114
TEIXEIRA, Anísio. Uma perspectiva da educação superior no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.50, n.111, jul./set. 1968. p.21-82. Uma Perspectiva da Educação Superior no Brasil * Anísio Teixeira 1. Antecedentes Históricos Recebi a convocação desta Comissão com o sentimento de estar sendo grandemente honrado em ser ouvido pelo Parlamento brasileiro a respeito da educação superior. Devo dizer que julgo a própria constituição desta Comissão Parlamentar de Inquérito sôbre o ensino superior como um sinal dos tempos que estamos vivendo. A universidade e o ensino superior eram, de certo modo, algo de marginalizado da sociedade humana e que, nos últimos tempos, se vêm transformando numa instituição central, entregue ao seu labor próprio em busca da ciência, integralmente inserida na sociedade e se encaminhando para transformar-se na grande fôrça de promoção da cultura e do desenvolvimento econômico. Por isso mesmo, não pretendo iniciar minhas palavras sem fazer referência a certas coisas óbvias, para situar bem o problema da universidade e do ensino superior nos tempos em que estamos vivendo. A instituição universitária é realmente medieval. Foi na Idade Média que ela de fato realizou a verdadeira unificação da cultura chamada ocidental. A cultura da Europa foi unificada por essa universidade medieval que surgiu nas alturas dos séculos XI e XII, e que elaborou realmente um trabalho extraordinário de unificação intelectual do pensamento humano naquela época. Essa universidade, que chega a seu clímax, a seu ápice no século XIV, entra depois num período de

Teixeira

Embed Size (px)

DESCRIPTION

TEIXEIRA.docx

Citation preview

TEIXEIRA, Ansio. Uma perspectiva da educao superior no Brasil.Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos. Braslia, v.50, n.111, jul./set. 1968. p.21-82.Uma Perspectiva da Educao Superior no Brasil*Ansio Teixeira1. Antecedentes HistricosRecebi a convocao desta Comisso com o sentimento de estar sendo grandemente honrado em ser ouvido pelo Parlamento brasileiro a respeito da educao superior. Devo dizer que julgo a prpria constituio desta Comisso Parlamentar de Inqurito sbre o ensino superior como um sinal dos tempos que estamos vivendo. A universidade e o ensino superior eram, de certo modo, algo de marginalizado da sociedade humana e que, nos ltimos tempos, se vm transformando numa instituio central, entregue ao seu labor prprio em busca da cincia, integralmente inserida na sociedade e se encaminhando para transformar-se na grande fra de promoo da cultura e do desenvolvimento econmico. Por isso mesmo, no pretendo iniciar minhas palavras sem fazer referncia a certas coisas bvias, para situar bem o problema da universidade e do ensino superior nos tempos em que estamos vivendo. A instituio universitria realmente medieval. Foi na Idade Mdia que ela de fato realizou a verdadeira unificao da cultura chamada ocidental. A cultura da Europa foi unificada por essa universidade medieval que surgiu nas alturas dos sculos XI e XII, e que elaborou realmente um trabalho extraordinrio de unificao intelectual do pensamento humano naquela poca. Essa universidade, que chega a seu clmax, a seu pice no sculo XIV, entra depois num perodo de consolidao to rgida e to uniforme que verdadeiramente se torna uma das grandes fras conservadoras do mundo. Ela no aceitou completamente nem o Renascimento nem a Reforma e, durante os sculos XV, XVI, XVII e XVIII, prosseguiu num extraordinrio isolamento dentro da sociedade. Era ento a velha universidade medieval defendendo-se completamente dessas fras exteriores que se encaminhavam para transform-la. Quando, nas alturas do fim do sculo XVIII, a sociedade entra de nvo em fase de grande transformao, que se vinha elaborando desde o sculo XVI, mas que no sculo XVIII teve uma exploso caracterstica, essa universidade encontra-se em completa decadncia. A Revoluo Francesa fecha a Universidade de Paris, assim como as Universidades de Oxford e Cambridge j quase tinham sido fechadas por Cromwell. De fato, a universidade tinha realizado uma extraordinria obra de unificao do pensamento ocidental. Mas no tinha conseguido viver altura das novas exigncias da sociedade, que se encaminhava para a grande transformao cientfica. Lembro aos senhores deputados que os sculos XVI, XVII e, coroando todos os esforos, o sculo XVIII, foram todos de intensa renovao intelectual. Ento foi que, verdadeiramente, se processou a grande transformao do pensamento especulativo da Idade Mdia no pensamento criador e experimental da cincia. A universidade no faz a cincia. Newton estve ocasionalmente numa universidade. Mas no foi na universidade que realizou seu trabalho. E nenhum dos descobridores cientficos do momento eram universitrios.

A universidade estava refugiada no claustro, que era o seuhabitatna Idade Mdia. O aparecimento da universidade representou uma extraordinria inovao. Quando o crescimento intelectual da nossa cultura chamada ocidental entra em consolidao, o aparecimento da universidade, como corporao de professres e de estudantes, era uma total novidade, que foi facilitada pela obra da Igreja, que deu as cartas necessrias para a criao dessa universidade. Essa universidade, segundo a organizao ao tempo da Idade Mdia, era uma corporao de professres e alunos, entregues sua tarefa de descobrir a verdade, de descobrir o conhecimento. Podemos datar o verdadeiro perodo de florescimento da universidade medieval, da Universidade de Paris. Esta Universidade realizou o extraordinrio trabalho de juntar a Teologia Filosofia e, com ambas, fazer a obra intelectual dos sculos XII, XIII e XIV. Comea, no sculo XV, a decair, s vindo a renascer, verdadeiramente renascer, nos princpios do sculo XIX.2. A Universidade de HumboldtO renascimento da universidade, no sentido literal da palavra, a nova criao da universidade, feita por HUMBOLDT, no incio do sculo XIX, em Berlim. A Universidade de Berlim representa realmente os primrdios da nossa universidade contempornea. na Alemanha, com efeito, que se opera a grande renovao da universidade, voltando a ser o centro de busca da verdade, de investigao e pesquisa; no o comentrio sbre a verdade existente, no o comentrio sbre o conhecimento existente, no a exegese, a interpretao e a consolidao dsse conhecimento, mas a criao de um conhecimento nvo. A sociedade estava-se transformando, a pesquisa ia voltar a essa universidade, ento debruada tda sbre o passado, jogando-a para o futuro. Ela ia descobrir o conhecimento. Esta Universidade de Humboldt faz-se de tal modo a nova universidade, que tda a Inglaterra vai Alemanha buscar associar-se ao renascimento cientfico. A Holanda, que havia comeado trabalho paralelo, conjuga tambm seu esfro com o esfro alemo. E a Amrica do Norte, perdida ainda em duas orientaes muito curiosas - a velha universidade medieval e a de uma universidade extremamente moderna, utilitria, destinada aos problemas da sociedade prpriamente dita - vai buscar tambm novos rumos naquela Universidade, a colhendo a inspirao para constituir a sua verdadeira universidade moderna, que hoje lembra a Universidade alem de Humboldt, tda dedicada pesquisa e descoberta do conhecimento cientfico. Vemos, assim, que a universidade, aps atingir o seu pice na Idade Mdia e, depois, entrar em completa decadncia, chegando a ser at fechada, vem, em virtude das prprias transformaes sociais, a renascer na Alemanha. sse renascimento, conforme estava h pouco a dizer, cria uma universidade tda dedicada Cincia. Mas a Cincia ainda estava longe de ter os aspectos que tem hoje. A Cincia e a Filosofia estavam completamente unidas. De maneira que a maior faculdade da grande Universidade alem era a de Filosofia, pois a Filosofia era entendida como um desdobramento completo do conhecimento humano, inclusive o cientfico. Vejam que nas origens da universidade h sempre trs grandes orientaes que a dominam. E isto vamos encontrar na prpria Grcia, em que a Academia de Plato era uma universidade como esta que chegou a haver na Idade Mdia, no a do final da Idade Mdia, mas a anterior, uma universidade em busca do conhecimento e no a de apenas comentar o conhecimento passado. Mas, j a Universidade dos Sofistas, contra a qual Plato lutava, lembrava a universidade do final da Idade Mdia, ensinando a retrica, as regras do pensamento humano e as formas utilitrias dsse pensamento, e no a especulao desinteressada e indagadora. E, se formos um pouco mais longe, na prpria Grcia, encontraremos Pitgoras com a Matemtica e a Cincia, a fazer a universidade cientfica. De maneira que tambm na Grcia esto as trs razes que vo agitar e transformar a Universidade de Humboldt: a busca da verdade, a formao profissional e a cultura geral. A Universidade da Idade Mdia no era desinteressada; era uma universidade realmente profissional. Ela preparava o clrigo, o legista e o mdico. E tdas eram profisses. No era uma universidade como a de Plato ou de Newman e depois a de Berlim e, de certo modo, a de Oxford, a de Cambridge e a de Paris, uma universidade em busca da verdade, fsse ela qual fsse. Era utilitria e transmitia o conhecimento existente. E a nova universidade que se buscava era a de Pitgoras, que ensinava Matemtica e Cincias. Mas esta nova Universidade, que comea a existir com a Universidade de Humboldt, a Universidade de Berlim, a qual serve de verdadeiro modlo s universidades atuais do mundo, no vem a refletir-se no Brasil. As circunstncias do Brasil fazem com que le se desenvolva, primeiro, sob a influncia da educao de que os jesutas se fizeram os mestres, compreendendo um currculo fundamentalmente clssico, visando ao treino da mente e cultura geral; depois, ento, passavam para os cursos profissionais de Teologia e preparo dos membros da ordem, repetindo inteiramente a universidade medieval. De maneira que o Brasil, nesses primeiros sculos, apesar de no ter tido universidade no territrio da Colnia, contou com a de Coimbra, que era uma universidade tpicamente medieval, dirigida pelos jesutas, e teve tambm o colgio dos jesutas no Brasil, que reproduzia otriviume oquadriviumda cultura existente poca. Com sse colgio de estudos latinos e das literaturas clssicas, prendeu-se o Brasil inteiramente influncia da Idade Mdia, cuja educao era fundamentalmente a de latinidade. Lembrem-se V. Exas., recordando um pouco os fatos, que smente em 1693, no fim do sculo XVII, o latim abandonado, por uma universidade pioneira, como exclusiva lngua de ensino e se comea, pela primeira vez, a ensinar na lngua nacional. Isto se d na Alemanha, em Halle, a primeira universidade que lana mo da lngua verncula para a cultura superior. Vejam bem que at aquela poca a universidade estava inteiramente voltada para o conhecimento que a lngua latina conservava e para os clssicos antigos. Logo, a universidade estava tda debruada sbre a anlise do conhecimento existente. E no havia nenhum reflexo dessa universidade sbre a sociedade e, muito menos, sbre a produo. Nem a produo nem a economia, nem a sociedade dependia da universidade, antes ela prpria, a universidade, delas dependia. A universidade era tarefa especializada de um grupo de homens, devotados ao cultivo do saber do passado - cuja importncia e riqueza reconheo - empenhados em transmiti-los a um grupo de jovens para o aperfeioamento individual de cada um. O prprio indivduo aperfeioado pela obra de cultura pessoal, que o tornava mais sensvel, e mais interessante, adquiria, assim, a arte de viver com