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FACULDADE SOCIAL DA BAHIA GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA GERALDO NATANAEL DE LIMA REPETIÇÃO: DO OUTRO À SI MESMO EM FREUD E LACAN Salvador 2012

TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

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FACULDADE SOCIAL DA BAHIA GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

GERALDO NATANAEL DE LIMA

REPETIÇÃO: DO OUTRO À SI MESMO EM FREUD E LACAN

Salvador 2012

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GERALDO NATANAEL DE LIMA

REPETIÇÃO: DO OUTRO À SI MESMO EM FREUD E LACAN

Monografia apresentada ao curso de Psicologia da Faculdade Social da Bahia - FSBA, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientador: Prof. Luiz Fernando Belmonte Mena

Salvador 2012

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Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Aniele C. Moraes CRB-5/1672 Faculdade Social da Bahia - FSBA

Lima, Geraldo Natanael de Repetição: do Outro à si mesmo em Freud e Lacan. / Geraldo Natanael

de Lima. – Salvador: FSBA, 2012.

44 f.: il. Monografia (Graduação) Curso de Psicologia, Faculdade Social da

Bahia – FSBA. Orientador: Prof. Luiz Fernando Belmonte Mena.

1. Clínica psicanalítica. 2. Freud, Sigmund - 1856-1939 - Psicanálise. 3. Lacan, Jacques - 1901-1981 – Psicanálise. I. Mena, Luiz Fernando Belmonte, orient. II. Título.

CDD: 150.195

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GERALDO NATANAEL DE LIMA

REPETIÇÃO: DO OUTRO À SI MESMO EM FREUD E LACAN

Monografia apresentada ao curso de Psicologia da Faculdade Social da Bahia - FSBA, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Luiz Fernando Belmonte Mena - ________________________________________________ Psicólogo, Mestre em Psicologia Escolar da Personalidade e do Desenvolvimento Humano da Universidade de São Paulo Denise Maria de Oliveira Lima - ________________________________________________ Psicóloga, Doutora em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia e Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia Gustavo Frederico Carvalho Manoel - ____________________________________________ Psicólogo, Especialista em Psicoterapia Analítica pelo Instituto Junguiano da Bahia

Salvador, 12 de dezembro de 2012

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Dedico esse trabalho à meus pais e tios que permanecem em nossa memória.

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AGRADECIMENTOS

A minha família especialmente a minha esposa CYNTIA MARIA, companheira, amiga e

compreensiva que me incentivou a realizar esse curso juntamente com os meus filhos

DANILO, BIANCA e RODRIGO.

Ao professor LUIZ MENA, pela cuidadosa orientação e oportunas intervenções, com postura

sempre compreensiva e amiga.

Aos professores da FACULDADE SOCIAL pelo empenho na transmissão da psicologia, aqui

representados pela Prof.ª DENISE LIMA e Prof. GUSTAVO BAN.

Ao psicanalista HELSON RAMOS que contribuiu decisivamente para este momento tão

importante da minha vida.

Aos meus amigos, colegas de psicologia, funcionários da faculdade e do Serviço de

Psicologia.

A Deus, apesar de parecer contraditório, foi este processo dialético heraclitiano da vida, que

me levou ao estudo da engenharia mecânica, da psicanálise, da filosofia e da psicologia.

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"Enquanto não superarmos a ânsia do amor sem limites, não podemos crescer emocionalmente. Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um." Fernando Pessoa

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo investigar o fenômeno da repetição na clínica psicanalítica e suas consequências na vida cotidiana do analisando. A repetição para Freud está ligada à pulsão de morte, está para além do princípio do prazer. O analisando repete atuando sem pensar nem saber que está se repetindo. Na repetição para Lacan acontece o gozo, uma repetição automática sem possibilidade do analisando naquele momento, de fazer nada sobre isso. O reencontro com o objeto é sempre faltoso, pois se encontra no campo do real. Tanto na teoria freudiana quanto na teoria lacaniana, a repetição traz sofrimento para o sujeito que necessita de ajuda para sair desse quadro. É essa relação fantasmática com o objeto perdido que o sujeito barrado, desejante se repete. Na clínica observamos a constante presença do fenômeno da repetição através dos relatos de atos tais como a constante troca de companheiro (a), emprego, ingestão compulsiva de comida ou aquisição de bens materiais que levam uma sensação de preenchimento ao sujeito. É importante que o analista esteja com uma escuta flutuante, atento para realizar as intervenções com cortes no discurso do analisando, gerando estranheza e angústia, porém possibilitando ao sujeito repetir o novo, fazendo-o olhar para o objeto através de diversos ângulos, buscando identificar em si mesmo o que lhe falta, porém é atribuído ao Outro devido ao processo de constituição do sujeito e a alienação. É através da análise que podemos ajudar ao analisando realizar a travessia do fantasma em direção à cura e ser o que se é! PALAVRAS-CHAVES: Repetição. Psicanálise. Freud. Lacan.

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ABSTRACT

This study aims to investigate the phenomenon of repetition in psychoanalytic treatment and its consequences in the everyday life of the patient. Repetition for Freud is linked to the death instinct, and it is beyond the pleasure principle. Analyzed subjects repeat themselves by acting without thinking or knowing that they are repeating themselves. According to Lacan, in repetition enjoyment happens but as an automatic repeat, without the subject being able to examine it as it happens or being able to do anything about it. The reunion with the object is always at fault, as it is in the realm of the real. Both in Freudian and in Lacanian theory, repetition brings suffering to the person who needs help to get out of this situation. It is in this fantasized relationship with the lost object that the barred - and desiring, subject falls into repetition. In clinical settings, we have observed the continuous presence of the phenomenon of repetition through reports of acts such as constant exchanges of relationships and jobs, binge eating or material acquisitions that lead to a sense of fulfillment of the subject. It is important that the analyst act with a floating listening, attentive to perform interventions with cuts in speech analysis, creating awkwardness and angst, but allowing the subject to repeat again, causing him to look at the object through different angles, trying to identify itself what it lacks. However, it is attributed to the Other due to the process of constitution of the subject and alienation. It is through analysis that we can help subjects go through the crossing of the phantom towards healing and towards being who they are! KEYWORDS: Repetition. Psychoanalysis. Freud. Lacan.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Diagrama do Sujeito, Objeto e Outro..................................................................... 19

Figura 2 - Fenômeno da Repetição......................................................................................... 19

Figura 3 - Tiquê e Autômaton................................................................................................. 30

Figura 4 - Tempo Lógico........................................................................................................ 37

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 REPETIÇÃO, UM CONCEITO FREUDIANO 11

2.1 QUAL A DIFERENÇA ENTRE RECORDAR E REPETIR? 12

2.2 A IMPORTÂNCIA DA TRANSFERÊNCIA E DA RESISTÊNCIA NA

REPETIÇÃO 14

3 REPETIÇÃO ATRAVÉS DO OLHAR LACANIANO 17

3.1 O QUE SE REPETE 18

3.2 DE FREUD A LACAN: PULSÃO DE MORTE E GOZO 22

3.3 CADEIA SIGNIFICANTE 26

3.4 TIQUÊ E AUTÔMATON 30

4 REPETIR O NOVO 32

4.1 SOU O QUE ME FALTA? 33

4.2 PODEMOS REPETIR ALGO DIFERENTE? 34

5 SER O QUE SE É 37

5.1 DA ALIENAÇÃO À TRAVESSIA DO FANTASMA 39

6 CONCLUSÃO 42

REFERÊNCIAS 43

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo central deste trabalho é compreendermos o conceito da repetição na

construção teórica de Sigmund Freud (1856-1939) e Jacques Lacan (1901-1981), identificar e

saber lidar com esse fenômeno na clínica psicanalítica. Utilizaremos como bibliografia

principal as Obras Completas da Ed. Standard Brasileira principalmente os textos do período

entre (1912-1920) de Sigmund Freud, tendo como referência o texto: Recordar, repetir e

elaborar (1914) e os Seminários do período (1954-1964) de Jacques Lacan, particularmente o

Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964).

Buscaremos entender e analisar as implicações da repetição na vida dos usuários da

clínica psicanalítica, e compreender como poderemos fazer algo diferente, minimizando o

sofrimento inerente a esse processo.

Realizamos uma leitura crítico-analítica dos textos de Freud e Lacan, respaldado em

bibliografias complementares de comentadores como Bruce Fink, Denise Lachaud, Jacques-

Alain Miller, Juan-David Nasio, Pierre Kaufmann e Roberto Harari.

Sigmund Freud em 1914 elabora o texto Recordar, repetir e elaborar, em que aborda

conceitos de grande importância para a clínica psicanalítica como o fenômeno da repetição,

transferência, resistência e a atuação. Freud faz uma distinção entre a repetição (ato

compulsivo), observada na clínica psicanalítica, e a recordação (relembrar e falar), objeto de

trabalho do período inicial das suas pesquisas com as histéricas e a hipnose.

Jaques Lacan em 1964 realizando uma reflexão sobre a Obra de Freud, elabora o texto

Os quatros conceitos fundamentais da psicanálise em que enumera o inconsciente, a

transferência, a pulsão e a repetição como os quatros conceitos fundamentais da psicanálise.

Lacan utiliza e transforma dois conceitos da teoria aristotélica para pensar a repetição: a tiquê

e o autômaton. Roland Chemama pesquisa esses conceitos na obra de Lacan e afirma que:

[...] o automaton [ou autômaton] indica a insistência dos signos, o princípio da cadeia simbólica; quanto ao tuchê [ou tiquê], diz ele, é o que origina a repetição, o que desencadeia essa insistência - em suma, o trauma - é o encontro, que não pode mais ser evitado, de alguma coisa insuportável para o sujeito. E esse insuportável, que Freud tentava levar em consideração, sob os auspícios da pulsão de morte, Lacan iria então conceituá-lo por meio do termo real - o impossível, o impossível de simbolizar, o impossível de ser enfrentado por um sujeito. (CHEMAMA, 1995, p.192)

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Podemos notar que existem muitos conceitos para compreendermos o fenômeno da

repetição, porém não pretendemos nos aprofundar neles, somente buscaremos referenciá-los

para embasar nossa pesquisa. Assim, vamos iniciar essa investigação pesquisando o

significado da palavra repetição utilizada por Freud no alemão.

2 REPETIÇÃO, UM CONCEITO FREUDIANO

Consultando o Dicionário de Alemão Langenscheidt (2001), a palavra

wiederholungszwang é formada pela junção da palavra wiederholung que significa repetição e

zwang que significa compulsão. No Dicionário Comentado do Alemão de Freud de Luiz

Hanns, o substantivo zwang significa: "Coação irresistível provocada por algo que força para

certa ação, ato de compelir, de forçar, de obrigar" (HANNS, 1996, p.101). Mais adiante,

Hanns acrescenta que o zwang "é resultado de um conflito pulsional que se instala e submete

o sujeito a um cerceamento, impondo-lhe uma direção" (Ibid., p.108) e complementa

afirmando que:

Em Além do Princípio do Prazer (1920) a expressão "compulsão à repetição" (Wiederholungszwang) e a palavra Zwang isoladamente são utilizadas por Freud ocasionalmente quase como sinônimos de Drang (pressão) e Trieb (pulsão). (Ibid.)

