TDC AULA 6 TEXTO 1 Adriano Pilatti Formacao Constitucional Do Brasil

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    JUR 1402 - Direito Constitucional II - TEXTO DE APOIO PARA ESTUDO

    FORMAÇÃO CONSTITUCIONAL DO BRASIL 

    Prof. Adriano PilattiPUC-Rio

    “Um mapa do mundo que não inclua a Utopia, disse OscarWilde, não é digno de ser contemplado, porque omite justamente o país em que a humanidade está sempredesembarcando. E quando a humanidade neledesembarca, vê mais longe um país melhor, para o qual sedirige. O progresso é a realização das Utopias.” WillDurant 

    1) CONSTITUIÇÃO DE 25 DE MARÇO DE 1824 

     ANTECEDENTES

    O tipo de colonização que o Brasil experimentou, com a divisãodo território em capitanias hereditárias, resultou na dispersão do poderpolítico e na fragmentação da autoridade, com a afirmação de pólos locais de

    poder, controlados por oligarquias rurais. O emprego do trabalho escravo eas violências cometidas contra índios e negros engendraram as primeirasformas de resistência à ordem colonial: o levante dos Tamoios e osquilombos. O ciclo da mineração abriu caminho à contestação do domíniocolonial e ao movimento dos Inconfidentes, uma tentativa pioneira deimplantação do constitucionalismo liberal entre nós, contemporânea àRevolução Francesa.

    - 1808. Transferência da Corte portuguesa para o Brasil, com a estruturação,no Rio de Janeiro, da burocracia estatal.- 1815. Elevação do Brasil à categoria de Reino Unido.

    - 1820. Revolução Liberal do Porto, que culmina com a convocação dasCortes Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, às quais oBrasil envia representantes.- 16/2/1822. D. Pedro cria o Conselho de Procuradores das Províncias.- 23/5/1822. O “Senado da Câmara” do Rio de Janeiro solicita ao PríncipeRegente a convocação de uma Constituinte.- 3/6/1822. Convocação da Constituinte, com a eleição indireta derepresentantes, através do sufrágio censitário.- 7/9/1822. Independência.- 1/12/1822. Coroação de Pedro I, que declara: “Juro defender a constituiçãoque está para ser feita, se for digna do Brasil e de mim.”

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    - 2/5/1823. Instala-se a Constituinte. No dia seguinte, na “fala do Trono”,Pedro I afirma: “Espero que a constituição que façais mereça minha imperialaceitação.”

    Divisão da Constituinte em duas correntes: de um lado, os

    liberais, que desejavam um monarca com poderes limitados pela constituição;de outro, os conservadores, aliados em torno do ”partido português”, queapoiavam as pretensões autoritárias de Pedro I. A incorporação de ex-oficiaisportugueses às forças armadas e as intimidações por eles inflingidas abrasileiros levam a Constituinte a pedir explicações ao Imperador. Esteencontra, então, o pretexto de que necessitava para dar o golpe.

    - 12/11/1823. Golpe. Pedro I dissolve a Constituinte e, no dia seguinte, instituium Conselho de Estado, com homens de sua confiança, para redigir aConstituição.- 25/3/1824. D. Pedro outorga a Constituição Política do Império do Brasil .

    - 2/7/1824. Recusando-se a jurar a constituição imposta pelo Imperador, ospernambucanos, liderados por Frei Caneca, proclamam a Confederação doEquador, que seria esmagada no ano seguinte.

    Fatores reais de poder: “ A estrutura ideológica e constitucionaldo Império brasileiro repousou (...) na infraestrutura econômica damonocultura latifundiária e na técnica do trabalho escravo.” (Pinto Ferreira). Aaliança entre os “comerciantes” que controlavam o tráfico negreiro, osgrandes proprietários rurais e a Casa de Bragança dominou o cenáriopolítico.

    PRINCIPAIS ASPECTOS1 

    - Afirmação de independência (1º).

    - Forma de Estado: unitária, com o território dividido em províncias, sob ofirme controle do poder central (2º, 84, 85 e 165). Altamente centralizadora, aordem imperial garantiu a unidade e a integridade do território nacional,evitando a fragmentação política que caracterizou a América espanhola.

    - Forma de Governo: “Monarquia Hereditária, Constitucional eRepresentativa”   (3º). O Imperador e a Imperatriz recebiam do Estado umadotação financeira reajustável, “correspondente ao decoro de sua altadignidade” (107 e 108). O Estado bancava, ainda: “alimentos ao PríncipeImperial, e aos demais Príncipes, desde que nascerem” (109), a remuneraçãodos mestres dos Príncipes (110) e os dotes de casamento das Princesas(112). As quantias correspondentes a essas regalias eram “entregues a umMordomo, nomeado pelo Imperador ” (114). Além disso, a Constituição previaque “Os Palácios e Terrenos Nacionaes, possuídos actualmente pelo SenhorD. Pedro I, ficarão sempre pertencendo a Seus Successores; e a Nação

    1 os números entre parênteses designam os artigos da Constituição

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    cuidará das acquisições, e construcções, que julgar convenientes para adecencia, e recreio do Imperador, e sua Familia.”(115)

    - Estado Confessional. Religião oficial: Católica Apostólica Romana, permitidoapenas o culto doméstico das demais, cabendo ao Imperador nomear bispos

    e referendar documentos eclesiásticos (5º e 102, II, XIV). A Igreja Católicatinha jurisdição em matéria de Direito de Família.

    - Organização dos Poderes: adoção nominal do princípio da separação dospoderes do Estado (3º), com a existência de quatro poderes - Legislativo,Moderador, Executivo e Judicial (10). A Constituição de 1824 concentravagrande soma de poder nas mãos do Imperador, que era o titular dos poderesModerador e Executivo, fazendo dele a peça-chave de todas as decisõespolítico-administrativas.

    - Poder Legislativo: exercido pela Assembléia Geral, formada por uma

    Câmara de Deputados e por um Senado (14). Principais atribuições: legitimara Monarquia, estabelecer o orçamento, autorizar o Governo a contrairempréstimos, decidir sobre a organização da Administração Pública (15). Nasprovíncias, o Poder Legislativo era exercido pelos Conselhos Gerais, cujasdecisões necessitavam de aprovação do poder central (71). As eleições para deputados, senadores e membros dos Conselhos Geraiseram indiretas: os Cidadãos elegiam Eleitores, que elegiam osRepresentantes provinciais e nacionais (90). O sufrágio era censitário: parater direito a voto, era preciso ter renda anual igual ou superior a 100 mil réis;para ser eleito “eleitor” do colégio eleitoral, renda anual igual ou superior a200 mil réis; para ser eleito deputado, renda anual igual ou superior a 400 milréis; para ser eleito para a lista tríplice de senador, renda igual ou superior a800 mil réis (45, 92, 94 e 95).O mandato era temporário para a Câmara dos Deputados (4 anos), masvitalício para o Senado, cujos membros eram escolhidos pelo Imperador apartir de lista tríplice; os príncipes da Casa Real eram senadores “natos” (35,40 e 43).

    - Poder Moderador: considerado “a chave de toda a organização política”(expressão copiada de Benjamin Constant, o francês), era exercido peloImperador que, através dele: nomeava senadores; convocava e dissolvia a

     Assembléia Geral; aprovava e suspendia as decisões dos Conselhosprovinciais; suspendia os magistrados; concedia perdão e anistia (98 e 101) enomeava os ministros de Estado.

    - Poder Executivo: também exercido pelo Imperador, através dos ministros deEstado, com as seguintes atribuições: nomeação de bispos, magistrados,servidores públicos e comandantes militares; direção da política internacional;a confirmação dos documentos eclesiásticos; a expedição de decretos e aexecução do orçamento (102). Nas províncias, a Administração ficava acargo de Presidentes nomeados pelo Imperador (165).

    - Poder Judiciário: exercido por juízes de direito vitalícios, porémsuspensíveis pelo Imperador (153 e 154). Contra abusos dos juízes, qualquer

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    do povo podia propor ação popular (157). Os tribunais de segunda instânciaeram as Relações (158). Havia uma corte suprema nacional, o SupremoTribunal de Justiça (163).

    - Na estrutura do poder imperial, havia ainda um Conselho de Estado, órgão

    que teve grande influência concreta, composto de membros vitalíciosescolhidos pelo Imperador, que deveria ouvi-los “em todos os negóciosgraves e medidas gerais da pública Administração“ (137 e 142).

    - Forças armadas: “ A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir sem que lhe seja ordenado pela Autoridade legítima” (147).Destinava-se à segurança e à defesa do Império (148).

    - O texto constitucional continha uma Declaração de Direitos nos moldes doliberalismo da época, com a consagração dos princípios da legalidade, dairretroatividade das leis, do juiz natural, etc. Eram garantidas as liberdades de

    expressão, e de locomoção, bem como a inviolabilidade do domicílio e dacorrespondência. Garantia também o direito de petição e o ensino primáriogratuito. O direito de propriedade era garantido “em toda sua plenitude”,ressalvada a desapropriação com prévia indenização, quando o bem públicoo exigisse (179). Foi “...a primeira constituição, no mundo, a subjetivar e positivar os direitos do homem, dando-lhes concreção jurídica efetiva...” (José Afonso da Silva).

    - A Constituição de 1824 era semi-rígida, pois uma parte de seu texto (a quecontinha “matéria constitucional”) somente podia ser alterada através deprocessos específicos e parte podia sofrer alteração através de leis comuns:“É só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivasdos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos e Individuais dos Cidadãos.Tudo o que não é Constitucional pode ser alterado sem as formalidadesreferidas...” (178).

    - A Carta imperial prestigiava o poder local, constitucionalizando a existênciadas Câmaras, “às quais compete o Governo econômico e municipal das (...)Cidades e Vilas” (167).

    - Não havia sistema de controle jurisdicional da constitucionalidade.

    Nominalmente, cabia à Assembléia Geral “velar na guarda da Constituição”(15).

    - Serviu de base para a Constituição de Portugal, que vigorou de 1842 a1910.

     ALTERAÇÕES RELEVANTES

    - Ato Adicional, de 12/8/1834. De caráter liberal, editado pouco depois daabdicação de Pedro I, suprimiu o Conselho de Estado e conferiu maior

    autonomia às Províncias, descentralizando atribuições.

