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Teatro do Absurdo: da desconstrução da língua
à reconstrução do teatro
Felipe C. P. Navarro R.A.: 121031632 Isabela R. Rocchi R.A.: 121030547 Keytyane V. S. Medeiros R.A.: 121031081 Mariana A. Fernandes R.A.: 121033597 LP I – Língua e Literatura Prof. Dr. Marcelo Bulhões Jornalismo Diurno
Bauru
Maio - 2012
Índice Introdução .................................................................................................... 7 Contexto Histórico ....................................................................................... 23 História do Movimento ................................................................................. 0 O maior absurdo de todos: Samuel Beckett ................................................. 92 Estética e Linguagem .................................................................. 71 O gênio absurdo: Eugène Ionesco .............................................................. 10 Estética e Linguagem .................................................................. 39 Conclusão ................................................................................................... 29 Iconografia .................................................................................................. 74 Bibliografia .................................................................................................. 21
Introdução
“Todos nós nascemos loucos. Alguns permanecem.” Samuel Beckett
O Teatro do Absurdo surge ao fim da segunda guerra mundial, com o homem
perdido em um cenário desesperaçoso e caótico, que levou autores como Eugène
Ionesco e Samuel Beckett a criarem diferentes formas de representar esta nova
realidade, trazendo o caos do mundo para os palcos não apenas em sua temática,
como também em sua execução.
No início da década de 50 surgem as primeiras peças que definem o rumo
deste movimento, em 1948, “Esperando Godot” de Beckett mostra a angústia da
espera do inalcançável e, em 1950, “A Cantora Careca” de Ionesco critica a
futilidade e a repetição do cotidiano. Juntos, os dois dramaturgos representam
grande parte do que foi o espírito do absurdo.
O romeno Ionesco iniciou sua vida como dramaturgo com a peça “A Cantora
Careca”, que escreveu após refletir sobre seu livro de conversação em inglês, que
apresentava frases desconexas e sem sentido e a partir destas mostrou a
dificuldade na comunicação humana. Em “A Lição” perpetuou sua critica a educação
e aos padrões da língua. Sua obra culminou em “Os Rinocerontes” onde critica
ferozmente o totalitarismo e o conformismo. Ionesco trouxe muitas velhas
convenções teatrais para seu teatro e fez destas, parte integrante de sua concepção
de absurdo.
Entre os autores do absurdo Beckett é destaque, suas peças foram
provavelmente as mais absurdas. Em sua obra enfocou muito a desolação e o
abandono do homem, muitas vezes mostrando personagens á espera de algo ou
alguém, como em sua obra “Esperando Godot” que relata a espera sem fim de dois
vagabundos. Como muito do Teatro do Absurdo as peças de Beckett são
extremamente pessimistas, com personagens presas a um universo
irremediavelmente caótico.
Foi Martin Esslin em 1961 que cunhou o termo “Teatro do Absurdo” em sua
obra homônima. No ensaio o autor diferencia o absurdo de outros movimentos de
premissa semelhante, como o Surrealismo e o Dadaísmo, visto que, estes
7
movimentos, apesar de tratar da condição humana em suas obras, preocupavam-se
estritamente em mostrar a degradação pelo conteúdo ou apenas pela forma. Neste
ponto, o Teatro do Absurdo é pioneiro, em Beckett o autor desconstrói a linguagem
a fim de provar a incomunicabilidade do homem moderno, algo nunca antes feito em
tamanha escala.
81
Contexto Histórico
Apesar de não determinar a estrutura dos movimentos artísticos, as
transformações históricas, políticas e sociais inegavelmente influenciam o
comportamento dos indivíduos de uma determinada época ou sociedade. Na Europa
da primeira metade do século XX não foi diferente e o chamado Zeigeist era
desolador.
Ante a destruição causada pela Segunda Guerra Mundial, a valorização da
racionalidade humana começa enfim a ser
questionada, depois de séculos de reinado. A
proposição de que o ser humano não constitui
uma referência confiável para a interpretação
do mundo é difundida por toda a Europa e,
paralelamente a isso, observa-se a
decadência dos valores morais que até então
vigoravam no continente.
A modernidade é, portanto, uma época de insegurança generalizada. Não há
mais valores éticos que guiem a ação do homem e a sua capacidade de lidar com
as diferenças de forma equilibrada e racional tornou-se questionável ante os
destroços deixados pela guerra.
Como reflexo dessa ausência de valores difundidos pelas convenções
sociais, artistas como dramaturgos e literatos, não possuem referências culturais
que correspondam ao seu momento histórico. Portanto, cada autor conta com o
próprio estilo e repertório cultural para produzir suas obras. Estes reservatórios de
influência artística, no entanto, possivelmente foram construídos de maneira muito
mais dispersa e aleatória do que dos autores de séculos anteriores. Segundo o
filósofo e escritor brasileiro Gerd Bornheim, isso ocorre porque a arte
contemporânea, ao contrário da arte praticada em outros períodos, não possui uma
unidade de estilo, mas é composta por diversos individualismos autorais que cada
escritor ou dramaturgo expressa em sua obra.
Para compreender o impacto causado pelo surgimento do Teatro do Absurdo,
é importante destacar que o modelo de arte cênica praticada até então é
completamente oposto ao estilo moderno. Sob influência do pensamento do século
XIX, o teatro praticado no início dos anos de 1940 ainda estava preso aos moldes
realistas de representação. Nesse tipo de dramaturgia, a teatralidade é retirada do
23
palco e a realidade deve ser exposta tal como ocorre. Dessa forma, a atmosfera do
teatro fica mais densa e carregada de elementos obscuros, valoriza-se a
perfectibilidade do teatro e pretende-se uma arte infalível na reprodução da vida
cotidiana nos palcos.
Diante deste cenário histórico em declínio, a compreensão do homem entra
em crise. A fim de saná-la, diversos dramaturgos combatem a ilusão cênica de
representação realista do mundo e propõem a “reteatralização” do teatro. Essa
afronta direta ao realismo teatral instiga a criação de novas formas de concepção,
representação e utilização de elementos cênicos. Até mesmo a função do ator é
repensada, a fim de dar-lhe novas empreitadas artísticas, como a acrobacia, o canto
e a dança.
