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O ensaio em tela examina algumas das conseqüências, para o campo doJornalismo, dos modelos de conformação estrutural e de inserção internacional adotados pelauniversidade brasileira, bem como de sua influência na deflagração dos processos de difusãode temas e de adoção de referenciais teóricos e sistemas valorativos que ensejam. Sãoanalisadas as condições objetivas que, sob o signo polissêmico da globalização, moldam eestimulam tal dinâmica transcultural, sua naturalização e seus efeitos.
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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111 São Luís - MA, Jan/Dez de 2009 - Ano XIX - Nº 5 – Vol. II
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TÉCNICA, CULTURA E IMPERIALISMO ACADÊMICO: GLOBALIZAÇÃO E O CAMPO DO JORNALISMO NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA
Maurício Caleiro é jornalista e cineasta. É doutorando e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Bolsista do CNPq, possui também M. A. em Film Studies pela University of Iowa (EUA).
E-mail: [email protected]
RESUMO: O ensaio em tela examina algumas das conseqüências, para o campo do
Jornalismo, dos modelos de conformação estrutural e de inserção internacional adotados pela
universidade brasileira, bem como de sua influência na deflagração dos processos de difusão
de temas e de adoção de referenciais teóricos e sistemas valorativos que ensejam. São
analisadas as condições objetivas que, sob o signo polissêmico da globalização, moldam e
estimulam tal dinâmica transcultural, sua naturalização e seus efeitos.
PALAVRAS-CHAVE: Universidade brasileira; jornalismo; globalização; imperialismo
academic.
ABSTRACT: This essay analyses how Journalism as an academic field has been influenced
by structuring academic models imported from the United States and uncritically adapted to
the routines of the Brazilian universities. It examines how it has been affected the processes of
choosing themes and theoretical frames, as well as the academic evaluation systems. A
particular attention is paid to the objective conditions in which such operation, deeply
imbricated with the polysemic sign of globalization, is carried out: its transcultural dynamics,
its indulgent academic imperialism, its effects.
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KEYWORDS: Brazilian university; journalism; globalization; academic imperialism.
1. Introdução: a questão idiomática
A universidade pública brasileira tem sido, a despeito de todas as dificuldades
econômicas e vicissitudes, um espaço de debate democrático, de formação de cidadania e de
produção de conhecimento de alto nível, um dos poucos bastiões de vida inteligente em um
país no qual o nível do debate cultural público encontra-se há tempos em grave crise.
No entanto, o modelo estrutural adotado para o gerenciamento da universidade no
Brasil - baseado em quantificação sistemática e qualificação “ranqueada” da produção
acadêmica - tem sido importado e disseminado de forma acrítica, aí incluídos os critérios
valorativos que regem tal ranking e a indistinção com que vêm sendo aplicados - seja,
digamos, em relação a um mestrado em Biofísica ou a um doutorado em Comunicação.
Na raiz da questão encontra-se a intrincada questão idiomática, que, como
demonstrado por vários autores (HOLBOROW, 1999; PENNYCOOK, 1994; PHILLIPSON,
1992; SONNTAG, 2003, entre outros), desempenha papel fundamental na presente
hegemonia acadêmico-cultural norte-americana. Assim, o emprego do inglês como língua
franca é tema essencial ao debate e, como veremos nesta seção do artigo, não apenas devido a
implicações exclusivamente linguísticas.