Consultamos também o conceito da repetição no Dicionário de Psicanálise Larousse e

segundo Roland Chemama:

Nas representações do sujeito, em seu discurso, em suas condutas, em seus atos ou nas situações que ele vive, faz com que algo volte continuamente, na maior parte das vezes sem que o saiba e, em todo caso, sem que haja, de parte dele, um projeto deliberado. Esse retorno do mesmo e essa insistência logo assumem um aspecto compulsivo, em geral surgindo sob a forma de um automatismo; aliás, é pelos termos "compulsão à repetição" ou "automatismo de repetição", que habitualmente se traduz a formulação freudiana original Wiederholungszwang, obrigação de repetição. (CHEMAMA, 1995, p.190)

Podemos assim constatar que a repetição é um fenômeno inconsciente, e segundo

Denise Lachaud, no automatismo de repetição o "recalcado retorna até que o recalque tenha

sido retirado" (LACHAUD, 1997, p.229). Lachaud então afirma que:

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A partir do momento em que recorda-se, o paciente não mais repete: é impossível repetir e recordar-se ao mesmo tempo, salvo ao evocar alguma coisa de diabólico. A elaboração vai permitir, no tratamento e na transferência, superar a repetição. Esse trabalho terá como resultado que o recordar substituirá a repetição. (Ibid.)

Assim fica uma dúvida: como a recordação poderá substituir a repetição? Vamos

estudar o texto de Freud Recordar, repetir e elaborar para que possamos fazer uma distinção

entre os conceitos de recordação e repetição e responder a essa pergunta.

2.1 QUAL A DIFERENÇA ENTRE RECORDAR E REPETIR?

Freud escreve em 1914 o texto Recordar, repetir e elaborar em que aborda o conceito

da ‘compulsão à repetição’. Freud realiza uma reflexão sobre as coisas que foram esquecidas

pelos seus pacientes e que não sabem o motivo pelo qual não foram relembradas, então ele

afirma que:

[...] o paciente fala sobre estas coisas ‘esquecidas’, raramente deixa de acrescentar: ‘Em verdade, sempre o soube; apenas nunca pensei nisso.’ Amiúde expressa desapontamento por não lhe vierem à cabeça coisas bastantes que possa chamar de ‘esquecidas’ - em que nunca pensou desde que aconteceram. (FREUD, 1914/1987, p.194)1

Freud escreveu que no início do seu trabalho utilizava a catarse e a hipnose no

tratamento psicoterápico com as histéricas que eram baseados em recordar e ab-reagir. Ele

afirma que:

Nesses tratamentos hipnóticos, o processo de recordar assumia forma muito simples. O paciente colocava-se de volta numa situação anterior, que parecia nunca confundir com a atual, e fornecia um relato dos processos mentais a ela pertencentes, na medida em que permaneciam normais; acrescentava então a isso tudo o que podia surgir como resultado da transformação dos processos, que na época haviam sido inconsciente, em conscientes. (Ibid.)

1 Optamos por referenciar as citações de Freud e de Lacan juntamente com a data que foi elaborado o texto original e a data da publicação em português. Como utilizamos diversos textos e livros desses autores, é importante situarmos o período que a citação foi elaborada, indicando o momento em que foi escrito e que muitas vezes posteriormente foram modificados ou acrescentadas a novas ideias. Nos baseamos no Discurso do Método de René Descartes que afirmou que podemos: "ser o mais firme e decidido possível em minhas ações, e em não seguir menos constantemente do que se fossem muito seguras as opiniões mais duvidosas" (1999, p.55).

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Podemos então entender que a prática hipnótica e a recordação eram utilizadas para

rememorar uma situação importante ocorrida anteriormente pelo paciente. Freud então

descreve que:

Em sua primeira fase — a da catarse de Breuer — ela consistia em focalizar diretamente o momento em que o sintoma se formava, e em esforçar-se persistentemente por reproduzir os processos mentais envolvidos nessa situação, a fim de dirigir-lhes a descarga ao longo do caminho da atividade consciente. (Ibid., p.193)

A hipnose e a catarse eram a base da técnica psicoterápica utilizada na primeira fase

da sua clínica. Essa técnica tinha como meta a recordação e ab-reação, mas Freud descobre

que há um limite para a rememoração e o que não pode ser recordado volta de outra forma,

por meio da repetição em forma de ato, é o que foi denominado como retorno do reprimido ou

recalcado. Assim, Freud afirma no seu texto que:

Sob a nova técnica, muito pouco, e com frequência nada, resta deste deliciosamente calmo curso de acontecimentos. Há certos casos que se comportam como aqueles sob a técnica hipnótica até certo ponto e só mais tarde deixam de fazê-lo, mas outros se conduzem diferentemente desde o início. Se nos limitarmos a este segundo tipo, a fim de salientar a diferença, podemos dizer que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo. (FREUD, 1914/1987, p.196)

Podemos constatar então que recordamos aquilo que lembramos, enquanto que

repetimos em forma de ato daquilo que não pode ser lembrado, está recalcado, esquecido. A

repetição ocorre compulsivamente por uma força interior no momento atual, enquanto

recordamos eventos que ocorreram no passado.

Na clínica psicanalítica podemos observar o fenômeno da repetição através dos

sintomas, da queixa do paciente, daquilo que ele estranha e não é percebido. Freud continua

sua investigação sobre a questão da repetição e cita alguns exemplos que ele pode constatar na

sua clínica:

Por exemplo, o paciente não diz que recorda que costumava ser desafiador e crítico em relação à autoridade dos pais; em vez disso, comporta-se dessa maneira para com o médico. Não se recorda de como chegou a um impotente e desesperado impasse em suas pesquisas sexuais infantis; mas produz uma massa de sonhos e associações confusas, queixa-se de que não consegue ter sucesso em nada e assevera estar fadado a nunca levar a cabo o que empreende. Não se recorda de ter-se envergonhado intensamente de certas atividades sexuais e de ter tido medo de elas serem descobertas; mas demonstra achar-se envergonhado do tratamento que agora empreendeu e tenta escondê-lo de todos. (Ibid.)

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Assim Freud ressalta um ponto fundamental que deve ser observado pelo analista, pois

“o paciente começará seu tratamento por uma repetição” (Ibid.). Freud identifica que o

analisando mostrará uma resistência quando tentar falar sobre a repetição, ficando silencioso

muitas vezes e negando a ocorrência, porém enquanto “o paciente se acha em tratamento, não

pode fugir a esta compulsão à repetição; e, no final, compreendemos que esta é a sua maneira

de recordar” (FREUD, 1914/1987, p.197). Freud acrescenta que:

Devemos estar preparados para descobrir, portanto, que o paciente submete-se à compulsão à repetição, que agora substitui o impulso a recordar, não apenas em sua atitude pessoal para com o médico, mas também em cada diferente atividade e relacionamento que podem ocupar sua vida na ocasião. (Ibid.)

Logo podemos constatar que a clínica psicanalítica está diretamente ligada à repetição.

Freud descobre o fenômeno da repetição associado à transferência e à resistência, abandona a

hipnose e adere a associação livre, base da técnica psicanalítica, fundando a psicanálise. Freud

enumera um grupo de processos psíquicos, que incluem as fantasias e impulsos emocionais.

Quanto a estes processos, diz que não faz nenhuma diferença se ocorreram pensamentos

conscientes e depois esquecidos ou se nunca se tornaram conscientes. Freud então explica

que: "O que nos interessa, acima de tudo, é, naturalmente, a relação desta compulsão à

repetição com a transferência e com a resistência" (Ibid.).

Assim, Freud, durante o processo de investigação do fenômeno da repetição, descobre

dois outros importantes conceitos que são a resistência e a transferência, que veremos a

seguir.

2.2 A IMPORTÂNCIA DA TRANSFERÊNCIA E DA RESISTÊNCIA NA REPETIÇÃO

Constatamos que a recordação (ou reprodução) é uma lembrança consciente voluntária,

enquanto a repetição é involuntária, inconsciente, e que ocorre através de uma compulsão em

forma de ato. Freud então investigou como poderia ser identificado na clínica o fenômeno da

repetição e constatou que a repetição pode ser observada e determinada pela ocorrência da

resistência. Freud então afirma que:

[...] o papel desempenhado pela resistência é facilmente identificável. Quanto maior a resistência, mais extensivamente a atuação (acting out) (repetição) substituirá o recordar, pois o recordar ideal do que foi esquecido, que ocorre na hipnose, corresponde a um estado no qual a resistência foi posta completamente de lado. (Ibid.)

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Podemos inferir então que a resistência é uma função defensiva de situações

traumáticas que foram encobertas e esquecidas. A descoberta desse conceito junto com a

transferência e a resistência proporcionou uma mudança no método clínico e possibilitou a

fundação da psicanálise. Freud então afirma que:

Aprendemos que o paciente repete ao invés de recordar e repete sob as condições da resistência. Podemos agora perguntar o que é que ele de fato repete ou atua (acts out). A resposta é que repete tudo o que já avançou a partir das fontes do reprimido para sua personalidade manifesta - suas inibições, suas atitudes inúteis e seus traços patológicos de caráter. Repete também todos os seus sintomas, no decurso do tratamento. (Ibid., p.198)

Podemos agora entender que a repetição ocorre devido ao processo de resistência do

analisando, que insiste em esquecer o que não deve ser lembrado, por ter sido desagradável ter

vivido essa experiência traumática; porém, a volta do recalcado se mostra na análise como

uma força que atualiza os componentes psíquicos e retorna em forma de ato. Freud então

orienta que:

Daí por diante, as resistências determinam a sequência do material que deve ser repetido. O paciente retira do arsenal do passado as armas com que se defende contra o progresso do tratamento - armas que lhe temos de arrancar, uma por uma. (Ibid.)

Para Freud, a repetição também tem uma relação direta com a transferência, pois

possibilita a revivência de antigas emoções durante o tratamento psicanalítico junto com o

analista. Freud então afirma que a transferência é "apenas um fragmento da repetição e que a

repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também

para todos os outros aspectos da situação atual” (Ibid., p.197). Freud acrescenta que:

Se o paciente começa o tratamento sob os auspícios de uma transferência positiva branda e impronunciada, ela lhe torna possível, de início, desenterrar suas lembranças tal como o faria sob hipnose, e, durante este tempo, seus próprios sintomas patológicos acham-se inativos. Mas se, à medida que a análise progride, a transferência se torna hostil ou excessivamente intensa e, portanto, precisando de repressão, o recordar imediatamente abre caminho à atuação (acting out). (Ibid., p.197/198)

Assim quanto mais hostil se torna a transferência, menos se recorda e mais se repete.

