP

21101 ss) evidencia que Crisipo conscientemente rejeitou as concepccedilotildees de Philo e de

Diodoro buscando evitar o que alguns chamam hoje de paradoxos da implicaccedilatildeo

material e valorizando o que hoje se chama de implicaccedilatildeo estrita Segundo a concepccedilatildeo

de Philo que eacute exatamente aquela da implicaccedilatildeo material contemporacircnea uma

condicional somente eacute falsa quando a antecedente eacute verdadeira e a consequente eacute falsa

Assim uma implicaccedilatildeo material eacute verdadeira tanto nos casos em que as consequentes e

as antecedentes satildeo simultaneamente verdadeiras e falsas quanto no caso em que a

antecedente eacute falsa e a consequente eacute verdadeira (pelo que a implicaccedilatildeo material ararrb

equivale a ~(a~b) Este uacuteltimo caso gera os assim por vezes chamados ldquoparadoxos da

implicaccedilatildeo materialrdquo pois a partir disso qualquer implicaccedilatildeo material que tenha como

antecedente uma falsidade eacute verdadeira inclusive uma condicional que tenha como

antecedente a contraditoacuteria de uma consequente verdadeira Por exemplo ldquoSe natildeo estou

escrevendo estou escrevendordquo eacute verdadeira quando eu estiver escrevendo Um exemplo

como esse eacute dado para a implicaccedilatildeo de Diodoro que distingue-se da material pelo fato

de que soacute seraacute verdadeira se natildeo for possiacutevel que a antecedente seja em algum momento

verdadeira ldquoSe natildeo haacute elementos indivisiacuteveis das coisas haacute elementos indivisiacuteveis das

coisasrdquo (HP 21105 ndash 1115) Cremos que justamente para evitar essa possibilidade

Crisipo propotildee um criteacuterio natildeo meramente verofuncional O caraacuteter bizarro da

implicaccedilatildeo aplicada a certos casos foi reconhecido por uma seacuterie de loacutegicos

contemporacircneos como por exemplo Rescher que nos daacute como exemplo disso o

seguinte

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 25: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

339 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

Vocecirc estaacute em Nova Iorque e pede ao seu agente de viagens uma rota

para Toacutequio Ele passa a vender a vocecirc um ticket para Paris Vocecirc

pede uma explicaccedilatildeo e ele replica ldquoSe vocecirc estaacute em Paris vocecirc estaacute

em Toacutequiordquo Sua viagem eacute uma decepccedilatildeo No retorno vocecirc o acusa de

tecirc-lo enganado Ele responde ldquoo que eu disse a vocecirc eacute verdade

Conversamos em Nova Iorque assim a antecedente ldquoVocecirc estaacute em

Parisrdquo eacute falsa E eacute claro uma condicional (material) com uma

antecedente falsa eacute verdadeirardquo Eacute certo que nem vocecirc nem o juiz ou

juacuteri no seu processo contra a fraudulenta deturpaccedilatildeo ficariam

satisfeitos com a explicaccedilatildeo do agente de viagens (2007 p 41)

A partir disso Rescher observa que a implicaccedilatildeo material natildeo eacute capaz de capturar a

ideia de condicionalizaccedilatildeo em geral Pelo exemplo de Sexto supracitado fica claro que

os antigos estavam cientes dessa dificuldade Assim podemos supor que Crisipo tenta

evitar tais paradoxos atraveacutes de sua proacutepria concepccedilatildeo das condicionais inclusive

reservando para a sua concepccedilatildeo a forma da implicaccedilatildeo e enfatizando que a implicaccedilatildeo

material equivale a uma conjunccedilatildeo negada (ie ararrb equiv ~(a ~b)) Como observa

Rescher essa equivalecircncia natildeo vale para a implicaccedilatildeo de Crisipo que soacute eacute verdadeira

quando a contraditoacuteria da consequente entra em conflito com a antecedente ou seja

quando (p rarr q) IFF (p ~q) |- contradiccedilatildeo Segundo esta concepccedilatildeo ensina-nos

Rescher (2007 p 49) exige-se da implicaccedilatildeo uma conexatildeo conceitual e natildeo mais a

verofuncionalidade eacute o centro das atenccedilotildees126

Assim Crisipo teve diante de si a

possibilidade de adotar uma concepccedilatildeo meramente verofuncional de implicaccedilatildeo127

mas

natildeo o fez E essa decisatildeo refletiu-se em seu sistema loacutegico e em sua concepccedilatildeo dos

axiacuteōmata Portanto o caraacuteter natildeo verofuncional da implicaccedilatildeo e da disjunccedilatildeo128

para

Crisipo e seus seguidores natildeo eacute como pensaram os Kneale uma deficiecircncia da loacutegica

estoica mas antes uma escolha consciente

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSICAS On Aristotles Prior analytics Trad Jonathan