elegncia e graa. Os inglses chamavam-na a educao dogentleman. Benjamin Franklin, educao ornamental. Essa educao de elite, destinada ao clero e nobreza, foi a que tivemos, durante a Colnia. Embora a Metrpole no tenha permitido a universidade no territrio da Colnia, abriu-nos as portas para a Universidade de Coimbra, talvez para melhor forar nossa lealdade Coroa Portugusa. Os estudantes brasileiros em Coimbra chegaram a 2.500 entre o ano de 1550 e a transmigrao da Famlia Real. Foram les que vieram a constituir a elite com que, no sculo XIX, enfrentamos o problema da independncia. Nesse ponto perfeitamente aceitvel dizer-se que a Amrica do Sul era mais culta, dessa cultura do tipo aristocrtico e ornamental, do que a Amrica do Norte, excluda a parte do Sul. A Amrica do Norte, no seu esfro educacional, nunca teve inclinao profunda para os aspectos de cultura geral, buscando antes ministrar instruo utilitria ao maior nmero.3. A Educao nos Colgios dos JesutasA nossa situao era polarmente oposta. A educao era para a elite e de tipo aristocrtico. O colgio dos jesutas na Bahia chegou, mediante solicitaes repetidas, a graduar bacharis. Seus alunos graduados eram recebidos na Universidade de Coimbra para o ltimo ano do Colgio de Artes, reconhecidos os trs primeiros feitos na Bahia. O que desejamos sublinhar que, a despeito de no ter universidade, o Brasil considerava os colgios dos jesutas como vestbulos da universidade, cuja formao em letras clssicas lhe parecia a mais perfeita formao do homem. Quando ainda hoje nos referimos ao gsto da fala no Brasil e inclinao nacional para oratria, que poderia decorrer dsse tipo de educao universitria, ocorre-me recordar o Padre Serafim Leite, que cita haverem ficado os padres jesutas muito surpreendidos com os ndios, tendo um dles chegado a dizer que "os ndios so como os romanos; o mais importante dentre les o mestre da fala". De maneira que no seria apenas a nossa educao retrica da universidade medieval que nos teria feito, por vzes, mais amigos da palavra do que da ao; j entre os prprios ndios se consagrava o mestre da fala, lembrando os romanos, segundo os quais, o orador era a expresso mais alta da cultura. Tudo isto apenas para lembrar que o Brasil, a despeito de no ter universidade, estava profundamente imbudo do esprito de cultura que representava a universidade: o cultivo do conhecimento do passado, o refinamento humano por essa cultura recebida da Grcia, de Roma e das formas menos antigas da cultura existente. A universidade era a transmissora dessa cultura.4. O Conceito de Newman interessante a definio dada pelo Cardeal Newman, fundador da Universidade de Dublin e um dos que mais profundamente caracterizaram a idia da universidade, ainda em meados do sculo XIX (1852). Diz le: "Para que existe a universidade? Para levantar otonusintelectual da sociedade; para cultivar o esprito pblico; para purificar o gsto nacional; para suprir os verdadeiros princpios que devem respirar o entusiasmo popular e objetivos fundamentais das aspiraes populares; para dar largueza e sobriedade s idias da poca; para facilitar o exerccio dos podres polticos e para refinar o intercurso social da vida privada". Vejam bem V. Exas., como, em meados do sculo XIX, concebia Newman a universidade. Esta era a universidade de cultura geral literria e humanstica que iria reproduzir as Universidades de Oxford e de Cambridge, que, por sua vez, haviam nascido da Universidade de Paris, que fra a grande universidade da Idade Mdia. Cinqenta anos depois, a Universidade de Humboldt, destinada pesquisa e cincia, revia o conceito de Newman. Observem bem V. Exas. como no sculo XIX entram em conflito dois conceitos de universidade.5. Resistncia Idia de UniversidadeCito sses dados apenas para poder caracterizar a resistncia do Brasil idia da universidade. primeira vista, parece paradoxal essa resistncia do Brasil criao da universidade. No houve no Brasil universidade no perodo colonial. Com a transmigrao da Famlia Real, criam-se as duas primeiras escolas de Medicina, vinte anos depois as faculdades de Direito, depois uma faculdade de Minas e Mineralogia; a de Engenharia veio com a Academia Militar. Durante todo o perodo monrquico nada menos de 42 projetos de universidade so apresentados, desde o de Jos Bonifcio at o ltimo, que o de Rui Barbosa, em mil oitocentos e oitenta e tantos, e sempre o govrno e parlamento os recusam. Vim a encontrar no Congresso de Educao que se realizou no Brasil, em 1882, presidido pelo Conde DEu, ao qual o Imperador deu extraordinria importncia, um discurso em que um dos Conselheiros - o Conselheiro Almeida - faz uma longa catilinria contra a universidade. Tda sua argumentao gira em trno da universidade medieval. Alega que "a universidade uma coisa obsoleta e o Brasil, como Pas nvo, no pode querer voltar atrs para constituir a universidade; deve manter suas escolas especiais, porque o ensino tem de entrar em fase de especializao profunda; a velha universidade no pode ser restabelecida". Ora, isto, em 1882, representava, dentro da atmosfera daquela poca, certa viso no de todo despida de lucidez. Efetivamente, a universidade antiga era impossvel ser restaurada. Quanto universidade nova, o que estranho que le no tenha conhecido completamente a transformao sofrida pela universidade alem. Mas, quando s demais universidades, estava com plena razo. A universidade se achava em perodo de decadncia; no estava em condies de enfrentar os problemas modernos da cincia, da pesquisa e da transformao social. De sorte que no foi apenas, a meu ver, a conscincia conservadora que se ops universidade; parece ter havido da parte dos governos brasileiros um particular e constante propsito de resistir a certos desenvolvimentos puramente ornamentais da educao. Tenho refletido longamente sbre isto. Sempre estranhei sse comportamento do govrno brasileiro, desde o tempo do Imprio. Vejam bem, um Imperador como Pedro II, um homem razovelmente culto e at altamente inclinado para as coisas intelectuais, no abriu uma s escola superior no Brasil; resistiu idia da universidade at sua ltima fala no trono, quando afinal reconheceu, por certo que relutantemente, que seria conveniente uma universidade para o Norte e outra para o Sul do Brasil. Nem por isto se criou qualquer universidade. A Repblica continuou a tradio de resistncia. Estimulavam-se, entretanto, escolas agrcolas, liceus de Artes e Ofcios e, depois da Repblica, o ensino tcnico-profissional. As escolas agrcolas do Brasil so no s muito antigas como das mais ricas escolas superiores. No podemos deixar de reconhecer que o Govrno brasileiro, a classe governante brasileira, ao mesmo tempo em que via o Brasil com essa inclinao para a cultura intelectual, para a cultura do lazer, para a cultura geral, para a cultura de consumo, resistia a essa tendncia ornamental, procurando promover educao mais utilitria. A atuao do Govrno Federal nesse sentido muito tpica. A Regncia criou o Colgio Imperial Pedro II e, desde a criao dste Colgio at muito recentemente, no houve ampliao alguma ou criao de outro colgio. ste colgio francamente ornamental, francamente dedicado cultura desinteressada do esprito, cultura intelectual da poca passada. Apesar de ter recebido o seu nome, o Imperador no o multiplicou, mas veio a bafejar os liceus de Artes e Ofcios com seus aspectos mais prticos da educao. Vem a Repblica e faz a mesma coisa. O Govrno Federal cria escolas tcnico-profissionais e no cria ginsios ou escolas secundrias. E, quanto universidade, mantm-se estritamente na idia de uma universidade utilitria de preparo profissional, sem cuidar daqueles outros aspectos da cultura. Era como se se confirmasse o Conselheiro A. de Almeida Oliveira, naquele Congresso de 1882: "Ns no podemos ter universidade, porque no temos cultura para tal. A universidade a expresso de uma cultura do passado, e ns vamos ter uma cultura do futuro que j no precisa mais dela". Esta uma observao de certa lucidez. No digo que esteja certa ou errada. Mas havia no Brasil, na classe governante brasileira, uma idia de que a sociedade que se estava construindo ia ser uma sociedade utilitria, uma sociedade de servios teis, uma sociedade de trabalho e, como tal, no ganharia muito em receber os ornamentos e as riquezas da velha educao universitria. E a resistncia se mantm. Vem a Repblica, e esta tambm no cria a universidade. Smente em 1920, a Repblica d o nome de universidade quatro escolas superiores que havia no Rio de Janeiro. Mas essa Universidade smente em 1937 veio a ser realmente implantada. Em 1934, foi criada a primeira universidade em So Paulo e, em 1935, uma no Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal, que logo depois veio a ser extinguida. O Brasil conservava a posio de defender uma educao superior de tipo utilitrio e restrito s profisses. Nestas ligeiras observaes histricas j se patenteia a resistncia idia de universidade. Quando afinal acaba por se constituir por ocasio do centenrio, no passa de uma federao de escolas profissionais superiores."Esta universidade, pois, criada no Brasil em 1920, o primeiro arremdo de universidade que o Pas tem. Ns estvamos presos tradio do ensino superior profissional utilitrio, destinado a habilitar para o exerccio de uma profisso".Notemos, contudo, que a universidade, de que tnhamos experincia, que fra Coimbra, era uma universidade de escolas profissionais. A cultura geral restringia-se ao Colgio de Artes, sendo os cursos de graduao os do sacerdcio, das leis e da medicina. Essas antigas profisses no eram identificadas como simples vocaes, possuindo seus cursos a mais alta categoria universitria. Embora, pois, isoladas e independentes, essas escolas profissionais institudas no Brasil - as de Medicina desde 1808, tendo atingido mais de 160 anos; as de Direito, vinte anos depois, com mais de 140 anos - a despeito de serem escolas profissionais, eram tambm de cultura geral. Guardamos aquela antiga tradio de que a universidade nos preparava para o ofcio da profisso, mas tambm para a Cultura. A escola superior preparava o homem culto. E, tanto na escola de Medicina quanto na de Direito, ns lavramos e construmos a cultura geral que o Brasil possui. verdade que todo o perodo colonial foi um perodo de cultivo das artes da latinidade e das letras clssicas, de onde veio nosso gsto pelas letras; depois a escola secundria acadmica continuou a educao pela lngua e pelas letras, j com o Colgio Pedro II, j com os grandes colgios particulares que tivemos, que lembrariam os colgios inglses. preciso recordar que a universidade moderna smente surge no sculo XIX. Os prprios estudos da histria representam uma grande inovao na universidade, tendo sido introduzido o seu ensino pela primeira vez no mundo em 1736, passado o primeiro quartel do Sculo XVIII, na Universidade de Gottingen. Ora, o Brasil tem uma grande cultura histrica e uma grande cultura literria, embora nunca tenha criado escolas superiores devotadas a sses estudos. que as escolas superiores, a despeito da inteno profissional, tinham-se feito, de certo modo, tambm escolas de cultura geral. Ainda cheguei a assistir a aulas de fisiologia na Escola de Medicina, que eram de uma beleza literria extraordinria, em que a cincia era transformada em literatura e apresentada como expresses de saber imaginativo.6. Transplantao da Cultura EuropiaAs escolas superiores brasileiras, no obstante serem profissionais, cumpriam, de algum modo, herdadas do passado, as funes