O dramaturgo Luigi Pirandello foi o pioneiro nesse
processo com a montagem da peça Seis personagens à
procura de um autor. Escrita em 1921, a obra já
apontava para os rumos do “renascimento” do verdadeiro
teatro europeu, pois o autor considera que a função vital
para a existência da personagem é justamente a de
“incorporar” o drama. Na opinião de Bornheim, é “com
Pirandello [que] a personagem começa a perder a
personalidade na dialética entre ser e parecer”.
Para dramaturgos como Eugène Ionesco e Luigi Pirandello, a experimentação
no uso das formas teatrais está estritamente ligada à realidade empírica vivenciada
pelo ser humano do que se pretende fazer no realismo até então proposto. Este é o
princípio da “anti-realidade” defendida por Ionesco e o seu teatro puro ao longo dos
anos de 1950. Sobre isso, o dramaturgo escreve no ensaio “Le Couer n’est pás sur
la Main” de 1959:
“Masson, o artesão, deixou em paz a realidade, porque não tentou recapturá-
la, e pensou apenas no ato de pintar; a realidade humana e seus elementos trágicos
se revelaram, por isso mesmo, corretamente e livremente. Assim, o que o Sr. Tynan
chama de anti-realidade tornou-se real, alguma coisa incomunicável se comunicou,
e ali também, por trás do aparente repúdio de toda realidade humana, concreta e
moral, o coração vivo e concreto da realidade ficou sempre escondido, enquanto, no
2
outro lado, com os antiformalistas, não ficaram mais do que formas ressequidas,
vazias, mortas” IONESCO, Eugène.
Uma das características do teatro realista é a consciência histórica do texto.
Busca-se coerência entre o período retratado no texto e no cenário, figurino e outros
elementos, de modo que a consciência temporal acompanha o texto em qualquer
período. O teatro do Absurdo destrói este preceito à medida que o tempo passa a
ser visto de forma externa à alma humana e de maneira não-linear.
Além disso, a ideia de causalidade e efeito, linearidade e continuidade
narrativa e a existência de um herói trágico são pontos obrigatórios do realismo de
teatro. No entanto, esses pontos inexistem no Absurdo. Apesar de parecer inusitado,
a crise do teatro mimético tem início no Romantismo, mas se aprofunda com a obra
de Brecht.
Bertolt Brecht recusa toda a tradição teatral que se prende à forma aristotélica
de representação. Recusa a harmonia, a coerência interna e a interdependência das
cenas. Além disso, o dramaturgo e diretor,fragmenta as unidades de espaço, tempo
e ação. Brecht, em atitude absolutamente à par de seu tempo compreende o homem
como “conjunto de todas as relações sociais”, recusando a personalidade e a
identidade do ser humano e das personagens.
Dessa forma, o teatro de Brecht antecede o
Absurdo, pois dá início à radicalização física e
conteudista das artes cênicas. Apesar de próximos à
medida que combatem o convencionalismo e propõem
novos usos das técnicas teatrais, a vertente do Absurdo e
a do Romantismo diferem em vários pontos, sendo que o
principal desses se dá na conclusão do pensamento
proposto. Enquanto o teatro romântico têm esperanças
de construir um mundo novo e sem convenções sociais,
o absurd drama é niilista e não almeja qualquer outra
alternativa ou solução para os problemas sociais.
As obras criadas a partir de 1940 têm então, um caráter inovador e
naturalmente, foram julgadas e analisadas sob a perspectiva da época que as
antecederam. Dessa forma, a denominação “Teatro do Absurdo” corresponde à
visão realista de mundo curiosamente fazendo um contraponto ao crescimento das
vanguardas artísticas da época. O Teatro do Absurdo vem se juntar às
manifestações pioneiras de outras artes, como a pintura (com o cubismo e o
121
abstracionismo) e a literatura (com ausência de perspectiva narrativa e o
existencialismo de Camus).
Essas peças têm formas diversas e variam a cada autor, no entanto, é
possível constatar que muitas delas não possuem enredo ou linearidade narrativa,
pois não apresentam o tradicional “começo, meio e fim” para os problemas
expostos. Estas obras sequer expõem explicitamente os problemas sociais e
psicológicos que os autores desejam apontar. Esperando Godot, de Samuel Beckett,
por exemplo, não deixa claro quem é Godot ou por qual razão deve-se esperá-lo. O
tema central do espetáculo é justamente a passagem do tempo, a espera e a
angústia que arremete quem sente as horas atravessando sua própria existência.
No entanto, esses problemas existencialistas não são, nem de longe, tangenciados
no texto de Beckett.
Outro ponto comum aos autores do Teatro do Absurdo é a desconstrução da
linguagem. A linguagem torna-se temática do movimento e é usada como chave
para realizar a crítica social pretendida pelos escritores. Há peças em que quase
não há falas e, no entanto, a ironia e o senso de humor são gritantes, como por
exemplo, na peça As cadeiras escrita em 1952 por Ionesco. Vários foram os autores
do absurdo. Entre eles estão Arthur Adamov, Jean Genet, Jean Tardieu, Harold
Pinter, Samuel Beckett e Eugène Ionesco.
Diante de um mundo estraçalhado pela
destruição e no qual os pontos de vista
passam por profundos processos de
reestruturação, o sentimento de angústia
existencial, abandono e incomunicabilidade
constituem as linhas que permeiam o
movimento que passou a ser chamado de
Teatro do Absurdo.
58
História do Movimento
Apesar de receber denominação e ser explicado por Martin Esslin em 1961, o
movimento do Teatro do Absurdo surgiu quase uma década antes. Com a criação
da peça Esperando Godot, em 1948, Samuel Beckett dá destaque e visibilidade a
este movimento que já tinha se iniciado em toda a Europa pós - Segunda Guerra
Mundial. A peça é inovadora, pois ao mostrar a espera das personagens revela ao
espectador a angústia existencial a que o homem moderno está sujeito.