Estima-se que metade da população mundial terá algum grau de fluência no idioma até
2015 (CRYSTAL, 1997, p. 25). Como sugerem Barbara Seidlhofer e Jennifer Jenkin em seu
estudo empírico do emprego da língua inglesa por não-nativos (2003), a crescente
interlocução destes entre si e com nativos tem produzido adaptações e modificações no uso
prático do idioma (algumas delas tendo sido incorporadas à nomenclatura oficial), num
processo dinâmico e não-passivo. Na academia, a exigência de absoluta correção gramatical e
do emprego canônico da sintaxe não apenas reduz drasticamente tal dinâmica adaptativa
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como significa a manutenção de um sistema hierárquico que privilegia os pesquisadores que
têm o idioma inglês como primeira língua, pois estes, naturalmente e com raras exceções, o
dominam de uma forma dificilmente alcançável para a maioria dos não-nativos. Tal estado de
coisas é particularmente deletério em campos ligados às Humanidades (aí incluídas as
Ciências Sociais Aplicadas), como Jornalismo, nos quais a qualidade do texto é quesito
essencial. Some-se a essa distorção – que produz graves assimetrias em âmbito internacional
– os efeitos da supervalorização, pelos rankings acadêmicos vigentes no Brasil (mas não só
aqui), da publicação de artigos em periódicos acadêmicos internacionais, que tendem, pela
própria constituição média do corpo de avaliadores - em ampla maioria ligados a instituições
euro-americanas - a privilegiar um restrito arco teórico em voga em tais centros universitários
em detrimento de teorias originárias ou majoritariamente difundidas em outras partes do
globo. Com tal conformação, que estimula temas e objetos de estudo internacionalmente
reconhecíveis, a tendência, em longo prazo, é que o modelo acabe por impor uma agenda
importada também no âmbito dos cânones teóricos, o que, por conseguinte, acabaria por
afetar a oferta temática de disciplinas e a escolha de temas para pesquisas.
Compreende-se que a necessidade de integração e de diálogo acadêmicos em âmbito
internacional dê-se em inglês – uma realidade que deve ser atribuída não apenas ao fato de se
tratar do idioma mais falado do mundo, mas como decorrência do poder que emana da
posição proeminente ocupada pelas universidades anglo-americanas no cenário internacional.
Tal entendimento, no entanto, não deveria significar aceitação acrítica de tal modelo, como
parece ser o caso no Brasil. Por exemplo, é preocupante a proliferação de publicações
acadêmicas que, no afã de alcançarem projeção internacional (e o que isso provoca em
termos de reconhecimento interno em um país de mentalidade colonizada), são publicadas
unicamente em inglês, quando o protocolo básico da soberania acadêmica pediria ao menos
que a edição fosse bilíngue.
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Como sugere Peter Ives (2006), referindo-se ao âmbito internacional, o relativamente
baixo interesse acadêmico pelo debate acerca das relações entre linguagem, globalização e
imperialismo pode ser parcialmente explicado pelo predomínio do liberalismo no interior da
teoria política e pela incompatibilidade entre linguagem enquanto tema e os parâmetros que o
pensamento liberal usualmente adota para lidar com diversidade. No entanto, particularmente
no Brasil, colabora para a escassez de debates acerca de tais temas a bem-sucedida operação
discursiva neoliberal que promove uma oposição entre globalismo e nacionalismo
caracterizada pela fixidez, em que o primeiro termo tende a ser associado a valores como
liberdade e pluralismo, e o segundo a anacronismo e obscurantismo, quando não a certas
tendências políticas que atingiram seu ápice na Europa dos anos 1930 e 1940. Pierre Bourdieu
e Loïc Wacquant sintetizam magistralmente tal dinâmica, inserindo-a no presente contexto
sócio-econômico global:
A noção fortemente polissêmica de "mundialização" (...) tem como efeito, para não dizer função, submergir no ecumenismo cultural ou no fatalismo economista os efeitos do imperialismo e fazer aparecer uma relação de força transnacional como uma necessidade natural. No termo de uma reviravolta simbólica baseada na naturalização dos esquemas do pensamento neoliberal (...), a remodelagem das relações sociais e das práticas culturais das sociedades avançadas em conformidade com o padrão norte-americano (...) é aceita atualmente com resignação como o desfecho obrigatório das evoluções nacionais quando não é celebrada com um entusiasmo subserviente. (1998, p. 13).
A academia brasileira é pródiga de exemplos capazes de ilustrar tal análise: o hábito
de fazer perguntas em inglês para um conferencista internacional ante uma platéia brasileira,
bem como a arraigada mania de palestrar em inglês nos congressos internacionais,
dispensando, ao mesmo tempo, a tradução simultânea ao público e as regras básicas de
respeito à soberania – como, aliás, costumava fazer um ex-presidente da República -, além de
constituírem exemplo acabado do comportamento de um estrato social que um célebre
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jornalista brasileiro costumava classificar como “elite-jeca”, são exibições públicas de
colonialismo cultural passivo.