Constatamos então que o acontecido no passado se mostra como uma força atual e que

geralmente não é resolvido no início da análise, podendo mesmo se perdurar esse estado

durante anos de tratamento. Muitos usuários abandonam o tratamento no primeiro momento,

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logo que começam a reviver situações de conflito do passado esquecido. Assim o psicanalista

deverá esclarecer ao usuário sobre essa situação. Freud afirma então que:

Protege-se melhor o paciente de prejuízos ocasionados pela execução de um de seus impulsos, fazendo-o prometer não tomar quaisquer decisões importantes que lhe afetem a vida durante o tempo do tratamento - por exemplo, não escolher qualquer profissão ou objeto amoroso definitivo - mas adiar todos os planos desse tipo para depois de seu restabelecimento. (Ibid., p.200)

Freud nos orienta que o avanço no processo analítico irá proporcionar uma mudança na

atitude do analisando perante seus sintomas tais como as fobias, ideias e impulsos obsessivos,

pois como o paciente não conhecia os motivos dessas manifestações, adotava uma “política de

avestruz”, se fechando a descobrir as origens dessas representações. Freud então afirma que:

O primeiro passo para superar as resistências é dado, como sabemos, pelo fato de o analista revelar a resistência, que nunca é reconhecida pelo paciente, e familiarizá-lo com ela. (Ibid., p.202)

Assim, com o prosseguimento das sessões de análise, o usuário estando em processo

de transferência com o analista, poderá superar as resistências. Durante a análise, o usuário

poderá sofrer com o advento da ansiedade ou angústia, que deve ser entendida como um sinal

de estranheza do usuário com seus sintomas e atos que insistem em se repetir. A análise

possibilita as intervenções ou cortes do analista abrindo caminho para a mudança das

repetições através do processo de elaboração. Assim Freud afirma que:

Deve-se dar ao paciente tempo para conhecer melhor esta resistência com a qual acabou de se familiarizar, para elaborá-la, para superá-la, pela continuação, em desafio a ela, do trabalho analítico segundo a regra fundamental da análise. (Ibid.)

Freud ressalta que o analista não deve ser apressado, possibilitando o avanço da análise

através do processo de elaboração pelo usuário. A elaboração da repetição e da resistência

ocorre através da fala, que irá possibilitar as maiores mudanças no usuário pela simbolização

em vez da repetição pelo ato. É através da mediação da linguagem que ocorre a mudança da

repetição do mesmo, pela atuação automática inconsciente, possibilitando a recordação e

repetição do novo através da reflexão de suas ações, abrindo um campo de opções para suas

escolhas conscientes.

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Lacan também estudou o fenômeno da repetição e atuação. Analisaremos, assim, no

tópico seguinte, a repetição através da visão lacaniana, o conceito da repetição e sua relação

com o desejo inconsciente, o objeto a no campo do real, e consequentemente, com a cadeia

de significantes. Isso nos dará melhores elementos para o entendimento do fenômeno da

repetição e como poderemos encontrar um caminho em direção à cura e ao final da análise.

3 REPETIÇÃO ATRAVÉS DO OLHAR LACANIANO

Lacan realizou o Seminário sobre Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise em

1964 e foram publicados no Livro 11. Como ele mesmo se referiu, são os "quatro dos termos

introduzidos por Freud como conceitos fundamentais, nominalmente, o inconsciente, a

repetição, a transferência e a pulsão" (LACAN, 1964/1998, p.19). Esses conceitos assumem

essa importância, pois tanto Freud como Lacan observaram uma constância desses fenômenos

na clínica, constituindo-se a base da técnica psicanalítica. Então vamos rever e nos aprofundar

na repetição a partir da elaboração lacaniana.

Pierre Kaufmann afirmou que a repetição para Lacan é "a insistência da cadeia

significante" (KAUFMANN, 1996, p.451). Bruce Fink, no texto A causa real da repetição,

incluída no livro Para Ler o Seminário 11 de Lacan, complementa esse conceito afirmando

que "a repetição parece ser de certo modo mal nomeada, consistindo no retorno, não do

mesmo, mas do diferente [...]. Assim de fato pareceria não haver retorno" (FINK, 1997,

p.239).

Jacques-Alain Miller escreveu no texto Contexto e conceitos, no Livro Para Ler o

Seminário 11 de Lacan, que quando Lacan realiza o seminário sobre os quatro conceitos

afirma que "o inconsciente também aparece como repetição. Isso é o que Lacan apresenta

como a rede de significantes" (MILLER, 1997, p.23). Segundo Miller, para Lacan "a

realidade do inconsciente é sempre ambígua e ilusória, ao passo que a repetição está ligada

ao real, que não engana" (Ibid., p.24).

Segundo Miller, Lacan considera que no fenômeno da repetição a importância da

resistência é minimizada porque "o inconsciente não resiste tanto quanto repete" (Ibid., p.23),

mas "repetimos porque não alcançamos o nosso alvo" (Ibid., p.26). Para Miller, Lacan dá

continuidade às ideias freudianas, entretanto cria o conceito do real como "aquilo que volta

sempre ao mesmo lugar para o sujeito, mas que o sujeito não encontra" (Ibid.). Miller então

afirma que:

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A repetição está sempre ligada a um objeto perdido: ela é uma tentativa de reencontrá-lo e no entanto, ao fazer isso, perdê-lo. E o que é este objeto perdido? Ele é ilustrado, na teoria analítica, pela mãe como o objeto primário fundamental que, mediante a operação do Nome-do-Pai, é para sempre proibida e perdida. Lacan diz que a mãe é aquela Ding fundamental, a coisa sempre perdida e que a repetição tenta recuperar, perdendo sempre. (MILLER, 1997, p.27)

Assim, Miller conclui seu texto afirmando que para Lacan: "Não é a repetição que

importa, e sim o que é inatingido" (Ibid.). Então perguntamos: o que é mesmo que se repete?

3.1 O QUE SE REPETE

Constatamos que para Lacan o fenômeno da repetição está ligado ao inconsciente, ao

real, e ao objeto perdido. E o que seria esse objeto? Segundo Freud2 que escreveu no texto Os

instintos e suas vicissitudes que:

O objeto [Objeckt] de um instinto é a coisa em relação à qual ou através da qual, o instinto é capaz de atingir sua finalidade. É o que há de mais variável num instinto e, originalmente, não está ligado a ele, só lhe sendo destinado por ser peculiarmente adequado a tornar possível a satisfação (FREUD, 1915/1987, p.143).

Lacan escreveu no Seminário sobre A ética da psicanálise que o objeto a seria a

"Coisa [...] que, do real primordial, diremos, padece do significante” (LACAN, 1959-

1960/1988, p.149). Para Lacan, a repetição está ligada ao objeto a, que é o elemento excluído

e ao mesmo tempo, o motor da cadeia de significantes e a causa que promove a repetição no

sujeito.

Antônio Quinet, no texto O olhar como um objeto no Livro Para ler o seminário 11 de

Lacan, afirmou que para Lacan o objeto a cai entre o sujeito e o Outro. Quinet então afirma

que Lacan elaborou o seguinte diagrama:

2 A tradução realizada por Antônio Quinet para esse fragmento do texto de Freud foi a seguinte: "o objeto (Objekt) da pulsão é a coisa em relação à qual, ou através da qual, a pulsão é capaz de atingir seu alvo. É isso que é mais variável no que diz respeito a uma pulsão, e não originalmente ligado a ela, mas sendo a ela atribuído somente em consequência de ser peculiarmente adaptado a tornar possível a satisfação"(Standard Edition, XIV, 22) (QUINET, 1997, p.157).

Page 21: TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

19

Figura 01 - Diagrama do Sujeito, Objeto e Outro

Fonte: QUINET, 1997, p.159

Quinet então explica que:

Essa ilustração mostra que o objeto a não pertence ao sujeito nem ao Outro (Autre ou simplesmente A). O sujeito de Lacan é definido como falta-a-ser; o olhar-como-objeto a é o seu ser. Assim, determinamos o sujeito como falta-a-ser. O objeto a é um ser a que falta consistência, um ser que não podemos capturar ou ver, mas que é, ainda assim, um ser. O que é muito estranho, já que ele é a causa do desejo do sujeito. Este objeto, que condensa gozo, é o objeto da pulsão. (QUINET, 1997, p.159)

Lacan então introduz o conceito do traço unário (o Um), que seria o lugar do primeiro

elemento da série da cadeia de significantes. Podemos melhor entender o que seria a cadeia

de significantes e o objeto a no esquema realizado por Denise Lachaud na Figura 023,

representando o pensamento lacaniano sobre o que seria repetição.

Figura 02 - Fenômeno da Repetição

Fonte: LACHAUD, 1997, p.239

Pierre Kaufmann explica que o traço unário para Lacan, está diretamente ligado à

operação da constituição do sujeito. Ele afirma que a repetição tem por finalidade ressurgir o

unário primitivo, esse "Um inaugural que permite que uma ordem seja possível, que haja a 3 Na Figura 02 os termos: S1, S2, S3 que representa a sequência da repetição dos significantes; a representa o objeto perdido; S representa o Sujeito barrado, desejante; 1+1+1 (...) representa o número de repetições a partir da constituição do sujeito.

Sujeito Outro

a

1 + (1 + (...)) S1 S2 S3 . . .

a

S

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20

possibilidade de contagem. É essa marca que está na origem da função de repetição".

(KAUFMANN, 1993, p.449). Assim podemos entender porque Lacan afirma que:

[...] antes de qualquer formação do sujeito, de um sujeito que pensa, que se situa aí - isso conta, é contado, e no contado já está o contador. Só depois é que o sujeito tem que se reconhecer ali, reconhecer-se ali como contador. [...] o homenzinho que enuncia - Tenho três irmãos, Paulo, Ernesto e eu. [...] primeiro são contados os três irmãos, Paulo, Ernesto e eu, e depois há o eu no nível em que se diz que eu tenho que refletir o primeiro eu, quer dizer, o eu que conta. (LACAN, 1964/1998, p.26)

Lacan explica que para que o sujeito seja constituído é necessária a interdição, o

barramento no processo da castração, a instituição da falta, da ruptura, da fenda, ou seja, o

sujeito fica marcado pelo traço primordial o que lhe atribui a diferença. Assim Lacan afirma

que:

Será que o um é anterior à descontinuidade? Penso que não [...] o um que é introduzido pela experiência do inconsciente é o um da fenda, do traço, da ruptura. (LACAN, 1964/1998, p.30)

Os elementos da série não são idênticos, pois cada um ocupa um lugar específico na

cadeia de significantes: "Mesmo ao repetir o mesmo, o mesmo, ao ser repetido, se inscreve

como distinto. Eis por que Lacan assinala que a essência do significante é a diferença"

(KAUFMANN, 1993, p.449). Assim Kaufman vai mais longe e afirma que:

A compulsão a repetição se estrutura em torno de uma perda, na medida em que o que se repete não coincide com o que isso repete. Nesse sentido, a lógica de Kierkegaard não é muito diferente de Freud. Ora, Lacan, no momento de introduzir o conceito de traço unário, tenta mostrar que esse traço que estamos sempre evocando se repete por não ser jamais o mesmo. A repetição, evidentemente, nada tem a ver com a reprodução. (Ibid.)

