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CBPF – Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas Notas de Aula TÉCNICAS DE DETECÇÃO Prof. Laudo Barbosa

TÉCNICAS DE DETECÇÃO

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Page 1: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

CBPF – Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

Notas de Aula

TÉCNICAS DE DETECÇÃO

Prof. Laudo Barbosa

Page 2: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

2

Índice

Notas Preliminares 3

NP1 Unidade de energia eV. Equivalência massa-energia 3

NP2 Seção de choque, probabilidade de interação e livre caminho médio 4

NP3 Valores de constantes físicas usadas no texto 8

Introdução 9

I - Processos de Interação entre Partículas e Matéria 10

1.1 Fórmula de Bethe-Bloch para partículas pesadas com carga elétrica 10

1.2 Caso de partículas leves com carga elétrica: elétrons e pósitrons 16

1.3 Perda de energia por radiação 18

1.4 Caso dos fótons 22

1.4.1 Espalhamento Thomson 22

1.4.2 Efeito fotoelétrico 23

1.4.3 Efeito Compton 24

1.4.4 Produção de pares 25

1.4.5 Coeficiente de absorção 26

1.5 Interações de nêutrons 27

II - Detetores a Gás 29

2.1 Princípio de funcionamento e modos de operação 30

2.2 Geometria e campo eletrostático 33

2.3 Formação do sinal elétrico 35

2.4 Detetor sensível a posição 38

2.5 Contador multifilar 39

2.6 Escolha do gás 40

2.7 Limitações dos detetores a gás 40

III - Cintiladores e Tubos Fotomultiplicadores 42

3.1 Forma do sinal luminoso num cintilador 42

3.2 Classes de cintiladores 44

3.2.1 Cintiladores orgânicos 44

3.2.2 Líquidos e plásticos 46

3.2.3 Cristais inorgânicos 46

3.2.4 Gases e vidros 47

Page 3: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

3

3.3 Discriminação por forma de pulso 48

3.4 Limitações dos cintiladores 48

3.5 Tubos fotomultiplicadores 49

3.5.1 Microchannel plates 51

IV - Detetores a Semicondutor 53

4.1 Estrutura eletrônica dos semicondutores 53

4.2 Semicondutor intrínseco, dopado e junção 54

4.3 Características do detetor a semicondutor 57

4.3.1 CCD’s 58

4.4 Limitações 59

Referências 60

Page 4: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

4

Notas Preliminares

NP1 Unidade de energia eV. Equivalência massa-energia

Um elétron-Volt (eV) é definido como a energia adquirida por um elétron

quando percorre a distância de 1 metro submetido a uma diferença de potencial de 1

V. O campo elétrico em questão é portanto:

E =1 V/m

E a energia adquirida pelo elétron: e x E x 1 = 1.60 x 10-19 J. Temos então a

equivalência:

1 eV = 1.60 x 10-19 J

Por outro lado, a energia - E - de uma partícula relativística de massa de

repouso m e velocidade v é definida a partir do vetor quadri-momento P:

P = (p,ipo), com p = γmv e p0 = γmc

γβ

=−1

1 2, β =

vc

O módulo de P, definido a seguir, é uma constante, portanto é também uma

grandeza física conservada:

imc=−= 2o

2 ppP

A energia total é definida como:

E = cp0 ⇒ 22222422422242 1 mcmccmcmccmE γβγβγ =+=+=+= p

Page 5: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

5

Segundo esta definição, é possível que uma partícula tenha massa nula e

energia não-nula, desde que sua velocidade seja igual a c. Este é o caso dos fótons.

Expandindo E assim definida em termos de potências de β, encontramos:

...165

83

21

4

6

2

422 ++++=

cvm

cvmvmcmE

Aqui vemos claramente porquê E exprime a energia total. O primeiro termo

corresponde à ‘energia de repouso’ (presente mesmo quando v = 0). O segundo termo

representa a energia cinética clássica (v<<c), e os termos restantes representam as

contribuições relativísticas importantes para valores de v próximos de c. A energia

cinética relativística pode, portanto, ser expressa por:

)1(2222 γγ −=−== cmcmcmcm- EEc

Deste contexto surge a noção de equivalência entre massa e energia, pela qual

se pode também falar em energia equivalente a 1 Kilograma de massa de uma

partícula em repouso (γ=1):

E[1 Kilograma] = 1 x c2 ≈ 9.00 x 1016 J ≈ 5.62 x 1035 eV

⇒ 1 eV ≅ 1.78 x 10-36 Kg

Exemplo: me = energia do elétron em repouso = 9.11 x 10-31 Kilograma ≅ 0.512

x 106 eV ≅ 8.20 x 10-14 J.

NP2 Seção de Choque, Probabilidade de Interação e Livre Caminho Médio.

Vários tipos de interação podem ocorrer entre partículas de um feixe e de um

alvo: atração gravitacional, atração ou repulsão eletromagnética, colisão elástica ou

inelástica, etc. A seção de choque é uma estimativa da probabilidade de ocorrência de

Page 6: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

6

cada tipo de interação, e pode ser calculada analiticamente desde que se conheça uma

expressão para a interação entre partículas do feixe e do alvo.

Para um feixe homogêneo de partículas incidindo sobre uma seção de área do

alvo, define-se a seção de choque diferencial como a fração de partículas espalhadas -

após interação - numa direção particular, dΩ em torno de Ω, relativamente ao número

total de partículas incidentes:

dd F

dNd

sσΩ Ω

= 1

Onde F é o fluxo (número de partículas por unidade de área por unidade de

tempo), e dNs é o número médio de partículas espalhadas por unidade de tempo no

ângulo sólido dΩ. Note-se que a seção de choque diferencial assim definida está

diretamente relacionada com a probabilidade de interação. A seção de choque total, σ,

está relacionada com o número total de partículas espalhadas devido à interação:

σ σ= ∫dd

Ω

Na prática, qualquer alvo tem uma espessura finita, δx, dentro da qual há uma

certa densidade N (= número de partículas por unidade de volume). A seção de choque

diferencial certamente depende de N. Então redefinimos a seção de choque diferencial

de maneira que esta dependência fique explícita:

dd F

NAN x

sσδΩΩ

= 1 ( )

‘A’ é a área da seção de alvo considerada, e Ns é o número médio de partículas

espalhadas na direção Ω por unidade de tempo. Segundo esta definição a seção de

choque diferencial continua correspondendo à probabilidade de interação. Entretanto,

é fácil ver que é uma grandeza com unidade de área:

Page 7: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

7

212

1

.1

32

1 cmcmcm

UnidadeddUnidade

cm

s

cms

=

=

Ωσ

Da expressão anterior obtemos:

N FAN x dds ( )Ω

Ω= δ σ

Portanto o número total Ntot de partículas espalhadas pela interação por

unidade de tempo é:

σδσδ xFANdddxFANdNN stot =ΩΩ

=ΩΩ= ∫∫ )(

Considerando que a área A do alvo é igual à área efetivamente coberta pelo

feixe de partículas, então FA corresponde ao número de partículas incidentes, Ninc, e

podemos definir a probabilidade de interação como:

PNN

N xtot

inc

= = σδ

Esta é a probabilidade total de interação. Mas podemos nos perguntar também

qual é a probabilidade, P(x), para que uma partícula percorra a distância x dentro do

alvo sem sofrer interação.

Numa aproximação de primeira ordem, podemos supor que a probabilidade, p,

de interação num percurso pequeno, dx, seja proporcional ao próprio percurso: p =

wdx. Então pode-se escrever:

wdx)-P(x)(1= dxdxdP + P(x) dx)+P(x ≅

Page 8: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

8

Ou seja, a probabilidade para que a partícula ‘sobreviva’ sem sofrer interação

até a distância x + dx é o produto das probabilidades de sobreviver até x e de

sobreviver até dx após x. Daí obtemos:

wx-eP(x) -wP(x)dx= dxdxdP ≈⇒

Note-se que a probabilidade para que a partícula tenha sofrido interação num

ponto qualquer do percurso até x é:

Pint = 1 - P(x)

Podemos agora definir e calcular um parâmetro importante para as técnicas de

detecção: o livre caminho médio, λ, de uma partícula num meio:

λ = =∫∫x x dx

x dx

P

P w

( )

( )1

Então no caso do alvo com espessura δx, teremos:

xwxwxPPxNP δδδσδ ≈−−=−=== )1(1)(1int

Finalmente relacionamos:

λσ

= 1N

Assim ficam estabelecidas as relações entre seção de choque, probabilidade de

interação e livre caminho médio de partículas num meio. Pelo fato de σ ter unidade

de área, às vezes associa-se seu valor à área de intersecção entre feixe de partículas e

alvo. Entretanto, σ geralmente depende da energia da partícula incidente e não está

Page 9: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

9

relacionada com a superfície de interação, mesmo porque a variável ‘x’ que aparece na

definição de σ é uma coordenada ortogonal a esta superfície.

Page 10: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

10

NP3 Valores de constantes físicas usadas no texto:

- Na número de Avogadro 6.02 x 1023 / mol

- me massa de repouso do elétron 9.11 x 10-31Kg, 0.511 MeV

- ε0 permitividade do vácuo 8.85 x 10-12 F m

- e carga elétrica do elétron 1.60 x 10-19 C

- re [= e2/(mec2)] raio clássico do elétron 2.82 x 10-13 cm

- c velocidade da luz no vácuo 3.00 x 108 m/s

- h constante de Planck 6.63 x 10-34 J s

- k constante de Boltzmann 1.38 x 10-23 J/K

- α [= e2/(2ε0hc)] constante de estrutura fina 1/137

Page 11: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

11

Técnicas de Detecção de Radiação

Introdução

Estas notas se referem ao curso “Técnicas de Detecção”, apresentado em

escolas do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Os processos de interação da

radiação com a matéria constituem a base para a abordagem das técnicas de detecção.

Uma breve revisão destes processos aqui se faz pertinente, a fim de contextualizar

cada tipo de detetor no quadro das interações físicas envolvidas em seu

funcionamento.

A diversidade das interações físicas entre radiação e matéria é tal que se pode

afirmar que nenhum detetor se presta à medida de todos os tipos de radiação, nem

mesmo a aplicações genéricas de um só tipo de radiação. Conforme poderemos

constatar, cada detetor tem aplicabilidade limitada a casos particulares.

O termo ‘radiação’ é utilizado como sinônimo de ‘emissão de partículas’. As

partículas em questão são as componentes elementares da matéria, agregados destas,

ou mediadoras de interações entre elas. Portanto é evidente a necessidade de se

elaborar processos e instrumentos capazes tornar perceptível a presença de partículas e

suas propriedades no estudo da estrutura da matéria. Além deste estudo fundamental,

muitas aplicações em outras áreas da atividade humana decorrem do conhecimento

adquirido sobre as partículas, e solicitam o desenvolvimento de detetores. O inverso

disto também acontece, ou seja: a atividade em instrumentação gera conhecimentos

fundamentais e aplicações importantes. Esta inversão é inevitável, já que a natureza

não se prende aos conceitos que elaboramos a seu respeito, não sendo portanto

possível prever de onde podem surgir novidades.