Alguns autores são fundamentais para compreender este movimento, como por
exemplo, Eugène Ionesco (1909/12 – 1994), Arthur Adamov (1908-1970), Harold
Pinter (1930 – 2008), Fernado Arrabal (1932 - ) e o próprio Samuel Beckett (1906 –
1989).
Por sua essência pluralista, o Teatro do Absurdo possui diversas vertentes,
no entanto, duas merecem destaque especial, a de Ionesco e de Beckett, pois
retratam os pólos opostos nos quais se pode dividir as atenções no teatro, a forma e
a representação cênica e a angústia existencial do ser humano, respectivamente.
Em linhas gerais que permeiam os autores desta corrente de pensamento na
dramaturgia ocidental, há a valorização de antigas formas de teatralidade até então
esquecidas ou renegadas pelo teatro realista do século XX. Entre elas estão as
técnicas de mimese, a comédia dell’art e a tragicomédia ao estilo grego.
No entanto, não há apenas a revitalização de elementos do passado.
Movimentos artísticos de vanguarda também são incorporados às obras do absurdo
como o expressionismo, o senso de destruição dadaísta e o surrealismo. O Teatro
do Absurdo teve seu auge nos anos de 1950 e 1960, quando os principais autores
atingiram sua maturidade textual, trazendo a metafísica da angústia, da solidão e da
incomunicabilidade humana aos palcos. A geração beat também contribuiu para o
“declínio” deste movimento já que, em fins dos anos 60, uma série de valores éticos
é criticada e derrubada abertamente, em especial, em 1968.
Outras vertentes já haviam surgido e estavam ganhando autonomia já em
1962, quando surge o Teatro do Pânico, que misturava terror com humor e, ao
contrário do movimento que o precede, tem uma proposta diferente quanto à
historicidade prática e à memória social.
0
O maior absurdo de todos: Samuel Beckett
Dublin, 13 de abril de 1906. Numa sexta-feira 13, nasce um dos maiores
dramaturgos de todos os tempos: Samuel Beckett. Durante a infância, em suas
próprias palavras, “tinha pouco talento para a felicidade”.
Ao completar 14 anos, vai estudar no Portora
Royal School - um dos mais tradicionais internatos
irlandeses, frequentado também por Oscar Wilde -
onde foi um aluno brilhante. Após o colégio, ingressa
na Trinity College para estudar Artes, especializando-
se em Francês e Italiano. Beckett foi tão bem avaliado
na universidade que recebeu um convite para
ministrar aulas como professor convidado na École
Normale Supérieure, em Paris.
É neste período na capital francesa que conhece seu conterrâneo James
Joyce, autor do qual se torna muito próximo. Desta ligação, surge a maior influência
do dramaturgo. É possível notar reflexos da técnica joyceana dos fluxos de
consciências e alusões literárias por toda a obra de Beckett.
Em 1930 volta momentaneamente para Dublin, onde leciona francês por 2
anos na Trinity College. Após este período, decide abandonar a carreira acadêmica
e assumir-se somente como escritor, o que o leva de volta à Paris. Por pouco tempo
também, já que a morte de seu pai o faz voltar para sua terra natal em 1936.
Somente em 1938 acontece a ida definitiva para a cidade-luz. Neste fatídico
ano também ocorrem dois fatos muito importantes em sua vida: conhece sua futura
esposa Suzanne Deschevaux-Dusmenoil, com quem se casaria somente em 1961;
e é esfaqueado no peito por um desconhecido que, quando questionado sobre seus
motivos, diz a frase que aparece em muitos de seus textos: “Je ne sais pas,
Monsieur”.
Com o estouro da Segunda Guerra Mundial na década de 40, Beckett filia-se
à Resistência Francesa. No ano de 1942 é obrigado a fugir para a vila de
Roussileon, em Vichy, após ver seus companheiros serem presos e assassinados.
Passados três anos após a fuga para o interior, volta à Paris e dá inicio ao
período mais produtivo de sua carreira. Entre os anos de 1945 e 1950, o autor
escreve sete grandes obras, dentre estas “Esperando Godot” e “Malone Morre”.
92
A vida quase nômade levada pelo escritor se fez também presente em suas
obras, sendo possível identificar vários personagens viajantes e sós em seus
escritos.
Beckett torna-se então, um escritor completo,
abrangendo em seus textos diversas áreas da
literatura. Do romance ao cinema, passando pelo
rádio e pela TV, foram mais de 50 publicações do
autor. Foi está pluralidade que lhe rendeu, em 1969,
o Prêmio Nobel de Literatura.
Vinte anos depois de ser laureado com o
Nobel, Beckett morre vítima de um enfisema
pulmonar, sendo enterrado no cemitério de
Montparnasse, onde também estão Ionesco,
Baudelaire e Sartre.
Estética e Linguagem
“É absurdo pensar em algum valor
firme. São absurdas, são besteiras,
idiotices todas as histórias que dizem
17
mais do que o ‘eu’ que não tem
certeza de si mesmo e que logo se
extinguirá nas trevas.”
Samuel Beckett
Apesar de ter escrito obras para diversos meios de comunicação, foi no teatro
que Beckett mais se destacou. Afirmando o dever do artista em representar a sua
complexa experiência de maneira completa, suas peças desenvolvem-se a partir do
ciclo nascer-viver-sofrer-morrer, sendo permeadas de solidão moral, angústias, falta
de esperança, impossibilidade do tempo, morte, e apresentando o suicídio como
solução para todo o sofrimento.
Iniciada no período pós-guerra, quando todas as esperanças dos homens
tinham se esvaído, sua produção textual nega a construção tradicional da história,
desconstruindo o enredo e suas personagens a cada instante. Dentro da vertente do
Teatro do Absurdo, Beckett foi o dramaturgo que mais levou a sério a questão, não
abrindo mão de ser inusitado em nenhum instante.
O fracasso da guerra levou o homem a retroceder às dúvidas existenciais,
para desfazer suas ilusões e se redescobrir. Fazendo uso de uma linguagem
simples, porém significativa, Beckett tentou representar esse processo de
questionamento em suas obras.