Lacan no texto o Seminário sobre A carta roubada incluída no seu livro Escritos,

afirma que "o automatismo de repetição (Wiederholungszwang) extrai seu princípio do que

havíamos chamado de insistência da cadeia significante" (LACAN, 1966/1998, p.13). Assim

para Kaufman e Miller a repetição deve ser pensada como a insistência da cadeia significante,

sendo que o significante é o único suporte possível do que é para nós a experiência da

repetição. Kaufmann então afirma que:

Page 23: TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

21

Mostra-nos, em particular em seu texto inspirado em "A carta roubada" de Edgar Allan Poe, como os lugares que o sujeito pode ocupar são determinados por uma cadeia significante. Devemos portanto pensar o sujeito como produção da articulação entre dois significantes (S1/S2). Nessa relação entre dois significantes, o estatuto do sujeito seria o de um resto. Em outras palavras, é entre "os dois significantes no nível da repetição primitiva que se opera essa perda, essa função do objeto-perdido". É esse o lugar central do surgimento do sujeito. Ele é efeito de discurso. É dessa repetição inicial (S1/S2) que nasce o sujeito. (KAUFMANN, 1993, p.450)

Como vimos anteriormente a compulsão a repetição se situa no campo pulsional e não

cessa de insistir até que o recalcado seja elucidado. Lacan revê os escritos de Freud que

buscava uma resposta para a questão se "a repetição é possível", levantada pelo filósofo

dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855) que fracassou em querer reviver uma viagem

agradável que tinha feito à Berlim e chegou a conclusão que seria impossível realizar alguma

repetição. Lacan então afirma que:

Não mais que em Kierkegaard, não se trata em Freud de nenhuma repetição que se assente ao natural, de nenhum retorno da necessidade. O retorno da necessidade visa o consumo posto a serviço do apetite. A repetição demanda o novo. (LACAN, 1964/1998, p.62)

Podemos agora afirmar que segundo a teoria lacaniana a repetição é constitutiva e se

dá em forma de ato, na busca do sujeito do inconsciente pelo objeto perdido na primeira

experiência de satisfação. Assim, para Lacan, os significantes atribuem ao sujeito seus

lugares. Então ele afirma que:

A natureza fornece, para dizer o termo, significantes, e esses significantes organizam de modo inaugural as relações humanas, lhes dão as estruturas, e as modelam. (LACAN, 1964/1998, p.26)

Constatamos assim que o objeto a é um conceito fundamental na obra lacaniana por

indicar que a repetição é estrutural à própria dinâmica das relações objetais e estabelece o

desejo como falta estrutural do sujeito. Então o sujeito se repete para fugir dessa falta, sendo

que é o intervalo entre a tentativa de encontrar o objeto e o não encontro que mantém a

repetição do significante.

Continuado nossa investigação, insistimos na pergunta: o que realmente se repete?

Leonardo Almeida e Raul Atallah, no texto O conceito de repetição e sua importância para a

teoria psicanalítica, buscam responder a essa questão afirmando que:

Page 24: TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

22

O que se repete, na concepção lacaniana, é o próprio furo na linguagem, sua transcendência original ao objeto em si; o que se repete, portanto, é a falta a ser, que faz mover os significantes dentro de uma cadeia associativa. A repetição, assim entendida, nos diz sobre sua capacidade de fazer funcionar o simbólico, de dar ao desejo seu mote original, de fazer do desejo motor da capacidade dos sujeitos de se conectarem e reconectarem a objetos. A alienação do sujeito na linguagem é o que se repete. É da impossibilidade de significar o desejo, de dar a ele um valor último, que faz do desejo algo que sempre retorna como furo a-significante, fazendo da coisa em si algo impossível de ser decodificado. (ALMEIDA & ATALLAH, 2008, p.208)

Para aderirmos melhor a esses conceitos teremos que entender o conceito da pulsão de

morte em Freud, e gozo, para Lacan, o que veremos a seguir.

3.2 DE FREUD A LACAN: PULSÃO DE MORTE E GOZO

Freud, em 1920, escreve o seu texto Além do princípio do prazer, em que destaca o

fenômeno da repetição como fundamental na clínica psicanalítica. Freud fez uma observação

com o seu neto que brincava de uma maneira repetitiva de atirar um carretel por cima da sua

"caminha encortinada" toda vez que sua mãe se ausentava. Seu neto, depois de atirar o

carretel, puxava-o de volta e dizia Fort (saiu) e Da (voltou). O neto de Freud repetia

compulsivamente a cena em que sua mãe saia e retornava. Freud observou haver uma força

pulsional motivadora dessa repetição e que também era geradora de prazer. Mas Freud

descobre também no fenômeno da repetição algo de estranho, que está para além do princípio

do prazer, que pode ser observado em forma de ato, como visto na brincadeira do seu neto

com o carretel. Uma característica observada era que seu neto brincava ativamente com o

controle do carretel, substituindo uma situação passiva de falta de controle sobre sua mãe que

se ausentava, independente da sua vontade. Assim Freud afirma que:

Quando a criança passa da passividade da experiência para a atividade do jogo, transfere a experiência desagradável para um de seus companheiros de brincadeira e, dessa maneira, vinga-se num substituto. [...] Isso constitui prova convincente de que, mesmo sob a dominância do princípio de prazer, há maneiras e meios suficientes para tornar o que em si mesmo é desagradável num tema a ser rememorado e elaborado na mente. (FREUD, 1920/1987, p.29)

Com a observação sobre a brincadeira de seu neto, Freud volta a discutir a questão da

repetição evidenciada no texto Recordar, repetir e elaborar de 1914. Ele também discute a

Page 25: TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

23

questão da recordação, atuação e transferência, que são observados na clínica psicanalítica.

Freud então faz uma análise desses conceitos e afirma que:

É obrigado a repetir o material reprimido como se fosse uma experiência contemporânea, em vez de, como o médico preferiria ver, recordá-lo como algo pertencente ao passado. Essas reproduções, que surgem com tal exatidão indesejada, sempre têm como tema alguma parte da vida sexual infantil, isto é, do complexo de Édipo, e de seus derivativos, e são invariavelmente atuadas (acted out) na esfera da transferência, da relação do paciente com o médico. [...] O médico empenha-se por [...] permitir que surja como repetição o mínimo possível. [...] Deve fazê-lo reexperimentar alguma parte de sua vida esquecida, mas deve também cuidar, por outro lado, que o paciente retenha certo grau de alheamento, que lhe permitirá, a despeito de tudo, reconhecer que aquilo que parece ser realidade é, na verdade, apenas reflexo de um passado esquecido. (FREUD, 1920/1987, p.31-32)

Freud ainda estava focado na teoria sobre o princípio do prazer e do princípio da

realidade. Freud questiona sobre a influência do princípio do prazer sobre o sujeito, sendo que

o princípio do prazer visa à redução de tensão produzindo assim uma sensação de prazer. Ele,

entretanto, verifica que essa teoria não dá conta da observação que ele fez com seu neto e com

eventos que são rememorados de experiências do passado que não estariam relacionadas com

eventos agradáveis ou prazerosos. Freud então afirma que:

[...] a compulsão à repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram reprimidos. (FREUD, 1920/1987, p.34)

Assim Freud questiona o princípio do prazer que não dá conta dessa explicação e

realiza uma associação com os seus clientes que fazem questão de rememorar eventos

traumáticos. Alguma coisa estranha é observada por Freud na sua clínica, principalmente nas

formações do inconsciente, particularmente nos sonhos de quem passou por eventos

traumáticos. Freud então afirma que:

[...] existe realmente na mente uma compulsão à repetição que sobrepuja o princípio do prazer, como também ficaremos agora inclinados a relacionar com essa compulsão os sonhos que ocorrem nas neuroses traumáticas e o impulso que leva as crianças a brincar. (FREUD, 1920/1987, p.36)

Page 26: TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

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Freud associou a situação do seu neto com situações vividas pelos soldados que

voltavam da guerra e insistiam em reviver situações traumáticas, repetindo a dor. Denise

Lachaud comentando essa observação de Freud afirmou que:

O princípio de realidade é regido por um grupo de pulsões que Freud chama "pulsões de auto-conservação". Mas são precisamente essas pulsões que forçam à repetição e Freud chegará a observar que ela é a manifestação de força do recalcado. (LACHAUD, 1997, p.230)

Freud então descobre uma força instintiva ou pulsional que é o motor e causa da

repetição, que insiste em se inscrever. É assim que a repetição se torna fundamental dentro da

clínica psicanalítica e é descoberta uma força instintual primitiva, a pulsão de morte. Freud

afirma que a pulsão de morte, "[...] embora não contradiga o princípio de prazer, é sem

embargo independente dele, parecendo ser mais primitiva do que o intuito de obter prazer e

evitar desprazer". (FREUD, 1920/1987, p.48)

Freud constata também que não adiantava querer repetir uma situação idêntica a que

tinha vivido no passado, pois nunca poderíamos ter os mesmos sentimentos que vivemos na

primeira vez. Freud então analisa essa tendência de querer repetir situações muito dolorosas e

questiona o que seria essa "força demoníaca" que levava a esse tipo de repetição. Freud

esclarece que:

As manifestações de uma compulsão à repetição (que descrevemos como ocorrendo nas primeiras atividades da vida mental infantil, bem como entre os eventos do tratamento psicanalítico) apresentam em alto grau um caráter instintual e, quando atuam em oposição ao princípio de prazer, dão a aparência de alguma força 'demoníaca' em ação. (FREUD, 1920/1987, p.52)

Foi assim que Freud descobriu a existência de um automatismo involuntário e a pulsão

de morte, sendo que ambos estão diretamente ligados ao fenômeno da repetição. Lachaud

então comenta que Freud identificou que não há prazer no ato do seu neto, porém alguma

coisa insiste na repetição, assim ela afirma que:

Ele descobre que os instintos procuram o retorno ao inorgânico e o fim em direção ao qual tende toda vida é a morte: "A última instância da evolução libidinal é o retorno ao repouso das pedras". É assim que ele introduz a pulsão de morte como alguma coisa de profundamente conservadora e a vida como trajeto de retorno em direção à morte. (LACHAUD, 1997, p.230)

Page 27: TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

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Freud acreditava que existiam "as mais impressivas provas de que há uma compulsão

orgânica a repetir estão nos fenômenos da hereditariedade e nos fatos da embriologia"

(1920/1987, p.54). Assim Freud formula o conceito da pulsão de morte em que o sujeito

afetado tenderia a um estado de não-vida, de repouso absoluto, da sua não-existência, seria

um retorno ao inanimado. Lachaud então afirma que para Freud "o objetivo da vida é a morte:

repetição e pulsão de morte estão intimamente imbricadas" (LACHAUD, 1997, p.231). Freud

afirma que buscamos retornar a:

[...] um estado inicial de que a entidade viva, numa ou noutra ocasião, se afastou e ao qual se esforça por retornar através dos tortuosos caminhos ao longo dos quais seu desenvolvimento conduz. (FREUD, 1920/1987, p. 55-56.)

Foi com essas observações que Freud descobriu a pulsão de morte, ou seja, uma força

pulsional que impele todo o organismo vivo em direção à morte. A pulsão de morte tem um

caráter conservador que é resistente à mudança e busca a repetição do mesmo. A pulsão de

morte sempre busca um retorno a um estado anterior inorgânico, a um estado inicial arcaico.

Freud então afirma que:

Se tomarmos como verdade que não conhece exceção o fato de tudo o que vive, morrer por razões internas, torna-se mais uma vez inorgânico, seremos então compelidos a dizer que 'o objetivo de toda vida é a morte', e, voltando o olhar para trás, que 'as coisas inanimadas existiram antes das vivas'. (FREUD, 1920/1987, p. 56)

O primeiro instinto ou pulsão seria o movimento de retorno em direção ao inanimado.