Assim, e a despeito do aparente ostracismo legado pelo discurso neoliberal a certos
conceitos, o procedimento de naturalização da importação de práticas e sistemas valorativos
forjados no âmbito da universidade norte-americana ao qual a academia brasileira
voluntariamente se submete significa o endosso a um exitoso processo de imperialismo pós-
colonial, pois, ainda segundo os mesmos autores:
O imperialismo cultural repousa no poder de universalizar os particularismos associados a uma tradição histórica singular, tornando-os irreconhecíveis como tais (...) Hoje em dia, numerosos tópicos oriundos diretamente de confrontos intelectuais associados à particularidade social da sociedade e das universidades americanas impuseram-se, sob formas aparentemente desistoricizadas, ao planeta inteiro. (BOURDIEU, WACQUANT, 1998, p. 11).
O dado objetivo a se considerar é que esse desprezo pelas ligações entre produção de
conhecimento, idioma e imperialismo pode vir a ser custoso para o futuro da academia no
país.
2. A nova cartografia acadêmica global e os transplantes teóricos nas Humanidades
Qual é hoje a vocação maior do pensamento brasileiro? O caminho a evitar é o percorrido pelas ciências sociais e pelas humanidades nos países do Atlântico Norte. Nas ciências sociais, a começar por economia, prevalece lá a racionalização do estabelecido: explicar o que existe de maneira a confirmar a necessidade, a naturalidade ou a superioridade das instituições estabelecidas e das soluções triunfantes (...) Nas humanidades, a fuga da vida prática: divagações e aventuras no campo da subjetividade, desligadas do enfrentamento da sociedade como ela é. (...) No Brasil, estamos, em matéria de alta cultura, a reboque disso (...) Para compreender nossa experiência nacional, temos de executar obra de pensamento de valor universal. (UNGER, 2007, p. 2).
No texto acima, uma das mais contundentes análises acerca dos descaminhos do
pensamento acadêmico brasileiro e de suas relações com a “metrópole” publicada na mídia
nacional, é paradoxal - porém altamente revelador - que a perspectiva adotada pelo colunista
advenha de um profissional que ocupou, por décadas, uma cadeira de professor numa das
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mais bem-conceituadas universidades norte-americanas (e do mundo), Harvard University.
Acadêmico e figura pública polêmica, Roberto Mangabeira Unger pode ser acusado de várias
coisas, mas não de antiamericanismo.
O artigo critica um processo em plena execução. À promoção passiva do modelo
acadêmico norte-americano na universidade brasileira tem correspondido, como seria de se
esperar - ou, quiçá, temer -, uma maior presença, nas salas de aula, em publicações
especializadas e nos congressos, de temas, disciplinas e referenciais teóricos originários
naquele ambiente acadêmico. Notadamente, assiste-se a um crescimento do debate sobre
temáticas largamente predominantes na grade curricular das universidades americanas –
destacadamente, raça e gênero sexual - que têm sido, não sem frequência, enfocadas através
do construcionismo social em voga nos EUA nas últimas três décadas.
É preciso, aqui, abrir parênteses para evitar que se transmita eventual impressão de
preconceito nesta crítica ao incremento quantitativo das discussões acerca de raça e gênero
nas Humanidades no Brasil. A crítica mira, em primeiro lugar, à forma muitas vezes
automática e acrítica com que conceitos e teorias forjados em relação a determinadas
conjunturas sociais específicas de um país vêm sendo transplantados ao universo brasileiro,
ignorando não apenas as peculiaridades da questão racial e de gênero no Brasil como
estigmatizando como anacrônica – e, portanto, inibindo – a outrora vigorosa produção teórica
nativa feminista ou voltada ao debate racial (Rose Marie Muraro e Abdias do Nascimento são,
respectivamente, referências bastantes para que se tenha uma idéia do nível e das
potencialidades de tal produção, ora preterida a favor da importação massiva e acrítica).