O principal mecanismo explorado por Beckett para fugir do teatro
convencional foi a troca do tempo usual por um fictício que não passa. Em suas
peças é impossível saber quanto tempo se passou entre um acontecimento e outro,
assim como não se sabe se aquela situação ocorreu no passado, no presente ou no
futuro. Além da linha temporal, outro elemento do texto que sofre uma deteriorização
são as próprias personagens, que perdem sua continuidade e dissolvem-se durante
o processo de busca pelo qual passam. A procura é a chave dos textos de
Beckett. Todos buscam algo ou alguém que nos torne
completos, o que se reflete nos textos do autor, tanto nas
peças, como em “Esperando Godot”; quanto nos romances como, por exemplo,
“Murphy” e “Molloy”. Outra característica marcante dos textos de Beckett é a
dissolução de todos os seus elementos, chegando-se por fim ao nirvana.
A sua formação religiosa protestante também deixou fortes marcas em sua
produção, na forma de referências ao Antigo Testamento e citações de filósofos
71
como Santo Agostinho. Há também teorias de que Godot seria uma representação
de Deus, devido à semelhança do nome com o termo em inglês (God), hipóteses
que nunca foram confirmadas pelo autor.
Para extrair o máximo de seus textos teatrais, Beckett decidiu escrever em
francês, pois fazendo uso de uma língua estrangeira ele poderia encontrar a
disciplina de que precisava. O fato de não usar sua língua nativa, também garantia
que sua obra demonstrasse a luta que constante e a confrontação com o espírito da
língua, características do Teatro do Absurdo. No entanto, suas traduções para o
inglês conseguiam exprimir com perfeição as emoções e intenções do texto original.
A obra-prima de Beckett, “Esperando Godot”, foi também uma de suas
primeiras obras. A peça foi classificada por especialista em teatro como uma farsa
trágica devido pela presença de elemento circenses, como os chapéus com que os
personagens ‘brincam’ em algumas cenas.
Godot é um personagem misterioso, que nem se sabe se é real ou não. No
entanto, ele não é o assunto principal da peça, e sim a espera em si. O ato de
esperar é intrínseco ao homem, e é através dele que entramos em contato com o
fluxo do tempo em sua forma mais pura. O fato de esperarmos nos faz prestar
atenção na passagem do tempo, o que não é possível quando estamos em
atividade. O fluxo do tempo nos faz refletir sobre o problema básico da existência.
A peça é dividida em dois atos que são praticamente iguais, uma repetição da
monotonia, com pequenas variações, sem sentido ou fim. As diferenças estão na
ordem de entrada dos personagens secundários Lucky e Pozzo, e também em
algumas características destes mesmos personagens que se alteram. No primeiro
ato, Pozzo é rico e otimista e Lucky é seu servo submisso; já no segundo ato, Pozzo
se torna quase nada e fica cego, enquanto Lucky torna-se mudo.
“Esperando Godot” aborda a eternidade humana como sem movimento,
coagulada, e é impossível saber quanto tempo se passou exatamente. Um dia? Um
ano? Cinqüenta anos? O enredo da peça é a falta de enredo da vida.
Além disso, explora-se o sentido da vida, em trechos de
grande beleza poética, como o fragmento à seguir, que
representa a efemeridade da existência: “[...]as mães vão
parindo os filhos montadas sobre o sepulcro. O dia resplandece um instante e
depois, de novo, a morte. Montadas sobre o túmulo, um parto difícil. Do fundo do
sepulcro o coveiro assesta o fórceps, como se sonhasse.”
24
As personagens principais da peça são Vladimir e Estragon, que se tratam
carinhosamente de Didi e Gogô, e são complementares. Vladimir é o prático e
racional da dupla, enquanto Estragon tem personalidade infantil. A espera a que as
personagens são impostas é tão dura, que de início os dois consideram a
possibilidade do suicídio, porém falham em suas tentativas.
Em sua obra-prima, Beckett não abandona o enredo, mas desconstrói a
estrutura clássica teatral. A reflexão à que o publico é levado pelo texto é a
responsável por prender a atenção e manter todos curiosos. Entretanto, ao final, não
se chega a nenhuma resposta, visto que a espera não se encerra. Não se pode
buscar um sentido único e claro, pois isto seria anular o próprio absurdo da peça; só
é possível captar a angústia do homem durante sua espera por algo que ele nem
sabe ao certo o que é.
O que podemos perceber nos textos de Beckett é que sua natureza é muito
mais profunda do que a mera representação das experiências do autor. O sucesso
alcançado por essas peças deve-se ao fato de elas explorarem os temores mais
profundos e as angústias que até então só haviam sido experimentados de maneira
semiconsciente, significando a libertação do homem do conteúdo de sua mente.
Em muitas situações, a sugestão substitui a ação propriamente dita, visto que
para o Teatro do Absurdo o ato de sugerir é mais poderoso do que o símbolo
manifesto da ação.
Beckett preocupa-se em explorar as situações até seu âmago, exaurindo-as
de suas individualidades e particularidades, importando-se somente com sua
essência.
A principal limitação com que lida o autor é a insuficiência da linguagem. Em
seus textos, Beckett expressa a desintegração da língua. A maneira encontrada
para superar esse obstáculo imposto pelas palavras é a uma utilização mais
complexa do palco.
Samuel Beckett busca, através do teatro, nomear o inominável, revelando
uma realidade que vai além de nossa concepção. O seu absurdo é, em suas
próprias palavras, a resposta “à grotesca falácia da arte realista – ‘esse
miserável depoimento de linha de superfície’ e à mesquinha
vulgaridade de uma literatura de anotações”. 51
285
O gênio absurdo: Eugène Ionesco
“Para que fingir, também no palco, se fingimos todos, diariamente? Se a
própria vida é um fingimento da natureza cuja única verdade é a morte?”.
Desacredita-se, mas a autoria dessa frase vem de um dos maiores escritores da
dramaturgia teatral, Eugène Ionesco.