de educar o homem para a cultura geral e desinteressada. Assim sendo, a sua elite formava-se em escolas superiores que, embora visando cultura profissional, davam sobretudo nfase ao sentido liberal das antigas e nobres profisses de Direito e da Medicina. Mais do que tudo, porm, importava o fato de transmitir uma cultura dominantemente europia. De modo que tnhamos duas alienaes no ensino superior. A primeira grande alienao que o ensino, voltado para o passado e sbre o passado, nos levava ao desdm pelo presente. A segunda alienao que tda a cultura transmitida era cultura europia. Recebamos ou a cultura do passado, ou a cultura europia. E nisto tudo o Brasil era o esquecido. A classe culta brasileira refletia mais a Europa e o passado do que o prprio Brasil: estvamos muito mais inseridos na verdadeira cultura ocidental e at na antiga - latina e grega - do que em nossa prpria cultura. J o norte-americano estava criando uma escola superior e uma universidade para a sua cultura. isto o que estamos tentando fazer agora. Da sse extraordinrio paradoxo! ns, que ramos relativamente, histricamente, aparentemente mais cultos do que os americanos, no criamos em nossa classe dominante as condies necessrias para realizar a civilizao moderna e para construir a grandeza do nosso Pas dentro da nova cultura que nela se vem erguendo. Ento, penso, no exagro acentuar, quando vejo o Brasil surpreender-se um pouco com certos comportamentos que le prprio tem e que os representantes da velha cultura acham que uma deteriorao da cultura brasileira, que estamos, pela primeira vez, enfrentando uma cultura nativa do Brasil, e, at ontem, queramos sobrepor ao Brasil uma cultura europia, uma cultura estrangeira da qual existem ainda representantes. Talvez seja eu ainda um dsses representantes dessa cultura. O meu curso secundrio foi todo feito com professres estrangeiros; no havia um s professor brasileiro. verdade que muitos eram jesutas portuguses. Mas havia tambm professres estrangeiros devido s colnias portugusas de muitas nacionalidades. Cursei o ginsio logo que os jesutas foram expulsos de Portugal. De maneira que no tive um s professor brasileiro nos meus cinco aos de escola secundria. Vejam bem V. Exas., eu me estava cultivando com uma cultura que, na realidade, era enraizada na cultura europia. Todo o passado foi ste: todo o passado brasileiro era conservado em cultura estrangeira. A alienao no uma figura de retrica; mas, uma realidade. Educaram-nos em uma cultura diversa da cultura local. Os nossos modelos de cultura eram sempre estrangeiros, tanto que as pequenas e modestas escolas profissionais existentes no Brasil tinham padres de cultura copiados da cultura europia. Quero caracterizar bem isto, porque, do contrrio, no explicaramos o Brasil, pois eram poucas as nossas escolas superiores que tentavam transmitir essa cultura. No tnhamos afinal mais que as duas escolas profissionais: a de Direito e a de Medicina, que produziram uma cultura geral da mais alta qualidade, equivalente cultura europia. Estudava-se naquele tempo nas escolas superiores brasileiras, e eu ainda estudei no ginsio, com livros todos em lngua estrangeira. Isto no meu perodo, que foram os primeiros vinte e cinco anos do incio dste sculo. Eu ainda pude ter uma colocao com livros e tratados todos estrangeiros. A nossa educao naquele tempo era muito mais para uma civilizao europia do que para a nossa. Da sse paradoxo: O Brasil smente conheceu ensino superior em escolas isoladas; no teve universidade; mas o esprito, o estilo, a atmosfera, a misso de universidade, com os seus caractersticos passados e presentes, teve-a integralmente. S lhe faltou a cincia, que s recentemente foi introduzida. Mas a introduo da cincia na universidade deu-se, em todo o mundo, na segunda metade do sculo XIX. Pode-se dizer que s na Alemanha se iniciou no princpio do sculo XIX, quando aqule pas lanou a idia de que universidade era pesquisa. Essa pesquisa era realizada tanto no campo de humanidades, como no campo das cincias fsicas e naturais. Vejam bem o detalhe: antes dsse perodo, antes de Humboldt, tda a universidade estava a aprender um conhecimento j existente e j formulado pelos livros antigos. Com Humboldt, surge para a universidade a funo de se elaborar a cultura que vai ser ensinada. sse ponto parece-me extremamente importante. Assim como a universidade da Idade Mdia elaborou a cultura da Idade Mdia, a universidade da Idade Moderna teve de elaborar a cultura moderna para ensin-la. Ento, no se trata de dizer apenas que a universidade precisa dedicar-se pesquisa. Ela tem de formular o conhecimento que vai ensinar, o qual no existe ainda. Quando se fala que a universidade deve passar pesquisa no significa se faa um acrscimo, isto , que lhe devemos anexar mais uma tarefa e ela viraria universidade de pesquisa. A universidade s ser de pesquisa quando passar aformulara cultura que vai ensinar. Pode parecer excessivo dizer-se que a cultura humana tem de ser elaborada para poder ser ensinada. Isso, porm, literalmente verdade. Tdas as vzes que eu estiver dando uma cultura que no foi elaborada nacionalmente para ser ensinada, estarei prestando informaes: no proporcionando educao. De maneira que eu posso dar informaes, inclusive por meio de uma poro de livros estrangeiros etc. Posso fazer cabeas muito bem informadas, tornar pessoas aparentemente muito entendidas do assunto, mas sses indivduos no sero representativos da cultura, no estaro aprendendo uma cultura corporificada na sociedade de que so membros. Ora, tda a nossa educao superior dsse tipo. Se examinarmos a elite intelectual brasileira, verificaremos ser ela sem dvida brilhante. Peo aos nobres Deputados que leiam a publicao do Congresso de Educao de 1882. um grande volume de mais de 2.000 pginas. Ali encontramos pessoas discreteando sbre todos os temas, com esclarecimento perfeito. Mas essas idias adquiridas de livros integravam-se nas cabeas dos indivduos. Porm no tinham a menor realidade. A cultura realmente existente a que estiver incorporada na sociedade em que eu estiver. Quando procedo a uma inovao, fico em contraste com essa cultura. Geralmente, uma idia nova leva de 25 a 50 anos para ser incorporada numa sociedade. Na Amrica, h quem diga que s com 50 anos uma idia verdadeiramente nova se incorpora na sociedade. Outros calculam que algumas idias foram incorporadas aps 25 anos. Para entendermos o problema do Brasil, acho isso profundamente esclarecedor. Como sabemos, o Brasil, com uma minoria to culta, nunca conseguiu criar instituies slidas, firmes. As instituies brasileiras, na minha opinio, so de uma fragilidade enorme. De nada adianta mudar o nome delas vontade. O fato que real a fragilidade institucional brasileira. Isso decorre de as idias estarem na cabea das pessoas, no na sociedade a que pertencem. Vale pouqussimo uma idia na cabea. Nem chega mesmo a ser uma idia. Uma informao que se tem na cabea no uma idia-fra, uma idia que opera. Nossa luta pela democracia parece-me profundamente expressiva. No Brasil, no fala informao democrtica, no falta quem exponha a democracia com a maior clareza. Por que, ento, no funciona essa democracia? Porque uma coisa trmos idias na cabea; outra coisa so essas idias se refletirem em nossas cabeas. absolutamente necessrio que a educao seja uma implantao de uma cultura geral na sociedade; no um acrscimo, no um ornamento, no um processo informativo. S conseguiremos transmitir a educao, quando transformamos as nossas instituies culturais em instituies realmente embebidas no solo brasileiro, na terra brasileira, na forma de pensar brasileira, no modo de pensar brasileiro. Foi exatamente isso que Humboldt imaginou para a Alemanha. No sculo XIX, a Alemanha tinha sido derrotada pela Frana e estava vivendo um momento de humilhao. A universidade, naquele pas, surgiu como uma forma de se criar a cultura germnica, como um meio de se formular a cultura germnica. Quer dizer, a universidade cincia e nacionalismo, pesquisa e nacionalismo. Naquele tempo, a universidade no existia como instituio universal a se estabelecer na Alemanha. A universidade era algo que ia ser criado na Alemanha, atravs do qual a cultura alem ia ser estudada, ia ser formulada, ia ser ensinada. As instituies iam ser criadas. A democracia muito recente no mundo. Afinal, comeou prticamente nos fins do sculo XVIII. Todavia, nem sempre refletimos que extrema dificuldade houve para ela se implantar, seja nos pases anglo-saxnios - mais preparados para receb-la - seja na Europa Continental.7. Objetivo da Educao: Formar a Cultura NacionalAinda sob muitos aspectos, a Europa Continental lembra o Brasil, pois no tem as instituies democrticas definitivamente consolidadas. Uma coisa estarmos informados de uma alterao profunda, como esta do pensamento poltico da Humanidade; outra coisa sse pensamento poltico existir na sociedade e ns sermos reflexo dle, que, no entanto, s poderia existir na sociedade, se todo o processo educativo estivesse embebido do seu esprito: o esfro educativo o esfro para formar a cultura nacional e ensinar essa cultura. O grande objetivo da educao formar a conscincia nacional. Sem uma cultura nacional no se poder formar essa conscincia. Como temos uma cultura estrangeira, produzimos esta coisa paradoxal do Brasil: uma das elites mais cultas, uma minoria perfeitamente culta, e um sistema educacional terrvelmente pobre e deficiente. Penso que o Brasil teve a universidade, mas a universidade universal, a universidade que se destinava a dar ao brasileiro uma cultura universal, universidade que tinha por fim fazer dle um homem universal, que era o objetivo da universidade da Idade Mdia e que revivia, ressurgia, dentro das modestas escolas profissionais que possumos. Para sair desta improvisao um tanto veemente, peo permisso a V. Exas. para ler umas consideraes que escrevi a propsito. O pensamento escrito sempre mais moderado. o seguinte: "Retardou-se a Nao, at o primeiro quartel do sculo XX, para iniciar-se no esfro de transformar o ensino superior no processo de tomada de conscincia da cultura nacional, em formao, e de aquisio de novos mtodos de pensar e de saber" - smente em 1922 tivemos o primeiro esbo de universidade - "fundados na cincia experimental, para a soluo dos seus problemas de desenvolvimento". "A nova cincia j no era uma cincia de especulao ou de exegese e interpretao do conhecimento existente no passado, mas cincia criadora e extraordinriamente fecunda, em conseqncias tecnolgicas, para a soluo dos problemas materiais relacionados com o poder e o enriquecimento humano" - sse era o projeto que o Brasil tinha, no primeiro quartel do sculo XX. "O nvo ensino era um ensino de descobertas, a exigir uma atitude de esprito e mtodos de trabalho intelectual radicalmente diversos dos que dominavam no passado". Perdoem-me insistir neste depoimento, que no se faz reforma de universidade sem mudana do saber que ela vai transmitir. Essa mudana no , de maneira alguma, mudana de forma, de estrutura; a mudana do contedo, dos programas e da aplicao que o Brasil vai fazer."Na prpria Europa, no foi fcil a adaptao da universidade revoluo do conhecimento cientfico. Smente na segunda metade do sculo XIX consolidaram-se, dentro da universidade, o nvo esprito e os novos mtodos. Ainda assim, em meio a grandes resistncias de alguns dos mais conhecidos centros do saber humano. que a universidade, alm dessa nova tarefa de acompanhar e acrescentar um nvo