Page 12: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

12

I - Processos de Interação entre Partículas e Matéria

O que permite que uma partícula seja detectada é o fato de que ela interage

com o meio detector. O estudo da interação supõe que a partícula colide com os

átomos do meio e disto resultam basicamente a perda de energia da partícula e a

deflexão de sua trajetória original. Nas colisões entram em consideração as massas e

cargas elétricas das partículas envolvidas. Num meio absorvedor os elétrons têm papel

importante, visto que o campo coulombiano por eles criado representa uma espécie de

‘blindagem’ para partículas exteriores. Por outro lado, devido aos choques com

partículas, elétrons podem se desprender dos átomos e isto permite a detecção. A

interação com o campo nuclear também é possível, porém muito menos provável, já

que os elétrons ocupam mais volume que as partículas nucleares.

A detecção direta de partículas sem carga elétrica (exemplo: fótons e nêutrons)

não é viável. Entretanto, elas podem ser detectadas indiretamente, a partir das

partículas resultantes de suas interações. O conhecimento das diferentes interações

físicas entre partículas é portanto de importância evidente para as possíveis técnicas de

detecção. Apresentamos a seguir uma revisão de resultados interesantes para este fim.

1.1 Fórmula de Bethe-Bloch para partículas pesadas com carga elétrica

Num abordagem inicial admite-se que a partícula incidente tenha carga elétrica

ze (múltiplos de e) e massa muito maior que a massa dos elétrons constituintes do

meio - com os quais as interações efetivamente se verificam. Neste caso caso o desvio

da partícula em relação à trajetória de incidência é desprezível e pode-se chegar a uma

expressão matemática para a perda de energia. O cálculo correspondente, dentro do

contexto da mecânica quântica relativística, foi primeiramente realizado por Hans

Bethe e outros autores, aos quais se atribui a seguinte fórmula:

( )− = −dEdx

K K1 222ln β (1)

onde

Page 13: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

13

K N r m c ZA

za e e1

2 22

22= π ρβ

K m c EI

e m2

2 2 2 2

2

4=

β γ

β = vc

γβ

=−1

1 2

O sinal negativo indica que a energia da partícula diminui à medida em que a

distância x é percorrida. Os termos ρ, Z e A referem-se respectivamente à densidade,

número atônico e número de massa do meio detector. ‘v’ é a velocidade da partícula.

O termo Em representa a máxima transferência de energia por colisão. Uma expressão

analítica para Em é obtida a partir de considerações de cinemática relativística [1]:

E m cm e= 2 2 2 2β γ

Esta última é válida para os casos em a massa da partícula incidente é muito

maior que a massa do elétron, me.

O termo I é chamado ‘potencial efetivo de ionização’ ou ‘potencial médio de

excitação’. Seu valor não tem uma expressão analítica simples. Na prática, valores de

I para diferentes materiais são deduzidos de medidas de dE/dx, para os quais uma

fórmula semi-empírica é ajustada em função do número atômico, Z, de cada material.

Exemplos destas fórmulas são:

I = 12Z+7 (em eV), para Z<13 e I = 9.76Z+58.8Z-0.19 (em eV) para Z≥13 [1]

I = I0Z (em eV), com valores de I0 tabelados para diferentes materiais [2]

Page 14: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

14

A unidade de medida para perda de energia por distância percorrida pode ser

por exemplo MeV/cm. Mas esta unidade é dependente da densidade do meio

absorvedor. Para o mesmo meio e a mesma partícula, uma densidade maior implicará

menor distância percorrida e portanto maior dE/dx. Adotou-se então uma outra

unidade de comprimento, que leva em conta a densidade:

x→ ρx

Esta nova unidade é geralmente expressa em g/cm2. Por ser inversamente

proporcional a uma unidade de área, é chamada de ‘densidade superficial’. Dessa

forma a unidade para dE/dx pode ser expressa em Mevxcm2/g, e é independente da

densidade. A densidade superficial é também conhecida como ‘espessura de massa’ já

que também é conveniente para exprimir a espessura efetiva de materiais. Para se

retornar à unidade de perda de energia por distância percorrida em unidades usuais

(MeV/cm), deve-se portanto multiplicar dE/dx pela densidade ρ.

O fato relevante para as técnicas de detecção é que as colisões geram elétrons

que se ‘desprendem’ dos átomos do meio ao adquirir a energia perdida pela partícula

incidente. Conforme veremos a seguir, um detetor em particular pode explorar

diretamente o sinal elétrico gerado por estes elétrons (caso dos detetores a gás ou a

semicondutor). A correspondente ionização do meio pode ter consequências químicas

utilizáveis para a detecção (caso das emulsões fotográficas). Também a resposta dos

átomos do meio absorvedor à excitação provocada pela partícula incidente pode ser a

emissão de luz visível subsequente à perda de elétrons (caso dos cintiladores).

Na Fig. 01 é mostrada a perda de energia expressa por (1) em função da

energia de diferentes partículas incidentes. O meio absorvedor para as curvas

mostradas é Argônio a pressão atmosférica. Note-se que partículas de mesma carga

apresentam aproximadamente a mesma taxa de perda de energia por unidade de

percurso a partir de um certo valor (102-103 MeV). Partículas de energia superior a

este valor são por isso chamadas de mínimo-ionizantes.

Page 15: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

15

10-1 100 101 102 103 104 105 10610-1

100

101

102

103

p

κ

π

µ

α

-1/ρ dE/dx [Mev.cm2/g]

Energia Cinética [MeV]

Partícula Massa de repouso Carga elétrica

Alfa (α) 3764 MeV +2e

Muon (µ) 106 MeV -1e

Pion (π) 140 MeV +1e

Próton (p) 938 MeV +1e

Kaon (K) 494 MeV -1e

Para fins práticos, é natural se perguntar que distância uma partícula de energia

conhecida percorre num certo meio antes de perder toda sua energia. Esta distância é

conhecida como ‘Range’*, e pode ser estimada a partir da expressão (1) pela seguinte

operação:

R E dEdx

dEE

[ ] =

0

1

(2)

* A palavra ‘Range’ pode ser aqui traduzida como ‘Alcance’ mas não será traduzida por ser assim empregada nos textos especializados.

Fig. 01: Representação da fórmula de Bethe-Bloch para diferentes partículas.

Page 16: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

16

Esta operação equivale a computar a distância percorrida até que a energia seja

reduzida de E a 0. A Fig. 02 mostra o Range obtido a partir dos dados da Fig. 01. Os

valores já estão mostrados em centímetros, ou seja, multiplicados pela densidade do

meio: 1.6 x 10-3 g/cm3 (Argônio a pressão atmosférica).

100 101 102 103 104100

101

102

103

104

105

106

107

108

Alfa

Próton

R [cm]

Energia Cinética [MeV]

A expressão (1) deve ser corrigida para faixas de energia muito alta e muito

baixa a fim de incorporar efeitos não previstos nas hipóteses que levaram a sua

obtenção [1]. Por este motivo, a integração em (2) deve ser efetuada desde um valor

inicial diferente de zero, para o qual (1) é válida, e um termo é adicionado para levar

em conta o comportamento a baixa energia. O valor do termo adicional é determinado

empiricamente.

Outro aspecto que deve ser enfatizado a respeito da validade de (1) é o fato de

que a perda de energia resulta de colisões individuais entre partículas e átomos. Há

portanto um caráter estatístico inerente ao processo. A manifestação deste caráter pode

ser vista por exemplo nas medidas práticas de Range. Se este tivesse um valor exato,

conforme sugerido pela expressão (2), uma medida de transmissão de partículas em

Fig. 02: Range calculado para o caso do próton e da partícula alfa em argônio.

Page 17: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

17

função da espessura do meio absorvedor apresentaria dados cuja curva descreveria um

‘degrau’. Mas estas medidas mostram de fato una transição suave. A Fig. 03 ilustra

este comportamento: repetindo-se a medida de Range para um grande número de

partículas de mesma energia, encontra-se uma distribuição de valores

aproximadamente gaussiana. Este fenômeno é conhecido como “Range straggling” (∼

dispersão do Range). O valor efetivo para o Range, ou Range prático, é comumente

tomado como uma extrapolação da curva de distribuição de valores medidos para um

valor onde a transmissão cai a zero. O valor prático é portanto maior que o previsto

teoricamente. Este procedimento se justifica por ser frequentemente necessário saber,

para ume feixe de partículas de mesma energia, a espessura de material que absorverá

todas as partículas.

A importância da fórmula de Bethe-Bloch é portanto evidente: permite uma

estimativa da quantidade de energia perdida por uma partícula num detetor, e daí -

conforme veremos a seguir - a quantidade de carga elétrica gerada pela absorção.

Estas informações são importantes para o dimensionamento do detetor adequado.

100%

Transmissão

Espessura

Range previsto teoricamente

Distribuição dos valoresde Range medidos

Fig. 03: Representação qualitativa do fenômeno de Range Straggling.

Page 18: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

18

1.2 Caso de partículas leves com carga elétrica: elétrons e pósitrons

No caso de partículas leves a equação (1) deve ser modificada, já que a

hipótese principal (massa da partícula muito maior que a massa do elétron) não é mais

válida. A consequência principal é que as deflexões da partícula devidas a cada

colisão não são desprezíveis. A fórmula de Bethe-Bloch corrigida para este caso é:

( )− = +dEdx

K K K1 3 4ln (3)

KI m ce

3

2

2 2

22

= +ε ε( )( / )

KLn

42

2

21 82 1 2

1= − +

+ +

ε ε

ε

( )

( ) (para elétrons)

K4

2

2 32 212

23 142

102

42

= − ++

++

++

ln( ) ( )

βε ε ε

(para pósitrons)

‘ε’ é a energia cinética da partícula incidente.

A Fig. 04 mostra a curva de perda de energia para o caso de elétrons, também

em Argônio a pressão atmosférica. Apesar de apresentar aproximadamente a mesma

forma das curvas para partículas pesadas, o espectro é deslocado para valores de

energia menores. A perda de energia dE/dx para um elétron mínimo-ionizante também

é, como no caso de outras partículas mínimo-ionizantes, pouco mais de 1 Mev cm2/g.