Nascido em Stalatina, Romênia, em 26
de novembro de 1909/1912 (a maioria das
fontes indica seu nascimento em 1912), filho
de pai romeno e mãe francesa, adotara a
França como sua pátria, após ter-se mudado
para lá ainda bebê com sua família. Em 1925,
volta para sua cidade natal somente com seu
pai, após a separação de seus pais. Entre os
anos de 1928 e 1933, na Romênia, Eugène
ingressou na Universidade de Bucareste, onde
cursou licenciatura em língua francesa e conheceu a estudante de filosofia, Radica
Burileno, com quem se casou em 1936, e em 1944 teve uma filha, já em Paris. Dois
anos mais tarde, recebeu uma bolsa de estudos do governo romeno para escrever
sua tese sobre: “Pecado e Morte na Poesia Francesa desde Boudelaire”, que, aliás,
nunca foi concluída.
Ionesco começou a escrever após a Segunda Guerra Mundial, descontente
com sua vida doméstica e financeira, acreditava que sua insatisfação seria resolvida
caso ocupasse suas horas de lazer em aprender coisas que julgava fossem úteis
como o inglês. Passou então a ler manuais de conversação no idioma. Segundo ele,
eram frases irritantes e incompreensíveis. Sua frustração ao ler os manuais serviu
como base para seu primeiro texto, “Inglês sem Dor” (“Anglais Sains Peine”), que
por consequência foi base para sua primeira peça teatral, “A Cantora Careca” (“La
Cantarice Chauve”), escrita no ano de 1948 e com estreia no ano de 1950.
As peças que se sucederam e foram de grande importância para o século XX
foram, A Lição, apresentada pela primeira vez em 1953, que relata sobre o poder do
professor de lecionar, onde a aluna é dominada pelo professor e desenvolve uma
estranha e repentina dor de dente. O professor indignado com o não aprendizado da
aluna, resolve matá-la a facadas, fazendo dela sua quadragésima vítima. O absurdo
é abordado pelo autor na forma como o professor leciona.
10
As Cadeiras foi sua obra seguinte, com estreia em 1952, conta a rotina
monótona de um casal de idosos, que passa a misturar o imaginário com realidade a
partir do momento em que o homem resolve fazer uma celebração com vários
convidados, porém todos imaginários. A sala passa a ficar cheia de cadeiras vazias,
e o casal conversa como se houvessem muitos convidados. Ao final da peça
aparece um narrador que pretende passar uma mensagem que o homem idoso quis
passar desde o início da peça, porém o narrador é mudo, os idosos se suicidam e a
mensagem não é passada. A sala vazia, a conversa com pessoas imaginárias, o
narrador mudo, exemplificam a incomunicabilidade frequentemente abordada por
Ionesco.
Sua última peça de grande importância foi O Rinoceronte, escrita em 1960,
que segue uma linha de absurdo diferente de suas primeiras peças. Ainda crítica,
porém menos radicalmente absurda, atinge o público de forma mais leve, menos
explicitamente do que, por exemplo, em A Cantora Careca. O autor dramatiza na
peça seu sentimento da época em que seus conhecidos aderiram ao fascismo.
Onde, na peça, seus colegas teriam sido atingidos por uma “rinoncerite”, e se
transformado em rinocerontes, e os únicos salvos desse ataque foram Bérenguer e
Daisy, personagens principais da peça.
Após O Rinoceronte, Ionesco ainda teria
escrito mais de dez peças teatrais, mas de pouca
importância, pois seu auge no absurdo se
concentrou entre as décadas de 50 e 60. Este foi
um dos mais importantes e inovadores autores do
século XX, sendo singular na forma de crítica e
tratamento com o público.
Eugène Ionesco morre em 28 de março de 1994, aos 81 anos, em sua casa
em Paris. Seu corpo fora enterrado no cemitério de Montparnasse, o mesmo de
outro gênio da dramaturgia absurda, Samuel Beckett.
66
Estética e Linguagem
“O teatro não pode ser épico... porque é dramático”
IONESCO, Eugène.
Num mundo sem perspectivas, amoral e destruído pela Segunda Guerra
Mundial, surge o Teatro do Absurdo. Sucintamente, o movimento busca retratar no
palco os estragos deixados pelo mundo moderno na construção da identidade do
indivíduo. A modernidade mecanizou o ser humano, tornando-o um propagador
automático de slogans e frases feitas. No século XX, esses clichês não passavam
de formas para preencher espaços vazios de significado nas convenções sociais a
que o homem moderno esta submetido. Há diversos autores que merecem destaque
nesta vertente artística, no entanto, nos prenderemos aqui ao romeno que foi
naturalizado francês, Eugène Ionesco.
As sociedades utilizam-se da linguagem como ferramenta para manifestar e
perpetuar de seus valores éticos, morais e culturais. No entanto, para Ionesco, a
sociedade constitui uma das barreiras capazes de atrapalhar a existência do próprio
ser humano. Em suas peças, o dramaturgo quase sempre leva a linguagem ao
estresse máximo, conduzindo cenas em que a ação das personagens contradiz o
significado de suas falas. Ionesco inicia assim, uma série de ataques aos
sustentáculos da sociedade moderna.
Em grande parte das peças de Ionesco, a preocupação com a condição
niilista da existência humana em face à sociedade mecanizada se faz presente.
Para ele, “a condição humana é que orienta a condição social e não vice-versa.”. Ao
defender esse argumento, Ionesco vai de encontro à teoria de Marx, muito embora
ainda critique sistematicamente o modelo social ao qual estamos expostos. George
Devine, diretor artístico do Royal Court Theatre da Inglaterra, assinala que “a
estrutura dessas peças é conscientemente social, mas o seu âmago é humano”.
A crítica social, nas obras de Ionesco, se dá à medida que a moderna
sociedade industrial "produz" indivíduos sem profundidade psicológica ou sem
traços que os identifique. Em A Cantora Careca esta característica é perceptível
39
longo de todo o drama, em especial, no momento em que o casal Smith dialoga
sobre a morte de Bobby Watson. Bobby Watson seria o marido de uma senhora que
também se chama Bobby Watson, cujos filhos também receberam o mesmo nome.
Essa repetição de nomes ocorre ao longo da cena, visando deixar claro que na
árvore genealógica de ambas as famílias Watson, todos têm o mesmo nome, o
mesmo emprego e a mesma fisionomia, a ponto da distinção entre pessoas de
sexos diferentes ser mais difícil do que o habitual.