É um sinal lamentável de desatualização – quesito que constitui grave defeito em um
pesquisador - e de submissão cultural a constatação de que, ao contrário de seus pares nas
principais instituições européias e asiáticas, um número considerável de acadêmicos
brasileiros ainda não tenha se dado conta do tamanho da crise e da estagnação enfrentados
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pelo establishment universitário norte-americano, que continuam cultuando como o dernier
cri do pensamento acadêmico internacional. Abre-se, assim, um derradeiro flanco a correntes
intelectuais em franca decadência e ávidas por novos públicos e leitores para fazerem escoar
sua produção. Um dos mais bem-sucedidos aspectos dessa empreitada acadêmica pós-colonial
representada pela exportação tardia de teorias obsoletas – que repete, no âmbito das idéias, o
processo de reciclagem terceiro-mundista de produtos industriais tecnologicamente defasados
vigente desde o pós-Guerra – é a capacidade de conferir um aspecto contracultural, combativo
- eventualmente radical - a teorias cujo conservadorismo tornou-se, há tempos e para as mais
argutas mentes do universo acadêmico, evidente:
Do mesmo modo que os produtores da grande indústria cultural americana como o jazz ou o rap, ou as modas de vestuário e alimentares mais comuns, como o jeans, devem uma parte da sedução quase universal que exercem sobre a juventude ao fato de que são produzidas e utilizadas por minorias dominadas (Fantasia, 1994), assim também os tópicos da nova vulgata mundial tiram, sem dúvida, uma boa parte de sua eficácia simbólica do fato de que, utilizados por especialistas de disciplinas percebidas como marginais e subversivas, tais como os cultural
studies, os minority studies, os gay studies ou os women studies, eles assumem, por exemplo, aos olhos dos escritores das antigas colônias européias, a aparência de mensagens de libertação. Com efeito, o imperialismo cultural (americano ou outro) há de se impor sempre melhor quando é servido por intelectuais progressistas (...), pouco suspeitos, aparentemente, de promover os interesses hegemônicos de um país contra o qual esgrimem com a arma da crítica social (...) É assim que uma análise comparativa aparentemente rigorosa e generosa pode contribuir, sem que seus autores tenham consciência disso, para fazer aparecer como universal uma problemática feita por e para americanos. (BOURDIEU, WACQUANT, 1998, p. 23).
O dado paradoxal, nesse transplante “naturalizado” de teorias descontextualizadas, é
que o processo só se torna viável devido ao desprezo por pressupostos teóricos que estão não
apenas na gênese de muitas das teorias ora em voga, mas em suas formulações correntes. Com
efeito, o edifício teórico construído a partir do chamado linguistic turn, inicialmente pelo
Barthes pós-semiológico e pelo primeiro Foucault (o de Les mots et les choses) e logo pela
contribuição, entre outros, de Lacan no diagnóstico do papel simbólico da linguagem na
formação do sujeito, e do desconstrucionismo de Derrida, impactou, com algum atraso mas
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de forma intensa e duradoura, as humanidades acadêmicas nos EUA, afetando com particular
intensidade os estudos de raça e de gênero e servindo como principal sustentáculo à
emergência da Teoria Pós-Colonial (notadamente através do trabalho do deliberadamente
hermético Homi Bhabha). Somadas à importação acrítica do modelo estruturante da academia
brasileira, a adesão automática a tais teorias exógenas enseja, assim, paradoxalmente, uma
operação que contradiz os pressupostos mesmos das teorias em circulação.
3. Técnica versus cultura e o campo do Jornalismo
A busca por um “cientificismo”, cartesiano em suas origens mas atualmente - em sua
versão acadêmica de pretensões internacionalizantes - marcado pelos preceitos do
empiricismo anglo-saxão que ora caracteriza estruturalmente a universidade brasileira, inclui
ainda, via de regra, ênfase em condicionamento técnico e atualização tecnológica em
detrimento da aquisição de cultura geral e específica. Como mencionado na introdução deste
texto, constata-se, no modelo acadêmico em vigência no Brasil, uma tendência à aplicação
generalizada, homogênea, de tais preceitos, com pouca atenção sendo dispensada às nuances
entre as demandas advindas de cada área acadêmica (Exatas, Humanas, etc.). O modo como
tal ênfase tem afetado a conformação das grades curriculares que regulam o ensino de
Jornalismo nas universidades brasileiras está diretamente conectado a uma das mais sérias e
problemáticas questões disciplinares concernendo tal campo acadêmico: a excessiva atenção
ao binômio técnica-tecnologia em detrimento do reforço do ensino de conteúdos culturais e de
modalidades de abordagem analítica.