Page 19: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

19

10-1 100 101 102 103 104103

104

105

Perda de energia paraelétrons em Argônio apressão atmosférica

1/ρ dE/dx [KeVcm2/g]

Energia Cinética [KeV]

-

Este caso tem uma importância adicional: na maioria dos detetores a

informação efetivamente captada é um pulso elétrico gerado pelos elétrons liberados a

partir da interação com a radiação ionizante. Nestes o comportamento dos elétrons é

portanto necessariamente levado em conta. Em particular o conhecimento do Range

para elétrons é de importância crucial. Podemos computá-lo usando as expressões (2)

e (3). A Fig. 05 mostra o resultado deste cálculo. Entretanto, o Range medido na

prática tem valor diferente do calculado. Isto decorre principalmente do fato de que as

flutuações estatísticas nas interações de elétrons são mais importantes do que no caso

de partículas pesadas, disto resultando um maior ‘straggling’ (V. I.1). Por esta razão

se faz apelo a fórmulas empíricas, obtidas a partir de medidas de absorção. Uma

destas fórmulas para o Range prático é [3]:

Rp = 0.71 E 1.72 (E em MeV)

Na Fig. 05 estão também incluídos os dados obtidos com esta esta fórmula.

Fig. 04: Representação da Fórmula de Bethe-Bloch para o caso de elétrons.

Page 20: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

20

100 101 102 103 10410-4

10-3

10-2

10-1

100

101

102

103

104

105

Range para elétronsem Argônio a pressãoatmosférica

Calculado da fórmulade Bethe-Bloch

Fórmula empírica

R [cm]

Energia Cinética [KeV]

1.3 Perda de energia por radiação.

Uma dos resultados mais conhecidos e utilizados das equações de Maxwell é a

emissão de radiação eletromagnética por partículas carregadas aceleradas [4]. Na

verdade isto corresponde ao fenômeno conhecido como Bremsstrahlung, ou radiação

de frenagem, e também à emissão de radiação por partículas carregadas cuja trajetória

é curvada por campos magnéticos em aceleradores de partículas. Ao penetrar num

meio os elétrons são ‘freados’ pelo campo elétrico dos átomos. Portanto deve ser

considerada a probabilidade para perda de energia através da emissão de fótons. Este

processo não está incluído na fórmula de Bethe-Bloch, que trata apenas de colisões

entre partículas. Como a interação eletromagnética é conhecida, pode ser calculada

sua seção de choque diferencial (V. N2) em função das energia do elétron incidente,

E, e do fóton emitido, hν. Daí pode ser calculada a perda de energia dE/dx por

radiação como:

Fig. 05: Comparação entre valores teóricos e práticos para o Range de elétrons.

Page 21: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

21

( )−

= ∫dEdx

N h dd

E drad

ν σν

ν νν

0

0

, (4)

Como pode ser constatado, o produto hνdσ tem dimensão de energiaxárea.

Multiplicado pela densidade N ( = número de partículas por unidade de volume =

ρNa/A), dividido por dν e integrado sobre todas as frequências possíveis para o fóton

emitido, resulta uma quantidade com dimensão de energia por unidade de distância. A

energia do fóton pode variar de 0 até o valor máximo ν0 = E/h.

Embora seja conhecida uma expressão analítica para dσ [5], o cálculo de -

dE/dx só é viável para faixas de energia onde é possível se fazer alguma aproximação.

Assim temos [1]:

= + − −

dEdx

NE Z Z r Em c

f Zrad

ee

4 1 2 13

22( ) ln ( )α

(mec2<<E<<mec2Z1/3)

= + + −

−dEdx

NE Z Z r Z f Zrad

e4 1 183 118

2 1 3( ) ln ( )/α ( E>>mec2Z1/3)

A função f(Z) representa uma pequena correção introduzida para se levar em

conta a interação coulombiana do elétron no campo elétrico do núcleo. É expressa

pela fórmula:

( )[ ]f Z a a a a a a Z( ) . . . . ,= + + − + − =−2 2 1 2 4 61 0 20206 0 0369 0 0083 0 002 α

A Fig. 06 mostra as curvas obtidas com estas aproximações. Apesar de as duas

curvas estarem mostradas na mesma faixa de energia, cada uma delas é válida apenas

dentro da faixa de valores indicada.

Page 22: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

22

10-1 100 101 102 103 104 105 10610-3

10-2

10-1

100

101

102

103

104

105

106

mec2<<E0<<mec

2Z1/3

E0>>137mec2Z1/3

-1/ρ dE/dx [Mev cm2/g]

Energia total [MeV]

Está claro que a perda de energia por radiação é importante para valores

elevados da energia da partícula incidente, superando em muito - nesta faixa - a perda

por colisões. Por outro lado, a perda por radiação depende do termo r2, que pode ser

expresso como (raio clássico):

r qmc

=2

2

Onde q e m são respectivamente a carga e a massa da partícula. Então dE/dx é

inversamente proporcional ao quadrado da massa da partícula . As perdas por radiação

para partículas pesadas são portanto desprezíveis. A próxima partícula mais pesada

depois do elétron e do pósitron é o múon, cuja massa é cerca de 200 vezes maior.

Também é importante estimar que distância o elétron (ou pósitron) percorre

antes de perder energia por radiação. Na prática computa-se a distância percorrida até

que a energia tenha-se reduzido a 1/e do valor inicial. Esta distância, Lr, é conhecida

como ‘comprimento de radiação’ (radiation length). Para calculá-lo, notemos que,

para E >> 137mec2Z1/3, a perda de energia pode ser re-escrita como:

Fig. 06: Perda de energia por radiação de elétrons em Argônio.

Page 23: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

23

− = ⇒ = −dEdx

kE E E e kx( )0

onde

k N Z Z r Z f Ze= + + −

−4 1 183 118

2 1 3( ) ln ( )/α (5)

Na faixa de energia onde esta aproximação é válida, a perda de energia por

colisão é desprezível diante da perda por radiação. Neste caso, pela definição acima

temos:

E/E(0) = 1/e ⇒ Lr = 1/k

Aplicando aos dados da Fig. 06 (Argônio, pressão atmosférica), obtemos Lr ≈

20 g/cm2 ≈ 130 m. A tabela a seguir mostra valores do comprimento de radiação para

diferentes absorvedores.

Material Lr (g/cm2) Lr (cm)

Ar 36.20 30050

H20 36.08 36.1

Pb 6.37 0.56

Fe 13.84 1.76

Al 24.01 8.9

Note-se que a definição de Lr tem alguma analogia com a definição de livre

caminho médio (Ver NP2). De fato, mesmo para elétrons incidentes com alta energia,

absorvedores de espessura muito inferior ao comprimento de radiação do meio não

produzem radiação, embora seja este o processo dominante.

Page 24: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

24

1.4 Caso dos fótons

Até agora foram tratadas as interações de partículas com carga elétrica e com

massa. O caso dos fótons se distingue porque estes não apresentam nem carga elétrica

nem massa. Considerados como luz, pode-se tratar classicamente a re-emissão de luz

por uma partícula carregada. Pelo menos três outras interações de fótons com

partículas materiais são conhecidas: efeito fotoelétrico, efeito Compton e produção de

pares. Nestas interações o fóton é considerado como partícula de massa nula. O efeito

fotoelétrico e a produção de pares são abordáveis somente pelo formalismo da

mecânica quântica, enquanto o efeito Compton pode também ser abordado pela

mecânica relativística.

O tratamento analítico dessas interações é relativamente complexo. A noção de

perda de energia por unidade de percurso perde sentido, já que nos casos do efeito

fotoelétrico e produção de pares o fóton interage uma única vez, sendo sua energia

completamente transferida para outras partículas. A presença do fóton é então

detectável a partir destas partículas que com ele interagem primariamente. Para estas

valem os resultados acima expostos. Para se proceder às estimativas de praxe usa-se

geralmente, em vez de dE/dx, a probabilidade P(E) de interação em 1 g/cm2 de

material absorvedor.

1.4.1 Espalhamento Thomson

No quadro do eletromagnetismo clássico a luz é tratada como onda, e é

conhecido o fato de que uma partícula carregada, sob efeito de uma onda de

determinada frequência oscila numa frequência coerente com a mesma. A oscilação

implica aceleração, e portanto re-emissão de luz. Embora este fenômeno também seja

abordável pela mecânica quântica, ficou conhecido no contexto do eletromagnetismo

clássico como ‘espalhamento Thompson’, cuja seção de choque é expressa por [6]:

dd

qmc

σ 02

2

22

ΩΘ=

sen (6)

Page 25: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

25

Onde Θ é o ângulo entre a direção de espalhamento e a direção de oscilação da

partícula. ‘q’e ‘m’ são respectivamente a carga elétrica e a massa da partícula sob ação

da onda.

Naturalmente o caso importante é o espalhamento coerente de luz por elétrons,

não somente porque estes ocupam mais volume que outras partículas na matéria,

como também porque têm massa menor. Integrando sobre todos os possíveis ângulos

Ω (dΩ=senΘdΘdϕ, ϕ = ângulo azimutal varia de 0 a 2π, enquanto Θ varia de 0 a π)

encontramos a seção de choque total:

σ π π0

2

228

383

=

=e

m cr

ee (7)

Nesta última expressão já ficou incluída a defininição de raio clássico de uma

partícula, no caso o elétron.

1.4.2 Efeito fotoelétrico

Quando a energia, E, do fóton incidente é igual ou superior à energia de

ligação de um elétron num átomo do meio, pode ocorrer transferência da energia do

fóton ao elétron e consequente ejeção do elétron. Este último é chamado fotoelétron,

cuja energia passa a ser:

Ee = E - I

Onde I é a energia de ligação. Na verdade o efeito fotoelétrico é a interação

mais provável para energias de fóton da ordem da energia de ligação dos elétrons nos

átomos de quaisquer elementos químicos (∼ KeV).

O fotoelétron é o resultado básico da interação, a partir do qual se pode

detectar o fóton. Como o átomo que perdeu um elétron fica em estado excitado, pode

também ser emitido um fóton ou mesmo um elétron (Auger-elétron), ambos de baixa

energia, a fim de que o átomo retorne a um estado equilibrado.

Page 26: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

26

O efeito fotoelétrico só é possível com elétrons ligados, visto que não é

possível para um elétron livre adquirir energia no processo e conservar momento.

Num elétron ligado o núcleo absorve o momento de recuo. Sabe-se aliás que os

elétrons ligados à camada K são os mais suscetíveis ao efeito fotoelétrico. Para estes

valem as seguintes aproximações [7,8]:

P E Z NA

m cEfoto

a e( ) =

4 20

4 52

72

σ α (para I << E << mec2) (8)

P E Z NA

m cEfoto

a e( ) =

32 0

4 52

σ α (para E >> mec2) (9)

O termo σ0 é o mesmo definido em (7). Na faixa de energias de valor próximo

de I ocorrem as conhecidas bordas de absorção: aumento ‘súbito’ da absorção de

fótons por efeito fotoelétrico quando a energia do fóton tende ao valor da energia de

ligação. Um termo de correção deve ser introduzido em (8) para que seja coberta esta

faixa de energia [1].

1.4.3 Efeito Compton

Se a energia do fóton é muito superior à energia de ligação, um elétron num

átomo pode ser considerado como livre. Então ocorre colisão inelástica entre fóton e

elétron: o elétron adquire energia e é projetado fora do núcleo, enquanto o fóton perde

energia e muda de trajetória. Este é o fenômeno conhecido como Efeito Compton.