O que é visto durante toda a peça são as batidas do relógio marcando as
cenas de forma muito intensa e repetitiva, fazendo uma composição da cena e
quebrando os diálogos das personagens, os silêncios, indicando a efemeridade do
tempo e a despreocupação da sociedade com a sua passagem. O relógio funciona
como um termômetro de nervosismo, agressividade das cenas. Nos momentos mais
tensos, ele bate alto e de forma mais rápida, nas cenas mais monótonas, ele toca
baixo, como se fosse um som ambiente compondo o cenário. Como na cena VII,
que se compõe da seguinte forma: “[Sr. e Sra Smith sentam em frente aos
convidados. O relógio bate subliminar à conversação, mais ou menos forte, de
acordo com o caso. (...)]”. Na própria cena ele diz como o relógio deve soar em cada
caso, de acordo com a monotonia da cena.
Outro aspecto que evidencia a automação do homem moderno é o uso de
recursos visando desconectar a linguagem do texto teatral da ação cênica, nos
quais a intenção do autor é justamente promover momentos de surpresa e
incompreensão na plateia. Caso típico ocorre também na obra A Cantora Careca,
quando o chefe dos bombeiros afirma que não irá se sentar, ao ser convidado para
adentrar à casa dos Smiths, mas vai retirar o chapéu oficial. No entanto, em cena
ocorre que o capitão se senta sem tirar o acessório da cabeça e nenhuma das
personagens nota a contradição. A cena evidencia como a ação automática está
impregnada nas almas dos cidadãos da pequena burguesia que formam a plateia.
Ao criar peças e colocar nelas os clichês e bordões sociais, Ionesco acredita
que dessa maneira está combatendo a linguagem usual da sociedade em que vive.
Segundo ele, o recurso constitui uma tentativa de "renovar a linguagem, renovar o
conceito" e provocar mudanças reais no pensamento da plateia escassa.
Os conceitos de anti-teatro e anti-realidade que tantos críticos atribuem à
obra de Ionesco decorrem de um mesmo ponto: a concepção de teatro na visão do
autor romeno. Eugène pretende a radicalização do teatro tradicional e aristotélico,
propõe um teatro no qual a totalidade da condição humana transpareça
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completamente para o público. O dramaturgo enxerga o indivíduo como uma
realidade capaz de atravessar a própria iminência histórica e que alcança a
transcendentalidade da alma do ser humano.
O teatro defendido por Ionesco é, portanto, o teatro verdadeiro, no qual o
drama humano se expõe livremente, longe de ideologias, política, literatura ou
qualquer outro elemento que prenda e limite a análise do ser humano à historicidade
prática do tempo. Na interpretação do dramaturgo romeno, a missão do teatro é
atravessar o momento histórico e penetrar na trans-historicidade da realidade
humana. O teatro, enquanto arte “pura” deve medir-se no homem como causa e
razão última dos acontecimentos, ajudando a construir verdades universais.
Através desse aprofundamento na alma humana, o teatro ionesquiano revela
seu anseio por encontrar uma linguagem característica. Ao delimitar seus próprios
contornos, o Absurd Drama de Ionesco permite que o público seja capaz de
compreender melhor a dimensão humana tal como foi planejada pelo autor.
Chamam-se de anti-peça ou “pseudodrama” as obras publicadas e que propõem
novas formas de utilização dos elementos cênicos nas apresentações.
Para o dramaturgo, o teatro de vanguarda não deve se ocupar com a
invenção de elementos cênicos ou em criar novas formas de uso, mas deve
redescobrir as formas permanentes do teatro. A experimentação do cenário, do
texto, da própria interpretação do ator está mais estritamente ligada à realidade
humana do que as obras do teatro realista pretendiam à época. Sobre isso, Ionesco
escreve e explica como elaborou sua característica linguagem teatral:
“Tentei exteriorizar a ansiedade de meus personagens em objetos, fazer os
cenários falarem; traduzir a ação em termos visuais; projetar imagens visíveis de
medo, tristeza, remorso, alienação; jogar com as palavras”.
Na peça O novo inquilino, de 1955, o uso verdadeiramente inovador do
cenário e dos objetos já indica que a redescoberta destes recursos serviu de apoio
para a temática central da obra, a incomunicabilidade do ser humano. Um senhor, já
de terceira idade, adentra num quarto vazio que está sendo preenchido com a
mobília de um novo inquilino. As malas, que a princípio eram trazidas por dois
carregadores, depois de algum tempo começam a entrar sozinhas e a mobília se
acumula sobre o senhor de idade. Ao fim da peça, há incontáveis móveis soterrando
o homem, o público é informado de que o tráfego em toda Paris está paralisado e ao
fim da peça, sequer os espectadores chegam a ver o inquilino causador de tamanha
desordem.
9
Apesar de extremamente simples, a peça demonstra como o reencontro com
teatro puro proposto por Ionesco é realizado com sucesso. Não há enredo na peça,
quase não há diálogos e também não existem conflitos e, no entanto, o clima de
ansiedade e suspense ao longo da peça é palpável. Essa sensação é causada,
basicamente, pelo número excessivo de mobílias e por seu acúmulo cada vez mais
veloz e mal distribuído pelo palco.
Além disso, O novo Inquilino, bem como As Cadeiras e outras peças, retratam
a problemática da incomunicabilidade do ser humano. Mais do que seres
mecanizados, a linguagem, na obra de Ionesco deixa em evidência a condição
humana. Ionesco chega mesmo a afirmar sobre A Cantora Careca que “os Smiths e
os Martins não conseguem mais falar porque não conseguem mais pensar e não
conseguem mais pensar porque nada mais os comove, porque não podem mais
sentir paixão. Não podem mais existir; podem “virar” qualquer pessoa, qualquer
coisa, pois ao perderem a identidade assumiram a identidade dos outros”.
Para o dramaturgo, as palavras não transmitem sentidos ou significados, são
como espécies de “caixotes vazios” que simplesmente transportam símbolos
convencionados de um interlocutor ao outro, sem levar consigo as associações
pessoais que cada indivíduo faz de acordo com a palavra que pronuncia. Dessa
forma, a comunicação entre humanos é fadada ao fracasso. Essa dificuldade de
compreensão interpessoal é o tema central do espetáculo A Lição, de 1951.