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    - Lei de Interpretação (nº 105), de 12/5/1840. De orientação conservadora,esvaziou o Ato Adicional.- Lei nº 234, de 23/11/1841. Recriou o Conselho de Estado.- Lei nº 523, de 20/7/1847. Instituiu o cargo de Presidente do Conselho deMinistros, dando início à experiência pretensamente “parlamentarista” do

    Império.

    O Direito Constitucional, no Brasil Imperial, recebeu influênciamarcadamente francesa. Principais comentadores: José Antonio PimentaBueno, o Marquês de São Vicente, com a obra Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império [1857]; Paulino José Soares de Souza, oVisconde do Uruguai, com seus Estudos Práticos sobre a Administração dasProvíncias do Brasil [1865].

    2) CONSTITUIÇÃO DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891 

     ANTECEDENTES

    Crise econômica e política. A abolição da escravaturadesestabilizara a economia agrária: “... a aristocracia rural, sentindo-seespoliada no seu direito sobre a propriedade escrava, engrossou as fileirasdo partido republicano.” (Pinto Ferreira). “Questão Militar e Questão Clerical”:sucediam-se os choques entre o Imperador e a oficialidade militar, bem comoas tensões entre o Imperador e a Igreja. A campanha pela República,desencadeada com o Manifesto Republicano de 1870, ganhava expressão eincorporava o ideal federativo de descentralização do poder.

    - 15/11/1889. Com uma parada militar no Campo de Santana, sem aparticipação do povo, Deodoro e a oficialidade revoltada contra o Governoderrubam a Monarquia. O Decreto nº 1, do mesmo dia, proclama“ provisoriamente” a República e implanta a Federação, com a transformaçãodas Províncias em Estados Unidos do Brasil.

    - 3/12/1889. No aniversário do Manifesto Republicano, o Governo Provisóriocria a “Comissão dos Cinco” (Américo Brasiliense, Magalhães Castro, RangelPestana, Saldanha Marinho e Santos Werneck), incumbida de elaborar oanteprojeto de Constituição.- 7/1/1890. o Decreto nº 119-A, do Governo Provisório, estabelece o princípiodo Estado Laico, com a separação entre Estado e Igreja, ampliando aliberdade religiosa.- 24/5/1890. A “Comissão dos Cinco” envia ao Governo Provisório oanteprojeto de Constituição, que é revisado por Rui Barbosa.- 22/6/1890. É publicado o Projeto de Constituição e convocada a AssembléiaConstituinte.

    - 15/9/1890. Realizam-se as eleições para deputados e senadoresconstituintes.

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    - 15/11/1890. Iniciam-se os trabalhos. Veda-se a interferência do Governo e adiscussão da República e da Federação.- 24/2/1891. Promulgada a Constituição da República dos Estados Unidosdo Brasil .

    PRINCIPAIS ASPECTOS

    - Forma de Estado: federativa. Transformação das antigas Províncias emEstados e do antigo Município Neutro em Distrito Federal, como capital daUnião (2º). Aos Estados eram garantidos os poderes de auto-organização etodos que a Constituição não lhes vedasse (63 e 65). Deveriam(freqüentemente não o fizeram) assegurar a autonomia dos Municípios “emtudo quanto respeite ao seu peculiar interesse” (68). Transferência, para aUnião, de área no Planalto Central, para futuro estabelecimento da novacapital (3º). Instituição da Intervenção Federal, forma excepcional de

    suspensão da autonomia estadual, destinada a manter a integridade daRepública Federativa, combater invasão de um Estado por outro, assegurar amanutenção da ordem e o respeito às leis e sentenças federais (6º).Repartição de competência tributária entre União e os Estados (8º e 9º).

    - Forma de Governo: republicana (1º). Extinção dos privilégios nobiliárquicose hereditários (72).

    - Estado Laico. (11, §2º). Instituição do casamento civil, secularização doscemitérios, e definição do caráter leigo do ensino público (72).

    - Forças armadas: “instituições nacionais permanentes, destinadas à defesada pátria no exterior, e à manutenção das leis no interior...” (14).

    - Organização dos Poderes: adoção do princípio da independência e daharmonia dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (15), com sistemade governo presidencialista.

    - Poder Legislativo: exercido pelo Congresso Nacional, composto pelaCâmara dos Deputados e pelo Senado (16). A Câmara dos Deputados, casade representação popular, era composta por deputados eleitos pelo voto

    direto, com mandato de três anos, garantido um mínimo de 4 deputados porEstado (17, §2º e 28, §1º). O Senado, casa de representação federativa, eracomposto por 3 senadores de cada Estado, mais 3 do Distrito Federal, eleitospelo voto direto, com mandato de 9 anos (30). Aos parlamentares eramgarantidas proteções (imunidades) e impostas proibições(incompatibilidades), com o propósito de garantir-lhes condições deindependência e imparcialidade (19 a 25). Ao Congresso eram atribuídascompetências amplas em matéria orçamentária e legislativa (com exceção dodireito processual e do eleitoral, que eram de competência estadual) bemcomo de fiscalização e controle do Executivo (34).

    - Poder Executivo: exercido pelo Presidente da República, eleito por sufrágiodireto e maioria absoluta (segundo turno indireto, com o Congresso Nacional

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    atuando como Colégio Eleitoral), para mandato de 4 anos, proibida areeleição (41, 43 e 47). Simultaneamente com o Presidente (mas nãonecessariamente da mesma chapa), era eleito um Vice, encarregado desubstituí-lo e de presidir o Senado (32 e 41). Se um dos cargos vagasseantes de completados dois anos de mandato, deveria haver nova eleição

    (42). O Executivo não podia apresentar propostas de emenda constitucional etinha atribuições basicamente administrativas (48). A Constituição previa oimpeachment , com processo e julgamento do Presidente da República peloSenado, após autorização da Câmara, nos casos de crime deresponsabilidade (53 e 54).

    - Poder Judiciário: aos juízes eram asseguradas a vitaliciedade e airredutibilidade dos vencimentos (57). São organizadas a Justiça Estadual eJustiça Federal, esta especializada em causas que envolvessem questõesconstitucionais ou em que a União fosse parte e crimes políticos, entre outras(60). Cria-se o Supremo Tribunal Federal, com o papel de corte constitucional

    e federativa (55 e 59).

    - Direitos Políticos e de Nacionalidade: estabelece a “grande naturalização”,passando a ser considerados brasileiros todos os que, estando no Brasildesde 15/11/1889, não declarassem a intenção de conservar a nacionalidadeanterior (69, §4º). Dispunha que “são eleitores os cidadãos maiores de 21anos...”, excetuados: os mendigos, analfabetos, “praças de pré” e religiosossujeitos a voto de obediência (70). O fato de não haver referência expressaao direito de sufrágio das mulheres ensejou uma interpretação conservadoraque impediu que as mulheres votassem até 1930. Também não garantia ovoto secreto: o eleitor votava a descoberto diante das mesas eleitorais,controladas pelas oligarquias estaduais. Eram os “currais eleitorais”, com o“voto de cabresto” controlado pelos “coronéis” latifundiários.

    - Direitos Individuais: consagração das liberdades de reunião, associação,locomoção e expressão; abolição da pena de morte, salvo em caso deguerra; garantia do devido processo legal (juiz natural, irretroatividade da leianterior, plena defesa) e do direito de propriedade, ressalvada adesapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenizaçãoprévia; previsão expressa do habeas corpus (72).

    - Reforma constitucional: prerrogativa de apresentação de emendas àConstituição garantida às Assembléias dos Estados, e proibição dedeliberação sobre propostas de emenda tendentes a abolir a Federação, aRepública e a igualdade de representação dos Estados no Senado - criaçãodas “cláusulas pétreas” (90).

    - Controle da constitucionalidade: criado o sistema de controle jurisdicional,difuso e concreto, com previsão expressa de competência recursal doSupremo Tribunal Federal e competência originária dos tribunais e juízesfederais para resolver questões de inconstitucionalidade (59 e 60).

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    - DisposiçõesTransitórias: previsão de que a 1ª eleição presidencial seriaindireta, pelo Congresso (1º). Concessão de uma pensão vitalícia ao ex-Imperador (7º), por este recusada.

    FATOS POSTERIORES

    - O Congresso elege Deodoro para a Presidência e Floriano, de outra chapa,para Vice. Após uma série de conflitos com o Legislativo, Deodoro dissolve,em 3/11/1891, o Congresso Nacional, mas encontra resistência armada.Renuncia vinte dias depois, e Floriano assume para completar o mandato,contrariando o art. 42 da Constituição, que previa nova eleição quando ocargo vagasse antes de decorridos 2 anos da posse. Floriano governa comuso reiterado da violência. Sucedem-lhe Prudente de Moraes (massacre deCanudos) e Campos Sales, responsáveis pela consolidação do poder dasoligarquias regionais e locais.

    - Em 1926, realiza-se uma reforma constitucional de caráter centralizador enacionalista.

    O elevado grau de autonomia concedido aos Estados e ainexistência da garantia do voto secreto transformaram as oligarquiasagrárias no verdadeiro poder político do País. A “República Velha”representou a fase áurea do coronelismo. Comunidades e resistênciascamponesas, como Canudos (1896-1987) e o Contestado (1912-1916), foramviolentamente reprimidas pelo Exército.

    O Direito Constitucional do período reflete a influência norte-americana, marcante no próprio texto da Lei Maior e nas idéias de RuiBarbosa, seu principal artífice. Dentre os comentaristas, além do próprio Rui,destacaram-se João Barbalho e Carlos Maximiliano

    3) CONSTITUIÇÃO DE 16 DE JULHO DE 1934 

     ANTECEDENTES

    Durante a República Velha, a produção e exportação do café,sustentáculo da economia nacional, e o início da industrializaçãodemandaram elevada “importação” de mão de obra. Desde o final do Império,com o fim trabalho escravo, estimulou-se a imigração de trabalhadoresestrangeiros, principalmente italianos. Com os imigrantes europeus, vieramtambém os ideais socialistas, anarquistas e comunistas, que representavam aesperança de emancipação dos trabalhadores naqueles tempos.

    Inicia-se, timidamente, a industrialização do País, com aconcentração de operários no eixo Rio - São Paulo, submetidos a cruel

    exploração, inclusive as mulheres e crianças, e sujeitos à violência darepressão policial sempre que tentavam lutar por seus direitos. Em 1917,

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    eclode a primeira greve geral, mobilizando milhares trabalhadores nasgrandes cidades.