Assim, os organismos tendem a reduzir a energia excedente, remover a tensão interna em

direção ao estado anterior inanimado. Assim Freud afirma que:

A tendência dominante da vida mental e, talvez, da vida nervosa em geral, é o esforço para reduzir, para manter constante ou para remover a tensão interna devida aos estímulos ('o princípio do Nirvana' para tomar de empréstimo uma expressão de Bárbara Low [1920,73]), tendência que encontra expressão no princípio de prazer, e o reconhecimento desse fato constitui uma de nossas mais fortes razões para acreditar na existência dos instintos de morte. (FREUD, 1920/1987, p. 76)

Page 28: TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

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Podemos entender que a pulsão de morte para Freud é a busca de uma satisfação

primitiva, que foi obtida inicialmente na pré-história ontofilogenética4 do homem e que tende

à restauração de um estado anterior. É uma força indomada e que persiste como fundo não

ordenado do ser humano.

Lacan afirmou que a pulsão de morte seria um gozo, que seria uma repetição

automática, compulsiva, sem possibilidade de fazer nada sobre isso. Na maioria das vezes

essa repetição traz sofrimento para o usuário, e quando é estabelecido o processo de

transferência na análise, o usuário busca falar sobre essa repetição, revivendo de alguma

forma esses desejos que só causaram problemas e desprazer através do gozo que ele estranha

como não-seu. Denise Lachaud cita Lacan e explica que:

Pois para o sujeito "o que é essencial é que ele veja,... a qual significante - não-senso, irredutível, traumático - ele é, como sujeito, assujeitado". E ele só o verá ao interpretar a repetição pois "... o que insiste, é o que tem mais sentido e o sentido é da ordem do gozo"; e é o sentido disso que se repete que nos conduzirá à pulsão. (LACHAUD, 1997, p.242)5

Para Lacan, a pulsão marca o corpo, pois gira em torno do buraco, do vazio, do real,

algo inefável. A pulsão marca o corpo como lugar impossível e busca sua satisfação na

dinâmica do fenômeno da repetição. Para que possamos compreender melhor esse conceito,

iremos abordar o que é a cadeia significante e traço unário, o que veremos a seguir.

3.3 CADEIA SIGNIFICANTE

Lacan afirmou que ocorre no inconsciente uma "relação profunda, inicial, inaugural

[...] do Un original, isto é, o corte" (LACAN, 1964/1998, p.46). Denise Lachaud explica no

texto Repetição que para Lacan o "que se repete é o que separa a ausência da presença, o Fort

e o Da, isto é, o corte" (1997, p.237). O traço unário, ao introduzir a diferença estabelece a

função significante. Lacan relendo Freud chegou à conclusão de que a repetição faz parte da

própria definição do inconsciente, pois é no inconsciente que está o recalcado, com a sua

tendência de se repetir. Para Lacan a repetição seria uma busca de simbolizar uma experiência

4 Não entraremos na discussão entre a filogenia (características da espécie) e a ontogenia (histórico de desenvolvimento e aprendizagem), pois vários autores acreditam que a "história da evolução individual ou ontogenia é uma repetição resumida, rápida, uma recapitulação da história evolutiva paleontológica ou filogenia, em conformidade com as leis da hereditariedade e da adaptação aos meios" (KAUFMANN, 1996, p.208). 5 Grifos em itálico realizado por Denise Lachaud indicando citações fragmentadas de Lacan.

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original, primordial, devido a impossibilidade de repetir o mesmo: assim, só podemos "repetir

o novo".

Podemos ver na Figura 01 que o sujeito barrado (S) é constituído com a queda do

objeto a, tornando-se o Um (S2, sujeito faltante, desejante, sujeito do inconsciente). Para

Lacan, repetir tem como objetivo "fazer ressurgir este unário primitivo" (LACHAUD, 1997,

p.238), o S1. Já vimos que o traço unário constitui o significante primordial, dando a ele sua

unicidade, e possibilita ser o suporte para a série dos outros significantes e a formação da

cadeia. A repetição visa insistir no resurgimento do significante primordial. Porém, segundo

Lacan, repetimos sempre o novo devido a impossibilidade de repetir o mesmo, e assim é "bem

possível, depois de tudo, que um mais um mais um não sejam quatro [...] 1+(1+(1+(1+(...))))"

(LACAN, 1964/1998, p.213).

Podemos entender então que, para Lacan, a repetição é estrutural e constitutiva do

sujeito, sendo chamada de insistência da cadeia significante (S2, S3,...); logo, a repetição pode

ser considerada como uma estrutura de retorno do recalcado. Assim Lachaud explica que:

O que J. Lacan descobre, portanto, nesse jogo "que é o Repräsentanz da Vorstellung", é, também, o surgimento do traço. Seja "o que há de mais destruído, ... de mais apagado de um objeto" e é de sua destruição absoluta que surge o traço.[...] Um traço que apaga a Coisa salvo o que ela fora, o Um de seu vestígio, "tudo o que existe de real no simbólico". Pois o sujeito que sofreu a operação do significante - portanto também apagado, traço sem conta - está identificado ao que apaga a Coisa, ao traço de apagamento, o Um situado por Freud: einziger Zug, traço único enquanto que excluído. (LACHAUD, 1997, p.237)

Surge então o termo significante que necessita ser explicado. Para Roberto Harari, o

significante para Lacan é "o que representa um sujeito para outro significante" (HARARI,

1987, p.51). Assim, como o "sujeito é efeito do significante" (Ibid.), então ele deduz que o

sujeito "é o que representa um significante para outro significante" (Ibid., p.52). Lacan

afirmou no seu livro Escritos que:

[...] Freud nos revela que é graças ao Nome-do-Pai que o homem não permanece preso ao serviço sexual da mãe, que a agressão contra o Pai acha-se o princípio da Lei, e que a Lei está a serviço do desejo que ela institui pela proibição do incesto. [...] Assim, é antes a assunção da castração que cria a falta pela qual se institui o desejo. O desejo é desejo de desejo, desejo do Outro, como dissemos, ou seja, submetido à Lei. (LACAN, 1964/1998, p. 866)

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Compreendemos agora que, para Lacan, a repetição ocorre devido à queda do objeto a

durante a constituição do sujeito, e isso é o que irá mover a cadeia significante, sendo que a

lei à qual o significante está submetido é a lei da castração. Harari afirma que: "Trata-se de

um objeto privilegiado do qual o sujeito, em uma automutilação, se separa para constituir-se,

deixando de lado algo de si" (HARARI, 1987, p.111). Harari então sintetiza esse pensamento

lacaniano afirmando que:

[...] permite-nos incluir o eixo falo-castração nessa caracterização. A automutilação comporta que uma parte do corpo caia, se desprenda, se separe. Nesta queda - perda - se evoca uma falta. Imediatamente, o objeto a - enquanto objeto da pulsão - deve cumprir, investir e encarnar esta condição. (Ibid., p.112)

Podemos agora entender mais claramente que é nesse ato inicial que "institui-se a

relação sempre repetida entre o sujeito e o objeto perdido onde seu desejo se aliena"

(LACHAUD, 1997, p.238). Lachaud então afirma que este "primeiro Um suposto, 'conceito

da falta', virá marcar a ausência da Coisa, designar o lugar do objeto caído e repetir-se"

(Ibid.). É por isso que dizemos que a tentativa do sujeito encontrar o objeto será sempre

faltosa, pois sempre faltará um resto impossível de ser simbolizado. Assim Lachaud afirma

que:

O sujeito está, então destinado a procurar o "identicamente idêntico", à procura da "marca daquela vez", ou seja o que sempre faltará, o que está na origem do Urverdrängt. E "o significante sendo diferente dele mesmo, nada do sujeito saberia aí identificar-se sem nele excluir-se". Nada do identicamente idêntico. Nada de fusão. Nos entalhes que o caçador faz sobre seu osso, cada traço, cada Um, é absolutamente diferente do primeiro ou daquele que precede. (Ibid., p.240)

Agora podemos entender que o sujeito barrado que é constituído pela falta é

representado por um significante que está sujeitado a se repetir em busca do objeto perdido, se

tornando prisioneiro da cadeia de significantes. Como o objeto encontrado é diferente do

procurado, uma vez que ele foi perdido para sempre, o sujeito não para de buscar objetos

substitutos na esperança de encontrar o objeto original. Lacan no Livro 2 O eu na teoria de

Freud e na técnica da psicanálise, afirma que:

Page 31: TCC-Repeticao- do Outro à si mesmo em Freud e Lacan - Final

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O objeto se encontra e se estrutura por via de uma repetição – reencontrar o objeto, repetir o objeto. Só que, nunca é o mesmo objeto que o sujeito encontra. Em outras palavras, ele não para de engendrar objetos substitutivos. (LACAN, 1954-1955/1985, p.132)

Assim o sujeito não poderá se lembrar por que se repete, pelo fato de que o trauma

ocorreu durante uma operação estrutural ocorrida no início da sua vida e será algo impossível

de ser dito, de ser rememorado, pois isso é algo do real. No seminário 11 Lacan define o que

seria o real afirmando que o "real é aqui o que retorna sempre ao mesmo lugar - a esse lugar

onde o sujeito, na medida em que ele cogita, onde a res cogitans, não o encontra" (LACAN,

1964/1998, p.52). Bruce Fink busca explicar o que é o real para Lacan e afirma que:

[...] o real é o que sempre volta ao mesmo lugar: o número ou letra6 excluídas. Volta ao mesmo lugar onde o sujeito, na medida em que pensa, a res cogitans ou coisa pensante, não o encontra - isto é, não cruza seu caminho, já que ele está radicalmente excluído ali. Logo, a repetição envolve o "impossível de pensar" e o "impossível de dizer". (FINK, 1997, p.241)

Bruce Fink, continuando sua explicação sobre o que seria o real para Lacan introduz o

conceito da tiquê, do autômaton e sua relação com o real, e afirma que:

O real aqui é o nível da causalidade, o nível daquilo que interrompe o funcionamento tranquilo do autômaton, da seriação automática, sujeita à lei regular dos significantes do sujeito no inconsciente. Ao passo que os pensamentos do analisando estão destinados a perder sempre o alvo do real, conseguindo apenas circular ou gravitar em torno dele, a interpretação analítica pode atingir a causa, levando o analisando a um encontro com o real: tiquê. O encontro com o real não está situado no nível do pensamento, mas no nível onde a "fala oracular" produz não-senso, aquilo que não pode ser pensamento. (Ibid., p.241-242)

Podemos agora entender que nenhum significante poderá encontrar o objeto perdido

para preencher o vazio, a falta, a fenda. Lacan atribuiu esse lugar dessa fenda ao real e

introduz dois novos conceitos, a tiquê e o autômaton para melhor explicar o fenômeno da

repetição, que veremos a seguir.