Relativamente às outras interações, esta é a mais conhecida do ponto de vista

analítico. Sua probabilidade é expressa por [9]:

( )

P ECm c

EE

m cm c

EC m c

EComptone

e

e e( ) ln=

+

π π2

2

2 2 3

32 22 4

(10)

onde C NA

a= 38 0σ

Page 27: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

27

Vale ressaltar que, para efeitos de detecção e medida da energia do fóton, esta

interação apresenta o inconveniente de que, embora um elétron seja liberado com uma

parte da energia, o fóton continua sua trajetória, podendo escapar do meio absorvedor.

1.4.4 Produção de Pares

Desde que a energia do fóton seja superior a duas vezes a energia do elétron

em repouso (≈ 1.02 MeV), passa a ser possível que o fóton desapareça criando um par

elétron-pósitron. Novamente, para que seja conservado o momento, é necessário que

haja um corpo ou partícula que absorva o momento de recuo - geralmente o núcleo de

algum átomo. Ou seja, não pode ocorrer produção de pares no vácuo. Esta interação

pode ser entendida qualitativamente como um processo de Bremsstrahlung ao

contrário: em vez de uma partícula carregada ser desacelerada gerando luz, um fóton

desaparece gerando partículas carregadas. Esta analogia é usada no tratamento teórico

da produção de pares [1]. Entretanto, expressões analíticas para a probabilidade de

interação só são possíveis por aproximações dentro de faixas de energia [10,11]:

P EZ Z

NA

r

ZE

m cpar

ae

e

( )( )

.ln=

+

+

4 1

1 01282

79

2 10954

2

2 2

α (11)

(para mec2<<E<<137mec2Z-1/3)

( )P EZ Z

NA

r

ZZpar

ae

( )( )

.ln /=

+

+

−4 1

1 01282

79

183 154

2

21 3

α (12)

(para E>>137mec2Z-1/3)

Page 28: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

28

Para fins de comparação, mostramos na Fig. 07 as curvas de probabilidade de

interação em 1 g/cm2 de absorvedor para os fenômenos tratados. Para cada interação a

curva P(E) é mostrada na faixa de energias onde é predominante.

104 105 106 107 108 109 10100,0001

0,001

0,01

0,1

1

10

100

Produção de pares[equação 11]

Efeito Compton[equação (10)]

Efeito fotoelétrico (camada K)[equação (8)]

P(E) por g/cm2

Probabilidade de absorção defótons por g/cm2 de Argônio

Energia [eV]

1.4.5. Coeficiente de absorção

As interações de fótons acima descritas permitem delinear algumas

características dos raios-x (fótons de energia ∼ 1 Kev a 100 KeV ) e raios gama (fótons

de energia ∼ acima de 100 KeV). A mais evidente é que, devido à ausência de carga

elétrica e de massa, esse tipo de radiação é muito mais penetrante. Além disto, os

fótons de um feixe que atravessa um meio absorvedor não perdem energia. Apenas o

feixe perde intensidade, já que os fótons que interagem são subtraídos. De fato,

observa-se que a intensidade, I, decai exponencialmente com a espessura do meio:

I x I e x( ) = −0

µ (13)

Fig. 07: Comparação entre as probabilidades de absorção de fótons por diferentes interações em 1 g/cm2 de Argônio.

Page 29: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

29

Onde I0 é a intensidade do feixe incidente. Esta relação não é verificada

quando a energia dos fótons tem valor muito próximo da energia de ligação de

elétrons, caso em que ocorrem as bordas de absorção. O coeficiente µ inclui as

contribuições das seções de choque de todas as interações. É comum usar a espessura

de massa, ρ, na expressão (13) a fim de levar em conta a densidade do meio

absorvedor. Para isto se escreve:

I x I e x( ) = −

0

µρ

ρ

1.5 Interações de Nêutrons

Nêutrons também não têm carga elétrica, portanto fórmula de Bethe-Bloch não

é aplicável aos mesmos. Além disto, eles praticamente só interagem com o campo

nuclear. Em consequência, as interações não são conhecidas por expressões analíticas

simples. Para os nêutrons, um meio absorvedor é quase como espaço vazio, dada o

pequeno volume dos núcleos atômicos relativamente ao volume ocupado pelos

elétrons. Por isso observa-se que os nêutrons são extremamente penetrantes e suas

interações são raras.

Entre as possíveis interações podem-se enumerar [1,12]:

- Espalhamento elástico com núcleos, predominante para energias da ordem de

MeV.

-Espalhamento inelástico. Neste caso o núcleo fica excitado e pode emitir

fótons. Para este processo o nêutron deve ter energia muito superior a MeV, para que

possa perturbar o núcleo atômico.

- Captura. Neste caso o nêutron é incorporado ao núcleo e um fóton ou uma

partícula carregada são emitidos. A probabilidade de captura é maior para nêutrons de

baixa energia.

- Fissão nuclear: o núcleo é literalmente ‘quebrado’ e fótons são emitidos.

Mais provável para nêutrons lentos ou térmicos ( ⇒ energia cinética comparável à

excitação térmica ≈ kT ≈1/40 eV).

Page 30: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

30

- Produção de chuveiro de hádrons. Importante apenas para energias acima de

100 MeV.

Page 31: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

31

II - Detetores a Gás

Conclui-se a partir da revisão acima apresentada que uma partícula que

atravesse um meio material deixará neste uma certa quantidade de energia, desde que

seja prevista uma espessura suficiente para propiciar interações. A energia depositada

será absorvida principalmente pelos elétrons ligados aos átomos. Partículas mínimo-

ionizantes depositam aproximadamente 1 MeVcm2/g em Argônio (⇒ ≈ 2 KeV/cm). A

energia,W, necessária para ionizar um átomo do gás é cerca de 26 eV. Portanto numa

espessura de 1 cm de Argônio uma tal partícula deve gerar cerca de 38 (1 KeV / 26

eV) pares e--íon+. No caso de fótons de 2 KeV esta energia será transferida para um

elétron, provavelmente ligado à camada K, cuja energia de ligação é da ordem de

KeV. O fotoelétron também perde energia no meio, conforme descrito pela equação

(3), gerando pares e--íon+. A tabela abaixo mostra a energia média necessária para

ionização de diversos gases a pressão atmosférica, bem como outros dados relevantes

[2]. A coluna dE/dx se refere a partículas mínimo-ionizantes.

Gás ρ [g/cm3] W [eV] dE/dx [KeV/cm]

H2 8.38 x 10-5 37 0.34

He 1.66 x 10-4 41 0.32

N2 1,17 x 10-3 35 1.96

O2 1.33 x 10-3 31 2.26

Ne 8.39 x 10-4 36 1.41

Ar 1,66 x 10-3 26 2.44

Kr 3.49 x 10-3 24 4.60

Xe 5.49 x 10-3 22 6.76

CO2 1.86 x 10-3 33 3.01

CH4 6.70 x 10-4 28 1.48

C4H10 2.42 x 10-3 23 4.50

Os pares e--íon+ podem ser coletados em eletrodos para produzir um sinal

elétrico. Na maioria dos detetores procura-se obter um sinal elétrico como resultado

da detecção, para que se possa beneficiar das técnicas disponíveis para o tratamento

Page 32: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

32

analógico e digital de sinais. Os detetores a gás são muito difundidos em diversas

aplicações principalmente porque a separação e coleta de pares e--íon+ é muito mais

simples em meio gasoso do que em sólidos ou líquidos.

2.1 Princípio de funcionamento e modos de operação

Na Fig. 08 é esboçado o esquema de funcionamento de um detetor a gás. O gás

é contido entre dois eletrodos entre os quais é estabelecido um campo elétrico, através

da diferença de potencial elétrico V0. A passagem de uma partícula ionizante gera

pares e--íon+ que são atraídos para os respectivos eletrodos. Segundo o esquema

mostrado é possível medir tanto a corrente de ionização quanto o variação de tensão

ocasionada pela detecção de partículas.

Na ausência de campo elétrico, a tendência natural dos pares gerados é se

recombinarem, re-estabelecendo assim a neutralidade elétrica dos átomos. Os elétrons

em podem também ser capturados por moléculas de impurezas presentes no gás. Na

verdade algumas impurezas são propositadamente adicionadas (Ver 2.6). A presença

do campo elétrico permite que os elétrons e íons sejam direcionados aos eletrodos. A

partir de um certo valor de V0 todos eles atingem os eletrodos antes de se

recombinarem. Nesse caso o detetor é chamado de ‘câmera de ionização’, em alusão

ao fato de coletar a carga total de ionização gerada pela partícula detectada.

Note-se que os elétrons e íons gerados efetivamente adquirem energia do

campo elétrico, acelerando-se em direção aos eletrodos. É claro que eles podem

também provocar novas ionizações, desde que adquiram energia suficiente para tanto.

Os elétrons, por ter menor massa, são mais acelerados e portanto são mais suscetíveis

de gerar ionizações em choques com elétrons ligados. As novas ionizações são

Fig. 08: Esquema de funcionamento de um detetor a gás.

R Partícula incidente

Page 33: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

33

chamadas ‘ionizações secundárias’ e podem também gerar mais ionizações. Este

processo de ionizações em cascata é conhecido como ‘avalanche’.

A capacidade de gerar ionizações secundárias é uma característica

extremamente importante dos detetores a gás. Aumentando-se a diferença de potencial

V0, pode-se obter uma multiplicação da carga de ionização e com isto uma

amplificação do sinal detectado. O ponto interessante é que esta amplificação é

intrínseca ao detetor, não solicitando um circuito externo. Até um certo limite para o

valor de V0, a quantidade total de carga de ionização é proporcional a energia

depositada pela partícula. Um detetor operando dentro deste limite é chamado

‘contador proporcional’.

Uma expressão simples para o fator de multiplicação pode ser obtido. Seja λ o

livre caminho médio de um elétron no gás. O incremento (dn) do número de elétrons

(n) presentes numa posição x, após percorrer uma distância dx deve ser:

dn = n(x+dx) - n(x) = nαx (α = 1/λ)

Expandindo n(x+dx) e utilizando aproximação de primeira ordem,

encontramos:

xenxn α)0()( =

O fator de multiplicação, M, é portanto:

M = n(x)/n(0) = eαx

Nesta descrição simplificada, x é tomada como uma coordenada paralela ao

campo elétrico. O termo α, conhecido como ‘primeiro coeficiente de Townsend’ é

função de fatores como composição e pressão do gás, e também do campo elétrico

aplicado. Uma expressão mais genérica para o fator de multiplicação é:

M ou M = exp=

∫ ∫exp ( ) , ( )( )

( )

α α ∂∂

x dx E xE

dEx

E

E x

0 0

(14)

Page 34: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

34

A validade destas fórmulas já foi verificada para ganhos de até M ≈104

[13,14].