     A urbanização vai formando, igualmente, uma classe médiainquieta, cujos filhos encontravam perspectivas de realização profissionalatravés das escolas militares e dos cursos jurídicos, pontes para o ingresso

    na burocracia estatal, civil e militar.Os desmandos da República oligárquica, a farsa eleitoral e oatraso do País produzem fermentação cívica e inquietação política nasescolas militares e faculdades de direito. Nas primeiras, surgirá o caldo decultura do Tenentismo, movimento que unia jovens oficiais em torno dosideais de Justiça e Representação. Explodem as revoltas tenentistas de1922, 1924 e 1926. Nas letras e artes, o Movimento Modernista de 1922coloca em pauta a valorização da cultura popular brasileira, daexpressividade e autenticidade das manifestações. No mesmo ano, éfundado o Partido Comunista do Brasil, que será, nas próximas décadas,importante referência para as organizações sindicais.

     As marchas da Coluna Prestes que, a partir de 1924, cruza oterritório nacional em nome dos ideais tenentistas, radicalizados pelasensibilidade social de Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança,repercutem fortemente na sociedade.

    No contexto internacional, a revolução camponesa de PanchoVilla e Zapata, no México, a revolução bolchevique de Lênin e Trotsky, naRússia, e a queda do império alemão fazem emergir o constitucionalismosocial e econômico, consagrado nas constituições mexicana (1917), soviética(1918) e da República de Weimar (1919).

     A crise de 1929, com a quebra da bolsa de Nova York, abalaseriamente a economia cafeeira. Ao mesmo tempo, o Presidente WashingtonLuís escolhe um paulista para sua sucessão, quebrando a política do “cafécom leite”, sustentada pela alternância de representantes das oligarquiasrurais de São Paulo e Minas Gerais na Presidência da República. Forma-se,então, a Aliança Liberal, apoiada pelos governadores de Minas, Paraíba e RioGrande do Sul, lançando a chapa Getulio Vargas - João Pessoa paracombater a chapa continuísta. Desfaz-se, econômica e politicamente, o pactooligárquico até então dominante.

    O programa da Aliança Liberal abrangia: reformas eleitoral, judiciária e educacional; defesa do café e da pecuária; elaboração de umCódigo do Trabalho, como forma de responder às lutas reivindicatórias dos

    operários; anistia para os revoltosos de 1922-24-26; garantia da liberdade depensamento. João Pessoa é assassinado. Antonio Carlos, líder de MinasGerais, aconselha: “Façamos a Revolução antes que o povo a faça”. LuizCarlos Prestes é convidado para liderar o movimento, mas recusa, alegandoque as mudanças pretendidas pelos “revolucionários” eram superficiais e nãoincluíam a reforma agrária.

    - 2/10/1930. A Revolução é feita sem o povo. Getulio Vargas é escolhidoChefe do Governo Provisório.- 11/11/1930. O Governo Provisório edita o Decreto nº 19.398, atribuindo-se oexercício dos poderes Legislativo e Executivo, e estabelecendo: a dissolução

    do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas dos Estados e dasCâmaras Municipais; a suspensão das garantias constitucionais e a

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    impossibilidade de apreciação judicial dos atos do Governo Provisório; anomeação, por este, de interventores para governar os Estados, cabendo-lhes, por sua vez, nomear os prefeitos, proibidos, todos, de nomear parentesaté o sexto grau para cargos públicos, a não ser um, para cargo de confiançapessoal; a manutenção dos princípios da publicidade e da motivação dos atos

    administrativos; a previsão de que a futura Constituição manteria a Repúblicae a Federação, a autonomia municipal, e não poderia restringir a Declaraçãode Direitos da Constituição de 1891.- 3/2/1932. É editado o Código Eleitoral, criando a Justiça Eleitoral,estabelecendo o voto secreto e garantindo o voto às mulheres.- 14/5/1932. O Decreto nº 21.402 convoca, para 3/5/1933, as eleições para a Assembléia Constituinte e cria uma Comissão Constitucional para elaborar oanteprojeto de Constituição.- 9/7/1932. Eclode, em São Paulo, a “Revolução Constitucionalista”, naverdade uma revolta das oligarquias rurais paulistas, inconformadas com aperda do poder, pois a Constituinte já fora convocada quase dois meses

    antes.- 15/11/1933. Instala-se a Constituinte, integrada por 214 deputados eleitosdiretamente e 40 representantes eleitos pelas classes profissionais,abrangendo empregadores e empregados. Toma por base o projeto oferecidopelo Governo Provisório, elaborado pela “Comissão do Itamaraty”, lideradapor Afrânio Melo Franco e integrada por João Mangabeira, CarlosMaximiliano, Oliveira Viana e Oswaldo Aranha, dentre outros. Influência daConstituição de Weimar (1919) e da Constituição da Espanha republicana(1931).- 16/7/1934. Promulgada a Constituição da República dos Estados Unidosdo Brasil .

    PRINCIPAIS ASPECTOS

    - Formas de Estado e de Governo: manutenção da República e da Federação(1º). Inscrição da expressão “todos os poderes emanam do povo, e em nomedele serão exercidos” , que permaneceria nas Constituições posteriores (2º). Ampliação das competências da União, refletindo uma reação centralizadoraà descentralização oligárquica da Constituição anterior. Ingressam nesseelenco atribuições típicas do Estado intervencionista nos campos social e

    econômico. A competência para legislar sobre direito processual e eleitoral étambém atribuída à União. Estabelece uma esfera de legislação concorrente,com a União e os Estados editando normas sobre educação, comércio, etc.Inaugura-se, assim, o federalismo de cooperação e integração, de influênciaaustro-alemã, superando o federalismo dualista de 1891, construído sobre omodelo norte-americano (5º). União e aos Estados são assinadas, tambémconjuntamente, tarefas sociais e de preservação do patrimônio histórico,artístico e nacional (10). Reforça o princípio da autonomia municipal, mas criaa possibilidade de nomeação dos prefeitos das capitais e estânciashidrominerais pelo Governo do Estado (13). Mantém a repartição decompetências tributárias, ampliando as da União (6º e 8º, I).

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    - Organização dos Poderes: mantida a tripartição e a independência, com aintrodução do conceito de coordenação entre os poderes e a proibição dedelegação (3º e § 1º). Mantém o presidencialismo, com maior concentraçãode atribuições em favor do Executivo (51 e 56).

    - Poder Legislativo: rompe com o bicameralismo das Constituições anteriores,através do papel central conferido à Câmara dos Deputados no processolegislativo e da redução do Senado a órgão meramente colaborador (22). Osdeputados passam a ser eleitos por dois sistemas diferentes, para um mesmomandato de 4 anos: deputados do povo, eleitos pelo sistema proporcional;deputados das profissões (1/5 da representação popular), eleitos pelasassociações profissionais reunidas em quatro grupos (lavoura e pecuária;indústria; comércio e transportes; profissões liberais e funcionários públicos),com igualdade numérica entre patrões e empregados (23). É garantida àminoria parlamentar a prerrogativa de instaurar Comissão Parlamentar deInquérito (36). O Senado passa a ter a função de coordenação dos poderes

    (art. 88), e a competência para suspender a execução das leis declaradasinconstitucionais pela Corte Suprema; o número de senadores por Estado éreduzido para 2 e a duração do mandato também reduzida para 8 anos (89).

    - Poder Executivo: Presidente da República eleito por sufrágio universal,direto e secreto, para mandato de 4 anos, proibida a reeleição (51 e 56).Deixa de existir o cargo de Vice-Presidente.

    - Poder Judiciário: a inamovibilidade passa a integrar o elenco das garantiasda magistratura (64). O Supremo Tribunal Federal passa a ser denominadode Corte Suprema, mantendo as atribuições de corte constitucional efederativa (73). É constitucionalizada a Justiça Eleitoral, e mantida a JustiçaFederal (78, 82, e 84). Fica vedado ao Judiciário o conhecimento de questõesexclusivamente políticas (68).

    - Órgãos de Cooperação: são incluídos nesta categoria o Ministério Público, oTribunal de Contas e Conselhos Técnicos. Estes últimos eram colegiados deligação entre o Executivo e o Legislativo, compostos por funcionários públicose especialistas do setor privado (95, 99 e 103).

    - Direitos Políticos: “São eleitores os brasileiros de um ou de outro sexo,

    maiores de 18 anos...”, excetuados os analfabetos, as praças de pré e osmendigos (108). O alistamento e o voto só eram obrigatórios para asmulheres quando estas exercessem função pública remunerada (109).

    - Direitos Individuais: inclui, nessa categoria, o direito à subsistência. Garanteo direito de propriedade, desde que não fosse “exercido contra o interessesocial ou coletivo”. Limita a liberdade de expressão: “Não será ... tolerada a propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social ”. Cria o mandado de segurança “ para a defesa de direito,certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamenteinconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade”, e a ação popular :

    “qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidadeou anulação dos atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados e dos

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    Municípios”. Estabelece que “ A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação aos interessados dosdespachos proferidos...” (113).

    - A Constituição de 1934 inovou também ao abrir títulos sobre Ordem

    Econômica e Social; Família, Educação e Cultura; Funcionários Públicos; eSegurança Nacional (115 a 173).

    - Ordem Econômica e Social: fixação dos princípios de justiça, atendimentodas necessidades da vida nacional e garantia de existência digna comoregentes da ordem e limitadores da liberdade econômicas (115).Possibilidade de a União monopolizar atividades econômicas (116). Previsãodo incentivo à economia popular e da nacionalização dos bancos (117).Proibição da usura (118). Necessidade de autorização federal para aexploração de minas e energia, e previsão de sua nacionalização (119).Reconhecimento dos sindicatos e garantia da pluralidade e autonomia

    sindicais (120). Direitos trabalhistas: salário igual para trabalho igual; saláriomínimo; jornada diária de 8 horas; proibição de trabalho a menores de 14anos, de trabalho noturno a menores de 16 e de trabalho insalubre a menoresde 18; repouso semanal ; férias anuais; indenização por demissão sem justacausa; assistência médica e sanitária; licença à gestante, etc. Previsão deque o trabalho agrícola teria regulamentação especial, que atendesse,“quanto possível ” a tal elenco de direitos (121): a Revolução de Trinta nãoultrapassou as porteiras do latifúndio. Criação da Justiça do Trabalho,vinculada ao Governo, e não como órgão do Poder Judiciário (122).Usucapião rural de 10 anos (art. 125). Cobrança de contribuição de melhoriapor obra pública que valorizasse imóvel privado (124). Imposto progressivosobre heranças (128). Controle do Senado sobre concessão de terraspúblicas (130).