saber experimental e tecnolgico, conserva a sua antiga funo de guardar e transmitir a cultura existente e de refletir a cultura nacional. Diante, porm, da transformao em que entrou a prpria sociedade, mesmo a tarefa de transmitir a cultura existente" - chamo a ateno dos senhores deputados para ste ponto - "e refletir o carter da cultura nacional passou a exigir estudos novos, por novos mtodos, ou seja, a impor os mesmos mtodos de pesquisa que dominavam o campo do saber cientfico e experimental". No s em cincia que descubro um mundo nvo. Quando se entrava na escola de Cincias Sociais ou na escola de Direito do Brasil, tinha-se de estudar o Pas profundamente, para poder ensinar o modo com que as instituies e as idias estavam funcionando no territrio brasileiro. Assim, para se organizar a escola superior, era preciso que alguns professres dessa escola se devotassem profundamente ao estudo, por exemplo, da cultura jurdica brasileira. Isso que hoje estamos a chamar sempre de pesquisa e inqurito, o professor tinha de fazer para poder formar a cultura jurdica brasileira, a cultura brasileira em cincias sociais, a cultura histrica brasileira. Enfim, tdas as culturas brasileiras tinham de ser elaboradas pelo professor universitrio. "Estudar e saber, longe de continuar a ser o feliz emprgo do lazer humano e consistir, dominantemente, em compreender o homem e o mundo, para aprimoramento e refinamento do seu esprito e de sua vida, passou a ser um rduo trabalho, em muitos aspectos, material, a exigir todo o tempo e a depender de um tipo de imaginao totalmente diverso do que inspirava a antiga cultura chamada, talvez imprpriamente, de humanstica" - vejam bem: no havia razo para ser ela chamada de humanstica, pois era a cultura existente naquela poca, ou seja, apenas a cultura moral, a cultura sbre o homem. A cincia nunca foi, nesse perodo em que se estava operando a transformao da humanidade, tida como uma cultura no humanstica. Na Universidade de Humboldt, o humanismo compreende Filosofia e Cincia. Esta se achava completamente integrada. Foi o tremendo desenvolvimento cientfico moderno que criou a terceira cultura. Fala-se muito em duas culturas: a humanstica e a cientfica. Refiro-me sempre a trs: a clssica, do passado, chamada humanstica; a cultura prpriamente dos cientistas; e uma terceira cultura, a dos profissionais, que no bem uma cultura cientfica, e, sim, outra modalidade da cultura cientfica. De maneira que so trs culturas. A humanstica dominada, sobretudo, pelo conhecimento do passado e pelas suas letras". Todavia, hoje, mesmo a cultura literria pode ser altamente moderna e altamente cientfica. "A cultura cientfica, ao contrrio, se impregnava de um sentido de futuro, sendo ste um dos aspectos fundamentais da revoluo do saber humano". Esta revoluo foi na verdade como a de Coprnico: a cultura, que era tda do passado, volta-se quase tda para o futuro. preciso um esfro para fazer a mocidade de hoje compreender que ela no pode viver s para o futuro; tem de buscar suas razes no passado, para compreender melhor o futuro. Quer dizer, o passado fica como um instrumento apenas. le um auxiliar, um elemento que me ajuda a compreender o presente, mas no o fim da minha educao. "Surgiram, ento, as escolas-laboratrio, as escolas-pesquisa. E todo o saber humano, fsse "humanstico" - na Alemanha, a cincia sobretudo cincia humanstica - "ou de estudo da natureza, entrou em fase de radical reconstruo.8. Expanso e Mudana InteriorA doce atmosfera, de certo modo convencional, do saber desapareceu para surgir a indstria do conhecimento, e as escolas a se fazerem casas de trabalho rduo e persistente, exigindo o que hoje se vem chamando tempo integral e devotamento exclusivo. O desenvolvimento do ensino superior passou a ser medido pelo grau em que professres e alunos assim conduziam o seu trabalho e adotavam os novos mtodos do nvo conhecimento". De maneira que a mudana no nunca uma expanso s; uma mudana real, interior, dentro da qualidade de ensino que estou dando. " essa transformao que vamos procurar caracterizar no ensino superior brasileiro, distinguindo, fundamentalmente, o que simples ampliao e crescimento das condies anteriores, s vzes com grave deteriorao dessas condies e o que representa efetiva renovao e como do nvo esprito, do nvo mtodo, do nvo estilo do saber e do nvo modo de trabalhar no campo das cincias fsicas e humanas. O nvo professor universitrio e o nvo aluno da universidade so, hoje, dois trabalhadores modernos, cujo grau de esfro e dedicao se fizeram to particulares e essenciais que antes se fundam numa paixo do que em possveis incentivos materiais, embora stes no sejam, sobretudo hoje, desprezveis". Est claro que convm dar um pouco de incentivo material. Mas a cultura moderna podia ser feita smente com paixo por ela, j que capaz de provocar essa paixo. "Tomaremos, assim, as nossas escolas superiores em seu desmedido crescimento" - chamo a ateno igualmente para isto: o crescimento do ensino superior no Brasil gigantesco - "sem maior deslumbramento pela sua expanso, buscando investigar e descobrir o que realmente nela representa a transformao, melhor diria, mutao, para firmar os pontos de sua sobrevivncia e mostrar os aspectos em que perduram os velhos moldes em vias de desaparecimento. Distinguiremos, por isso, a simples expanso que resultado da exploso de aspiraes em que vivem os que hoje buscam o ensino superior" - essa uma das grandes presses que o ensino superior sofre - "e o que se vem realmente fazendo para adaptar a universidade s novas necessidades da sociedade em transformao, de modo a evitar que a sua expanso venha a constituir; para os que a procuram, uma paradoxal frustrao. Estagnada, ou no, a educao superior tradicional representava o que havia de mais significativo no Pas, no sentido de valorizao e prestgio social". Vejam bem: embora a educao superior brasileira tenha sido estagnada, pobre, modesta, ela possua, no sentido de prestgio social, um valor exaltadssimo. "Por isso mesmo, no se pode pedir mocidade, que busca essa educao ainda tradicional, que seja ela a renovadora de seus mtodos e de seu contedo. No pode mover a essa mocidade motivao diversa da que serviu aos que antes a buscavam. Entre as resistncias mudana necessria e indispensvel, no est apenas a sociedade brasileira, de si mesma, naturalmente, letrgica, podendo sofrer a mudana, mas raramente a promovendo; no esto apenas os professres ameaados de perder seus hbitos longamente aceitos; esto os prprios estudantes a tudo isso refletir" - a refletir a cultura em que deva estar inserida a universidade brasileira - "na motivao que os projeta para as suas novas ambies de estudos e de saber. Se os mais velhos se cultivam em escolas de tempo parcial, recebendo o saber por impregnao auditiva e um vago e ocasional convvio com os professres, natural que os mais novos tambm julguem que se cultivaro do mesmo modo, para poder fruir o prestgio social de que ainda goza a velha elite formada segundo os velhos mtodos". Antes de descrever o ensino superior no Brasil, considero ainda indispensvel um esfro para definir os padres, modelos ou valres que o ensino superior objetiva na vida brasileira. ste pensamento, parece-me, ajuda a compreender, depois, a situao que estamos encontrando. "No se trata da organizao formal do ensino superior, nem mesmo dos fins proclamados na abundante legislao que rege sse ensino. Cogitaremos, antes, de valres subjacentes, geralmente implcitos, e que realmente governam a sua expanso, de certo modo explosiva, a partir de 1940. As sociedades latino-americanas, dentre elas, a brasileira, eram sociedades, at a Primeira Guerra Mundial, em desenvolvimento acentuadamente lento, de tipo oligrquico e, de algum modo, aristocrtico, pois no s eram sociedades para os poucos, como tinham de certa maneira, refletindo a Europa, cuja cultura e civilizao buscavam imitar, um apro especial pelo que se poderia chamar "cultura geral" em oposio cultura cientfica ou tcnica.9. O Modlo das Escolas Profissionais IsoladasO ensino superior na Amrica espanhola fz-se, desde o princpio, em universidades concebidas e fundadas pelo modlo espanhol, enquanto no Brasil, quando veio a ser criado o ensino superior, j no sculo XIX, o modlo foi o de escolas profissionais isoladas". Creio que j me referi bastante a ste assunto. Por isso, passarei a ler adiante. Trata-se do texto em que sublinho o fato, j explicado por mim aqui, de que, embora no houvssemos contado formalmente com a universidade, tivemos o esprito e a funo da universidade. "ste carter de ensino superior brasileiro, a que no falta uma nota, enfim, paradoxal" - embora por definio eminentemente profissional, le, realmente, era de cultura geral - "que permitiu, at pelo menos 1930, que as escolas superiores se constitussem em instituies tranqilas" - vejam bem: at 1930 sse ensino superior viveu um perodo de extraordinria tranqilidade. Vivi essa dcada e dela me recordo vivamente. Posso assegurar que no havia, ento, a menor intranqilidade no ensino superior brasileiro - "freqentado relativamente por poucos alunos, orgulhosos do brilho excepcional de certas aulas e, com as inevitveis distores locais, eminentemente acadmicas, o que , talvez, o trao mais duradouro de todo o ensino superior brasileiro" - a despeito de serem escolas profissionais, cultivam um grande amor qualidade acadmica do ensino, entendida a como ensino desinteressado. "As escolas superiores, resumindo-se s duas carreiras de alto prestgio, a do mdico e cirurgio e a do jurista, depois de engenharia, para cujo modlo se inspirou na escola politcnica francesa, eram o que foram para a Frana asgrandes coles,que no soubemos copiar. Ao seu lado, havia a escola de belas-artes, a escola de agronomia, os cursos anexos de odontologia e farmcia, mas constituam socialmente escolas de segunda classe, formando profissionais sem maiores honras acadmicas. O ensino nessas escolas era enciclopdico, dentro de cada ramo, compreendendo um extremo currculo, sem qualquer especializao, sendo, a rigor, propedutico profisso, para a qual o diplomado se iria formar pela prtica depois de deixar a escola" - isso o que caracteriza bem o ensino superior brasileiro, mesmo quando le se chama profissional. "Por isso mesmo, os professres eram todos de tempo parcial, com a sua atividade reduzida a aulas magistrais. Os alunos, entretanto, desde que filhos de famlias abonadas, eram, dominantemente, de tempo integral, dedicando o tempo escola, biblioteca e vida de estudante" - estou falando aqui sbre os alunos do meu tempo - "com acentuado sentido de lazer e traos de bomia. Eram raros os estudantes que trabalhavam para o ganho. Por isso mesmo - o ensino superior visava mais cultura do que ao preparo ou treino profissional - o problema da eficincia prpriamente dita da escola era secundrio. A escola se reduzia sua funo de semear idias e conhecimentos, ficando a colheita dos resultados a cargo do aluno e do seu esfro autodidtico, por meio de leituras e, depois, pela prtica e pela experincia pessoal. Embora as escolas mantivessem bibliotecas, nem sempre atualizadas, o esperado do bom aluno era que constitu-se sua prpria biblioteca. At o primeiro quartel do sculo, as trs escolas superiores, de Medicina, de Direito e de Engenharia lograram, dentro dsse esprito e dsse mtodo, constituir-se em escolas razovelmente boas e preparar a elite profissional e culta para o Pas" - inegvelmente elas preparavam a elite que