Na região proporcional, aumentar V0 implica aumentar M. Os contadores

proporcionais são por isto muito usados para a medida de energia da partícula

incidente. Acima do limite desta região, a quantidade de carga elétrica gerada por

partícula detectada passa a funcionar como blindagem para o campo elétrico, de modo

que a proporcionalidade é gradualmente perdida. Aumentando-se ainda mais o valor

V0, atinge-se uma região em que a quantidade total de carga gerada é constante,

independente da quantidade de carga gerada primariamente pela partícula ionizante.

Esta é a região de operação dos contadores Geiger-Muller, que apresentam boa relação

sinal ruído mas não oferecem resolução em energia.

A Fig. 09 ilustra qualitativamente o comportamento de um detetor a gás em

função do campo elétrico aplicado, para duas partículas de energias diferentes. Nas

câmeras de ionização geralmente se mede a corrente de ionização a fim de monitorar a

intensidade de um feixe de partículas. Como nelas não ocorre o processo de

avalanche, a quantidade de carga por evento detectado é pequena e portanto elas se

prestam à monitoração de feixes intensos. Nos contadores proporcionais é mais

comum a medida do pulso elétrico gerado pela partícula detectada, a fim de se

relacionar sua amplitude com a energia depositada. Pelo fato de se beneficiarem da

multiplicação por avalanche, são também usados em outras aplicações (exemplo:

detetores sensíveis a posição, Ver 2.4). Os contadores Geiger-Muller, devido a sua alta

sensibilidade, são aplicados genericamente para contagem de diferentes tipos de

partículas.

Page 35: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

35

Câmera deIonização

ContadorProporcional

ContadorGeiger-Muller

V0

Carga elétricaColetada

E1

E2

E1 > E2

2.2 Geometria e campo eletrostático

O eletrodo utilizado para coletar os elétrons é geralmente um fio, por razões

que ficarão claras a seguir. A geometria mais elementar para os eletrodos de um

detetor a gás é uma disposição de cilindros coaxiais, onde o cilindro interior (fio

anodo) coleta os elétrons enquanto os íons positivos se dirigem ao cilindro exterior

(catodo). Nesse caso, aplicação da lei de Gauss fornece para o campo elétrico:

E rCV

r( ) = 0

021

πεε (15)

Cba

=

2 0πεε

ln

Fig. 09: Representação qualitativa das regiões de operação possíveis para um detetor a gás.

Page 36: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

36

C é a capacitância por unidade de comprimento, ε é a permitividade relativa do

gás, a e b são respectivamente os raios dos cilindros interior e exterior. O potencial

V(r) é obtido por integração de E(r):

V r CV br

( ) ln=

0

02πεε (16)

Note-se que o campo elétrico atinge valor máximo na superfície do fio e

decresce rapidamente. Para um valor fixo de V0, o valor máximo é tanto maior quanto

menor for o raio do fio. Utiliza-se na prático fios cujo raio é da ordem de

micrômetros. Esta é a razão pela qual é adotada a geometria de fios, principalmente

em contadores proporcionais: valores de campo elétrico bastante altos são atingidos

em uma pequena região espacial. Em particular o valor Ec de campo elétrico

necessário ao início das avalanches só é atingido próximo da superfície do fio. Esta

característica favorece tanto a localização de posição do evento quanto a sensibilidade

em energia. Numa geometria mais simples, tal como dois planos condutores

paralelos, o campo elétrico entre os planos é constante. Aumentando-se V0 até o valor

necessário para o regime proporcional obtém-se a condição de avalanche (E = Ec) em

todo o detetor, de modo que as avalanches podem ocorrer em qualquer ponto do

volume detecção. Assim a quantidade total de carga de ionização passa a depender

também da posição, prejudicando a resolução em energia.

2.3 Formação do sinal elétrico

O sinal elétrico observado nos eletrodos por ocasião da detecção de uma

partícula é essencialmente devido ao deslocamento de cargas elétricas no campo

eletrostático do detetor. De fato, uma partícula de carga q deslocando-se sob ação de

um campo elétrico adquire energia:

δE q dx

x

= ∫ E x.1

2

Page 37: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

37

A lei de conservação exige que esta mesma quantidade de energia seja perdida

pelo campo eletrostático, o que acarreta variação do potencial nos eletrodos:

q d Qdu CV dux

x

E x.1

2

0∫ ∫∫= − = −

Onde Q é a carga elétrica presente nos eletrodos para gerar o campo

eletrostático e u é a amplitude da variação de potencial induzida nos mesmos pela

carga q. Nos detetores, u << V0, de modo que CV0 ≈ C(V0+u). Considerando x como

uma coordenada paralela ao campo elétrico, e substituindo E = -dV/dx, obtemos uma

expressão genérica para a amplitude do sinal:

du qCV

dVdx

dxx

x

=∫ ∫0 1

2

(17)

Na geometria de fios, x ≡ r. As cargas que contribuem para a formação do sinal

são os elétrons e os íons positivos. As diferenças entre estes dois portadores de carga

elétrica determinam a forma do sinal gerado.

Consideremos um evento (≡ detecção de partícula ≡ avalanche) originado na

posição r0. Seja -q a carga total dos elétrons liberados e +q a carga total dos íons

positivos. Considerar a carga elétrica em questão como puntual é uma aproximação

válida (pelo menos para fins de estimativas) na geometria de fios, visto que as

avalanches ocorrem num pequeno volume espacial. Segundo a expressão acima, a

contribuição dos elétrons é dada por:

u q qCV

ddr

CV br

dr q rar

a

( ) ln ln− = −

= −∫

0

0

0 0

0

02 2πεε πεε

Para os íons obtém-se da mesma forma:

u q qCV

ddr

CV br

dr q rbr

b

( ) ln ln+ =

=∫

0

0

0 0

0

02 2πεε πεε

Page 38: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

38

A variação total de potencial elétrico é portanto:

u u q u q q ba

qC

= + + − = −

= −( ) ( ) ln2 0πεε

O resultado acima corresponde ao esperado. Por outro lado, é menos intuitivo

constatar que a contribuição maior para a variação de potencial é devida aos íons

positivos. Para valores típicos de parâmetros de construção de detetores (r0 = 15 µm, a

= 10 µm, b = 1 cm), encontramos:

u qu q

rabr

( )( )

ln

ln.−

+=

0

0

0 062

A contribuição dos elétrons é portanto desprezível. O motivo fica claro a partir

das relações estabelecidas acima: enquanto os elétrons são rapidamente coletados no

anodo, percorrendo uma distância infinitesimal, os íons percorrem uma distância

muito maior, sofrendo mais a influência do campo elétrico.

É importante avaliar também a forma ( ≡ evolução temporal) do sinal elétrico

detectado. Para os íons positivos, é fato conhecido [15] que sua velocidade de

deslocamento no gás é proporcional ao quociente E/P, onde P é a pressão do gás:

v+ = = =++

µµ

πεεEP

drdt

CVP r

0

021

µ+ é chamado de ‘mobilidade’ dos íons positivos (nenhuma relação com o

coeficiente de absorção). Da expressão acima deduzimos:

rdrCV

Pdt r t

CVP

t rr

r t t

0

0

00

0

00

2( )

( )∫ ∫= ⇒ = ++ +µπεε

µπεε

(18)

Page 39: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

39

Usando agora as equações (16), (17) e (18), obtemos para o sinal induzido no

anodo:

u t qP r

t++

= − +

( ) ln

21

0 0 02πεε

µπεε

(19)

Note-se que um sinal simétrico a este é induzido no catodo: ucatodo = - uanodo. A

Fig. 10 mostra u+(t) para uma configuração definida pelos parâmetros seguintes, que

podem ser considerados típicos:

q = 1.6 x 10-13 C (100 elétrons primários, com fator de multiplicação 104)

ε = 1 (Argônio a pressão atmosférica, P = 1)

r0 = 30 µm

C = 8 pF (a = 10 µm, b = 1 cm)

V0 = 3000 V

µ+ = 1.7 x 10-4 m2/V.s (para Argônio a pressão atmosférica)

A função u(t) assim obtida descreve a variação de potencial no interior do

detetor. Mas este não é exatamente o sinal observado no exterior, uobs(t). Conforme

mostrado na Fig. 08, um circuito é necessariamente utilizado para se observar o sinal

detectado, cuja impedância de entrada é R. Este circuito juntamente com o detetor

definem o equivalente a um circuito diferenciador. O produto RC (onde C inclui as

capacitâncias do detetor, do circuito exterior, e capacitâncias espúrias) define uma

constante de tempo segundo a qual o função u(t) será diferenciada. A ausência de

circuito de medida implica R = infinito, e neste caso teríamos uobs=u(t). Na Fig. 10

são mostradas as formas de pulso para diferentes valores da constante de tempo.

Page 40: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

40

-0,020

-0,015

-0,010

-0,005

0,000

0 100 200 300 400 500

RC = 10 µ s

RC = 100 µ s

RC = 1 ms

RC = infinito

t [µs]

u [Volts]

A constante de diferenciação é estabelecida segundo se queira favorecer

resolução em energia ( maior amplitude ⇒ RC → ∞) ou resolução temporal (sinais

rápidos ⇒ RC→ 0).

2.4 Detetor sensível a posição

Conforme ressaltamos acima, a geometria de fios favorece a localização

espacial do evento em detetores a gás. Várias técnicas foram desenvolvidas para a

localização ao longo do fio, entre as quais podemos citar:

- Técnica do Fio Resistivo. Neste caso o fio tem resistência elevada, e em suas

extremidades são previstos capacitores de valor conhecido. Dessa forma o sinal

correspondente a um evento sobre a posição x ao longo de um fio de comprimento L

encontra resistências diferentes ao se propagar em direção às extremidades. Nesse

Fig. 10: Evolução temporal do pulso gerado por um evento para diferentes valores da constante de tempo RC.

Page 41: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

41

caso o circuito RC funciona como integrador, de modo que o tempo de subida do

pulso elétrico depende da posição x [16].

- Técnica da Linha de Retardo. O sinal elétrico é coletado no catodo, que é

subdivido em pistas independentes. As pistas são conectadas a uma linha de retardo,

de tal sorte que a posição pode ser determinada pelo tempo de propagação do sinal

sobre a linha [17].

- Técnica da Centróide. Catodo também subdivido em pistas. A quantidade de

carga induzida pelo evento em cada uma das pistas é medida, e a posição é

determinada pelo cálculo da centróide da distribuição de cargas [18].

A Fig. 11 ilustra a implementação dessas técnicas.

2.5 Contador Multifilar

Uma associação de vários fios paralelos [2] num detetor a gás constitui uma

poderoso instrumento de detecção. Cada fio opera como um contador proporcional,

portanto daí já resulta sensibilidade em energia e capacidade para taxas de contagem

elevadas. Por outro lado, os fios podem cobrir uma área importante (em algumas

aplicações da ordem de vários metros quadrados) e habilitar localização

(a)

(b)

(c)

Fig. 11: Esquemas das técnicas de localização: (a) fio resistivo, (b) linha de retardo, (c) centróide.