    - Família, Educação e Cultura: o casamento religioso passa a ter os mesmosefeitos do civil, desde que observadas as exigências da lei e inscrito noRegistro Civil (146). União, Estados e Municípios incumbidos de favorecer odesenvolvimento das ciências, artes, letras e cultura, além de proteger opatrimônio histórico e artístico (148). Educação definida como direito de todos(149). Aplicação obrigatória de percentual mínimo (10% p/ a União eMunicípios, 20% p/ os Estados) da receita de impostos federais em educação

    (156).- Segurança Nacional: criado o Conselho Superior de Segurança Nacional,integrado pelo Presidente da República, pelos Ministros de Estado e pelosChefes de Estado Maior do Exército e da Armada (159).

    - Papel das forças armadas: “defender a Pátria e garantir os poderesconstitucionais, a ordem e a lei ” (162). Polícias Militares passam a serconsideradas forças de reserva do Exército (167).

    - Funcionários Públicos: garantido o acesso de homens e mulheres a cargos

    públicos, com estabilidade após 2 anos de serviço, para os concursados, eapós 10 anos, para os demais (168 e 169).

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     - Reforma constitucional: Distinção entre emenda e revisão constitucionais,conforme a matéria a ser alterada, com distintas exigências em cada uma dashipóteses (178).

    - Controle da constitucionalidade: além de manter o sistema difuso,introduzido pela Constituição de 1891, estabeleceu a exigência de quorum demaioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade pelos tribunais(179). Atribuiu ao Senado a competência de suspender a execução de atonormativo declarado inconstitucional pelo Judiciário (91). Introduziu a ação deinconstitucionalidade para fins de intervenção federal, a ser proposta peloProcurador-Geral da República perante a Corte Suprema (12).

    - Disposições Transitórias: a primeira eleição presidencial seria indireta, pelaprópria Constituinte, podendo concorrer o Chefe do Governo Provisório (1º).Novamente prevista a transferência da capital “ para um ponto central do

    Brasil ” (4º). Concessão de anistia política (19).

    Inovadora e sintonizada com as idéias de sua época, aConstituição de 1934 foi uma tentativa de compromisso entre as concepçõesdo liberalismo político e do intervencionismo sócio-econômico. Através dela,pretendia-se consolidar as metas nacionalistas, trabalhistas edesenvolvimentistas da Revolução de 30. Uma série de fatores internos eexternos, porém, iria contribuir para que durasse muito pouco. Por outro lado,o modelo social e intervencionista por ela introduzido seria mantido em todasas constituições posteriores, assim como muitas outras inovações seriampreservadas pelas constituições democráticas posteriores, sobretudo asrelativas à Justiça Eleitoral, ao sufrágio feminino, aos novos remédiosconstitucionais e ao controle da constitucionalidade.

     A influência do Direito Constitucional austríaco e alemão torna-se expressiva. Principais comentadores: João Mangabeira, Levi Carneiro,Pontes de Miranda.

    4) CONSTITUIÇÃO DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937 

     ANTECEDENTES

    Os anos 1930 foram marcados por uma tendência mundial dedescrédito na eficácia dos regimes democrático-representativos e doliberalismo político como alternativas para a solução dos problemas coletivos. À direita e à esquerda, a crença na violência como método para atransformação/regressão social, a conquista e o exercício do poderacalentava projetos autoritários e totalitários. Quando a Constituição de 1934

    foi promulgada, o fascismo já imperava na Itália, Alemanha e Portugal, ao

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    passo que o totalitarismo stalinista dominava a União Soviética. Logo emseguida, também a Espanha cairia nas garras do fascismo franquista.

    No Brasil, a situação era complexa. O Governo Vargas vinhaalijando grande parte dos tenentes e outros revolucionários de 1930,

    comprometidos com transformações profundas na estrutura social brasileira ecom os princípios democráticos. Ao mesmo tempo, o bloco no poderestabelecia uma espécie de “pacto tácito” com a velha oligarquia, pois não secogitava em promover qualquer transformação na estrutura agrária, nem emgarantir aos trabalhadores do campo o gozo e o exercício dos direitostrabalhistas. Ao mesmo tempo, ganhavam força dois movimentos radicaisantagônicos: de um lado, a Ação Integralista Brasileira, empunhandobandeiras fascistóides; de outro, a Aliança Nacional Libertadora, liderada peloPartido Comunista Brasileiro, tendo à frente Prestes, que nele ingressara. Avida sindical era efervescente e os trabalhadores se mobilizavam, sob ainfluência das mais diversas correntes ideológicas.

    - 27/11/35. Uma irresponsável quartelada comunista precipita os fatos.Consolida-se a aliança de Vargas com os chefes militares. A Constituição éemendada para conferir ao Presidente poderes extraordinários para combatera subversão. Vargas, porém, não queria deixar a Presidência em 1938, comodispunha Lei Maior; manda forjar o “Plano Cohen”, pirotécnica “comprovação”de nova rebelião comunista. Com tal pretexto, desfecha o golpe, inaugurandoo “Estado Novo”.- 10/11/1937. Vargas consuma o golpe, outorgando a Constituição dosEstados Unidos do Brasil , a “Polaca”, redigida por Francisco Campos apartir da Carta fascista imposta à Polônia pelo Mal. Pilsudzki.

    PRINCIPAIS ASPECTOS

    - Formas de Estado e de Governo: mantidas, nominalmente, a República e aFederação. Na verdade, a Federação foi esmagada, com os Estadosproibidos até de ter suas próprias bandeiras e outros símbolos. A Repúblicapassa a ser, na verdade, uma ditadura pessoal, com sólido apoio militar (1º a3º). A União se agiganta, a centralização se intensifica (16). Os Municípiosmantêm uma “autonomia” de fachada, pois os prefeitos passam a ser

    nomeados pelos governadores (26 e 27).

    - Organização dos Poderes: o centro de todo o poder político passa a ser oPresidente da República, “autoridade suprema do Estado” (73), que sesubstitui, de fato, ao Poder Legislativo, com a prerrogativa de editar decretos-leis (12, 13 e 14).

    - Poder Legislativo: deveria ser exercido por um Parlamento Nacional,composto por uma Câmara dos Deputados, integrada por representanteseleitos indiretamente, e por um Conselho Federal, integrado por umrepresentante eleito pela Assembléia Legislativa de cada Estado, além de 10

    membros nomeados pelo Presidente da República (38, 46 e 50). A iniciativa

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    legislativa cabia, “em princípio”, ao Executivo, ou a um terço dos membros daCâmara ou do Conselho (64).

    - Poder Executivo: exercido pelo Presidente, que deveria ser eleito porcolégio eleitoral para mandato de 6 anos. O cargo de Vice não foi recriado.

    Entre as prerrogativas do Presidente, além da edição de decretos-leis, opoder de dissolver a Câmara dos Deputados e o de decretar o Estado deEmergência e o Estado de Guerra (74, 75, 77, 80 e 82) sem controle doParlamento, podendo até dissolvê-lo, suspender direitos e garantiasindividuais, bem como partes da Constituição (166 a 171)

    - Poder Judiciário: a Corte Suprema volta a ser denominada de SupremoTribunal Federal e Justiça Federal é extinta (90). Criação de um TribunalEspecial para julgar crimes contra o Estado e a economia popular (122).

    - Direitos Políticos: mantidos, nominalmente, em linhas gerais, os da

    Constituição anterior (117).

    - Direitos Individuais: o direito à subsistência deixa de integrar tal elenco.Prevista a adoção de pena de morte para crimes de subversão e a censuraprévia sobre a imprensa, o teatro, o cinema e o rádio. Os direitos elencadosficavam condicionados às exigências da segurança do Estado (122 e 123).

    - Família, Educação e Cultura: previsão de assistência estatal à infância e à juventude, bem como “aos pais miseráveis” para a subsistência e educaçãode seus filhos (127). Dever das indústrias e sindicatos econômicos de criarescolas de aprendizes para os filhos de operários (129). Obrigatoriedade deeducação física, ensino cívico e trabalhos manuais nas escolas primárias,normais e secundárias (131). Proteção da União, Estados e Municípios aopatrimônio histórico, artístico e natural (134).

    - Ordem Econômica: “na iniciativa individual, no poder de criação, deorganização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público,funda-se a riqueza e a prosperidade nacional...” (135). O trabalho passa a serconsiderado dever social (136). Os direitos trabalhistas são mantidos, aindenização por demissão sem justa causa passa a ser proporcional aotempo de serviço, mas são instituídos a unicidade sindical e o controle dos

    sindicatos pelo Estado. A greve e o locaute são considerados recursos anti-sociais (137, 138 e 139).

    - Segurança Nacional: forças armadas colocadas sob a “fiel obediência àautoridade do Presidente da República”; mantido o Conselho de SegurançaNacional (161 e 162).

    - Reforma constitucional: o Presidente passa a ter prerrogativa de apresentaremendas à Constituição (174).

    - Controle da constitucionalidade: a declaração de inconstitucionalidade de

    uma lei pelo Poder Judiciário perderia o efeito se o Presidente voltasse a

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    submeter a lei ao Parlamento e este a aprovasse novamente (96), o queesvaziava completamente o controle jurisdicional.

    - Disposições Transitórias: prevista a submissão da Constituição a umplebiscito que nunca se realizou, razão pela qual se entende que a “Polaca”

     jamais entrou formalmente em vigor (187). O mandato do Presidente foiprorrogado até a realização do plebiscito referido... (175). Os governadoresou seriam confirmados pelo Presidente ou substituídos por interventores porele nomeados (176). Foram dissolvidas a Câmara dos Deputados, o SenadoFederal, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais, e tais órgãosnão voltaram a ser reconvocados até 1945, o que permitiu ao Presidenteexercer o poder de legislar através de decretos-leis ( 178 e 180) e “leisconstitucionais”.