conseguimos ler e usar. "Ainda nesse perodo, cumpre notar que se d incio a certa mudana em relao Medicina" - chamo a ateno dos nobres Deputados para ste ponto, porque, na minha opinio, um dos maiores esclarecimentos sbre o ensino superior brasileiro que vamos ter a anlise mais detalhada do que representou a cultura mdica brasileira - "e engenharia, passando a primeira a acentuar o carter prtico dos cursos de clnica e os aspectos cientficos e experimentais das cadeiras bsicas, e a de engenharia, com a criao da Escola Politcnica de So Paulo, servida por corpo de professres estrangeiros em algumas cadeiras, a dar incio especializao em eletricidade e mecnica, alm da clssica engenharia politcnica e civil. At ento, entretanto, o aperfeioamento ou avano de qualquer instituio de ensino se fazia em perfeita tranqilidade sem, s vzes, qualquer repercusso social. O ensino superior constitua uma provncia isolada, em perfeito estado de alienao cultural" - com relao cultura nativa, cultura brasileira; no cultura universal - "interessando apenas sua tranqila clientela de classe alta e mdia superior, imbuda, alis, de profundo respeito categoria intelectual dos seus professres". No podemos desconhecer que o professor da universidade brasileira era uma das figuras mais respeitadas e mais admiradas da Nao. Logo, precisamos olhar para sse professor com certo respeito. Dentro da cultura que estava representando, le foi uma alta expresso do valor brasileiro. "Quando, na dcada de 20 comeam os movimentos de crtica e exame da situao educacional" - vejam bem: a que comea a inquietao brasileira - "e se esboam os contornos de sistema educacional que inclusse a universidade, o sistema existente de ensino superior no se sente atingido pela crtica, no se registrando dentro dle nenhum reflexo do movimento proposto reconstruo educacional". curioso: todo o movimento de reconstruo educacional brasileiro estranho universidade. O mesmo aconteceu em tda a Europa. Acontece, que a universidade estava fechada no seu isolamento, na sua tranqilidade, nos seus objetivos. "O ensino mdico, contudo, era o mais afetado pelo progresso cientfico e o mais ligado aos problemas brasileiros, por isso mesmo que a sade humana constitua problema concreto e local, no podendo ser resolvido por uma cultura de idias universais" - evidente que o mdico no podia ficar s com as idias universais, to abundantes na cultura brasileira. "Por isto mesmo, dentro do esprito da cultura acadmica, so as escolas de medicina do Brasil as primeiras que se emancipam dos mtodos de cultura geral e comeam a revelar insatisfao ante a situao existente". Ao referir-me a essa mudana, no posso deixar de lembrar como o Brasil fz os seus estudos histricos. Nosso Pas tem historiadores do mais alto quilate, aprendeu pesquisa histrica profundamente, faz histria com os melhores mtodos cientficos e nunca foi a universidade ou a escola superior que lhe ensinou isso. Nessa poca, em que a cultura histrica era de um grande intersse social, criamos institutos histricos e geogrficos em tdas as capitais, o que uma honra para ns. Hoje, no conseguimos criar nada semelhante. Tudo isto realizado pela iniciativa privada brasileira. "No h como no distinguir o profissional mdico dos demais profissionais do Pas. pela Medicina que se introduz na cultura brasileira o esprito cientfico moderno, caracterizado pelo mtodo experimental. Da serem as escolas de Medicina, em oposio s de Direito e mesmo s de Engenharia, o verdadeiro ncleo de pensamento emprico indutivo, que lentamente comea a emergir no quadro intelectual brasileiro".10. A Poltica do Numerus Clausus"Dentro do quadro do que se poderia chamar asgrandes escolasbrasileiras - Medicina, Direito, Engenharia - a escola de Medicina , assim, a primeira que entra a se organizar, tendo em vista o nvo carter cientfico da profisso. Ao mesmo tempo, entretanto, em que se transforma, a fim de apurar os padres cientficos da sociedade moderna, introduz uma severa poltica denumerus claususpara a admisso, reduzindo drsticamente a sua matrcula". A Escola de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro chegava a ter 500 alunos no primeiro ano. Pois bem, passou a ter 100. Vejam a reduo drstica. "O fato pode ser observado na simples evoluo da matrcula mdica a partir de 30. le importante, porque revela um dos traos da poltica de educao superior no Brasil, que a de restrio de matrcula. Com efeito, embora onumerus claususde matrcula represente preocupao pelos padres de qualidade do ensino, no se pode dizer que seja smente ste o motivo de sua adoo."Pois, ao mesmo tempo em que as escolas assim fecham as suas portas, adota o Pas, para atender presso invencvel da procura educacional, a soluo decriar novas escolas em vez de ampliaras existentes".ste um outro ponto para o qual gostaria de chamar a ateno de V. Exas., porque muito significativo que o Brasil no expanda as escolas existentes e crie novas escolas."No se pode admitir que seja mais fcil criar uma nova escola do que ampliar as j existentes. Se isto se faz, porque as escolas existentes resistem sua prpria ampliao, seja para manter o prestgio de que gozam, seja por no aceitar o nvo esfro necessrio sua ampliao. O fenmeno indicativo de certo estado de complacncia com a situao existente e de resistncia mudana. Logo, embora as escolas de Medicina sejam as mais sensveis ao progresso cientfico da profisso mdica, nem por isto elas se fazem instituies dinmicas predispostas mudana, mas afeioam-se aos padres adquiridos e se fecham como fortalezas dentro dos seus muros, que no so os da universidade, mas os da prpria escola. Por a se pode sentir como a circunstncia de as escolas terem sido criadas como instituies isoladas de ensino profissional, leva-as a conservar, ainda quando integradas na universidade, a sua lealdade escola e no universidade".Reputo ste um dos pontos mais significativos do velho esprito universitrio. A velha universidade medieval era uma oligarquia de professres. Quando terminou a Idade Mdia, encontravam-se na decadncia que sabemos, exatamente porque estavam totalmente fechadas como oligarquias de professres. Os alunos eram menos importantes do que les prprios. Ora, insinua-se dentro das escolas brasileiras sse mesmo esprito. As escolas no aceitam ser ampliadas porque isso representaria a multiplicao de professres e o deslocamento de valres dentro de cada escola. Criem-se mais escolas, mas no toquem em mim! Ento, o Brasil desenvolve-se pela multiplicao das escolas, em vez de promover o crescimento das j existentes.11. Desenvolvimento das Escolas de Medicina, Engenharia e Direito"Depois da de Medicina, foram as escolas de Engenharia que passaram a sofrer a influncia da transformao dos conhecimentos tecnolgicos do mundo moderno, levando-as a ampliar e diversificar o seu currculo para atender s especialidades da profisso. O movimento foi mais lento e gradual do que no ensino de Medicina e levou a estrutura diferente. Enquanto o curso mdico se conservou um curso nico, ficando a especializao reduzida parte clnica, as escolas de engenharia diversificaram os seus currculos pelas diferentes especialidades. Registre-se, porm, que no chegaram a ser escolas avanadas de tecnologia ...".Vejam como diferente: as escolas de Medicina chegaram a um ponto que, hoje, acho, sem nenhum exagro, podemos dizer que o profissional mdico brasileiro pode-se equiparar ao profissional mdico de qualquer pas civilizado. Alm disso, acha-se to avanado nos aspectos cientficos e tecnolgicos da profisso quanto os demais. J no posso dizer o mesmo da Engenharia nacional, porque, embora ela j seja muito significativa, no se fz tecnolgica. Ela no percebeu que a Engenharia no era apenas civil, mecnica ou eletricista, mas era, por excelncia, a descoberta da mquina e da Tecnologia dessa mquina. Ento, no posso equiparar o desenvolvimento das escolas de Engenharia brasileiras com o desenvolvimento das escolas de Medicina."... mas limitaram-se a ensinar as tecnologias existentes, com o esprito de transmisso dos conhecimentos existentes e no de pesquisa ou descoberta".Enquanto em Medicina vemos a descoberta de tratamento para as molstias brasileiras, vemos a cincia mdica brasileira, em Engenharia temos a Tecnologia que nos trazida do exterior. No criamos a nossa Tecnologia. Somos, s vzes, maiores no aspecto artstico da Engenharia, como se pode ver por esta maravilha que Braslia. Arquitetura, por ser arte, pde progredir melhor do que as cincias tecnolgicas, porque, como arte, comeamos incluindo-as originriamente em nossa escola de Belas-Artes."ste outro trao da poltica do ensino superior que, no Pas, no chegou escola de ps-graduao...".Esta outra grande falha da nossa estrutura. A universidade moderna, a universidade de Humboldt, do princpio do sculo XIX, era universidade de ps-graduao. Ia preparar o homem para descobrir a cincia, para formular a cincia a ser ensinada nas escolas inferiores. No era de modo algum a escola para transmitir os conhecimentosexistentes,porque o conhecimento existente estava sendo criado dentro da grande transformao da poca."... mas se ateve apenas ao ensino do saber existente e que chegasse posse do professor. Tudo isto nos obriga a observar que a escola superior no se fz centro de renovao do conhecimento mas de simples transmisso do pouco saber estabelecido, existente em cabeas brasileiras e no livro. Com as escola de Direito no se registra nenhuma inovao. O ensino continou com seu currculo enciclopdico de disciplinas jurdicas e o mtodo de aulas magistrais, trs vzes por semana, a alunos que, por sua vez, liam e estudavam compndios jurdicos. Nem especializao, nem qualquer forma prtica introduzida. Por outro lado, o carter normativo das cincias jurdicas facilitou a generalizao do modo de pensar terico-dedutivo, que muito concorreu para marcar a inteligncia brasileira com um trao especulativo e, de certo modo, dogmtico.12. As Faculdades de FilosofiaA essas trs escolas maiores da tradio do ensino superior brasileiro, vieram acrescentar-se na dcada de 30, primeiro a escola de Filosofia, Cincias e Letras e, depois, vrias outras. Isto sucede, porm, quando a sociedade j estava em franco processo de mudana e as aspiraes pelo ensino superior comeavam a crescer e a pressionar as escolas por novas carreiras e por admisso numerosa de alunos. Como iria o pequeno ncleo limitado do ensino superior reagir a essas mudanas e aceitar a sua incorporao universidade ento criada? A reao foi defensiva e no de aceitao. As escolas se encastelaram em sua real autonomia e passaram a considerar o Reitor como o substituto do Diretor do Ensino Superior, a que antes estavam moderadamente subordinados. Nenhuma escola se considerou nem didtica nem acadmicamente subordinada ao Reitor, mas escolas independentes em trno de sua autoridade, a que delegaram seus entendimentos com o govrno, sobretudo para a obteno do oramento e o plano de obras da universidade".O Reitor era uma espcie de delegado da congregao, que representa a fra do ensino superior, para, junto ao Govrno, obter oramento favorvel universidade e escola, dispensando os prprios diretores das escolas de terem de se preocupar com sses problemas."Estamos considerando as escolas oficiais, mas a situao no era muito diversa com relao s escolas particulares. O ensino particular funciona por concesso do Govrno e suas escolas tambm esto diretamente subordinadas a le, que as autoriza, reconhece e fiscaliza, gozando, apenas, de liberdade