Page 42: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

42

bidimensional. Esse conjunto de características faz dos contadores multifilares um dos

tipos de detetores mais flexíveis, podendo ser utilizados nas mais diversas aplicações.

2.6 Escolha do gás

O gás de operação é geralmente um gás nobre. Devido a sua estabilidade física

e química, os átomos de gases nobres normalmente emitem elétrons quando da

absorção de energia, o que favorece a produção do sinal elétrico na detecção de uma

partícula. Argônio é o mais usado, por ser de mais fácil obtenção e baixo custo

relativamente aos outros.

Além do gás nobre uma pequena fração de outro gás é normalmente

adicionada ao gás de operação dos detetores. A função do gás adicional é ‘frear’ o

processo de avalanche, evitando que o detetor entre em regime de descarga contínua.

Sem ele, os próprios fótons de des-excitação dos átomos podem extrair elétrons das

paredes do detetor e dar início a novas avalanches. O gás adicional é chamado gás de

‘quenching’. Sua característica principal é justamente dispor de processos de absorção

de energia sem emissão de elétrons. Esta característica é encontrada em gases de

moléculas de estrutura complexa, tais como: CH4, C4H10, C2H6, C02. Uma mistura

padrão, comercialmente disponível é a chamada P10, composta de 90% Argônio +

10% CH4.

2.7 Limitações dos detetores a gás

A limitação mais evidente para o uso de detetores a gás vem certamente da

baixa densidade do gás como meio absorvedor. Para absorver toda a energia de

partículas de alta energia ( >> KeV) seria necessária uma espessura de gás

impraticável, mesmo sob alta pressão. Outra limitação vem do tempo necessário para

coleta das cargas de ionização. Num contador proporcional sob taxas de contagem

muito altas a quantidade de carga gerada por ionização pode atenuar o campo elétrico.

Por esta razão a máxima taxa de contagem possível a um detetor a gás é da ordem de

105 eventos/s/mm2. Embora este limite seja aceitável na maioria das aplicações, a

disponibilidade de fontes de raios-x tem impulsionado o desenvolvimento de novas

estruturas de detecção em meio gasoso. Um exemplo disto é a substituição dos fios

Page 43: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

43

por pistas condutoras depositadas em um substrato isolante (microstrips [19]), uma

técnica que permite menor espaçamento entre eletrodos e portanto menor tempo para

coleta de cargas. A resolução espacial é limitada pela dimensão das avalanches

(algumas dezenas de micrômetros), e também pelo Range de elétrons no gás [20] .

Page 44: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

44

III Cintiladores e Tubos Fotomultiplicadores

Emitir luz em consequência da absorção de energia é uma propriedade

presente na maioria dos materiais. Notamos anteriormente que um átomo que perde

elétrons fica em estado excitado, e um dos mecanismos para retornar a um estado

estável envolve emissão de luz. Nos detetores cintiladores é justamente esta luz

emitida que permite a detecção de partículas ionizantes. Para ser utilizável como

cintilador, um material deve reunir as seguintes propriedades:

- Converter a energia cinética de partículas absorvidas em fótons, com boa

eficiência.

- A quantidade de fótons gerados deve ser linearmente proporcional a energia

absorvida.

- Ser transparente aos fótons por ele gerados, de modo que a luz possa ser

transmitida a um dispositivo capaz de captá-la.

- O processo de emissão deve ter curta duração, para que seja viável a

contagem de partículas.

Estas propriedades restringem os cintiladores a algumas classes já bem

conhecidas, embora o desenvolvimento de novos cintiladores continue desde a

descoberta dos primeiros: cristais orgânicos, líquidos e plásticos, cristais inorgânicos,

vidros e gases.

O uso efetivo de cintiladores só foi possível depois da invenção dos tubos

fotomultiplicadores (∼ 1940), que convertem fótons de baixa energia em elétrons num

processo semelhante ao das avalanches em detetores a gás. Mais recentemente foram

disponibilizados comercialmente os fotodiodos e diodos avalanche, que tornam ainda

mais versátil o uso dos cintiladores.

3.1 Forma do sinal luminoso num cintilador

O processo físico que resulta em emissão de fótons por um átomo excitado é

um re-arranjo de elétrons nos níveis de energia disponíveis. Nas transições entre

níveis o excesso de energia é emitido na forma de fótons. O intervalo de tempo

necessário às transições é da ordem de nano-segundos, e o processo é chamado de

fluorescência. É também possível que um elétron realize transição a um estado meta-

Page 45: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

45

estável, e se mantenha nesse estado por um intervalo de tempo bem maior antes de

decair com emissão de fóton. Nesse caso a emissão é retardada: o intervalo entre

absorção de energia pelo átomo e emissão do fóton pode levar desde alguns micro-

segundos até horas, dependendo do material. Este último processo é chamado de

fosforescência.

Uma maneira simples de descrever o sinal luminoso é representá-lo por

decaimento exponencial:

N tN

ed

t

d( ) =−

0

ττ (20)

Onde N(t) é o número de fótons emitido no instante t, N0 o número total de

fótons emitidos, e τd é uma constante de tempo característica do processo.

0 20 40 60 80 100

0

200

400

600

800

1000

Eq. (21)

Eq. (20)

N(t)

Modelos para a formado sinal luminoso

t [ns]

Observa-se que o tempo de subida de zero a máximo é muito menor que a

duração total do pulso, por isto este tempo é desprezado no modelo representado pela

Fig. 12: Curvas de descritivas da forma do sinal luminoso em cintiladores.

Page 46: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

46

equação (20). Isto equivale a admitir que o tempo de população dos estados excitados

é muito menor que o tempo de transição entre estados. Entretanto, em alguns

cintiladores o tempo de população não é desprezível. Uma expressão mais abrangente

para a forma do sinal pode ser:

( )N tN

e et t

( ) =−

0

1 2

1 2

τ ττ τ (21)

Onde τ2 é a constante de tempo para o processo de população de estados

excitados. As equações (20) e (21) correspondem satisfatoriamente às formas de sinal

observadas experimentalmente. Valores para as constantes de tempo são ajustadas aos

cintiladores e divulgadas pelos fabricantes. A Fig. 12 apresenta dados referentes às

duas equações, com N0 = 20000, τ1 = 20 ns e τ2 = 4 ns.

Uma forma ainda mais genérica para a forma do sinal incluiria uma terceira

constante de tempo, chamada de componente lenta, que adiciona ao modelo a

contribuição das emissões de fótons atrasadas (exemplo: fosforescência).

3.2 Classes de cintiladores

O uso de cintiladores tornou-se comum pela diversidade de materiais que

apresentam a propriedade de cintilação. Pode-se encontrar provavelmente um tipo de

cintilador adequado a cada tipo de radiação, bem como tipos de cintilador que cobrem

aplicações de vários tipos de radiação. Apresentamos a seguir uma breve descrição das

principais classes de cintiladores, com uma breve descrição de suas propriedades.

3.2.1 Cintiladores orgânicos

Os cintiladores orgânicos são compostos por moléculas de hidrocarbonos

aromáticos, para as quais é representativo o diagrama de níveis de energia apresentado

na Fig. 13. São mostrados o estado fundamental, S0, e dois estados excitados S* e

S**, com os correspondentes sub-estados que se referem à estrutura fina das

moléculas (estados degenerados). S0, S* e S** são estados associados a ‘spin singlet’.

Page 47: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

47

Na figura são também mostrados os estados associados a ‘spin triplet’, que são

decalados em energia. O espaçamento energético entre níveis eletrônicos é da ordem

de eV, enquanto o espaçamento entre sub-níveis é da ordem décimos de eV. Os fótons

emitidos nas transições estão portanto na faixa de luz visível.

A absorção de energia de uma partícula ionizante normalmente leva elétrons

para estados excitados S** ou superior. Daí os elétrons decaem para o nível S* em

alguns picosegundos, sem emissão de fótons. Este processo é conhecido como

‘degradação interna’ [1]. Uma vez em S*, a maior probabilidade para os elétrons é

fazer uma transição para um dos subníveis de S0, com emissão de fótons. Esta é a

transição típica de fluorescência. Para os estados de ‘spin triplet’ ocorrem apenas

degradações internas. Poderiam ocorrer transições de T0 para S0, mas estas são

proibidas por regras de seleção. O que acontece efetivamene são interações entre

moléculas excitadas no estado T0 que resultam num estado excitado S* e daí uma

fluorescência. Esta última é portanto atrasada, e é responsável pela componente lenta

do sinal luminoso.

O fato de as transições de fluorescência ocorrerem de S* para um subnível de

S0 explica porquê um cintilador ideal é transparente a sua própria fluorescência: a

energia do fóton emitido nesta transição não é suficiente para excitar outra molécula.

Os cintiladores orgânicos se apresentam como cristais, líquidos e plásticos. O

cristal mais comum é o antraceno (C14H10), que se distingue por ter a mais alta

eficiência de conversão (maior saída de luz por unidade de energia absorvida). A

eficiência do antraceno é tomada como referência para especificação da eficiência de

T0

T*

T**

Excitação Degradação

S0

S*

S**

Fluorescência

Excitação Degradação

Fig. 13: Diagrama de estados eletrônicos para moléculas de cintiladores orgânicos.

Page 48: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

48

outros cristais. Sua constante de decaimento é aproximadamente 30 ns. Outros cristais

cintiladores conhecidos são C14H12 e C10H8, cuja constante de tempo é da ordem de

alguns nanosegundos.

3.2.2 Líquidos e plásticos

Os cintiladores líquidos são na verdade soluções onde um ou mais cintiladores

orgânicos são dissolvidos num solvente. A absorção de energia de ionização é feita

pelo solvente, que repassa energia para o soluto. Uma vantagem dos cintiladores

líquidos é que podem sem carregados com outros materiais para aumentar a absorção

numa determinada aplicação. Costuma-se adicionar, por exemplo, Boro-11 para

favorecer a detecção de nêutrons. Adiciona-se também materiais que absorvem luz

numa frequência e re-emitem numa frequência inferior. Estes materiais são

conhecidos como ‘deslocadores de comprimento de onda’ (wavelength shifters) sendo

importantes para transferir a luz do cintilador a um tubo fotomultiplicador num

comprimento de onda onde o tubo é mais eficiente.

Os plásticos são soluções em um solvente sólido. Sua característica principal é

o rápido tempo de resposta (constante de tempo de 2 a 3 ns). Constituem o caso típico

em que a expressão (20) não descreve adequadamente o sinal luminoso, sendo

necessário levar em conta o tempo de população de estados excitados. São também

flexíveis, facilmente usináveis em formas convenientes a cada aplicação.

3.2.3 Cristais inorgânicos

Nos cristais inorgânicos o processo de cintilação está relacionado com a

estrutura eletrônica do cristal, mais do que propriamente com os átomos componentes.