6 Márcio Peter de Souza Leite no texto Os diferentes sentidos do termo “Letra” em Lacan esclarece qual a diferença entre a Letra e o signo para Lacan e afirma que: "Diz Lacan: 'A Letra é esta essência do significante que a distingue do signo', porque signo é uma significação para alguém e a Letra é a essência do significante e não significa nada para ninguém, a Letra não tem significado algum e também não tem um outro que a signifique. Se alguém a significar ela não será a Letra, mas signo". (LEITE, 1998, p.02)

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3.4 TIQUÊ E AUTÔMATON

Figura 03 - Tiquê e Autômaton

Fonte: Modificação Figura 027

Lacan escreveu o Seminário 11 em 1964, em que aborda o fenômeno da repetição,

apoiando-se na ideia aristotélica da causalidade e na teoria das quatro causas. Lacan se

apropria do vocabulário aristotélico e realiza uma distinção entre duas vertentes da repetição:

a tiquê e o autômaton. Lacan então explica que:

Primeiro a tiquê que tomamos emprestada, eu lhe disse da última vez, do vocabulário de Aristóteles em busca de sua pesquisa da causa. Nós traduzimos por encontro do real. O real está para além do autômaton, do retorno, da volta, da insistência dos signos aos quais nos vemos comandados pelo princípio do prazer. [...] Assim, não há como confundir a repetição nem com o retorno dos signos, nem com a reprodução, ou a modulação pela conduta de uma espécie de rememoração agida; [...] O que se repete com efeito, é sempre algo que se produz - a expressão nos diz bastante sua relação com a tiquê - como por acaso. (LACAN, 1964/1998, p.56)

Conforme uma alteração que realizamos na Figura 01, podemos ver na Figura 03 que

para Lacan "a Tiquê indica um encontro com o real, circunstância oculta em, e por, essa

ordem denominada Autômaton, a qual se refere à rede dos significantes" (HARARI, 1987,

p.103).

Podemos então entender que na tiquê ocorre a operação constitutiva do sujeito, e que

no autômaton ocorre a insistência dos signos, ou seja, a tentativa de tentar trazer para o campo

do simbólico, ou do significante, alguma forma de ligação possível do real, numa tentativa de

7 Realizamos uma alteração da Figura 02 para localizamos a tiquê e a automaton. Essa localização foi baseada na explicação que será realizada tanto por Pierre Kaufmann quanto por Denise Lachaud que abordaremos nesse trabalho.

1 + (1 + (..) ) S1 S2 S3 . . .

a

S

tiquê autômaton

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simbolizar o trauma. O autômaton é caracterizado pelo automatismo inconsciente da cadeia

de significantes, comandados pelo princípio do prazer.

Roberto Harari, no livro Uma introdução aos quatro conceitos fundamentais de Lacan,

afirma que para Lacan a tique “denota a ação da causalidade não automática - que contrapõe

ao Automaton - regida pelo acaso” (HARARI, 1987, p.23). A tiquê designa o real como

encontro faltoso, para além do princípio do prazer e que estará por trás do funcionamento

automático do significante.

Harari afirmou que a tiquê era uma deusa grega da fortuna, sendo o correlato grego do

destino. É "uma representação do acaso com o qual se confronta o 'já escrito' de nossas vidas

[...] [e] se coloca no lugar da causa" (Ibid., p.87). A tiquê "se refere à existência de uma

ordem acidental que serve de causa para o ser falante" (Ibid.). A tiquê se refere a um encontro

falho com o real, onde é semi-dita a verdade do sujeito, e é utilizada como recurso conceitual

para dar conta da repetição. Harari explica que a "verdade é real, porque é impossível de ser

dita toda" (Ibid., p.79) e complementa afirmando que para Lacan "o Real é impossível"

(Ibid.). Mais, Harari esclarece que o real é o "que convencionalmente, lexicalmente, se

reconhece como irreal [...] é o modo de subverter a realidade" (Ibid., p.100).

Harari então afirma que a tiquê é a deusa "da má fortuna, nesse caso, que provoca a

morte de seus pais e de seu noivo em acidentes de trânsito. Acaso como causa é a Tiquê"

(Ibid., p.89). A tiquê é uma dimensão onde se encontra um núcleo do real. Sendo que o

usuário sempre perguntará: "por que justamente comigo passa essa fatalidade?" (Ibid.). Há

algo que retorna do real, que volta sempre ao mesmo lugar em termos de um encontro falho,

abalando o estatuto subjetivo e abrindo a hiância8.

Harari então afirma que ao "falar da hiância causal apoiamos no desejo, não na

necessidade. O desejo é errante, não está vinculado a um objeto específico. A necessidade,

pelo contrário, só se realiza fixada a seu objeto" (Ibid., p.90).

A repetição demanda um novo, pois não há repetição que não seja com diferença. O

pensar freudiano está centrado em um hipotético medo à mudança como causa da repetição.

Harari então explica que Lacan ensinou que "a única coisa que a repetição não quer é

conservar uma situação estaticamente consolidada, sem escapatória" (Ibid.). Então

perguntamos: sempre repetimos o novo?

8 Roberto Harari esclarece que hiância foi "um neologismo criado por Tomás Segovia, o tradutor dos Escritos de Lacan ao espanhol, para verter béance. O que existe e menciona o dicionário é o termo hiato; abertura, fenda. E do mesmo campo semântico: há versos hiantes, onde se reconhecem cortes, hiatos" (HARARI, 1987, p.55).

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4 REPETIR O NOVO

Segundo Kaufmann, o fenômeno da repetição é caracterizado por um paradoxo de que

a repetição busca repetir o mesmo, porém "a repetição envolve sempre o fracasso dessa

tentativa de reencontrar, de fazer surgir das Ding (a Coisa), como dizia Freud, o traço unário,

como o chama Lacan". (KAUFMANN, 1996, p.448)

Bruce Fink esclarece que apesar de não podermos repetir o mesmo, o "que em geral

nos permite considerar duas coisas ou eventos como idênticos é o significante" (FINK, 1997,

p.239) e explica que:

[...] a repetição implica, portanto, o "retorno" de alguma coisa que seria diferente da segunda vez, se não fosse o significante. Só podemos nos banhar no mesmo rio duas vezes porque temos uma palavra ou nome pare ele: o rio Swance, por exemplo. [...] É o significante, na sua polissemia, que permite o estabelecimento de uma série (permitindo, de fato, substituições), uma série metafórica ou metonímica ao longo da qual o desejo pode deslizar, perseguindo incessantemente a diferença. (Ibid., p. 240)

Para Lacan, repetimos o novo, e só consideramos como repetição por causa do

significante. Na clínica psicanalítica, buscamos identificar esses fenômenos e tornar o usuário

consciente das escolhas dos objetos, atuações e relações que são serializadas ou repetidas.

Assim, Fink acrescenta que:

A substituição estabelece uma equivalência entre coisas que não são idênticas. Logo, substituição não é repetição. A substituição implica dialetização, a capacidade de associar um termo ou ideia com outros termos e ideias, extrair relações entre eles e transferir afeto de uns para outros. [...] "repetição" se refere a este tipo de "retorno com diferença", e a psicanálise tende a tornar o analisando consciente, cada vez mais, de suas repetitivas escolhas de objetos, relações, situações etc., serializando-as. (Ibid.)

É importante, assim, que sejam realizadas observações ou cortes pelo analista no

discurso e atos do analisando para possibilitar que ocorra uma mudança na sequência das

repetições. A prática da clínica freudiana com a elaboração e o corte na clínica lacaniana irão

possibilitar o avanço na análise.

Com a aplicação dessa técnica psicanalítica poderá surgir o fenômeno da angústia que

é considerado de grande importância, pois indica um estranhamento e o que realmente faz a

diferença para o usuário, apontando uma direção para ser seguida na análise. Quinet cita

Lacan que afirmava que "sem o objeto a não há angústia" (QUINET, 1997, p.160), indicando

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que o objeto e o fenômeno da angústia estão diretamente relacionados. Bruce Fink, no texto A

causa real da repetição, faz a seguinte afirmação a respeito da posição do analista frente a

repetição:

A repetição envolve algo de que, por mais que se tente, não se consegue lembrar. [...] O pensamento não consegue encontrá-lo; o que é isso? Isso é o que está excluído da cadeia significante, mas em torno de que a cadeia gira. O analisando dá voltas e mais voltas numa tentativa de articular o que parece estar em questão, mas não consegue localizá-lo, a menos que o analista aponte o caminho. (FINK, 1997, p. 241)

Compreendemos então que sempre repetimos o novo, o diferente, devido a

impossibilidade de repetir o mesmo. Mas se na repetição ocorre a busca pelo objeto perdido,

isso não resultaria em uma identificação com esse objeto? Então poderíamos dizer que

podemos nos tornar produto dessa falta? Vamos pesquisar um pouco sobre isso.

4.1 SOU O QUE ME FALTA?

Já pesquisamos que a repetição do objeto amoroso é uma espécie de retomada sobre o

ponto original mítico da primeira satisfação, proporcionando, desta maneira, o aparecimento

inevitável do novo. Roberto Harari faz um melhor esclarecimento dessa relação do sujeito

com seu objeto, e afirma que para Lacan:

[...] o sujeito é seu objeto a [...] não é que o sujeito esteja defrontado a um objeto - como se diz em filosofia, habitualmente - mas que permite compreender de que modo o objeto é o lugar-tenente do próprio sujeito; é o próprio sujeito, como parte amputada de si. Ele não está defrontado - como se fosse uma dimensão referida a um outro distante e distinto - senão que o sujeito chega a ser esse objeto a. (HARARI, 1987, p.20)

Já estudamos que o sujeito se repete em forma de ato na medida em que não alcança

seu objetivo, é o retorno do recalcado. Para Lacan seria o encontro com o real, ou seja, seria

um encontro impossível de ser realizado. Entretanto, o sujeito retorna sempre ao mesmo

lugar, buscando repetir a operação fundamental na esperança de reencontrar o objeto perdido,

o que lhe falta. Podemos ver na Figura 02 que essa é uma operação fundante do desejo

estrutural do sujeito. Bruce Fink complementa essa explicação afirmando que:

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[...] o significante não representa nada na teoria de Lacan - "representa um sujeito para outro significante", não passando este sujeito de uma falta ou fenda -, mas sim cria ex nihilo. Em vez de tomar o lugar da coisa que representa, na obra de Lacan o significante cria, matando portanto aquilo que supostamente "representa". Ele substitui ou representa um real que não pode falar por si. (FINK, 1997, p.244)

Assim podemos compreender que é muito difícil afirmar que "sou o que me falta",

apesar de que muitos vivem em função de conquistar esse objeto para querer tamponar esse

buraco, identificando-se com essa falta. Seria melhor dizer que vivemos em função dessa

falta, desse desejo estrutural. A principal questão é que quando não há entendimento dessa

situação, ficamos presos e imobilizados em função dessa fantasia. Assim perguntamos:

podemos fazer algo diferente, podemos repetir algo diferente? Podemos criar o nosso próprio

caminho e sermos livre para escolher?

4.2 PODEMOS REPETIR ALGO DIFERENTE?

Como vimos anteriormente em Freud, repetimos o que foi recalcado e não pôde ser

relembrado. Assim podemos afirmar que a recordação difere do fenômeno da repetição. Sobre

essa diferença, Lacan afirma:

Nessa ocasião, eu lhes mostro que, nos textos de Freud, repetição não é reprodução. Jamais qualquer oscilação sobre este ponto — Wierderholen não é Reproduzieren. [...] Reproduzir, é o que se acreditava poder fazer no tempo das grandes esperanças de catarse (LACAN, 1964/1998, p.52).

Como já escrevemos, para Freud o trabalho analítico irá possibilitar a substituição da

repetição pela recordação, através do processo da redução da resistência. Roberto Harari

acredita que para Lacan "a transferência é repetição [...] repetição com diferença" (HARARI,

1987, p.24).