administrativa. Tambm elas tm a tradio de escolas profissionais isoladas e, quando constitudas em universidades, comportam-se do mesmo modo quanto organizao central da reitoria.Por ste fato, quando se criaram as faculdades de filosofia, cincias e letras, que iriam iniciar no Pas o estudo superior nas diferentes reas do saber humano e, em realidade, introduzir o ensino universitrio das disciplinas em seu aspecto acadmico e no profissional, faltaram modelos tradicionais para ste tipo de ensino. No havia no ensino brasileiro modlo para as faculdades de filosofia, cincias e letras. A nova instituio, por isto mesmo, surgiu com misses estrangeiras de professres. A ela devia caber a funo central da universidade, interligando-se com as demais escolas profissionais e passando a incumbir-se do ensino bsico ou propedutico das escolas profissionais, que, libertadas da necessidade de tambm ministrar sse ensino, passariam a se concentrar no esfro de formao profissional. Nada disto se deu. As escolas profissionais continuam como dantes, oferecendo ensino propedutico e de formao profissional, e a faculdade de filosofia, cincias e letras fz-se uma escola normal superior de preparo do professor secundrio, como tal se multiplicando pelo Pas".So, hoje, 113. Quer dizer, em 1934, h, portanto, 34 anos, um fundador de uma faculdade de filosofia, cincias e letras, como o Governador de So Paulo, julgava que no podia faz-lo sem trazer uma equipe de 18 professres estrangeiros. No mesmo ano o Govrno do Distrito Federal criou uma faculdade de cincias e letras, uma faculdade de direito e economia etc. e l tambm os seus administradores acharam que precisavam de 16 professres europeus para dar incio a essa escola. Hoje, h 113 no Brasil e se constituem em municpios que no chegam a ter 50 mil habitantes, e com professorado local.Vejam bem se ela a antiga faculdade de filosofia:"Por certo, como no se criou o ensino ps-graduado, as melhores escolas de filosofia, cincias e letras ensaiaram a especializao no campo das letras e das cincias, dando incio ao preparo de cientistas nos campos das cincias fsicas e naturais e das cincias sociais e de especialistas no campo das letras. Nenhuma escola se fz, porm, centro de pesquisas ou de estudos avanados nesses campos, ficando, geralmente, concentrada nos cursos de quatro anos de preparo do professor secundrio".No s a escola de filosofia no se integrou na universidade, como no realiza sua funo, como no expande seu ensino alm dos trs ou quatro anos de seus pequenos cursos.13. Universidades Brasileiras: Reunio de Escolas Isoladas"Como se v, a estrutura antiga de escolas profissionais isoladas conservou-se, constituindo a universidade apenas a sua reunio em um conglomerado de escolas sob uma autoridade comum, mais nominal e burocrtica do que efetivamente administrativa e acadmica. O reitor nem sequer poderia se atribuir a posio de lder do grande esfro diversificado da congrie de escolas. Era o simples representante das escolas, em suas relaes externas com o Govrno e o pblico. Ante a resistncia assim manifestada do modlo antigo de escolas isoladas, nem a universidade logrou estruturar-se como a nova instituio de produo do ensino superior, nem, por isso mesmo, passou a responder aos reclamos sociais para a sua expanso e diversificao. Ao contrrio, resguardadas pela nova autoridade do reitor, elas se fizeram mais conservadoras, abrigando a sua imobilidade sob o escudo do relativo distanciamento em que ficaram da sociedade e do pblico. Com a organizao da universidade, as escolas se isolaram ainda mais da sociedade como tal. Quando irrompeu, assim, a presso social por expanso, esta no se exerceu sbre a universidade mas sbre o govrno e a expanso se fz por atos do govrno mediante a multiplicao das escolas, e no pela reforma e ampliao do sistema existente. , sem dvida, significativo o fenmeno. Sabemos que as instituies de ensino so naturalmente resistentes mudana e que a fra dessa resistncia se situa dominantemente nos professres. No Brasil, essa fra de resistncia tamanha, que s com a criao de novas escolas, isto , quando no haja professres para se opor ampliao, que esta se pode efetivar. Dir-se-ia, ento, que a nova escola seria progressiva e tentaria ensaiar novos mtodos. Tambm isto, entretanto, no se d. A escola nova uma rplica da velha, e geralmente pior, devido falta de experincia dos professres. Somos obrigados a reconhecer que a instituio no uma agncia a lidar com um problema exterior a ela e que lhe cabe resolver, mas uma sociedade de professres enfeudados em seus intersses, que defendem, preservando-se de qualquer alterao mesmo quanto ao nmero de scios da companhia".Tal esprito no culpa de ningum, mas resultante de uma situao histrica das escolas brasileiras."Lembremo-nos de que, originriamente, a universidade era uma corporao de professres, congregados para estudos e ensino e, dste modo, fechada e voltada sbre si mesma. Embora no incio jamais tenham sido isto, acabaram por se encerrar em seus muros, atingindo uma situao de decadncia no sculo XVIII. Foi essa corporao que Napoleo fechou na Frana para criar escolas do Estado, cujo modlo procuramos repetir aqui. No ser, porm, que o antigo molde medieval se insinuou na organizao oficial do Estado, que tambm aqui se criou, dando s escolas o carter das guildas medievais assim ressuscitadas?"Cabe agora dizer: o Brasil, ao fazer suas escolas isoladas, estaria imitando Napoleo, que procedeu ao fechamento das universidades e criou as escolas isoladas do Estado para manter o contrle governamental. Mas a universidade francesa, pouco tempo depois, foi restaurada e o esprito medieval da escola se restabeleceu. E agora, seja aqui ou na Frana, vemos a mesma agitao em trno de uma reforma universitria que encontra l tanta resistncia, como est encontrando aqui."Se assim , no ficar compreensvel o fenmeno brasileiro da resistncia das escolas mudana e da facilidade paradoxal da criao de novas escolas? Veja-se bem que a valer essa interpretao a escola passa a existir para o professor e s indiretamente para o aluno. E, por isto mesmo, s o professor juiz do que vai le ensinar ao aluno. Alm disso, a instituio passa a ser uma instituio autnoma e fechada, sujeita exclusivamente sua prpria autoridade. O nico juiz do seu programa e da sua eficincia ela prpria. As guildas medievais eram uma corporao dsse tipo. O velho modlo sobrevive nas escolas superiores plantadas no solo brasileiro".14. Liberdade de Ensinar e Liberdade de AprenderOra, essa observao tanto mais verdadeira quanto a maior inovao criada por Humboldt nessa universidade, que passamos a chamar deuniversidade moderna, no princpio do sculo XIX, foi o princpio doLernenfreiheit und Lehrenfreiheit,liberdade de ensinar e liberdade de aprender. Na universidade alem, desde ento, o aluno, ao entrar, escolhe o que vai estudar, e o professor tem completa liberdade de ensinar. ste grande modlo de universidade, em oposio universidade-corporao fechada, que ensina o que les, professres, resolvem ensinar, em regime estatutrio de extrema rigidez. So instituies para si prprias, presumidas de guardis da cultura de promotores do seu desenvolvimento indefinido."Dir-se- que assim so as escolas superiores de tda a Europa. No estou longe de reconhecer o fato, mas l elas assim se constituram numa sociedade longamente formada e estratificada, vindo a mudar com a mudana da sociedade, de que eram peas integrantes. Entre ns, as escolas foram criaes inovadoras feitas pelo Estado, para uma sociedade nascente, sem padres prprios de cultura, que deveriam ser criados pelas escolas e implantados na nova sociedade, a cujos reclamos iriam atender, redirigindo-os. No podemos proceder a um estudo comparado do ensino superior nos vrios pases, mas dentro do Continente h o caso dos Estados Unidos da Amrica, que, por circunstncias especiais histricas, no subordinaram o ensino superior aos modelos europeus, desenvolvendo-os como uma experincia local e dentro das contingncias de uma sociedade nova em processo de evoluo sob o impacto da revoluo democrtica e industrial do sculo XIX. A universidade americana muito diversa da universidade inglsa e mesmo da europia. No surge como uma corporao de professres, mas como um empreendimento social, sob o contrle de um conselho no profissional".Sabemos que s h no mundo outro exemplo, o da Esccia, onde tambm a universidade est sob o contrle de um organismo leigo, que preside a universidade, a qual existe no para si, mas para cumprir determinado dever para com a sociedade. Vejam bem a diferena: a educao no s um bem para o indivduo, mas uma necessidade para a sociedade. Da a necessidade de poder a sociedade velar por essa necessidade geral, independentemente da necessidade individual. Para que isto se faa possvel, devemos ter na universidade algum rgo que represente junto a ela a sociedade. Na universidade napolenica e na universidade brasileira, o Govrno mesmo se apropriou da universidade, como rgo da sociedade. Mas, dadas as origens democrticas da sociedade anglo-saxnia, ela no ps o govrno dirigindo a universidade, mas um conselho leigo, no profissional, algumas vzes eleito pelo povo, outras escolhido pelo Governador do Estado, ou pelo rgo fundador ou mantenedor da universidade."o qual contrata os professres, por indicao de um Presidente, que , mais do que tudo, um gerente e um lder, nem sempre com qualificao de professor".15. A Experincia Americana: Universidade-EmprsaS um estudo de como alguns reitores das universidades americanas - quatro ou cinco dos mais significativos e criadores - modificaram suas instituies, nos permitiria sentir como a sociedade, em processo de industrializao, v na universidade uma emprsa como outra qualquer; e, assim como a General Motors se transformou numa grande emprsa, a universidade americana se transformou em uma emprsa formidvel de produo de conhecimento. O fenmeno no poderia ocorrer, se a universidade tivesse a forma antiga tradicional, ou seja, uma reunio de professres e alunos para estudarem. Os objetivos sociais encarnaram-se completamente dentro da universidade."A relao entre a instituio e a sociedade imediata e direta, sendo a universidade uma agncia para certo empreendimento social de cultura, de treinamento profissional e de pesquisa. O caso de Harvard extremamente esclarecedor, como se tornam, depois, os casos dosLand Grant Colleges".Tomemos s o exemplo da organizao da profisso de Direito. A Amrica estava como o Brasil; pior ainda, porque, para les, o caso era mais difcil do que para ns. O pas a crescer espantosamente e sem quadros para coisa alguma. A lei anglo-saxnia, que era a lei comum fundada nos costumes, havia-se generalizado, no nvo continente. No existiam bacharis, nem advogados, a prpria magistratura era em geral eleita. Passou pela Amrica a idia de criar uma escola de Direito e com os tratados e livros de texto de Direito da Europa e da Inglaterra entra a formar advogados? No. Vejamos o que fz a Universidade de Harvard. A sua escola de Direito foi organizada aps tremendo esfro no sentido de levantar tda a jurisprudncia dos juzes americanos, acumul-la numa biblioteca enorme junto escola. Aps isso, os estudantes e professres de Direito passaram a estudar essa jurisprudncia e a formular o Direito americano. No h nas escolas de Direito, em que se generalizou ocase method,nada do que lembre nossas escolas enciclopdicas, que ensinam o direito do mundo inteiro em livros e tratados. les vm estudando como o americano