    Com plenos poderes, Vargas e seus aliados perseguiramduramente os opositores à direita e à esquerda, violentando as liberdades,

    permitindo a tortura e agredindo a dignidade humana dos que caíam nasmalhas da repressão. A questão social não avançou com relação ao patamarprevisto pela Constituição de 1934, regredindo no que se refere à liberdade eà autonomia sindicais e ao direito de greve. O bloco no poder, no entanto,implementou a concretização de grande parte dos direitos trabalhistasprevistos em 1934 e confirmados em 1937. No que tange ao resguardo dopatrimônio nacional, face às pretensões imperialistas dos EUA, o “EstadoNovo” assumiu posições inéditas em nossa história. No que se refere àpromoção da cultura nacional e à preservação do patrimônio histórico, aspolíticas oficiais foram muito positivas: o ensino público, inclusive ouniversitário, foi consolidado e ampliado; sítios históricos como Ouro Preto emuitos conjuntos arquitetônicos cariocas foram preservados; Villa-Lobosresgatou e difundiu o cancioneiro nacional. Cabe, porém, indagar: a quepreço, para a liberdade e a dignidade cidadãs, foram obtidos esses avançosrelativos?

    Principais comentadores: Araújo Castro, Francisco Campos,Pontes de Miranda.

    5) CONSTITUIÇÃO DE 18 DE SETEMBRO DE 1946 

     ANTECEDENTES

     Após “flertar” com o nazi-fascismo, Vargas, em troca daconstrução da Companhia Siderúrgica Nacional e do investimento inicial paraa formação da Companhia. Vale do Rio Doce pelos norte-americanos, adereaos aliados na II Guerra Mundial. O Brasil envia tropas à Europa para lutarpor uma democracia que não existia para os brasileiros. Tal contradição

    estimula as lutas pelo fim da ditadura em nosso País. Ao mesmo tempo, osEUA não viam com bons olhos a continuação de uma ditadura nacionalista no

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    Brasil. Pressionado por essa conjunção de interesses, o Estado Novocomeça a perder sua estabilidade.

    Entrevistando o político e escritor dissidente José Américo de Almeida, o jovem jornalista ex-comunista Carlos Lacerda rompe a censuraprévia. Líderes políticos de Minas Gerais lançam um manifesto pelo retorno à

    democracia. A campanha democrática fermenta nas universidades e nasruas. Percebendo a inevitabilidade do fim da ditadura, Vargas tentasobreviver a ela. Através da Lei Constitucional nº 9, de 28/2/45, marcaeleições para a Presidência e o Parlamento. Estimula a campanha“queremista” (queremos Getulio), que pregava “Constituinte com Getulio”. OPCB e seu líder recém-libertado, Prestes, aderem.

    - 29/10/45. Com um golpe de cujas articulações participou o embaixadornorte-americano, os militares derrubam Vargas. Assume José Linhares,Presidente do STF.- 12/11/45. A Lei Constitucional nº 13 reconhece poderes constituintes do

    futuro Congresso.- 17/11/45. A Lei Constitucional nº 14 extingue o famigerado Tribunal deSegurança Nacional.- 26/11/45. A Lei Constitucional nº 15 confere ao futuro Presidente podereslegislativos enquanto durassem os trabalhos da Constituinte.- 2/12/45. Realizam-se as eleições para a Presidência e o Congresso. Todosos partidos participam, inclusive o PCB. Disputam a Presidência EduardoGomes, pela oposição, e Eurico Gaspar Dutra, ex-Ministro da Guerra,representando o bloco militar dominante durante o Estado Novo. Às vésperasdo pleito, Vargas declara seu apoio a Dutra, que vence. No Congresso, osconservadores fazem maioria, mas o PCB elege Prestes senador pelo Rio,além de pequena mas expressiva bancada de deputados, em que sedestacavam Carlos Marighela, Gregório Bezerra e Jorge Amado. Getulio éeleito deputado e senador por vários Estados (o que era permitido na época),mas não exerce seus mandatos. Estruturam-se na Constituinte os partidosque dominariam a cena política até o golpe de 1964: o PSD (Partido SocialDemocrático)e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), criados por Vargas paraabrigar seus aliados capitalistas e burocratas, no primeiro caso, e suas basessindicais, no segundo; e a UDN (União Democrática Nacional), de orientaçãoantigetulista e golpista, majoritariamente conservadora e americanófila.- 1/2/46. Instala-se a Constituinte. Ao invés de um projeto, decide tomar por

    base a Constituição de 1934. Organiza uma “Grande Comissão”, dividida em10 Comissões Temáticas, para elaborar o novo texto. A discussão dos temassociais é acompanhada por manifestações de rua dos trabalhadores,violentamente reprimidas pela polícia de Dutra.- 18/9/46. Promulgada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil .

    PRINCIPAIS ASPECTOS

    - Formas de Estado e de Governo: são restauradas a Federação, a Repúblicae o regime representativo (1º). Estados e Municípios são recobram e

    fortalecem sua autonomia, em nova etapa descentralizadora (18 a 29).

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    Mantida a esfera de competências concorrentes, típica do federalismo deintegração (6º).

    - Organização dos Poderes: o presidencialismo e a separação eindependência dos poderes são restaurados em moldes clássicos, com a

    existência de Legislativo, Executivo e Judiciário, harmônicos (7º, VII, b).

    - Poder Legislativo: exercido pelo Congresso Nacional, composto pelaCâmara dos Deputados e pelo Senado Federal, que recobra suascompetências legislativas. Os deputados eram eleitos diretamente, pelosistema proporcional, para mandato de 4 anos, assegurado a cada Estadoum mínimo (extremamente elevado) de 7 deputados. Os senadores erameleitos diretamente, pelo sistema majoritário, em número igual de 3 porEstado, para um mandato de 8 anos (37, 56, § 1º e 60). A concessão deanistia passa a ser competência exclusiva do Congresso (art. 66, V). Ainiciativa legislativa é conferida ao Presidente da República (salvo em matéria

    constitucional), a qualquer deputado, senador ou comissão parlamentar (67).

    - Poder Executivo: exercido por um Presidente da República eleitodiretamente, para mandato de 5 anos (78 e 82), proibida a reeleição. Recria-se o cargo de Vice-Presidente, podendo ser eleito sem pertencer à mesmachapa do Presidente, com a prerrogativa de presidir o Senado (79, 81 e 61).

    - Poder Judiciário: a Justiça do Trabalho passa a integrá-lo (94, V). Sãocriados o Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais Regionais do Trabalho(122). Não foi recriada a Justiça Federal.

    - Declaração de Direitos: analfabetos e praças das forças armadas (salvosargentos, suboficiais, subtenentes e alunos de escolas militares) continuamsem o direito de sufrágio (132). As liberdades públicas são restauradas. Aliberdade partidária é restabelecida com limitações. O direito de propriedadeé garantido e as desapropriações somente podem ser feitas com prévia e justa indenização em dinheiro; tributos somente podem ser instituídos comprévia autorização orçamentária e, sendo possível, devem ser graduadossegundo a capacidade econômica do contribuinte (141 e 202).

    - Ordem Econômica e Social: o trabalho é definido como obrigação social

    (145). O uso da propriedade fica condicionado ao bem-estar social (147).Mantém os direitos trabalhistas, restaura o direito de greve, mas este último,bem como a estabilidade no emprego, a participação dos trabalhadores noslucros das empresas, a liberdade sindical, a fixação do homem no campo e arepressão ao abuso de poder econômico foram deixadas para “a forma dalei”, que: ou não foi criada, mantendo-se a legislação autoritária do EstadoNovo ou de Dutra, ou não existia e nunca chegou a existir sob sua vigência(participação nos lucros), ou foi editada duas décadas depois (direitostrabalhistas dos camponeses), frustrando-se, assim, muitas conquistassociais (148, 150, 156 e 159).

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    - Forças armadas: destinadas a “defender a Pátria e a garantir os poderesconstitucionais, a lei e a ordem” (177). Mantido o Conselho de SegurançaNacional (179).

    - Controle da constitucionalidade: retomado o modelo introduzido pelas

    Constituições de 1891 e 1934 (8º, 64, 101, 200).

    - Disposições Gerais: Estados e Municípios voltam a ter símbolos próprios(195). A decretação do Estado de Sítio passa a ser competência doCongresso (206).

    - Disposições Transitórias: nova previsão de mudança da capital para oPlanalto Central, com a transformação do Distrito Federal em Estado daGuanabara (4º). Anistia política e a trabalhadores grevistas (28).

    Principais comentadores: Pontes de Miranda, Sampaio Dória,

    Themístocles B. Cavalcanti.

    FATOS POSTERIORES

    Durante o Governo Dutra, os saldos positivos anteriormenteacumulados no balanço de pagamentos do País são dilapidados. O PCB écolocado na ilegalidade e seus representantes no Congresso têm seusmandatos cassados. É estruturada, sob monitoramento americano, a EscolaSuperior de Guerra, para veicular entre nossos militares uma visão de mundosectária e pró-americana, consagrada na “Ideologia da Segurança Nacional”,formulada pelo National War College dos EUA e transplantada para os paíseslatino-americanos.

    Retornando à Presidência pelo voto em 1950, Vargas tentaimplementar suas políticas anti-imperialista e trabalhista, mas encontra fortesresistências internas e externas. Responde à tentativa de golpe militar com osuicídio.

    Nova tentativa de golpe é desencadeada para impedir a possede Juscelino Kubitschek em 1955. Debelado o golpe graças à atuação dosmilitares legalistas, sob a liderança do Marechal Lott, o novo Presidente tomaposse, juntamente com João Goulart, ex-ministro do trabalho e herdeiro

    político de Vargas, eleito como Vice.Juscelino implementa uma política econômicadesenvolvimentista, através de favorecimentos ao capital estrangeiro e doendividamento externo. Realiza a transferência da capital para “a solidão docerrado”, distante da sociedade e das mobilizações populares. A construçãode Brasília compromete o Tesouro Nacional e facilita a corrupção. Por outrolado, Jango garante a preservação do valor dos salários. O valor real dosalário mínimo de 1959 foi o maior de nossa história.

    O Brasil vivia seus “anos dourados”: regime representativorazoavelmente democrático, governo liberal com compromissos sociais,desenvolvimento econômico, estabilidade no emprego e aprimoramento do

    ensino permitiram a mobilidade social ascendente e propiciaram a expansãodo vigor da nossa cultura: cinema novo, bossa nova, futebol campeão, teatro

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    de vanguarda, concretismo na poesia, MPB. Latifundiários, rentistas,privilegiados em geral, funcionários do capital internacional, reacionáriospolíticos, sociais e morais, porém, espreitavam...