É na clínica sob transferência que o analista poderá abrir um campo para a análise

dessas situações relatadas e atuadas pelo analisando, criando uma oportunidade para o

entendimento e modificação do fenômeno da repetição através do processo de elaboração. A

análise abre outra possibilidade de escolha do que o sujeito irá querer fazer da sua vida. Harari

então afirma que:

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[...] desejo do analista não é desejo de ser analista, nem tampouco é o desejo de cada analista. [...] O desejo do analista, em troca, leva a colocar o saber no lugar da verdade; é uma função à qual o sujeito oferece seu ser. O sujeito deve procurar instalar-se no desejo do analista [...] O desejo do analista - nos diz Lacan - é aquilo sobre o qual se funda o campo de nossa prática. (Ibid., p.151)

Na análise, ocorre um processo de identificação da repetição com a transferência. O

analisando fala sobre a sua insatisfação no presente, fala sobre as questões que lhe

incomodam e pode ser notado pelo analista o fenômeno da repetição que ocorre em forma de

ato. O analisando então fala do seu passado que é distorcido pela sua percepção do presente.

O analista poderá notar o processo de resistência que busca impedir o prosseguimento da

análise. Os sintomas são percebidos devido ao estranhamento do analisando sobre sua vida.

Os sonhos e as outras formações do inconsciente apontam as fantasias e desejos mais

profundos e que poderão ser analisados. Quando o discurso toca o real, surge a angústia,

produz o estranhamento e abre caminho para produzir o novo.

Entendendo a dinâmica da repetição, podemos agora pensar o espaço da clínica

psicanalítica como o lugar onde se produz o novo. É um lugar em que se realiza a análise do

que ocorreu, da sua falta original, do que está se repetindo, e permite a elaboração do novo

com a ressignificação no presente. É onde poderá ocorrer a travessia do fantasma9 do sujeito

dentro de sua subjetividade constituída pela falta a ser.

Lacan no Seminário a ética na psicanálise afirma que: "É na função imaginária, muito

especialmente, aquela a propósito da qual a simbolização da fantasia ($◊a) nos servirá, que é a

forma na qual o desejo do sujeito se apoia" (LACAN, 1959-1960/1997, p.126). Freud

identificou que o sujeito desconhece seu desejo irredutível e Lacan elabora esse matema

buscando representar essa relação. Compreendemos assim que o fantasma ou fantasia é uma

9 Fantasma ou fantasia. Segundo Roland Chemama, o fantasma para Freud "é, ao mesmo tempo, efeito do desejo arcaico inconsciente e matriz dos desejos atuais, conscientes e inconscientes [...] era uma tentativa de reproduzir, de modo alucinatório, as primeiras experiências de prazer vividas na satisfação das necessidades orgânicas arcaicas" (CHEMAMA, 1995, p.71). Para Lacan o fantasma seria representado por ($◊a) "que se lê 'S barrado punção de a'. Este matema designa a relação particular de um sujeito do inconsciente, barrado e irredutivelmente dividido por sua entrada no universo dos significantes, com o objeto pequeno a, que constituía a causa inconsciente de seu desejo" (Ibid.). Chemama acrescenta que no matema do fantasma "se encontra o objeto a, enquanto perdido, lugar vazio, hiância que o sujeito tentará obturar, durante sua vida, com diversos objetos a imaginários" (Ibid., p.72). Lacan utiliza a expressão "Che vuoi?", que em francês significa "O que queres?" que se refere a estrutura do desejo no sujeito. Chemama esclarece que para Lacan "a finalidade do tratamento consiste em fazer girar o fantasma inconsciente arcaico, marcando nele a parte ocupada pelo desejo do Outro concreto da infância na constituição desse fantasma, a dependência radical do significante que esse fantasma tenta obliterar e a hiância nodal subjetiva que os objetos imaginários tentam fazer esquecer". (Ibid., p.72-73)

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representação da relação do sujeito com o objeto perdido, objeto fundamental, causa do desejo

do sujeito. Lacan no seu livro Escritos esclarece a dinâmica e o papel do objeto e afirma que:

É que esses objetos, parciais ou não, mas seguramente significantes – o seio, o excremento, o falo –, o sujeito decerto os ganha ou os perde, é destituído por eles ou os preserva, mas, acima de tudo, ele é esses objetos, conforme o lugar em que eles funcionem em sua fantasia fundamental, e esse modo de identificação só faz mostrar a patologia da propensão a que é impelido o sujeito num mundo em que suas necessidades são reduzidas a valores de troca, só encontrando essa mesma propensão sua possibilidade radical pela mortificação que o significante impõe à sua vida numerando-a. (LACAN, 1958/1998, p.620)

Juan-David Nasio no livro Cinco lições sobre a teoria de Jacque Lacan nos ajuda a

entender essa citação de Lacan e afirma que na fantasia ocorre "à identificação do sujeito com

o objeto a" (NASIO, 1993, p.124), sendo que "o objeto a representa um valor abstrato e

formal, designado por uma letra, [assim] ele é forçosamente inapreensível" (Ibid., p.125).

Nasio esclarece que "existe análise quando uma dada conduta do analista é um semblante de

a, isto é, quando através de seu comportamento, ele representa o gozo (o mais-gozar) na

análise" (Ibid., p.124) e acrescenta que "o analista, na posição de a, representa a energia que

faz o inconsciente trabalhar". (Ibid.)

Podemos então inferir que o sujeito tem no fantasma a esperança de que se conseguir

obter esse objeto, ele poderá recuperar a impressão de completude original, porém sempre

nossos desejos são parcialmente satisfeitos, restando a falta como resto. Assim, o sujeito não

poderá ter uma relação completa com o Outro que se transveste de objeto a, pois o mesmo

também é marcado pela falta e não pode ser completo, ou seja, o Outro é também um sujeito

desejante.

Continuando sua investigação, Nasio afirma que na análise "o paciente confia a seu

psicanalista tudo aquilo que sabe, bem como tudo o que não sabe" (NASIO, 1993, p.122),

visto que muitas lembranças foram recalcadas. Nasio alerta que para que possamos

reconhecer o objeto a na clínica, devemos começar a buscar qual seria a fantasia inconsciente

do analisando. A fantasia na análise pode ser identificada através do fenômeno da repetição,

das formações do inconsciente (sonhos, chistes, lapsos, sintomas e atos falhos), da parte do

corpo implicada, do afeto dominante, dentre outros aspectos, pois "as fantasias, em geral, só

são relatadas muito tardiamente no curso da análise" (Ibid., p.128).

Com o decorrer da análise o analisando irá se defrontar com várias questões ocorrerá o

estranhamento e irá se deparar com situações que lhe trouxeram sofrimento. O analisando

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mais seguro da sua condição poderá abrir espaço para fazer as escolhas para a sua vida,

estando mais consciente para refletir, interpretar e entender as suas angústias existenciais.

Figura 04 - Tempo Lógico

Fonte: HARARI, 1987, p.60

Compreendemos assim que a angústia em uma análise opera produzindo uma

desarticulação na amarração ordenada, exposta no fenômeno da repetição. A angústia

proporciona ao analisando um encontro com o real na sua condição de sujeito atravessado

pela linguagem. O analisando consciente da sua situação, da sua repetição, das possibilidades

de escolha, poderá abrir caminho para o momento de concluir10 (Figura 04), quem sabe,

buscando "ser o que se é".

5 SER O QUE SE É

Será que existe uma possibilidade de cura para o fenômeno da repetição? Será que

poderemos deixar de repetir? O final do processo de repetição abrirá caminho para o final da

análise? Kaufmann faz uma reflexão sobre essas questões e afirma que:

[...] as diferentes formulações sobre o conceito de repetição dão lugar a diferentes concepções sobre o tratamento psicanalítico e à ideia da cura. Esse percurso vai desde a concepção de que, pela descoberta do recalcado, a psicanálise poderia fazer cessar essa repetição, até a conclusão de que essa repetição é constituinte/constitutiva do sujeito.[...] A repetição nos obriga a considerar uma outra via de trabalho, pois, como Freud o afirmava em um de seus últimos textos, "Análise terminável e interminável", não podemos nos desembaraçar por completo dessas manifestações residuais (Resterscheinungen). [...] Haverá sempre esse inevitável da repetição, constitutiva do sujeito. (1996, p.453-454)

10 Momento de concluir: Roberto Harari explica na Figura 04, o que Lacan denomina como tempo lógico que é "contrário ao da duração (cronológica)" (1987, p.59). O tempo lógico é formado pelo: 1- Instante de ver; 2- Tempo para compreender; 3- Momento de concluir. Entretanto, para Lacan a ordem ocorre a partir do 1- Instante de ver quando ocorre um acontecimento, passa pelo 3- Momento de concluir e só em seguida é que virá o tempo de compreender.

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Vejamos outro ponto de vista sobre como podemos equacionar a questão da repetição

em direção ao final da análise. No seminário O amor entre repetição e invenção, Jacques-

Alain Miller afirmou que existem dois momentos principais em uma análise: a entrada, pela

porta do amor, e a saída, pela porta do passe. Miller afirmou que pela parte do analista, como

Freud considerou, “cada tratamento deve ser conduzido pelo analista como se fosse o

primeiro” (2010, p.02), ou seja, devemos buscar encarar cada análise como uma situação

singular, não esperando algum resultado teleológico ou parecido com outra análise.

Miller afirmou que a causa dos sintomas pode ser identificada com “o que resta a

dizer” (Ibidem, p.04). Então, a “causa como tal não é redutível ao significante” (2010, p.03) e

completa sua explicação afirmando que “pode ser definido como objeto a em cada momento,

como aquilo que resta dizer” (Ibidem, p.04), ou seja, podemos associá-lo ao “que ainda não

foi dito” (Ibidem). Para Miller, o objeto a é um significante que seria o último e suplementa o

não-todo (o grande Outro barrado), e é motor da cadeia de significantes que não tem fim. Ele

vai mais longe e afirma que:

O objeto a é o que finalmente suplementa a cadeia significante e seu valor muda de acordo com a trajetória do tratamento analítico. Sessão após sessão, o valor próprio do objeto a muda segundo o dito anterior. Nisso, a posição do analista pode ser decifrada de dois modos: primeiro, a partir do não-todo, escrito 11 e segundo, como objeto a. (Ibidem, p.06)

Miller acredita que o ‘amor lacaniano’ é invenção, é elaboração de saber, e há sempre

novos amores possíveis. Já o ‘amor freudiano’ é repetição, pois “encontrar o objeto é sempre

reencontrá-lo” (Ibidem, p.15). Tudo isso demonstra o amor como repetição.

Podemos então verificar que existem diversas formas de olhar o amor, diversas formas

de interagir com o objeto. Conforme pesquisamos haverá um resto de análise, sendo que

nossas escolhas implicarão em perdas, porém sempre teremos que escolher. Então poderemos

encontrar um caminho para ser o que realmente somos?