Os elétrons se dispõem em duas bandas: banda de valência, em que estão os elétrons

ligados à rede cristalina, e banda de condução onde estão elétrons livres para

condução elétrica (Ver 4.1). Absorção de energia de uma partícula incidente leva

elétrons da banda de valência à banda de condução, deixando um ‘buraco’ na banda

de valência. A volta de um elétron à banda de valência, preenchendo assim um

buraco, resulta em emissão de luz, mas o processo é pouco eficiente. Além disto, a

Page 49: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

49

energia envolvida na transição é tipicamente acima da região de eficiência dos tubos

fotomultiplicadores.

Pequenas quantidades de impureza são adicionadas aos cristais, com níveis de

energia intermediários entre banda de valência e banda de condução. Dessa forma são

criados sítios de impureza que atraem elétrons e buracos gerados pela passagem de

radiação ionizante, de modo que os próprios sítios são ionizados. O material

constituinte da impureza é chamado de ativador. Ao se des-excitar, este emite os

fótons característicos do processo de cintilação.

O cristal cintilador mais comumente utilizado é o NaI (Tl): iodeto de sódio,

ativado com tálio. Outros exemplos: CsI (Tl), CsI (Na), LiI (Eu). O tempo de resposta

é da ordem de 500 ns, sendo portanto considerados ‘lentos’ relativamente aos

orgânicos. Também são higroscópicos, o que torna delicada sua manipulação.

Outros cristais de interesse são: Bi4Ge3O12 (germanato de bismuto, ou BGO) e

BaF2 (fluoreto de bário). Estes são mais eficientes para detecção de raios γ, por conter

átomos de número atômico elevado. Além disto não são higroscópicos. Por outro

lado, a eficiência de conversão de energia em luz é inferior ao NaI e a resolução em

energia também é inferior.

3.2.4 Gases e vidros

Como foi visto anteriormente, os gases também podem emitir luz de

fluorescência. Para uso como detetores cintiladores os gases nobres são novamente os

mais eficientes. O tempo de resposta e bastante rápido ( ∼ 1 ns), mas o fóton emitido é

geralmente de energia na faixa de ultra-violeta. Nesta região os tubos

fotomultiplicadores são pouco eficientes, por isto costuma-se revestir o recipiente que

contém o gás com um deslocador de comprimento de onda (Ver 3.2.2).

Os vidros cintiladores são geralmetne boro-silicatos ativados com cério. A

eficiência é de aproximadamente de 25 - 30 %, relativametne ao antraceno. O tempo

de resposta é da ordem de dezenas de nanosegundos. O interesse dos vidros

cintiladores é a robustez física e química, pelo que são a melhor escolha para

aplicações em ambientes agressivos.

Page 50: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

50

3.3 Discriminação por forma de pulso

Conforme mencionado em 3.1, a forma do pulso luminoso gerado em alguns

cintiladores pela passagem de partícula ionizante pode ter uma componente ‘lenta’.

Esta componente geralmente depende da função dE/dx para a partícula considerada. É

possível explorar esta dependência para distinguir o tipo de partícula. Por exemplo,

em CsI (Tl), o constante de tempo de decaimento é de 425 µs para partículas alfa, 519

µs para prótons e 695 µs para elétrons [21]. Estas diferenças se manifestam na forma

do pulso luminoso, e permitem assim a discriminação. A explicação para este

fenômeno não é completamente bem compreendida, mas sabe-se está relacionada com

o fato de que os estados excitados são populados em proporções diferentes,

dependendo da função dE/dx para cada partícula [1]. Um modelo para representar a

forma de pulso levando em conta as constantes de tempo rápida e lenta é expresso por:

N t Ae Bet t

A B( ) = +−

τ τ (22)

Os termos A e B são específicos de cada material, e são ajustados

empiricamente.

3.4 Limitações dos cintiladores

Os cintiladores não podem ser usados isoladamente. Qualquer que seja seu

desempenho, o resultado final de sua operação é de alguma forma convoluído com o

desempenho do circuito utilizado para conversão de sinal luminoso em sinal elétrico.

Os tubos fotomultiplicadores são os mais usados para este fim, e têm eficiência de

absorção (= número de fótons incidentes / número de fótons convertidos em elétrons)

da ordem de 30%. Isto não representa entretanto uma limitação crítica, já que tanto

cintiladores quanto tubos fotomultiplicaores de boa qualidade são disponíveis para

diversas aplicações.

Como principal limitação dos cintiladores podemos citar a não linearidade nas

medidas de energia. Num cintilador ideal espera-se que luminiscência, ou luz emitida

por cintilação, L, seja proporcional à energia absorvida:

Page 51: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

51

dLdx

dEdx

Na maioria dos cintiladores esta relação não é verificada, embora em alguns

ela corresponda a uma boa aproximação. A razão disto é que a resposta de cintiladores

a energia absorvida é uma função complexa de vários parâmetros, inclusive da energia

da partícula ionizante. A seguinte relação semi-empírica foi apresentada para

descrever as não-linearidades observadas [22]:

dLdx

A dEdx

B dEdx

=+1

Os parâmetros A e B são novamente ajustáveis empiricamente. Embora esta

relação tenha tido sucesso para explicar o comportamento de cintiladores, correções

de segunda ordem foram ainda propostas para melhorar o ajuste do modelo aos dados

[23].

Outro inconveniente que pode ser citado é a inadequação dos cintiladores para

medidas com sensibilidade a posição. De fato os cintiladores são normalmente usados

como contadores de partículas, com alguma resolução em energia e sem sensibilidade

a posição.

3.5 Tubos Fotomultiplicadores

A estrutura básica de uma fotomultiplicadora é apresentada na Fig. 14. Os

componentes principais da estrutura são: o fotocatodo, a óptica de focalização de

elétrons, os dinodos e o anodo. O processo de multiplicação inclui inicialmente a

transferência da energia do fóton (tipicamente ∼ 3 eV) para um elétron no fotocatodo,

a migração do elétron até a superfície do fotocatodo, o transporte do elétron até o

primeiro dinodo. A partir daí os elétrons são conduzidos num processo de

multiplicação até o anodo.

Page 52: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

52

Podem-se delinear algumas características esperadas para o fotocatodo:

- Deve dispor de uma banda estreita para permitir a passagem de elétrons da

banda de valência à banda de condução pela absorção de luz visível;

- Deve ser espesso o bastante para que o processo de absorção seja eficiente,

mas fino o suficiente para que os elétrons não sejam re-absorvidos durante o percurso

até a superfície do dinodo;

- Deve apresentar função trabalho baixa. Função trabalho é a energia

necessária para desprender um elétron da superfície de um meio. Em metais esta

energia é da ordem de 3 - 4 eV, mas pode chegar a 1.5 - 2 eV em semicondutores.

Estas características fazem do fotocatodo o componente crítico da

fotomultiplicadora.

A óptica de focalização de elétrons é composta por eletrodos que geram um

campo elétrico que guia os elétrons para a superfície do primeiro dinodo. Uma

diferença de potencial é aplicada entre dinodos subsequentes, de modo que os elétrons

são acelerados e geram novos elétrons nos choques com as superfícies. O material

componente da superfície dos dinodos é escolhido para que cada elétron incidente

provoque a emissão vários (pelo menos mais de 1) elétrons da mesma superfície. É

possível que, com uma diferença de potencial de 100V aplicada entre dinodos, cada

elétron produza cerca de 30 novos elétrons. Entretanto, apenas uma pequena fração

Janela de entrada

Fotocatodo

Óptica de focalização de elétrons

Dinodos (multiplicadores de elétrons)

Anodo (coletor de elétrons)

Fig. 14: Estrutura básica de um tubo fotomultiplicador

Page 53: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

53

destes atinge o próximo dinodo, já que muitos não chegam a se desprender da

superfície. Desde 1970 são disponíveis materiais com afinidade elétrica negativa [24]

(NEA - negative electron affinity). O tratamento da superfície dos dinodos com estes

materiais (exemplo: GaP, dopado com Zn) aumenta o rendimento da re-emissão de

elétrons.

A estrutura fotomultiplicadora composta pelos dinodos portanto fornece um

ganho em corrente elétrica. Com n dinodos o ganho é expresso por G = αδn, onde α é

a fração de fotoelétrons coletados (próximo de um para os melhores tubos). O valor de

δ é próximo de 5 para os dinodos convencionais. Seu valor depende naturalmente da

tensão entre dinodos. Ganhos da ordem de 106 - 107 são portanto atingíveis com

fotomultiplicadoras de 10 estágios.

O processo de multiplicação tem um aspecto estatístico importante. Pode ser

mostrado, admitindo-se que a produção de elétrons nos dinodos siga uma distribuição

de Poisson, que o o valor médio do número total de elétrons produzidos para um

elétron gerado no primeiro dinodo é δn, com variância 1/(δ-1). Melhor resolução em

energia é portanto obtida com valores altos de δ.

Um outro componente necessário ao funcionamento da fotomultiplicadora, não

mostrado na Fig. 14, é a chamada base. Consiste num circuito que distribui os valores

de tensão a cada dinodo a partir de uma tensão de alimentação ( ∼ divisor resistivo). A

partir da base se extrai o sinal de anodo, que traz a informação sobre o número total de

elétrons gerados por fóton absorvido.

3.5.1 Microchannel Plates

Vários outros tipos de fotomultiplicadoras existem, com desenhos diferentes

do mostrado na Fig. 14. Dentre estas a mais interessante é provavelmente a estrutura

em canal, em que o processo de multiplicação ocorre no interior de um tubo. O

aspecto interessante é que os canais são na verdade micro-estruturas, que podem ser

dispostas de modo a cobrir uma superfície. Tipicamente 104-107 canais (ou ‘furos’)

podem ser implantados numa superfície de 1” de diâmetro. Estas estruturas são

conhecidas como ‘microchannel plates’. Podem ser considerados como uma

fotomultiplicadora com sensibilidade a posição.

Page 54: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

54

IV Detetores a Semicondutor

Também conhecidos como detetores de estado sólido, os detetores a

semicondutor são análogos aos detetores a gás. A diferença essencial é que usam um

meio sólido para absorver partículas ionizantes. Apesar de ser mais praticável a coleta

de cargas elétricas de ionização em meio gasoso, a disponibilidade de materiais

semicondutores a partir de ∼ 1950 abriu possibilidades importantes para o

desenvolvimento de detetores. Enquanto nos detetores os portadores de carga elétrica

gerados por partículas ionizantes são pares e--íon+, nos semicondutores os pares são

do tipo elétron-buraco.