aplica a lei, como est resolvendo seus problemas legais."Em Harvard, a organizao daLaw Schoole depois daBusiness Schoolconstitui exemplo do carter inovador e criador da Universidade. No a escola de Direito uma escola acadmica de cincias jurdicas, mas uma escola de estudo emprico do funcionamento dacommon lawna nova sociedade. Ocase methodtorna o ensino de direito um mtodo de estudo da jurisprudncia americana, de onde emergiria uma cincia jurdica americana emprica e fundada em sua aplicao da lei. Mais tarde aBusiness School..."Vejam bem, a escola de comrcio no Brasil feita como se fsse brincadeira, com alguns tratados. A escola de comrcio de Harvard custou dois milhes e quinhentos mil dlares em preparo de material que ia ser ensinado, baseado nas decises das emprsas administrativas e industriais americanas. Quer dizer, foi um estudo completo de todos os relatrios da indstria americana em crca de oitenta anos de vida. Um trabalho intensivo para compor uma biblioteca e, ento, organizar uma escola de comrcio numa universidade. Material para ser estudado e investigado. Onde no Brasil se fz escola dsse tipo? O Brasil faz escola at sem biblioteca. Foi sse mesmo Eliot, de Harvard, quem fz da biblioteca a pea mais importante da Universidade. Hoje, Harvard tem mais de sete milhes de livros na sua biblioteca, que a terceira do mundo, por que dizia Eliot que no podia fazer uma universidade, numa nao nova do continente americano, sem primeiro fundar uma biblioteca. Uma universidade, quando apenas para estudo do passado, uma biblioteca; antes de tudo uma biblioteca. Agora, quando o homem toma essa biblioteca, atualiza, moderniza o conhecimento e o ensina, uma escola. Se fr s para transmitir os conhecimentos dos livros, basta a biblioteca. O Museu Britnico funciona como universidade. Alexandria funcionou durante vrios sculos como universidade. Uma biblioteca uma universidade, se fr para ensinar o conhecimento passado. Agora, se se deve reformular sse conhecimento para o presente, preciso o professor e a universidade."Mais tarde aBusiness Schoolse organiza com o mesmo mtodo, exigindo ainda maior originalidade em preparar o material em que o ensino se iria fundar. No h nesse mtodo de criar o ensino superior, nada que lembre a universidade medieval nem a alienao cultural que marcou o ensino superior no Brasil. A nao, na Amrica do Norte, estava a criar a sua cultura e essa cultura estava a ser estudada na universidade, para se tornar possvel o seu ensino. A sociedade e a universidade eram uma s coisa e como a sociedade era local e nova, nova e local era a universidade. No estamos pois a fantasiar alguma coisa mas a lembrar um exemplo, cercado do mais completo xito, mesmo nos aspectos acadmicos, que a universidade veio depois a adquirir, nada devendo aos padres criados pela Europa. Assim como a Europa criou a sua universidade, assim criou a Amrica do Norte a sua, e assim deveramos ns criar a nossa. Infelizmente o fenmeno de transplantao de cultura foi muito mais marcado e profundo na Amrica Latina e smente agora podemos ensaiar os passos para fazer da universidade o centro de estudos da cultura brasileira, a fim de a podermos ensinar e desenvolv-la. Ser que o poderemos fazer? confesso minhas dvidas, pois so muito graves as resistncias a vencer e muito difceis os novos moldes a inculcar em professres e alunos. Trata-se de tornar a universidade no a transmissora de uma cultura universal j existente, mas a estudiosa de uma cultura nova em elaborao, que lhe cabe descobrir e formular para poder ensin-la. No se pense que desconhea a existncia de um saber universal. Por certo que existe e deve ser ensinado, mas essa ser sobretudo a tarefa da educao elementar e secundria, cabendo universidade a tarefa de complement-la e depois elaborar e ensinar a cultura nacional formando os especialistas da Lngua brasileira, da Histria brasileira, do Direito brasileiro, da Medicina brasileira, da Engenharia brasileira, da Cincia social brasileira, da Agronomia brasileira, das Cincias naturais brasileiras, smente caindo no campo universal as Cincias fsicas e matemticas, ainda assim com aspectos de aplicao tambm brasileiros. Porque a Tecnologia no mundo todo tambm nacional; a cincia universal mas as tecnologias so nacionais. isto que fazem tdas as naes desenvolvidas da decorrendo que a cultura, como o vinho, embora tenha mtodo e mesmo contedo comuns, seja diferente conforme o meio que a produz. Tambm o Brasil est elaborando a sua cultura e o que pedimos que a universidade se volte para ela e a descubra e a formule, para poder ensin-la. Para isto a escola superior deve retirar-se do seu isolamento e fazer-se um centro de estudos e de pesquisa".16. Ambigidades do Ensino Superior e as Mudanas Sociais"A Anlise que esboamos nas pginas precedentes vai ajudar-nos a compreender as ambigidades e perplexidades do ensino superior no Brasil ao defrontar-se com as mudanas sociais, as novas exigncias de educao para satisfaz-los e as aspiraes dos jovens para participar da universidade e do ensino superior. H que apreciar as fras contraditrias que se entrechocam no processo incoercvel de expanso, em que entraram as escolas superiores. De um lado, temos a resistncia das escolas existentes mudana, do outro lado a presso da populao estudantil ampliao das oportunidades do ensino superior. Independente dessas duas fras, uma a manter a escola fechada, outra a quer-la aberta, uma a querer manter os muros do ensino superior, outra a querer escal-los, havia outras empenhadas em reformar o ensino superior para melhor atender aos reclamos do nvo tipo de saber necessrio modernizao do Pas e necessidade de diversificar os estudos para novas carreiras compatveis com as exigncias da nova sociedade em formao. Estas fras de renovao e reforma tinham contra si ambas as fras anteriores, a de conteno e a de expanso, que no propugnavam mudanas, mas simples retrao ou expanso do sistema. As fras de reforma s poderiam atuar de dentro do sistema, no sendo capazes de promover, como uma fra exgena, a mudana do sistema. Outro seria o caso se houvesse dentro da universidade o desejo de reforma. Da a importncia do caso das escolas de Medicina, as quais foram, simultneamente, as escolas mais resistentes ampliao da matrcula e as mais progressivas na sua reorganizao interna de mtodos, contedos dos currculos e prtica de ensino". Implacvelmente fechadas em sua poltica denumerus claususde matrcula, estas escolas desenvolveram, guardado o seu isolamento, o ensino propedutico ou bsico de Biologia humana e a formao profissional do mdico. Gozando do maior prestgio social, herdado da prpria profisso mdica e fortalecido pelo valor dos seus professres, habitualmente profissionais de grande relvo, as escolas de Medicina guardaram o seu isolamento e auto-suficincia, existindo dentro da universidade, mas no pertencendo universidade. Constituam, em verdade, o modlo para a universidade-confederao-de-escolas e no unio-de-escolas e, dste modo, serviam s outras escolas desfavorecidas de maior prestgio social, mas tambm sequiosas de independncia e isolamento".A escola de Medicina, na medida em que se fecha e se isola dentro da universidade, fornece o modlo para as outras escolas igualmente isoladas."Uma ilustrao eloqente dsse esprito est na criao das escolas de Farmcia e Odontologia, antigos cursos anexos das escolas de Medicina, que se desprendem da suaalma-mater, para se fazerem escolas isoladas e independentes. O molde profundo do ensino superior era o de escolas profissionais independentes, cuidando simultneamente dos estudos propeduticos e dos estudos profissionais, de certo modo universitrios, no sentido das universidades profissionais do passado. O curso era um s, rgido e uniforme para todos os alunos.Dentro dsse molde, a expanso do ensino superior no se poderia fazer nem pela fuso, nem pela integrao, nem pela cooperao entre as escolas, mas smente pela criao de novas escolas. E foi o que se deu.As fras de renovao e reforma empenhadas na criao da universidade moderna, proposta a alargar a cultura universitria para o ensino e a pesquisa em todos os campos do conhecimento humano, fizeram duas tentativas, em 1934 e 1935, para a transformao da universidade. Em 1934, So Paulo criou a Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras como escola central da universidade e em 1935 a Cidade do Rio de Janeiro, ento Distrito Federal, criou uma universidade integrada pelas escolas de Economia e Direito, Filosofia e Letras, Cincias, Educao e um Instituto de Artes".Foram as a que j me referi a Universidade de So Paulo e a Universidade do ex-Distrito Federal; uma foi supressa e a outra hoje est em vias de ser reformada."Ambas as tentativas representavam esforos para ampliar os objetivos do ensino superior, integr-los em escolas complexas e diversificadas e criar o estudo desinteressado das diferentes disciplinas do saber humano, conjugando a cultura geral com a especializao cientfica e literria e os estudos ps-graduados de pesquisa, sem esquecer a formao profissional que, entretanto, deixava de ser a nica ou a formao central do homem culto brasileiro.Ambas as iniciativas ficaram de certo modo frustradas. A Universidade do Distrito Federal foi, pouco depois, supressa, incorporando seus professres Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, criada na Universidade do Rio de Janeiro, reorganizada em 1937, com a designao de Universidade do Brasil. Vingaria, pois, a idia da Universidade de So Paulo, da Faculdade Central de Filosofia, Cincias e Letras para integrar e dar unidade idia universitria. Isto, entretanto, no se verificou. O esprito de independncia e isolamento das escolas, conjugado com o molde resistente das escolas profissionais, levou ao insulamento da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras. Nenhuma das antigas escolas aceitou a sua colaborao na formao bsica propedutica aos seus cursos profissionais. No s no aceitou, como, de certo modo, passou a hostilizar a nova Faculdade, que teve, para se defender, que dar nfase aos cursos de licenciatura para o magistrio secundrio smente subsidiriamente se devotando formao acadmica dos especialistas em Letras, Cincias e Filosofia. Assim dividida nos seus objetivos fundamentais, acabou por se multiplicar no Pas, mais, contudo, como escolas normais de professor secundrio do que como Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, salvo o caso das duas maiores, as do Rio e de So Paulo. Neste sentido que digo que a experincia, em grande parte, se frustrou. Veremos adiante os aspectos atuais do processo de evoluo ou transformao das faculdades de filosofia. Depois dessas duas tentativas de implantao da universidade moderna, entre ns, voltamos linha de menor resistncia da simples criao de novas escolas, guardando o molde antigo de isolamento, auto-suficincia e independncia de cada escola.Recordemos que as escolas clssicas de ensino superior brasileiro eram as escolas de Medicina, de Direito, de Engenharia e de Belas-Artes, acompanhadas das escolas reputadas de segunda categoria que eram de Farmcia, Odontologia e Agronomia e Veterinria" - estas so as 7 escolas tradicionais do ensino superior brasileiro. - "Ainda hoje estas sete escolas contam, numa matrcula total de 180.000 alunos (1966), com mais de 90.000 alunos, ou seja, cerca de 55%. todo o velho ensino tradicional brasileiro." - Na matrcula total das escolas pblicas federais de 72.500 alunos, contam com a matrcula