Uma eventual defesa dà ênfase curricular em formação técnica está ligada não apenas
ao fato de ser o domínio dos procedimentos técnicos o que essencialmente diferencia e
caracteriza, aos olhos do mercado, o jornalista profissional na era da formação universitária –
embora um e outra sejam neste momento entidades colocadas em xeque por uma decisão
irresponsável da pior Alta Corte da história da República. Mas também à suposição – não de
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todo incorreta – que, mesmo se houvesse maior atenção à formação cultural, 4 ou 5 anos de
disciplinas esparsas seriam insuficientes para prover o universitário brasileiro médio de uma
formação cultural sólida. Tais suposições, no entanto, mal disfarçam o predomínio das
intenções corporativas sobre os objetivos educacionais.
Por outro lado, a virtual ausência de uma grade curricular que vise enriquecer de
forma intensa o universo cultural do estudante de Jornalismo, açulado pela tendência
estrutural à hiper-departamentalização, pode vir a propiciar, em um tempo relativamente
curto, uma configuração do campo acadêmico do Jornalismo no Brasil semelhante à de seu
correspondente norte-americano, no qual a predominância do “técnico” e do “prático” é
maciça e ajuda a explicar, nos cursos de Jornalismo em particular, o notável descolamento -
um verdadeiro fosso - entre sociedade e universidade..
A assimetria dos conteúdos curriculares é também particularmente grave em relação
ao ensino de Jornalismo devido às potencialidades únicas do campo, como aponta o jornalista
e acadêmico britânico Hugo de Burgh:
O jornalismo tem – ao menos potencialmente – uma grande vantagem sobre muitas outras humanidades e objetos de estudo das ciências sociais: o fato de que ele pode prover oportunidades sem igual para a aprendizagem de prática com uma relação imediatamente próxima com a teoria. É essa combinação mesma de prática reflexiva e teoria aplicada o que faz do jornalismo algo tão atraente – e uma disciplina acadêmica com enorme potencial. (2003, p. 105).
É exatamente esse pretenso equilíbrio entre técnica e cultura no ensino de Jornalismo
que ora se encontra em xeque. O problema vê-se agravado pelo baixíssimo nível de cultura
geral que, com raras e honrosas exceções, vem, há tempos, caracterizando a maioria da
juventude brasileira, aí incluídos não poucos universitários – mesmo vários daqueles que,
superando um vestibular concorrido, ocupam os bancos das melhores universidades públicas.
Isso é particularmente nocivo no caso de futuros jornalistas, pois, não fosse o nível cultural
algo desejável per se – e, evidentemente, mesmo em candidatos a profissões ditas “técnicas” -
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, ele é uma das matérias essenciais, elementares à constituição de um bom profissional de
imprensa.
De Burgh, em um artigo no qual defende a oferta de cursos de graduação em
Jornalismo na Inglaterra (onde ocorria então debate sobre manter ou não a formação em
Jornalismo restrita à pós-graduação), sustenta que os cursos devem prover uma abordagem
histórica a qual dê aos estudantes um senso de cronologia e os force a relativizar o período
histórico em que vivem e seus preconceitos. Nesse sentido, a proposta de Burgh legitima e
procura apontar meios de sanar um problema anteriormente mencionado, entre outros autores,
pelo historiador marxista Eric Hobsbawn, para quem “quase todos os jovens de hoje crescem
numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da
época em que vivem” (1995, p. 13). O diagnóstico repetido pelas duas fontes torna-se
especialmente grave quando se leva em conta a convergência entre falhas na formação
cultural das atuais gerações e a conformação estrutural de um idéario predominante na
contemporaneidade, açulado pelas novas tecnologias digitais, internet à frente: a permanência
em um “presente contínuo” sendo característica central na constituição do pós-modernismo -
que, como sugere Fredric Jameson, tem entre suas características distintivas o fato de poder
ser entendido como uma "estética engendrada pela ausência de referencial histórico” (1991, p.