11 (A maiúsculo barrado): é a representação do grande Outro barrado, pois o Outro também é desejante. Pierre Kaufmann explica esse matema afirmando que: "Se num primeiro tempo o Outro é o lugar do tesouro dos significantes, num segundo tempo vai se instituir a subjetivação em que a falta vai implicar o desejo. De fato, o grande Outro é a própria referência do simbólico. Na verdade, para que a fala se desenrole, três tempos são necessários: o primeiro tempo se dá como uma relação com o Outro em que este é desejável; o segundo é o da descoberta de que o Outro também deseja, portanto carece por sua vez. O terceiro tempo põe o sujeito e o Outro em equação, na medida em que um e outro desejam. Nesse nível se opera a distinção entre A e . Quando o sujeito deseja segundo a articulação significante, ele é castrado. Apesar disso, deseja, e é desse ponto de vista que Lacan dirá que o desejo do homem é o desejo do Outro". (KAUFMANN, 1996, p.386-387)

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5.1 DA ALIENAÇÃO À TRAVESSIA DO FANTASMA

Chegamos na clínica psicanalítica com um discurso impregnado da presença do Outro.

Temos influências de nossos pais, irmãos, familiares, amigos, que influenciam na formação

do nosso ideal de vida e na maioria das vezes foram determinantes para a maneira de como

vivemos.

O filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), escreveu a Genealogia da moral

(1887/2005) em que pesquisa sobre a moral constituída no ocidente e constatou que existiu

uma influência decisiva da religião e dos ideais ascéticos como forma de reprodução e

dominação de um determinado estilo de vida. Essa moral e a sociedade constituem símbolos

que são impostos como promessas de que, se alcançados, obteremos a felicidade e o sucesso.

Atualmente, o capitalismo e a visão neoliberal instituem símbolos que impõe uma visão do

que deve ser perseguido por todos, tais como: dinheiro, posição social, um determinado

formato de família e padrão de beleza.

Jacques Lacan no Seminário a relação de objeto (1956-1957) afirmou que: "Certas

coisas que acontecem só são concebíveis se a ordem simbólica já estiver presente" (LACAN,

1956-1957/1995, p.184). Assim, podemos constatar que o processo de inserção do sujeito no

sistema ocorre como se fosse de uma maneira natural. A criança nasce inserida em um mundo

precedido pela linguagem, criado historicamente pelos humanos, consolidado em instituições,

sendo que não teve nenhum papel na sua construção.

A criança tem uma relação direta com a mãe que segundo Lacan é primordialmente

toda-poderosa, pelo "fato de que todos os objetos fantasísticos primitivos se encontrem

reunidos no imenso continente do corpo materno" (Ibid., p.189). Lacan então explica que a

criança: "Quando se encontra em presença desta totalidade sob a forma do corpo materno, ele

deve constatar que ela não lhe obedece. [...] aí surge o sentimento de impotência da criança"

(Ibid., p.190).

A criança compreende assim que existe um Outro, sua mãe. É através da resposta da

mãe que a criança pode identificar a existência do apelo, da sua mensagem. Assim Lacan

afirma que: "Desde a origem, a criança se alimenta tanto de palavras quanto de pão" (Ibid.,

p.192). É nesse processo de dependência do Outro que surge o processo de alienação, que

consiste em que o sujeito se faça representar por um significante para outros significantes.

Como já constatamos, para Lacan: "um significante é o que representa um sujeito para um

outro significante" (LACAN, 1964/1998, p.197). Lacan então esclarece que:

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Essa alienação, meu deus, não se pode dizer que ela não circula hoje em dia. O que quer que se faça, sempre se está um pouquinho mais mais12 alienado, quer seja no econômico, no político, no psicopatológico, no estético e assim por diante. Não seria mau, talvez, ver no que consiste a raiz dessa famosa alienação. (Ibid., p.199)

Lacan para explicar o processo de alienação dá um exemplo: "A bolsa ou a vida! Se

escolho a bolsa, perco as duas. Se escolho a vida, tenho a vida sem a bolsa, isto é, uma vida

decepada" (Ibid., p.201). Pierre Kaufmann explica esse exemplo afirmando que para o sujeito

"renunciar à bolsa é ficar reduzido a uma vida desfalcada, amputada da bolsa (da liberdade),

mas optar pela bolsa, renunciando à vida, é perder as duas" (KAUFMANN, 1996, p.21).

Sobre a perda da bolsa, que talvez pudéssemos fazer uma equivalência significante

com a perda do objeto a, "supõe que, para se fazer ser, esse sujeito possa se tornar falta no

Outro" (Ibid., p.23). Assim é que "se inscreve a questão do sujeito: ‘será que falto lá dentro?’

... 'será que lhe falto?', e, por essa inscrição, a possibilidade de sua perda de ser" (Ibid.).

Kaufmann então explica que:

[...] na alienação o sujeito só emerge como vazio [...] ser um 'sou' que faltaria ao Outro. Lacan chegará ao ponto de inscrever nesse lugar da falta o lugar do gozo, onde caberia à pulsão restaurar no sujeito a sua perda de ser. (Ibid.)

Kaufmann então esclarece que a implicação da operação da separação do sujeito com o

Outro "envolve não o saber do Outro, mas o desejo do Outro na medida em que ele comporta

algum: 'Que quer ele de mim?, afirmado como equivalente à falta de significante no Outro."

(Ibid., p.24). Kaufmann então vai mais longe e afirma que:

[...] o sujeito não se lança na alienação se esta não encontrar seu complemento no que é fornecido pela separação: uma promessa de ser. O que falta no Outro encontra-se assim positivado pelo que surge na alienação como vazio do sujeito. (Ibid.)

Podemos entender então que na alienação, há a cumplicidade do sujeito com o Outro,

buscamos corresponder aos seus desejos, sua moral, seus valores na esperança de obter o seu

reconhecimento. Kaufmann então afirma que a análise possibilitará que o sujeito possa

"reconhecer que 'sou isso', considerada por Lacan como o fim da experiência" (Ibid.). O

processo da análise permitirá uma conscientização da sua situação. A análise possibilitará ao

sujeito descobrir a sua própria verdade, provavelmente de algo que já lhe pertence e abrir o

caminho para que possa construir algo, em uma realidade que se apresenta, realizando a

travessia do fantasma.

12 No texto publicado na edição de 1998 contém as duas palavras: mais mais.

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Durante essa monografia, pesquisamos como o sujeito é constituído e o processo da

repetição. Chegamos a um ponto que nos deparamos com a necessidade do sujeito realizar

uma análise das suas questões existenciais e buscar realizar a travessia do fantasma. Lacan

então afirma no Seminário a relação de objeto que: "Ou o indivíduo sucumbe, ou o desejo se

modifica, ou declina" (LACAN, 1956-1957/1995, p.183).

E como podemos modificar o nosso desejo? E o que é mesmo esse desejo? Lacan no

Seminário mais, ainda afirma que “eu te peço que recuses o que te ofereço” (LACAN, 1972-

1973/1985, p. 171), e acrescenta:

[...] eu te peço - o que? - que recuses - o quê? - o que te ofereço - por que? - por que não é isso - isso, vocês sabem o que é, é o objeto a. O objeto a não é nenhum ser. O objeto a é aquilo que supõe de vazio um pedido [...] o que pode ser de um desejo que nenhum ser suporta. (Ibid., p.170-171)

Podemos então entender que no desejo, está o pedido de que "eu te demando que tu

recuses o objeto que te ofereço para que eu possa continuar desejando, ou quem sabe também,

para que você possa continuar me desejando...". Foi através de uma recusa, uma negação

estrutural que se instaurou o desejo. É com esse "não" na atualidade que podemos interromper

essa errância, essa alienação, permitindo uma transformação, uma mudança na repetição,

ocorrendo a travessia do fantasma, permitindo ser o que se é.

É necessária a negação do desejo do Outro, para que possamos constatar a perda do

objeto que já estava perdido. No final da análise podemos constatar que perdemos

definitivamente o objeto que é real, ou seja, criamos uma fantasia fundamental na esperança

de completude, mas a única certeza do ser humano pode ter é a morte.

Lacan no texto A direção do tratamento e os princípios de seu poder afirmou que o

"psicanalista certamente dirige o tratamento [...] é o de que não deve de modo algum dirigir o

paciente" (LACAN, 1966/1998, p.592), assim podemos compreender que é na clínica

psicanalítica com a direção do tratamento pelo analista e com o processo da transferência que

o analisando poderá elaborar e responder as perguntas: "o que o Outro quer de mim?"; "o que

eu quero me transformar para que o Outro me deseje?"; "por que quis ter e ser esse objeto

para satisfazer o desejo do Outro?"; "o que me tornei por que quis ser, o que o Outro queria

que eu fosse?"; "foi por amor ou necessidade que quis ser o que o Outro queria que eu

fosse?"; "agora posso ser o que realmente quero ser?"; "o que é mesmo que eu quero ser?".

Esse é o momento em que o analisando poderá entender seu papel como sujeito na estrutura

da cadeia de significantes e buscar "ser o que se é", fazendo, sendo, transformando-se,

realizando a travessia do fantasma.

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6 CONCLUSÃO

Pesquisamos que o fenômeno da repetição foi descoberto por Freud na clínica e é um

dos fundamentos da psicanálise. A repetição é diferente da recordação que era utilizada nos

primórdios da psicoterapia com a hipnose. Freud observou que a repetição ocorre em forma

de ato e está ligada à pulsão de morte, essa força instintual primordial, ligada à pré-história da

humanidade.

Para Lacan, a repetição está ligada à constituição do sujeito, à sua falta estruturante,

fundadora do seu desejo. A repetição, antes de ser um simples querer consciente, é um desejo

inconsciente de algo, que não se satisfará com nenhuma conquista. O que se repete é a

tentativa de encontrar o objeto excluído, de encontrar o que lhe falta e que o sujeito se

identifica através da diferença, pelo traço unário que lhe marcou durante o processo de

subjetivação.

É durante o avanço na análise que pode surgir a angústia que mostra uma estranheza

do sujeito com o seu discurso e com o fenômeno da repetição que insiste em se inscrever.

É na cadeia de significantes que ocorre a tentativa de encontrar o objeto excluído, e

assim sempre encontramos o novo na impossibilidade de encontrar o mesmo. Assim

repetimos sempre o novo, sendo que o objeto perdido é o motor da cadeia do significante.

Esse objeto está na dimensão do real, do indizível, sendo por isso que repetimos o que é

impossível de ser simbolizado e recordado.

O sujeito cria uma fantasia fundamental em que ele se relaciona com esse objeto. O

sujeito se aliena no desejo do Outro e nessa errância elabora um ideal de vida. O sujeito

busca ter e termina sendo esse objeto na esperança de alcançar a completude, de ser feliz.

Temos como objetivo na prática analítica o processo de elaboração e interpretação,

sendo que, cada análise é única, pois cada sujeito foi marcado do seu jeito pelo traço unário

durante o processo de sua constituição. Podemos entender a técnica psicanalítica como uma

forma de conduzir o processo da análise, porém cada sujeito fará suas escolhas de acordo com

o que foi analisado e elaborado, tornando possível uma ressignificação.

Entendemos assim que o analista deve estar aberto para qualquer caminho que será

trilhado, devemos nos despir dos nossos preconceitos, devemos também estar analisados.

Admitindo que chegamos a esse ponto na análise, então só resta ao analista apoiar as escolhas

e perdas consequentes, referente ao processo analítico. Devemos afirmar a vida, ajudar a

eliminar os conflitos em direção da travessia do fantasma, devemos apoiar o analisando a ser

o que se é!

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REFERÊNCIAS

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