     A suspeita de corrupção que pairava sobre o Governo Juscelino

    faz com que a Presidência seja conquistada, em 1960, por Jânio Quadros,um político populista e pseudomoralista. O Vice-Presidente eleito, porém, erada chapa oposta: João Goulart. Jânio assume e adota atitudes pirotécnicas,que desviavam a atenção da opinião pública, enquanto implementavapolíticas monetárias e cambiais de favorecimento ao capital externo. Semmaioria no Congresso, Jânio tenta o golpe com a farsa da renúncia, masfracassa.

    Vaga a Presidência, chefes militares golpistas se opõem àposse de Jango, que se encontrava fora do Brasil, retornando de viagemoficial à China comunista. Alegando uma aliança de Jango com sindicalistas ecomunistas, militares e civis golpistas temiam que o novo Presidente usasse

    o poder para fomentar a “subversão” e a realização de reformas estruturais,governando em favor da maioria e contra os privilégios sas oligarquias. Acrise se instala.

    O Comando Geral dos Trabalhadores, a UNE e osgovernadores do Rio Grande do Sul e de Goiás, Leonel Brizola e MauroBorges, desencadeiam, então, a Campanha da Legalidade, para garantir ocumprimento da Constituição e, assim a posse definitiva do Vice-Presidentena Presidência. O III Exército de então (Região Sul), adere à resistência. OPaís vive a iminência de uma guerra civil.

    Pressionado pelos ministros militares, o Congresso adota umasolução conciliatória. Aprova, a toque de caixa, a Emenda Constitucional nº 4(Ato Adicional, 2/9/61), instituindo o parlamentarismo e restringindo, assim, ospoderes da Presidência. Sob tais condições, Jango assume, a 7/9/61,prometendo fazer uma nova Independência do Brasil.

    Nos 15 anos que vão da promulgação da Constituição de 1946à promulgação do Ato Adicional, a sociedade brasileira vive intensaexperiência democratizante. Mobilização e organização de trabalhadores,intelectuais, artistas e estudantes florescem, propondo a realização dereformas estruturais, através das quais as desigualdades sociais fossemminoradas e o progresso e o bem estar gerais construídos. Expressivo,

    também, era o esforço de construção da cidadania através das lutas pordireitos políticos e sociais dos excluídos, com a valorização da participação,da cultura e da arte populares.

     Ao mesmo tempo, os grupos dominantes se mobilizavam paracombater tais processos, que ameaçavam seus privilégios. Contavam, paratanto, com amplo apoio norte-americano. A criação da Escola Superior deGuerra consolidou a aproximação de setores militares brasileiros com osestrategistas norte-americanos. Tais esforços se intensificam a partir de1959, com a vitória da revolução cubana e o conseqüente temor de que umaonda de insurreições varresse o continente.

    Também os grandes proprietários rurais, bancários e industriais

    se organizavam... para o golpe. Através de pessoas jurídicas de fachada,apresentadas como “institutos de consultoria e pesquisa”, como o IPES

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    (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), recursos materiais, técnicos e humanos eramamealhados para a implantação da futura ditadura. Além de mobilização derecursos para financiar campanhas de candidatos conservadores e subsidiara guerra psicológica desenvolvida pela mídia golpista contra o governo e as

    mobilizações populares, tais órgãos estavam, igualmente, voltados para aformulação das políticas públicas conservadoras e pró-imperialistas a seremimplementadas pela via autoritária.

    Tais movimentos díspares, à direita e à esquerda, iriam seavolumar e confrontar. O desfecho seria o Golpe de 1964.

    6) CONSTITUIÇÃO DE 24 DE JANEIRO DE 1967 

     ANTECEDENTES

    O parlamentarismo adotado em 1961 não conseguiu criar ascondições de estabilidade político-institucional necessárias ao enfrentamentoda crise econômica herdada do Governo Juscelino. A elevação da inflação,bem como o conseqüente aumento do custo de vida e das lutas salariais,conjugados à intensificação da luta pelas Reformas de Base propostas peloGoverno Jango (Agrária, Educacional, Tributária e Urbana), não puderam serequacionados pelos sucessivos Gabinetes liderados por Tancredo Neves,Brochado da Rocha e Hermes Lima, dependentes do apoio da maioriaconservadora no Congresso.

     Ao mesmo tempo, os grupos conservadores incrementavamsuas críticas ao Presidente Goulart que, sem poderes efetivos de Governo,assistia, imobilizado, à desagregação sócio-político-econômica e aos atosconspiratórios através dos quais sua destituição era preparada. A partir denovembro de 1963, com o assassinato de John Kennedy e a posse doultraconservador Lyndon Johnson, o apoio norte-americano à derrubada deJango se intensifica. Começa a ser articulada a Operação Brother Sam, açãomilitar norte-americana de suporte logístico a uma eventual guerra civil a serdesencadeada pelos golpistas em nosso País.

    Jango consegue a convocação de um plebiscito, para que acidadania decidisse entre a manutenção do parlamentarismo e o retorno aopresidencialismo. Finalmente realizado em janeiro de 1963, o plebiscitoresulta em esmagadora vitória do presidencialismo, reinstituído pela EmendaConstitucional nº 6, de 23/1/63.

    Recuperando, enfim, os plenos poderes constitucionais deChefe de Estado e de Chefe de Governo, Jango, com o auxílio de DarcyRibeiro e os conselhos de San Tiago Dantas, parte para a tentativa deimplementação das reformas de base, com amplo apoio popular, conformerefletido em pesquisas do IBOPE, realizadas em julho de 1963 e março de1964, e mantidas em sigilo até 1990. Para tanto, Jango mobiliza suas bases

    sindicais e estudantis, bem como as Ligas Camponesas, integradas portrabalhadores rurais do nordeste e lideradas por Francisco Julião. A

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    vantagem temporal dos conservadores, porém, era enorme. Na Guanabara, oentão governador Carlos Lacerda estava notoriamente engajado naderrubada do Presidente. Para interromper a preparação do golpe, Jangosolicita ao Congresso a decretação do Estado de Sítio. O pedido é retiradoquando o Presidente percebe que tal medida poderia vir a ser utilizada contra

    os trabalhadores e os estudantes pelos setores militares golpistas.Dois incidentes contribuíram para a deterioração do quadropolítico: a revolta dos sargentos, em Brasília, e a insubordinação dosmarinheiros no Rio, esta liderada por um agente provocador a serviço dosgolpistas, o “Cabo Anselmo”. Os altos oficiais militares esperavam umapunição exemplar. O Governo, ao tratar os sargentos e marinheiros com amesma tolerância com que Juscelino tratara os oficiais golpistas rebeladosem Aragarças e Jacareacanga, perdeu o apoio dos chefes militareslegalistas.

     Após a assinatura do decreto que regulamentava a lei deremessa de lucros para o exterior, despertando a ira do capital internacional,

    a situação do Presidente torna-se ainda mais precária. Não era, contudo,apenas o conjunto de ações e intenções do Presidente que despertava asinquietações dos setores dominantes. Havia, ainda, a crescente mobilizaçãode trabalhadores urbanos e rurais, apoiada pelos estudantes e intelectuais,no sentido de apressar a realização das Reformas de Base. Além disso, osresultados das eleições para o Congresso, de 1946 a 1962, assinalavam ocrescimento contínuo das bancadas de esquerda, principalmente a do PTB.Isto conduziria, pelas previsões eleitorais, à formação de uma maioria deesquerda em 1966, com a aprovação pacífica das reformas.

    - 13/3/64, sexta-feira. Em comício realizado em frente à Central do Brasil, noRio, com a presença de todas as lideranças progressistas, Jango anuncia oenvio de Mensagem ao Congresso Nacional sugerindo a alteração daConstituição, para que as desapropriações de imóveis rurais pudessem serindenizadas em títulos da dívida pública, e não em dinheiro. Anuncia tambéma assinatura de dois decretos: um, desapropriando terras improdutivassituadas ao longo das rodovias e ferrovias federais; outro, desapropriando,em favor da Petrobrás, as ações de investidores particulares em empresas derefinamento de petróleo.- 31/3/64. O General Olimpio Mourão Filho (que, em 1937, havia forjado oPlano Cohen) dirige suas tropas de Minas Gerais para o Rio de Janeiro,

    precipitando o golpe. A sede da UNE é incendiada por jovens de extrema-direita e a Universidade de Brasília sofre violenta invasão policial-militar. Aburrice e a estupidez, vingam-se, assim, da inteligência e da sensibilidade...

    OS ATOS INSTITUCIONAIS

    - 9/4/64. O “Comando Supremo da Revolução” edita o Ato Institucional. Através dele, são promovidas alterações à Constituição de 1946. É marcada“eleição” para Presidente e Vice-Presidente da República a ser realizada peloCongresso Nacional, dois dias depois, através de votação aberta. O

    Presidente passa a ter a prerrogativa de apresentar propostas de emenda àConstituição, a serem apreciadas em 30 dias pelo Congresso. Os projetos de

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    lei de iniciativa do Presidente passam a ser considerados aprovados pordecurso de prazo, se não apreciados em 30 dias. São suspensas asgarantias de vitaliciedade e estabilidade, viabilizando-se, assim, a demissãoou aposentadoria, bem como a reforma ou transferência para a reserva dosservidores civis e militares engajados na realização das Reformas de Base.

    Os Comandantes em Chefe da “Revolução” passam a ter o poder desuspender direitos políticos e cassar mandatos eletivos, excluída aapreciação judicial dos atos respectivos.

    Instala-se o arbítrio, com o enxovalhamento da Constituição de1946. Com base no AI sem número, os golpistas se assenhoram do poder,realizam milhares de prisões arbitrárias, intervêm nos sindicatos e colocam aUNE na ilegalidade. O Marechal Castello Branco é “eleito” com “mandato” até31/1/66, posteriormente prorrogado. Desencadeiam-se expurgos no serviçopúblico civil e nas corporações militares. Direitos políticos e mandatos dosopositores à ditadura são cassados, com ajuda dos “dedo-duros”, execrados

    pelo humor de Sérgio Porto no livro Festival de Besteiras que Assola o País(FEBEAPÁ). Além disso, as alterações constitucionais facilitadas pelo AIcriam as condições para a implementação da política econômica do novoregime. O alinhamento da economia brasileira aos interesses oligárquicoslocais e internacionais é completado com a revisão da regulamentação daremessa de lucros e a imposição de uma lei ”antigreve”, que priva ostrabalhadores de seu principal instrumento de luta, abrindo caminho para oarrocho salarial.