A vantagem mais evidente dos detetores a semicondutor parece ser a densidade

do meio absorvedor: um sólido tem capacidade de absorver mais energia em um

volume menor. Mas não menos importante é o fato de que a energia média necessária

para gerar um par elétron-buraco é ∼ 3 eV. Isto é aproximadamente 10 vezes menos do

que o necessário para gerar o par e--íon+ nos detetores a gás. Nos cintiladores a energia

média para se criar um fóton é pode chegar a 300 eV (BGO) ou mais tipicamente 60

eV (antraceno). Em consequência, os detetores a semicondutor fornecem melhor

resolução em energia.

4.1 Estrutura eletrônica dos semicondutores

Os átomos de um material semicondutor são dispostos em uma rede cristalina.

Enquanto em um átomo isolado os níveis de energia acessíveis a um elétron são

discretos, quando ordenados na rede os níveis se subdividem (degeneração) a tal ponto

que para o cristal pode-se falar em bandas de energia. A chamada banda de valência é

ocupada por elétrons ligados aos átomos e a banda de condução contém os elétrons

livres para circular pela rede cristalina. Entre as bandas de condução e valência existe

a banda ‘proibida’, no sentido de que não existe a probabilidade para que um elétron

do cristal tenha energia de valor dentro desta banda. Como mostrado na Fig. 15, esta

noção de bandas permite classificar genericamente os materiais como isolantes,

condutores e semicondutores.

Page 55: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

55

Num isolante praticamente não há elétrons na banda de condução, e a

diferença de energia entre as bandas de condução e valência é relativamente alta, de

modo que a, temperatura ambiente, um elétron não tem energia suficiente para ‘saltar’

para a banda de condução. Num condutor as bandas se interceptam, e os elétrons

podem se mover livremente pelos átomos do material. No semicondutor a diferença

de energia entre bandas é pequena, os elétrons podem facilmente passar para a banda

de condução deixando um buraco na banda de valência.

4.2 Semicondutor intrínseco, dopado e junção

Para ser usado como um detetor, um material semicondutor deve permitir a

coleta do sinal induzido pelo movimento de elétrons e buracos. Pode-se pensar, por

exemplo, em envolver uma certa espessura de material entre duas placas condutoras e

polarizá-las como em um detetor a gás. Embora o contato elétrico entre um condutor e

um semicondutor não seja impraticável, veremos brevemente a seguir que na prática

os detetores a semicondutor são feitos de maneira diferente.

Na rede cristalina de um semicondutor puro (≡ intrínseco) a temperatura

ambiente, existe uma probabilidade não nula para que elétrons passem para a banda de

condução, de modo que pares elétron-buraco são constantemente gerados. Em

condições de equilíbrio elétrico e térmico a concentração ni de elétrons ou buracos

pode ser expressa por [1]:

Valência Condução Proibida Intersecção

ISOLANTE SEMICONDUTOR CONDUTOR

∼ 6 eV ∼ 1 eV

Fig. 15: Classificação de materiais em termos da estrutura de bandas.

Page 56: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

56

n T ei

EkT

g

≈−3 2 2/ (23)

Onde T é a temperatura e Eg é a diferença de energia entre bandas a 0 K. Para

os semicondutores de fato utilizados como detetores o valor de ni a 300 K é de

aproximadamente 2.5 x 1013 /cm3 (silício) e 1.5 x 1010 /cm3 (germânio). Apesar de

essa concentração ser pequena relativamente à densidade do próprio semicondutor ( ∼

1022 átomos/cm3), representa uma espécie de ruído de fundo.

O semicondutor intrínseco pode ser dopado com uma impureza que tenha um

elétron de valência a mais ou a menos. A Fig. 16 mostra o resultado da adição de um

átomo de impureza na rede.

Tanto silício quanto germânio são átomos tetravalentes. Substituição de um

dos átomos da rede por um átomo pentavalente equivale a acrescentar um elétron à

banda de valência, enquanto o substituição por um átomo trivalente equivale a

acrescentar um buraco. Segundo este critério os semicondutores dopados são referidos

como ‘tipo-n’ e tipo ‘tipo-p’. Nos semicondutores tipo-n a corrente elétrica é

principalmente determinada pelo movimento de elétrons, e nos tipo-p pelo movimento

de buracos. As impurezas tipicamente usadas são: fósforo, arsênio, antimônio, gálio,

índio e boro. Note-se que no semicondutor dopado o equilíbrio elétrico é mantido, já

que o átomo acrescentado é eletricamente neutro. A equação (23) continua portanto

válida.

(a) (b)

Elétron em excesso Buraco em excesso

Fig. 16: Dopagem de semicondutores: (a) impureza tipo ‘n’, (b) impureza tipo ‘p’

Page 57: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

57

Uma junção pn é obtida quando se fabrica um semicondutor tipo-p justaposto

com um tipo-n. Na região de interface entre os dois, haverá tendência dos elétrons a

migrar para a região tipo-p, e dos buracos a migrar para a região tipo-n. Dessa forma a

região tipo-n torna-se carregada positivamente por haver capturado buracos, e a região

tipo-p torna-se carregada negativamente por haver capturado elétrons. Um campo

elétrico portanto se estabelece, implicando uma diferença de potencial elétrico

tipicamente da ordem de 1V. O dispositivo assim fabricado é o conhecido diodo

retificador.

Note-se que na região de interface, cuja espessura é da ordem de micrômetros,

não haverá excesso de carga elétrica, já que o campo elétrico estabelecido tende a

confinar os portadores de carga disponíveis nos respectivos polos de atração. Com isto

se obtem a eliminação quase completa do ruído de fundo (também chamado ‘corrente

de fuga’) acima mencionado. Esta região é chamada de ‘zona de depleção’. Para que

este dispositivo seja usado como um detetor, é preciso tanto aumentar a espessura da

região de depleção (para obter melhor eficiência na captação da energia de partículas

ionizantes) quanto a magnitude do campo elétrico (para que o processo de coleta de

carga seja eficiente). Esta configuração é obtida quando se aplica um campo elétrico

exterior à junção, conforme mostrado na Fig. 17.

O campo elétrico exterior aplicado à junção tende a confinar ainda mais os

elétrons ao lado p e os buracos ao lado n, aumentando assim a espessura da região de

depleção. Com isto obtem-se espessuras de alguns milímetros mediante aplicação de

Lado p Lado n

Depleção

Sinal de saída

Fig. 17: Esquema de funcionamento de um detetor a semicondutor.

Page 58: TÉCNICAS DE DETECÇÃO

58

algumas centenas de volts. O campo elétrico favorece exterior favorece também a

eficiência do processo de coleta de carga nos eletrodos. Aqui fica clara a analogia com

os detetores a gás. Fica também justificado porque não é viável a simples justaposição

de um material condutor a um semicondutor para se realizar o detetor: a região de

junção entre um condutor e um semicondutor é uma estrutura de comportamento

eletronicamente complexo. De fato, mesmo os condutores ôhmicos que permitem o

contato elétrico com as eletrodos no detetor semicondutor são na verdade regiões do

próprio semicondutor altamente dopadas com impurezas tipo-p ou tipo-n, que fazem o

papel de metais por ter resistência elétrica muito pequena.

4.3 Características do detetor a semicondutor

A energia média, w, necessária para produzir um par elétron-buraco em um

semicondutor é de 3.62 eV para o silício a 300K, e 2.96 eV para o germânio a 77K. Os

detetores fabricados a partir de germânio são resfriados a nitrogênio líquido para

assim minimizar a corrente de fuga presente na região de depleção. A amplitude do

sinal elétrico induzido pela deposição de energia E pela passagem de partícula

ionizante é portanto:

uC

n EwC

= =carga gerada

Onde n é um fator que traduz a eficiência de absorção e C a capacitância. Há

portanto linearidade na relação entre amplitude de sinal e energia depositada, além de

que w é praticamente independente do tipo de partícula ionizante (exceto para íons

pesados, para os quais observa-se que partículas de mesma energia podem gerar

diferentes amplitudes de sinal).

Devido ao pequeno valor de w, comparado a outros detetores, a resolução em

energia dos detetores a semicondutor é considerada excelente. Apesar de já serem

disponíveis comercialmente os diodos avalanche [24], o fator de ganho por

multiplicação é pequeno ( ∼ 200) nestes dispositivos, e nos detetores a semicondutor

mais correntemente usados não ocorre o processo de avalanche. Por esta razão, é

importante o uso de pré-amplificadores de baixo ruído e alto ganho conectados o mais

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próximo possível do eletrodo de coleta de carga, de modo a minimizar o valor de C.

No caso do uso de germânio é também necessário resfriar o detetor em nitrogênio

líquido. O valor de Eg para o germânio a 300K é 0.7V, pelo que há maior

probabilidade de trânsito de elétrons da banda de condução à banda de valência a

temperatura ambiente do que no caso do silício (Eg = 1.1 eV).

Dada a alta densidade dos sólidos, a eficiência de detecção dos detetores a

semicondutor é geralmente alta. Para detecção de raios γ (um dos usos mais correntes

dos detetores a semicondutor), germânio é preferido por apresentar maior número

atômico.

Para uma estimativa da forma de pulso, o mesmo procedimento apresentado

em 2.3 pode ser utilizado. A diferença principal em relação aos detetores a gás é que

os portadores de carga têm praticamente a mesma mobilidade e se movem em um

campo elétrico mais uniforme.

A tecnologia de fabricação de dispositivos semicondutores é complexa [1,24],

mas permite por exemplo a construção de micro-estruturas de detecção independentes

(detetores a micro-strips [25]), a partir das quais são realizados detetores sensíveis a

posição com resolução espacial inferior a 100 µm.

4.3.1 CCD’s

Micro-estruturas de silício podem ser fabricadas como poços de potencial

distribuídos sobre uma pequena superfície. Estes poços se carregam eletricamente

absorvendo elétrons liberados pela incidência de radiação (exemplo: luz visível). A

carga acumulada é lida por um processo eletrônico que transfere a carga presente em

cada poço a um circuito de saída. O dispositivo assim construído é chamado Charge-

Coupled Device (CCD). Sua utilização é mais conhecida como captador de imagens

de luz visível, embora seja também utilizado como detetor de partículas. Nesse caso

geralmente se prevê um absorvedor que converte a energia da partícula em luz visível

que é a seguir focalizada sobre o CCD.

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4.4 Limitações

Duas limitações à utilização de detetores a semicondutor podem ser

destacadas. A primeira delas é a dependência do desempenho dos detetores com a

temperatura. Detetores a germânio são necessariamente operados a baixa temperatura

a fim de se limitar a corrente de fuga. Também nos detetores a silício o aumento da

temperatura traz aumento da corrente de fuga e do ruído eletrônico. A outra limitação

vem da fragilidade da estrutura cristalina utilizada nos semicondutores. A presença de

impurezas prejudica a resolução em energia, por introduzir níveis de energia entre as

bandas de condução e de valência. Defeitos da própria estrutura, como a ausência de

um dos átomos em um ponto da rede cristalina, ou o deslocamento de uma parte dela,

também prejudicam o desempenho do detetor. Em particular a própria radiação

incidente pode causar danos estruturais ao semicondutor.

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