de 48.000, ou seja, crca de 67%. Se juntarmos s escolas pblicas federais as escolas pblicas estaduais, teremos a matrcula global de 94.000, onde essas sete escolas contam com a matrcula de crca de 61.500 alunos, ou seja, crca de 65%.Com a criao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras e a sua aceitao do papel de escola profissional de formao do magistrio secundrio, desapareceu o carter de escola para a reforma universitria, o que no s levou sua multiplicao, como removeu as dificuldades para a criao de novas escolas, dentro do esprito de ensino superior profissional. Surgiram ento as escolas de Economia, Cincias Contbeis e Administrao, de Arquitetura e Urbanismo, de Enfermagem, de Biblioteconomia, de Educao Fsica e Desportos, de Estatstica, de Geologia, o Curso de Jornalismo (nas faculdades de filosofia) e as escolas de Nutricionistas e de Servio social". - Isto o que representa a inovao tda do ensino superior. - "Tdas so auto-suficientes, fazendo szinhas seus cursos propeduticos e profissionais em cursos lineares, do primeiro ao ltimo ano, a partir do curso secundrio. Nessas novas escolas, entre as quais se incluam as faculdades de filosofia, esto crca de 81.000 alunos, ou seja, 45% da matrcula total". Salvo Arquitetura e Urbanismo, que se poderia incluir no primeiro grupo, todos os cursos dessas escolas so de 3 e 4 anos, aps o curso secundrio, podendo ser considerados como cursos equivalentes aos do colgio americano, anteriores escola de ps-graduao".17. Os Cursos de Ps-GraduaoOs cursos de trs e quatro anos so, em tdas as universidades do mundo, considerados cursos de carreiras curtas. Tda a inovao no ensino superior brasileiro est restrita ainda a sses trs e quatro anos de estudo. E a grande transformao moderna, que a escola de ps-graduao, a escola de pesquisas, a escola que ir formular o conhecimento humano para ser ensinado, no chegou a existir no Brasil. Nosso problema hoje, em 1968, era o problema de Humboldt na Alemanha em 1809, e era o problema da Amrica em 1875, quando sob a influncia do ensino germnico, lanou as bases da universidade totalmente devotada escola de ps-graduao e, unindo Harvard e ainda Wisconsin e Minnesota a John Hopkins, criou o ensino ps-graduado da Amrica, que data de 1875. Se formos felizes, dataremos da prxima dcada de 1970 a nossa fase de ps-graduao. Na reestruturao, que agora se anuncia, esboa-se sse nvo esprito.18. A Expanso do Ensino Superior"Como ressalta de tda a atual expanso do ensino superior, prevalece a idia da escola profissional, da matrcula fechada para cada curso, sem possibilidade de transferncia, e da universidade como confederao de escolas independentes e auto-suficientes. As prprias escolas de economia e as faculdades de filosofia, que ofereciam vrios cursos, mantinham uma separao mais ou menos rgida entre os cursos". - Digo mais ou menos, porm era realmente rgida. - "Por um lado, foi a universidade obrigada a uma duplicao considervel de professres e de equipamento e, por outro, obrigou-se o aluno a uma opo nica e irretratvel, o que o levou, naturalmente, a buscar dominantemente as escolas de maior prestgio social".Nem todo o mundo repara o porqu de tda essa ansiedade pela escola de Medicina. No h na universidade brasileira seno escolas confederadas, tdas comeando no primeiro ano e terminando no ltimo. Se, por exemplo, no ingresso na escola de Medicina no incio do curso, jamais poderei passar para a Medicina, a no ser voltando atrs e reiniciando o curso. Como a escola de maior prestgio social no Brasil, nenhum aluno corre o risco de se matricular em outro curso, pois no tem a menor possibilidade de transferir-se para os verdadeiros estudos que o apaixonariam, ou que poderiam vir a apaixon-lo. Ou entra, de incio, na escola de medicina, ou jamais entrar nela. O que h, realmente, so vrios portezinhos, nos quais quem entra no mais poder sair, criando, com isto, aglomerao muito maior nos portes preferidos. Todos querem pertencer a sse grupo de prestgio social. H 15.000 alunos para a faculdade de Medicina e 1.000 para a faculdade de Filosofia. H escolas vazias e outras tomadas de assalto, porque no posso ingressar na universidade e depois escolher a escola? Tenho que diretamente ingressar na escola. Ora, se admitirmos que a formao bsica venha a constituir uma etapa da formao superior, ministrando o ttulo de bacharel, o qual habilitaria a entrar numa escola graduada, seja para profisso ou para pesquisa, poder-se-ia muito mais fcilmente receber todos os candidatos na universidade. Matriculados, iriam todos fazer seus dois ou trs anos de cursos bsicos, os quais seriam propeduticos a cursos profissionais propeduticos a cursos acadmicos, de cultura geral ou de carreira curtas; depois disso que iria processar a seleo para as escolas profissionais de carreiras longas e para as diferentes especializaes cientficas e acadmicas; uma terceira seleo haveria ainda para os cursos avanados ps-doutorais."A idia de que as escolas - dem apenas um curso, como as de Medicina ou de Direito, ou dem at vinte cursos, como a Faculdade de Filosofia - so escolas iguais, a serem tratadas de modo igual, levou a conseqncias extremamente danosas".Uma escola de Direito d um nico curso do primeiro ao ltimo ano. A faculdade de Filosofia e Letras chega a dar vinte. No h, na organizao, nenhuma diferena nessas duas escolas e no modo de trat-las. Se eu entrar para a faculdade de Filosofia, para um dos cursos, tenho que ficar ali. J no terei nem possibilidade de transferncia, nem de opo nem de melhoramento. a regra totalmente oposta daLernfreiheit und Lehrenfreiheit:nem liberdade de aprender, nem liberdade de ensinar."A escola de Filosofia da antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, no conseguiu sequer prdio prprio, funcionando h crca de 30 anos num prdio alugado, de propriedade de uma nao estrangeira, no dispondo das mais elementares condies para um prdio de escola universitria, embora seja a escola de mais alta matrcula da referida universidade".Cito sse fato porque no h nada mais expressivo: na maior universidade do Brasil, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, rica, poderosa, com um programa que data de trinta anos, h uma escola que, possuindo o maior nmero de matrculas de tda a Universidade no conseguiu prdio prprio."A universidade uma confederao de escolas unidas pelos laos de uma coordenao central exercida pelo Conselho Universitrio, Conselho de Curadores e Reitor, atuando mais como rgos de contrle que como rgo de propulso e desenvolvimento. Ao lado das universidades, com suas unidades de ensino incorporadas ou agregadas, subsistem os estabelecimentos isolados de ensino, que no apresentam diferenas substanciais dos incorporados ou agregados, salvo a de que a autoridade central para os "isolados" no o Conselho Universitrio mas a Diretoria do Ensino Superior.Achado o mecanismo da expanso do ensino superior pela criao de novas escolas", - com isso que quero caracterizar a expanso - "a sua multiplicao se vem processando de modo contnuo e incessante, por isto que no afeta as escolas existentes, nem importa em movimento de mudana, de reforma".Da, dizer eu que a expanso do ensino superior a consolidao do subdesenvolvimento da universidade. Sua expanso, longe de ser uma reforma, a consolidao do "estabelecido". Torna muito mais difcil a reforma!"A educao superior passou a ser algo de uniforme e homogneo, que se expande como se expande a escola primria. O fato de a Lei de Diretrizes e Bases estabelecer a liberdade de iniciativa particular de ministrar ensino em todos os graus, assegurando aos estabelecimentos privados, legalmente autorizados, o reconhecimento para todos os fins dos estudos nles realizados, veio dar grande impulso ao ensino particular, por um lado atrado pela procura social da educao e por outros incentivado pela sano pblica generosamente estendida ao ensino privado, sem outra exigncia que a da autorizao legal. Foi a licena de ensinar que a Lei veio a estabelecer, no sentido pejorativo da palavra licena. A correo no fcil, pois faltam tradies ao Pas para conter os perigos da demagogia e do charlatanismo".Considero hoje a expanso do ensino brasileiro o caso mais espantoso e grave de charlatanismo e demagogia, porque no estamos reformando o ensino, no estamos dando o ensino que devamos sociedade brasileira e estamos multiplicando indefinidamente instituies que antes deviam passar por profundas reformas. E chegamos a criar essa coisa paradoxal. Cria-se o ensino superior hoje com mais facilidade do que uma escola primria. H Estados cujos padres escolares exigem para se criar uma escola primria, professor e prdio. A escola superior nem de prdio precisa. Posso cri-la como quiser, num andar de um edifcio, numa escola primria em funcionamento, ou passar a ter a escola superior e noite, num ginsio ordinrio. Estou desenvolvendo escolas superiores como no desenvolveria escolas primrias."Para uma viso global da expanso do ensino superior, devemos acompanh-la a partir de 1808, data da transmigrao da crte portugusa para o Brasil, quando foi criada a Escola de Cirurgia e Medicina da Bahia, primeira escola superior brasileira. At 1890, data da proclamao da Repblica, foram fundados mais 13 estabelecimentos de ensino superior. Eram, pois, 14 as escolas superiores do como da Repblica.De 1890 a 1930, quando se deu a queda de chamada Repblica Velha, foram criados 72 estabelecimentos de ensino superior, elevando-se o total a 86.De 1930 a 1945 (data da restaurao democrtica e do sufrgio universal e secreto) foram criados 95 novos estabelecimentos ou unidades escolares de ensino superior, elevando-se o total geral a 181. Nesse perodo foram tambm criadas as universidades.De 1945 a 1960, foram criados 223 novos estabelecimentos de ensino, passando o nmero dles a ser 404.Entre 1960 e 1967 "- nesses ltimos 7 anos - (metade do perodo anterior) foram criados 265 estabelecimentos novos, elevando-se o total a 671". Isto em 1967, porque hoje o nmero muito maior. Entre 1930 e 1967, o nmero de estabelecimentos sobe de 86 a 671, ou seja, mais de 7 vzes em 37 anos. A matrcula em 1930, de 14.000, sobe para 180.000 em 1966 e mais de 200.000 em 1967, ou seja, mais de 14 vzes".Isso no se registra em nenhum pas do mundo. a maior expanso de ensino j registrada. O que se venceu foram velhas resistncias brasileiras. No se alterou a estrutura da escola existente, porm mudou-se a conscincia que o Brasil tinha de que essas escolas no podiam ser aumentadas em nmero. Aumentadas agora em nmero, foram-no com evidente quebra de padro. Poucas, o mal que faziam seria pequeno. Sendo muitas, o mal que fazem muito maior."ste crescimento, por certo espantoso, fz-se pela multiplicao dos estabelecimentos existentes, pela criao de estabelecimentos novos at ento inexistentes e sua imediata multiplicao, e pela diversificao de cursos nos estabelecimentos com currculos diferenciados, com a faculdade de Engenharia, a de Filosofia, a de Economia e a de Artes. So, hoje, em 1967, ao todo, 671 unidades de ensino, das quais 328 se acham incorporadas s universidades, 45 agregadas s universidades e 298 mantm-se como estabelecimentos isolados (dados de 1967). Das 328 incorporadas s universidades, 222 so oficiais federais, 32 oficiais estaduais e 74 particulares. Das 45 agregadas, 3 so oficiais estaduais e 42 particulares. Das 298 isoladas, 27 so oficiais federais, 51 so oficiais estaduais, 27 so municipais e 193 so particulares. Ao to