Diferentemente das peças encenadas até então, A Lição possui um enredo,
diálogos – muito embora sem nexo – e personagens em conflito. Durante uma aula
no qual diversos conteúdos acadêmicos são ministrados de forma aleatória, o
professor não consegue manter a atenção de sua aluna, que a cada instante
entende menos do assunto e reclama mais de uma dor de dente incessante. A dor,
segundo alguns críticos, representaria a incapacidade de expressão que provém da
jovem estudante. No decorrer da cena, o professor – que detém o poder de atribuir
significado às palavras – aumenta a sua influência sobre a aluna, chegando a
intimidá-la, estuprá-la e por fim, esfaqueá-la. A linguagem é então, mostrada como
instrumento de poder e dominação. A cerca da incomunicabilidade, Ionesco diz
ainda:
“Masson, o artesão, deixou em paz a realidade, porque não tentou recapturá-la, e
pensou apenas no ato de pintar; a realidade humana e seus elementos trágicos se
revelaram, por isso mesmo, corretamente e livremente. [...] O que os críticos
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chamam de anti-realidade tornou-se real porque algo incomunicável se comunicou.”
O escritor estava preocupado em traduzir em linguagem teatral – leia-se
teatro “puro” – sensações e experiências que são impossíveis de exprimir a outro
ser humano. Quando a linguagem convencional no teatro falha ao exprimir essa
vivência, assumem-se atitudes e comportamentos que despertem essas sensações
de forma direta e violenta no espectador. Dessa maneira, a última cena de obras
como A Cantora Careca, A Lição, Jacques, o submisso e O assassino sem
recompensa buscam, antes de tudo, provocar desconforto, constrangimento e mal–
estar na plateia, de modo que esta se enxergue, guardada as devidas proporções do
exagero, representada no palco ionesquiano.
Nota-se no teatro de Ionesco um paradoxo que permeia todas as suas obras:
a aparência, como expressão das convenções sociais, está em contraponto com a
introspecção das personagens. Apesar de dialogarem, o excesso de clichês e
chavões sociais demonstra a incapacidade de comunicação do ser humano,
sufocando-o numa realidade na qual o vazio existencial e a angústia predominam.
Para o escritor romeno, “absurdo é algo que não tem meta, o homem, desarraigado
de suas raízes religiosas, metafísicas ou transcendentes está perdido.” Esta
afirmação elucida a evanescência que, em linhas gerais, caracteriza o movimento do
Teatro do Absurdo.
Além destes temas recorrentes, há outro que se manifesta nas peças de
forma sutil, mas que contribui enormemente para o efeito de “absurdo” das obras. A
circularidade das situações retratadas nas obras indica que, para Ionesco, a
condição humana não tem escapatória, como ocorre em A Cantora Careca, A lição e
até mesmo Jacques, o submisso, que acaba cedendo às pressões sociais por um
casamento arranjado com uma noiva que não lhe agrada e assim, acaba por repetir
em sua vida a trajetória de sua família.
Em sua busca pela autonomia do teatro puro, Ionesco funde o trágico e o
cômico, como é perceptível em suas primeiras obras, seja A Lição, A Cantora
Careca ou Vítimas do dever. Apesar de tratar de temas trágicos para a existência
humana, estas obras inevitavelmente despertam o riso em seus espectadores. O
autor alega que nunca conseguiu distinguir muito bem um gênero do outro, pois,
diante da representação trágica, observa-se que “a impotência humana, a inutilidade
de nossos esforços, também podem, em certo sentido, parecer cômicas” diante da
insignificância do homem ante a ordem social estabelecida e que, portanto, é capaz
de vencê-lo facilmente.
312
No entanto, com o passar dos anos, a criação de Ionesco sofre uma profunda
transformação, a começar pela peça Tuer Sans Gages (O assassino sem
recompensa), de 1957. A obra têm três atos e mostra-nos a história de um homem
simplório, desajeitado, chaplinesco e que atende por Bérenger. O herói visita uma
cidadezinha onde tudo parece perfeito e “normal” e conhece uma jovem quase
perfeita pela qual se apaixona. No segundo ato, Bérenger encontra Edouard, um
outro visitante que lhe conta notícias de um assassino que está à solta pela cidade.
Ao se dirigirem para a delegacia de polícia, ambos os jovens passam por um
comício político no qual uma mulher faz promessas mentirosas para o público que a
ouve. No discurso, os valores de democracia e revolução são manipulados de tal
forma que ganham ares de totalitarismo e autoritarismo político. A mulher
representa, segundo alguns críticos, o ponto de vista político oposto ao do próprio
Ionesco.
No ato seguinte, Bérenger está só e o cenário se altera à sua volta, conforme
a personagem caminha pelo palco. Surpreendentemente, Bérenger encontra o
assassino e tenta convencê-lo a não matar mais pessoas inocentes por simples bel-
prazer. O herói utiliza todos os recursos humanitários, moralistas e egocêntricos
possíveis para fazê-lo mudar de ideia, no entanto, em determinado ponto da cena, o
próprio Bérenger não é capaz de encontrar justificativas para evitar o assassinato
daquelas pessoas. Bérenger passa por algum tipo de deslumbramento que o
permite observar a insignificância da vida e da existência humana diante da
iminência da morte.
Assim como foi dito anteriormente, há nesta peça, elementos que são
novidade na obra ionesquiana. O Assassino sem recompensa é uma peça
relativamente longa, traz um enredo, não há circularidade de cena, sendo que o
absurdo da condição humana se dá apenas no fim do espetáculo, com a inversão de
valores sofrida por Bérenger, De qualquer forma, deve-se frisar na “perda” da
temática absurda e violenta a partir desta peça de Ionesco. Cada peça de Ionesco
até então, trazia consigo um aumento linear na progressão de cenas,
acontecimentos e falas. A aceleração e a intensidade com que os quadros e
personagens se conectam à particularidade de cada cena constitui um processo de
agressão ao público, forçando-o a observar atentamente a peça, e logo em seguida
digeri-la.