25).
Assim, e com ainda mais urgência em decorrência dessa convergência, o investimento
em formação cultural no ensino superior configura-se como um dos desafios prioritários para
a formação das novas gerações de humanistas em geral – e de jornalistas em particular. Em
relação a esses profissionais, uma melhor formação constitui pré-requisito indispensável para
que sejam capazes de produzir o que Sylvia Moretzsohn, em sua crítica à naturalização dos
fatos pela imprensa e às vicissitudes que marcam a relação entre jornalismo e cotidiano,
identifica como uma das barreiras perenes para o bom exercício da profissão: “o jornalista
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superar, no contexto mesmo de suas rotinas profissionais, o caráter imediato dos fatos para
oferecer ao público elementos de reflexão” (MORETZSOHN, 2007, p. 17).
Benedict Anderson (1991), dialogando com o Walter Benjamin de “A era de arte na
era de sua reprodutibilidade técnica” (originalmente publicado em 1936), identifica na
conjunção entre capitalismo e o advento da impressão – o chamado print capitalism – um
fator primordial na formação do Estado-nação. Para ele, a forma como essas modernas
comunidades nacionais passam a ser (auto)concebidas no imaginário social está diretamente
ligada às relações entre reprodução mecânica e decorrente mercantilização da linguagem
impressa, e à fixação e expansão do uso dos idiomas vernaculares nacionais. Como vimos ao
longo do ensaio, assiste-se, hoje, na era da “infotelecomunicação” (MORAES, 2003, p. 191),
da mundialização da cultura e da diluição de fronteiras, a uma versão pós-moderna, hiper-
realista e de abrangência global de tal processo, com o inglês como língua franca e a
informação, digitalizada, circulando em tempo real e em interação direta, ativa e de duas mãos
com os movimentos do capital.
Na presente era do capitalismo infocibernético, os dois atores passam a protagonizar
“uma sociedade estruturada e ambientada pela comunicação, como uma verdadeira ‘Idade
Mídia’, em suas profundas ressonâncias sobre a sociabilidade contemporânea em seus
diversos campos” (RUBIM, 2000, p. 29, grifo meu), uma conjuntura na qual, “para operar e
competir, o capital financeiro necessita fundamentar-se em conhecimentos distribuídos pelas
tecnologias de informação. Este é significado concreto da articulação existente entre o modo
de produção capitalista e o sistema informacional contemporâneo” (MORAES, 1998, p. 247).
Pelo próprio papel que a imprensa, em suas várias vertentes, desempenha em tal processo –
que representa o núcleo duro da contemporaneidade -, o campo do Jornalismo tenderia a ser
particularmente adequado para o encruamento de tais questões e para o exercício do debate
para além dos campi universitários. No país do maior monopólio comunicacional do planeta e
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no qual as dezenas de milhões de telespectadores do principal telejornal são concebidos como
Homer Simpson – o anti-patriarca bobalhão do desenho animado – caberia aos profissionais
da Comunicação – destacadamente os jornalistas, e com ainda maior ênfase os acadêmicos de
Jornalismo – a produção e difusão de informação capazes de tornar evidentes as relações entre
capital e informação e de produzir sensos críticos alternativos aos continuamente induzidos
pela grande mídia empresarial.
No entanto, ao privilegiar o tecnificismo e dar atenção insuficiente à formação cultural
do jornalista e ao aprimoramento de seu senso crítico, a academia pode vir a acabar, destarte,
por minimizar o seu próprio papel potencial (e o dos jornalistas que forma) de agente
transformador das relações entre poder e cultura no país, contribuindo, ainda, para agravar,
entre nossa elite pensante, a ora disseminada “amnésia estrutural” (BOURDIEU, 1996, p. 19),
representada no Brasil mormente por uma grave inconsciência ante o poder de controle da
mídia. Tal possibilidade afigura-se uma ameaça às relações entre academia e sociedade no
Brasil e um desvirtuamento das funções da universidade pública em um país com enormes
desafios no campo sócio-econômico e cultural.
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