Barnes Ithaca Cornell University Press 1991

ALEXANDRE DE AFRODIacuteSIAS Eis ta Topika Aristotelous hypomnemata in Topica

Aristotelis commentarii Veneza In aedibvs Aldi et Andreae Soceri 1513

AMOcircNIO On Aristotles on Interpretation 1-8 (Ancient Commentators on Aristotle)

David Blank (Trad) Cornell Cornell University Press 1996

126

Como observa Rescher as implicaccedilotildees de Crisipo satildeo estritas pois |- p rarr ⟥ p 127

O que poderia ter feito simplesmente adotando a concepccedilatildeo de Philo 128

Evidentemente derivada da concepccedilatildeo de implicaccedilatildeo de Crisipo jaacute que ⟥(ararr 119901) equivale a ⟥ (~a v b)

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 26: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

340 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

APOLOcircNIO DIacuteSCULO Scripta Minora Periacute Sundesmon Gramatici graeci volume 2

Leipzig Teubner 1878

APULEIO The Logic of Apuleius Trad David George LondeyCarmen J Johanson

Leiden Brill 1987

AREAS J ldquoAs veias abertas da ontologiardquo O que nos faz pensar 15 2012 p 155-167

AULO GEacuteLIO Attic Nights Trad J H Rolfe Harvard Loeb 1927

BARNES J Logic and Imperial Stoa Leiden Brill 1997

BOBZIEN S ldquoStoic Logicrdquo The Cambridge Companion to Stoics Edited by Inwood

Brad Cambridge Cambridge University Press 2003

CIacuteCERO On the Nature of the Gods Academics Trad H Rackham Harvard Loeb

1933

CIacuteCERO On the Orator Book 3 On Fate Stoic Paradoxes Divisions of Oratory Trad

H Rackham Harvard Loeb 1942

DIOacuteGENES LAEacuteRCIO Lives of Eminent Philosophers Trad R D Hicks Harvard

Loeb 1925

DROZDEK A ldquoLektoacuten Stoic logic and ontologyrdquo Acta Ant Hung no 42 2002 p

93-104

EPICTETUS Discourses Trad Oldfather Harvard Loeb 1925

GALENO Omnia quae extant opera Veneza Lunta 1550

KNEALE W KNEALE M The development of logic Oxford Clarendon Press

1962

LONG amp SEDLEY Hellenistic Philosophers (volume 1 e 2) Cambridge Cambridge

University Press 1987

LUKASIEWICZ ldquoOn the History of the Logic of Propositionrdquo [1934] Jan Lukasiewicz

Selected Works L Borkowski (Ed) Amsterdam North-Holland Pub Co 1970

MATES B ldquoDiodorean Implicationrdquo IN Philosophical Review 58 3 1949 p 234-

242

MATES B Stoic Logic Berkeley-Los Angeles University of California Press 1961

PEIRCE Collected Papers vol 3 Cambridge Harvard 1931-1934

PLUTARCO Moralia Volume XIII Part 2 Stoic Essays Trad H Cherniss Harvard

Loeb 1976

POSIDOcircNIO Posidonius Volume 3 The Translation of the Fragments (Cambridge

Classical Texts and Commentaries) Trad I G Kidd Cambridge Cambridge

University Press 2004

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880

Page 27: Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica · 315 | O que nos faz pensar, número 34, 2014 (PUC-RJ) Taxonomia dos axíōmata da lógica proposicional estoica Aldo Dinucci1

341 | O que nos faz pensar nuacutemero 34 2014 (PUC-RJ)

PRANTL Geschichte der Logik im Abendlande Leipzig Hirzel 1855

RESCHER Conditionals Boston MIT 2007

SELLARS Stoicism Berkeley University of California Press 2006

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Logicians Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1935

SEXTO EMPIacuteRICO Outlines of Pyrrhonism Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1933

SEXTO EMPIacuteRICO Against the Professors Translated by R G Bury Harvard Loeb

Classical Library 1949

SIMPLIacuteCIO On Aristotles Categories Trad Barrie Fleet Ithaca Cornell University

Press 2002

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1 Zeno or Zenonis Discipuli

[1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 2 Chrysippi Fragmenta

Logica et Physica [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 3 Chrysippi fragmenta

moralia Fragmenta Successorum Chrysippi [1903] Berlim De Gruyter 2005

VON ARNIM H Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 4 Indeces [1905] Berlim

De Gruyter 2005

ZELLER Stoics Epicureans and Sceptics Trad O J Reichel Londres Longmans

Green and Co 1880