Esse aumento progressivo de cenas, cadeiras e mobílias não pode e nem
deve ser confundido com o clímax tradicional do teatro aristotélico e realista.
14
O clímax pressupõe a solução de um problema anteriormente proposto enquanto
que a progressão de Ionesco só aumenta a atmosfera sufocante da cena.
O auge da “nova” fase do dramaturgo se dá na encenação de O Rinoceronte,
de 1958. Novamente, o protagonista chama-se Bérenger, no entanto, não
necessariamente trata-se da mesma personagem de Tuer Sans Gages, já que esta
é menos sombria e mais poética do que a apresentada no ano anterior. Bérenger
está num bar com os amigos e vê um rinoceronte passar, e então vê outros na
sequência. No decorrer daquela cena, todos os indivíduos da cidade transformam-se
em rinocerontes, incluindo seus amigos. Muito bravamente, Bérenger afirma que
não capitulará e, no entanto, ao final da peça, lamenta-se sofrivelmente por ter pele
fina e clara e não ser como os outros rinocerontes verdes do mundo.
Muito se falou sobre uma possível proximidade da peça com uma situação
particular da vida de Ionesco. A tese não poderia ser totalemnte refutada já que o
próprio autor chega a afirmar que “o teatro é a projeção, para o palco, do mundo
interior”. Em plenos anos de 1940, na Romênia, muitos de seus amigos aderiram ao
fascismo, tomados por esta “corrente de opinião pública” que varria a Europa da
época. Ionesco conta que tornou-se testemunha de verdadeiras “mutações
espirituais”, que fizeram com que pessoas próximas a ele, tornassem-se
desconhecidos, animais que carregam em si a inocência e a crueldade dos
rinocerontes.
O objetivo da peça, no entanto, não é atacar o totalitarismo do governo
fascista, a obra trata de aspectos do comportamento e da alma humana. Trata-se de
uma crítica ao conformismo, ao oportunismo e à adesão das pessoas à essas
correntes de pensamento que vigoram a cada época. Ao fazer isso, Ionesco está
muito mais defendendo a transcendentalidade do homem, tal como fez em toda a
sua dramaturgia quanto explicitando o conceito de que “reduzir o ser humano à sua
historicidade é tratá-lo com superficialidade”.
A partir de Tuer Sans Gages e de O Rinoceronte, o teatro de Ionesco
permaneceu de igual qualidade e persuasão, no entanto, perdeu parte de seu efeito
combativo ao teatro realista. Em parte, isso se deve, ironicamente, à passagem do
tempo e à mudança do contexto histórico no qual Eugène Ionesco estava imerso. Na
primeira metade do século, o teatro de vanguarda ainda era um escândalo no
mundo das artes, já no final dos anos de 1980 e início da década seguinte, diversas
transformações ocorreram e estas, inevitavelmente, resvalaram na sua visão de
mundo e como consequência, em suas peças.
507
Resta dizer que, ao mostrar o absurdo de sua própria situação ao homem,
Ionesco liberta o ser humano de sua árdua função investigativa e possibilita que,
logo após a percepção de sua condição, o homem possa procurar uma saída para
sua incomunicabilidade da alma.
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Conclusão
A partir da análise de dois dos principais autores do Teatro do Absurdo e do
próprio movimento foi possível chegar à conclusão básica de que, ambos os
escritores pretendiam com criticar a sociedade na qual estavam inseridos e também
os hábitos que a compunham. No entanto, em nenhuma das obras os dramaturgos
chegam estabelecer alguma solução para os problemas que apresentam ou sequer
indicam uma saída para a condição do homem embora deixem implícito que ela
existe.
O movimento em si fora inovador por conta de sua intervenção e crítica social,
pela forma como procurou atingir o público, agredindo-o e causando-lhe impacto ao
chamar a atenção para costumes e valores antes adotados e absurdamente aceitos
sem objeções. Apesar de não indicar soluções, não se pode afirmar que o
movimento foi totalmente falho, pois o próprio momento histórico que viviam – e que
tanto atacavam – estava impregnado de niilismo e desesperança.
Se por um lado Eugène Ionesco procurava desconstruir a palavra, dando
ênfase na incomunicabilidade do homem e na redescoberta do espetáculo teatral,
Samuel Beckett desconstruía a linguagem em toda a sua função linguística e
semântica, alegando que a palavra não era o suficiente para expressar tudo que era
necessário ao indivíduo.
O Teatro do Absurdo surge então como resultado de um mundo em declínio e
vem atestar à sociedade sua enorme hipocrisia, falta de sensibilidade e
conformismo.
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Iconografia
Figura 1 – Ilustração Samuel Beckett Figura 2 – As Cadeiras de Eugène Ionesco
Figura 3 – O Rinoceronte de Ionesco Figura 4 – As Cadeiras de Ionesco
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Figura 4 – Vítimas do Dever de Eugène Ionesco
Figura 5 – Esperando Godot de Samuel Beckett
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Bibliografia
Livros
MALGADI, Sábato. O texto no Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008. (Estudos.
3ª edição – 1ª reimpressão)
ESSLIN, Martin. O teatro do Absurdo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1961.
(Traduzido da 3ª impressão, de 1966, por Bárbara Heliodora)
BORNHEIM, Gerd A.. O sentido e a Máscara. São Paulo: Perspectiva, 1969.
(Debates/Teatro. 2º edição)
ROSENFELD, Anatol. A Arte do Teatro: aulas de Anatol Rosenfeld. São
Paulo: Publifolha, 2009. (1ª edição)
BERRETINI, Célia. Samuel Beckett: escritor plural. São Paulo: Perspectiva,
2005.
JANVIER, Ludovic. Beckett. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988. Tradução: Léo
Schlafman.
BECKETT, Samuel. Esperando Godot.
IONESCO, Eugène. O Rinoceronte.
IONESCO, Eugène. A Cantora Careca.
Da internet
http://www.pergamum.udesc.br/dados-bu/000000/000000000006/000006B4.pdf http://www.artelatino.com/articulos/Ionesco.asp http://www.grupoescolar.com/pesquisa/eugene-ionesco-1909--1994.html
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