    - 27/10/65. Após a vitória de candidatos de oposição ao regime para osGovernos de Minas Gerais e da Guanabara, Castello Branco edita o AI-2.Civis passam a ser julgados pela Justiça Militar por crimes contra asegurança nacional. As próximas eleições presidenciais tornam-se tambémindiretas. As liberdades públicas e as garantias constitucionais sofrem durasrestrições. Renova-se o poder de cassação de mandatos e suspensão dedireitos políticos. Os partidos políticos existentes são extintos. O Presidenteda República passa a ter o poder de fechar o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais, além de editar decretos-leis. A Justiça Federal é recriada para julgar causas em que o GovernoFederal tivesse interesse, com juízes inicialmente nomeados pelo general-Presidente, sem concurso. Fica excluída a apreciação judicial dos atos

    praticados com base no AI-2.- 5/2/66. Castello edita o AI-3, tornando indiretas as eleições para osGovernos dos Estados e atribuindo aos governadores a nomeação dosprefeitos das capitais. A partir daí, as polícias estaduais passam a sercomandadas por homens de confiança da ditadura, atuando como políciaspolíticas, dedicadas sobretudo à repressão de estudantes e trabalhadores,descuidando da proteção às pessoas e ao patrimônio (coincidência ou não,foi durante o regime militar que a violência urbana e os extermínioscresceram assustadoramente, e o narcotráfico se instalou no País). Exclui-sea apreciação judicial...

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    - 7/12/66. Como a Constituição de 1946 havia se transformado numa colchade retalhos, Castello Branco edita o AI-4, convocando o Congresso para sereunir, de 12/12/66 a 24/1/67, com o objetivo de discutir e votar o Projeto deConstituição apresentado pelo ditador. Vinte e dois dias antes, tinhamocorrido eleições para um novo Congresso, mas o que se convocava era

    aquele em fim de mandato. O AI-4 dava prazo de 72 horas para que umaComissão Mista elaborasse Parecer sobre o Projeto de Constituição, 4 diaspara que o mesmo fosse discutido e estabelecia que, impreterivelmente, até21/1/67, as votações deveriam ser encerradas, sob pena de aprovação doProjeto do Governo por decurso de prazo! Assim foi feito e, a 24/1/67,atendidos, de forma vexaminosa, os prazos impostos pelo ditador, oCongresso “promulgava” a Constituição do Brasil , promulgação esta queera, na verdade, uma outorga militar disfarçada pela homologação de umCongresso subserviente.

    PRINCIPAIS ASPECTOS

    - Organização do Estado: centralização antifederativa. As competências daUnião são ampliadas ( 8º). Novas hipóteses de intervenção federal nosEstados são previstas (10). A autonomia dos Municípios mais importantes émutilada, pois passa a ser de competência do governador do Estado anomeação dos prefeitos das capitais e dos Municípios em que estivessemlocalizadas estâncias hidrominerais, com aprovação da AssembléiaLegislativa, bem como os prefeitos dos Municípios declarados “de segurançanacional”, com aprovação do Presidente da República (16). Adota-se umSistema Tributário tecnicamente bem articulado, mas cujo conteúdocentraliza competência tributária em favor da União e priva os contribuintesde algumas de suas garantias mais importantes (18 e seguintes).

    - Organização dos Poderes: ditadura mal-disfarçada. Mantém obicameralismo do Poder Legislativo (29), com a manutenção daproporcionalidade distorcida da Câmara dos Deputados, com um mínimo de 7deputados por Estado (41, § 4º). O Poder Executivo se agiganta, com aconcentração de atribuições em seu favor. O Presidente da República, eleitopor Colégio Eleitoral formado pelo Congresso e por delegados das Assembléias Legislativas, através de votação nominal, sem direito a

    reeleição, pode apresentar propostas de emenda à Constituição, projetos delei que se consideram aprovados por decurso de prazo se não foremapreciados em 45 dias, além de editar decretos-leis (50, II, 54, 58 e 76). OExecutivo passa a ter competência para decretar Estado de Sítio semautorização prévia do Congresso (83, XIV). São ampliadas as competênciasdo Conselho de Segurança Nacional (91). Com relação ao Poder Judiciário,constitucionaliza-se a competência da Justiça Militar para julgar civis porcrimes contra a segurança nacional (122, § 1º).

    - Papel das forças armadas: defesa dos poderes constituídos (legitimamenteou não), da lei e da ordem (92, § 1º).

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    - Direitos políticos: analfabetos permanecem excluídos do direito de votar(142, § 3º, a). Os cidadãos que tiveram seus direitos e mandatos cassadosnão os recuperam.

    - Direitos Individuais: adota uma declaração razoavelmente liberal de direitos,

    mas permite ao Supremo Tribunal Federal que suspenda os direitos políticosdaquele que “abusar” das liberdades de expressão, de reunião e deassociação (151).

    - Ordem Econômica e Social: proíbe a greve em serviços consideradosessenciais (quase todos, por força da legislação autoritária) e permite opagamento em títulos da indenização por desapropriação de imóvel rural parafins de reforma agrária, que já havia sido incluída na Constituição de 1946,através da Emenda nº 10, de 9/11/64, durante o Governo Castello (157).

    - Controle da constitucionalidade: a Emenda Constitucional nº 16/65 à

    Constituição de 1946 criou o controle em abstrato da constitucionalidade delei ou ato normativo federal ou estadual ao estabelecer a competência doSTF para processar e julgar originariamente representação deinconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República. Com istoo sistema brasileiro tornou-se misto. A nova Carta manteve tal sistema (111).

    - Disposições Transitórias: merece destaque a ratificação e exclusão deapreciação judicial de todos os atos praticados pelo “Comando Supremo daRevolução”, bem como os atos praticados com base nos Atos Institucionais(173). Fica estabelecido o dia 15 de março de 1967 como data de entrada emvigor da Constituição e de posse do novo Presidente da República (189).

    FATOS POSTERIORES

    Inconformada com a nova ordem autoritária, a sociedadecontinua resistindo ao arbítrio e pedindo, em manifestações públicas, oretorno ao Estado de Direito. A geração democrática formada sob aConstituição de 1946 não aceitava a ditadura. A juventude experimentava arevolução dos costumes e a retomada dos ideais de solidariedade, quemarcaram os anos sessenta, em clima de repressão política. Ao mesmo

    tempo, excluídos da participação política e inspirados nas façanhas doscubanos e dos vietkongs, extremistas de esquerda adotavam a luta armadacomo forma de resistência à ditadura. Ainda que compreensível e justificávelem certos casos, a resistência armada foi um dos erros mais trágicos dahistória brasileira.

    Confrontos entre os estudantes e as forças de repressãoassumem proporções dramáticas. No Rio, o assassinato de Edson Luís e aselvageria com que estudantes da UFRJ foram agredidos no estádio doBotafogo levam a sociedade carioca a expressar sua revolta contra a ditadurana Passeata dos Cem Mil, liderada por Vladimir Palmeira e Hélio Pellegrino. A “linha dura” militar só espera um pretexto para desfechar o “golpe dentro do

    golpe”. Tenta criá-lo com o insano projeto de explodir o gasômetro do Rio,seqüestrar e atirar ao mar dezenas de líderes políticos, e colocar a culpa por

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    tais atentados nas esquerdas... A tragédia é evitada pela resistência do entãoCapitão da Aeronáutica Sérgio Miranda de Carvalho, o “Sérgio Macaco”, quese recusa a cumprir as ordens terroristas, e é por isso afastado das forçasarmadas, só vindo a ser reintegrado  post-mortem, em 1993, por força dedecisão do STF, que o promoveu a brigadeiro.

    - A 13/12/68, sexta-feira, em resposta à negativa de licença da Câmara dosDeputados para que o Executivo processasse o deputado Márcio Moreira Alves por ofensa às Forças Armadas, em votação liderada por Mário Covas, jovem líder da oposição, o Marechal-Presidente Costa e Silva edita o AtoInstitucional nº 5, inaugurando os chamados “Anos de Chumbo”, uma longa enegra noite de terror. Através do AI-5, a Constituição de 1967 é rasgada. OPresidente da República passa a ter a prerrogativa de decretar o recesso doCongresso, das Assembléias Legislativas e das Câmaras Municipais, ficandoautorizado a legislar em substituição a eles. Recebe o poder de decretarintervenção federal sem atender aos limites constitucionais, suspender

    direitos políticos e cassar mandatos. A suspensão dos direitos políticosimplicaria, simultaneamente em: suspensão do direito de votar e ser votadoem eleições sindicais; proibição de atividade ou manifestação políticas;aplicação de liberdade vigiada, proibição de freqüentar determinados lugarese domicílio determinado (confinamento). O Presidente podia determinar aproibição do exercício de quaisquer outros direitos públicos ouprivados de qualquer cidadão. Além disso, podia ainda o Presidenteinstituir a censura prévia sobre os meios de comunicação e as atividadesartísticas.

    - O AI-5 também suspendeu a concessão de habeas corpus  em favor deacusados pela prática de crimes políticos ou contra a segurança nacional eproibiu o Judiciário de apreciar os atos praticados de acordo com seusdispositivos. Com isto, a tortura e o assassinato políticos transformaram-seem instrumento de Governo e o terror de Estado desencadeou-se sobre acidadania. Imediatamente, Costa e Silva colocou o Congresso em recesso einstituiu a censura prévia. Novo ciclo de cassações foi aberto, atingindo,inclusive, três ministros do Supremo Tribunal Federal que teimavam em fazerJustiça: Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Vítor Nunes Leal. Era uma claraadvertência de que ninguém estava a salvo da repressão.

    - Centenas de artistas, cientistas e intelectuais são aconselhados ou se vêemforçados a deixar o País, para escapar da repressão. Entre eles, ChicoBuarque, Caetano e Gil. Após visitar Caetano em Londres, Roberto Carlos,comovido com seu sofrimento, compõe e grava um poema de solidariedadeaos exilados: “Um dia a areia branca/ teus pés irão tocar/ e vai molhar teuscabelos/ a água azul do mar/ janelas e portas vão se abrir/ pra ver vocêchegar/ e ao se sentir em casa/ sorrindo vai chorar/ Você anda pela tarde/ e oseu olhar tristonho/ deixa sangrar no peito/ uma saudade um sonho/ vocêolha tudo e nada/ lhe faz ficar contente/ você só deseja agora/ voltar pra suagente”.

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     7) EMENDA Nº 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969 

     ANTECEDENTES

    Em agosto de 1969, vitimado por um acidente vascular cerebral,Costa e Silva foi afastado da Presidência. Os ministros militares impediram aposse do Vice Pedro Aleixo, que era civil, e investiram a si próprios noexercício do poder supremo do Estado brasileiro, através do AI-12, de31/8/69. Nesta condição, editaram a Emenda nº 1/69, na verdade uma novaConstituição, pois alterava, em extensão e profundidade, a Constituição de1967, tornando-a mais centralizadora e autoritária, plenamente adaptada aostermos odiosos do AI-5.

     ASPECTO FUNDAMENTAL

    - Na verdade, o dispositivo mais importante da Emenda nº 1/69 era o art. 182:“Continuam em vigor o Ato Institucional nº 5 de 13 de dezembro de 1968, eos demais Atos posteriormente baixados”. Com isto, o AI-5 tornou-se overdadeiro instrumento de governo da ditadura.

    Com plenos poderes nas mãos, o general-Presidente Medici,sucessor da Junta Militar, arrasou as liberdades, silenciou a oposição efomentou uma repressão violentíssima, sem precedentes em nossa história.Muitos brasileiros perderam a vida, ou a saúde física e/ou mental sob tortura,sendo freqüentes as violências sexuais contra mulheres, pelo “crime” depensar diversamente de quem estava no poder e lutar por uma sociedademais justa. Emblemáticos foram os assassinatos cruéis de Stuart AngelJones, Sonia Moraes Angel, Zuzu Angel e Rubens Paiva. Apesar disso,crises internas nas Forças Armadas e dificuldades no campo econômicoacabaram determinando que o reinado da linha dura findasse com a escolhade Ernesto Geisel como o próximo general-Presidente.

     A LONGA TRANSIÇÃO

    Com a posse de Geisel, setores mais moderados das Forças Armadas passam a dirigir o País, iniciando uma “distensão lenta, gradual esegura” em direção a uma pretendida “democracia relativa”, tutelada pelosmilitares. Os rigores da censura prévia foram suavizados, a tortura política foireduzida e as manifestações públicas pelo retorno ao Estado de Direitopassaram a ser toleradas.

     A sociedade civil, com participação destacada da Ordem dos Advogados do Brasil, reinicia a luta pela democracia. O culto ecumênico pelamorte do jornalista Vladimir Herzog sob tortura, em 1975, celebrado peloCardeal Paulo Evaristo Arns, pelo Rabino Henry Sobel e pelo Pastor James

    Wright, bem como a divulgação, em 11/8/77, da Carta aos Brasileiros, de

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    Goffredo Silva Telles Jr, clamando por uma Constituinte, marcam osprincipais momentos dessa luta.

    O MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido deoposição consentida ao regime, conquista sucessivas vitórias eleitorais. Umnovo sindicalismo surge no ABCD paulista, autônomo, combativo e

    organizado, enfrentando a repressão nas greves de 1978, 79, e 80, lideradaspelo metalúrgico Luiz Inácio da Silva, o Lula. Também as mobilizaçõesestudantis são retomadas a partir de 1977, apesar da repressão. Operários eestudantes exercitavam o direito de resistência através da desobediênciacivil, desafiando publica e pacificamente as leis repressivas que proibiam asgreves e a reorganização das entidades estudantis. No mesmo ano, Geiselfecha o Congresso e cassa deputados que haviam denunciado torturas e“desaparecimentos”, editando o chamado “Pacote de Abril” que, entre outrasarbitrariedades, cria a figura do “senador biônico”. Um dos últimos atos deGeisel foi possibilitar a aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda nº 11,de 13/10/78, que revogou o AI-5.

    Com a posse do general-Presidente Figueiredo, em 1979, atransição prossegue. A luta da sociedade pela anistia aos perseguidospolíticos tem êxito, permitindo a libertação de presos políticos, o retorno deexilados e a recuperação dos direitos políticos dos cassados. Promove-seuma reforma partidária que ajuda a ditadura a dividir a oposição.

    Setores de extrema-direita, inconformados com o fim do terrorde Estado e dos privilégios dele decorrentes praticam atentados terroristascontra a OAB, as bancas de jornais que vendiam publicações oposicionistas,a Câmara de Vereadores do Rio e o próprio povo, no atentado do Riocentro,felizmente fracassado. A oposição se fortalece e avança. Ao mesmo tempo, acrise econômica evidencia o total fracasso do regime autoritário. Emsetembro de 1982, o Brasil apresenta sua “rendição” à tutela do FMI. Emnovembro, a oposição consegue importantes vitórias nas primeiras eleiçõesdiretas para governadores desde o final dos anos sessenta.

    O processo de transição começa a escapar ao controle doregime militar. Em 1984, desencadeia-se a mais bela e expressiva campanhacívica de resistência da história do País: a luta pelo restabelecimento daseleições diretas para a Presidência da República. A maioria congressualsubserviente à ditadura, liderada por José Sarney, impede, porém, aaprovação da emenda constitucional das diretas, em votação realizada sob o

    cerco de tropas militares que ocupavam Brasília por força da decretação deMedidas de Emergência.Começa, então, a transição “transada” entre moderados da

    oposição e da situação, que resulta na composição da chapa TancredoNeves - José Sarney, vitoriosa no Colégio Eleitoral indireto em 15/1/85. Oprograma da frente vencedora, a Aliança Democrática, previa a convocaçãode uma Assembléia Constituinte, bandeira já desfraldada pelo MDB em 1973,quando lançou Ulysses Guimarães como “anticandidato” contra Geisel.

    8) O PROCESSO CONSTITUINTE DE 1987-1988 

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     - 28/6/85. O Presidente Sarney envia ao Congresso proposta de emendaconstitucional convocando um Congresso Constituinte. Os setoresdemocráticos da sociedade civil iniciam mobilização para que seja convocadauma Constituinte Exclusiva, integrada por deputados cujos mandatos

    deveriam findar com a promulgação da nova Constituição, de forma a permitira ulterior realização de eleições gerais.- 18/7/85. Sarney cria uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais,presidida por Afonso Arinos de Melo Franco, incumbida de elaborar um Anteprojeto de Constituição a ser oferecido pelo Executivo ao futuroCongresso Constituinte.- 27/11/85. O Congresso promulga a Emenda nº 26, convocando umaConstituinte Congressual a ser eleita, portanto, sob o sistema eleitoral viciadoda ditadura, reconhecendo-lhe, porém, poderes soberanos para a elaboraçãoda nova Constituição.- 18/9/86. A “Comissão Afonso Arinos” entrega a Sarney um texto muito mais

    progressista do que o esperado. Sarney trata de engavetá-lo: jamais oencaminhou oficialmente à Constituinte.- 15/11/86. Eleições para deputados e senadores constituintes, marcadaspela farsa do Plano Cruzado e pela negação de direito de resposta a líderesda oposição ofendidos durante o horário eleitoral.- 1/2/87. Instalação da Assembléia Nacional Constituinte (ANC). No diaseguinte, o deputado Ulysses Guimarães é eleito para a Presidência da ANC.- 24/3/87. Promulgado o Regimento Interno da ANC, prevendo a existênciade 24 Subcomissões e 8 Comissões temáticas, além de uma Comissão deSistematização. Em etapas sucessivas, subcomissões e comissões, semtomar por base qualquer texto prévio, elaborariam o Projeto de Constituição aser examinado pelo Plenário da ANC. O Regimento garantia a participaçãopopular, através da participação de representantes da sociedade nos debatesconstituintes em audiências públicas e da possibilidade de apresentação deemendas de iniciativa popular por 30 mil eleitores. 122 emendas popularesforam apresentadas, reunindo um total de mais de 12 milhões de assinaturas.

     Ao longo de 583 dias, a Constituinte realizou seus trabalhos,dando lugar a uma extraordinária mobilização de todos os setores dasociedade, inédita em nossa história. Enfrentou pressões do Presidente daRepública, dos ministros militares, dos grandes grupos econômicos e da

    imprensa conservadora. Sofreu alteração das regras do jogo por obra damaioria parlamentar conservadora, autodenominada de “Centrão”. Conviveucom lobistas e manifestantes, recebendo, em média, dez mil visitantes por diano Congresso Nacional. Apreciou 65.809 emendas. Teve sua dignidadedefendida pelo Presidente Ulysses Guimarães.

     Apesar das pressões contrárias exercidas pelos gruposoligárquicos, apesar da desvantagem numérica face ao Centrão, apesar dacampanha de difamação desenvolvida pela mídia conservadora, apesar detudo isto a minoria progressista, em aliança com setores organizados dasociedade, conseguiu engendrar um texto avançado, impregnado depreocupações com a justiça social e a ampliação da democracia, que reflete

    a grandeza e a pequenez, as virtudes e os defeitos do próprio País.

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      A Constituição de 5 de outubro de 1988, que completará agoraquinze anos, é um documento de compromisso entre os diversos fatoresreais de poder existentes no Brasil. Obra humana, padece de imperfeições,que são inúmeras e foram agravadas pelo excesso de emendas aprovadaspelo “rolo compressor” pilotado pelo ex-Presidente Fernando Henrique

    Cardoso entre 1995 e 2002. Não obstante os defeitos e mutilações, a“Constituição Cidadã” apresenta uma grande virtude, fundadora, esperamos,de um porvir mais digno para o povo brasileiro: o estabelecimento de umregime democrático e pluralista de respeito à cidadania, como fortalecimentode instrumentos de ação cidadã e a ampliação dos direitos da pessoahumana, especialmente os sociais.

     Ao estudá-la, devemos ter em mente o contexto em que foielaborada, o passado próximo e cruel face ao qual representa autêntico“acerto de contas” e, fundamentalmente, o fato de que, fortalecendo ademocracia e abolindo o uso da violência como arma política, cria ascondições para que seja aperfeiçoada a partir de métodos civilizados de

    disputa pelo poder.Já se disse que uma constituição é, acima de tudo, o que a

    sociedade, sobretudo os aplicadores do direito, faz com que ela seja. Istoimpõe, desde logo, aos futuros advogados públicos e privados, aosmagistrados, aos promotores, procuradores e defensores públicos, algunsdeveres elementares: conhecer a Constituição em sua integralidade; cultiv